Monografia Final Marcio Fontao - Práticas Projetuais

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Monografia Final Marcio Fontao - Práticas Projetuais
UNIVERSIDADE PRESBITERINA MACKENZIE
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO
DEZEMBRO 2013
ALUNO: MÁRCIO BARBOSA FONTÃO
ORIENTADORA: PROFa DRa ANA GABRIELA GODINHO LIMA
“… we’re here to nudge forward the frontiers of Science”
Jorn Utzon
1
2.....................................................................................................................................JORN UTZON
2.1....................................................................ANTECEDÊNCIAS, INFLUÊNCIAS E CARREIRA
2.2.................................................................................................................OUTRAS OBRAS
3....................................................................................................................SYDNEY OPERA HOUSE
3.1...........................................................................................................................HISTÓRIA
3.2.........................................................................................................................O EDIFÍCIO
4...............................................................................................................O PROCESSO DE PROJETO
5......................................................................................CENTRO DE MÚSICA E ARTES ARAÇATUBA
6...................................................................................................................................BIBLIOGRAFIA
SUMÁRIO
1....................................................................................................................................INTRODUÇÃO
agradecimentos
que acompanharam todo o meu processo, atentos e
sensíveis para ajudar a qualquer momento.
Esta pesquisa aqui apresentada faz parte do trabalho final de
graduação que desenvolvo durante o ano de 2013 para a
obtenção do título de Arquiteto e Urbanista pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
Mas antes de começar a falar sobre o trabalho, gostaria de
agradecer a colaboração de todos aqueles que contribuíram
para que esse texto pudesse ser escrito. De forma direta ou
Não posso esquecer dos amigos que foram próximos e
colegas
que
estiveram
por
perto
acompanhando,
colaborando e contribuindo de forma relevante para minha
formação.
E claro, gostaria de agradecer a professora Dra Ana
Gabriela Godinho Lima que me acompanhou nos útlimos
anos da graduação e me apresentou grande parte do
conhecimento que eu carrego comigo agora.
indireta, todos vocês estiveram presentes.
Por fim, agradeço ao Deus que tem me amado e ensinado a
Resumidamente, agradeço aos meus pais que tornaram
amar.
possível essa realidade e foram como alicerces para as
colunas que construí ao longo desse período dentro da
faculdade. Obrigado por serem atentos e dedicados!
São Paulo, Dezembro de 2013
Agredeço também à minha irmã que graciosamente não
cumpriu somente o papel que o sangue lhe outorgou, mas
se fez também uma grande amiga.
Márcio Barbosa Fontão
Gostaria de registrar, a minha imensa gratidão aos familiares
3
_________________________________________________
* Croqui de Jorn Utzon e Sydney Opera House – fonte: Tese de Doutorado, Alberto Peñin, 2006.
1. introdução
2002; FRAMPTON, 1995). Algumas obras variam entre
nenhuma e pouca abstração formal livre enquanto outras,
O século XX foi marcado por inúmeras transformações na
aproximam-se de padronização de elementos e até pré-
arquitetura mundial. Palco da passagem do academicismo
fabricação como por exemplo, sua própria casa e seus
para o movimento moderno, esse período revelou muitos
conjuntos habitacionais que assemelham-se muito às
arquitetos e edifícios que se tornaram referência. Esse é o
obras da primeira geração do movimento moderno. Josep
caso de Jorn Utzon, arquiteto dinamarquês que foi um dos
Maria Montaner argumenta que Utzon é um reflexo tanto da
mais importantes e influentes do século XX. Sigfried
melhor tradição da arquitetura moderna dinamarquesa
Giedion aponta Utzon como o “representante máximo da
quanto de inumeráveis influências internacionais. Esta
terceira geração dos arquitetos modernos, sendo a Ópera
estranha mistura, sabiamente dosificada e modelada para
de Sydney a obra paradigmática desta geração” (2004). Na
cada contexto, outorga um especial valor à obra de Utzon:
mesma linha, Alberto Peñin afirma que o Ópera de Sydney
“uma obra marcada pela vontade de concilicar fatores
é “o edifício mais emblemático da terceira geração do
contrapostos na arquitetura” (2001).
Movimento Moderno”(2006). Mas antes mesmo das
críticas serem escritas, o projeto de 1956 havia se tornado
símbolo nacional australiano, desafiando as técnicas
construtivas da época, e com sua forma expressiva,
colocou Sydney sob os olhos do mundo.
Mas apesar de toda a obra do arquiteto, é no Ópera de
Sydney que Utzon dá a sua maior contribuição à
arquitetura.
Alguns
autores
escrevem
que
uma
característica formal da arquitetura moderna da terceira
geração é a idéia das “esculturas sobre a plataforma”, e é
Segundo alguns historiades de arquitetura, a obra de Utzon
nesse conceito que Utzon é um dos pioneiros. O Sydney
concilia os preceitos universais da modernidade com a
Opera House, pode ser considerado um dos melhores
tradição vernácula e histórica (FORES, 2008; GIEDION,
exemplo desse arquétipo.
