PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA
SANDRA MARIA DE OLIVEIRA
A LINGUAGEM EM QUINE
Porto Alegre
2011
SANDRA MARIA DE OLIVEIRA
A LINGUAGEM EM QUINE
Tese apresentada como requisito para obtenção do
grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul.
Orientador: Dr. Roberto Hofmeister Pich
Porto Alegre
2011
SANDRA MARIA DE OLIVEIRA
A LINGUAGEM EM QUINE
Tese apresentada como requisito para obtenção do
grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul.
Aprovada em _________ de _____________________ de ____________________
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr.
______________________________________________________
Prof. Dr.
_______________________________________________________
Prof. Dr.
__________________________________________________________
Prof. Dr.
___________________________________________________________________
Para meus filhos, eixo e totem, Tatiana, Tadeu
Jr., José Carlos e minha neta Giulia, que trouxe
encantamento e magia para a família.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Roberto H. Pich, que num dia de outubro de 2005,
acreditou que este momento seria possível. Naquele dia, apresentou-me Quine e
percebeu que o projeto embrionário, embasado na Filosofia da Linguagem, tema
apaixonante, que ainda não conseguia vislumbrar, era viável. Obrigada pela confiança,
incentivo, encorajamento nos momentos em que dúvidas sobre o andamento do
trabalho me assaltavam. Ou, ainda, quando a afasia intelectual tomava conta.
A meus colegas e amigos pelas discussões sempre pertinentes e pelo
interesse demonstrado pela minha área de pesquisa.
A meus filhos, que sempre acreditaram e estiveram presentes em todas as
etapas deste processo de descobertas e construção.
The road not taken
Robert Frost
Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;
Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,
And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I—
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.
RESUMO
A abrangência da discussão acerca da linguagem é ampla. Desse modo, buscamos
trazer elementos que fundamentam a problemática desta tese, cujo núcleo concentrase nos desdobramentos das abordagens concernentes ao behaviorismo, empirismo e
pragmatismo, assim como conceitos-chave no sistema quineano, a fim de elucidar seu
pensamento para sustentar esta investigação. Nesse contexto, o problema deste
estudo consiste em buscar embasamento na teoria da linguagem de Quine para
responder à questão em relação ao viés behaviorista levantado; a saber, que
concepção filosófica permeia a teoria da linguagem em Quine. Esta investigação
orienta-se a partir de textos fundamentais, como From a Logical Point of View; Word
and Object: Ontological Relativity and other Essays; Pursuit of Truth; The Ways of
Paradox and Other Essays; The Web of Belief; The Roots of Reference; Theories and
Things, de Quine; quanto a Dewey baseamo-nos, sobretudo, em Experience and
Nature, em que ele, de forma pontual, mostra seus conceitos acerca da linguagem.
Além disso, a partir dos textos é possível responder às hipóteses e indagações que
motivaram este trabalho, referentes à linguagem e seus pressupostos em Quine.
Ademais, apresentamos conceitos pertinentes à questão da indeterminação e seus
pressupostos que são discutidos no capítulo 2. No terceiro, linguagem e empirismo
mostram o mundo da experiência que há no sistema filosófico de Quine. Por fim, nas
considerações finais, concluímos que, realmente, a teoria de Quine a respeito da
linguagem, seu aprendizado e aquisição apresentam um cunho behaviorista marcante,
comprovando a hipótese inicial.
Palavras-chave: Linguagem. Behaviorismo. Empirismo. Pragmatismo.
ABSTRACT
The scope of the discussion about language is very broad. Thus, we have searched to
provide elements that underlie the problem of this thesis, whose core focuses on
developments concerning the approaches of behaviorism, empiricism and pragmatism,
as well as key concepts in the quinean system in order to clarify his thought to support
this research. In this context, the problem of this study is to search basis in Quine's
theory of language to answer the question in relation to behavioral bias raised, namely,
which philosophical idea permeates Quine‘s philosophical theory of language. This
investigation has been guided from basic quinean texts, such as: From a Logical Point
of View; Word and Object; Ontological Relativity and Other Essays; Pursuit of Truth; The
Ways of Paradox and Other Essays; The Web of Belief; The Roots of Reference;
Theories and Things. Regarding to Dewey, the study has grounded in the book
Experience and Nature, in which he, incisively, show his concepts about language.
Moreover, from the texts, it can be possible to answer the hypotheses and questions
that have motivated this research, concerning language and its assumptions on Quine.
Furthermore, we have presented relevant concepts to the issue of uncertainty and
assumptions that have been discussed in Chapter 2. In the third, language and
empiricism can show the world of experience that there is on Quine's philosophical
system. Finally, in the final remarks, we conclude that, indeed, Quine's theory about
language, learning and acquisition has a strong behaviorist nature, confirming the initial
hypothesis.
Keywords: Language. Empiricism. Behaviorism. Pragmatism.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10
1 QUINE A PARTIR DE DEWEY .................................................................................. 17
1.1 A importância do contexto na construção da concepção da linguagem em Quine .. 17
1.2 Introduzindo Dewey ................................................................................................. 19
1.2.1 A influência de Dewey na filosofia de Quine ........................................................ 19
1.2.2 A linguagem na visão de Dewey .......................................................................... 21
1.2.3 A perspectiva do naturalismo de Quine a partir de Dewey .................................. 26
1.3 Embasamento quanto ao pragmatismo ................................................................... 31
1.4 Resumo.................................................................................................................... 32
2 INDETERMINAÇÃO................................................................................................... 34
2.1 A teoria da linguagem na concepção de Quine ....................................................... 34
2.2 O viés da tese da tradução radical ........................................................................... 37
2.2.1 Apresentação do thought experiment .................................................................. 37
2.3 Trazendo aspectos da indeterminação da tradução ................................................ 42
2.4 Relatividade ontológica e seus desdobramentos: inescrutabilidade ou
indeterminação da referência na perspectiva empírico-naturalista ................................ 46
2.5 Considerações acerca do fisicalismo ....................................................................... 51
2.6 Resumo.................................................................................................................... 54
3 LINGUAGEM: EMPIRISMO E BEHAVIORISMO ....................................................... 57
3.1 O behaviorismo quineano ........................................................................................ 57
3.2 Algumas objeções acerca da visão behaviorista ..................................................... 61
3.3 A crítica de Quine aos dogmas analítico-sintético ................................................... 64
3.3.1 Divisão entre verdades analíticas e verdades sintéticas ..................................... 64
3.3.2 Problema da analiticidade.................................................................................... 67
3.3.3 Em relação ao segundo dogma ........................................................................... 71
3.4 A relevância do holismo ........................................................................................... 72
3.4.1 A tese Duhem-Quine ........................................................................................... 72
3.5 Percepção do compromisso ontológico na teoria da linguagem .............................. 78
3.6 Características da epistemologia naturalizada em Quine ........................................ 81
3.6.1 O espírito científico da epistemologia naturalizada .............................................. 83
3.7 A relevância das frases observacionais no aporte teórico quineano ....................... 86
3.8 Resumo.................................................................................................................... 93
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 95
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 99
10
INTRODUÇÃO
Neste estudo proponho ampliar a compreensão acerca do pensamento de
Quine no que diz respeito à linguagem, sua aquisição e aprendizado. Nesse sentido,
busco trazer elementos que fundamentam a problemática desta tese, cujo núcleo
concentra-se nos desdobramentos das abordagens concernentes ao behaviorismo,
empirismo e pragmatismo, assim como conceitos-chave no sistema quineano, a fim de
elucidar seu pensamento para sustentar esta investigação. Desse modo, é necessário
trazer à tona os pensadores que auxiliaram Quine na construção de seu sistema
filosófico, que de uma maneira ou outra ampliaram sua visão no que tange à linguagem
que é a discussão deste estudo.
Assim, trazemos uma perspectiva da Filosofia da Linguagem, situada na
zona limítrofe, entre a lógica e a linguística, a Filosofia da Linguagem busca, sobretudo,
analisar as argumentações a favor e contra as diversas visões do sentido que são a
cada momento propostas. Desse modo, consiste na investigação dos erros das
investigações dos outros, dos paradoxos que surgem em certas teses e das possíveis
contra-argumentações a elas. Em vista disso, analisar o que seria uma argumentação
é, logo, um pré-requisito indispensável para iniciar o estudo da Filosofia e, de modo
particular, da Filosofia da Linguagem. (PENCO, 2006).1
Nesse sentido, a Filosofia da Linguagem apresenta duas acepções
fundamentais: uma mais restrita e outra mais ampla. Em sua acepção mais restrita, é o
resultado de uma investigação filosófica acerca da natureza e do funcionamento da
linguagem, às vezes, também denominada ‗análise da linguagem‘. Por isso, quando um
filósofo investiga questões como a natureza e função da linguagem, está elaborando
Filosofia da Linguagem. (COSTA, 2003).2
Por conseguinte, o mesmo acontece quando investiga questões
intrinsecamente relacionadas à linguagem, a saber, a questão do significado de nossas
expressões linguísticas; de como somos capazes de nos referir às coisas por meio da
1
2
PENCO, Carlo.Introdução à Filosofia da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 13.
COSTA, Cláudo. Filosofia da Linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 7 – 9.
11
linguagem; da natureza da verdade de nossas proposições; de como podemos, por
meio de proferimentos linguísticos, nos comunicar com os outros.
Por outro lado, na acepção mais ampla, a Filosofia da Linguagem diz
respeito a qualquer abordagem crítica de problemas filosóficos metodologicamente
orientada por uma investigação da linguagem; por esse motivo, por vezes, é chamada
de ‗crítica da linguagem‘. Logo, uma considerável parte da filosofia do século XX
caracterizou-se duplamente, como uma investigação filosófica acerca da linguagem,
como também por uma abordagem crítico-linguística de problemas filosóficos em geral.
(COSTA, 2003).3
O questionamento sempre presente sobre a finalidade e utilidade da
linguagem conduz à reposta óbvia que é a comunicação, no entanto, essa visão trivial
foi, por muito tempo, desconsiderada pela tradição filosófica. No século XX, grande
parte da pesquisa sobre a linguagem, ‗pode ser tomada como uma batalha contra as
simplificações exacerbadas e deslizes, uma luta para superar o legado de concepções
unilaterais da linguagem em diferentes tradições filosóficas‘, aponta Medina (2005, p.
9).4
Importa lembrar um momento relevante para a Filosofia da Linguagem no
século XX que foi a virada linguística, para a pragmática, defendida por filósofos tão
diversos como Wittgenstein, Strawson, Donnellan, Grice e Habermas. A partir disso, os
problemas centrais da semântica passam a ser percebidos por meio da pragmática da
comunicação, ‗o problema central que necessita ser explicado é o de como os falantes
particulares interpretam uns aos outros em contextos particulares de comunicação‘.
(TAYLOR, CHARLES,1985 apud MEDINA, 2007).5
A linguagem, ainda, conforme Taylor, é responsável pela criação de
espaços públicos, como também pela constituição de uma perspectiva dialógica, um
‗entre nós‘ ou ‗estar junto‘. Essa não percepção a respeito dos espaços públicos e da
comunidade de falantes é devido à consequência de uma tradição epistemológica da
linguagem que privilegiou o ponto de vista monológico do observador descolado. Desse
modo, com sua ênfase na criação linguística de espaços públicos, inaugurou um
3
Op. cit.
MEDINA, José. Linguagem: conceitos-chave em Filosofia. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 54.
5
Id. Ibid. p. 9.
4
12
dialogismo, que salienta a dimensão social da linguagem e o impacto de práticas
discursivas na constituição de comunidades humanas. Dentre alguns filósofos que
seguiram essa tendência da Filosofia da Linguagem contemporânea, pode-se citar
Bakhtin, Wittgenstein, Foucault, Habermas, Rorty e Brandom.
A Filosofia da Linguagem constitui-se, essencialmente, não como sistema
filosófico que busca resposta aos problemas tradicionais da Filosofia – o problema do
Ser (Ontologia); o problema do Conhecimento (Epistemologia); o problema do Bem
(Ética); mas, como tentativa de refletir sobre questões específicas a partir de uma
interrogação da linguagem tal qual é usada. A linguagem é, então, a origem e a solução
do problema. (MARCONDES, 2000).6
Grande parte da produção filosófica, especialmente do século XX, tem
sido guiada pela crença de que a Filosofia da Linguagem é a base fundamental de
todos os problemas filosóficos, na medida em que a linguagem é o exercício
característico da mente e o modo como damos forma às nossas crenças.
(BLACKBURN, 1997).7
Este breve panorama visa a situar este estudo no contexto da Filosofia da
Linguagem, buscando compreender a linguagem em Quine, assim como estabelecer
conceitos pertinentes no desdobrar de seu arcabouço teórico. Este trabalho procura
mostrar a abordagem empirista, assim como o viés behaviorista e pragmatista de Quine
no que diz respeito à linguagem. Desse modo, em sua obra, mostra que a ambição
empirista reducionista do início do século XX não pode ser mantida se quisermos
explicar o funcionamento da linguagem natural. Assim, a linguagem natural é um modo
de estruturar o mundo e contém em si uma teoria implícita, portanto, a tese de Quine a
propósito das teorias científicas pode ser estendida, também, à linguagem em geral.
Em vista do exposto, quando da publicação do conjunto de ensaios que
compõem o livro From a Logical Point of View (1953), sua importância filosófica tornouse amplamente reconhecida. Seu célebre ataque à distinção analítico/sintético anunciou
uma mudança profunda nas formas de encarar a linguagem proveniente do positivismo
lógico e uma reapreciação das dificuldades de fornecer uma base empírica sólida para
6
MARCONDES, Danilo. Filosofia, Linguagem e Comunicação. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Cortez,
2000.
7
BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 152.
13
as teses sobre a convenção, o significado e a sinonímia. Além disso, sua reputação
consolidou-se com Word and Object (1960), quando apresenta seu programa
behaviorista da linguagem, que permanece em muitos outros ensaios e livros
posteriores. Além disso, é nessa obra que a indeterminação da tradução radical
assume, pela primeira vez, o papel principal. Na nossa visão, Quine adota uma
perspectiva behaviorista além de pragmatista sobre a natureza da linguagem com a
qual atribuímos pensamentos e crenças a nós mesmos e aos outros. Esses idiomas
intensionais, com a noção de necessidade que comportam, resistem a ser facilmente
incorporados na concepção científica do mundo, e Quine reage com ceticismo em
relação a eles; é verdade que Quine não sanciona o eliminativismo 8, mas toma os
idiomas intensionais como idiomas de segunda categoria, impróprios para descrever
fatos estritos e literais.
Por motivos semelhantes, Quine exprimiu sistematicamente suspeitas
quanto à justeza lógica e filosófica de apelar às possibilidades lógicas e aos mundos
possíveis. Além disso, alega que só as linguagens da matemática e da ciência são
bem-comportadas e apropriadas para a descrição literal e verdadeira do mundo. Desse
modo, as entidades às quais as nossas teorias se referem têm de ser seriamente
encaradas em nossas ontologias.
Na teoria do conhecimento, Quine está associado à perspectiva holista da
verificação (Tese Duhem-Quine, que será referendada no capítulo 3), concebendo um
corpo de conhecimento em termos de uma teia cuja periferia está em contato com a
experiência, mas que em cada ponto está conectada a outros pontos por uma rede de
relações. Por outro lado, lembramos que Quine é também conhecido pela perspectiva
segundo a qual a epistemologia deveria ser naturalizada, ou conduzida segundo um
espírito científico, sendo o objeto da investigação a relação existente nos seres
humanos entre os dados de entrada (inputs) da experiência e os dados de saída
(outputs) da crença. Apesar de as abordagens de Quine dos grandes problemas da
filosofia terem sido atacadas por denunciarem um cientismo ilegítimo e, por vezes, um
8
Ponto de vista de que os termos com os quais pensamos sobre certo domínio estão tão corrompidos por
erros que é preferível abandoná-los a continuar a tentar formular teorias acerca do modo como são
usados. (BLACKBURN, 1997, p. 113).
14
behaviorismo, a clareza de sua visão e o âmbito de sua obra lhe conferem tanto
respeito quanto credibilidade.
Em vista disso, percebemos que Quine persiste na posição empirista que
deve haver uma relação com o mundo exterior, e de que essa relação carrega nossa
linguagem de significado, que se constrói por meio de situações compartilhadas. Ele
descarta a busca de entes mentais que correspondem ao significado das palavras,
desse modo, o que se pode verificar é o comportamento linguístico dos falantes, em
atos sociais retificados. Por conseguinte, é necessário começar pelas reações de
assentimento e discordância dos pares envolvidos nesses atos sociais.
Ademais, Quine indaga em sua obra From a Logical Point of View (1953)
quais são os objetos que povoam nosso mundo. Afirma que quando falamos em mundo
não tentamos descrever algo exterior ao sujeito que conhece, mas sim ao próprio
universo linguístico deste. Buscando em Wittgenstein do Tratactus, pode-se afirmar que
o mundo é algo determinado no interior do discurso. Desse modo, é possível reformular
a indagação para quais são os objetos que povoam nossa linguagem? Ou ainda, sobre
o que falamos quando falamos sobre objetos? Nessa perspectiva, Quine subdivide o
universo dos objetos de uma determinada linguagem em objetos abstratos e concretos.
Os primeiros correspondem às classes, atributos, proposições, números, relações e
funções entre outros, por sua vez, os outros correspondem aos objetos físicos.
Convém ressaltar que Word and Object é um marco, o fio condutor do
sistema quineano,Ontological Relativity and Other Essays (1969); The Web of Belief
(1970); The Roots of Reference (1974), Theories and Things (1981), Pursuit of Truth
(1990). Nesse contexto, sem menosprezar suas publicações, visto que todas são
relevantes de uma forma ou outra, são essas que norteiam a fundamentação desta
tese.
Esses conceitos dentre outros são mostrados ao longo deste trabalho, a
fim de que o posicionamento de Quine possa tornar-se específico dentro dos
parâmetros observados na elaboração nesta investigação. Conforme mencionado,
procuramos apontar que permeia na filosofia de Quine um posicionamento de cunho
empírico aliado à abordagem behaviorista, assim como pragmático em que a linguagem
é percebida como estímulos sensoriais compartilhados, que acontecem a partir de atos
15
sociais, cujo foco principal é a pressão por objetividade. Além disso, apresenta o
sentido quineano a respeito do compromisso ontológico, que aponta que uma teoria
acerca de determinado segmento da realidade ou da experiência é uma coleção
consistente de crenças ou afirmações, expressas em determinada linguagem.
Nesse sentido, uma teoria será verdadeira se todas as crenças que a
compõem, e logo todas as consequências lógicas dessas crenças forem verdadeiras.
Com efeito, os objetos com os quais uma teoria está ontologicamente comprometida
são precisamente aqueles cuja existência é assumida, de forma explícita ou implícita,
pela teoria; tais objetos formam a ontologia, ou ainda, uma das ontologias, da teoria.
Em suma, um conjunto de entidades cuja inexistência teria como consequência a
falsidade da teoria.
Este estudo foi dividido em três capítulos, a saber, o primeiro contém as
influências que permearam suas ideias no decorrer de sua trajetória na elaboração de
suas fundamentações no que diz respeito à linguagem. Por conseguinte, cita-se Dewey
que representa papel de destaque no pensamento de Quine no que se refere à
comunicação dos indivíduos por meio das interações sociais. Nesse contexto, busca
trazer as principais referências que embasam seu posicionamento pragmatista, assim
como os conceitos dessas perspectivas.
Por sua vez, o segundo capítulo trata da indeterminação, a saber, o
compromisso ontológico propalado por Quine no que tange a seus conceitos sobre
relatividade ontológica, inescrutabilidade ou indeterminação da referência, compromisso
ontológico, tradução radical e fisicalismo. Todos esses conceitos são referenciados,
explanados para mostrar sua estreita ligação com a elaboração do arcabouço teórico
de Quine em relação à linguagem
Num terceiro momento, aponta-se a linguagem e empirismo, discutindo a
crítica de Quine aos dogmas analítico-sintético; a relevância do holismo, trazendo a
tese Duhem-Quine. Além disso, a pertinência do compromisso ontológico e seus
desdobramentos, como também a epistemologia naturalizada, finalizando com as frases
observacionais.
Nesse
contexto,
os
conceitos,
tendências
e
perspectivas,
aqui
apresentados permitem mapear, como também determinar que tipo de teoria subjaz ao
16
pensamento de Quine no que tange à linguagem. Assim, neste estudo, defendo a
concepção empirista da linguagem no sistema filosófico de Quine, assim como
behaviorista, visto que essa perspectiva permanece ao longo de seus trabalhos, a partir
desse posicionamento procurarei demonstrar por meio dos textos já mencionados e
outros relevantes, que serão apontados no decorrer da pesquisa.
17
1
QUINE A PARTIR DE DEWEY
Neste capítulo remeterei à importância do contexto na construção da
concepção behaviorista da linguagem em Quine, de modo que os principais
imbricamentos serão, de alguma forma, apresentados, a fim de dar sustentação à tese
elaborada, a saber, a linguagem em Quine.
1.1 A importância do contexto na construção da concepção da linguagem em
Quine
Por conseguinte, de maneira geral, oferecemos algumas informações
consideradas relevantes para um melhor entendimento da proposta. Nesse sentido,
Quine é o principal representante do naturalismo na segunda metade do século XX,
como também um dos mais influentes filósofos e lógicos norte-americanos, considerado
o maior filósofo analítico da segunda parte dessa época. Seu naturalismo consiste na
insistência de uma conexão ou aliança estreita entre as perspectivas filosóficas e as
ciências naturais. A filosofia, assim interpretada, é uma atividade pertencente à
natureza, na qual a natureza examina a si própria. Isso contrasta com critérios que
distinguem filosofia de ciência, e colocam a filosofia numa posição especial
transcendente.
Num determinado momento, Quine descreve o naturalismo como ‗o
reconhecimento de que é dentro da própria ciência, e não em alguma filosofia anterior,
que a realidade deve ser identificada e descrita‘ (1981, p.21)9. Convém lembrar que a
ideia de ciência, utilizada por Quine, é menos restritiva do que parece; ele toma as
ciências naturais como paradigma, em especial, a física, incluindo também psicologia,
economia, sociologia e história.
Além disso, Quine não percebe o conhecimento científico como diferente
do nosso conhecimento comum, ele vê, mais exatamente, como resultado de tentativas
9
QUINE, W. O. Theories and Things. ‗[…] the recognition that it is within science itself, and not in some
prior philosophy, that reality is to be identified and described’. Cambridge: Harvard University Press, 191,
p. 21.
18
de melhorar nosso conhecimento comum. No ensaio de 1957, The Scope and
Language of Science, ele afirma que ‗a ciência não é um substituto para o
conhecimento comum, mas uma extensão dele‘ (p. 229)10. O cientista, aponta Quine, ‗é
indistinguível do homem comum em seu sentido de evidência, exceto que o cientista é
mais cuidadoso‘ (p. 233)11. Podemos acrescentar que o cientista é mais focado em
questões sobre a verdade e objetividade e, desse modo, mais claro e sistemático,
acrescenta Hylton12 (2010).
Os métodos da ciência são empíricos, então, Quine opera numa
perspectiva científica, é um empirista, mas com uma diferença. O empirismo tradicional,
como em Locke, Berkeley e Hume, e algumas formas do século XX, consideram
impressões, ideias ou dados dos sentidos (sense data) como unidades básicas do
pensamento. O empirismo de Quine, por outro lado, considera tanto a teoria quanto as
facetas observacionais da ciência. Com efeito, a unidade da significação não consiste
em simples impressões (ideias) ou mesmo frases observacionais isoladas, mas
sistemas de crenças. Ressalta-se que esses aspectos são apresentados no capítulo
três com maior ênfase.
Por conseguinte, Quine é um falibista13, visto que sustenta que cada
crença individual num sistema é, em princípio, revisável. Quine propõe uma nova
concepção de frases observacionais, uma explicação naturalizada de nosso
conhecimento do mundo externo, inclusive, rejeição do conhecimento a priori. Ademais,
estende a mesma explicação empirista e falibilista de nosso conhecimento à lógica e à
matemática, aspectos que não são tratados neste trabalho, por que seu enfoque é a
linguagem.
10
________. The Scope and Language of Science. ‘Science is not a substitute for common sense but an
extension of it.’ 1957, p. 229.
11
Id. Ibid. ‘[…] It is indistinguishable from the common man in his sense of evidence, except that the
scientist is more careful’. p. 233.
12
HYLTON, Peter. Willard van Orman Quine. http://plato.stanford.edu/ First published Fri Apr 9, 2010;
substantive revision Fri Apr 30, 2010.
13
Ver Pierce, C. S. The Essencial Peirce (two volumes edited by the Peirce edition Project. Bloomington:
Indiana University Press, 1992 – 1999. ―Não é necessário que nossas crenças sejam corretas ou estejam
alicerçadas na certeza. Podemos, justificadamente, ficar satisfeitos com nossas crenças, mesmo que
exista a possibilidade de novos dados nos forçarem a rever nossa opinião. Assim, é uma posição que se
situa entre o dogmatismo e o ceticismo.‖ (BLACKBURN, S. 1997, p. 142).
19
Quine é, ainda, fisicalista, uma vez que as ciências requerem objetos
físicos, e a matemática envolvida nas ciências exige objetos abstratos, a saber,
conjuntos. A teoria da referência, que inclui noções como: referência, verdade e
verdade lógica, é nitidamente demarcada da teoria do significado, que inclui noções
como: significado, sinonímia, a distinção analítico-sintético e necessidade.
Ademais, Quine é o principal crítico das noções da teoria do significado,
argumentando que tentativas de fazer a distinção entre verdades meramente
linguísticas (analíticas) e verdades mais importantes (sintéticas) falharam. Ele explora
os limites de uma teoria empírica da linguagem e oferece a tese da indeterminação da
tradução como crítica adicional à teoria do significado, esclarece Orenstein.14
‗Todo o sistema filosófico de Quine pode ser compreendido como uma
tentativa de explicar o funcionamento interno da linguagem significativa, utilizando para
tanto a própria linguagem significativa‘, ressalta Stein (2003, p. 69).15 Além disso, afirma
que, apesar de muitos sistemas filosóficos demonstrarem a vontade de romper essa
circularidade, não é a pretensão de Quine. Em outras palavras, Quine filosofa acerca do
mundo, incluindo sua própria filosofia, essa circularidade não atrapalha, uma vez que a
experiência confiável aponta qual teoria é correta, e a teoria aponta quais dados são
confiáveis, conforme corrobora Schuldenfrei (1972).16
1.2 Introduzindo Dewey
1.2.1
A influência de Dewey na filosofia de Quine
Vamos procurar mostrar a profunda ligação que havia entre esses dois
filósofos, levando Quine a mencioná-lo, já que muito de seu pensamento é embasado
nele. Desse modo, Dewey fundamentou e representou um marco no sistema filosófico
de Quine, nesse sentido, sua interferência e relevância são apontadas neste momento.
14
ORENSTEIN, Alex. Willard Van Orman Quine. Routledge Encyclopedia. New York: Routledge, 1998,
p.3-4.
