Baixar este arquivo PDF - Portal de Periódicos do Programa de Pós

Transcrição

Baixar este arquivo PDF - Portal de Periódicos do Programa de Pós
v. 1, n. 1 (2016)
IMIGRAÇÃO POMERANA NO ESPÍRITO SANTO*
Cione Marta Raasch Manske **
“Os lugares são histórias fragmentadas e isoladas em si, dos passados
roubados à legitimidade por outro, tempos empilhados que podem se
desdobrar mas que estão ali antes como histórias à espera e permanecem no
estado de quebra cabeças, enigmas, enfim simbolizações enquistadas na dor
ou no prazer do corpo” (A invenção do cotidiano, 1. Arte de Fazer, Michel de
Certeau, 1994).
Resumo
O presente trabalho busca aduzir a imigração pomerana no Espírito Santo em sua constituição inicial.
Mais especificamente, nos debruçamos no processo imigratório e nos primórdios da organização
pomerana no Espírito Santo, analisando as motivações, limites e imposições que permearam a
participação do poder público e a manutenção da tradição pomerana nesse período, não apenas nos
aspectos sincrônicos conjunturais, mas também nos aspectos diacrônicos. O resultado dessa dinâmica
revela uma organização particular dos pomeranos no Espírito Santo à medida que se distanciavam da
cultura local e mantinham a memória, a língua e a cultura pomerana preservadas, constituição que, aos
anos que se seguiram, e às imposições nacionalistas que os acompanharam, não os destituíram da tradição
pomerana, e sim, permitiram preservá-la numa harmonia com o que é nacional.
Palavras-chave: Imigração, Pomerano, Cultura, Espírito Santo
Abstract
This work seeks to adduce the pomeranian immigration in the Espírito Santo in its initial constitution.
More specifically, we concentrate on the immigration process and from early pomeranian organization in
the Espírito Santo, analyzing the motivations, limits and charges that permeated the participation of
government and maintaining the pomeranian tradition in this period, not only in term synchronic aspects,
but also in diachronic aspects. The result of this dynamic reveals a particular organization pomeranians in
the Espírito Santo as they distanced themselves from the local culture and kept the memory, language and
culture pomeranian preserved, constitution, that the years that followed, and the taxes that accompanied
the nationalist, not ousted from the pomeranian tradition, but allowed to preserve it in harmony with what
is national.
Key words: Immigration, Pomeranian, Culture, Espírito Santo
*
Este trabalho é parte constituinte da Dissertação de Mestrado Educação e Religião: Representação na
História e na Identidade Pomerana em Santa Maria de Jetibá, realizado sob orientação da Profª DrªTânia
Mara Zanotti Guerra Frizzera Delboni e apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
da Universidade Vila Velha-ES do Mestrado Associado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em
Ciências Sociais – PUC/SP.
**
Mestre em Ciências Sociais pelo Mestrado Associado (PUC-SP/UVV-ES). Professora da rede pública
estadual e pedagoga do município de Vila Velha-ES. E-mail: [email protected].
1
v. 1, n. 1 (2016)
Introdução
Os descendentes de pomeranos no Espírito Santo, em sua maioria, apresentam
um cotidiano incrustado em traços culturais que acompanham o grupo desde a
imigração, no séc. XIX, à contemporaneidade. Notoriamente, os indícios que apontam a
forte presença da tradição pomerana estão pautados, entre outros, na permanência da
língua pomerana, inexistente na região europeia originária, no simbolismo que envolve
rituais de nascimento, casamento e morte, e peculiaridades que permeiam a alimentação,
o trato com a saúde, a crença em magia, em benzeções, e na igreja luterana, considerada
por eles “a sua igreja”.
A constatação em questão, no entanto, não desvincula o dia a dia do descendente
de pomerano do sincronismo com o que é nacional. Por assim mencionar, no conjunto
das relações sociais embasados pelo nacionalismo, a língua portuguesa, num
bilinguismo com a língua pomerana, assume relevância por caracterizar e mediar a
nacionalidade e o modo de vida do grupo. Tal menção indica a simultaneidade de duas
perspectivas, a saber: por um lado, a cultura nacional, introduzida de forma sistêmica,
conduz a organização do grupo, e por outro a tradição pomerana permanece
referenciada na identidade dos descendentes de pomeranos.
Não é possível negar, no entanto, que entre os diversos grupos europeus
imigrantes contemporâneos aos pomeranos à constituição cultural dualista e simultânea
não se apresenta de forma tão emblemática e presente ao cotidiano como entre os
descendentes de pomeranos. Por conseguinte, se torna relevante compreender a
imigração e os anos iniciais de permanência pomerana no Espírito Santo no intuito de
estabelecer motivações na conjuntura primária desse processo que possibilitaram a
preservação da tradição pomerana de forma singular. Esse passado histórico original
implica na estruturação da existência social do grupo num contexto novo, centrado nos
limites e possibilidades que a imigração lhes impôs. Assim, a motivação da imigração, a
localização e organização das colônias pomeranas, entre outros enredos que possam
subsidiar esse apontamento, se apresentam primordiais na busca por aduzir as
2
v. 1, n. 1 (2016)
adaptações e manutenções que permitiram a produção dos meios necessários à
preservação da cultura no processo de inserção dos pomeranos ao contexto nacional.
1. Entre a Pomerânia e o Espírito Santo: motivações e imposições
A Pomerânia era uma região limítrofe entre a Europa e o Mar Báltico, com
diversos lagos e rios. O solo fértil em boa parte do território e a diversidade hídrica
propiciavam o desenvolvimento da agricultura e da atividade pesqueira. As
características locais e a possibilidade da conquista de uma saída para o Mar Báltico,
que representava uma ligação com os demais povos da região, fez com que esta área
fosse considerada estratégica, desencadeando inúmeras disputas e guerras pela posse da
terra. Esse contexto teve início entre os séc. X e XI com a guerra entre a Dinamarca e
Polônia pelo território da Pomerânia, devastando a região e desencadeando insegurança
a população. Rölke (1996:15) ressalta que durante o séc. XII a região ocidental da
Pomerânia continuou sendo alvo de 22 guerras contra dinamarqueses, pelo Mar Báltico,
e ao sul, contra poloneses. No séc. XIV, a peste negra atingiu o continente europeu, e a
Pomerânia também sofreu com esta epidemia, tendo 1/3 da população dizimada pela
doença. No final do séc. XVI, o território pomerano é novamente acometido por disputa
territorial, desta vez, entre suecos e poloneses. Mas somente em 1720 o território é
finalmente conquistado pela Prússia, que em 1817 transforma a região na Província
Prussiana da Pomerânia.