5
Talvez o SOH* seja a obra mais reconhecida de Utzon,
entretanto, um olhar sobre suas outras obras, desde os anos
cinqüenta e mesmo já nos anos setenta, revelará sempre
qualidades comparáveis à sua obra prima. Todo esse conjunto
de obras rendeu-lhe inúmeros prêmios em todo mundo,
inclusive o Pritzker Prize em 2003, o prêmio mais importante da
arquitetura mundial. Michael Sorkin em What can you say about
the Pritzker? (2005) aponta que ao lado de Louis Kahn, Utzon é
o quarto arquiteto mais citado como influência nos discursos
de recebimento do prêmio entre 1979 e 2005, ficando atrás
apenas de Le Corbusier, Mies Van der Rohe e Frank Loyd
e internacionais.
Utilizando as palavras-chave: “Jorn Utzon”, “Sydney Opera
House” e “Ópera de Sydney” no site da biblioteca virtual da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie e da USP
os seguintes resultados foram obtidos: 4.609 respostas para as
palavras-chave “Sydney Ópera House” ou “Ópera da Sydney” e
190 respostas para “Jorn Utzon” somando às duas bibliotecas.
Em ambas as bibliotecas, a busca não trouxe nenhum resultado
em português, sendo os artigos e livros encontrados escritos
em inglês, alemão, francês e poucos em espanhol.
Wrhigt. Essa constatação pode ser uma evidência da relevância
Uma nova busca realizada do Portal de Periódicos da Capes
do arquiteto e de sua produção para a história da arquitetura.
com a palavra-chave “Jorn Utzon” chegou a 250 resultados em
A despeito de todo o reconhecimento de seu talento, Jorn
Utzon ainda é um arquiteto pouco discutido em pesquisas
nacionais. Com exceção de sua obra mais aclamada, pouco se
sabe sobre as contribuições desse arquiteto para a arquitetura.
Como
confirmação
de
um
certo
“desinteresse”
dos
pesquisadores nacionais pelo tema, uma pesquisa foi realizada
em bancos de dados nacionais
_________________________________________________
* SOH – Sydney Opera House.
diversos idiomas e apenas 1 resultado em português. Escrita
por Ana Luisa Jardim Martins Rodrigues para a Universidade do
Minho, Portugal, esta tese encontrada não é uma pesquisa
dedicada ao estudo da vida e obra de Utzon e apenas cita o
arquiteto ao descrever sobre “A habitabilidade do espaço
doméstico : o cliente, o arquitecto, o habitante e a casa”. Com a
palavra-chave “Sydney Opera House” 8.125 resultados foram
encontrados e nenhum em português.
O Banco de Teses da Capes não encontrou nenhuma
Richard Weston e “Jorn Utzon, obras e proyectos” de
dissertação ou tese com as mesmas palavras-chave e a
Jaime Ferrer Fores, traçam um panorama da vida e
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações levou a
projetos realizados pelo arquiteto. “Studies in tectonic
1 resultado relativo ao assunto mas que dedicava-se
culture” de Kenneth Frampton, “Espaço, tempo e
exclusivamente ao estudo de tecnologias digitais no
arquitetura: o desenvolvimento de uma nova tradição” de
desenvolvimento de projeto de arquitetura.
Sigfried Giedion e “Depois do movimento moderno: a
A pesquisa realizada no JStor com as mesmas palavraschave indicou 30 resultados para o nome do arquiteto e
3.930 para o nome da obra. Dos 30 primeiros artigos
pesquisados, os 4 mais significativos são textos que
analisam o arquiteto dentro de um conjunto de outros
arquitetura da segunda metade do século XX” e “A
modernidade superada: arquitetura, arte e modernidade do
século XX” de Josep Maria Montaner também são bastante
úteis pois traçam paralelos entre o autor e suas obras com
a história da arquitetura.
arquitetos. Já os 3.930 artigos, são publicações das áreas
Uma das mais relevantes publicações encontradas foi um
de música, teatro, cultura e turismo e dos 500 primeiros
documento oficial do Governo da Austrália chamado
textos conferidos, nenhuma tratava integralmente do Ópera
“Nomination by the Government of Australia of the Sydney
de Sydney, tampouco do arquiteto.*
Opera House for Inscription on the World Heritage List
Numa busca de bibliografia dentro das teses e artigos
encontrados, foi possível verificar que alguns títulos eram
frequentemente citados como referência. Livros como:
“The Masterpiece. Jorn Utzon: A Secret Life”, de Philip
Drew e “Utzon: inspiration, vision, architecture”, de
_________________________________________________
* Todas as pesquisas em bancos de dados foram realizadas em
Janeiro de 2013
2006.” Este documento reúne grande parte da bibliografia
sobre o arquiteto e obra em inglês, possibilitando uma
pesquisa mais direcionada. Entretanto, se por um lado há
algumas publicações sobre Utzon em linguas estrangeiras,
no Brasil, há uma lacuna no campo de pesquisas da
história da arquitetura que não considera o estudo da obra
7
de um dos mais influentes arquitetos do século XX. Mesmo
cado em livros, teses, dissertações, artigos e matérias relativo à
havendo publicações, artigos, teses e dissertações que
vida e obra de Jorn Utzon, que possam contribuir para a
abordem o arquiteto e sua obra sob um aspecto ou outro, não
interpretalção das ações projetuais do arquiteto. Entende-se
há publicações em português dedicadas integralmente ao
aqui que é de extrema relevância o estudo de uma trajetória que
arquiteto ou a sua obra.