15
STEIN, Sofia. Empirismo e Fisicalismo: características do holismo epistemológico de Willard Quine.
Philósophos 8, pp. 69 – 78, jan. / jun. 2003.
16
SCHULDENFREI, R. Quine in perspective. The Journal of Philosophy, v. 69, n. 1, p. 5-16, 1972.
20
Ele inicia seu texto Relatividade Ontológica17 citando Dewey, nessa ocasião, ele afirma
estar orgulhoso por encontrar-se na Columbia University na qualidade de primeiro
palestrante na John Dewey Lecturer. A ligação de ambos, segundo o filósofo, reside no
naturalismo, cujo fundamento reside em não admitir a existência de nada que seja
exterior à natureza, reduzindo a realidade ao mundo natural, recusando, portanto,
qualquer elemento sobrenatural ou princípio transcendente. Juntamente com Dewey,
sustenta que o conhecimento, a mente e o significado são parte do mesmo mundo com
o qual se relacionam, devendo, assim, ser estudados com o mesmo espírito empirista
que anima a ciência natural. Portanto, ressaltamos a dívida importante que Quine tem
em relação a Dewey na fundamentação de seu escopo teórico acerca da concepção
behaviorista da linguagem.
Por conseguinte, não há lugar, nesse contexto, para uma filosofia a priori,
enfatiza Quine. Ao referir-se à filosofia da mente, o filósofo naturalista tende a falar de
linguagem.
Ele
conceitua
linguagem
como
uma
habilidade
social
adquirida
exclusivamente baseada na evidência do comportamento manifesto das outras pessoas
em circunstâncias publicamente reconhecíveis. Enfatiza Quine, citando Dewey, que ‗o
significado [...] não é uma existência psíquica; é principalmente uma propriedade do
comportamento‘18. Partindo desse princípio, não faz qualquer sentido afirmar-se a
existência de uma linguagem privada. Nessa perspectiva, procurar-se-á argumentar
sobre a influência de Dewey na filosofia de Quine.
Com efeito, é relevante perceber o papel preponderante do ambiente
sociolinguístico-cultural na comunicação das pessoas, incluindo o comportamento
associado a esse evento experenciado. A observação, imitação de sons e
comportamentos de uma dada comunidade linguística formam a base da aquisição e
desenvolvimento de uma determinada linguagem. A partir desse ponto de vista, que
consiste no foco deste trabalho, são desenvolvidos os parâmetros para mostrar a
17
QUINE, W.V. Ontological Relativity and Other Essays. New York: Columbia University Press, 1969, p.
26.
18
DEWEY, John. Experience and Nature. Illinois: Open Court, 1925 – 1958, p.176. Meaning […] is not a
psychic existence; it is primarily a property of behavior.
21
possibilidade de a filosofia quineana, no que diz respeito à linguagem, pode-se
fundamentar nessa experiência entre o eu e o social e sua consequente aceitação.
1.2.2 A linguagem na visão de Dewey
O núcleo duro da filosofia de Dewey (1859-1953) reside na concepção de
instrumentalismo ou funcionalismo, uma vez que, para nessa concepção, as ideias só
têm importância desde que sirvam de instrumento para a resolução de problemas reais,
para diferenciar-se dos pragmatismos de Peirce e William James, dos quais iniciara.
Assim como James, Dewey opôs-se às teorias tradicionais sobre a verdade,
considerada como correspondência entre pensamento e pensado ou coerência entre
ideias. Seu afastamento de James deveu-se, principalmente, pela rejeição de Dewey à
visão subjetivista do problema da verdade e justificação da crença religiosa do filósofo.
Quanto a Peirce, Dewey acreditava ser seu pragmatismo muito restrito, e pretendia
ampliar seu campo de ação. Pretendia Dewey, também, com sua discordância, criticar
as filosofias especulativas. Os sistemas abstratos e idealistas, segundo ele, teriam
buscado em vão encontrar a unidade entre os fragmentos de um universo que o próprio
pensamento especulativo dividiu.
As dualidades matéria-espírito, exterior-interior, pensado-pensamento
consistem em falsos problemas decorrentes de considerar-se a consciência como
contemplação. O filósofo opõe-se a essa concepção de consciência com o
instrumentalismo ou funcionalismo, concebendo que o conhecimento não é mais do que
atividade dirigida e parte funcional da experiência. Afirma que o pensamento não tem
fim em si mesmo, é uma fase da vida, um acontecimento que se produz em um ser
vivo, em certas condições configuradoras de uma situação de conflito para o homem.
Nesse sentido, as ideias funcionariam como hipóteses de ação referentes
exclusivamente ao futuro e verdadeiras na medida em que pudessem funcionar como
guias para a ação. Ressalta ele que a racionalidade da natureza, afirmada pelos
cientistas naturais, não constitui um postulado teórico, mas uma crença que propicia à
atividade inteligente a possibilidade de intervir nos fenômenos, modificando-se na
medida do necessário. Dessa maneira, o instrumentalismo concebe a atividade
inteligente não como algo que lhe vem de fora, mas como produto da natureza que
22
realiza suas próprias forças em busca de uma produção mais plena e mais rica em
acontecimentos.
No início do capítulo quinto, do livro Experiência e Natureza19, denominado
Natureza, Comunicação e Significado, Dewey afirma que dentre todas as realizações, a
comunicação é a mais notável. Ressalta, ainda, que o resultado da comunicação passa
a ser a participação e o ato de compartilhar. O solilóquio é o resultado e o reflexo da
conversação com os outros. Por causa do conversar, dar e receber social, posturas
orgânicas várias passam a constituir uma reunião de pessoas ocupadas em conversar,
conferenciando umas com as outras, trocando experiências diversas.
Por meio do falar, uma pessoa identifica-se com atos e feitos potenciais;
desempenha muitos papéis, representando um drama contemporâneo, dessa maneira,
emerge a mente. A significação das essências lógicas e racionais é a consequência nas
interações sociais, no convívio, na assistência mútua, na direção e ação organizada na
guerra, nas festividades, no trabalho.20
Com efeito, a linguagem é uma função natural da associação humana e
suas consequências interferem com outros eventos, físicos e humanos, conferindo-lhes
significado ou significação. A falta de conhecimento de que esse mundo da experiência
interior depende de um prolongamento da linguagem, a qual é uma produção e uma
operação de caráter social, conduz à linguagem subjetivista, solipsista e egotista no
pensamento moderno. Assim, linguagem é um evento experenciado.
Nesse sentido, os eventos na medida em que são objetos ou coisas
significantes existem em um contexto. Dewey (1958) afirma que as palavras estão para
o falar, assim como as moedas para o dinheiro. Percebemos nessa comparação a
percepção de instrumentalidade, enquanto as moedas, cédulas – coisas físicas –
contêm qualidades imediatas e finais. Na condição de dinheiro, são substitutos,
representantes e incorporam a si relações.
Nas palavras de Dewey21,
19
Id. Ibid. p.168.
Id. ibid. p. 170.
21 Id. Ibid. Money, as substitute, not only facilitates the exchange of existing utilities prior to their use, but
also revolutionizes the production and consumption of all utilities, because it brings into existence new
transactions, creating new stories and events. The exchange from money it is not an event that can be
20
23
O dinheiro, enquanto substituto, não apenas facilita a troca das utilidades
existentes antes de seu uso, mas também revoluciona a produção e o consumo
de todas as utilidades, porque traz à existência novas transações, criando
novas histórias e acontecimentos. A troca a partir do dinheiro não é um evento
que possa ser isolado. Representa a emergência da produção e do consumo de
um novo meio e em novo contexto, em que adquirem novas propriedades.
No que tange à linguagem, nessa comparação, conforme Dewey 22,
A linguagem, semelhantemente, não é simples agência de economia de
energias na interação dos seres humanos. É liberação e amplificação das
energias que constituem a mencionada interação, e que confere a elas a
qualidade adicional do significado. A qualidade do significado, assim
introduzida, é estendida e transferida, atual e potencialmente, dos sons,
movimentos e traços, para todas as outras coisas da natureza.
Portanto, a linguagem, os signos e a significação vêm à existência não por
intenção e por desejo, e sim por necessidade de compartilhamento, tendo como
subprodutos, os gestos e o som. Desse modo, a história da linguagem é a história do
uso feito dessas ocorrências. Com efeito, os sons tornam-se linguagem apenas quando
usados dentro de um contexto de auxílio e direção mútuos.
Nesse sentido, compreender é antecipar em conjunto, é referir-se a algo
que, quando efetuado, produz participação numa empresa comum e inclusiva. O
significado, de fato, conforme já mencionado, não é uma existência psíquica; é
primordialmente uma propriedade do comportamento, e secundariamente uma
propriedade dos objetos. O significado é primeiramente intenção, e a intenção não é
pessoal no sentido de privativa e exclusiva. O que ocorre de distintivo a respeito da
compreensão de B em relação aos sons e movimentos de A, consiste em que o
primeiro responde à coisa a partir do ponto de vista da A23. Nesse momento, é possível
relacionar a posição do observador que encontramos em Quine.
De tal sorte que a linguagem é especificamente um modo de interação de
pelo menos dois seres, um dos quais fala enquanto o outro ouve: pressupõe um grupo
organizado ao qual pertencem tais criaturas, e do qual hajam adquirido seus hábitos de
isolated. It represents the emergence of production and consumption of a new medium and new context in
which they acquire new properties. p.172.
22 Id. Ibid. The language, likewise, is not a single agency of saving energy in the interaction of human
.
beings. It is the release and amplification of energies that form the mentioned interaction, which gives
them the additional quality of meaning. The quality of meaning, thus introduced, is extended and
transferred, current and potentially, sounds, movements and traces, for all other things of nature. p. 173.
23
Id. Ibid. p. 175.
24
linguagem. Por essa razão, trata-se de uma relação, não de algo com caráter particular.
Constata Dewey que apenas esta consideração é suficiente para condenar o
nominalismo tradicional.24
Além disso, o significado dos signos, sempre inclui algo comum entre as
pessoas e um objeto. Ao atribuir-se significado em relação ao que fala com respeito ao
seu propósito, pressupõe-se outra pessoa que partilhará a execução do propósito,
como também independente das pessoas, por meio do qual o propósito deverá ser
realizado. Dewey enfatiza que pessoas e coisa têm de servir de modo semelhante,
como meios, numa consequência comumente partilhada. Em suma, tal comunidade de
participação é o significado, aponta o filósofo25, tornando coerente seu posicionamento,
quanto ao significado estar relacionado aos objetos, pessoas e ao contexto em que
estão inseridos.
Em outro momento, destaca Dewey que tornar o outro cônscio da
possibilidade de algum uso ou de uma relação objetiva é perpetuar aquilo que seria de
outra forma um incidente, tornando-o um instrumento: a comunicação é uma condição
da consciência. Assim, todo significado é genérico ou universal. Conforme aponta
Dewey, é algo comum ao locutor, ao ouvinte e à coisa à qual o locutor se refere.
Ademais, é também universal como meio de generalização; significado é um método de
ação, um meio de utilizar as coisas como meios em vista de uma consumação
partilhada, e um método é geral, ainda que as coisas às quais se aplica sejam
particulares.
Dewey esclarece que é heresia conceber que significados sejam privados,
propriedades de fantasmagóricas existências psíquicas.26 Para fundamentar seu
pensamento, cita, como exemplo, o apito do policial de trânsito, cujo significado último
deste evento é o consequente sistema total de comportamento social, em que os
indivíduos são conduzidos, a partir de um ruído, à coordenação social.
24
Posição que sustenta que as coisas denominadas pelo mesmo termo nada têm em comum exceto isso;
o que todas as cadeiras têm em comum e serem chamadas de ‗cadeiras‘. Essa doutrina é habitualmente
associada à tese de que tudo que existe são individuais particulares, não existindo, pois, ‗universais‘.
(BLACKBURN, 1997, p. 268).
25
Id. Ibid. […] such community of participation is the meaning. p. 179.
26
Id. Ibid. p. 182.
25
Por outro lado, seu significado próximo é uma coordenação de movimento
das pessoas e dos veículos vizinhos e de maneira direta afetados. Assim, percebemos
que o significado é construído pelos participantes, no caso, a partir de um ruído
produzido, ou seja, um evento social compartilhado, cuja consequência é determinar
um tipo de comportamento que conduz à organização social.
Dewey ainda ressalta a invenção e o uso de instrumentos que ocuparam
lugar de destaque na consolidação dos significados, porque um instrumento é uma
coisa usada como meio para consequências, em lugar de ser tomada direta e
fisicamente. Por isso, defende Dewey27 que
É algo intrinsecamente relacional, antecipatório, prenunciador. Sem que haja
referência ao que está ausente, ou à ‗transcendência‘, nada é um instrumento.
A evidência mais convincente de que os animais não ‗pensam‘ consiste no fato
de que eles não possuem instrumentos, dependendo de suas próprias
estruturas relativamente fixa, corporais, para que produzam resultados.
Adiante Dewey28 amplia o conceito de instrumento para a linguagem, que
é o foco deste trabalho, enfatizando que
Desde que ser um instrumento, ou ser utilizado como meio para consequências,
é ter e ser dotado de significado, a linguagem, sendo o instrumento dos
instrumentos, é a fonte da qual emana toda significação. Já que as outras
instrumentalidades e agências, as coisas comumente pensadas como
utensílios, instrumentos e ferramentas, apenas podem originar-se e
desenvolver-se em grupos sociais tornados possíveis pela linguagem.
Na concepção de Dewey, as coisas tornam-se instrumentos por meio dos
cerimoniais e institucionalmente, haja vista o caráter notoriamente convencionalista e
tradicionalista dos utensílios primitivos e de suas simbolizações. Além disso, os
instrumentos e meios de ação acham-se sempre em conexão com alguma divisão do
trabalho dependente de algum dispositivo de comunicação. Podemos citar, como
exemplo, uma pessoa utilizando algo parecido com um pedaço de pau para afofar a
terra, para favorecer o crescimento das plantas. Esse pedaço de pau, mesmo que
27
Id. Ibid. It's something inherently relational, anticipatory, precursory. Without that there is reference to
what is absent, or to 'transcendence', nothing is an instrument. The most convincing evidence that animals
do not 'think' is the fact that they have no instruments, depending on their own relatively fixed structures,
and their bodies to produce results. p.179.
28
Id. Ibid. ‘Since being a tool, or be used as a means to consequences, is to be endowed with meaning,
language, being the instrument of instruments, is the source from which all meaning comes. Whereas the
other agencies and instrumentalities, things commonly thought as objects, instruments and tools, can only
originate and develop in social groups made possible by language. p. 180.
26
tenha sido usado uma vez como alavanca, reverte à condição de ser apenas um
pedaço de pau, a menos que seja distinguida e retida a relação entre ele e sua
consequência.
Nesse sentido, somente a linguagem, ou algum tipo de signo artificial,
poderá registrar a relação e torná-la significativa em outros contextos particulares.
Assim, objetos como: lanças, vasos, cestos, armadilhas podem ter-se originado por
acaso, entretanto, apenas a repetição por meio da ação organizada explica sua
institucionalização como instrumentos. Logo, enfatiza Dewey29 que
tornar o outro cônscio da possibilidade de algum uso ou de uma relação
objetiva é perpetuar aquilo que seria de outra forma um incidente, tornando-o
um instrumento; a comunicação é uma condição da consciência.
Para Dewey, a capacidade que mais claramente nos separa dos outros
animais, além da habilidade de nos tornarmos cidadãos de uma sociedade democrática
liberal, é a de usar a linguagem, conforme aponta Rorty30. Contudo, para Dewey o
sentido de ter linguagem e, por conseguinte, pensamento, não era para penetrar a partir
das aparências a verdadeira natureza da realidade, mas sim permitir a construção
social de novas realidades. Em sua concepção, a linguagem não era um medium de
representação, mas um modo de coordenar as atividades humanas para aumentar o
alcance de suas possibilidades.
1.2.3 A perspectiva do naturalismo de Quine a partir de Dewey
Para que possamos entender essa proximidade de Quine com Dewey,
passamos a observar as afirmações do próprio Quine, ao externar enfaticamente essa
conexão. Por conseguinte, no texto Relatividade Ontológica31 ele salienta que está
29
Id. Ibid. ‗[…] making the other aware of the possibility of any use or an objective relationship is to
perpetuate what is otherwise an incident, becoming it an instrument; communication is a condition of
consciousness. p. 180.
30
RORTY, R. Pragmatism. Routledge Encyclopedia. New York: Routlege, 1998, vol.7, p. 638.
31
QUINE, W.V. Ontological Relativity and Other Essays. New York: Columbia University Press, 1969, p.
27 ‗Philosophically I am bound to Dewey by the naturalism that dominated his last three decades. With
Dewey I hold that knowledge, mind, and meaning are part of the same world that they had to do with, and
that they are to be studied in the same empirical spirit that animates natural science. There is no place for
a prior philosophy. When a naturalistic philosopher addresses himself to the philosophy of mind, he is apt
to talk of language. Meanings are, first and foremost, meanings of language. Language is a social art
which we all acquire on the evidence solely of other people’s overt behavior under publicly recognizable
27
ligado a Dewey pelo naturalismo, que dominou as três últimas décadas deste filósofo.
Declara, ainda, que com ele sustenta que o conhecimento, a mente e o significado são
parte do mesmo mundo com o qual se relacionam, e que devem ser estudados com o
mesmo espírito empirista que anima a ciência natural. Quine ressalta, também, que não
há lugar nessa concepção para uma filosofia a priori.
Seguindo essa perspectiva, a linguagem, para Quine, é uma habilidade
social que se adquire exclusivamente com base na evidência do comportamento
manifesto das outras pessoas em circunstâncias publicamente reconhecíveis.
Remetendo a Dewey, ressalta: ‗o significado [...] não é uma existência psíquica; é
principalmente uma propriedade do comportamento‘.32 Acrescenta também que Dewey
enfatizou a não existência de uma linguagem privada: ‗O solilóquio é o produto e o
reflexo da conversa com os outros‘.33
No entendimento de Quine, existem duas partes que se referem ao
conhecimento de uma palavra. A primeira diz respeito a conhecer o seu som e ser
capaz de reproduzi-lo, parte fonética. Essa parte relaciona-se a observar e imitar o
comportamento das outras pessoas. A outra se refere à parte semântica, mais
complexa, consistindo em saber como usar a palavra, remetendo no caso
paradigmático a algum objeto visível. O aprendiz não só tem de aprender a palavra por
meio da fonética, ouvindo-a de outro falante, como também ver o objeto do qual se fala.
Além disso, para captar a relevância do objeto para a palavra, ele tem de ver que o
falante também vê o objeto.
Para fundamentar seu posicionamento, Quine cita Dewey, ‘A teoria
característica acerca da compreensão de B dos sons emitidos por A, é que ele reage à
coisa do ponto de vista de A‘
34
. Em outros termos, é necessário ver o que está
estimulando o outro falante. Portanto, o falante ao aprender uma linguagem, torna-se
um estudioso do comportamento do vizinho. Enfatiza Quine que, ‗por outro lado, na
circumstances. Meanings, therefore, those very models of mental entities, end up as grist for the
behaviorist’s mill’.
32
DEWEY, J. Experience and Nature. Illinois: Open Court, 1925, p. 179. ‗Meaning [...] is not a psychic
existence; it is primarily a property of behavior‘.
33
Id. Ibid. ‗Soliloquy is the product and reflex of converse with others‘. p. 170.
34
QUINE, W. V. Id. Ibid. ‘The characteristic theory about B’s understanding of A’s sounds is that he
responds to the thing from the standpoint of A.’ p. 28.
28
medida em que suas tentativas são aprovadas ou corrigidas, ele, também, objeto de
estudo comportamental por parte do vizinho.‘35
No que tange a palavras que não atribuem traços observáveis a coisas,
Quine declara que o processo de aprendizagem é mais complexo e obscuro, apontando
de maneira crítica que ‗a obscuridade é o habitat natural da semântica mentalista‘. 36
Insiste, contudo, que ‗mesmo nas partes complexas e obscuras da aprendizagem da
linguagem, o aprendiz não tem outros dados para trabalhar a não ser o comportamento
manifesto dos outros falantes‘.37
Assim, Quine assume com Dewey uma perspectiva naturalista da
linguagem e behaviorista do significado, desistindo do mito da linguagem como um
museu38, defendido pela semântica não crítica, no qual as obras exibidas são os
significados (meanings) e as palavras são as legendas. Dessa forma, mudar de
linguagem é mudar de legenda. Desiste, ainda, de estar seguro no que diz respeito à
determinação. Conforme o mito do museu, as palavras e as frases de uma linguagem
têm seus significados determinados. Para descobrir o significado das palavras de um
nativo é preciso observar seu comportamento, todavia, mesmo assim, o significado das
palavras é suposto estar determinado na mente do nativo, em seu museu mental.
Por outro lado, ao reconhecer com Dewey que o significado [...] é
principalmente uma propriedade do comportamento39, afirma Quine que não há
significados, nem semelhanças nem distinções de significado, além do que está
implícito nas disposições das pessoas para o comportamento manifesto 40. Acrescenta
que, para o naturalismo, a questão de saber se duas expressões são semelhantes ou
não, quanto a seu significado, não tem resposta determinada, conhecida ou
desconhecida, a não ser na medida em que a resposta pode ser decidida, em princípio,
pela disposição de fala, conhecida ou desconhecida.
35 ‗
Id. Ibid. ‘[...] and conversely, insofar as his tries are approved or corrected, he is a subject of his
neighbor’s behavioral study’. p. 28.
36
Id. Ibid. ‗[…] obscurity is the breeding place of mentalistic semantics’. p.28
37 ‗
Id. Ibid. [...] even in the complex and obscure parts of language learning, the learner has no data to
work with but the overt behavior of others speakers’. p. 28.
38
Id. Ibid. ‗Uncritical semantics is the myth of a museum in which the exhibits are meanings and the
words are labels. To switch language is to change the labels’. p. 27.
39
Id. Ibid. ‗Meaning [...] is primarily a property of behavior’. p. 29.
40
Id. Ibid. ‗[...] we recognize that there are no meanings, nor likenesses nor distinctions of meaning,
beyond what are implicit in people’s dispositions to overt behavior’. p. 29.
29
Para sustentar sua teoria sobre a indeterminação, Quine cita o exemplo
hipotético da existência de uma expressão em uma linguagem remota que pode ser
traduzida, no caso para o inglês, de duas maneiras igualmente defensáveis, entretanto,
com significados diferentes em inglês, sem mencionar a ambiguidade no interior da
linguagem nativa. Supõe ele que a um só e mesmo uso da expressão por parte dos
nativos podem ser dadas qualquer uma das duas traduções inglesas, cada uma delas
ajustadas por meio de arranjos compensatórios realizados na tradução de outras
palavras. Supõe, ainda, que ambas as traduções conjuntamente com os ajustes
efetuados para cada caso, são adequadas a todo o comportamento observável por
parte dos falantes da linguagem remota e aos falantes do inglês.
Além disso, supõe que sejam perfeitamente adequadas não só ao
comportamento observado, mas a todas as disposições para o comportamento por
parte de todos os falantes em questão. Baseando-se nessas suposições, seria
impossível saber se uma destas traduções era a certa, e a outra errada. Se o mito do
museu fosse verdade, segundo Quine, haveria um certo e um errado nesta questão,
contudo, não se poderia saber qual, por não haver acesso ao museu. Se, no entanto,
essa hipótese for revista sob a perspectiva naturalista, é necessário considerar a noção
de semelhança de significado (alike in meaning) como simplesmente sem sentido (non
sense).
Outro exemplo hipotético de Quine, mencionado no livro Word and
Object41, relaciona-se à questão que depende do fato de que o todo de um coelho está
presente quando e somente quando uma parte não separada de um coelho está
presente; também quando e somente quando um estágio temporal de um coelho está
presente. Então, o questionamento que permanece é se é possível traduzir a expressão
nativa gavagai por coelho, ou por parte não separada de coelho, ou por estágio de
coelho. Torna-se impossível resolver o assunto por simples ostenções, ou seja,
simplesmente interrogando repetidamente a expressão gavagai para que o nativo dê
seu assentimento ou dissentimento na presença das estimulações relevantes. O que é
indeterminado neste exemplo artificial não é apenas o significado, mas também a
extensão e a referência. Os termos coelho, parte não separada de coelho e estágio de
41
QUINE, W. V. Word and Object. Cambridge: MIT Press, 1960 § 1.
30
coelho, não diferem somente quanto ao significado, então, a referência revela-se
comportamentalmente inescrutável.
Nesse momento, Quine inicia a discussão sobre a inescrutabilidade da
referência, segundo a qual nenhum dado empírico relevante para a interpretação das
elocuções de um locutor pode servir para decidir entre diversas maneiras alternativas e
incompatíveis de atribuir referentes às palavras. Portanto, não há fato algum que
consista em que as palavras tenham certa referência.
Assim, buscamos, a partir de indicações de Quine, sua aproximação a
Dewey, principalmente, em relação à conceituação de linguagem, como uma habilidade
social adquirida exclusivamente baseada na evidência do comportamento manifesto
das outras pessoas em circunstâncias publicamente reconhecíveis. Como também do
significado, por meio da afirmação de Dewey ‗o significado [...] não é uma existência
psíquica; é principalmente uma propriedade do comportamento‘, conforme já
estabelecido. Esses
pressupostos,
dentre
outros
mencionados,
constituem
a
perspectiva naturalista da linguagem e behaviorista do significado. Partindo desses
princípios, não faz qualquer sentido afirmar-se a existência de uma linguagem privada.
Em relação à epistemologia, Dewey aceitou a corrente falibilista,
característica do pragmatismo que consiste na visão de que qualquer proposição aceita
como um item do conhecimento tem seu status somente de forma provisória,
contingente sobre sua adequação em fornecer um entendimento coerente do mundo
como base para a ação humana. Tendências recentes em filosofia, no entanto,
conduzindo à dissolução desses paradigmas rígidos introduzem abordagens que
continuam e expandem os temas do trabalho de Dewey. O posicionamento de Quine
referente à linguagem trabalha com os pressupostos naturalistas antecipados por
Dewey em sua teoria naturalista da investigação. Assim, Dewey, sem dúvida, prestou
grande sustentação ao arcabouço teórico de Quine acerca da linguagem, o qual, por
sua vez o expandiu e impôs sua marca, tornando-se um dos filósofos mais
emblemáticos nesse fundamento.
31
1.3 Embasamento quanto ao pragmatismo
Além do behaviorismo, a tradição filosófica do pragmatismo também
influenciou Quine na elaboração de suas teorias. A corrente pragmatista encontrada na
filosofia de Quine encontra-se fundamentada, principalmente na tradição, nascida nos
Estados Unidos em torno de 1870, com os filósofos Charles Sanders Peirce42 (1839 –
1914), William James43 (1842 – 1910) e John Dewey44 (1859 – 1952), denominados
‗pragmatistas clássicos‘.