O séc. XIX foi acompanhado da desintegração do feudalismo, contexto que
destituiu grande parte da população pomerana dos meios de produção. Expulsos da terra
com o esfacelamento da vassalagem, e em consequência das inovações nas técnicas de
plantio e de adubação, se viram desocupados da atividade laboral. Desempregados, logo
a fome alcançou as famílias pomeranas, que sem perspectiva de mudança no seu país de
origem, se embrenharam na busca por alternativas a essa realidade que os assolava.
A instabilidade social na Pomerânia associado à opção pela imigração europeia
no Brasil impulsionou os pomeranos a imigrarem para esta nação, motivados pela
adoção da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, que instituiu o regime de posses das
terras no Brasil por meio de compra. A promulgação da Lei de Terras, de acordo com
Arruda (2007:180) não deve ser dissociada da aprovação da Lei Euzébio de Queiroz de
3
v. 1, n. 1 (2016)
1850, que proibia o tráfico de escravos, processo que impulsionou a diminuição
gradativa do número de escravos nos anos que seguiram. Rocha (2000:23-24) aponta
que a extinção do regime escravista, que já apresentava preocupações em 1840,
motivado por intensa pressão da Inglaterra, impulsionou a introdução do trabalho livre.
[...] Antecipando-se ao problema, liberais e conservadores do Império
passaram a discutir a melhor maneira de enfrentar uma situação, mais ou
menos previsível em longo prazo. Parte da “solução” foi incluída na própria
Lei de Terras, em seu artigo 18: “O governo fica autorizado a mandar vir
anualmente à custa do Tesouro certo número de colonos livres para serem
empregados, pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agrícolas, ou
nos trabalhos dirigidos pela Administração pública, ou na formação de
colônias nos lugares em que estas mais convierem; tomando antecipadamente
as medidas necessárias para que tais colonos achem emprego logo que
desembarcarem”. A lei estabelecia inclusive o mecanismo da dotação
orçamentária, para subsidiar a fixação dos colonos nacionais e estrangeiros:
as elevadas taxas de cartório e a venda de terras devolutas em hasta pública
serviriam para financiar as primeiras tentativas de fixação de homens livres
nas fazendas (Arruda, 2007:180).
Por assim mencionar, as necessidades de substituição da mão de obra escrava e
de ocupação de áreas devolutas justificaram a imigração no território nacional. Contudo,
além desses critérios, a escolha dos países a serem contemplados com a imigração
alcançou relevância no cenário nacional, fundamentação que impulsionou a opção por
algumas nacionalidades específicas. Entre esses, a Alemanha foi um país privilegiado,
quando, a partir de 1845, o Brasil retomou a política de imigração de predominância
alemã. Essa preferência se estabeleceu por ter a Corte um grupo representativo de
alemães, o que motivaria a indicação desse país como referência na imigração. Outro
ponto a ser considerado é o fato de terem no seu país de origem maioria religiosa
protestante. A presença de outra religião cristã no Brasil imporia a igreja católica, igreja
oficial do império, um desconforto, objetivo dos grupos que almejavam diminuir o
poder católico.
Por assim mencionar, as bases legais que justificariam a introdução de outra
religião que representasse limitações à Igreja Católica foram estabelecidas por meio da
Constituição de 1824, no art. 5º, “A religião Católica Romana continuará a ser a religião
do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou
particularmente, em casas para isso destinadas, sem forma alguma de templo.” A
permissão a outras religiões justificou por meio da lei a presença de imigrantes
protestantes no Brasil. Em relação à tolerância religiosa instituída, convém observar
4
v. 1, n. 1 (2016)
Montesquieu (1748-2002:479-480) e o “princípio fundamental das leis políticas em
relação à religião” que propõe quando o Estado está em condições de acolher uma nova
religião, ou de não a receber, não é preciso estabelecê-la, mas quando ela já está
estabelecida, é necessário tolerá-la.
Tamanho empenho na justificativa da seleção dos imigrantes pela questão
religiosa se justificava pelo fato da igreja católica ser a única instituição que controlava
os registros civis de nascimento, casamento e morte, registros necessários à seleção dos
indivíduos que pleiteavam participação nas eleições no país. Ser católico também era
critério para assumir cargos públicos. Os privilégios em questão indicavam um
envolvimento muito intenso da igreja católica na vida política brasileira, condição que
incomodava uma parcela da elite nacional que intencionava desapropriá-la desse poder
e restringi-la a função religiosa.
Diante do exposto, compreende-se que a constituição das colônias pomeranas,
composta em sua maioria por protestantes, localizadas em regiões montanhosas e no
meio das matas na província do Espírito Santo estava longe de ser simples acaso e sem
referência com o contexto nacional e local. Cabe referir que para os imigrantes
pomeranos, no entanto, apenas a motivação nacional não imporia tamanho entusiasmo,
a fim de abandonar a pátria em prol da aventura pelo desconhecido, talvez justificasse
alguns casos, mas não o quantitativo apresentado.
Gráfico de regiões de proveniência dos imigrantes oriundos da Alemanha.
Fonte: http://www.ape.es.gov.br/imigrantes/html/estatisticas.html. Acesso em 15/04/2014.
Os primeiros pomeranos se estabeleceram na Província do Espírito Santo no ano
de 1859. Soares (1997:26) referenda que as colônias alemãs da província do Espírito
5
v. 1, n. 1 (2016)
Santo no séc. XIX, como demais imigrantes da fase inicial, se localizaram em áreas
montanhosas, que variavam entre 300 e 1000 metros de altitude, sendo essas áreas
localizadas em regiões próximas a Vitória, mas afastadas das grandes fazendas de café,
localizadas mais ao sul. Segundo o autor, mesmo com a proximidade de Vitória, as
colônias eram numa região central e fria, de difícil acesso, e em alguns casos, a chegada
era somente por trilhas na mata, e apresentavam um sistema de construção de casas
isoladas uma das outras. Dentre essas colônias destacam-se, segundo Seyferth
(2000:280-282), as colônias agrícolas de Alto Rio Novo e de Santa Leopoldina
fundadas pelos imigrantes de origem pomerana. A autora aponta ainda que os
pomeranos, após este período, imigraram internamente, criando novas colônias, como
as de Jequitibá, Campinho e Santa Cruz, encerrando o processo migratório ainda no
Império.