marcou o movimento moderno e deixou heranças para as
Mas a tarefa de investigar a biografia do arquiteto sempre foi
futuras gerações.
um grande desafio para pesquisadores. Contra a tendência dos
O objetivo de estudar o processo de projeto do arquiteto
star-architects Utzon se mostrou sempre reservado, buscando
dinamarquês Jorn Utzon, leva em consideração a complexidade
um anonimato em meio ao mundo da super exposição.
de se estudar um “método” de projeto. A priori, gostaria de
Segundo
vários
deixar claro que as leituras prévias da bibliografia, e a
historiadores de arquitetura, como Tobias Faber e Kenneth
participação em reuniões do Núcleo de Pesquisa Percursos e
Frampton não conseguiram entrevistas com Utzon e também
Projetos: Arquitetura e Design, já me instruíram a questionar um
tiveram seus pedidos recusados (1999). Além de alimentar
suposto método eficaz em Arquitetura. Entretanto, identificar
mitos sobre suas obras, esse fato contribuiu para a escassez
determinadas posturas projetuais, pode contribuir com as
de publicações substanciais sobre ele, com exceção à
pesquisas sobre processos de projetos, e este, talvez, seja meu
ocasionais matérias ou capítulos publicados em revistas e
principal objetivo.
Philip
Drew,
durante
muitos
anos,
livros.
Como metodologia, esta pesquisa emprega o método qualitativo
Motivado por essa realidade, a pesquisa aqui apresentada tem
de estudo de caso, uma vez que a abordagem aqui terá um
como intuito, o estudo do processo de projeto do SOH através
caráter mais interpretativo. Os resultados aqui, permanecem em
de uma busca, tradução e organizanização do material publi-
aberto, assim como frequentemente acontece em um método
de
de projeto em Arquitetura. Uma particularidade deste
trabalho está no fato de que essa criação escrita possui
semelhanças com o percurso criativo arquitetônico.
científica baseada em práticas.
O
conhecimento
pragmático
enfatiza
a
natureza
experimental de certas formas de experiências, e é esse
Assim, me apoiarei no trabalho de Richard Foqué em seu
tipo de conhecimento que estamos lidando em processos
livro “Building Knowledge in Architecture” (2010). Nesta
de projeto, onde utilizamos predominantemente métodos
publicação Foqué discute sobre a construção do
não-textuais de expressão, como: croquis, desenhos,
conhecimento comum em arquitetura, reconhecendo a
modelagem, fotografia. Foqué afirma ainda que dados
posição desta como disciplina oscilante entre a arte e a
obtidos por meio do estudo de casos exemplares podem
ciência, o que torna conflitante a construção de um
ser aceitos como fatos por meio do consenso, e contribuir
conhecimento científico.
para a construção de um corpo de conhecimento.
Entretanto, Foqué aponta que os estudos de caso são
usados extensivamente como ferramentas de ensino nas
escolas de Direito, Medicina e Administração de Empresas,
entre outras, e propõe que a formação em arquitetura
também deve incluir maior aprofundamento de estudos de
caso. O autor defende “uso de estudos de caso como
combustível da construção do conhecimento comum entre
arquitetos” (2010). Assim, os estudos de caso podem
fornecer resultados a partir de uma experiência
" Ao compartilhar os resultados de estudos de caso, a própria profissão
aceita ou refuta esse conhecimento, assim como o que acontece com os
resultados de um experimento científico. Mas, em uma experiência
científica, os fatos são comprovados verdade de forma objetiva e repetitiva,
assim, o conhecimento comprovado baseado em caso é um dado subjetivo
a ser aceito como fato e com isso, contribuir para a construção da teoria e
da construção de um corpo de conhecimento " (Foqué, 2010)
9
2. jorn utzon
“I stood looking at clouds over a low coastline, and I had a look
at Kronborg Castle at Helsingor, and at Gothic churches. There
you have forms against a horizontal line like the sea or the
clouds without a single vertical line, northing constituting weight,
and with forms that are different from all angles”
Sheakspeare em Hamlet.