O núcleo do pragmatismo consiste na máxima pragmatista, cujo
fundamento é uma regra para esclarecer os conteúdos de hipóteses traçando suas
‗consequências práticas‘. No trabalho de Peirce e James, a máxima pragmatista foi
mais aplicada ao conceito de verdade. Esses filósofos uniram seu pragmatismo a uma
perspectiva epistemológica distinta: aquela que rejeitava o foco cartesiano em relação a
derrotar o ceticismo e, ao mesmo tempo, endossava a ideia falibista que afirma que
qualquer uma de nossas crenças e métodos poderia, em princípio, ser falsa. Esse
princípio estava ligado ao estudo dos padrões normativos que deveríamos adotar ao
levar a cabo nossas investigações, ao tentar descobrir coisas.
A investigação é uma atividade, e esse tipo de abordagem, em Dewey,
conduz à rejeição à dicotomia entre juízos teóricos e juízos práticos. Assim, enquanto
Peirce e James usaram pragmatismo em sentido restrito, princípio de Peirce, outros
utilizaram em sentido amplo, representando uma abordagem particular para entender a
investigação e os padrões normativos que a governa. Ambos James e Peirce usaram
‗pragmatismo‘ como o nome de um método, princípio ou ‗máxima‘ para esclarecer
conceitos e hipóteses, como também identificar disputas vazias, conforme aponta
Hookway45.
Os pragmatistas, ainda, compartilharam uma perspectiva epistemológica
distinta, a abordagem falibista anti-cartesiana em relação às normas que regem a
42
Ver PEIRCE, C. S. Pragmatism and Pragmaticism. ed. C. Hartshorne and P. Weiss. Cambridge:
Harvard University Press, vol. 5 of Collected Papers, 1934.
43
Ver JAMES, W. Pragmatism and the Meaning of Truth. Cambridge: Harvard University Press, 1979.
44
Ver DEWEY, John. The Essential Dewey. Ed. HICKMAN, L. e ALEXANDER, T. Bloomington: Indiana
University Press, 1999.
45
HOOKWAY, Christopher. Stanford Encyclopedia of Philosophy. August, 2008 http://plato.stanford.edu/.
32
investigação. Eles viam a si próprios como provendo um retorno ao senso comum e aos
fatos da experiência, portanto, rejeitando uma herança filosófica falha que distorceu o
trabalho dos pensadores que os antecederam. Os erros, assim considerados, a
superar, incluem o cartesianismo, o nominalismo e a ‗teoria da cópia da verdade‘, já
que esses ‗erros‘ estão todos relacionados.
Mais tarde, outros pensadores, como por exemplo: John Dewey e C. I.
Lewis46 desenvolveram as ideias do pragmatismo, embora continuassem a considerar
conceitos e hipóteses como instrumentos, não pensavam que o pragmatismo
denotasse o princípio de Peirce. Dewey descreveu o pragmatismo como uma
exploração sistemática do que ele denominava ‗a lógica e ética da investigação
científica‘.
Cabe ressaltar que essa breve introdução não pretende aprofundar-se nos
meandros do pragmatismo, mas sim apresentá-lo como subsídio para fundamentar o
trabalho de Quine. Desse modo, convém lembrar que a linguagem natural em Quine
apresenta uma abordagem behaviorista-empirista, assim como o pragmatismo que
permeia sua teoria. Em vista disso, os aspectos investigados são superficiais, indicando
obras para mais esclarecimentos.
1.4 Resumo
Convém enfatizar que o foco deste primeiro capítulo residiu na influência
do pensamento de Dewey na obra de Quine, a dívida, podemos assim afirmar, quanto
ao seu legado no desdobramento da filosofia quineana, em vários momentos, ressalta
essa intervenção em seu trabalho, citando Dewey de forma ostensiva. Destaco ainda
que Quine não só embasou seu trabalho em Dewey, como o expandiu, tornando-o,
podemos afirmar, sua marca registrada.
Outro aspecto que deve ser salientado são as literaturas utilizadas para
fundamentar essa perspectiva, sobretudo, From a Logical Point of View; Word and
Object: Ontological Relativity and other Essays; Pursuit of Truth; The Ways of Paradox
and Other Essays; The Web of Belief; The Roots of Reference; Theories and Things, de
46
Ver LEWIS, C. I. A Pragmatic Conception of the a Priori. Journal of Philosophy, vol. 20, p 169-77.
33
Quine; quanto a Dewey procurou-se estabelecer Experience and Nature, em que ele,
de forma pontual, mostra seus conceitos acerca da linguagem. Sabe-se que há outros
estudos de Quine que expõem seu pensamento, entretanto não serão aprofundados
nesta investigação, uma vez que entendemos que essas obras englobam o núcleo que
se discute neste momento.
Por conseguinte, este capítulo tentou explorar alguns dados históricos e
filosóficos pertinentes à filosofia de Quine. É razoável afirmar que toda fundamentação
filosófica baseia-se em seus antecessores, visto que as diversas perspectivas no que
tange ao pensamento e teorias consistem em reflexões a respeito do que foi ou está
sendo discutido.
Com efeito, as controvérsias, as objeções enriquecem o panorama da
construção e elaboração do pano de fundo das teorias; o pensamento de Quine não
foge à regra, principalmente em relação à linguagem, terreno movediço e pleno de
intervenções de pensadores de toda a gama. Buscar referendar o pensamento de um
filósofo e tentar encaixar suas ideias nas diversas tendências de escolas, movimentos;
é esclarecedor para perceber de forma mais nítida sua travessia em busca de respostas
a suas proposições.
Não é diferente no que diz respeito à construção do pensamento
quineano, desse modo, referir a teorias e pensadores que influenciaram seu
pensamento é de fundamental importância para que seja possível entender os
meandros de suas ideias. A teia de conhecimento e crenças, utilizando uma metáfora
conhecida, deve ser desvendada e revelada, a fim de traduzir de forma compreensível
os caminhos percorridos por Quine em seu questionamento em relação à linguagem e
seu funcionamento.
Logo, o escopo, trazido para sustentar o arcabouço da teoria de Quine no
que tange à filosofia da linguagem, pretende investigar a fundamentação do filósofo
acerca da linguagem, de tal sorte que se torne mais claro, para estudos futuros, seu
entendimento. Assim, percebemos que o enfoque do posicionamento de Quine quanto
à
linguagem
sustenta-se,
sobretudo,
na
aceitação
social,
e
estimulações
compartilhadas, já discutidas em Dewey, assim como na corrente behaviorista de
estímulo-resposta de Skinner.
34
2
INDETERMINAÇÃO
Este capítulo procurará mostrar os conceitos relativos ao viés da indeterminação,
aspecto fundamental que permeia a filosofia de Quine, a fim de que se torne claro o
intento de fundamentar esta tese. Em vista disso, buscarei estabelecer parâmetros
entre a linguagem e a indeterminação que embasa muitos aspectos da teoria quineana
referente à linguagem.
2.1 A teoria da linguagem na concepção de Quine
Language is a social art which we all acquire on
the evidence solely of other people‘s overt
behavior
under
publicly
recognizable
circumstances. (OR, 26)
Language is socially inculcated and controlled;
the inculcation and control turn strictly on the
keying of sentences to shared stimulation.
Internal factors may vary ad libitum without
prejudice to communication as long as the
keying of language to external stimuli is
undisturbed. (EN, 81)
Iniciamos com a definição do próprio Quine quanto à linguagem, de
acordo com a epígrafe, ‗A linguagem é uma arte social em que todos adquirimos a
evidência exclusivamente a partir da manifestação do comportamento de outras
pessoas, sob circunstâncias publicamente reconhecíveis‘. Portanto, Quine reconhece
esse traço importante da linguagem como algo a ser aprendido por meio da observação
e do comportamento das pessoas em situações de compartilhamento.
Ressalta em outro momento, nos mesmos termos iniciais, que ‗A
linguagem é uma arte social. Em adquirindo-a, dependemos inteiramente de pistas
intersubjetivamente disponíveis quanto ao que dizer e quando‘ 47. Por conseguinte,
Quine várias vezes reitera o aspecto social da linguagem, não abrindo margem para
enfoques subjetivos. Neste momento, e a partir disso, procuramos embasar o fio
47
QUINE, W.O. Word and Object. ‗Language is a social art. In acquiring it, we have to depend entirely on
intersubjectively available cues as to what to say and when’. p. ix.
35
condutor deste estudo, nesta concepção empirista de comportamento observável,
juntamente com o behaviorismo e o pragmatismo que permeiam a aquisição e
aprendizagem da linguagem materna em Quine.
Conforme já mencionado, na Introdução, a filosofia da linguagem situa-se
na zona limítrofe entre a lógica e a linguística, e busca, essencialmente, analisar as
argumentações a favor e contra as diversas visões do sentido que são, a todo o
momento, propostas. Há duas acepções principais para a filosofia da linguagem: uma
mais restrita, em que ela é o resultado de uma investigação filosófica acerca da
natureza e do funcionamento da linguagem, às vezes, denominada de ‗análise da
linguagem‘; outra mais ampla, diz respeito a qualquer abordagem crítica de problemas
filosóficos, metodologicamente orientada por uma investigação da linguagem, por essa
razão é por vezes chamada de ‗crítica da linguagem‘.
A função da análise filosófica da linguagem não é descobrir e explicar o
sentido de um trecho do discurso, mas descrever o sistema produtor da significação;
não o que o ato linguístico significa, mas como chega a significar, argumenta
Marcondes48. Assim, não se trata de um estudo empírico da língua, porém da
formulação de uma teoria da linguagem, tendo como núcleo a teoria do significado.
Nesse espaço, da investigação filosófica acerca da natureza e
funcionamento da linguagem, de sua estrutura lógica, do significado dos conceitos e
proposições, Quine intervém, colocando em dúvida a existência dos significados como
entes teóricos aceitáveis, para consagrar-se mais simplesmente aos enunciados. Para
ele, a linguagem consiste em um complexo de disposições presentes para a conduta
linguística, isto é, disposições para comportamento público compartilhado. O filósofo
admite a importância da distinção entre significado e denotação (ou referência) e
recusa-se a identificar os significados com ideias contidas na mente. Permanece,
assim, o problema de definir que tipo de ente é o significado.
48
MARCONDES, Danilo. Filosofia, Linguagem e Comunicação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
36
‘Ele não abandona a posição empirista de que deve haver uma relação
com o mundo exterior e de que essa relação que carrega nossa linguagem de
significado‘, afirma Stein49. Além disso, ressalta que, para ele,
a linguagem é uma ferramenta na constituição da intersubjetividade, e é
justamente nessa intersubjetividade que se estrutura o significado por meio de
situações compartilhadas. O aspecto relevante da linguagem é o de que de fato
há significado, sendo esse significado construído dentro de um universo
intersubjetivo.
Quine constitui-se em um grande questionador de grande parte da
tradição filosófica, centrada em torno da reflexão sobre o significado, em particular dos
primeiros herdeiros da revolução lógica fregeana, os neopositivistas lógicos. Esses
estudiosos atinham-se a princípios fundamentais que, segundo Quine, são dogmas que
se devem abater, a saber:
I.
a dicotomia analítico/sintético: ideia segundo a qual os enunciados de
uma teoria dividem-se em duas classes, os analíticos, necessários e a
priori, e os sintéticos e a posteriori;
II.
o reducionismo: ideia conforme a qual todo enunciado com significado
pode ser reduzido a dados observáveis imediatos.
Quine desenvolve uma crítica a esses dogmas no artigo Os Dois Dogmas
do Empirismo50, cuja intenção é liberalizar o empirismo. O foco de sua crítica é uma
extensão do princípio de contextualidade de Frege, baseado em uma visão
radicalmente contextualista do significado: a unidade de significação é a totalidade da
linguagem, não um enunciado isolado. Compreender um enunciado significa, segundo
Quine, compreender uma linguagem. Noutras palavras, o significado de uma palavra
isolada depende não só do enunciado de que faz parte, mas da totalidade da linguagem
em que está inserida. Este posicionamento vem ao encontro do objetivo desta tese,
trazer fundamentos para creditar a concepção tanto empírico quanto behaviorista de
Quine quanto à linguagem.
A linguagem, na perspectiva pragmatista de Quine, acontece na
comunidade de falantes nas trocas abertas e sociais, ou seja, públicas. Afirma ele que
49
STEIN, Sofia I. Empirismo, Lógica e Linguagem. In: Linguagem, Ciência e Valores. Caxias do Sul:
EDUCS, p.69-70.
50
QUINE, W. O. From a Logical Point of View. Cambridge: Harvard University Press, 2003.
37
‗cada um de nós aprende sua linguagem de outras pessoas, a partir de proferimentos
observáveis de palavras sob circunstâncias intersubjetivas perceptíveis‘ 51. Portanto,
Quine salienta em vários momentos em seus escritos que não há linguagem privada,
que o significado acontece em situações compartilhadas e intersubjetivas.
Logo, pode-se afirmar que a linguagem natural, a saber, qualquer
linguagem efetivamente falada, em oposição às linguagens artificiais – cuja sintaxe e
regras são estabelecidas para fins teóricos – na concepção de quineana, acontece no
espaço público, em situações compartilhadas, não havendo, desse modo, linguagem
privada, ou ainda significados ‗na mente‘. O aprendizado de uma linguagem, segundo
ele, estabelece-se nas trocas observáveis e, conforme mencionado, sob circunstâncias
intersubjetivas perceptíveis, corroborando nossa afirmativa primeira sobre a natureza da
linguagem, no sistema filosófico de Quine.
2.2 O viés da tese da tradução radical
The thesis is then like this: manuals for
translating on language into another can be set
up in divergent ways, all compatible with one
another. (WO, p.27)
2.2.1 Apresentação do thought experiment
A situação ideal que Quine constrói, para sustentar sua tese em relação à
tradução radical, consiste em um thought experiment, que pode ser apresentado com
um seguinte caso hipotético: imagine-se um linguista de campo que se propõe elaborar
no terreno a tradução de uma língua alienígena totalmente estranha para ele (junglelanguage); e cujos falantes desconhecem completamente a linguagem do linguista (por
exemplo, o português). O objetivo final do linguista consistirá na construção de um
manual de tradução jungle-language-português que tome como veleidade última
possibilitar ao linguista uma efetiva comunicação com todos os falantes da jungle-
51
QUINE, W.O. Word and Object. ‗Each of us learns his language from other people, through the
observable mouthing of words under conspicuously intersubjective circumstances.‘ Cambridge: MIT
Press, 1960, p.1.
38
language. De tal sorte que todos os indícios iniciais disponíveis para o linguista
consistirão no comportamento verbal dos nativos, ou seja, nas suas disposições
verbais, e as situações ambientais observáveis partilhadas. Por conseguinte, essas
últimas observações consubstanciam a posição behaviorista de Quine a esse respeito.
Logo, o questionamento que segue é pertinente: de que modo constrói o
linguista seu manual? Esse processo cumprirá dois momentos distintos, no primeiro, e
dada a escassez de informações de que dispõe, o linguista traduz por tentativa e
hipoteticamente expressões da linguagem alienígena, apelando para as manifestações
de assentimento e dissentimento dos nativos e para as situações observáveis
concomitantes com determinada elocução verbal. A seguir, e tendo por base o mesmo
tipo de dados, o linguista tentará confirmar a sua tradução inicial inquirindo os nativos
acerca das expressões em várias circunstâncias e obtendo o respectivo veredito por
meio das suas manifestações de assentimento e dissentimento em cada caso.
Nesse contexto, conforme Branquinho52, o par ordenado das várias
situações que para determinada expressão provocam o assentimento e dissentimento
dos nativos é classificado por Quine como constituindo o estímulo-significado dessa
expressão. Assim, é esse estímulo-significado que assegura a tradução segura (pelo
menos mais segura) da expressão em causa. Em vista disso, dada as características
específicas assumidas pelo estímulo-significado, só uma parcela da linguagem pode
ser traduzida desse modo, em particular uma classe de frases que Quine denomina de
frases de observação, a saber, frases ocasionais cujo valor de verdade é
completamente determinado pelas circunstâncias observáveis e que são inicialmente
traduzidas de modo holofrástico, isto é, como um todo.
Além das frases de observação, ou sentenças observacionais, são
também traduzíveis, dessa maneira, as construções cuja função gramatical equivale à
dos conectivos vero-funcionais do cálculo proposicional. Esses últimos não serão
apresentados por não consistirem o foco deste estudo.
52
BRANQUINHO, João et al. Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos. São Paulo: Martins Fontes,
2006, p. 406-407.
39
Por outro lado, a segunda fase do processo de tradução, ressalta
53
Branquinho
tentará ultrapassar essa barreira limitativa imposta pelas restrições
técnicas do estímulo-significado. Com efeito, a situação exige que se reformule de
modo um pouco mais técnico a ideia de ‗manual de tradução‘. Um manual de tradução
de uma linguagem L para uma linguagem L‘ (L é a linguagem-alvo e L‘ a linguagemfonte) pode ser visto como resultando em uma função recursiva (pode-se dizer f) que
toma como argumentos frases de L e como valores frases de L‘, sendo a relação
estabelecida em cada caso uma relação de tradução entre essas frases. Mais
especificamente, o que se quer com um manual de tradução é obter um método efetivo
que dê para cada frase arbitrária de L a sua tradução L‘.
Dessarte, pode-se perceber as limitações técnicas do expediente do
estímulo-significado e a impossibilidade de este levar a cabo de modo completo o
projeto de um manual de tradução, sendo, então, necessário um novo método de
abordagem da linguagem alienígena. Tal método consiste na adoção de um conjunto
de hipóteses analíticas que estabeleça correlações semânticas hipotéticas entre
palavras e expressões das duas linguagens de modo a obter um léxico e uma
gramática para a linguagem-alvo, partindo da tradução hipotética de termos da
linguagem alienígena na nossa própria e de partículas e construções gramaticais do
mesmo modo, corrobora Branquinho54.
Acrescenta o autor55
Sendo essa correlação hipotética, ela não poderá, no entanto, ser totalmente
arbitrária, devendo obedecer a duas restrições que constituem conjuntamente,
pode-se afirmar, o ‗critério de correção‘ para as hipóteses analíticas, ou seja,
em última instância, para o manual de tradução. Nesse sentido, a primeira
restrição exige a compatibilidade das hipóteses analíticas com a primeira fase
de tradução via estímulo-significado, garantindo, assim, o acordo com as
disposições verbais dos nativos e constituindo, portanto, a sua ‗adequação
empírica‘.
No que diz respeito à segunda restrição, de caráter mais normativo,
exige, embora de modo flexível, a maximização do acordo entre as crenças dos
nativos e as do linguista, a fim de evitar situações de absurdidade e
contrassenso. Assim, dado esse critério, pode-se, então, construir um conjunto
de hipóteses analíticas que respeitem essas duas restrições e que garantam
um léxico e uma gramática para a linguagem alienígena. Desse modo, o que se
53
Id. Ibid.
Id. Ibid.
55
Id. Ibid. p. 406.
54
40
obtém no final desse processo é, finalmente, o almejado manual de tradução LL‘, ou jungle-language-português, no caso hipotético em consideração; ou seja,
uma função recursiva f que cada membro (frase) arbitrário de L nos dê, de
modo efetivo, a sua tradução em L‘. (BRANQUINHO, p. 406)
Com efeito, complementa Branquinho56, esse poder recursivo ou indutivo
é diretamente imputado à gramática de L, que transforma, por construção sintática, os
elementos lexicais dessa linguagem em expressões mais complexas. Uma gramática
para L deve definir recursivamente o conjunto de expressões que podem ocorrer nessa
linguagem, a saber, as expressões gramaticalmente corretas dessa linguagem. Em
suma, uma gramática para L, junto com o conjunto finito do léxico, deve definir
recursivamente todos os elementos infinitos (frases infinitas) de L.
Nesse contexto, ressalta Branquinho57
sendo o caso que, por meio de hipóteses analíticas, têm-se correlações
semânticas das construções gramaticais e do léxico de L em L‘, o manual f
pode, para cada frase arbitrária de L, e independentemente da sua
complexidade gramatical fornecer a sua tradução em L‘. Desse modo, f
determina um conjunto infinito de pares ordenados em que o primeiro elemento
de cada par consiste em um elemento (frase) de L e o segundo na sua tradução
em L‘, ou seja, em um elemento (frase) de L‘.
Após o levantamento de dados hipotéticos, convém lembrar que Quine 58
ressalta que ―a psicologia prática é o que sustenta nosso tradutor radical durante todo o
tempo, e o método de sua psicologia é a empatia; ele se imagina na situação do nativo
da melhor maneira possível‖.
Assim, por exemplo, o linguista ouve um nativo dizer ‗gavagai‘ na
presença de um coelho e formula diferentes hipóteses quanto a que tal termo possa
designar: todo o animal; suas partes; sua cor; seu movimento, assim por diante. Para
testar essas hipóteses, o linguista diz ‗gavagai‘ em circunstâncias distintas e espera
pelo assentimento ou dissentimento do nativo. Desse modo, algumas hipóteses são
confirmadas ou confirmadas. O linguista continuará, a seu modo, confirmando
hipóteses a respeito de frases individuais, bem como de tendências gramaticais, até
56
Id. Ibid.
Id. Ibid. p. 407.
58
QUINE, W.O. Pursuit of Truth. ‗Practical psychology is what sustains our radical translator all along the
way, and the method of his psychology is empathy; he imagines himself in the native’s situation as best
he can’. 1993, p. 46.
57
41
estabelecer um manual de tradução, que lhe permita interpretar qualquer frase arbitrária
que os nativos possam enunciar.
Nesse contexto, há um problema, independente da quantidade de
evidência disponível para o linguista, e de quão bem adequado seu manual de tradução
é a essa evidência, sempre é possível construir um manual alternativo que se enquadre
bem à evidência. Em outras palavras, é, em princípio, possível para dois tradutores
radicais que sigam o mesmo procedimento terminarem com manuais de tradução
incompatíveis.
A partir desse experimento de pensamento, Quine generaliza suas
conclusões e argumenta que a indeterminação radical é um traço básico e inevitável da
linguagem. A tese da indeterminação, que será vista a seguir, diz respeito não somente
à atividade particular de um tradutor radical, mas a todo uso da linguagem. Conforme
Quine aponta, ‗ a tradução radical começa em casa‘59. Embora usemos os mesmos
sinais e sons que outras pessoas em nossa comunidade linguística, a tarefa de
interpretar a fala deles não é diferente da tradução radical: para que se possa
compreender falantes da mesma língua, também é necessário ser capaz de traduzir
seus significados para a nossa língua.
Por conseguinte, o fato de que estamos usando os mesmos sinais e sons
não faz diferença alguma, porquanto, significados não estão atrelados a sinais ou sons:
não há significados independentemente do sistema de crenças nos quais eles
aparecem. Portanto, os significados são relativos a sistemas de crenças e aos falantes
particulares que as têm. Comumente, quando dizemos que usamos as mesmas
palavras, não estamos necessariamente falando a respeito de termos sinônimos, mas
de termos homofônicos, ou seja, termos que se parecem e soam iguais, mas, tanto
quanto sabemos, podem ter significados bastante diferentes, visto que seus
significados derivam-se de uma rede de crenças na qual estão inseridos. Esse aspecto
da teia de crenças será abordado mais adiante.
Em síntese, Quine conclui que o comportamento linguístico de
assentimento ou discordância não basta para discriminar a diferença de tradução. Toda
59
Id. Ibid. ‗I have directed my indeterminacy thesis on a radically exotic language for the sake of
plausibility, but in principle it applies even to the home language’. p. 48.
42
tradução depende de ‗uma teoria de fundo‘ ou de um esquema conceitual de fundo. Daí
se segue que linguistas diferentes, situados diante das mesmas observações, podem
elaborar traduções diferentes. A conclusão de Quine é que não há a tradução exata.
Todo tradutor parte de um conjunto de hipóteses analíticas: diferentes conjuntos de
hipóteses sobre o modo como analisar a linguagem que se vai traduzir podem dar
resultados diferentes, todos compatíveis com a mesma evidência empírica. Toda
tradução depende, então, do esquema conceitual que se utiliza ao traduzir. Uma
diversidade nas traduções não implica que um manual esteja necessariamente errado;
dois manuais podem ser ambos adequados aos dados empíricos.
2.3 Trazendo aspectos da indeterminação da tradução
Para Quine, o critério de comunicação bem-sucedida, quer a tradução
esteja envolvida ou não, quer seja interação fluente, verbal e não verbal: ‗Sucesso em
comunicação é julgado pela fluência da conversação, pela previsibilidade frequente das
reações verbais e não verbais, e pela coerência e credibilidade do testemunho do
nativo‘60. Desse ponto de vista, falar de sinonímia e de ideias na mente é simplesmente
um verniz teórico, que consiste (no máximo) na necessidade de justificação. Quine
duvida que esse verniz teórico seja justificável; seu ceticismo sobre a teoria, entretanto,
não é ceticismo sobre os dados. Desse modo, fluência na conversação certamente
ocorre, às vezes, em casos em que há diferentes linguagens envolvidas. Essa tradução
bem-sucedida não é colocada em dúvida por qualquer coisa dita, sua pretensão, na
verdade, é que possa ser possível em mais de uma maneira.
Na filosofia de Quine, essa tese é um dos tópicos mais discutidos e
controversos. É formulada por ele da seguinte forma: ‗[...] manuais para traduzir uma
linguagem em outra podem ser construídos de modos divergentes, todos compatíveis
com a totalidade das disposições verbais, mas, no entanto, incompatíveis entre si‘61. Em
60
QUINE, W. Pursuit of Truth. ‘Success in communication is judged by smoothness of conversation, by
frequent predictability of verbal and nonverbal reactions, and by coherence and plausibility of native
testimony‘. 1990, p. 43.
61
QUINE, W. Word and Object. ‗[…] manuals for translating one language into another can be set up in
divergent ways, all compatible with the totality of speech dispositions, yet incompatible with one another’.
1960, p. 27.
43
outras palavras, essa tese afirma que podem existir traduções diferentes, todas elas
confirmadas em igual grau pelos dados disponíveis, isto é, todas elas corretas.
Baseia-se, assim, na relatividade dos esquemas conceituais, a saber, (i)
pode haver diversas traduções (manuais de tradução) compatíveis com os dados
empíricos, mas incompatíveis entre si; (ii) toda tradução é, com efeito, relativa ao
esquema conceitual usado pelo linguista observador ao analisar a linguagem nativa.
Essa tese assume motivações essencialmente destrutivas, em particular
no que concerne à imagem clássica da semântica para as linguagens naturais, que
Quine classifica, na generalidade, como ‗mentalistas‘. Em outros termos, essa
concepção mentalista de semântica pode ser descrita como consistindo na intuição que
faz corresponder a cada expressão significante de uma linguagem um objeto
extralinguístico, que consiste precisamente no seu sentido. Quine fornece, como já
mencionado no capítulo 1, a imagem sugestiva do museu: ‗a semântica não-crítica
consiste no mito de um museu no qual as obras exibidas são os significados (meanings)
e as palavras são as legendas. Mudar as linguagens é mudar as legendas.‘62
Para melhor compreender essa tese considerem-se as três frases
seguintes: (i) Snow is white; (ii) La neige est blanche; (iii) A neve é branca. Todas essas
três frases são diferentes entre si, somos levados, no entanto, a identificá-las de algum
modo, assumindo que algo de comum subsiste a todas elas, a saber, o seu significado.