O isolamento da comunidade pomerana, proporcionado pela localização e pela
dificuldade de comunicação, características do modelo de povoamento, desenvolveu nos
pomeranos uma resistência à apropriação da nova cultura e contribuiu com os meios
necessários a uma frágil sobrevivência baseada na vida comunitária, submetida a
manutenção de suas próprias necessidades, com pouca, ou quase nenhuma, intervenção
do Estado. Pacheco (1994:24-25) acrescenta que o acesso às colônias era estabelecido
por tropas, porém, no caso da colônia de Santa Leopoldina, devido à peculiaridade
proporcionada pelo Rio Santa Maria, a viagem de Vitória à região, durava cerca de 9
horas e era realizada por transporte fluvial, em geral, por canoas.
As dificuldades estabelecidas à comunicação se instituíam através da falta de
estrutura viária. Mesmo que a primeira estrada do Espírito Santo para o trânsito de
veículos, a estrada Bernardino Monteiro 080, inaugurada em 1919, tenha sido
estabelecida a partir de Santa Leopoldina, foi direcionada à região de Santa Teresa,
colônia constituída, em sua maioria, por italianos. Já em direção à região colonizada por
pomeranos, estabelecida próxima às duas regiões ligadas pela nova estrada, o acesso
continuava sendo por trilhas ou estradas precárias, onde se trafegava a pé, a cavalo,
carros de boi ou tropas responsáveis pelo transporte de mercadorias.
A limitação imposta pela disposição da via propiciou o surgimento do tropeiro,
figura de destaque nas relações comerciais na colônia pomerana. O tropeiro, na maioria
das vezes, era um pomerano ou alguém que falava o pomerano, característica
6
v. 1, n. 1 (2016)
facilitadora de aquisição de confiança dos colonos. O agricultor necessitava confiar na
pessoa que entregava a mercadoria e recebia em troca o dinheiro ou outra mercadoria
inexistente na colônia, mas essencial à sua subsistência e de sua família. Entre as duas
opções, o dinheiro e a mercadoria, o pomerano optava quase exclusivamente pela
segunda, uma vez que a circulação de dinheiro neste período era bastante limitada.
O comércio entre tropeiros e colonos além de ter sido propiciado pela carência
de estradas, se estabeleceu também pela indisponibilidade de tempo estabelecida pelas
longas diárias de idas e vindas dos entrepostos. O produtor não podia dispor de tempo
para se embrenhar na árdua tarefa de transportar suas mercadorias, pois necessitava
estar presente na lavoura para a produção de alimentos. Por este motivo entregava as
mercadorias aos tropeiros que chegando aos centros de comércio local negociavam com
os comerciantes o valor do que transportavam.
A instituição da conexão entre os colonos da localidade de Santa Maria de Jetibá
e a cidade de Santa Leopoldina, propiciados pelos tropeiros, como apontam Franco &
Hees (2003), merece destaque. Santa Leopoldina no início do séc. XX, se tornou uma
localidade de referência tanto nas transações comerciais europeias, como nas atividades
tropeiras. Em muitos trechos, no caminho entre Santa Leopoldina e Santa Maria de
Jetibá, o que existiam eram trilhas “entre a montanha e vales profundos” o que
propiciava aos tropeiros a morte de muitos animais “que despencaram pelo precipício”
(ibidem:39).
Outra figura de destaque nas relações comerciais dos pomeranos era o
comerciante, o “atravessador” de mercadorias, responsável por instituir o elo econômico
entre os imigrantes e o mercado local. Este novo personagem impôs uma dependência
econômica aos pomeranos, pois representava o feedback da economia local com a
economia estadual e internacional, porém, atribuindo o seu valor econômico nas
transações. Mas, essa relação só foi possível em função do comerciante ter outras
características que permitissem a aceitação e o reconhecimento dos colonos: ser
proprietário de terras e em alguns casos bilíngue.
O tropeiro e o comerciante vão agir na comunidade pomerana não apenas como
atores sociais ligados à economia, mas também como delimitadores da atuação
geográfica dos colonos, uma vez que não era necessário sair de sua propriedade para
adquirir o que necessitava. Esse contexto propiciou ainda mais o isolamento do
7
v. 1, n. 1 (2016)
pomerano na comunidade, fator determinante para a desconsideração das características
nacionais.
Além dos traços mencionados, Buarque de Hollanda (1985:225) atribui a
restrição, e o impedimento, instituído por lei federal em 1907, do estabelecimento de
colonos brasileiros nas colônias imigrantes oficiais do governo federal, à motivação da
“segregação oficial e geográfica, aliás temporária, dos colonos e seus descendentes do
ambiente dominante”. O autor faz esse apontamento referente a colonos alemães do Sul
do país e do Rio de Janeiro. No entanto, essa lei atingiu as colônias pomeranas do
Espírito Santo, porém, o que diverge das colônias citadas é o fato da segregação nestas
localidades ser um referencial passageiro, contexto que não acompanhou a comunidade
pomerana.
2. O apego a cultura pomerana
Recém localizadas, as colônias pomeranas do Espírito Santo se constituíam no
intuito de preservação não apenas dos traços tradicionais da cultura que os
acompanhava desde a Pomerânia, mas se organizavam a fim de manter preservada a
vida. Desbravadores das matas do Espírito Santo, os pomeranos adequavam-se ao
clima, as doenças tropicais, as condições impostas pelo isolamento das casas no meio da
floresta, aos contatos limitados a tropeiros, pastores luteranos que vinham da Alemanha,
como relataremos adiante, e a outros poucos que se embrenhavam na difícil tarefa de
acompanhar esse grupo de imigrantes.
A dificuldade referenciada por ocasião da localização do grupo e por restrições
impostas pelo prematuro contato com o que era nacional justifica uma comunicação
restrita a língua pomerana, relação que impunha distanciamento da língua nacional, a
língua portuguesa, desconhecida dos imigrantes pomeranos. Pode-se acrescentar que tal
constituição linguística permeou um longo período após a imigração e possibilitou a
manutenção da língua pomerana até o período atual.
