Mayra Andrade

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Mayra Andrade
Mayra Andrade
Mayra Andrade possui o mesmo encanto na voz quando canta e quando fala, sabendo que cada
pormenor é importante. Ouvi-la contar a sua própria história a sua stória
não é muito
diferente de ouvir um dos seus discos. A singularidade da voz e da postura de Mayra Andrade, nos
discos e nos palcos, vem afinal de longe, da família, dos tempos passados à beira do gira-discos e
do mundo. Vem de quando, ainda muito criança, se colocava em frente do espelho, à procura de um
reflexo, à procura, talvez, do seu próprio futuro.
A cantora lembra como a família foi importante nesses primeiros passos. Ricardo, seu primo e
padrinho, foi o seu primeiro parceiro musical. Ele percebeu muito cedo que ela gostava de música e
começou a fazer canções simples que falavam dela e dos seus primos, coisas infantis mas que a
memória guardou. Com quatro ou cinco anos, Mayra divertia a sua família cantando canções de
Caetano Veloso, dançando e fazendo improvisações teatrais.
Mayra passou os seus primeiros anos no bairro do Ténis, no Plateau. Morava a um minuto a pé da
Escola Pentagrama, a única escola de iniciação musical infantil da ilha. Nunca chegou a estar
formalmente inscrita mas era lá que passava boa parte do tempo e o professor Tó Tavares
costumava chamá-la para cantar e assim dar aos alunos de guitarra algo que acompanhar. A
participação nas aulas depressa levou a um primeiro convite para gravar, mas a sua mãe recusou.
Aos seis anos, Mayra foi com a mãe e o padrasto, na época embaixador de Cabo-Verde, instalar-se
no Senegal, depois em Angola e na Alemanha, onde Mayra estudou num colégio interno dos onze
aos quatorze anos.
Mais tarde, Mayra regressou a Cabo-Verde onde, aos quinze anos, cantou em público pela primeira
vez fora de um ambiente escolar. Foi no âmbito do lançamento de um disco chamado “Cap Vert
l’enfant (vol. I)” no Palácio da Cultura, na Praia - a sua cidade. Pediu aos organizadores do Centro
Cultural Francês, que a deixassem cantar duas músicas, pois a sua irmã ia partir para Lisboa poucos
dias depois e Mayra queria que ela a visse cantar. Ninguém a conhecia como cantora, mas
deixaram-na subir ao palco. Também não tinha músicos que a acompanhassem, mas graças ao Mito,
um primo pintor, foi apresentada ao guitarista Angelo Andrade e ao flautista Robert Pemberton, um
escocês que se mudou para Cabo Verde quando descobriu a música de Cesária Évora. «Último
Desejo», tema aprendido num disco de Maria Bethânia, e «Les Portes de Paris» do musical «Notre
Dame de Paris» foram as primeiras canções com que Mayra deslumbrou o público. Não por acaso,
duas canções que apontavam para dois destinos importantes no seu futuro Brasil e França.
No dia 15 de agosto de 2000, dia da Nossa Senhora da Graça, santa padroeira da Cidade da Praia,
Mayra Andrade deu o primeiro concerto a solo na Praça Alexandre Albuquerque acompanhada de
um grupo de músicos. Os convites para voltar a pisar palcos começaram logo aí.
É convidada para ir a Lisboa cantar no Coliseu do Recreios num concerto que marcou o encontro de
três gerações de musica cabo-verdiana. Pouco tempo depois é convidada para o festival de jazz “Les
Rendez-Vous de L’ Erdre” em Nantes. Foi a primeira vez que Mayra Andrade se apresentou em
França.
O encontro com o Orlando Pantera foi o evento crucial do seu desenvolvimento artístico: na altura
não sabia o queria fazer, mas sabia que queria fazer algo novo e o Pantera mostrou o caminho. Esse
foi um momento importante na história da cultura em Cabo-Verde, um momento que Mayra
descreve como «efervescente», com novas ideias e tradições a encontrarem formas de conviver
apenas 25 anos após a independência. Nasceu aí uma jovem geração musical e Mayra, com apenas
15 anos, já não era uma mera testemunha dos acontecimentos, mas uma participante activa que
nunca deixou de fazer as coisas à sua maneira. Como a morna que apesar da reticência dos
puritanos - sempre cantou com o seu próprio sentir e de forma livre.
Em 2001, Mayra e Pantera foram seleccionados para representar Cabo Verde nos Jogos da
Francofonia, no Canadá. Foi uma época de definição, mas também de muita tristeza, motivada pelo
desaparecimento inesperado de Pantera. Mayra regressou a casa com a medalha de ouro, e o
Parlamento da Francofonia decidiu então conceder-lhe uma bolsa para um aperfeiçoamento vocal
que a levou uma vez mais a estar longe de casa.
Aos 17 anos, Mayra descobriu Paris e começou a viver sozinha. Cruzou-se com músicos do mundo
inteiro, começou a subir aos palcos com regularidade e não tardou a chamar a atenção de editoras e
da imprensa que assim respondiam à ideia que circulava insistentemente no meio musical parisiense
havia uma nova e extraordinária voz na cidade. Para Mayra, no entanto, este foi um período de
intensa aprendizagem, com o universo da música a abrir-se perante os seus ouvidos. Em Cabo
Verde, Mayra tinha alargado horizontes e cantava de tudo, MPB e boleros, blues e chanson, além de
reportório tradicional, mas em Paris foi nos sons da sua terra que se concentrou. Foi com a
descoberta dessa voz própria que nasceu, finalmente, a ideia e a necessidade de gravar um disco.