A premissa implícita do mentalismo, que a tese da indeterminação desafia, é a de que a
existência de ‗significados‘ constitui uma condição necessária para a intercompreensão
linguística. A motivação fundamental que leva Quine a desconfiar da semântica
mentalista consiste no fato de os ‗significados‘ serem entidades pouco claras quanto à
sua individuação, pelo que, só devemos postulá-los se houver real necessidade.
A situação idealizada por Quine parte do thought experiment, que
sustentará sua tese da ‗tradução radical‘, baseada no caso hipotético: imagine-se um
linguista de campo que se propõe elaborar a tradução de uma língua alienígena
totalmente estranha para ele – pode-se chamá-la de jungle-language, cujos falantes
desconhecem a linguagem do pesquisador. Seu objetivo final consistirá na elaboração
62
QUINE, W. Ontological Relativity. ‗Uncritical semantics is the myth of a museum in which the exhibits
are meanings and the words are labels. To switch languages is to change the labels’. 1969, p. 27.
44
de um manual de tradução jungle-language/português, cujo propósito é possibilitar a
comunicação efetiva com todos os falantes da comunidade da jungle-language. Todos
os dados que o linguista dispõe consistem no comportamento verbal dos nativos, ou
seja, nas suas disposições verbais e as situações ambientais observáveis
compartilhadas, consubstanciando a posição behaviorista quineana.
Quine posiciona-se da seguinte maneira em relação à indeterminação da
tradução:
Essas reflexões nos deixam poucas razões para esperar que dois tradutores
radicais, trabalhando de forma independente em relação à jungle, trariam à tona
manuais intercambiáveis. Seus manuais poderiam ser indistinguíveis em termos
de qualquer comportamento nativo que eles pudessem esperar, e, ainda assim,
cada manual poderia prescrever algumas traduções que o outro tradutor
.63
rejeitaria. Tal é a tese da indeterminação da tradução
Acrescenta ele,
A tese da indeterminação da tradução consiste em que essas afirmações
(claims) da parte desses dois manuais podem ser ambas verdadeiras, e ainda,
que as duas relações de traduções podem não ser usadas em alternância, frase
a frase, sem incorrer em sequências incoerentes. Ou, em outros termos, as
frases inglesas estabelecidas como tradução de uma dada sentença jungle por
dois manuais concorrentes podem não ser intercambiáveis em contextos de
64
inglês.
Quine afirma que o comportamento linguístico de assentimento ou
discordância não basta para discriminar a diferença de tradução. Toda tradução
depende de uma ‗teoria de fundo‘ ou de um esquema conceitual de fundo. Daí se segue
que linguistas diferentes, situados diante das mesmas observações, podem elaborar
traduções diferentes. A conclusão de Quine é que não há a tradução exata. Todo
tradutor parte de um conjunto de hipóteses analíticas, isto é, diferentes conjuntos de
hipóteses sobre o modo como analisar a linguagem que se vai traduzir podem produzir
63
QUINE, W.V. Indeterminacy of Translation. In: The Pursuit of Truth. Cambridge: Harvard University
Press, 1990, p. 47–8.’These reflections leave us little reason to expect that two radical translators, working
independently on Jungle would come out with interchangeable manuals. Their manuals might be
indistinguishable in terms of any native behavior that they give reason to expect, and yet each manual
might prescribe some translations that the other translator would reject. Such is the thesis of
indeterminacy of translation.’
64
Id. ibid. p. 48. ‗The thesis of indeterminacy of translation is that these claims on the part of two manuals
might both be true and yet the two translation relations might not be usable in alternation from sentence to
sentence, without issuing in incoherent sequences. Or, to put it another way, the English sentences
prescribed as translation of a given Jungle sentence by two rival manuals might not be interchangeable in
English contexts.’
45
resultados diferentes, todos compatíveis com a mesma evidência empírica. Toda
tradução depende, então, do esquema conceitual que se utiliza ao traduzir.
Segundo
Quine,
a
tradução
permanece
indeterminada
devido
à
inescrutabilidade da referência de termos de uma língua, a saber, não é possível
determinar qual é exatamente a referência de um termo, como, por exemplo ‗gavagai‘,
usado pelos falantes da comunidade linguística ao observar um coelho, pois, apesar de,
em um manual, ser possível traduzir o termo por ‗coelho‘, seria concebível criar um
manual cuja tradução do termo ‗gavagai‘ fosse constituído por ‗parte não destacada de
um coelho‘ ou ‗fase temporal de um coelho‘. Essa constatação leva Quine a concluir
que: (i) O linguista não pensa em significados ao elaborar manuais de tradução, mas,
sim, baseia-se na observação do comportamento dos falantes nativos; (ii) É possível
determinar as situações em que os falantes assentiriam a uma sentença como
‗gavagai‘, mas não é possível traduzir o termo ‗gavagai‘ de maneira unívoca, uma vez
que a referência é inescrutável.
É possível afirmar que é óbvio esse posicionamento contra a semântica
clássica (mentalista), já que conforme caracterização, postula que dada duas
linguagens, apenas uma tradução correta entre elas seria possível e que duas frases
expressariam a mesma proposição (sentido) somente se uma fosse a tradução da
outra. A tese da indeterminação derruba esse postulado, mostrando como várias
traduções corretas são possíveis, embora incompatíveis e atingindo, assim, por
inerência, a própria ideia de ‗proposição‘ ou ‗sentido‘, sustentada pelo postulado da
existência de uma e só uma tradução correta entre linguagens.
Puntel65 salienta, questionando esse posicionamento, que
a despeito das dificuldades dessa concepção, apontadas, entre outros, por
Quine sob a designação de ‗indeterminação da tradução‘, essa tese é
compartilhada pela maioria dos filósofos atuais. No entanto, isso é questionável,
porque por trás disso está a pressuposição de que se pode ‗traduzir‘ uma
determinada linguagem para outra linguagem sem nenhum problema, como se
uma linguagem fosse um tipo de ‗roupa‘ que arbitrariamente pudesse ser
trocada por outra, sendo que o corpo assim ‗vestido‘ permaneceria idêntico.
Tomando-se, por exemplo, a sentença alemã ‗Schnee ist weiβ‘ e a sentença
portuguesa ‗neve é branca‘ e, supondo-se que sentenças com essa forma
expressam uma proposição, supõe-se, em seguida, que ambas as sentenças
65
PUNTEL, Lorenz B. Estrutura e Ser: um quadro referencial teórico para uma filosofia sistemática. São
Leopoldo: Ed. Unisinos, 2008, p.128.
46
expressam exatamente ‗a mesma‘ proposição (ou seja, a proposição de que a
neve é branca).
Pode-se perceber que Puntel discorda dessa tese, que segundo ele, é
compartilhada pela maioria dos filósofos atuais, visto que subjaz a ela que ambas as
frases, traduzidas de línguas diferentes, expressem a mesma proposição; ou seja,
supõe-se que inicialmente expressem uma proposição, para após, chegar-se à
conclusão que ambas expressam a mesma proposição. Com efeito, a tese da
indeterminação da tradução é um aspecto controverso e polêmico no escopo teórico de
Quine. Por outro lado, a controvérsia e a polêmica, em nosso ponto de vista, devem
permear os meandros da filosofia, para fomentar a reflexão e alimentar a discussão que
são o combustível do fazer filosófico.
2.4 Relatividade ontológica e seus desdobramentos: inescrutabilidade ou
indeterminação da referência na perspectiva empírico-naturalista
[...] But I can now say what ontological relativity
is relative to […] It is relative to a manual of
translation. (PT, 51-52)
Esses conceitos assumem um caráter dúbio na filosofia de Quine,
especialmente nos seus desenvolvimentos recentes66, em que ele denomina a
Relatividade Ontológica de Relatividade Atenuada (defused). A tese da relatividade
ontológica, também conhecida como a inescrutabilidade ou indeterminação da
referência, está em concordância com o empirismo naturalista de Quine. Desse modo,
foi generalizada em uma perspectiva que Quine denomina de estruturalismo global,
visto que consiste nas sentenças observacionais construídas holofrasticamente, como
um todo indissolúvel em que o sistema é externamente restrito.
Assim, há meios diferentes, mas igualmente plausíveis de encontrar essas
restrições observacionais, e isso pode envolver diversas ontologias, tais como uma
ontologia de coelhos ou de partes de coelhos.
Nesse contexto, a tese da
inescrutabilidade da referência significa que a referência de uma palavra não é
determinada por fatos, mas é relativa ao aparato de individuação de nossa escolha, isto
66
Id. Ibid. Pursuit of Truth. Cambridge: Harvard University Press, 2
nd
ed., 1993.
47
é, a ontologia construída no nosso manual de tradução. Essa teoria aponta que nenhum
dado empírico relevante para a interpretação das elocuções de um locutor pode servir
para decidir entre diversas maneiras alternativas e incompatíveis de atribuir referentes
às palavras usadas; assim, não há fato algum que consista em as palavras terem certa
referência.
Na teoria da indeterminação da referência, Quine defende a tese de que
não é possível, no interior de qualquer linguagem, língua ou universo linguístico,
determinar ou mostrar qual a referência determinada de um termo ou expressão. Isto
significa afirmar que qualquer tentativa de tradução entre idiomas distintos, ou mesmo
qualquer ato comunicacional, não pode alcançar uma total clareza com relação àquilo
de que se está falando. Esta falta de clareza com relação à referência, no entanto, não
impede os indivíduos envolvidos na comunicação de avançarem em sua compreensão
do processo de interação comunicacional. Assim, apesar da indeterminação da
referência, e inclusive por causa dela, a linguagem se desenvolve em um todo
complexo e rico em significações que auxiliam os sujeitos do discurso a se
movimentarem nesse ambiente, buscando, a partir das experiências sensíveis, o
conhecimento do real.
Quine defende, ainda, que, apesar de limitada e impossível de ser
determinada, é a referência a dados sensoriais que garante a intersubjetividade. Por
não termos acesso a mentes, não se sabe, portanto, quais as percepções de outras
pessoas. Entretanto, é essa forma limitada de comunicar, evocando palavras que não
têm uma referência determinada, que lidamos diariamente. Por exemplo, o aprendizado
de uma criança de enunciar a palavra ‗mamãe‘, para utilizá-la, a criança não necessita
saber a que se refere, pelo contrário é o uso constante da palavra que irá moldar a
referência. Isso acontece, pois a criança é estimulada e induzida a proferir tal palavra
estritamente na presença apropriada. Nesse sentido, Quine67 busca trazer seu thought
experiment para dentro de casa, na família, assim:
[...] Para começar, o caso da criança assemelha-se ao do gentio. Pois embora
possamos estar completamente satisfeitos por ter a criança aprendido o truque
67
QUINE, W. O. Speaking of Objects. Ontological Relativity & other essays. p. 6-7, 1969. ‗To begin with,
the case of the child resembles that of the heathen. For though we may fully satisfy ourselves that the
child has learned the trick of using utterances ‘mama’ and ‘water’ strictly in the appropriate presences, or
as means of inducing the appropriate presences’.
48
de usar as enunciações mamãe e água estritamente nas presenças
apropriadas, ou como meio de induzir as presenças apropriadas [...]
Com efeito, a criança, a partir de constantes enunciações de determinada
palavra, quando confrontada com certos estímulos sensoriais e, consequente,
aprovação, por parte de algum sujeito que já domina a linguagem, dessas enunciações,
aprende a utilizar, num primeiro momento, a utilizar termos como mamãe, água e
vermelho. Lembrando que a criança assim o faz, diferentemente do adulto que domina
a linguagem, apenas para expressar a ocorrência de certo estímulo, sem identificar um
objeto.
Embora essa teoria seja semelhante à indeterminação da tradução, não
lhe é idêntica. Em primeiro lugar, a inescrutabilidade da referência pode ser compatível
com o fato de as diferentes interpretações do que o locutor diz terem todas o mesmo
valor de verdade; ao passo que Quine presume, frequentemente, que a indeterminação
implica que as diferentes interpretações não sejam equivalentes (em qualquer sentido
do termo), de tal modo que o que é dito pode ser verdadeiro segundo uma interpretação
e falso segundo outra.
Em segundo lugar, a tradução pode ser indeterminada mesmo que a
referência seja escrutinável se, por exemplo, o objetivo da tradução correta for o de fixar
mais do que as referências dos termos. No entanto, ‗inescrutabilidade‘ não é o melhor
termo para designar a teoria de Quine, visto que sugere algo real, mas incognoscível,
ao passo que segundo a tese de Quine os termos não têm qualquer referência única
real.
A essa teoria tão controversa, Quine prefere, anos após Ontological
Relativity, chamar de ‗indeterminação da referência‘. Ressalta, desse modo que
Tomada analiticamente, a indeterminação é trivial e indiscutível. Foi de modo
factual ilustrada em Ontological Relativity (p.35-36) [...] e mais abstratamente
acima pelas funções de substituição (§13). É a reflexão surpreendente que
interpretações divergentes de palavras em uma frase podem compensar-se
para sustentar uma tradução idêntica de uma frase como um todo. É o que
denominei de inescrutabilidade da referência; ‗indeterminação da referência‘
teria sido melhor. A tese séria e controversa da indeterminação da tradução não
é isso; é sim a tese holofrástica, que é mais forte. Manifesta-se para as
divergências que subsistem irreconciliáveis mesmo dentro do nível da frase
49
inteira e são compensadas apenas por divergências nas traduções de outras
68
frases inteiras.
Quine acrescenta que
Ao contrário da indeterminação da referência, que é tão prontamente ilustrada
por ajustes mutuamente compensatórios dentro dos limites de uma simples
frase, a indeterminação holofrástica ou total da tradução aproxima-se mais
amplamente de uma linguagem para admitir ilustração factual. A tradução
radical é uma realização rara e não vai acontecer duas vezes de maneira bem69
sucedida para a mesma linguagem.
Nesse texto, Quine observa que, muito mais do que ele, muitos leitores
buscaram uma distinção técnica entre as frases ‗inescrutabilidade da referência‘ e
‗relatividade ontológica‘; ressaltando que essa distinção nunca ficou muito clara para
ele. Segundo suas próprias palavras:
Leitores amáveis procuraram uma distinção técnica entre minhas frases
‗inescrutabilidade da referência‘ e ‗relatividade ontológica‘, que nunca ficou clara
para mim mesmo. Mas, posso agora afirmar a que relatividade ontológica é
relativa, mais sucintamente do que antes proferido em palestras, artigo e livro
com este título. É relativa a um manual de tradução. Para afirmar que ‗gavagai‘
denota coelhos é necessário optar por um manual de tradução em que ‗gavagai‘
é traduzido como ‗coelho‘, em vez de optar por quaisquer manuais
70
alternativos.
Por conseguinte, Quine finaliza questionando se a indeterminação ou
relatividade estende-se de alguma forma à home language; visto que no livro
Ontological Relativity ele assim o fizera. Ademais, salienta por que a home language
pode
ser
traduzida
pelas
próprias permutas que
partem
materialmente
da
transformação de identidade comum, como as funções de substituição apoiam. No
68
QUINE, W. O. The Pursuit of Truth. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 50. ‗Taken
analytically, the indeterminacy of translation is trivial and indisputable. It was factually illustrated in
Ontological Relativity (p.35-36) […] and more abstractly above by proxy functions (§ 13). It is the
unsurprising reflection that divergent interpretations of the words in a sentence can so offset one another
as to sustain an identical translation of the sentence as a whole. It is what I have called inscrutability of
reference; ‘indeterminacy of reference’ would have been better. The serious and controversial thesis of
indeterminacy of translation is not that; it is rather the holophrastic thesis, which is stronger. It declares for
divergences that remain unreconciled even at the level of the whole sentence, and are compensated for
only by divergences in the translations of other whole sentences.’
69
Id. Ibid. p. 50-51. ‘Unlike indeterminacy of reference which is so readily illustrated by mutually
compensatory adjustments within the limits of a single sentence , the full or holophrastic indeterminacy of
translation draws too broadly on a language to admit of factual illustration. Radical translation is a rare
achievement, and it is not going to be undertaken successfully twice for the same language.‘
70
Id. Ibid. p. 51-52. ‗Kindly readers have sought a technical distinction between my phrases ‘inscrutability
of reference’ and ‘ontological relativity’ that was never clear in my own mind. But I can now say what
ontological relativity is relative to, more succinctly than I did in the lectures, paper, and book of that title. It
is relative to a manual of translation. To say that ‘gavagai’ denotes rabbits is to opt for a manual of
translation in which ‘gavagai’ is translated as ‘rabbit’, instead of opting for any of the alternatives manuals.’
50
entanto, se escolhermos como manual de tradução a transformação da identidade,
desse modo, tomando o valor nominal da home language, a relatividade é resolvida.
Referência é, então, explicada em paradigmas descitacionais, semelhante ao
paradigma da verdade de Tarski (§33); assim ‗rabbit‘ denota coelhos, o que quer que
sejam, e ‗Boston‘ designa Boston.71
Com efeito, se inicialmente havia um diferença entre relatividade
ontológica e inescrutabilidade da referência; enquanto a inescrutabilidade remete para a
possibilidade de diferentes condições de satisfabilidade de diferentes predicados; por
sua vez, a relatividade ontológica joga com a noção de diferentes domínios para
reinterpretar predicados de uma teoria. Tome-se como exemplo o caso das frases
abertas ‗x é um coelho‘ e ‗x é uma parte não destacada de coelho‘, elas assumem
diferentes condições de satisfabilidade em um mesmo domínio fixo, a saber, de objetos
físicos; essa é a situação com que lida a inescrutabilidade.
Suponha-se, ainda, que reduzimos o domínio dos objetos físicos para um
domínio de ‗lugares-tempo‘; por meio de uma função de substituição pode-se permutar
cada objeto físico pelo seu correspondente ‗lugar-tempo‘. Assim, para a frase aberta ‗x
é um coelho‘, procede-se a uma reinterpretação, por meio da função, como ‗x é um
lugar-tempo de coelho‘. Essa situação de relatividade é manifestamente diferente
daquela que lida com a inescrutabilidade. A situação pode ser resumida da seguinte
forma: enquanto a inescrutabilidade depende da confrontação de diferentes manuais de
tradução; a relatividade pode ser demonstrada relativamente a um único manual, afirma
Branquinho72
Embora Quine tivesse a princípio adotado a perspectiva anteriormente
descrita, nos seus escritos tardios tendeu a esbater a diferença entre relatividade e
inescrutabilidade e a fazer quase como que uma identificação entre as duas, conforme
71
Id. Ibid. p. 52. ‘And does the indeterminacy or relativity extend also somehow to the home language? In
‘Ontological Relativity’ I said it did, for the home language can be translated into itself by permutations that
depart materially from the mere identity transformation, as proxy functions bear out. But if we choose as
our manual of translation the identity transformation, thus taking the home language at face value, the
relativity is resolved. Reference is then explicated in disquotational paradigms analogous to Tarski’s truth
paradigm (§33); thus ‘rabbit’ denotes rabbits, whatever they are , and ‘Boston’ designates Boston’.
72
BRANQUINHO, João et al. Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
51
mencionado. Na verdade, há casos em que, de modo evidente, a adoção de diferentes
manuais ou de diferentes ontologias acaba por equivaler. Tome-se o exemplo dos
‗complementos cósmicos‘; é possível reinterpretar o discurso do meu interlocutor como
se referindo a complementos cósmicos de objetos físicos, a saber, a totalidade do
cosmos menos esse objeto físico; e não aos próprios objetos.
Nesse caso, estamos tanto perante uma situação de tradução, e, portanto,
de inescrutabilidade da referência (os termos denotam coisas diferentes se traduzirmos
‗gavagai‘ por ‗coelho‘, ou por ‗complemento cósmico de coelho‘), como de relatividade
ontológica; podemos adotar uma função de substituição que reinterprete cada objeto de
uma ontologia fisicalista em um objeto de uma ontologia de complementos cósmicos.
Esse último tipo de consideração parece ser a razão que encorajou Quine a não
estabelecer uma diferença substancial entre relatividade ontológica e inescrutabilidade
da referência.
2.5 Considerações acerca do fisicalismo
Conforme mencionado, Quine retoma seu posicionamento empirista, ao
afirmar que a visão fisicalista seria a mais adequada para tentar enfrentar a questão
epistemológica de como nos referimos ao mundo. De maneira geral, fisicalismo é a tese
de que tudo é físico, ou como os filósofos contemporâneos, por vezes, afirmam, que
tudo o que ocorre ou é superveniente ou demandado pelo físico. A tese é geralmente
concebida como tese metafísica, paralela à atribuída ao filósofo grego Thales, que
afirma que tudo é água; ou ao idealismo de Berkeley, filósofo do século XVIII,
declarando que tudo é mental. Desse modo, a ideia geral é que a natureza do mundo
real (ou seja, o universo e tudo nele) está de acordo com uma determinada condição, a
condição de ser físico. Certamente, os fisicalistas não negam que o mundo pode conter
vários aspectos que, à primeira vista, não parecem físicos – aspectos de natureza
biológica, psicológica, moral ou social. Mas insistem, no entanto, que, no final do dia,
tais aspectos são ou físicos ou sobrevêm no físico, como aponta Stoljar.73
73
STOLJAR, Daniel. Physicalism. http://plato.stanford.edu. First published Tue Feb 13, 2001; substantive
revision Wed Sep 9, 2009.
52
Stein74 salienta que não é só na sua análise do significado que Quine
retoma certas pretensões empiristas. A sua análise da referência de termos a objetos
também desemboca em uma visão epistemológica próxima à visão reducionista do
positivismo lógico. Ao ressaltar que a visão fisicalista seria a mais clara para fazer frente
ao problema epistemológico de como nos referimos ao mundo, Quine volta a introduzir
um tipo de primazia da ontologia de objetos físicos sobre outras ontologias possíveis:
O que está posto como objetos aos quais os termos podem referir serão,
primariamente, objetos que são considerados idênticos sob mudanças de
perspectiva. Isto explica a primazia dos corpos. Se a clareza pode ser atribuída
a coisas assim como a palavras, então corpos são coisas das mais claras. Se a
investigação deve começar com o que é claro, então comecemos como
75
fisicalistas.
No texto On What There Is, Quine esclarece sobre sua aceitação de uma
teoria científica, ou, segundo ele, um sistema de física. Nesse sentido, aceitar uma
ontologia significa aceitar um sistema conceitual global destinado a acomodar a ciência
no sentido mais amplo; com efeito, adotamos também um esquema conceitual mais
simples no qual organizamos e acomodamos os fragmentos desordenados da
experiência bruta, determinando, assim nossa ontologia e uma construção razoável do
todo. Da mesma forma, pode ser dito em relação à adoção de qualquer sistema de
teoria científica, de uma questão da linguagem e estendido à adoção de uma ontologia.
Por conseguinte, afirma Quine,
Nossa aceitação de uma ontologia é, creio eu, semelhante em princípio a nossa
aceitação de uma teoria científica, digamos, de um sistema de física: adotamos,
ao menos na medida em que somos razoáveis, o esquema conceitual mais
simples no qual os fragmentos desordenados da experiência bruta podem ser
acomodados e organizados. Nossa ontologia fica determinada uma vez fixado o
esquema conceitual global destinado a acomodar a ciência no sentido mais
amplo; e as considerações que determinam uma construção razoável de
qualquer parte desse esquema conceitual, por exemplo, da parte física ou
biológica, não são diferentes em espécie das considerações que determinam
uma construção razoável do todo. Tanto quanto a adoção de qualquer sistema
74
STEIN, Sofia I. A. Empirismo e fisicalismo: características do holismo epistemológico de Willard Quine.
PHILÓSOPHOS 8 (1): 69-78, jan./jun. 2003.
75
SHAHAN, R.; SWOYER, C. Facts of the Matter. In: Essays on the Philosophy of W.V. Quine.
Oklahoma: The Harvester Press, 1979, p.159. ‗What is posited as objects to which the terms may be
referring primarily to objects that are treated the same under changing perspective. This explains the
primacy of the bodies. If clarity can be attributed to things like the words, then bodies are things clearer. If
the investigation should begin with what is clear, then we begin as physicalist’.
53
de teoria científica pode ser dita uma questão de linguagem, o mesmo – mas
76
não mais – pode ser dito da adoção de uma ontologia.
Em função disso, não há como separar, na concepção de Quine, a
aceitação de uma ontologia acarreta também a aceitação de um esquema conceitual
global destinado a acomodar o todo. Nesse sentido, adotamos o esquema conceitual
mais simples para ordenar os fragmentos desorganizados da experiência bruta, em
outras palavras, a fim de redimensionar nossas concepções para organizá-las e
acomodá-las.
Mais adiante em seu texto, Quine conclui que um esquema conceitual
fisicalista, que pretende falar de objetos externos, comparado a um fenomenalista,
oferece muitas vantagens ao simplificar nossos relatos globais, reduzindo a
complexidade do fluxo de experiência a uma simplicidade conceitual manipulável,
simplicidade essa que orienta na atribuição de dados sensíveis a objetos. Desse modo,
completa Quine que
Ainda, assim, concluiríamos, sem dúvida nenhuma, que um esquema conceitual
fisicalista, que pretende falar de objetos externos, oferece muitas vantagens ao
simplificar nossos relatos globais. Reunindo os eventos sensíveis dispersos e
tratando-os como percepções de um objeto, reduzimos a complexidade de
nosso fluxo de experiência a uma simplicidade conceitual manipulável. A regra
da simplicidade é, na verdade, a máxima que nos orienta na atribuição de
dados sensíveis a objetos: associamos uma sensação anterior de redondo a
uma sensação posterior de redondo à mesma assim chamada moeda, ou a
duas assim chamadas moedas diferentes, obedecendo às exigências de
77
simplicidade máxima para nosso quadro global de mundo.