Por assim mencionar, compreende-se que a língua representou fator
preponderante de resistência à aculturação, justificado pela comunicação restrita a
língua pomerana no cotidiano familiar e local, essa característica reforçava a
manutenção da identidade de sua etnia. Nesse sentido salienta Weber (2000).
8
v. 1, n. 1 (2016)
[...] A comunhão étnica (no sentido que damos) não constitui, em si mesma,
uma comunidade, mas apenas um elemento que facilita relações
comunitárias. Fomenta relações comunitárias de natureza mais diversa, mas
sobretudo, conforme ensina a experiência, as políticas. Por outro lado é a
comunidade política que costuma despertar, em primeiro lugar, por toda
parte, mesmo quando apresenta estruturas muito artificiais, a crença na
comunhão étnica, sobrevivendo esta à decadência daquela, a não ser que
diferenças drásticas de costumes e de hábitos ou, particularmente, de idioma
o impeçam (ibidem:270).
No que se refere à língua, Rölke (1996) demonstra que a partir do ano de 1400,
falava-se na Pomerânia o “Pommersch-Platt”, língua originada do baixo alemão,
considerada oficial no desenvolvimento do comércio e da cultura, absorvida por toda a
população. Originada na Baixa Saxônia, era uma língua falada nas regiões banhadas
pelo Mar Báltico e Mar do Norte. Já o alemão, tem sua origem no alemão alto, língua
falada nas regiões da Turíngea e Saxônia (ibidem:16). Na imigração para o Espírito
Santo, a língua pomerana constituiu menção de destaque no que tange a dificuldade
expressa nas relações entre estes e os brasileiros, uma vez que o uso cotidiano da língua
pomerana reforçava a tradição social e étnica e limitava o contato com os citadinos.
Quanto à preservação da cultura pomerana do período inicial da existência
pomerana na província do Espírito Santo, Ernst Wagemann (1915-1949), atribui a
ausência do Estado como fator preponderante do estilo de vida pomerana, explicitando
inclusive, limitação literária oficial sobre os imigrantes, afirmando que a literatura
existente sobre esse grupo, que constituiu sua principal fonte, foram os livros
eclesiásticos. Para o autor, o pomerano, nas matas do Espírito Santo, se apresentava
numa imagem robusta e como “uma sentinela avançada não do domínio político da
Alemanha, mas da índole alemã e da cultura alemã!” (ibidem:102).
A luz destas constatações, vale destacar a referência dada por Weber (2000) a
organização da comunidade imigrante presente na América.
Quase toda forma comum ou contrária do hábito ou dos costumes pode
motivar a crença subjetiva de que existe, entre os grupos que se atraem ou se
repelem, uma afinidade ou heterogeneidade de origem. Sem dúvida, nem
toda crença na afinidade de origem baseia-se na igualdade dos costumes e do
hábito. Mas, apesar de grandes divergências neste campo, semelhante crença
pode existir e desenvolver uma força criadora de comunidade, quando
apoiada na lembrança de uma migração real: de uma colonização ou
emigração individual. De fato, os efeitos da adaptação ao habitual e as
recordações da juventude continuam atuando nos emigrantes, como fonte do
“sentimento de apego à terra natal”, mesmo quando estes se adaptaram tão
completamente ao novo ambiente que um retorno ao país de origem lhes seria
insuportável (como ocorre, por exemplo, com a maioria dos alemães na
América) (ibidem:269-270).
9
v. 1, n. 1 (2016)
O apego às tradições da terra natal adquiriu relevância junto aos colonos
pomeranos da província do Espírito Santo uma vez que essa característica se instituiu
como forma de atração e afinidade para a constituição do grupo. Os indivíduos tinham
na localidade o reconhecimento identitário, o que propiciava a união em torno das
características culturais constituídas por meio da língua pomerana e de pertences
trazidos na imigração, sendo estes, vestígios materiais que não adquiriam o valor
simbólico apresentado se não permeasse o imaginário pomerano.
As lembranças do cotidiano na Pomerânia entre os colonos referenda ações
grupais e individuais no contexto das relações. Bosi (2003:54) apresenta que as
recordações na infância se fixam melhor do que no adulto, justificando que “a
comunidade familiar ou grupal exerce uma função de apoio como testemunha e
intérprete daquelas experiências” e que as lembranças são construídas socialmente pelo
grupo onde o indivíduo se inseri, podendo apresentar opção por escolher ou rejeitar a
lembrança.
Esse apontamento é referendado por Ortiz (1994) ao explicitar que a memória
coletiva permeia a vivência e o ritual, não possuindo existência concreta, mas sim,
virtual e particularizada. Pelo fato da realidade do mundo social ser plural e a memória
coletiva derivar essencialmente do estabelecimento no grupo representado por ela, esta,
por sua vez, fragmenta-se na diversidade de grupos que trazem consigo memórias
diferenciadas (ibidem: 135-138).
Bosi (2003:56) afirma que a memória configura um mapa afetivo da experiência
do indivíduo e da comunidade interferindo de forma organizadora nos caminhos abertos
pelos recordadores. Nesse sentido, compreende-se que a constituição da memória do
pomerano, atrelada à língua e a cultura adquirida na Pomerânia, acaba por ser
intensificada na província do Espírito Santo, uma vez que, distantes dos centros urbanos
e dos demais povoamentos, as lembranças passam a atuar como agentes reforçadores da
ligação do grupo.
Ao mesmo tempo, apenas as lembranças e a permanência de traços culturais
pomeranos não garantiriam a continuidade da vida do imigrante pomerano no novo
cenário estabelecido no Espírito Santo. Os desafios impostos ao grupo iam além do que
lhes garantiam o simbolismo pomerano, era necessário um processo de conhecimento e
absorção da cultura local a fim de garantir meios de sobrevivência à nova realidade
10
v. 1, n. 1 (2016)
imposta pela imigração. A essa menção acrescenta-se a primazia do acolhimento e do
reconhecimento do pomerano como parte integrante do conjunto nacional. Contudo, os
preceitos de inserção não se constituíam predisposição condizente com o contexto
imigratório. A imigração objetivava ocupação de áreas devolutas e substituição de mão
de obra na lavoura, como já mencionado, e não havia uma política em atendimento a
integração do novo partícipe, o imigrante pomerano, à nação, o que indicava que os
anos iniciais seriam determinantes para a estruturação de um processo de isolamento do
grupo, contexto que motivaria de forma incisiva a presença e permanência da tradição
pomerana entre os imigrantes.