2.1 antecedências, influências e carreira.
Dana Cuff afirma que a prática projetual, como prática
cultural, carrega as marcas de identidade da pessoa que a
executa (1991). Estudar uma obra sem estudar o arquiteto
e suas relações sociais e culturais pode evidenciar fatos
incorretos ou apenas meias verdades. Para isso, usarei
como bibliografia desse capítulo, grande parte do livro de
Philip Drew: Masterpiece, Jorn Utzon: a secret life, 1999.
Mas antes, gostaria de situar Utzon no cenário dos
arquitetos do século XX seguindo os critérios adotados por
reconhecidos historiadores de arquitetura, como Josep
Maria Montaner, Sigfried Giedion e Kenneth Frampton. Para
estes, Utzon faz parte da terceira geração de arquitetos
modernos.
Sabemos de uma primeira geração dos protagonistas do
movimento que nasceu entre 1880 e 1895 e começou a
desenvolver seu trablaho a partir de 1910. Podemos citar:
Walter Gropius (1883-1969), Mies Van der Rohe (18861969) e Le Corbusier (1887-1965). Na segunda geração,
temos arquitetos que nasceram entre 1895 e 1905 e
tiveram seus trabalhos desenvolvidos por volta dos anos
trinta. Alguns deles são: Oscar Niemeyer (1907-2012),
Alvar Aalto (1898-1976) e Philip Johnson (1906-20XX). Por
último, temos a terceira geração que é formada pelos
arquitetos nascidos entre 1905 e 1925 que começaram
suas carreiras a partir de 1945-1950. Podemos citar:
Alfonso Eduardo Reidy (1909-1964), Eero Saarinen (19101961) e claro Jorn Utzon (1918-2008).
A tabela ao lado mostra com mais clareza o contexto
profissional em que Utzon estava inserido.
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Tabela com as fases do movimento moderno e seus arquitetos. Baseado na classificação de Josep Maria Montaner.
11
Filho de Estrid Utzon e Aage Utzon, Jorn Oberg Utzon
nasceu em Copenhague em 1918, Dinamarca. Sua infância
se desenvolveu entre os estaleiros de Aalborg e
Helsingor, nos quais seu pai, engenheiro naval, foi diretor.
Essa experiência aproximou Utzon do desenho de iates e
velas que futuramente influenciaria sua obra-prima. Mas
não foram só os barcos que influenciaram o desenho de
Utzon. A semelhança entre Bennelong Point (Austrália) e a
Península de Helsingor, ocupada pelo Kronborg Castle, na
qual Utzon por muitas vezes navegou, pode ter sido a
primeira assimilação de Utzon para o projeto do SOH.
Durante a infância de Utzon, dois eventos foram relevantes
para a decisão em tornar-se arquiteto. O primeiro, no verão
de 1930, quando tinha 12 anos, aconteceu quando Aage
Utzon levou sua família para ver a Exposição de Estocolmo
desenhada pelo arquiteto sueco Gunnar Asplund. O evento
impactou toda a Escandinávia em sua intenção de
modernizar a economia sueca, substituindo os antigos
métodos artesanais de produção pelas modernas práticas
industriais. A exposição procurou afirmar o advento da
nova cultura do industrialismo e Aage Utzon foi
_________________________________________________
Península de Helsingor - fonte: Michael Moy, 2007
Aage Utzon – fonte: Peñin, 2006.
o cliente mais fascinado.
Após um ensino elementar mediocre – com dificuldades
em Matemática e parcialmente prejudicado por sua
“Meus pais voltaram para casa tomados pelas novas ideias e
dislexia, Utzon completou seu útlimo ano do ensino médio
pensamentos. Eles logo começaram a reformar a nossa casa.
em 1937 na Aalborg Katedralskole com uma pontuação
O conceito era de espaço e luz. Todos os móveis pesados e a
total de 6.16, e mesmo depois da descoberta da arte,
investiu em uma tentativa frustrada de ingressar na escola
decoração com o mobiliário vitoriano foram movidos para fora
naval. Até então, a possibilidade de se tornar um arquiteto
e as coisas simples trazidas para dentro, e nós desenvolvemos
não tinha sido considerada por Utzon pois devido ao seu
novos hábitos alimentares mais saudáveis.” (Jorn Utzon em
Drew, 1999)
histórico familiar, a engenharia naval parecia uma escolha
óbvia para ele. Ainda enquanto estudante, Utzon
regularmente visitava seu pai no estaleiro Havn Landsret
para examinar os modelos mais recentes de iates. Aage, o
O segundo evento, em sua adolescência, foi a descoberta
do universo arte. Em meados de 1930, Utzon conheceu
dois artistas de Alsgarde. Atrás do cais, perto da casa de
sua avó viveu o artista dinamarquês Poul Schroeder (1894-
incentivou a seguir sua carreira de engenheiro naval e por
várias vezes, seus resultados no exame de admissão não
foram suficientes para colocá-lo em uma escola
politécnica.