76
th
QUINE, W.O. On What There Is. In: From a Logical Point of View. 15 ed. Cambridge: Harvard Press,
2003, p.17. ‗Our acceptance of an ontology is, I think, similar in principle to our acceptance of a scientific
theory, say a system of physics: we adopt, at least insofar as we are reasonable, the simplest conceptual
scheme into which the disordered fragments of raw experience can be fitted and arranged. Our ontology
is determined once we have fixed upon the overall conceptual scheme which is to accommodate science
in the broadest sense; and the considerations which determine a reasonable construction of any part of
that conceptual scheme, for example, the biological or the physical part, are not different in kind from the
considerations which determine a reasonable construction of the whole. To whatever extent the adoption
of any system theory may be said to be a matter of language, the same – but no more – may be said of
the adoption of an ontology.‘
77
Id.Ibid. p. 17. ‗We should still find, no doubt, that a physicalist conceptual scheme, purporting to talk
about external objects, offers great advantages in simplifying our overall reports. By bringing together
scattered senses events and treating them as perceptions of one object, we reduce the complexity of our
stream of experience to a manageable conceptual simplicity. The rule of simplicity is indeed our guiding
maxim in assigning sense data to objects: we associate an earlier and a later round sensum with the
same so-called penny, or with two different so-called pennies, in obedience to the demands of maximum
simplicity in our total world-picture.‘
54
Quine pondera sobre os esquemas conceituais rivais, fenomenalista e
fisicalista, explicando que cada um, a seu modo, contempla sua simplicidade específica;
cada
um,
também
é
fundamental
embora
em
sentidos
diferentes:
um
epistemologicamente outro fisicamente, devendo, portanto ser desenvolvidos. No
entanto, volta-se, novamente para o fisicalismo e salienta que:
O esquema conceitual físico simplifica nossa consideração da experiência em
virtude da maneira como inúmeros eventos sensíveis dispersos passam a ser
associados aos chamados objetos singulares; e mais, não é nada verossímil
que toda sentença a respeito de objetos físicos possa efetivamente ser
traduzida, nem mesmo de modo tortuoso e complexo, na linguagem
fenomenalista. Objetos físicos são entidades postuladas que uniformizam e
simplificam nossa consideração do fluxo da experiência, assim como a
78
introdução dos números irracionais simplifica as leis da aritmética .
Com efeito, após comparar esses esquemas conceituais, Quine reafirma
seu posicionamento acerca do fisicalismo, visto que este conceito adapta-se a sua
teoria sobre objetos, uma vez que o esquema conceitual físico simplifica, em suas
palavras, nossa relação com a experiência. Desse modo, falar uma linguagem é falar
sobre objetos físicos cujas entidades postuladas simplificam e uniformizam o fluxo da
experiência. No entanto, Quine, ao final de sua reflexão sobre ontologia, aponta cautela
a respeito da escolha de uma vertente, aconselhando tolerância e espírito experimental.
Em suas palavras: ‗Mas a questão de saber que ontologia efetivamente adotar,
permanece ainda aberta, e o conselho óbvio é tolerância e espírito experimental‘. 79
2.6 Resumo
Este capítulo privilegiou apontar o conceito de linguagem na perspectiva
pragmatista de Quine, conforme afirma ele, a linguagem acontece na comunidade de
falantes, nas trocas abertas e sociais, ou seja, públicas. Ademais, reitera seu
posicionamento quanto ao aprendizado da língua-mãe a partir de outras pessoas
78
Id. Ibid. p.17. ‗The physical conceptual scheme simplifies our account of experience because of the way
myriad scattered sense events come to be associated with single so-called objects; still there is no
likelihood that each sentence about physical objects can actually be translated, however deviously and
complexly, into the phenomenalistic language. Physical objects are postulated entities which round out to
simplify our account of the flux of experience, just as the introduction of irrational numbers simplifies laws
of arithmetic.’
79
Id. Ibid. p. 18. ‘But the question what ontology actually to adopt still stands open, and the obvious
counsel is tolerance and an experimental spirit.’
55
mediante ‗proferimentos observáveis de palavras sob circunstâncias intersubjetivas
perceptíveis‘. Em vista disso, qualquer linguagem, efetivamente falada, acontece no
espaço público, em situações compartilhadas e seu aprendizado em trocas
observáveis; por outro lado, refutando a linguagem privada e significados ‗na mente‘.
Paralelamente, nesta etapa da tese, houve a discussão acerca da
tradução radical. Em síntese, Quine conclui que o comportamento linguístico de
assentimento ou discordância não basta para discriminar a diferença de tradução. Toda
tradução depende de ‗uma teoria de fundo‘ ou de um esquema conceitual de fundo. Daí
se segue que linguistas diferentes, situados diante das mesmas observações, podem
elaborar traduções diferentes. A conclusão de Quine é que não há a tradução exata.
Todo tradutor parte de um conjunto de hipóteses analíticas: diferentes conjuntos de
hipóteses sobre o modo como analisar a linguagem que se vai traduzir podem dar
resultados diferentes, todos compatíveis com a mesma evidência empírica. Toda
tradução depende, então, do esquema conceitual que se utiliza ao traduzir. Uma
diversidade nas traduções não implica que um manual esteja necessariamente errado;
dois manuais podem ser ambos adequados aos dados empíricos.
Além disso, tratamos da controversa tese da indeterminação da tradução
que se posiciona contra a semântica clássica (mentalista) a qual postula que dada duas
linguagens, apenas uma tradução correta entre elas seria possível e que duas frases
expressariam a mesma proposição (sentido) somente se uma fosse a tradução da
outra. A tese da indeterminação derruba esse postulado, mostrando como várias
traduções corretas são possíveis, embora incompatíveis e atingindo, assim, por
inerência, a própria ideia de ‗proposição‘ ou ‗sentido‘, sustentada pelo postulado da
existência de uma e só uma tradução correta entre linguagens.
Salientamos ainda, nesta parte, que a tese da inescrutabilidade da
referência significa que a referência de uma palavra não é determinada por fatos, mas é
relativa ao aparato de individuação de nossa escolha, isto é, a ontologia construída no
nosso manual de tradução. Essa teoria aponta que nenhum dado empírico relevante
para a interpretação das elocuções de um locutor pode servir para decidir entre as
diversas maneiras alternativas e incompatíveis de atribuir referentes às palavras
usadas.
56
Dessa maneira, percebemos que estamos tanto perante uma situação de
tradução, e, portanto, de inescrutabilidade da referência (os termos denotam coisas
diferentes se traduzirmos ‗gavagai‘ por ‗coelho‘, ou por ‗complemento cósmico de
coelho‘), como de relatividade ontológica; podemos adotar uma função de substituição
que reinterprete cada objeto de uma ontologia fisicalista em um objeto de uma ontologia
de complementos cósmicos. Esse último tipo de consideração parece ser a razão que
encorajou Quine a não estabelecer uma diferença substancial entre relatividade
ontológica e inescrutabilidade da referência.
Finalmente, tratamos de alguns aspectos do fisicalismo, quando Quine
reafirma seu posicionamento acerca do fisicalismo, visto que este conceito adapta-se a
sua teoria sobre objetos, uma vez que o esquema conceitual físico simplifica, em suas
palavras, nossa relação com a experiência. Desse modo, falar uma linguagem é falar
sobre objetos físicos cujas entidades postuladas simplificam e uniformizam o fluxo da
experiência. No entanto, Quine, ao final de sua reflexão sobre ontologia, aponta cautela
a respeito da escolha de uma vertente, aconselhando tolerância e espírito experimental.
57
3
LINGUAGEM: EMPIRISMO E BEHAVIORISMO
Meaning is essence divorced from the thing and
wedded to the word.
(Vagaries of definition, p.51)
Este capítulo procurará enfatizar novamente o contexto, a comunidade de
falantes, mais ou menos adequada à experiência, e não necessariamente universal,
mas sempre falível, corrigível e transformável, sobretudo pelos padrões da experiência.
Desse modo, salientar os atos sociais ratificados, a pressão por objetividade, assim
como a referência entre o eu e a aceitação social. Por conseguinte, trazer a concepção
do behaviorismo quineano, assim como referência a Skinner. Além disso, discutir o
empirismo que, em essência, na concepção quineana, encontra-se atrelado à palavra, a
saber, ao significado.
3.1 O behaviorismo quineano
I do consider myself as behavioristic as anyone
in his right mind could be.
(LP, p. 57)
Neste momento, para entender a filosofia quineana, é necessário buscar
sua fundamentação. Assim, a conceituação de behaviorismo é um marco integrante
deste quadro teórico relacionado ao posicionamento de Quine acerca da linguagem, por
conseguinte, serão explicitados alguns aspectos relevantes no que diz respeito a ele.
Conforme explicitado por ele próprio, sobretudo, na epígrafe acima, ele se posiciona
como um behaviorista, indubitavelmente.
Em suas próprias palavras,80
80
QUINE, W. O. Pursuit of Truth. ―In psychology one may or may not be a behaviorist, but in linguistics
one has no choice. Each of us learns his language by observing other people’s verbal behavior and
having his own faltering verbal behavior observed and reinforced or corrected by others. We depend
strictly on overt behavior in observable situations. As long as our command of our language fits all
external checkpoints, where our utterance or our reaction to someone’s utterance can be appraised in the
light of some shared situation, so long all is well. Our mental life between checkpoints is indifferent to our
rating as a master of the language. There is nothing in linguistics meaning beyond what is to be gleaned
from overt behavior in observable circumstances.‖ 1990, p. 37-8.
58
Em psicologia se pode ou não ser um behaviorista, mas em linguística não se
tem escolha. Cada um de nós aprende sua linguagem pela observação do
comportamento verbal de outras pessoas, assim como, tendo seu próprio
comportamento verbal hesitante observado e reforçado ou corrigido por outros.
Nós dependemos estritamente do comportamento manifesto em situações
observáveis. Enquanto que nosso comando de nossa língua se encaixa em
todas as barreiras, em que nosso enunciado ou nossa reação à elocução de
alguém possam avaliados em função de alguma situação compartilhada [...].
Nossa vida mental entre barreiras é indiferente à nossa classificação como
mestre da língua. Não há nada no significado linguístico, além do que deve ser
percebido a partir do comportamento manifesto em circunstâncias observáveis.
Por conseguinte, ressalta Quine, que em relação à linguagem não há meio
termo, não há escolha em ser ou não behaviorista; seu posicionamento indica que há
só um caminho a seguir – ser behaviorista. Além disso, referindo-se à aprendizagem da
língua materna, salienta que esta acontece por meio da observação do comportamento
verbal de outros; por outro lado, ter o próprio comportamento verbal observado,
reforçado ou corrigido pelos outros.
De modo geral, behaviorismo é uma atitude; rigorosamente, é uma
doutrina, conforme afirma Green.81 Como doutrina é comprometida em seu sentido
mais completo e detalhado com a verdade, a saber:
III.
A psicologia é a ciência do comportamento; não é a ciência da mente.
IV.
O comportamento pode ser descrito e explicado sem fazer referência
aos eventos mentais ou a processos psicológicos internos. As fontes
do comportamento são externas (no meio ambiente), não internas (na
mente).
A partir da teoria do desenvolvimento em psicologia, se, de alguma forma,
termos ou conceitos mentais conceitos são desdobrados para descrever ou explicar
comportamentos, então ou (a) esses termos ou conceitos devem ser eliminados e
substituídos por termos comportamentais, ou (b) eles podem e devem ser traduzidos,
ou parafraseados em conceitos comportamentais.
Os três posicionamentos a seguir são logicamente distintos. Além disso,
tomados de forma independente, cada um constitui um tipo de behaviorismo; (i)
behaviorismo ‗metodológico‘; (ii) behaviorismo ‗psicológico‘; (iii) por fim, behaviorismo
81
GREEN, Graham. Behaviorism. http://plato.stanford.edu/ First published Fri May 26, 2000; substantive
revision Mon Jul 30, 2007.
59
‗analítico‘ (também chamado de behaviorismo ‗filosófico‘ ou ‗lógico‘). Isso implica que
termos ou conceitos mentais podem e devem ser traduzidos em conceitos
comportamentais. É este último enfoque de behaviorismo (iii) que será destacado neste
trabalho.
Outra nomenclatura é, às vezes, utilizada para classificar o behaviorismo.
Georges Rey82, por exemplo, considera o behaviorismo como metodológico, analítico e
radical –, radical é o termo cunhado por Rey para o behaviorismo psicológico usado por
Green. Este esclarece que reserva o termo radical para o behaviorismo psicológico de
B.F.Skinner. Skinner emprega a expressão behaviorismo radical para descrever seu
tipo de behaviorismo ou sua filosofia behaviorista.83
O behaviorismo radical de Skinner assume a continuidade entre a
psicologia animal e a humana, mas fundamenta-se em noções mais elaboradas que a
do comportamento respondente e da psicologia do estímulo resposta. A partir da ideia
fundamental contida na Lei do Efeito, formulada por E. L. Thorndike84. Uma das
principais inovações conceituais de Skinner está na noção de comportamento operante.
Conforme Murcho85, para Skinner,
o comportamento operante é emitido pelo organismo, e não produzido ou nele
provocado pelo ambiente, e o que modela o comportamento são suas
consequências premiadoras e também punitivas. Quando o organismo
responde a um estímulo ambiental e as consequências de sua resposta são
premiadoras, aumenta a probabilidade de ocorrer respostas similares; e quando
as conseqüências de tal resposta são punitivas, diminui tal probabilidade. É,
desse modo, que as variáveis ambientais modelam o comportamento dos
indivíduos, em um processo de condicionamento operante.
Behaviorismo lógico ou analítico é uma teoria pertencente à filosofia que
trata do significado ou semântica de temos mentais ou conceitos. Assevera que a
própria ideia de um estado mental ou condição é a ideia de uma disposição
comportamental ou família de tendências comportamentais. Quando se atribui uma
crença, por exemplo, a alguém, não se está afirmando que o sujeito encontre-se em um
82
REY, G. Contemporary Philosophy of Mind: A Contentiously Classical Approach. Oxford: Blackwell,
1997.
83
Ver SKINNER, B. F. About Behaviorism. New York: Vintage, 1974, p. 18.
84
―Segundo a qual, quando uma resposta do organismo é premiada, aumenta a probabilidade de
respostas similares‖. BRANQUINHO, João et al. Enciclopédia de termos lógico-filosóficos. S. Paulo:
Martins Fontes, 2006, p. 116-117.
85
Id. Ibid. p. 117.
60
estado ou condição interna particular. Em vez disso, está se caracterizando a pessoa
em temos do que ela poderia fazer em situações particulares ou interações ambientais.
O behaviorismo analítico pode ser encontrado, entre outros, no trabalho de Gilbert
Ryle86, que apresentava o behaviorismo como a melhor resposta ao mito cartesiano do
‗fantasma na máquina‘, e no segundo Wittgenstein.87
O behaviorismo analítico originou-se do movimento filosófico denominado
Positivismo Lógico88. O Positivismo Lógico propõe que o significado de sentenças
usadas na ciência seja entendido em termos de condições experimentais ou
observações que verificam sua verdade. Essa doutrina é conhecida como
verificacionismo. Em psicologia, o verificacionismo sustenta ou fundamenta o
behaviorismo analítico, a saber, a afirmação de que os conceitos mentais referem-se a
tendências
comportamentais
e,
assim,
devem
ser
traduzidos
em
termos
comportamentais. De acordo com uma versão dessa perspectiva, os significados das
sentenças são dados pelos procedimentos usados para descobrir se eles são
verdadeiros. Supunha-se que, dessa maneira, fosse possível eliminar significados como
entidades ocultas, e colocar a questão em um equilíbrio científico.
A ideia fundamental subjacente às teses do behaviorismo lógico é a de
que o sentido de uma expressão é dado pelo seu método de verificação. O método de
verificação, por sua vez, é constituído pelo conjunto de processos que é necessário
levar a efeito para determinar se a expressão em causa é verdadeira ou falsa.
Dada a postulação de que esses processos tenham de ter um caráter
subjetivo, o behaviorismo lógico considera que o único modo pelo qual é possível
determinar se dada expressão que atribui a alguém a ocorrência de estados ou
processos mentais é verdadeira ou falsa é a observação do comportamento e dos
estados físicos da pessoa em questão. A expressão com conteúdo mental não seria,
assim, mais do que uma abreviatura complicada descrição fisiológico-comportamental.
86
Ver RYLE, G. The Concept of Mind. London: Hutchinson, 1949. (The central exposition of analytical
behaviorism).
87
Ver WITTGENSTEIN, L. Philosophical Investigations. trans. G. E. M. Anscombe. Oxford: Basil
Blackwell, 1953/1968.
88
Ver SMITH, L. Behaviorism and Logical Positivism: A Reassessment of Their Alliance. California:
Stanford, 1986.
61
Nesse sentido, enquanto o empirismo tradicional considerava que a
relação existente entre um estado ou processo mental M e o comportamento C, que
normalmente o acompanha, era empírica; o behaviorismo lógico considera que a única
relação que na realidade existe nesse contexto é a relação linguística entre uma
expressão mentalista M e uma expressão fisiológico-comportamental.
Com efeito, para o empirismo tradicional, a relação entre o comportamento
C e o estado mental M consistia em que a ocorrência do fenômeno observável C era
considerada um efeito da ocorrência prévia do fenômeno inobservável M, o qual seria,
assim, a causa de C. Para o behaviorismo lógico, tal relação causal é simplesmente
inexistente: tanto a expressão mental como a expressão fisiológico-comportamental
referem o mesmo fenômeno, que é de natureza fisiológico-comportamental.
3.2 Algumas objeções acerca da visão behaviorista
Assim como outras doutrinas reducionistas, o behaviorismo não conseguiu
oferecer análises úteis, nomeadamente devido ao holismo do mental, isto é, devido ao
fato de o modo como uma pessoa se comporta não ser uma função de uma crença ou
de um desejo, mas antes de tudo um conjunto ou rede de crenças e de desejos. A
modificação operada para dar conta desses aspectos transforma o behaviorismo no seu
sucessor moderno mais popular, o funcionalismo.89
Há várias objeções quanto ao behaviorismo lógico. A primeira delas,
segundo Braddon-Mitchell90, consiste em que alguns estados mentais poderiam não ter
consequências comportamentais. Desse modo, suponha que alguém adore sorvete,
mas sinta-se tão envergonhado a respeito disso que resolva nunca comê-lo; e seja
bem-sucedido em nunca manifestar de nenhuma forma a dificuldade que isso lhe
causa. É possível constatar, nesse momento, um contraexemplo ao behaviorismo.
O behaviorista, então, conta com duas opções: (i) afirmar que se esse
suposto desejo não tem impacto em absoluto - digamos, em estimular minhas glândulas
salivares quando vejo figuras de sorvete cremoso e gelado, e assim por diante –, então,
89
Ver PUTNAM, Hilary. Mind, Language, and Reality,1975; SELLARS,Wilfrid. Empiricism and the
Philosophy of Mind, 1956.
90
BRADDON-MITCHELL,David. Analytic Behaviorism. Routledge Encyclopedia. New York: Routledge,
1998. vol 1, p.689-93.
62
na verdade, não tenho tal desejo. (ii) ressaltar que há um caso de resolução de conflito
de desejos aqui: o que desejo em geral – para evitar constrangimento – é manifestado
no comportamento, e a conexão analítica entre desejos considerados sobre coisas e
comportamento é mantida.
Uma versão forte para essa objeção envolve estados mentais, cuja
expressão é de alguma forma bloqueada. Assim, suponha que alguém possa estar
sentindo dor, mas porque pode controlá-la de diversas maneiras, não a expressa. Um
cérebro sem corpo poderia ser um caso extremo. Aqui o behaviorista analítico deve
recorrer à disposição (disposition) de estar lá, mas estar bloqueado. Disposições são
tendências de comportar-se em circunstâncias normais.
Outra dificuldade do behaviorismo é explicar a consciência. Não há, até
hoje, uma explicação convincente e satisfatória do que seja a ‗natureza‘ da consciência.
Behavioristas comprometidos por sua doutrina recusam-se a aprovar estados mentais
internos, restando-lhes, então, três alternativas: (i) aceitar estados de consciência, mas
afirmar que não são mentais; (ii) refutar que a consciência exista em absoluto; e (iii)
identificar consciência com comportamento ou disposição (disposition) comportamental.
A segunda alternativa parece prevalecer entre as demais, mesmo assim com
dificuldade.
A última objeção ao behaviorismo analítico, conforme Braddon-Mitchell,91
consiste em ser ele o ponto de partida para inúmeras abordagens que o substituíram.
Uma vez percebido que a análise fornece acesso linguístico indireto a coisas internas
desconhecidas – por exemplo, não importa o que está dentro dos corpos das pessoas
que as está aniquilando – pode-se aceitar o que é correto a respeito do behaviorismo
analítico e, ainda, adotar os estados internos. Apesar de os estados mentais
constituírem-se em comportamento ou grupos (clusters) de comportamento, eles podem
ser analisados como estados que são tipicamente causados de várias formas, que
tipicamente causam grupos de comportamento. Essa abordagem conduz ao
funcionalismo, já mencionado.
Quine não restringe o termo ‗behaviorismo‘ (grifo do autor) a um esquema
psicológico específico de resposta condicionada, apesar de a resposta condicionada
91
Id. ib. p. 692.
63
desempenhar um papel-chave no aprendizado da língua.92 Ele interpreta o termo de
forma ampla, não o definindo em termos de resposta condicionada:
Quando eu desconsidero a definição de behaviorismo limitado à resposta
condicionada, estou simplesmente estendendo o termo para incluir qualquer
um? Bem, realmente, penso nisso incluindo todos os homens sensatos. O que
importa, da maneira como vejo a questão, é apenas a insistência em expressar
todos os critérios em termos de observação. Por termos de observação, quero
dizer, termos que são ou podem ser ensinados por ostensão, cuja aplicação em
cada caso particular pode, por conseguinte, ser verificado intersubjetivamente.
Não sofismando sobre a palavra ‗behaviorismo‘, talvez, o uso corrente se
adaptasse melhor referindo a essa orientação à observação, simplesmente,
como empirismo; mas empirismo em um sentido distintamente moderno, porque
rejeita o mentalismo ingênuo que tipificava o velho empirismo. Ele, na verdade,
ainda tolera o recurso à introspecção que Chomsky é favorável, mas, tolera
esse recurso como um meio de chegar a conjecturas ou conclusões somente
na medida em que eles podem, finalmente, ser entendidos em termos de
93
observação externa.
Resta saber, assim, qual o tipo distintamente moderno de empirismo a que
Quine alude,
Empirismo do tipo moderno, ou behaviorismo amplamente chamado, provém do
velho empirismo a partir de uma drástica externalização. O velho empirista
olhava o interior sobre suas ideias; o novo empirista olha para o exterior sobre a
instituição social da linguagem. Ideias reduzem-se a significados, vistas como
acessórios de palavras. Os velhos empiristas voltados para o interior – Hobbes,
Gassendi, Locke e seus seguidores – tinham, necessariamente, de formular
seus padrões empíricos para referir a ideias; assim o faziam exaltando as
impressões dos sentidos e explorando ideias inatas. Quando o empirismo é
externalizado, por outro lado, a própria ideia torna-se desacreditada; falar de
ideias passa a ser considerado como insatisfatório, exceto na medida em que
possa ser parafraseado em termos de disposições de comportamento
94
observável.
92
QUINE, W. V. Linguistics and Philosophy. In: The Ways of Paradox and Other Essays. Rev. and
expanded ed. Cambridge: Harvard University Press, 1976, p. 56-8.‘[...] for I see no interest in restricting
the term ‘behaviorism’ to a specific psychological schematism of conditioned response. […] Conditioned
response does retain a key role in language learning’. p. 57.
93
Id. ib. p.58 ‗When I dismiss a definition of behaviorism that limits it to conditioned response, am I simply
extending the term to cover everyone? Well, I do think of it as covering all reasonable men. What matters,
as I see it, is just the insistence upon couching all criteria in observation terms. By observation terms I
mean terms that are or can be taught by ostension, and whose application in each particular case can
therefore be checked inter-subjectively. Not to cavil over the word ‘behaviorism’, perhaps current usage
would be best suited by referring to this orientation to observation simply as empiricism; but it is
empiricism in a distinctly modern sense, for it rejects the naïve mentalism that typified the old empiricism.
It does still condone the recourse to introspection that Chomsky has spoken in favor of, but it condones it
as a means of arriving at conjectures or conclusions only insofar as these can eventually be made sense
of in terms of external observation’.
94
Id.ib.p.58. ‗Empiricism of this modern sort, or behaviorism broadly so called, comes of the old
empiricism by a drastic externalization. The old empiricist looked inward upon his ideas; the new empiricist
looks outward upon the social institution of language. Ideas dwindle to meanings, seen as adjuncts of
words. The old inner-directed empiricists – Hobbes, Gassendi, Locke and their followers – had perforce to
formulate their empiricist standard by reference to ideas; and they did so by exalting sense impressions
64
Ora, para Quine, o novo empirismo é direcionado para o mundo exterior,
para ‗a instituição social da linguagem‘, para as disposições de comportamento
observável; diferentemente do velho empirismo que se voltava para o interior, exaltando
as impressões dos sentidos e explorando ideias inatas. Por conseguinte, vale ressaltar
que é este enfoque do novo empirismo que é mostrado neste trabalho. A linguagem em
Quine encontra-se embasada nesse contexto social de práticas e estimulações
compartilhadas; contrariamente ao velho empirismo que salientava o interior e suas
instâncias, a saber, as impressões dos sentidos e a exploração das ideias inatas.
No que concerne ao aprendizado da linguagem, é esta norma que permite
ao aprendiz estabelecer distinções entre, por exemplo, o que deve nomear cadeira,
banco, poltrona ou outro objeto com a mesma função. Esta inferência representa um
complexo ultrapassar dos dados objetivos, justificando-se em função de certos acordos
derivados de nossas teorias de mundo compartilhadas. Constata-se, assim, que,
mesmo na fase aparentemente mais mecânica do aprendizado da linguagem, quando
se responde à ação direta de estímulos físicos sobre nossas terminações nervosas, já
se percebe uma transcendência do discurso em relação aos dados empíricos95.
3.3 A crítica de Quine aos dogmas analítico-sintético
3.3.1 Divisão entre verdades analíticas e verdades sintéticas
Quine observa em seu texto Two Dogmas of Empiricism96 que o empirismo
moderno foi influenciado por dois dogmas importantes. Um deles, afirma, é a crença em
certa divisão fundamental entre verdades ‘analíticas’, ou fundadas em significados
independentemente de questões de fato, e verdades ‘sintéticas’, ou fundadas em fatos.
É sobre esta dicotomia que se pretende também discorrer neste capítulo. Para
and scouting innate ideas. When empiricism is externalized, on the other hand, the idea itself passes
under a cloud; talk of ideas comes to count as unsatisfactory except insofar as it can be paraphrased into
terms of dispositions to observable behavior’.
95
VIDAL, Vera. Principia 7 (1-2). Florianópolis, June-December, 2003, p. 205-228.
96
Id. Ibid. p. 20. ‗Modern empiricism has been conditioned en large part by two dogmas. One is a belief in
some fundamental cleavage between truths which are ’analytic, or grounded in meanings independently
of matters of fact, and truths which are ‘synthetic’, or grounded in fact.’
65
fundamentar seu argumento, Quine amplia, buscando os primeiros filósofos que
discutiram sobre esses conceitos, ou como ele próprio declara, seu pano de fundo
(background).
Nesse sentido, cita Kant, cuja divisão entre verdades analíticas e
sintéticas já se encontravam em Hume e sua distinção entre relações de idéias e
questões de fato, e Leibniz com sua distinção entre verdades de razão e verdades de
fato. Para Leibniz, as verdades de razão são aquelas que não poderiam, de modo
algum, ser falsas. Na acepção de Kant, um enunciado analítico constituía-se naquele
que atribuía a seu sujeito nada mais do que já conceitualmente contido no próprio
sujeito. Desse modo, aponta Quine duas deficiências nessa formulação: I) limita-se a
enunciados do tipo sujeito-predicado; II) vale-se da noção de um estar contido que é
deixado em um nível metafórico. Reformula-a, então, da seguinte maneira: um
enunciado é analítico quando verdadeiro em virtude de significados e independente de
fatos97, passando, em seguida, a examinar o conceito de significado98 pressuposto.