3. A ausência do referencial nacional
A incessante lembrança da vida na Pomerânia era o que amenizava as
adversidades encontradas pelos imigrantes na nova terra. A localização das colônias, a
língua e a cultura limitavam o contato com os brasileiros e os mantinham distantes.
Mas, o que não deve ser desassociado dessa questão são os desdobramentos que a falta
de apreço e despreocupação do Estado desempenharam na constituição desse grupo no
Espírito Santo. Realidade observada na ausência de serviços públicos que pudessem
vincular os pomeranos à sociedade brasileira. Wagemann (1915-1949) explicita que não
existia referência de serviços básicos como os de saúde pública entre os pomeranos.
Nas colônias alemãs, não se encontram médicos nem parteiras. Nas cidades,
em Pôrto do Cachoeiro e Vitória, não faltam médicos brasileiros; não viajam
para as zonas rurais e só fazem exceção a essa regra mediante honorários que,
nos casos mais simples, importam a 300 a 500 mil réis, e não é possível
cobrar quantias menores, pois uma visita custa um ou mais dias de jornada.
Essas importâncias, para o colono, são exorbitantes; além disso, seria muito
provável que o médico chegasse tarde demais (ibidem:84).
Assim sendo, o próprio grupo teve que resolver todas as questões de saúde que
se instalavam entre os pomeranos. Dentre várias doenças que acometiam os colonos e
provocava óbitos, como disenteria e malária, merece destaque a verminose, doença
presente em vários relatos desde a instalação da comunidade, e apontada em 1960,
como uma enfermidade considerada quase universal entre os colonos e que provocava
resistência ao tratamento da mesma. No entanto, a falta de instrução médica, era adotada
pelo grupo a medicina alternativa baseada na utilização de ervas. Pacheco (1994) afirma
11
v. 1, n. 1 (2016)
a adoção destas plantas como, na maioria das vezes, a única forma de tratamento,
possibilitou a manutenção da vida dos pomeranos.
Os colonos adotaram os mesmo remédios da medicina de folk brasileira e um
especialista, Antonio Klein, indicou as seguintes plantas medicinais:
agoniada para incômodos de senhora, seiva de abóbora, dada para purificar o
sangue, cipó suma para tumores, capim pé de galinha para febres, cipó folha
neve para aliviar dores, casca de catinga de bode para feridas, casca de cedro
para feridas, boca de aranha para disenteria, aracá, para disenteria, goiaba,
para disenteria, cidreira para cólicas e dores intestinais, laranja da terra para
gripe, dorme-dorme para regras de senhoras, perpétua idem, abacate ou
quebra pedra para os rins, alecrim cheiroso para o coração, pariparoba para
banhar feridas e tumores, sabugueiro para febres, maracujá para dor de
dentes, fedegoso para febres, limão branco para febre sezão, cipó cura tombo
para machucados, camará para tosses e bronquites e cabelo de milho para os
rins, medicina que foi, com ligeiras variantes, confirmada por um “raizeiro”
nacional, senhor Domingos Bandeira (ibidem:60).
A inexistência de uma referência nacional em atividades relevantes como a
saúde e educação, impôs limites ao grupo, contudo, contribuiu de forma significativa
para a manutenção da língua, dos costumes, da religião, e demais representações
baseadas na cultura e nos hábitos comuns dos imigrantes. Herkenhoff (1989:16)
justifica o fato em virtude da Constituição Monárquica de 1824 não se preocupar com
as questões educacionais, estabelecendo que a educação cabia à família e à Igreja.
Montesquieu (1999:109-110) afirma que na monarquia não é nas escolas onde se recebe
a principal educação, mas sim quando nascemos e conhecemos a honra, “mestra
universal que nos há de conduzir por toda parte.”
Além das questões apontadas, é importante referir que a educação escolar na
província do Espírito Santo era oferecida de forma a não atender a contento a
necessidade educacional dos provincianos. Em 1861, as escolas de primeiras letras eram
em números de 48 em toda a província, sendo que em 16 destas não havia professores
habilitados. A manutenção das escolas e a proposta de melhoria da remuneração e da
habilitação dos professores foram às justificativas apresentadas por José Fernandes da
Costa Pereira Júnior, presidente da província, no relatório apresentado a Assembleia
Legislativa em 23 de maio de 18611 para reduzir o número de escolas.
A provincia do Espírito Santo não pode certamente com seus minguados
rendimentos acompanhar outras que mais opulentas dispoem dos meios
1
Relatório do presidente da província do Estado do Espírito Santo, José Fernandes da Costa Pereira na
Junior, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 23 de maio de 1861 – projeto biblioteca
digital - http://www.ape.es.gov.br/index2.htm. Acesso em 15/04/2014.
12
v. 1, n. 1 (2016)
necessarios para a manutenção de instituições dispendiosas, porque exigem
hum funccionalismo numeroso e bem remunerado. O que porem ella pode e
deve, é promover ainda mesmo com algum sacrificio, a acquisição de
professores cujas qualidades moraes e intellectuaes e cuja illustração sejam
huma garantia de bom dezempenho do cargo sem necessidade de continua e
dispendiosa inspecção. Para isso, o unico meio consentaneo com as finanças
de que dispõe, fôra diminuir o n.º das escholas, reduzindo-as aos povoados
onde sejão frequentadas por grande numero de alunnos e aumentar aos
professores gratificação a par de outras vantagens (ibidem:41).
A proposta de redução das escolas era uma realidade que relegava a província a
ampliação do desagrado do analfabetismo, realidade que atingia todas as localidades da
região. Os pomeranos, não isentos, sem escolas e professores que pudessem introduzir
no grupo a cultura brasileira e a língua portuguesa por meio das características
educacionais, tiveram que adequar as atividades da localidade à isenção do Estado em
relação à educação escolar e demais atividades, como a saúde, consideradas
determinantes para a sobrevivência do grupo.