1957). Schroeder, ensinou Utzon a desenhar de maneira
diferente daquela que seu pai o tinha ensinado. Ao invés de
Mas foi em Copenhague que Utzon decidiu ser arquiteto.
linhas precisas, o artista mostrou a Utzon como desenhar
“Aos 18 anos, Utzon estava incerto sobre sua carreira”
usando lápis macio e carvão, “expressando livremente sua
escreve Drew, “mas seu tio Askel Einar Utzon-Frank lhe
resposta para o mundo ao seu redor” (Drew, 1999).
deu um conselho” (1999).
13
Einar Utzon-Frank, tio de Utzon, era um renomado e
Segundo Giedion, durante o período da graduação, Utzon sofreu
respeitado escultor, professor de escultura da Academia Real
grande influência de Steen Eiler Rasmussen, um excelente
Dinamarquesa de Belas Artes, em Copenhague. Einar
historiador, planejador urbano e professor que procurou desde o
recomendou que Utzon estudasse arquitetura, pois acreditava
início ampliar o conhecimento do jovem aluno. Kay Fisker
que a carreira de arquiteto era mais segura do que a carreira
também foi professor de Utzon e convidou-o para trabalhar com
de escultor, e a partir de então, mesmo com a permanente
ele em alguns projetos. A maior contribuição de Fisker foi ter
ideia de se tornar um engenheiro naval, Jorn Utzon passou a
ensinado Utzon a trabalhar com grandes escalas e ter
considerar a proposta.
apresentado ao jovem estudante o famoso arquiteto finlandês
Entre 100 candidatos concorrentes à vaga, Utzon foi um dos
Alvar Aalto.
25 admitidos para o curso, mais especificamente, foi o
Em 1942 Utzon casou-se com Lis Fenger, uma artista
vigésimo-quinto aprovado. Em 1937, com apenas 19 anos
dinamarquesa, e juntos tiveram três filhos: Jan (nascido em
Utzon matriculou-se em arquietura na Royal Academy of Art
1944), Lin (nascida em 1946) e Kim (nascido em 1957).
de Copenhague. Drew afirma que o exame final da escola
Segundo o documento de inscrição do Ópera de Sydney para a
regular que tinha impedido Utzon de se matricular em
World Heritage List, um dos primeiros trabalhos de Utzon foi
engenharia naval não foi importante na avaliação da escola
com Gunnar Asplund em 1945 na cidade de Estocolmo, Suécia,
de arquitetura. Lá, seus professores estavam mais
e essa experiência o levou a desenvolver as tendências dos
interessados em sua habulidade com desenhos a mão livre
mestres. Entre 1942–1945 Utzon também foi arquiteto assistente
do que sua pontuação em matemática. Aos poucos, os
do seu professor Paul Hedquist. Mais tarde, colaborou com
planos de se tornar um engenheiro naval foi abandonado e a
Tobias Faber em concursos de arquitetura e recebeu uma
carreira de arquiteto lhe parecia uma boa escolha (1999).
menção honrosa para o projeto de Ny Ålborghal, que incluia uma
sala de concerto e teatros.
Em 1945, pouco tempo depois de sua formação, Utzon
horizontais como elemento constituinte da expressão
recebeu a Minor Gold Medal of the Royal Academy of Fine
arquitetônica. Impressionado com a arquitetura maia e
Arts, Copenhague, em um concurso anual para arquitetos
asteca, essa experiência foi muito relevante e faz parte das
com menos de 35 anos de idade. O prêmio foi pelo projeto
referências que futuramente influenciariam seu processo
de uma Escola de Música. Em 1946 o recém-formado
de projeto, especialmente, para o Ópera de Sydney.
arquiteto trabalhou rapidamente com o finlandês Alvar Aalto
em Helsinki, antes de retornar a Copenhague. Utzon
participou de inúmeros concursos na Dinamarca e Suécia,
ganhando menções honrosas. Em 1947, Utzon passou a
colaborar com o arquiteto Norueguês Arne Korsmo em
concursos. Em 1948, Utzon encontrou-se com Le
Corbusier e Fernand Léger e no mesmo ano, esteve no
Marrocos. Segundo Giedion, nesta viagem o que mais
interessou o arquiteto foi a “unidade entre cidade e
paisagem proporcionada pelo mesmo material – a terra”
(2002).
Em 1949, ganhou um bolsa de estudos e foi aos EUA e
depois ao México. Nesse período, além de estabelecer
contato com Mies Van der Rohe, conheceu o arquiteto
Frank Lloyd Wright no Taliesin. Mas foi no México, como
aponta Giedion (2002), que Utzon reconheceu os planos
_________________________________________________
Uxmal Palace, México – fonte: Annie e Georges, 2013.
Sydney Opera House – fonte: Guilherme Fonseca, 2013.