Por conseguinte, Quine lembra que significar não deve ser identificado
com nomear. Os exemplos de Frege de ‗Estrela Vespertina‘ e ‘Estrela Matutina‘, e o de
Russel de ‗Scott‘ e ‗o autor de Waverley‘ mostram que os termos podem nomear a
mesma coisa e diferir em significado. No que diz respeito a termos abstratos, a
distinção não é menos importante, por exemplo, os termos ‗9‘ e ‗o número dos planetas‘
nomeiam a mesma entidade abstrata, contudo, presume-se que devam ser
considerados dessemelhantes em significado, visto que foi necessária a observação
astronômica, e não apenas a reflexão para determinar que os dois termos referem-se à
mesma coisa.
Os exemplos citados dizem respeito a termos singulares concretos e
abstratos, no que tange aos termos gerais, ou predicados a situação é de alguma forma
diferente, mas paralela, segundo Quine. Além disso, ressalta que enquanto um termo
singular pretende nomear uma entidade, abstrata ou concreta, isso não acontece com o
97
98
Id. Ibid. p. 21. [...] a statement is analytic when it is true by virtue of meaning independently of fact.
Grifo do autor.
66
termo geral; entretanto, um termo geral é ‘verdadeiro’ de uma entidade, ou de muitas
tomadas uma a uma, ou nenhuma.99
Por isso, extensão100 do termo, para Quine, refere-se à classe de todas as
entidades das quais um termo geral é verdadeiro. Para distinguir-se entre o significado
de um termo e sua extensão, exemplifica com os termos gerais ‗criaturas com coração‘
e ‗criaturas com rins‘ que, segundo ele, talvez, sejam iguais em extensão, todavia
diferentes em significado. Confundir o significado com a extensão, nos termos gerais, é
menos comum do que a confusão do significado com o nomeado, no caso dos termos
singulares. É de fato um lugar-comum na filosofia opor-se intensão (ou significado) a
extensão, ou num vocabulário diverso, conotação e denotação, 101 adverte Quine.
Nesse contexto, a precursora da noção moderna de significado, na visão
de Quine, foi a noção aristotélica de essência. Segundo Aristóteles, era essencial ao
homem ser racional, acidental ter duas pernas. Pode-se afirmar que no significado da
palavra ‗homem‘ esteja contida a racionalidade, enquanto ter duas pernas não. Ao
mesmo tempo, ter duas pernas pode estar contido no significado de ‗bípede‘, enquanto
racionalidade não. Conclui ele que, desse modo, do ponto de vista da doutrina do
significado, não faz sentido dizer, do indivíduo real, que é, ao mesmo tempo, homem e
bípede, que sua racionalidade é essencial e o ter pernas é acidental, ou vice-versa102.
Para Aristóteles, as coisas tinham essências, mas apenas as formas linguísticas
continham significados, lembra Quine. Assim, o significado é aquilo em que a essência
se transforma quando, divorciada do objeto de referência, é vinculada à palavra103.
Um questionamento relevante, na visão de Quine, para a teoria do
significado é a da natureza de seus objetos. Que tipo de coisa são os significados?
Possivelmente, a percepção de que significado e referência são coisas distintas, ao
99
Id. Ibid. p. 21. [...] Whereas a singular term purports to name an entity, abstract or concrete, a general
term does not; but a general term is ‘true’ of an entity or of each of many, or of none.
100
Grifo do autor.
101
Id. Ibid. p. 21. [...] is less common than confusion of meaning with naming in the case of singular terms
it is indeed a commonplace in philosophy to oppose intension (or meaning) to extension, or in a variant
vocabulary, connotation to denotation.
102
Id. Ibid. p. 22. ‗[...] Thus from this point of view of the doctrine of meaning it makes no sense to say of
the actual individual, who is at once a man and a biped, that his rationality is essential and his twoleggedness accidental or vice versa.‘
103
Id. Ibid. p. 22. ‗[...] Meaning is what essence becomes when it is divorced from the object of reference
and wedded to the word.‘
67
separar a teoria do significado da teoria da referência, resultou no reconhecimento de
como primeiro objeto da teoria do significado simplesmente a sinonímia das formas
linguísticas e a analiticidade dos enunciados; os próprios significados, como obscuras
entidades intermediárias, podem ser abandonados. 104
3.3.2 Problema da analiticidade
Passa-se, então, ao problema da analiticidade. Os enunciados analíticos
dividem-se em duas classes: os logicamente verdadeiros:
I.
Nenhum homem que não casou (unmarried) é casado.
Sua principal característica é que não só é verdadeiro como se apresenta, como
também permanece verdadeiro sob toda e qualquer interpretação de ‗homem‘ e
‗casado‘; mesmo supondo um inventário prévio de partículas lógicas compreendendo:
‗nenhum‘, ‗in-‗, ‗não‘, ‗se‘, ‗então‘, ‗e‘, etc. Portanto, geralmente, uma verdade lógica é
um enunciado que é verdadeiro e permanece verdadeiro sob todas as reinterpretações
de seus outros componentes que não as partículas lógicas105. Observe-se a segunda
classe:
II.
Nenhum solteiro (bachelor) é casado.
Caracteriza-se por poder ser transformado em verdade lógica, por meio da
substituição dos sinônimos ‗solteiro‘ por ‗homem que não casou‘. Quine admite a falta
de uma caracterização apropriada da segunda classe de enunciados analíticos, por
isso, baseou-se em uma noção de sinonímia106 que, assim como a analiticidade,
necessita elucidação. Nesse sentido, Quine remete a Carnap para explicar a
analiticidade, que o último denomina de ‗descrições de estado‘ (state-descriptions),
conforme o que segue:
Uma descrição de estado é uma atribuição exaustiva qualquer de valores de
verdade aos enunciados atômicos ou não compostos da linguagem. Todos os
demais enunciados da linguagem são construídos com suas cláusulas
104
Id. Ibid. p. 22. ‗[...] as the primary business of the theory of meaning simply the synonymy of linguistic
forms and the analyticity of statements; meaning themselves, as obscure intermediary entities, may well
be abandoned.‘
105
Id. Ibid. p. 22. ‗[…] a logical truth is a statement which is true and remains true under all
reinterpretations of its components other than the logical particles.‘
106
Grifo do autor.
68
componentes por meio de expedientes lógicos familiares, de tal modo que o
valor de verdade de qualquer enunciado complexo é fixado para cada descrição
de estado por leis lógicas especificáveis. Um enunciado é então explicado como
107
analítico quando resulta verdadeiro sob qualquer descrição de estado .
Dessa maneira, Quine aponta que essa explicação é uma adaptação
baseada no conceito leibniziano ‗verdadeiro em todos os mundos possíveis‘, servindo
somente aos propósitos a que se destina, se os enunciados atômicos da linguagem
forem, ao contrário de ‗João é casado‘ e ‗João é solteiro‘ mutuamente independentes.
Caso contrário, afirma ele, haveria uma descrição de estado que atribuiria verdade a
‗João é solteiro‘ e ‗João é casado‘, consequentemente, ‗Nenhum solteiro é casado‘
resultaria analítico neste critério proposto. Dessa forma, declara Carnap
o critério de analiticidade em termos de descrição de estado serve apenas a
linguagens desprovidas de pares de sinônimos extralógicos, tais como ‗solteiro‘
e ‗homem que não casou‘ – pares de sinônimos do tipo dos que dão origem à
‗segunda classe‘ de enunciados analíticos. O critério em termos de descrições
de estado é, na melhor das hipóteses, uma reconstrução da verdade lógica, não
108
da analiticidade.
Após mostrar os pressupostos de Carnap, Quine afirma que a linguagemmodelo simplificada daquele, assim como suas descrições de estado visa não ao
problema geral da analiticidade, mas à clarificação da probabilidade da indução.
Ressalta, portanto, que o problema a ser enfrentado refere-se à analiticidade, cuja
maior dificuldade encontra-se não na primeira classe de enunciados analíticos, as
verdades lógicas, mas na segunda classe, que depende da noção de sinonímia.
Ao iniciar a seção sobre definição, Quine reporta-se aos que pensam que
os enunciados analíticos de segunda ordem podem se reduzir aos da primeira, as
verdades lógicas, por meio de definições109; ‗solteiro‘ é definido como homem que não
casou. Então, questiona como se chega a essa conclusão, quem assim o definiu e
107
CARNAP, R. Meaning and Necessity. p 9. (apud QUINE, op. cit. p. 23). ‗[…] A state-description is any
exhaustive assignment of truth values to the atomic, or non compound, statements of the language. All
other statements are built up of their component clauses by means of the familiar logical devices, in such
a way that the truth value of any complex statement is fixed for each state-description by specifiable
logical laws. A statement is then explained as analytic when it comes out true under every state
description.‘.
108
Id. Ibid. p. 23-4 [...] the criterion of analyticity in terms of state-descriptions serves only for languages
devoid of extra-logical synonym-pairs, such as ‘bachelor’ and ‘unmarried man’ – synonym-pairs of the type
which give rise to the ‘second class’ of analytic statements. The criterion in terms of state-descriptions is a
reconstruction at best of logical truth, not of analyticity.
109
Grifo do autor.
69
quando, se é necessário recorrer ao dicionário e aceitar como lei a formulação do
lexicógrafo. Além disso, a definição não é uma atividade exclusiva dos lexicógrafos,
filósofos e cientistas utilizam-se de paráfrases para, muitas vezes, ‗definir‘ algum termo
obscuro. Para ele, não está claro como se pode afirmar a sinonímia, em que consistem
as interconexões necessárias e suficientes para que duas formas linguísticas possam
ser, com propriedade, descritas como sinônimas; mas , o que quer que sejam, estas
interconexões são ordinariamente baseadas no uso. Definições relatando exemplos
selecionados de sinonímia aparecem então como informes sobre o uso 110. Apesar de
não saber afirmar exatamente em que consiste a sinonímia, Quine expõe seu
pressuposto afirmando que não importa o que ela seja, as interconexões estão
baseadas no uso. Conforme aponta, a noção de sinonímia pressuposta deve ser
esclarecida, presumivelmente, em termos de comportamento linguístico, isto é, em
observações de uso do termo.
Quine busca em Carnap um tipo de atividade alternativa que não se
sustenta apenas no relato de sinonímias pré-existentes, que é explicação111. Ressalta
que na explicação o objetivo não é meramente parafrasear o definiendum em termos de
um sinônimo direto, mas de fato aperfeiçoar o definiendum refinando ou suplementando
seu significado112. Entretanto, conclui que mesmo a explicação baseia-se em outras
sinonímias pré-existentes. Assim, propõe uma questão da seguinte maneira:
para cada palavra que merece explicação, existem alguns contextos, os quais,
tomados cada um como um todo, são suficientemente claros e precisos para
ser úteis;e o propósito da explicação é preservar o uso destes contextos
privilegiados, acurando, ao mesmo tempo, o uso de outros contextos. A fim de
que uma dada definição seja adequada aos propósitos da explicação, portanto,
o que se requer não é que o definiendum em seu uso anterior seja sinônimo do
definiens, mas apenas que cada um dos contextos privilegiados do
definiendum, tomado como um todo em seu uso antecedente seja sinônimo do
113
contexto correspondente do definiens.
110
Id. Ibid. p. 24–5. [...] what the interconnections may be which are necessary and sufficient in order that
two linguistic forms be properly describable as synonymous, is far from clear; but, whatever these
interconnections may be, ordinarily are grounded in usage. Definitions reporting selected instances of
synonymy come then as reports upon usage.
111
Grifo do autor.
112
Id. Ibid. p. 25. [...] the purpose is not merely to paraphrase the definiendum into an outright synonym,
but actually to improve upon the definiendum by refining or supplementing its meaning.
113
Id. Ibid. p. 25 [...] Any word worth explicating has some contexts which, as wholes, are clear and
precise enough to be useful; and the purpose of explication is to preserve the usage of these favored
contexts while sharpening the usage of other contexts. In order that a given definition is suitable for
purposes of explication, therefore, what is required is not that the definiendum in its antecedent usage is
70
Entretanto, podemos encontrar dois definientia de mesma adequação a
uma dada tarefa de explicação e ainda assim não se constituírem sinônimos, podendo
convergir em contextos privilegiados, e divergir em outros contextos. Uma definição de
tipo explicativa, aliada a um dos dois definientia, opera, segundo Quine, por decreto,
uma relação de sinonímia entre definiendum e definiens não existente anteriormente.
Vale enfatizar que tal definição deve sua função explicativa a sinonímias pré-existentes,
conforme abordado.
Assim, o conhecimento da linguagem e o conhecimento do mundo não
podem ser nitidamente separados, entre os enunciados que podem ser verdadeiros ou
falsos em virtude de seu significado – enunciados ‗analíticos‘ tais como: ―um solteiro é
um homem que não casou‖ ou ―um coelho é um lagomorfe saltitante com orelhas
compridas‖ – e aqueles que são verdadeiros ou falsos em virtude dos fatos empíricos –
enunciados sintéticos, tais como: ―Pedro é um solteiro‖, ou ―um coelho acabou de pular
por aqui‖. Quine afirma que não se pode classificar asserções claramente em termos do
que as fazem verdadeiras, a linguagem ou o mundo. Seu argumento tenta mostrar que
não há nenhum julgamento que seja verdadeiro unicamente em razão da linguagem, ou
de convenções linguísticas; e não há julgamento algum que seja verdadeiro somente
em virtude do mundo empírico, a saber, de fatos experenciados sem a mediação da
linguagem.
Na perspectiva de Quine, todos os enunciados têm tanto um componente
linguístico quanto um empírico; e embora um desses componentes possa predominar
sobre o outro, não há possibilidade de o componente linguístico ou o empírico ser
nulos, respectivamente. O conhecimento de significado, segundo o filósofo, apresenta
um componente empírico inevitável, assim como o conhecimento do mundo conta com
um componente linguístico inevitável. Logo, as proposições não podem ser divididas
em duas classes separadas: de um lado as analíticas, cuja verdade depende do
significado e, do outro, as sintéticas, cuja verdade depende dos fatos. Todo enunciado
depende, ao mesmo tempo – embora em diferente medida –, da linguagem e dos fatos.
synonymous with the definiens, but just that each of these favored contexts of the definiendum, taken as a
whole in its antecedent usage, is synonymous with the corresponding context of the definiens.
71
Não se pode separar componente linguístico e componente factual na verdade de um
enunciado, aponta Medina114.
Finaliza Medina, salientando que
Por um lado, não posso dizer ter aprendido o significado do termo ‗coelho‘ a
menos que eu tenha certa crença empírica verdadeira a respeito de coelhos.
Por outro lado, eu não posso ter conhecimento algum de coelhos, a não ser que
eu tenha ao menos uma compreensão particular do que significa ‗coelho‘. O
que ‗coelho‘ significa e o que um ‗coelho‘ é são questões que não podem ser
divididas; elas são de fato dois lados da mesma questão. Daí, a
interdependência inevitável que existe entre crença e significado: necessitamos
estar aptos a identificar o significado expresso por palavras enquanto, ao
115
mesmo tempo, identificamos crenças expressas por asserções.
3.3.3 Em relação ao segundo dogma
Na concepção de Stein116 o segundo dogma do movimento empirista
seria, segundo Quine, a crença de que é possível reduzir qualquer enunciado de uma
linguagem significativa a enunciados sobre experiências sensoriais, a saber, traduzir
enunciados altamente teóricos em enunciados que descrevem sensações. Como
alternativa a esse empirismo com dogmas, Quine propõe um empirismo moderado, sem
dogmas, um empirismo que continua acreditando que o tribunal de qualquer sistema
teórico é a experiência, porém que vê esses sistemas se defrontando como um todo
com a experiência.
Em vista disso, defende Stein117 que não há, segundo Quine, como dividir
a totalidade dos enunciados de uma linguagem em enunciados verdadeiros ou falsos
devido à experiência (sintéticos a posteriori) e enunciados necessariamente verdadeiros
(analíticos a priori). Qualquer enunciado, segundo ele, pode ter que ser revisado, ou
seu valor de verdade alterado, devido a fatos empíricos, porém não isoladamente, mas,
sim, em conjunto com outros enunciados de uma teoria ou universo linguístico.
Diante disso, enfatiza a autora que essa tese leva Quine a concluir que
inclusive os enunciados da lógica poderiam, não sem certa resistência, por serem
114
MEDINA, José. Linguagem: conceitos-chave em Filosofia. Porto Alegre: Artmed, 2007, p.79.
115 Id. Ibid. p. 79.
116 STEIN, Sofia I. A. Empirismo e fisicalismo: características do holismo epistemológico de Willard
Quine. Philósophos 8 (1): 69-78, jan./jun. 2003.
117 Id. Ibid.
72
enunciados muito teóricos e, em geral, pressupostos pela maioria dos outros
enunciados de sistemas teóricos dos quais participam, ser revisados em seu valor de
verdade devido a motivos empíricos. Apenas enunciados por ele chamados de
observacionais poderiam ser determinados verdadeiros ou falsos isoladamente.
Podemos perceber, segundo alguns críticos, essa ressalva de Quine como
um resquício da crença empirista de que há enunciados sobre experiências sensoriais
cuja verdade ou falsidade é mais fácil de determinar e menos dubitável que a de outros
enunciados. Essa tese de Quine de que os universos linguísticos enfrentam o tribunal
da experiência como um todo é chamada por Hilary Putnam de holismo do significado.
Quine salienta que ao repudiar a fronteira entre o analítico e o sintético
esposa um pragmatismo mais completo. Dessa maneira, aponta ele que
a cada homem é dada uma herança científica mais uma barragem contínua de
estimulação sensorial; e as considerações que o guiam na urdidura de sua
herança científica para ajustar suas contínuas incitações sensoriais são,
118
quando racionais, pragmáticas.
Nesse contexto, Quine corrobora seu pensamento acerca do pragmatismo
que sustenta que ao homem é dado estímulos sensoriais por meio dos quais mantém
contato com o mundo como um todo. Com efeito, a herança científica presente nesses
ajustes das contínuas incitações sensoriais, confirmando-se racionais, é, portanto,
pragmática.
3.4 A relevância do holismo
Our statements about external world face the
tribunal of sense experience not individually but
only as a corporate body. (FLPV, P.41)
3.4.1 A tese Duhem-Quine
O trabalho de Duhem tornou-se importante para os membros do Círculo
de Viena, incluindo Otto Neurath e Philipp Frank, assim como Ernst Mach. Apesar de
118
QUINE, W.O. From a Logical Point of View. ‗Each man is given a scientific heritage plus a continuing
barrage of sensory stimulation; and the considerations which guide him in warping his scientific heritage to
fit his continuing sensory promptings are, when rational, pragmatic’ 1953, p. 46.
73
suas crenças conservadoras, seu trabalho também foi acolhido pelos participantes da
cena política vienense, tais como Friedrich Adler, que traduziu La théorie physique para
o alemão em 1908. A tese de Duhem surgiu de maneira ampla na filosofia angloamericana, nos anos 50, a partir do trabalho de Quine. No livro The Aim and Structure
of Physical Theory119, Duhem formulou vários problemas de subdeterminação científica
de maneira compreensível e convincente, embora ele próprio tenha argumentado que
esses problemas representavam desafios sérios para nossos esforços em confirmar
teorias em física. Na metade do século XX, Quine sugeriu que tais desafios aplicavamse não somente à confirmação de todos os tipos de teorias científicas, mas a qualquer
tipo de conhecimento. Desse modo, sua incorporação e maior desenvolvimento desses,
problemas, como parte de uma explicação geral do conhecimento humano, foi um dos
mais significantes desenvolvimentos da epistemologia do século XX. Mas nem Duhem
tampouco Quine tiveram o cuidado distinguir sistematicamente muitas das linhas
fundamentalmente distintas de pensar acerca da subdeterminação que pode ser
discernidos em seus trabalhos. Talvez a mais importante seja a divisão entre o que
poderíamos denominar de formas holistas e formas contrastivas de subdeterminação.
Nesse contexto, o segundo dogma em ‗Two Dogmas of Empiricism’, para
Quine, é o reducionismo, cuja crença reside em que ‗todo enunciado significativo é
equivalente a algum construto lógico sobre termos que se referem à experiência
imediata‘120. Quine argumenta que o reducionismo é um dogma mal fundamentado,
afirmando que embora o reducionismo tenha deixado de aparecer nas ideias dos
empiristas, permanece uma forma mais sutil de reducionismo que afirma que cada
enunciado tomado de maneira isolada pode admitir confirmação ou refutação. Nesse
contexto, a tese Duhem-Quine consiste em que a unidade de confirmação empírica de
uma teoria não é o enunciado isolado, mas a teoria em sua totalidade.
119
DUHEM, P. The Aim and Structure of Physical Theory, trans. from 2nd ed. by P. W. Wiener; originally
published as La Théorie Physique: Son Objet et sa Structure (Paris: Marcel Riviera & Cie.), Princeton, NJ:
Princeton University Press, 1914.
120
QUINE, W. From a Logical Point of View. ( ‗[…] The other dogma is reductionism: the belief that each
meaningful statement is equivalent to some logical construct upon terms which refer to immediate
experience.’ 1953, p. 20.
74
Na concepção de Ariew121, Quine posiciona-se contra este dogma
sugerindo que ‗nossos enunciados sobre o mundo exterior enfrentam o tribunal da
experiência sensível não individualmente, mas apenas como corpo organizado‘ 122,
indicando, no texto em nota de rodapé, que essa doutrina foi fundamentada em Duhem.
Quine prossegue detalhando um ‗empirismo sem dogmas‘, no qual o conhecimento
pode ser comparado a um campo de força em que ‗um conflito com a experiência, na
periferia, ocasiona reajustes no interior do campo‘123, e ‗qualquer enunciado pode ser
considerado
verdadeiro
aconteça
o
que
acontecer,
se
realizarmos
ajustes
suficientemente drásticos em outra parte do sistema‘.124
Sendo assim, não é verdade que o significado de um enunciado seja sua
verificação empírica, dada isoladamente de outros enunciados, como se cada
enunciado isolado tivesse necessidade de uma confirmação empírica individual. Pelo
contrário, todo enunciado de uma teoria científica depende estritamente dos enunciados
da mesma teoria. Desse modo, uma teoria científica não é um mero conjunto de
enunciados verdadeiros, mas um conjunto de enunciados verdadeiros que se
sustentam entre si.
Nesse sentido, uma teoria é como um campo de forças no qual tudo se
liga de maneira sistemática. Portanto, apenas a periferia está conectada diretamente ao
mundo da experiência (com enunciados sujeitos à observação), enquanto o núcleo da
teoria é composto por enunciados teóricos. É óbvio para Quine, que a verdade depende
tanto da linguagem como dos fatos, no entanto, dessa obviedade não deve descender a
existência de dois distintos componentes – factual e linguístico – tais que alguns
enunciados sejam verdadeiros em virtude de um componente, e outros em virtude do
outro. A distinção é questão de graus, e de maior ou menor propensão a abandonar o
que se considere verdadeiro.
Em virtude da referência de Quine a Duhem, a tese, formada de duas
subteses, a saber: (i) visto que enunciados empíricos são interconectados, não podem
121
ARIEW, Roger. http//:plato.stanford.edu.
QUINE, W. From a Logical Point of View. ‗[…] our statements about the external world face the tribunal
of sense experience not individually but only as a corporate body.’ 1953, p. 41.
123
Id.Ibid. p. 42. ‗A conflict with experience at the periphery occasions readjustments in the interior of the
field.’
124
Id. Ibid. p. 43. ‗Any statement can be held true come what may, if we make drastic enough adjustments
elsewhere in the system.‘
122
75
ser simplesmente refutados; e (ii) se quisermos considerar um enunciado particular
verdadeiro, podemos sempre ajustar outro enunciado; tornou-se conhecida como a tese
Duhem-Quine. Quine atribui somente subtese (i) a Duhem; o último teria reconhecido
subtese (i) como de sua autoria, mas não concordou plenamente com a formulada por
Quine.
Duhem não afirma que quando há algum conflito com a experiência,
podemos sempre fazer ajustes em algum lugar no sistema. Sua afirmação é mais fraca,
também limitada de outras formas, mas que poderia ser equivalente a: quando há
algum conflito com a experiência, o que é refutado, é, necessariamente, ambíguo. A
formulação de Duhem para sua tese de não falseabilidade consiste em: ‗se o fenômeno
previsto não é produzido não só é colocada em dúvida a proposição questionada, mas
também todo o arcabouço teórico usado pelo físico‘.125
Além disso, Duhem não leva em consideração o segundo passo de Quine
que aponta que qualquer enunciado pode ser considerado verdadeiro aconteça o que
acontecer, no entanto, afirma ―a única coisa que o experimento nos ensina é que, entre
todas as proposições usadas para predizer o fenômeno e verificar que não foi
produzido, há pelo menos um erro; mas onde o erro se encontra o experimento não nos
diz‖
126
. Nesse contexto, ele se refere a dois modos possíveis de proceder quando um
experimento contradiz as consequências de uma teoria: (i) um cientista tímido pode
desejar salvaguardar certas hipóteses fundamentais e tentar complicar o assunto,
invocando vários casos de erro e multiplicando as correções; enquanto que um cientista
mais audacioso pode resolver mudar algumas das suposições essenciais, sustentando
todo o sistema. Desse modo, o cientista não tem garantia de sucesso: ―Se ambos são
bem-sucedidos em satisfazer os requerimentos do experimento, a cada um é
logicamente permitido declarar-se contente com o trabalho que realizou‖.127
125
DUHEM, Pierre. The Aim and Structure of Physical Theory. ‗[...] if the predicted phenomenon is not
produced, not only is the questioned proposition put into doubt, but also the whole theoretical scaffolding
used by the physicist’ . 1914, 281; 1954, 185.
126
Op. cit. ‗[…] the only thing the experiment teaches us is that, among all the propositions used to predict
the phenomenon and to verify that it has not been produced, there is at least one error; but where the
error lies is just what the experiment does not tell us’ (1914, 281; 1954, 185).
127
Op. cit. ‘If they both succeed in satisfying the requirements of the experiment, each is logically
permitted to declare himself content with the work he has accomplished’ .1914, 330; 1954, 217.