Essa adequação repercutiu num processo interno de recalcamento à cultura
nacional, justificado pelo fato do governo não apenas ignorar a assistência educacional e
a saúde, mas também manter preservado o isolamento dos pomeranos em relação aos
desígnios e controle do Estado. O presidente da Província, José Fernandes da Costa
Pereira Júnior, em seu relatório de 1861, destaca a atitude da administração em relação a
colônia de Santa Leopoldina, explicitando que desde a fundação da colônia, num curto
prazo de 4 anos, 6 administradores assumiram o cargo e não aprofundaram
conhecimento sobre a colônia, além de destacar que a localização nas regiões
montanhosas exigia a necessidade de abertura de caminhos para transporte de
mercadorias e trânsito de pessoas. Sem estradas a comunicação e demais atividades que
permitiriam maior contato da comunidade com os brasileiros eram bem limitadas.
A expectativa pomerana sobre a educação somente se desfez, como Tressmann
(1998) assinala, a partir da chegada dos primeiros pastores alemães, responsáveis por
introduzirem na localidade a língua alemã por meio da religião e da educação escolar. O
autor destaca que além do alemão, nas escolas se aprendia a leitura e a escrita baseada
no ensino religioso, o catecismo e passagens da bíblia.
Na localidade de Jequitibá, o primeiro pastor alemão foi Johannes Schäfer, que
chegou em 1879 e empreendeu os primeiros cultos na escola particular mantida pelo
grupo, pois, somente em 28 de setembro de 1882, a primeira igreja da região foi
inaugurada. Neste contexto, outras localidades da província também foram recebendo
13
v. 1, n. 1 (2016)
seus representantes religiosos, que estabeleceram relevante participação na vida dos
colonos.
A chegada dos pastores luteranos entre os pomeranos impôs aos imigrantes a
necessidade de aprender o alemão, uma vez que os religiosos falavam apenas a língua
alemã. No entanto, aprender a língua alemã não foi desígnio de todos os pomeranos, o
que se apresentou como um mecanismo dificultador das relações entre estes e os
pastores luteranos vindos da Alemanha.
O que a religiosidade impulsionou, muitas vezes, foi a compreensão recíproca
das línguas pomerana e alemã, pois o aprendizado da língua alemã não atingia a todos
os pomeranos da comunidade. No entanto, a igreja protestante se tornou um fator de
conservação da língua alemã no momento em que a bíblia, cancioneiros e demais
produções escritas utilizadas nos cultos religiosos, bem como o material didático
utilizados nas escolas particulares comunitárias mantidas pelos religiosos, eram em
alemão.
A assistência educacional aos colonos por parte da igreja surgiu, segundo
Seyferth (2000:291) dos próprios colonos, em especial no caso dos evangélicos
luteranos, por meio da assistência religiosa comunitária, através da criação de escolas
particulares para os imigrantes. Em relação ao processo escolar dos imigrantes, as
iniciativas religiosas evangélicas, conforme Kreutz (2003), se justificavam por um forte
simbolismo em prol de uma identidade cultural numa estrutura coesa. As estruturas
educacionais nas localidades eram controladas pelas igrejas, que assumiam a educação
escolar como apoio fundamental aos núcleos imigrantes rurais. Essa relação propiciou
um misto de religioso e educação impulsionado pelas igrejas nestas colônias. Assim
também se seguia às penas ao não cumprimento da escolarização dos filhos, da
manutenção dos professores e das escolas, sendo estas sanções religiosas (ibidem:357358).
A religião ao atribuir penalidades ao não cumprimento das ações educacionais,
impôs a esse contexto uma organização de vigilância por parte dos pastores luteranos
entre os pomeranos. Foucault (2005) apresenta que essa referência se constituiu a partir
da estruturação das instituições sociais a partir do séc. XIX.
[...] Já nas instituições que se formam no século XIX não é de forma alguma
na qualidade de membro de um grupo que o indivíduo é vigiado; ao
contrário, é justamente por ser um indivíduo que ele se encontra colocado em
14
v. 1, n. 1 (2016)
uma instituição, sendo esta uma instituição que vai constituir o grupo, a
coletividade será vigiada. É enquanto indivíduo que se entra na escola, é
enquanto indivíduo que se entra no hospital, ou que se entra na prisão. A
prisão, o hospital, a escola, a oficina não são formas de vigilância do próprio
grupo. É a estrutura de vigilância que, chamamos para si os indivíduos,
tornando-os
individualmente,
integrando-os,
vai
constituí-los
secundariamente enquanto grupo [...]. (ibidem:113)
Além da concepção de controle social, a religião se apresenta como condutora
do processo educacional entre os pomeranos. Soares (1997:91) faz menção ao atributo
dos pastores evangélicos à melhoria da educação entre os alemães, uma vez, que sob sua
coordenação, várias escolas particulares foram construídas, com fornecimento do
material pelos pomeranos, e também, sob sua influência houve um aumento na
frequência dos alunos nas escolas de dois dias semanais para quatro dias, sendo o quinto
dia facultado ao aluno participação, uma vez que o valor anual pago, entre 20 e 50 mil
réis, era uma quantia possível a grande parte das famílias.
Relegados as relações comunitárias e sem intervenção do Estado, os pastores
alemães assumiram atividades consideradas relevantes para a manutenção do pomerano.
Wagemann (1915-1949:89-91) justifica que essa realidade instituiu a criação de um
“poder autocrático” por parte desses pastores enviados da Alemanha, pois junto ao
grupo, além da função religiosa, prestavam o atendimento médico, educacional, e
exerciam a função administrativa, uma espécie de prefeito. Essa influência dos
religiosos, motivada ao auxílio às colônias, era justificada por serem os únicos entre os
imigrantes a possuir instrução superior.
A influência religiosa no grupo vai muito além das questões que tratam da
organização do grupo, uma vez que as vilas e cidades se formaram em torno das
edificações religiosas, o que evidencia que os pastores protestantes representavam aos
colonos, além da ligação espiritual e educacional, a sociabilidade entre os pomeranos.
Esses laços prendem os pomeranos aos pastores e se tornam uma forma de superar
isolamento. Essa primazia, observada na imigração, na constituição das colônias e nos
primeiras décadas dos pomeranos no Espírito Santo, marcou o isolamento e a ausência
do Estado desse período. Entretanto, a assistência religiosa, educacional e social
instituída pela igreja luterana permitiu o auxílio necessário a preservação da tradição e
da vida entre os pomeranos.