15
No artigo “Plataformas e Platôs”, publicado na revista
jou à China, Nepal, Índia e Japão. Giedion aponta que
Zodiac em 1959, Utzon diz:
durante a visita a Pequim, Utzon conheceu o professor
“O platô é um elemento arquitetônico fascinante. Apaixoneime por ele no México numa viagem de estudos em 1949,
quando encontrei muitas variações tanto em dimensões
quanto em concepções de platôs... Uma força extraordinária
emana deles”. (Giedion, 2004)
Em 1950 Utzon passou a trabalhar em seu próprio
escritório e estabeleceu parcerias com Erik and Henry
Andersson. Entre 1953 e 1960 foi premiado com a primeira
colocação em diversos concursos escandinavos, a maior
parte para projetos residenciais. Um desses prêmios foi a
Eckensberg Medal for Architecture (1957) para o projeto da
Kingohousing desenvolvidas na Dinamarca. Também em
Liang, que havia redigido as normas de construção
chinesas antigas, desde antes de 800 d. C., e as traduzido
para o chinês moderno. Essas normas:
“descreviam com grande detalhe os sistemas construtivos préfabricados desenvolvidos não como atualmente, somente em
termos de escala, mas em todas as combinações possíveis e
com grande cuidado com relação a seu conteúdo
simbólico.”(Giedion, 2004)
Ainda no mesmo artigo “Plataformas e Platôs”, Utzon
descreve sobre suas impressões da arquitetura japonesa:
“o piso numa casa japonesa tradicional é uma plataforma
1957, foi anunciado como vencedor do concurso para o
delicada, tipo ponte. A plataforma japonesa é como o tampo de
SOH e passou a trabalhar a fundo em seu projeto.
uma mesa, e não se caminha sobre o tampo de uma mesa. É
Foi em 1957, no mesmo ano em que venceu o concurso
uma peça de mobília.” (Giedion, 2004)
que lhe daria reconhecimento internacional, que Utzon via-
Mais uma vez, assim como sua experiência no México,
bléia Nacional do Kuwait e trabalhou nesse projeto até
Utzon destaca a plataforma como elemento compositivo da
1979.
arquitetura.
Em 1982 Utzon criou o Utzon Associates com seus filhos e
Utzon desenvolveu o projeto do Sydney Opera House ainda
em 1998, foi convidado pelo governo de New South Wales
na Dinamarca até 1963, fazendo visitas anuais a Sydney.
para o desenho de equipamentos do interior do Sydney
Até que em 1963, o arquiteto fechou seu escritório na
Opera House. Em 2003 Foi criado o Utzon Center na
Dinamarca e mudou-se com sua família para Sydney. Em
Universidade de Aalborg que reúne os principais arquivos
1965, a relação entre Utzon e o governo de New South
de Utzon. Em 2003, o arquiteto foi premiado com o
Wales assumiu rumos indesejados. Essa tensão levou o
principal prêmio de arquitetura do mundo, o Pritzker Prize e
arquiteto a abandonar o projeto em Fevereiro de 1966 e
em 2008, Jorn Utzon morreu aos 90 anos em Copenhague,
voltar para Dinamarca no mesmo ano. Adiante, no capítulo
na Dinamarca.
sobre a história do edifício, tratarei este fato com mais
atenção.
De 1968 até 1971 Utzon trabalhou em inúmeros projetos,
incluindo o projeto para a Bagsvaerd Church em
Copenhague e o Jeddah Sports Stadium na Arábia Saudita.
Em 1971, Utzon e sua esposa mudaram-se para uma casa
desenhada pelo próprio arquiteto na ilha de Majorca, no
Mediterrâneo. Entre 1971 e 1973, Utzon foi professor
visitante da Escola de Arquitetura da Universidade do Havaí
e em 1972 ele foi premiado no concurso para a Assem-
_________________________________________________
Jorn Utzon – fonte: “Between Earth and Sky”, Adrian Carter, 2008
17
2.2 outras obras.
Podemos considerar que o primeiro edifício erguido por
Jorn Utzon foi em Alsgarde, próximo da casa de sua avó
em 1940. Ele foi seu criador, supervisionou o trabalho e
participou diretamente de sua contrução, auxiliado por um
construtor que foi contratado por sua família. Utzon ajudouo a construir o modesto “abrigo” sem muito significado
arquitetônico, mas que diz muito sobre os valores de sua
obra e sua maneira de trabalhar.
Desde seu primeiro trabalho, Utzon revelou-se um arquiteto
interessado no processo de construção. Desde este singelo
projeto para sua avó até o Ópera de Sydney, uma das
características mais marcantes da atividade profissional do
arquiteto era o gosto pela participação na realização do
edifício. Segundo Philip Drew, esta é a maneira que ele
gosta de fazer as coisas: trabalhar com os fornecedores,
dando instruções, assistindo ao progresso e corrigindo e
ajustando os detalhes ao longo do caminho (1999).
