SUBSTITUIÇÃO DO ALIMENTO VIVO PELO ALIMENTO
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SUBSTITUIÇÃO DO ALIMENTO VIVO PELO ALIMENTO
SUBSTITUIÇÃO DO ALIMENTO VIVO PELO ALIMENTO FORMULADO EM Hoplias lacerdae Ronald Kennedy Luz* e Maria Célia Portella * PUC Minas, Belo Horizonte, MG. E-mail: [email protected] Resumo Com o objetivo de realizar a substituição do alimento vivo pelo alimento formulado, juvenis de trairão Hoplias lacerdae de diferentes idades foram submetidos ao condicionamento alimentar com um período de sobreposição alimentar de quatro dias entre o alimento vivo e a dieta inerte. Os melhores crescimento e desempenho produtivo foram observados nos juvenis que iniciaram o condicionamento alimentar mais tardiamente, aos 22 dias de vida, quando comparado à substituição em idades mais precoces. Introdução O aumento da disponibilidade de juvenis de peixes carnívoros depende, entre outras coisas, do melhor conhecimento e eficiência da fase de transição alimentar, quando o alimento vivo é gradualmente subistituído pelo inerte. O trairão Hoplias lacerdae é uma espécie carnívora com potencial para a aqüicultura; porém, as larvas e juvenis não aceitam voluntariamente o alimento formulado (Luz & Portella, 2002). Assim, o objetivo do presente trabalho foi estudar a substituição alimentar para juvenis de trairão Hoplias lacerdae, de diferentes idades, utilizando-se a técnica do condicionamento alimentar gradual com um período de sobreposição dos dois tipos de alimentos (alimento vivo e alimento inerte). Material e Métodos O experimento foi realizado no CAUNESP/Jaboticabal, onde larvas de trairão com sete dias pós-eclosão (9,49 0,05 mm de comprimento e 7,69 0,42 mg de peso) foram distribuídas em 15 unidades experimentais, com volume útil de 10 L cada, aeração constante (OD > 6mg/L) e renovação contínua de água (vazão média de 200mL/min). Durante o experimento, o pH médio da água foi de 7,9 ± 0,3, enquanto a temperatura foi de 29,8 ± 0,4°C e 30,5 ± 0,3°C nos períodos da manhã e tarde, respectivamente. As larvas, estocados na densidade de 30 larvas/L, foram submetidas a três tratamentos com cinco repetições de cada, em um delineamento inteiramente casualizado (Figura 1). O alimento vivo foi fornecido diariamente nas quantidades de 900, 1.350 e 1.800 náuplios/larva do primeiro ao quinto dia, do sexto ao 10° dia e do 11° ao 15° dia de alimentação, respectivamente, dividido em duas refeições diárias, às 7:00 e 18:30 horas. Durante a fase de sobreposição alimentar, a quantidade de Artemia correspondente ao período de alimentação foi reduzida em quatro etapas e oferecida 30 minutos após a última refeição do dia com alimento inerte. Para o condicionamento alimentar, foram utilizados coração bovino (C) e uma ração comercial (R) contendo 43% de proteína bruta, para a elaboração de cinco diferentes dietas: Dieta 1 - 20% R + 80% C; Dieta 2 - 40% R + 60% C; Dieta 3 - 60% R + 40% C; Dieta 4 - 80% R + 20 C; e Dieta 5 - 100% R. As dietas 1, 2, 3 e 4 foram oferecidas por 3 dias cada, enquanto a dieta 5 por 4 dias, de acordo com Luz et al. (2002). As dietas 1, 2 e 3 foram fornecidas na quantidade diária de 100% da biomassa, enquanto que as dietas 4 e 5 na proporção de 30% da biomassa total, divididas em três refeições diárias (às 7h, 12h e 18h). Dias de vida 7 12 17 22 27 32 37 T12 T17 T22 Condicionamento alimentar Artemia crescente Artemia decrescente Ração seca Período endotrófico Figura 1. Tratamentos e manejos alimentares adotados na larvicultura de trairão. Amostras de larvas e juvenis foram coletadas durante o experimento para acompanhamento do crescimento e para análises histológicas do desenvolvimento do sistema digestório. A sobrevivência, mortalidade, canibalismo e animais com comportamento canibal (peixes de tamanho superior à média do lote) também foram avaliados. Os dados foram analisados pela ANOVA e posterior teste Tukey, ao nível de 5% de probabilidade. Os dados percentuais sofreram prévia transformação para arco-seno. Resultados e Discussão O crescimento em peso das larvas foi influenciado pela idade em que se realizou a substituição dos alimentos. Ao final do experimento, os maiores valores foram registrados no tratamento T22 (Fig. 2). Mesma tendência foi verificada para o comprimento total. Os valores médios da taxa de crescimento específico apresentaram redução no início do período de sobreposição alimentar, quando o número de náuplios foi reduzido. Porém, observou-se, posteriormente, que os animais se adaptaram à dieta inerte mantendo as taxas de crescimento. Resultados