Na Colônia de Santa Leopoldina em 1861, os luteranos já somavam 696, os
católicos eram 320 de um total de 1016 colonos. Este contexto foi possível, segundo
15
v. 1, n. 1 (2016)
Wagemann (1915-1949: 102) devido à indiferença do Estado, no tocante a educação,
fato que propiciou aos colonos a manutenção de seu dialeto e de sua religião. Impediu o
aparecimento de uma consciência nacional e possibilitou a preservação da identidade
pomerana na família, na igreja e nas escolas, estabelecendo “um firme reduto de
alemanidade” no Espírito Santo.
Contudo, o advento da República trouxe à educação e a religião no Brasil
características diversas da referida na Monarquia, realidade que justificaria alteração na
estrutura organizacional da vida dos colonos pomeranos. Entretanto, alguns fatores de
ordem política, econômica e social contribuíram de forma decisiva para a manutenção
dessas estruturas entre os pomeranos do Espírito Santo.
As mudanças previstas para a educação apresentadas por Herkenhoff (1989:17),
são justificadas pela determinação estabelecida na Constituição republicana de 1891 do
ensino ministrado nos estabelecimentos públicos fosse leigo, e que as esferas estaduais
teriam a responsabilidade de estabelecer a legislação referente o ensino secundário e
primário, e também criar e manter as escolas primárias. Entretanto essa determinação
isentou, segundo Cury et alii (1996:6), a União da responsabilidade sobre o ensino
primário, impulsionada por um Estado federativo e não interventor, e relegou-o a não
conseguir reinscrever o princípio da gratuidade, tal como apresentava a Constituição
Imperial.
O fato da Constituição de 1891 estabelecer que a responsabilidade da educação
escolar do ensino primário e secundário seriam dos estados e dos municípios, isentando
o governo federal dessa obrigação, impulsionou um processo de degradação da estrutura
educacional local, uma vez que os responsáveis por este investimento não dispunham de
recursos suficientes para este fim. A ausência de financiamento repercutia na construção
e na manutenção dos prédios, e também na contratação de professores. A precariedade
do fomento educacional por parte da administração estatal motivou a permanência da
educação particular.
No Espírito Santo esta realidade se fez presente entre os pomeranos com a
continuidade da educação escolar particular, baseada na organização de instituições
mantidas por igrejas luteranas com base linguística o alemão, preservando assim, suas
características iniciais. Cabe referir que a permanência dessa educação só foi possível
mediante motivação da igreja, uma vez que essa instituição religiosa assumiu a função
16
v. 1, n. 1 (2016)
de idealizadora e dinamizadora do projeto educacional nos núcleos imigrantes
pomeranos.
No romance Canaã, José Pereira de Graça Aranha (1902) retrata a vida dos
imigrantes em uma colônia alemã no Espírito Santo. Em uma das passagens, na
apresentação do cotidiano no Porto de Cachoeiro, sede da colônia de Cachoeiro de
Santa Leopoldina, são referenciados dois importantes aspectos da vida em Cachoeiro, a
presença da religião protestante e a restrição de professores brasileiros entre os
imigrantes, limitando a um único representante.
Só um, porque a língua que se ensina por essas matas é o alemão, e os
professores são alemães, exceto o da cidade... Padres também não temos,
nem igreja, como devem ter reparado. Também não há necessidade, porque
raros são aqui os católicos, e para os protestantes há três pastores nas capelas
de Luxemburgo, Jequitibá e Altona... Os católicos do município são o povo
de Queimado, do Mangaraí e outros pontos, onde está hoje a gente antiga da
terra. (ibidem:18)
Cabe notar, no entanto, que a não intervenção do Estado na educação e na
cultura pomerana se desfez de forma lenta e por meio de mudanças nas estruturas
nacionais a partir da primeira década do séc. XX, inaugurando uma organização
complexa que constituiu as bases dos países capitalistas. Surge, a partir desse
pressuposto, um Estado com características nacionalistas. Em prol deste, emana uma
padronização das organizações internas no atendimento das características sociais e
culturais nacionais consideradas requisito para o pertencimento a nação. Pertencer à
nação não se limitaria a territorialidade, sua condicionante seria a “aceitação”
incondicional dos padrões culturais do Estado nação. O aparelho do Estado se voltava
para as ações de controle de fidelidade da identidade nacional por meio de estruturas
legais que subjugavam às ações coletivas. Nesse sentido, Kreutz (2003) aponta que o
nacionalismo foi se estruturando a partir do imaginário coletivo.
[...] Estabeleceu-se gradativamente um espaço hierarquizado em que se
definia o que seria entendido como verdadeiramente nacional. Buscava-se o
pretenso coletivo, operava-se uma universalização no conceito de povo e de
nação em detrimento das especificidades e diferenciações culturais. O
nacionalismo desencadeava um movimento de afirmação de uma unidade
simbólica, necessária pela modernização econômica. [...] (ibidem:351).
No intuito de atender essa demanda os Estados adotaram as medidas necessárias
para que as pessoas, no interior da soberania territorial fossem controladas por meio de
seu poder de classificar, segregar, definir, determinar leis e dialetos a partir de um
17
v. 1, n. 1 (2016)
modelo de vida local. Bauman (2005:27-28) acrescenta que a qualquer identificação de
outras identidades que apresentasse suspeita de colidir com a prioridade de lealdade
nacional, os Estados assumiam posição de corte suprema e determinavam sanções a
estas. A identidade nacional fabricada nos moldes de cada nação determinou a
convivência de várias estruturas culturais sob a mão de ferro do Estado. A severidade do
nacionalismo impôs a identidade nacional e as fronteiras sociais entre a identidade da
nação e as outras identidades consideradas inferiores (ibidem:28).
Por outro lado, Sennett (2009:165) justifica que o espaço local de um território é
um lugar para a política, e que a comunidade representa as relações sociais e pessoais.
Um local se transforma em comunidade quando as pessoas compreendem e utilizam a
palavra nós, o que exige um elo, considerado não local. Assim, uma nação somente
constitui uma comunidade quando as crenças e valores são partilhados cotidianamente
de forma concreta. Dentro deste quadro, Ortiz (1994:138-139) afirma que o Estado, por
meio de uma relação política, é responsável por integrar os elementos concretos da
realidade social, estruturando a construção da identidade nacional, integrando o popular
ao nacional.