Arroyo aponta que a maior virtude de Utzon esteve sempre
na capacidade de abordar temas e escalas de projeto com-
pletamente diversos com a mesma competência (2009).
Kenneth Frampton defende que o arquiteto com frequência
recorreu a outras culturas, fruto de suas viagens e suas leituras,
para
definir
uma
arquitetura
baseada
em
uma
forma
“transcultural” (1995).
Mas podemos considerar que de forma geral, o trabalho de Utzon
seguiu três principais conceitos. Segundo Frampton, o primeiro
conceito é a ênfase dada à cobertura do edifício, o segundo é a
importância dada a base do edifício, e por último, a validade
cultural (1994).
O mapa ao lado, mostra a localização de suas obras. Logo de
partida, podemos notar que além no número reduzido de obras,
não há nenhum edifício construído nas Américas. Se
considerarmos uma carreira que foi de 1939 até 2008, teremos a
média de uma pbra por ano.
Outra questão importante a ser notada é o fato de suas obras
serem majoritariamente residências de pequeno porte. Das duas
49 obras citadas, 36 são casas unifamiliares. É importante notar
também, que em suas casas unifamiliares, o desenho de Alvar
_________________________________________________
Mapa de localização das obras de Jorn Utzon.
19
Kingohouses
Aalto parece ser a principal influência.
Segundo Montaner, os primeiros projetos de Utzon, como as
Com relação as datas em que essas obras foram feitas, há
casas de Kingo, organizam-se como agrupamentos de casas que
um fato interessante. No perído entre 1956 até 1966, em que
se adequam ao contexto topográfico, cultural e natural. O autor
esteve a frente do projeto para o SOH, Utzon também projetou
escreve que os mesmos desenhos que representam a casa-tipo
outros 13 projetos pelo mundo, inclusive um barco. Em 1967
enfatizam a importância neo-empirista pelo detalhe, pelo
e 1968, anos de suguem a polêmica saída do arquiteto do
artesanato e pela presença humana (2001).
projeto em Sydney, não houve nenhum projeto feito pelo
arquiteto. Entretanto, em 1969, dois anos após o
desligamento, no mesmo ano foram projetados 10 edifícios.
Aqui nessa parte do trabalho, eu separei alguns edifícios
projetados pelo arquiteto, para podermos fazer algumas
considerações mais gerais sobre o processo de projeto de
Utzon. Uma visão mais holística nos ajudará a entender o
arquiteto e suas diferentes escalas de projeto. São três
projetos em escalas diferentes e com funções diferentes.
Numa escala pequena, a Kingohouses. Numa escala média, a
Igreja Bagsvard e numa escala grande, a Assembléia Nacional
do Kuwait.
Para Giedion, quando Utzon projetou a Kingohouses, com
Bagsvard Church
paredes unificadas pelo uso contínuo de tijolo amarelo,
Como vimos anteriormente, após o abandono das obras do
tinha em mente a unidade das construções primitivas que
Ópera de Sydney, Utzon voltou à Dinamarca e realizou alguns
visitara no Marrocos em 1948 (2004).
projetos. Entre eles está a Bagsvard Church. Segundo
“Inspirada nas imagens da arquitetura islâmica que visitou no
Marrocos em 1947, onde foi fortemente impressionado pela
Montaner, neste projeto, Utzon mais uma vez, assim como no
SOH, busca atender as exigências da industrialização sem
sacrificar a expressividade. Aqui, a forma exterior é definida
coesão e integridade arquitetônica das casas do deserto
por painéis pré-fabricados e peças de cerâmica enquanto o
construídas com o barro local, na qual se uniam a paisagem.
interior, supercífies onduladas em concreto armado formam o
Essa unidade entre material e paisagem estava na mente de
Utzon quando mais tarde, desenhou a kingohouse.” (GIEDION,
2004)
teto (2001).
Neste projeto, Utzon parece ter ignorado milênios de tradição
que deu às igrejas certa forma clássica. Por fora, o edifício
não se assemelha com um templo. Não há arcos, torres,
pináculos, abóbodas, vitrais, ou qualquer outro tipo de
solução que lembre uma igreja. Entretanto, por dentro, quando
a luz zenital encontra as formas orgânicas do teto, a igreja
assume um caráter solene comum nas igrejas. Para Drew, em
vez de fazer uma atualização do gótico, Utzon viajou de volta
para a era remota da igreja primitiva, quando pagãos e
_________________________________________________
KingoHouses, vista externa, implantação e pátio interno
fonte: Jorn Utzon: Metáforas para o cotidiano, Julio Arroyo, 2009.
cristãos estavam misturados, e o cristianismo estava lutando
para se estabelecer nas fronteira da Escandinávia (1999).