semelhantes foram registrados para esta mesma espécie quando larvas e juvenis de diferentes idades foram submetidas ao condicionamento alimentar sem período de sobreposição alimentar (Luz, 2004). A sobrevivência também foi influenciada pelos diferentes tratamentos, com valores semelhantes (P>0,05) para T17 e T22, sendo esses superiores ao do tratamento T12 (Fig. 3). No entanto, os valores de sobrevivência do presente trabalho foram inferiores aos registrados por Luz et al. (2002) e Luz (2004) após o condicionamento alimentar de juvenis de trairão. Estas diferenças podem ser atribuídas aos manejos alimentares adotados, idade, tamanho dos animais ou às diferentes densidades de estocagem utilizadas nos distintos trabalhos. O canibalismo foi semelhante entre os tratamentos (P>0,05); porém, verificou-se menor número de indivíduos com comportamento canibal (P<0,05) no tratamento T12 (Fig. 3). O canibalismo é um comportamento comum durante a fase de substituição de alimentos (Qin et al., 1997), podendo estar relacionado à heterogeneidade de tamanho dos animais (Luz et al., 2000). T12 T12 T22 200 180 160 140 120 100 80 60 T17 T22 60 50 40 % Peso (mg) T17 30 20 10 40 20 0 0 Sobrevivência 7 12 17 22 27 32 Canibalismo 37 Comportamento canibal Dias de vida Figura 2. Valores médios (±DP) de peso úmido Figura 3. Valores médios (±DP) da das larvas e juvenis de trairão submetidas aos sobrevivência, canibalismo e animais de diferentes tratamentos. comportamento canibal no diferentes tratamentos ao final de 37 dias de vida. Diferenças significativas (P<0,05) na mortalidade acumulada foram verificadas a partir do 22° dia, com os maiores valores no tratamento T12. A mortalidade neste tratamento manteve-se mais elevada até o final do experimento (Fig. 4). Decorridos 37 dias, observaramse valores médios de 42,0%; 16,2% e 15,2% de mortalidade acumulada nos tratamentos T12, T17 e T22, respectivamente. De acordo com Duray & Bagarinao (1984) a mortalidade durante a fase de início da alimentação com alimentos inertes é, provavelmente, devido ao estresse de adaptação às novas dietas. T12 T17 T22 60 M a % 50 40 30 20 10 0 12 17 22 27 32 37 Dias de vida Figura 4. Valores médios (±DP) da mortalidade acumulada (Ma) dos animais submetidos aos diferentes tratamentos, durante 37 dias de vida. Análises comparativas do desenvolvimento de estruturas do trato digestório das larvas e juvenis de trairão não indicaram diferenças que pudessem ser atribuídas aos diferentes tratamentos alimentares aplicados. O aparelho digestório das larvas de trairão apresentou rápido desenvolvimento. Com cinco dias de vida, ainda antes do início da alimentação exógena, foi observada presença de glândulas gástricas no estômago dos animais. No sétimo dia pós-eclosão, quando as larvas iniciaram a alimentação exógena, verificaram-se os primeiros corpúsculos gustativos, fígado bem desenvolvido e a presença das partes exócrina e endócrina do pâncreas. Estes resultados apontam o potencial da espécie para a utilização do alimento formulado, uma vez que a presença de glândulas gástricas sugere o início da digestão ácida (Galvão et al., 1997). No entanto, estudos prévios têm mostrado que larvas de trairão apresentam mortalidade total quando alimentadas diretamente com dietas formuladas ou quando submetidas ao condicionamento alimentar sem um período inicial de alimentação com organismos vivos (Luz & Portella, 2002; Luz, 2004). Desta forma, faz-se necessário a continuidade de pesquisas que visem o fornecimento do alimento formulado. Conclusão A substituição do alimento vivo pelo alimento formulado com um período de sobreposição alimentar de quatro dias, a partir 22 dias de vida, promove melhores taxas de sobrevivência e crescimento de juvenis de trairão. Agradecimentos Ao Centro de Aqüicultura da UNESP, à Estação de Hidrobiologia e Piscicultura de FURNAS, a CAPES e FAPEMIG. Referências DURAY, M.; BAGARINAO, T. Weaning of hatchery-bred milkfish from live food to artificial diets. Aquaculture, v.41, p.325-332, 1984. GALVÃO, M.S.N.; FENERICH-VERANI, N.; YAMANAKA, N.; OLIVEIRA, I.R. Histologia do sistema digestivo da tainha Mugil platanus Günther, 1880 (Osteichthyes, Mugilidae) durnte as fases larva e juvenil. Boletim do Instituto de Pesca, v.24, p.91-100, 1997. LUZ, R.K. Aspectos da larvicultura do trairão Hoplias lacerdae: manejo alimentar, densidade de estocagem e teste de exposição ao ar. 120p. 2004. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Jaboticabal. LUZ, R.K.; PORTELLA, M.C. 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