Firmou-se contrato com a Sony e avançou-se para o primeiro álbum «Navega». Logo no título,
uma palavra que define uma vida de viagens reais, mas também estéticas, uma viagem pessoal que
marca a identidade artística de Mayra Andrade.
Navega foi gravado em Paris, ao longo de vinte dias e produzido por Jacques Ehrhart. Foi feito com
excelentes músicos, um reportório refinado por vários anos de palco e um espírito de palco. Este
álbum venderia mais de 80 000 mil cópias, chegando a Disco de Ouro. Mayra tinha também
começado a realizar colaborações importantes gravando ao lado de Charles Aznavour («Je Danse
Avec L’Amour»), Chico Buarque e Lenine («Amor, Cuidado!»). Mais recentemente, as suas
aventuras musicais levaram a colaborações com Youssou N’Dour, Mart’nalia, Carlinhos Brown,
Margareth de Menezes, Hugh Coltman, Angélique Kidjo, Yael Naim, Asa, Pedro Moutinho e muitos
outros.
Os aplausos para Navega não se manifestaram apenas nas páginas da imprensa internacional mas
também se traduziram em importantes prémios. Em 2007 recebeu uma distinção da associação dos
German Record Critics e no mesmo ano o Ministro da Cultura de Cabo-Verde atribuiu-lhe uma
Medalha de Mérito Cultural. Os prémios continuaram a chegar em 2008, com a BBC 3 a distinguir
a cantora no universo da World Music com o prémio da artista revelação do ano, e em Cuba recebe
um Cubadisco, reconhecimento importante do seu apelo universal. Nos últimos anos, Mayra tem-se
apresentado em palcos tão importantes como o Carnegie Hall, Le Casino de Paris, Royal Albert
Hall, Barbican Center, Coliseu dos Recreios de Lisboa e do Porto, Centro Cultural de Belém, La
Cigale, e é convidada regular dos festivais mais importantes como o Central Park Summer Stage,
Printemps de Bourges, Womad Festivals, Jazz Baltica, Expo Universal de Pekin, Festival de Jazz de
Montréal. São contextos muito diferentes, mas com aplausos unânimes.
Com Stória, stória... Mayra quis fazer um disco mais pensado e ter mais tempo para cantar.
Juntamente com Alê Siqueira e alguns grandes músicos e parceiros que já tinham participado no seu
primeiro disco (Quim Alves, Etienne Mbappé, Zé Luís Nascimento), Mayra esteve dois meses em
estúdio, essencialmente entre Paris e São Paulo, mais também no Rio de Janeiro, Salvador de Baía e
Havana, de onde Mayra voltou com a sensação de querer descobrir essa outra ilha na qual nasceu. A
German Record Critics Association voltou a atribuir o seu prémio a Mayra Andrade, distinguindo
desta vez Stória, stória..., o seu segundo disco. Em 2010 é distiguida pelo Presidente da Républica
de Cabo-Verde com a Medalha de 1ª Classe da Ordem do Vulcão.
Mayra Andrade, percebe-se agora, sempre perseguiu os seus sonhos e nunca deixou que a música
fosse um mero acidente na sua vida. Essa determinação é ainda o real motor da sua carreira. «Muita
coisa está por fazer ! A minha sorte é vir de um país pequeno, quase desconhecido e com
pouquíssimos recursos onde o principal produto de exportação é a música». Entre Cabo-Verde e o
mundo, é onde Mayra tem vindo a descobrir o seu lugar. A inventar o seu lugar. Um lugar que lhe
permite gravar com Jaques Morelenbaum, Roberto Fonseca, com o saxofonista Carlos Martins,
Mariana Aydar, Paulo Flores ou Idan Rachel. Cabo Verde, França, Brasil, Cuba o mundo de
Mayra Andrade é vasto e cheio de música.
No final de 2010 Mayra regressa com um novo disco, um registo íntimo de um concerto gravado ao
vivo nos studios da Radio France. O titulo, Studio 105, é tão simples e directo como a música que
este novo lançamento encerra. O trabalho em trio acústico - sob a direçao musical de Munir Hossn aborda com grande liberdade algumas cançoes ja conhecidas do seu repertorio e conta com a
participaçao especial de Vincent Ségal (violoncelo) e de Hugh Coltman (voz). O CD vem
acompanhado de um DVD que documenta esta aventura de despojamento e nos permite olhar para
Mayra com outra luz.
Mayra Andrade é uma artista que não se conforma com rótulos e que prefere definir o seu caminho
explorando vias menos transitadas. Mayra acredita que é preciso experimentar para se poder
crescer, que é necessário dar liberdade à criação para que a música nasça ela mesma livre e
permanentemente renovada. Mayra sabe muito bem o que quer e ainda melhor o que não quer.
Sempre soube. Mayra está já a escrever os próximos capítulos da sua storia.

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