76
Por conseguinte, Duhem não argumenta diretamente pela tese da não
falseabilidade; ele parece considerá-la como um corolário óbvio de outra tese, que
poderia ser chamada de tese da não separabilidade, que aponta que o físico nunca
submeter uma hipótese isolada a um teste experimental: ‗procurar separar cada uma
das hipóteses da teoria física de outras suposições sobre as quais esta ciência se
embasa, a fim de mantê-la em isolamento para o controle da observação, é perseguir
uma quimera‘.128
A tese de Duhem geralmente aparece no contexto da sua crítica ao
método indutivo (também chamado de método newtoniano), que rejeita qualquer
hipótese acerca de corpos imperceptíveis e movimentos ocultos, e admite somente leis
gerais conhecidas por indução da observação. Duhem acusa esse método de ser
incontrolável; ele afirma que uma ciência pode somente seguir o método newtoniano
quando seus meios de conhecer são aqueles do senso comum: ‗Quando a ciência não
mais observa os fatos diretamente, mas os substitui por suas medidas, fornecidas por
instrumentos, de magnitudes que a teoria matemática por si só define, a indução não
pode mais ser praticada na maneira que requer o método newtoniano.‘129
Portanto, Duhem claramente indica que algumas ciências podem usar o
método newtoniano, assim como derivar seus princípios por indução da observação e
refutá-los como testes de justificação. Desse modo, o que Duhem pensa que há de
errado com o indutivismo é que não pode ser usado por todas as ciências. Para ele, a
tese da não falseabilidade é uma consequência da tese da não separabilidade que, por
sua vez, é uma tese empírica que depende de fatores que não governam todas as
ciências.
Para não abandonar certas verdades da teoria, um enunciado que se
configurasse como falso poderia ser salvo modificando outros enunciados da mesma
teoria, ou revendo certos pressupostos não claros. Isso aconteceu – como observou
128
Op. cit. ‗To seek to separate each of the hypotheses of theoretical physics from the other assumptions
upon which this science rests, in order to subject it in isolation to the control of observation, is to pursue a
chimera’ (1914, 303; 1954, 199-200).
129
DUHEM, P. Liste des Publications de P. Duhem and Notice sur les travaux scientifiques de Duhem.
Mémoires de la Société des Sciences Physiques et Naturelles de Bordeaux. 7: 41–169. English
translation of Parts 2 and 3 of Notice in Duhem, 1996. ‘When science no longer observes facts directly but
substitutes for them measurements, given by instruments, of magnitudes that mathematical theory alone
defines, induction can no longer be practiced in the manner that the Newtonian method requires’ (1917,
153; 1996, 234).
77
Duhem – com a teoria newtoniana, quando se constatou que a órbita de Plutão não era
totalmente elíptica. Essa observação deveria ter desmentido a teoria, entretanto,
aconteceu o contrário, ensejou uma nova descoberta – a presença de Netuno, que
provocava um desvio da órbita de Plutão, assim, a descoberta permitiu que a teoria se
tornasse mais coerente.
Em vista disso, podemos aduzir que aquilo que vale para uma teoria não
vale para uma linguagem, que é apenas um componente de uma teoria científica. Por
outro lado, podemos também sustentar que uma linguagem natural é um modo de
estruturar o mundo e contém em si uma teoria implícita. Portanto, a tese de Quine a
propósito das teorias científicas pode ser estendida, como ele também o fará, à
linguagem em geral.
Se não é possível separar o conhecimento baseado na linguagem das
crenças empíricas sobre o mundo, é, no fim das contas, necessário aceitar o fato de
que não apenas nosso conhecimento, mas também o significado de nossos enunciados
é dado por uma rede de crenças, na qual informações linguísticas conceituais e dados
empíricos ou factuais estão inseparavelmente ligados. Ainda que uma linguagem possa
produzir enunciados verdadeiros e falsos (e contribuir para formar teorias, a saber,
conjuntos de enunciados verdadeiros); não se poderão mais distinguir em uma
linguagem os enunciados constitutivos do significado (‗os solteiros são adultos não
casados‘) e os enunciados que não são tais (‗os solteiros são pessoas disponíveis‘) ou
(‗há três solteiros no meu palácio‘). Com efeito, é fácil abandonar o enunciado ‗há três
solteiros no meu palácio‘, caso sejamos informados sobre o matrimônio deles, enquanto
é difícil abandonar o enunciado ‗os solteiros são adultos não casados‘.
Assim, é importante ressaltar que o holismo semântico é uma tese
segundo a qual o sentido de uma expressão depende da totalidade ou de uma parte
significativa da linguagem a que pertence. Ademais, convém lembrar que a unidade de
confirmação empírica de uma teoria não é o enunciado isolado, mas uma teoria em sua
totalidade, também chamada de tese Duhem-Quine. Logo, percebe-se que Quine
aponta para a relevância do todo, da rede de significados ou crenças no que concerne
a sua teoria acerca da linguagem natural.
78
3.5 Percepção do compromisso ontológico na teoria da linguagem
Existence is what existential quantification
expresses. (OR, p.97)
To be is to be the valuable of a variable. (FLPV,
p.15)
No sentido quineano do termo, uma teoria acerca de determinado
segmento da realidade ou da experiência consiste em uma coleção consistente de
crenças ou afirmações, expressas em determinada linguagem, a respeito desse
segmento. Essa teoria será verdadeira se todas as crenças que a compõem, e, logo,
todas as consequências lógicas dessas crenças, forem verdadeiras. Os objetos com os
quais uma teoria está ontologicamente comprometida são precisamente aqueles cuja
existência é assumida, de forma explícita ou implícita, pela teoria; tais objetos formam a
ontologia – ou ainda, uma das ontologias – da teoria: um conjunto de entidades cuja
existência teria como consequência a falsidade da teoria.130
Uma das propostas de Quine consiste em um processo para determinar
com que objetos, ou com que classes ou categorias de objetos, esta dada teoria é
ontologicamente comprometida. Note-se que o processo não nos permite determinar o
que há, ou o que existe, simpliciter. Não nos permite determinar, por exemplo, se há ou
não entidades supostamente controversas, talvez em virtude de serem abstratas, como:
números, classes, propriedades ou proposições. O processo é relativo a uma teoria:
apenas nos permite verificar o que há, ou o que existe, para dada teoria. Uma questão
importante e substantiva é a de determinar com que objetos, e com que categorias de
objetos, está ontologicamente comprometido o nosso sistema de crenças, a nossa
melhor teoria total da experiência.
Como resultado, a essência desse processo é captada pelo famoso
slogan: ‗Ser é ser o valor de uma variável ligada‘, mencionada na epígrafe. Sua
aplicação a uma teoria pressupõe, assim, de modo crucial, que a teoria – ou a
linguagem na qual ela está expressa – esteja logicamente regimentada; e essa
exigência de regimentação é, grosso modo, a de que as frases ou afirmações da teoria
sejam de alguma maneira parafraseáveis (ou traduzíveis) naquilo que Quine considera
130
BRANQUINHO, João. Compromisso Ontológico. In: Enciclopédia de Termos Lógicos – Filosóficos.
São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 153.
79
ser uma notação canônica, isto é, uma notação adequada para acomodar qualquer
disciplina cientificamente respeitável: a linguagem formal da lógica de primeira ordem.
Com efeito, o processo sugerido por Quine, conhecido como critério de
compromisso ontológico (CO), é basicamente o seguinte: uma teoria (regimentada) T
está ontologicamente comprometida com determinado objeto o, respectivamente com
objetos de determinada categoria C, se, e somente se, uma condição necessária para T
ser verdadeira é que o objeto o, respectivamente pelo menos um objeto da categoria C,
esteja entre os valores das variáveis quantificadas de T. Dito de outro modo, T seria
uma teoria falsa se o objeto o não existisse, a saber, se não fosse o valor de uma
variável ligada da teoria; ou se a categoria C fosse vazia, ou seja, se nenhum dos
membros de C fosse o valor de uma variável ligada da teoria. Dessa maneira, afirma
Quine: ‗uma teoria está comprometida com aquelas e apenas com aquelas entidades a
que as variáveis ligadas da teoria devem ser capazes de se referir a fim de que as
afirmações feitas na teoria sejam verdadeiras‘.131
Por conseguinte, uma teoria pode estar associada a um par de ontologias
mutuamente exclusivas, como se pode perceber a partir de um exemplo de Quine:
Podemos dizer, por exemplo, que alguns cães são brancos e nem por isso nos
comprometemos a reconhecer ou a canidade ou a brancura como entidades.
132
‗Alguns cães são brancos‘ diz que algumas coisas que são cães são brancas;
e, a fim de que esse enunciado seja verdadeiro, as coisas que a variável ‗algo‘
abrange devem incluir alguns cães brancos, mas não precisam incluir a
canidade ou a brancura.
Porquanto, se uma teoria contém, ou implica logicamente, uma afirmação
da forma E (quantificador existencial) x Cão x, e logo que está ontologicamente
comprometida com cães. Conforme explica Branquinho133, ‗um universo que (entre
outras coisas) inclua vira-latas e exclua pastores alemães é tanto uma ontologia dessa
teoria quanto o é um universo que (entre outras coisas) inclua pastores alemães e
exclua vira-latas‘.
131
QUINE, W. O. On What There Is. ‗A theory is committed to those and only those entities to which the
bound variables of the theory must be capable of referring in order that the affirmation made in the theory
be true’. p. 13.
132
Id. ibid. p.13. ‗ We may say, for example, that some dogs are white and not thereby commit ourselves
to recognizing either doghood or whiteness as entities. ‘Some dogs are white’ says that some things that
are dogs are white; and, in order that this statement be true, the things over which the bound variable
‘something’ ranges must include some white dogs, but need not include doghood or whiteness’.
133
BRANQUINHO, João. Compromisso Ontológico. In: Enciclopédia de Termos Lógicos – Filosóficos.
São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 153.
80
‘A única maneira de nos envolvermos em compromissos ontológicos é
pelo uso de variáveis ligadas‘, enfatiza Quine.134 Além disso, esclarece que
Tudo quanto dizemos com o auxílio de nomes, pode ser dito numa linguagem
que os dispense totalmente. Ser assumido como entidade é, pura e
simplesmente, ser reconhecido como o valor de uma variável. Em termos das
categorias da gramática tradicional, isso equivale aproximadamente a dizer que
ser é estar no domínio de referência de um pronome. Pronomes são os meios
básicos de referência: os substantivos, melhor seria chamá-los de
135
propronomes. (grifo nosso).
Assim, consideramos as variáveis ligadas, não para descobrir o que há,
mas para definir com clareza o que certa teoria afirma que existe. Por conseguinte, para
uma teoria ontológica existe tudo aquilo sobre o que estamos dispostos a quantificar ou,
segundo Quine, ‗ser é ser o valor de uma variável ligada‘.136 Ressalta, ainda, que
atentamos a variáveis ligadas relacionadas à ontologia não a fim de saber o que
há, mas para saber o que uma dada afirmação ou doutrina, nossa ou de
outrem, diz que há; enquanto tal, esse é propriamente um problema que diz
137
respeito à linguagem. Mas o que há, é outra questão.
Essa frase de efeito de Quine não resolve as controvérsias ontológicas,
entretanto, é um auxílio inegável para o esclarecimento da discussão. Nesse sentido,
as controvérsias ontológicas tenderão, assim, a ser traduzidas em controvérsias
linguísticas. Desse modo, aceitar uma ontologia significa aceitar um esquema
conceitual, uma teoria implícita, um modo de falar, conforme se pode perceber do
discurso de Quine.
Como resultado, nosso modo de falar cotidiano normalmente quantifica
sobre objetos de dimensões médias que estão ao nosso redor. Para esclarecer os
desacordos ontológicos devemos esclarecer os desacordos de esquemas conceituais
ou teorias implícitas que usamos. Quine define esse processo como ‗controvérsia
134
Id. ibid. p. 12. ‗But this is, essentially, the only way we can involve ourselves in ontological
commitments: by our use of bound variables.‘
135
Id. Ibid. p. 13. ‗Whatever we say with the help of names can be said in a language which shuns names
altogether. To be assumed as an entity is, purely and simply, to be reckoned as the value of a variable. In
terms of the categories of traditional grammar, this amounts roughly to saying that to be is to be in the
range of reference of a pronoun. Pronouns are the basic media of reference; nouns might better have
been named propronouns.’
136
Id. Ibid. p. 15. ‗To be is to be the value of bound variables.‘
137
Id. Ibid. p.16. ‗We look to bound variables in connection with ontology not in order to know what there
is, but in order to know what a given remark or doctrine, ours or someone else’s says there is; and this
much is quite properly a problem involving language. But what there is, is another question.‘
81
semântica‘138, assim, a discussão sobre o que são os objetos transforma-se em uma
discussão sobre o modo como falamos de objetos.
Isso não quer dizer que a ontologia seja mera questão de palavras, nem
que o problema semântico seja apenas um problema linguístico, mas, simplesmente,
que se pode auxiliar a discussão ontológica mediante o esclarecimento das várias
teorias implícitas usadas ao discutir sobre o que existe, ou esclarecendo a forma lógica
dos enunciados com que nos propomos a descrever o mundo ou a falar sobre objetos.
Com base nisso, percebemos a relevância da ontologia para entender-se a linguagem
em Quine, a saber, a compatibilidade e consistência que deve haver a respeito das
teorias e esquemas conceituais que usamos ao falar sobre o que são os objetos.
3.6 Características da epistemologia naturalizada em Quine
I am a physical object sitting in a physical world.
Some of the forces of this physical world
impinge on my surface. Light rays strike my
retinas; molecules bombard my eardrums and
fingertips. I strike back, emanating concentric air
waves. These waves take the form of a torrent
of discourse about tables, people, molecules,
light rays, retinas, air waves, prime numbers,
infinite classes, joy and sorrow, good and evil.
139
(SLC, p.228)
Ressalto que a teoria do conhecimento de Quine é importante nesta
investigação a fim de se possa melhor entender como Quine apresenta a proposta de
um método filosófico para a epistemologia que podemos chamar, seguindo a
terminologia usada por Roger Gibson140, comentador de Quine, de naturalistabehaviorista. A teoria do conhecimento, segundo Quine, não deve pretender fundar as
138
Id. Ibid. p. 16. ‗In so far as our basic controversy over ontology can be translated upward into a
semantical controversy about words and what to do with them […].‘
139
QUINE, W. O. The Scope and Language of Science. In: The Ways of Paradox and Other Essays. 7 ed.
Cambridge: Harvard University Press, 1997. ‗Eu sou um objeto físico situado num mundo físico. Algumas
das forças deste mundo físico atuam em minha superfície. Raios luminosos atingem minhas retinas:
moléculas bombardeiam meus ouvidos e pontas dos dedos. Eu revido, emanando ondas de ar
concêntricas. Essas ondas tomam a forma de uma torrente de discurso sobre mesas, pessoas,
moléculas, raios luminosos, retinas, ondas de ar, números primos, classes infinitas, alegria e tristeza,
bem e mal‘.
140
GIBSON, JR. Roger F. The Philosophy of W. V. Quine: an expository essay. Tampa: University of
South Florida, 1982, p. 63.
82
outras ciências, logo, não deve pretender ser a ciência primeira. A teoria do
conhecimento deve contentar-se, com o auxílio de ciências empíricas como a psicologia
empírica (behaviorista), em tentar explicar como o homem conhece, ou, dito de outra
maneira, como o homem estrutura linguisticamente e transmite conhecimentos,
conforme assevera Stein141.
Com efeito, Quine referiu-se desse modo à sua teoria do conhecimento:
Vemos, então, uma estratégia para investigar a relação de suporte evidencial,
entre a observação e teoria científica. Podemos adotar uma abordagem
genética, estudando como a linguagem teórica é aprendida. Porque a relação
evidencial é praticamente decretada, ao que parece, na aprendizagem. Essa
estratégia genética é atraente porque o aprendizado da língua acontece no
mundo e está aberto ao estudo científico. É uma estratégia para o estudo
científico do método científico e evidência. Temos aqui uma boa razão para
142
considerar a teoria da linguagem como vital para a teoria do conhecimento .
Retomemos a última frase da citação de Quine, ‗temos aqui uma boa
razão para considerar a teoria da linguagem como vital para a teoria do conhecimento‘,
daí a razão por que essa proposta quineana é trazida para esta investigação; a saber,
tentar explicar como o homem estrutura linguisticamente e transmite conhecimentos,
como corrobora Stein.
Em vista disso, a epistemologia naturalizada em Quine teve como projeto
estudar os processos reais de formação do conhecimento dos seres humanos, sem ter
a aspiração de certificar a racionalidade desses processos, sua resistência ao ceticismo
ou sua adequação para produzir a verdade. Nesse sentido, combina-se com a
psicologia da aprendizagem e com o estudo dos episódios de história da ciência. Nessa
tese, diminui-se o alcance do tipo de reflexão ‗externa‘ ou filosófica, que pode resultar
no ceticismo ou na sua refutação.
O problema do conhecimento do mundo externo é posto tradicionalmente
da seguinte maneira: como alguém, com estados mentais particulares, consegue ter
141
142
ghiraldelli.files.wordpress.com/2008/07/sofia_quine. pdf - Similares, acesso em 19/06/2011.
QUINE, W. O. The Nature of Natural Knowledge. In: Mind and Language, edited by Samuel
Guttenpaln. Oxford: Clarendon Press. ‗ We see, then, a strategy for investigating the relation of evidential
support, between observation and scientific theory. We can adopt a genetic approach, studying how
theoretical language is learned. For the evidential relation is virtually enacted, it would seem, in the
learning. This genetic strategy is attractive because the learning of language goes on in the world and is
open to scientific study. It is a strategy for the scientific study of scientific method and evidence. We have
here a good reason to regard the theory of language as vital to the theory of knowledge.‘ 1975, pp. 67 –
81.
83
conhecimento do mundo externo. Em sua formulação tradicional o problema coloca-se
em como, começando com a ‗experiência‘ na forma de impressões imediatamente
dadas ou dados dos sentidos (sense-data) justificamos nossas pretensões de conhecer
objetos como mesas, cadeiras ou moléculas. A posição estratégica (vantage point) era
que de uma filosofia primeira, pretendida como fornecendo uma base de certeza para
as ciências por permanecer fora delas, legitimasse suas realizações. Quine rejeita essa
formulação. Sua epistemologia naturalizada restabelece o problema de como
aprendemos a falar sobre ou referir a objetos (comuns ou científicos). Surgem a partir
daí, questionamentos tais como: quais são as condições que conduzem à referência?
Como o discurso científico é possível?
Quine, conforme epígrafe, aponta a resposta de forma naturalista. O
homem é um objeto físico situado em um mundo físico em constante interação. O que
há pode ser conhecido, sem que se tenha a aspiração de certificar a racionalidade
desses processos, sua resistência ao ceticismo ou sua adequação para produzir a
verdade. A epistemologia naturalizada tem, assim, de combinar-se com a psicologia da
aprendizagem e com o estudo dos episódios de história da ciência. Nesse projeto,
diminui-se o alcance daquele tipo de reflexão ‗externa‘ ou filosófica, que pode resultar
no ceticismo ou na sua refutação.
3.6.1 O espírito científico da epistemologia naturalizada
A epistemologia naturalizada é conduzida segundo um espírito científico,
sendo o objeto da investigação a relação existente nos seres humanos entre os dados
de entrada (inputs) da experiência e os dados de saída (outputs) da crença. Quine
conclui que o esforço tradicional para responder ao ceticismo fracassou e recomenda o
que, na superfície, parece ser o abandono total da epistemologia. Aparentemente
pensa que o fracasso desse tipo de fundacionalismo mostra que a epistemologia é
impossível. Ele argumenta que a epistemologia deveria ser agregada à psicologia.
A estimulação dos receptores sensoriais constituiu, em última análise, toda a
evidência que cada um poderá basear-se para chegar à sua imagem do mundo.
84
Por que não ver simplesmente como essa construção realmente se processa?
143
Por que não ficar com a psicologia?
Quine, ainda, parece recomendar o abandono do esforço de mostrar que
nós, de fato, temos conhecimento, e, ao invés disso, estudar as maneiras pelas quais
formamos crenças. Sua proposta consiste no estudo dos processos psicológicos que
nos conduzem das estimulações sensórias a crenças sobre o mundo. Essa ideia está
formulada da seguinte maneira:
A epistemologia, ou algo que a ela se assemelhe, encontra seu lugar
simplesmente como um capítulo da psicologia e, portanto, da ciência natural.
Ela estuda um fenômeno natural, a saber, um sujeito humano físico. Concedese que esse sujeito humano recebe certa entrada experimentalmente
controlada – certos padrões de irradiação em variadas frequências, por
exemplo – e no devido tempo o sujeito fornece como saída uma descrição do
mundo externo e tridimensional e sua história. A relação entre a magra entrada
e a saída torrencial é a relação que nos sentimos estimulados a estudar tanto
pelas mesmas razões que sempre serviram de estímulo para a epistemologia;
ou seja, a fim de ver como a evidência relaciona-se à teoria e de quais
maneiras as nossas teorias da natureza transcendem qualquer evidência
disponível [...] Mas uma visível diferença entre a antiga epistemologia e o
empreendimento epistemológico dentro desse novo quadro psicológico é que
144
agora podemos usar livremente a psicologia empírica.
Como enfatiza Kim145, há outra diferença visível entre a epistemologia
tradicional e a apregoada por Quine, a saber, elas debruçam-se sobre tópicos
marcadamente diversos. A antiga epistemologia estava interessada em questões sobre
racionalidade, justificação e conhecimento. As questões centrais a respeito de se uma
relação de sustentação epistêmica – uma relação justificada – sustenta-se entre nossa
evidência básica e nossas crenças sobre o mundo. Análises de alguns dos argumentos
143
QUINE, W. O. Ontological Relativity & Other Essays. New York: Columbia University Press, 1969,
p.75. ‗The stimulation of his sensory receptors is all the evidence anybody has had to go on, ultimately, in
arriving at his picture of the world. Why not just see how this construction really proceeds? Why not settle
for psychology?’
144
Id. ibid. p.82-3. ‗Epistemology, or something like it, simply falls into place as a chapter of psychology
and hence of natural science. It studies a natural phenomenon, viz., a physical human subject. This
human subject is accorded a certain experimentally controlled input – certain patterns of irradiation in
assorted frequencies, for instance – and in the fullness of time the subject delivers as output a description
of the three-dimensional external world and its history. The relation between the meager input and the
torrential output is a relation that we are prompted to study for somewhat the same reasons that always
prompted epistemology: namely, in order to see how evidence relates to theory, and in what ways one's
theory of nature transcends any available evidence [...] But a conspicuous difference between old
epistemology and the epistemological enterprise in this new psychological setting is that we can now
make free use of empirical psychology.’
145
nd
KIM, Jaegwon. What is Naturalized Epistemology? In: Philosophical Perspectives, 2 ed. by James E.
Tomberlin, Asascadero, CA: Ridgeview Publishing Co, 1988, p. 381- 406.
85
para o ceticismo revelam que eles dependem do critério que nossa evidência sustenta
nossas crenças somente se nossas crenças são deduzidas daquela evidência. Muitos
epistemologistas são, assim, atraídos a investigar outras explicações consoantes à
relação de sustentação epistêmica, elas permitem a possibilidade de que nossas
crenças sobre o mundo sejam bem sustentadas pela nossa evidência sensória, mesmo
que não sejam rigorosamente derivadas daquela evidência.
Quine, segundo Kim, propôs ignorar essas questões sobre sustentação
epistêmica, e, em vez disso, investigar as conexões causais entre nossa evidência
sensorial e nossas crenças sobre o mundo. Portanto, conforme a recomendação
quineana, estudaremos no mesmo relata – nossa evidência básica e nossas crenças
sobre o mundo; e uma possível relação diferente. No caso original, buscamos ver se há
uma relação de sustentação epistêmica entre os dados e as crenças. Na nova
perspectiva, buscamos ver a natureza da conexão causal entre eles.
Conforme Feldman146, a perspectiva quineana de que deveríamos
abandonar a epistemologia pela psicologia não é amplamente aceita pelos naturalistas
contemporâneos em epistemologia147; mesmo o posicionamento de Quine em seus
últimos trabalhos, já estava mais moderado148. Talvez isso aconteça em razão de que
as questões sobre a qualidade de nossas razões para nossas crenças sobre o mundo
atinjam mesmo os naturalistas, questões que merecem investigação e análise. Ainda,
aponta Feldman, talvez seja porque novas teorias sobre a natureza do conhecimento e
justificação sustentem que essas questões exijam o uso de processos e métodos que
de maneira confiável conduzam à verdade em vez de reconhecidamente boas razões.
O filósofo questiona se, de fato, são usados tais processos e métodos; de qualquer
modo, afirma que o naturalismo substituto (Replacement Naturalism) de Quine,
atualmente, encontra poucos apoiadores, dentre eles, aponta Kornblith.149
Percebemos, pela própria defesa de Quine, no que diz respeito à teoria do
conhecimento, a relevância que há em buscar mostrar neste estudo que a teoria da
146
FELDMAN,
R.
Naturalized
Epistemology.
Stanford
Encyclopedia
of
Philosophy.
http://plato.stanford.edu/ First published Thu Jul 5, 2001.
147
Ver ALMEDER, 1998; BONJOUR, 1994; FOLEY, 1994; FUMERTON, 1994.
148
QUINE, W.V.O. Norms and Aims. In: The Pursuit of Truth. Cambridge: Harvard University Press, 1990,
p. 19 - 21.
149
Ver KORNBLITH, 1994; 1999.
86
linguagem é vital para a teoria do conhecimento, ou seja, a tentativa de explicar de que
maneira o homem estrutura linguisticamente e transmite conhecimentos, conforme já
mencionado.
3.7 A relevância das frases observacionais no aporte teórico quineano
Para melhor entendimento deste estudo, é importante salientar a
relevância das sentenças observacionais na perspectiva de Quine, a fim de que se
possa falar do significado de conjunto de sentenças. Por conseguinte, só é possível
falar do significado de conjuntos de sentenças, ao se analisar as sentenças
observacionais que podem derivar desses conjuntos; no entanto, não há condições de
determinar o significado de cada sentença não observacional individualmente. Desse
modo, é imprescindível que se desenvolva seus principais preceitos.
Com efeito, percebemos que central à abordagem naturalista de Quine do
conhecimento é a ideia de que todo o conhecimento é de alguma maneira baseado em
estímulos de nossos nervos sensitivos. Para a maior parte de nosso conhecimento, a
relação é bastante indireta e remota, assim, a sentença dada é aceita porque é parte de
um sistema global de conhecimento que, tomado com um todo, permite-nos lidar melhor
com a experiência sensorial. No caso da maioria das frases que chegamos a conhecer,
nossa disposição a aceitá-las não é claramente baseada de forma direta a estímulos de
terminações nervosas. De tal sorte que a ligação passa por outras frases, e pode ser
bastante indireta e remota; essa é uma maneira de expressar o holismo presente na
construção do significado.
Então, deve haver presumivelmente algumas partes da nossa língua que
incorporam o conhecimento que estão diretamente relacionadas a estímulos. Desse
modo, esse é o papel que as frases observacionais representam no pensamento de
Quine; atos de proferimentos de tais frases ou concordar com elas quando proferidas
por outros são respostas compartilhadas ao estímulo. Com efeito, é um sinal da
abordagem naturalista de Quine, conforme Hylton150, que sua explicação sobre a ideia
150
HYLTON, Peter. Willard van Orman Quine. http://plato.stanford.edu/ First published Fri Apr 9, 2010;
substantive revision Fri Apr 30, 2010.
87
fundamental de uma resposta compartilhada ao estímulo aplica-se tanto a animais
quanto a pessoas.