O efeito da imposição nacionalista acompanhou os pomeranos a partir desse
período, mas a estruturação que se estabeleceu do movimento migratório às primeiras
décadas de sua existência nas colônias do Espírito Santo apresenta-se pautada na
manutenção do repertório cultural e na identidade, condição que ecoa ao longo dos anos
adequando-se às mudanças do Estado Brasileiro, realidade determinante para a
preservação da cultura desse grupo.
Conclusão
Sob influência do tempo, a história permitiu uma complexa constituição étnica
no Brasil. Essa abrangência assinala não somente aproximações ou distinções, mas
institui uma complementaridade, que por aperfeiçoamento ou intensidade, por vezes,
torna a indicação étnica de determinado indivíduo ou grupo imperceptível, o que institui
ao contexto relevância. Vale lembrar, no entanto, que em alguns grupos étnicos, essa
complementaridade não destituiu, mas manteve os traços culturais de forma muito
18
v. 1, n. 1 (2016)
peculiar, o que indica que a herança cultural se sobressai de forma a instituir-se
referência a esses grupos.
Por assim mencionar, na ampla representação da diversidade étnica no Espírito
Santo, e no que se refere à preservação da tradição como alusão ao grupo, os
descendentes de pomerano são referência, relação que, por originalidade remete
importância à constituição da estruturação desse grupo como um todo, observando as
permanências, as destituições e as adequações às culturas pomerana e nacional nessa
organização.
Essa herança peculiar estabelecida entre os pomeranos do Espírito Santo e entre
outros grupos étnicos no Brasil instituem a possibilidade de uma ampla e diversificada
compreensão desses grupos, num contexto que envolve a educação, a legislação, o
simbolismo, a crença e demais ações cotidianas que indicam a preservação da tradição
envolto ao nacionalismo local, contexto que remete às particularidades desses grupos
relevância na compreensão da constituição da diversidade cultural nacional.
Referências Bibliográficas
ARRUDA, Pedro Fassoni. O imperialismo e a dominação burguesa na primeira
república brasileira (1889-1930). 326 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo – PUC, São Paulo, 2007.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução de Carlos
Alberto Medeiros, Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2003.
BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (de 25 de março de 1824).
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao24.htm. Acesso em
23/04/2014.
BUARQUE DE HOLLANDA, Sérgio. História Geral da civilização brasileira: o
Brasil Monárquico 3: reações e transações. V. 2. Difusão Europeia do Livro, 1985.
CURY, Carlos Roberto Jamil et alii. A relação Educação-Sociedade-Estado pela
mediação Jurídico-Constitucional. In: FÁVERO, Osmar (org.). A educação nas
constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas. São Paulo: Autores Associados, 1996.
19
v. 1, n. 1 (2016)
FRANCO, Sebastião Pimentel & HEES, Regina Rodrigues. A República no Espírito
Santo. Vitória: Multiplicidade, 2003.
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Editora Nau.
2005.
GRAÇA ARANHA, José Pereira de. Canaã. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações.
1902.
HERKENHOFF, João Batista. Dilemas da Educação: dos apelos populares à
Constituição. São Paulo: Cortez: Autores Associados. 1989.
KREUTZ, Lúcio. A educação de imigrantes no Brasil. In: LOPES, Eliane Marta
Teixeira, FARIA FILHO, Luciano Mendes de, VEIGA, Cynthia Greive (orgs.). 500
anos de educação no Brasil. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Título original: De l’Esprit des Lois, ou du
rapport que les lois doivent avoir avec la constituin de chaque gouvernement, les
moeurs, le climat, la religion, le commerce, etc. Tradução de Jean Melville. São Paulo:
Editora Martin Claret. 1 ed. 1748. 2002.
__________. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos
poderes, presidencialismo versus parlamentarismo / Montesquieu; introdução, tradução
e notas de Pedro Vieira Mota. – 6 ed. – São Paulo: Saraiva, 1999.
ORTIZ, Renato, 1947. Cultura brasileira e identidade nacional. 5 ed. – São Paulo:
Brasiliense, 1994.
PACHECO, Renato. Estudos Espírito-Santenses. ed. Instituto Histórico e Geográfico do
Espírito Santo, 1994.
ROCHA, Gilda. Imigração estrangeira no Espírito Santo: 1847-1896. Vitória: [s.n],
2000.
RÖLKE, Helmar Reinhard. Descobrindo raízes. Aspectos geográficos, históricos e
culturais da Pomerânia. Vitória: UFES. Secretaria de Produção e Difusão Cultural,
1996.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: as consequências pessoais. Tradução de
Marcos Santarrita. – 14. ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.
20
v. 1, n. 1 (2016)
SEYFERTH, Giralda. A colonização alemã no Brasil: etnicidade e conflito. In BORIS,
Fausto (org.), Fazer a América. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2000.
SOARES, Renato. Spini nei Fiori: a “nacionalização” das escolas dos imigrantes no
Espírito Santo, na Era Vargas. Vitória: Darwin, 1997.
TRESSMANN, Ismael. Bilingüismo no Brasil: O caso da Comunidade Pomerana de
Laranja
da
Terra.
Em:
http://www.farese.edu.br/pages/artigos/pdf/ismael/O%20caso%20da%20Com.%20pom
er.%20de%20LT.%201998.pdf. Acesso em 12/03/2014.
WAGEMANN, Ernst. A colonização alemã no Espírito Santo. Tradução de Reginaldo
Sant’ana Rio de Janeiro: Serviços Gráficos do IBGE, 1949.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva.
Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; ver. Téc. de Gabriel Cohn, 3. ed.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.
Acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo
Relatório do presidente da província do Estado do Espírito Santo, José Fernandes da
Costa Pereira Junior, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial no dia 23 de
maio de 1861 – projeto biblioteca digital - http://www.ape.es.gov.br/index2.htm. Acesso
em 15/04/2014.
21

Documentos relacionados

Completo - x enpec

Completo - x enpec pomerana de uma escola pública situada em uma área rural do município de Santa Maria de Jetibá, Estado do Espírito Santo, Brasil. Segundo Bahia (2005), este município apresenta uma concentração de ...

Leia mais

I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da

I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da de seu descendente ao que era nacional foi acompanhada de resistência por meio da continuidade, de forma intrínseca, dos traços culturais. Outro ponto a destacar desse processo é a relevância que a...

Leia mais