Nesse sentido, frases observacionais, no contexto quineano, dizem
respeito a frases de ocasião cujo significado por estímulo é relativamente invariável sob
a influência de informação colateral. Desse modo, salienta Quine151 que
Frases de ocasião cujos significados por estímulo não variam sob a influência
de informação colateral podem naturalmente ser chamadas frases de
observação, e seus significados-estímulos podem, sem medo de contradição,
fazer plena justiça a seus significados.
As implicações tradicionais da conexão entre ‗experiência‘ e nosso
conhecimento variam das concepções mentais, como encontradas em Hume, em que
todas as nossas ideias são cópias de impressões dos sentidos, às formulações
linguísticas mais neutras, em que alegações cognitivas devem ser traduzidas em
sentenças observacionais. Na explicação holística de Quine, não se pode lidar com o
conteúdo empírico das sentenças, muito menos de termos – correlatos linguísticos de
ideias – um a um, nem via definição, tradução ou algum outro tipo de conexão
(linkage).
Estudar
a
relação
de
conhecimento
e
ciência
para
as
frases
observacionais (observation sentences) é traçar o desenvolvimento psicológico e
linguístico do conhecedor (knower), isto é, o usuário potencial da linguagem científica.
Frases observacionais servem tanto como ponto de partida (starting point) para o
aprendizado humano da linguagem quanto nos fundamentos empíricos para a ciência.
O problema do conhecimento agora é como, a partir de frases observacionais, é
possível a seguir falar de mesas, cadeiras, moléculas, neutrinos, conjuntos e números.
No contexto do mundo externo, Quine aponta que o que se quer das
frases observacionais, ‗é que elas sejam as que estão na mais íntima proximidade
causal com os receptores causais‘152. Para avaliar essa proximidade, apresenta a ideia,
assim:
Frases observacionais são frases que, quando adquirimos linguagem, são
condicionadas mais fortemente a uma estimulação sensorial concomitante do
151
QUINE, W.V.O. Word and Object. 1960, p. 42. ‗Occasion sentences whose stimulus meaning vary
none under the influence of collateral information may naturally be called observation sentences, and
their stimulus meaning may without fear of contradiction be said to do full justice o their meanings.’
152
QUINE, W. O. Epistemology Naturalized. ‗Vaguely speaking, what we want of observation sentences is
that they be the ones in closest causal proximity to the sensory receptors.’p. 85.
88
que a uma informação colateral estocada. Assim, imaginemos que a respeito de
uma frase seja pedido o nosso veredito, quanto a ela ser verdadeira ou falsa,
que nos seja pedido assentimento ou dissentimento. A frase em causa será
uma frase observacional se nosso veredito depender apenas da estimulação
153
sensorial presente nesse momento.
Em outros termos, as frases observacionais representam um papel
relevante na aquisição da linguagem na presença de estímulos observáveis. Quine
afirma que há grande estocagem de informação neste momento, sem essa informação
não haveria condições de pronunciar vereditos sobre frases, por mais observacionais
que fossem. Dessa forma, reformula, de forma menos rígida, a definição de frase
observacional:
[...] uma frase é uma frase observacional se todos os vereditos a seu respeito
apoiam-se na estimulação sensorial presente e não se apoiam em nenhuma
154
outra informação estocada além da envolvida na compreensão dessa frase.
Ao formular essa questão, Quine percebe o surgimento de outro problema,
que consiste na distinção da informação envolvida na compreensão de uma frase com
a que vai além dessas demarcações. Retoma a rejeição à analiticidade, sinalizando
que,
Esse é o problema da distinção entre verdade analítica, que emerge a partir de
meros significados das palavras, e verdade sintética, que se apoia não somente
sobre significados. Ora, sustentei longamente que essa distinção é ilusória.
Todavia, há um modo de encaminhá-la que na verdade faz sentido: seria de se
esperar que uma frase verdadeira em virtude dos meros significados das
palavras fosse subscrita por todos os membros que falam fluentemente a língua
da comunidade. Talvez possamos, na nossa definição de frase observacional,
dispensar a noção controvertida de analiticidade em favor desse atributo direto
155
da aceitação pela comunidade inteira.
Assim sendo, Quine enfatiza sua rejeição à analiticidade ‗na recusa de
traçar uma linha que separe o que é envolvido na mera compreensão das frase de uma
153
Id. ibid. […] observations sentences are sentences which, as we learn language, are most strongly
conditioned to concurrent sensory stimulation rather than to stored collateral information. Thus let us
imagine a sentence queried for our verdict as to whether it is true or false; queried for our assent or
dissent. Then the sentence is an observation sentence if our verdict depends only on the sensory
stimulation present at the time.’ p. 85.
154
Id. ibid. p. 86. ‗A sentence is an observation sentence if all verdicts on it depend on present sensory
stimulation and on no stored information beyond what goes into understanding the sentence.’
155
Id. ibid. p. 86. ‗This is the problem of distinguishing between analytic truth, which issues from the mere
meanings of words, and synthetic truth, which depends on more than meanings. Now I have long
maintained that this distinction is illusory. There is one step toward such a distinction, however, which
does make sense: a sentence that is true by mere meanings of words should be expected, at least if it is
simple, to be subscribed to by all fluent speakers in the community. Perhaps the controversial notion of
analyticity can be dispensed with, in our definition of observation sentence, in favor of this straightforward
attribute of community-wide acceptance.’
89
língua, de tudo aquilo mais que a comunidade encara com os mesmos olhos‘ 156. Desse
modo, compartilhamento de significados no interior de uma comunidade linguística de
falantes fluentes diante da mesma estimulação é uma definição de frase observacional.
Acrescenta ele, ‗uma frase observacional é uma frase sobre a qual todos os que falam
a língua pronunciam, o mesmo veredito, quando é dada a mesma estimulação
concomitante‘.157
A frase observacional, na visão de Quine, é fundamental em dois
aspectos, conforme já ressaltado, o da doutrina e do conceito, entre saber o que uma
frase significa e saber se ela é verdadeira. Observe-se como ele aponta sua relevância:
A frase observacional é básica para os dois empreendimentos. Sua relação
para com a doutrina, para como o nosso conhecimento do que é verdadeiro é,
em grande parte, a tradicional: frase observacionais são o repositório de
evidência para as hipóteses científicas. Sua relação com o significado também
é fundamental, dado que são elas as primeiras que, na nossa condição,
aprendemos a compreender, como crianças e como linguistas em pesquisa de
campo. Pois as frases observacionais são precisamente aquelas que podemos
correlacionar a circunstâncias observáveis da ocasião da elocução ou de
assentimento, independentemente de variações nas histórias passadas dos
indivíduos informantes. Elas são a única via de acesso a uma língua. A frase
observacional é a pedra angular da semântica [...] é fundamental para a
158
aprendizagem do significado [...] é onde o significado é mais firme.
Em suma, frases observacionais ou frases de observação consistem em
frases ocasionais cujo valor de verdade é completamente determinado pelas
circunstâncias observáveis e que são, inicialmente, traduzidas de modo holofrástico,
isto é, como um todo.
Uma das razões para fazer epistemologia, estudando as raízes da
referência, é simplesmente o fracasso do programa tradicional empírico antes
mencionado. Outra razão é que permite prescindir de ideias, mentalistas tais como,
156
Id. ibid. p. 86.‘[...] my rejection of the analyticity notion just means drawing no line between what goes
into the mere understanding of the sentences of a language and what else the community sees eye-toeye.’
157
Id. ibid. p. 86 -7. ‗[...] an observation sentence is one on which all the speakers of the language give the
same verdict when given the same concurrent stimulation.‘
158
Id. ibid. p. 88.’The observation sentence is basic to both enterprises. Its relation to doctrine, to our
knowledge of what is true, is very much the traditional one: observations sentences are the repository of
evidence for scientific hypotheses. Its relation to meaning is fundamental too, since observation sentences
are the ones we are in a position to learn to understand first, both as children and as field linguists. For
observation sentences are precisely the ones that we can correlate with observable circumstances of the
occasion of utterance or assent, independently of variations in the past histories of individual informants.
They afford the only entry to a language. The observation sentence is the cornerstone of semantics […] it
is fundamental to the learning of meaning […] it is where meaning is firmest.’
90
‗experiência‘ ou ‗observação‘. Em vez disso, confia-se, em dois componentes que já
fazem parte de uma ontologia naturalista: a ocorrência física nos terminais nervosos, o
input neural ou estímulo; e a entidade linguística, a frase observacional.
Esses dois servem como substitutos naturalistas para ‗experiência‘ e
‗observação‘. De acordo com a explicação empirista e behaviorista de Quine, as frase
observacionais são aquelas que podem ser aprendidas independentemente de outra
aquisição de linguagem. São frases que podem ser aprendidas tão-somente por
ostensão e como tais são causalmente mais próximas ao estímulo.
Essa explicação não é vulnerável a ataques em relação à ideia de
observação como dependente das teorias que se sustenta, já que
frases
observacionais são aquelas que são aprendidas sem nenhuma informação prévia
(background information). Outro ponto, de diferença com os empiristas, diz respeito à
suposta certeza ou incorrigibilidade da observação, ressalta Orenstein159. Embora as
frases observacionais de Quine estejam assentadas num mínimo de informação prévia
e, então, incluídas entre aquelas sentenças menos prováveis de ser revisadas, elas não
são, em princípio, imunes de revisão.
Então, frases de observação ou sentenças observacionais consistem no ponto de
partida para aquisição de conhecimento, assim como a entrada da criança na
linguagem cognitiva. Ademais, essas frases são evidencialmente básicas; o que as
ajusta para representar ambos os papéis é que elas são independentes de outras
partes de nossa linguagem. Desse modo, elas podem ser dominadas por uma criança
sem competência linguística e podem ser conhecidas sem pressupor outras partes
dessa teoria.
Logo, a sentença observacional pode, dessa maneira, ser definida como
aquela sobre a qual todos os falantes de uma mesma língua concordam, quando estão
sob o mesmo estímulo. É, portanto, uma sentença cuja verdade repousa na
concordância intersubjetiva. Para comparar uma sentença observacional entre línguas
diferentes é preciso uma generalização empírica que faça uma identificação na qual os
falantes de ambas as línguas concordam sobre o domínio dos estímulos o qual estão
159
ORENSTEIN, Alex. Epistemology Naturalized. Routledge.Encyclopedia. New York: Routledge, 1998,
vol….. p. 5-6.
91
sendo traduzidas as sentenças observacionais, do ponto de vista de cada um dos
idiomas. Só, assim, a epistemologia pode lançar mão das ciências naturais, a fim de
complementar as limitações de um domínio específico e se naturalizar de vez.
Todos esses aspectos auxiliam a melhor entender a linguagem em Quine,
razão deste estudo, a fim de fundamentar sua abordagem baseada no empirismo,
behaviorismo e pragmatismo. Nesse sentido, esse trinômio mostra a convicção de
Quine sobre a linguagem, sua perspectiva teórica sobre o aprendizado e aquisição da
linguagem.
Ao contrário da epistemologia tradicional, a epistemologia quineana é
naturalista: não podemos permanecer isolados de nosso lugar como parte da natureza
e fazer juízos filosóficos. Isso quer dizer que a filosofia é um continuum da ciência, a
ciência constituindo-se parte da natureza mais adequada para conhecer a si mesma.
Dessa maneira, afirma Quine:
O filósofo naturalista inicia sua argumentação dentro da teoria do mundo
herdado como um negócio próspero. Ele cautelosamente acredita em tudo, mas
também acredita que algumas porções não identificadas estão erradas. Ele
160
tenta melhorar, esclarecer e entender o sistema de dentro dele.
Fogelin161 argumenta que para Quine,
a epistemologia não fornece um ponto de vista independente para validar a
ciência empírica, ao invés disso, a ciência empírica fornece a estrutura para
entender o conhecimento empírico, inclusive o conhecimento empírico fornecido
pela ciência empírica.
Essa inversão representa o núcleo revolucionário da concepção quineana
da epistemologia naturalizada, salienta Fogelin. Para explicar seu ponto de vista, Quine
apresenta uma elaborada comparação entre sua abordagem naturalista consoante à
epistemologia e resultado de pesquisas no século XX sobre fundamentos da
matemática, conforme segue:
Os estudos relativos aos fundamentos da matemática dividem-se
simetricamente
em dois grupos, os conceituais e os doutrinais. Os estudos
160
QUINE, W. V. Theories and Things. Cambridge: Harvard University Press, 1981, p.72. ‗The naturalistic
philosopher begins by reasoning within the inherited world theory as a going concern. He tentatively
believes all of it, but believes also that some unidentified portions are wrong. He tries to improve, clarify
and understand the system from within’.
161
FOGELIN, Robert J. Aspects of Quine’s Naturalized Epistemology. In: The Cambridge Companion to
Quine. ed. GIBSON, Roger F. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, p. 19. ’For Quine,
epistemology does not provide an independent standpoint for validating empirical science; instead,
empirical science provides the framework for understanding empirical knowledge, including the empirical
knowledge provided by empirical science’.
92
conceituais interessam-se pelo significado, os doutrinais, pela verdade. Os
estudos conceituais tratam de esclarecer conceitos, definindo-os, uns em
termos de outros. Os estudos doutrinais tratam de estabelecer leis, provandoas, umas à base de outras. Idealmente, os conceitos mais obscuros seriam
definidos em termos dos mais claros, de modo a maximizar a clareza, e as leis
menos óbvias seriam provadas a partir das mais óbvias, de modo a maximizar a
certeza. Idealmente, as definições gerariam todos os conceitos a partir de ideias
claras e distintas, e as provas gerariam todos os teoremas a partir de verdades
162
por si mesmas evidentes.
Por conseguinte, o programa logicista constituiu-se em uma tentativa, no
lado conceitual, para reduzir os conceitos da matemática a conceitos de lógica, e então,
no doutrinal, exibir todas as verdades da matemática como verdades da lógica,
conforme afirma Fogelin163. Tal redução, se levada a cabo, seria um triunfo para a
epistemologia, porque as verdades da lógica parecem epistemicamente seguras, e a
redução da matemática à lógica tornaria o edifício da matemática epistemicamente
seguro também.
Quine argumenta, então, sobre o paralelo na bifurcação na teoria dos
conceitos ou do significado e teoria da doutrina ou da verdade, que ele denomina de
‗epistemologia do conhecimento natural‘:
O paralelo é como segue. Assim como a matemática é redutível à lógica, ou à
lógica e teoria dos conjuntos, assim o conhecimento natural será baseado, de
algum modo, na experiência sensível. Isso significa explicar a noção de corpo
em termos sensoriais; eis o aspecto conceitual. E significa justificar o nosso
conhecimento de verdade da natureza também em termos sensoriais; eis o
164
aspecto doutrinal da bifurcação.
162
QUINE, W. O. Ontological Relativity & Other Essays. New York: Columbia University Press, 1969,
p.69-70. ‗Studies in the foundations of mathematics divide symmetrically into two sorts, conceptual and
doctrinal. The conceptual studies are concerned with meaning, the doctrinal with truth. The conceptual
studies are concerned with clarifying concepts by defining them, some in terms of others. The doctrinal
studies are concerned with establishing laws by proving them, some on the basis of the other. Ideally the
obscurer concepts would be defined in terms of the clearer ones so as to maximize clarity, and the less
obvious laws would be proved from the more obvious ones so as to maximize certainty. Ideally the
definitions would generate all the concepts from clear and distinct ideas, and the proofs would generate all
the theorems from self-evident truths’.
163
Op. cit. p. 20.
164
QUINE, op.cit. p. 71. ‗The parallel is as follows. Just as mathematics is to be reduced to logic, or logic
and set theory, so natural knowledge is to be based somehow on sense experience. This means
explaining the notion of body in sensory terms; here is the conceptual side. And it means justifying our
knowledge of truths of nature in sensory terms; here is the doctrinal side of the bifurcation’.
93
3.8 Resumo
Este capítulo iniciou com a apresentação de alguns aspectos do
behaviorismo, principais autores e objeções, assim como o posicionamento do próprio
Quine a esse respeito. Seguindo com a crítica contundente de Quine aos dogmas
analítico-sintético. Em suma, como alternativa a esse empirismo com dogmas, Quine
propõe um empirismo moderado, sem dogmas, um empirismo que continua acreditando
que o tribunal de qualquer sistema teórico é a experiência, porém que vê esses
sistemas se defrontando como um todo com a experiência. Não há, segundo Quine,
como dividir a totalidade dos enunciados de uma linguagem em enunciados verdadeiros
ou falsos devido à experiência (sintéticos a posteriori) e enunciados necessariamente
verdadeiros (analíticos a priori). Qualquer enunciado, segundo ele, pode ter que ser
revisado, ou seu valor de verdade alterado, devido a fatos empíricos, porém não
isoladamente, mas, sim, em conjunto com outros enunciados de uma teoria ou universo
linguístico. Essa tese leva Quine a concluir que inclusive os enunciados da lógica
poderiam, não sem certa resistência, por serem enunciados muito teóricos e, em geral,
pressupostos pela maioria dos outros enunciados de sistemas teóricos dos quais
participam, ser revisados em seu valor de verdade devido a motivos empíricos. Apenas
enunciados por ele chamados de observacionais poderiam ser determinados
verdadeiros ou falsos isoladamente.
Por sua vez, o holismo foi destacado, visto que consiste em uma tese
segundo a qual o sentido de uma expressão depende da totalidade ou de uma parte
significativa da linguagem a que pertence. Ademais, convém lembrar que a unidade de
confirmação empírica de uma teoria não é o enunciado isolado, mas uma teoria em sua
totalidade, também chamada de tese Duhem-Quine. Logo, percebe-se que Quine
aponta para a relevância do todo, da rede de significados ou crenças no que concerne
a sua teoria acerca da linguagem natural.
Ademais, apresentamos a tese do compromisso ontológico, segundo o
termo quineano, é uma teoria acerca de determinado segmento da realidade ou da
experiência, consiste em uma coleção consistente de crenças ou afirmações, expressas
em determinada linguagem, a respeito desse segmento. Essa teoria será verdadeira se
94
todas as crenças que a compõem, e, logo, todas as consequências lógicas dessas
crenças, forem verdadeiras. Como resultado, nosso modo de falar cotidiano
normalmente quantifica sobre objetos de dimensões médias que estão ao nosso redor.
Para esclarecer os desacordos ontológicos devemos esclarecer os desacordos de
esquemas conceituais ou teorias implícitas que usamos. Quine define esse processo
como ‗controvérsia semântica‘, assim, a discussão sobre o que são os objetos
transforma-se em uma discussão sobre o modo como falamos de objetos.
Isso não quer dizer que a ontologia seja mera questão de palavras, nem
que o problema semântico seja apenas um problema linguístico, mas, simplesmente,
que se pode auxiliar a discussão ontológica mediante o esclarecimento das várias
teorias implícitas usadas ao discutir sobre o que existe, ou esclarecendo a forma lógica
dos enunciados com que nos propomos a descrever o mundo ou a falar sobre objetos.
Ainda, foi mostrado que a epistemologia naturalizada em Quine teve como
projeto estudar os processos reais de formação do conhecimento dos seres humanos,
sem ter a aspiração de certificar a racionalidade desses processos, sua resistência ao
ceticismo ou sua adequação para produzir a verdade. Nesse sentido, combina-se com
a psicologia da aprendizagem e com o estudo dos episódios de história da ciência.
Nessa tese, diminui-se o alcance do tipo de reflexão ‗externa‘ ou filosófica, que pode
resultar no ceticismo ou na sua refutação.
Por fim, mostramos as frases de observação ou sentenças observacionais
que consistem no ponto de partida para aquisição de conhecimento, assim como a
entrada da criança na linguagem cognitiva. Ademais, essas sentenças são
evidencialmente básicas; o que as ajusta para representar ambos os papéis é que elas
são independentes de outras partes de nossa linguagem. Desse modo, elas podem ser
dominadas por uma criança sem competência linguística e podem ser conhecidas sem
pressupor outras partes dessa teoria.
95
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abrangência da discussão acerca da linguagem é ampla e sempre está
presente em todas as discussões filosóficas ou não, já que o ser humano se constitui
por meio dela. Em vista disso, teorias foram e são construídas tentando dar conta desse
universo tão amplo, complexo e controverso. Nesse sentido, esta tese privilegiou
investigar a concepção de Quine a respeito da teoria da aprendizagem e aquisição da
linguagem, já que se percebeu um campo de estudos relevante, pois seu sistema
filosófico persiste sendo pesquisado e investigado em virtude da riqueza de sua
concepção.
Diante disso, este estudo pretendeu provar que a concepção de Quine a
respeito da linguagem, seu aprendizado e aquisição estão alicerçados no tripé do
empirismo, levando em consideração o behaviorismo e o pragmatismo. Além disso,
ampliar a compreensão acerca de seu posicionamento quanto a esse tema. Nesse
contexto, foi necessário num primeiro momento contextualizar; trazer à tona os
pensadores que auxiliaram Quine, sobretudo Dewey, cuja influência é indubitável, na
construção de seu sistema filosófico, ou que de uma maneira ou outra ampliaram sua
visão no que tange à linguagem que é a discussão deste estudo. Com efeito, procurou
trazer a visão de Dewey quanto à linguagem e sua perspectiva a partir do naturalismo.
Paralelamente, o segundo capítulo tratou da indeterminação, a saber, o
compromisso ontológico propalado por Quine no que tange a seus conceitos sobre
relatividade ontológica, inescrutabilidade ou indeterminação da referência, compromisso
ontológico, tradução radical e fisicalismo. Todos esses conceitos são referenciados,
explanados para mostrar sua estreita ligação com a elaboração do arcabouço teórico
de Quine em relação à linguagem.
Outro aspecto considerado de extrema relevância, mostrado no capítulo 3,
foi a apresentação do behaviorismo, que acredito é o fio condutor deste trabalho. O
behaviorismo de Quine também serve para unir suas doutrinas e teses em uma filosofia
sistemática, uma vez que nessa estrutura Quine pode argumentar, por exemplo,
96
segundo a percepção de Gibson165, que o significado é indeterminado; a referência é
inescrutável; as terias são subdeterminadas pela experiência em princípio; o valor de
verdade de qualquer frase ou declaração [sentence, statement] pode ser revisado.
Assim como, não há significados, proposições, atributos, relações, números, sinonímia,
fatos, verdades analíticas e assim por diante.
Comprovo, assim, juntamente com Gibson, que o sistema filosófico
quineano é essencialmente behaviorista, que em sua teoria concernente à linguagem
permeia esse viés. Desse modo, o questionamento e o objetivo deste estudo foram
alcançados a partir desta confirmação que perpassa todos os capítulos. Por
conseguinte, esse compromisso de Quine ao behaviorismo pode ser ao mesmo tempo
seu maior mérito, quanto seu calcanhar de Aquiles, segundo Gibson166, visto que,
se em algum tempo no futuro, o behaviorismo (no sentido quineano) for
abandonado, digamos, em favor de alguma forma de mentalismo, então uma
grande maioria das doutrinas e teses fundamentais de Quine serão deixadas
sem qualquer firme e óbvio apoio e, portanto, colocadas em dúvida.
Por sua vez, foi também citada a influência de Skinner no que diz respeito
à perspectiva estímulo-resposta em relação ao aprendizado e aquisição da linguagem.
Ainda na primeira etapa, foi buscado embasamento quanto ao pragmatismo,
mencionando, sobretudo, James e Pierce.
Nesse contexto, Word and Object (1960) apresenta seu programa
behaviorista da linguagem, que permanece em muitos outros ensaios e livros
posteriores. Além disso, é nessa obra que a indeterminação da tradução radical
assume, pela primeira vez, o papel principal. Na nossa visão, Quine adota uma
perspectiva contundente sobre a natureza da linguagem com a qual atribuímos
pensamentos e crenças a nós mesmos e aos outros.
Convém ressaltar que Word and Object é um marco, o fio condutor do
sistema quineano, a partir desse eixo outras obras são desenvolvidas e desdobradas,
dentre elas pode-se citar Ontological Relativity and Other Essays (1969); The Web of
Belief (1970); The Roots of Reference (1974), Theories and Things (1981), Pursuit of
165
GIBSON, JR., Roger F. The Philosophy of W.V. Quine: an expository essay. Tampa: University Press
of Florida, 1982, p. xx.
166
Id. Ibid. p.xx. ‗if, at some time in the future, behaviorism (in Quine’s sense of term) is abandoned, say,
in favor of some form of mentalism, then an overwhelming majority of Quine’s cardinal doctrines and
theses would be left without any obvious firm support and, therefore, cast into doubt.
97
Truth (1990). Desse modo, sem menosprezar suas publicações, visto que todas são
relevantes de uma forma ou outra, são essas que nortearam a fundamentação desta
tese.
Esta tese procurou apontar, por conseguinte, que permeia na filosofia de
Quine um posicionamento de cunho empírico como também behaviorista, permeado
pelo pragmatismo em que a linguagem é concebida como estímulos sensoriais
compartilhados, que acontecem a partir de atos sociais, cujo foco principal é a pressão
por objetividade, que privilegia o embate físico de uma comunidade de falantes no que
tange à comunicação, à questão da busca do significado. Além disso, apresentou o
sentido quineano a respeito do compromisso ontológico, que aponta que uma teoria
acerca de determinado segmento da realidade ou da experiência é simplesmente uma
coleção consistente de crenças ou afirmações, expressas em determinada linguagem.
Por conseguinte, apontou a linguagem, behaviorismo e empirismo,
discutindo a crítica de Quine aos dogmas analítico-sintético; a relevância do holismo,
trazendo a tese Duhem-Quine. Com efeito, a pertinência do compromisso ontológico e
seus desdobramentos, como também a epistemologia naturalizada, finalizando com as
frases observacionais.
Por isso, os conceitos, tendências e perspectivas, aqui apresentados
permitiram mapear, como também determinar que tipo de teoria subjaz ao pensamento
de Quine no que tange à linguagem. Assim, neste estudo, defendi a concepção
empirista além de behaviorista, trazendo também a pragmática da linguagem no
sistema filosófico de Quine, visto que essa perspectiva permanece ao longo de seus
trabalhos, a partir desse posicionamento procurei demonstrar por meio dos textos já
mencionados e outros relevantes, apontados no decorrer da pesquisa.
Portanto, acredito que o estudo realizado no que concerne a esse campo
do conhecimento possa ampliar a discussão, assim como a perspectiva em relação à
pertinência deste enfoque. Em suma, as controvérsias pertinentes às teses discutidas
consistiram no núcleo duro da tese, assim como a intenção de provocar discussões
para ampliar o conhecimento no que tange ao sistema filosófico quineano. Logo,
pretendi expandir com este estudo a retomada dos estudos em Quine, por sua
pertinência no mundo acadêmico. Assim, sabemos que a extensão do trabalho não
98
contempla todas as nuances do trabalho de Quine referente à linguagem, assim como
há sempre lacunas que não são preenchidas. Enfim, o conhecimento é inesgotável, e
esta investigação pretende constituir-se em mais uma ferramenta na pesquisa dos
meandros do universo quineano acerca da teoria da linguagem.
99
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