21
Do mesmo modo como fez no Sydney Opera House, Utzon escolheu
uma forma geométrica para fazer o teto do edifício. Assim como a
cobertura e o forro do edifício em Sydney, a Bagsvard Church adota
o cilindro para compor a geometria da cobertura. Como explicação,
Utzon afirma:
“Eu costumava a me deitar na praia pela noite, no Havaí. Por causa dos
ventos alísios, as núvens estavam diferentes. Elas estavam como bolas
de algodão flutuando levemente. Os ventos sopravam diferente de como
sopram para nós na Dinamarca. É como se fosse uma força muito forte
onde você pode quase encostar. Enquanto eu estava lá, pensei: “Que
lugar amável para uma igreja”. E a praia é atualmente usada para
casamentos. Mas aquelas núvens e a luz entre elas e aquela praia me
deram a idéia para a cobertura.” (Michael, 1994 em Drew, 1999)
_________________________________________________
Croquis preliminares da Igreja de Bagsvaerd –fonte: “Jörn Utzon – Un Ricordo
delle Hawaii” in Casabella, Françoise Fromonot, 1997.
Igreja Bagsvard, elevação e corte – fonte: Tese de Doutorado, Alberto Peñin,
2006.
Croqui de Utzon e foto do interior da igreja – fonte: “Between Earth and Sky”,
Adrian Carter, 2008
Assembléia Nacional do Kuwait
Talvez, este seja um dos edifícios que mais explicite o
regionalismo de Utzon. Projetado em 1972, é um dos raros
exemplos de uma declaração monumental efetiva no Oriente
Médio. Segundo Curtis, Utzon tinha era bem-sucedido em
combinar referências locais, tipos tradicionais genéricos e
uma organização moderna de espaço (2008).
Curtis aponta que Utzon precisava deixar todos os
departamentos visíveis e disponíveis desde a entrada, e era
isso que passava a idéia de uma rua central com o salão
principal amplo para o mar na frente. Departamentos
individuais eram restritos a dois andares de altura e eram
dispostos ao redor de seus próprios pátios. Essas unidades
celulares podiam ser adicionadas pouco a pouco, de modo
que em planta o edifício do congresso era como uma
abstração de uma cidade do Oriente Médio, com um mercado
árabe principal como espinha dorsal, mas com extremidades
amorfas que se estendiam até o limite retangular (2008).
O complexo inteiro é coberto por uma ampla cobertura, que
assemelhan-se com as formas elevadas de uma tenda. Para
Curtis, visto de uma certa distância, o guarda-sol arqueado
sobre a entrada também provoca associações com um dhow,
pequenos barcos a vela tradicionais dos árabes, o símbolo
nacional do Kuwait (2008).
A estrutura do projeto foi concebida como um sistema prémoldado em concreto, com colunas regulares ritmadas que
sustentam um teto com certa referência à “pureza da
estrutura islâmica”. Segundo Curtis, o conceito da cobertura
protetora como uma imagem do Estado invocava lembranças
tribais que tinham a ver com a tenda principesca dos anciãos.
_________________________________________________
Assembléia Nacional do Kuwait.
fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/09.025/1776
acesso em 04/11/2013
23
A preocupação com a luz e a sombra reforça neste
projeto as inclinações de Utzon ao regionalismo crítico.
Mais do que uma experiência visual, Utzon buscava
transmitir uma experiência sensorial. Nas palavras do
próprio arquiteto:
“A luz do sol perigosamente forte no Kuwait torna necessário
nos protegermos na sombra – a sombra é vital para nossa
existência -, e esse salão que fornece sombra para as sessões
públicas talvez pudesse ser considerado simbólico da proteção
que um governante estende ao seu povo. Há um ditado árabe:
‘Quando um soberano morre sua sombra se perde”. (CURTIS,
2008)
_________________________________________________
Acima: foto do interior da Assembléia Nacional do Kwait – fonte:
http://architecture.about.com/library/blutzon-kuwait.htm, 13/06/2013
Ao lado: foto de Bennelong Point, Sydney – fonte: Sydney Opera
House, Nomination by the Government of Australia for Inscription on
the World Heritage List, 2006.
3. história
“The sun did not know how beautiful its light was,
until it was reflected off this building”
Louis Kahn
25
Para Montaner, as características formais da arquitetura que
É evidente que essa história não começa no concurso
começou a
varia
internacional. A discussão sobre um novo centro cultural em
notavemente em relação aos padrões do período entre as
Sydney já estava em pauta desde 1940. Segundo a Inscrição
guerras. Essas mudanças colocam novos paradigmas na
do Ópera para a World Heritage List (2006), Eugène
história da arquitetura. “A Capela de Le Corbusier em
Goossens, maestro da Orquestra Sinfônica de Sydney na
Ronchamp e a Ópera de Sydney, junto com as obras
época, foi o primeiro a propor que esse novo edifício fosse
expressionistas de Eero Saarinen foram possivelmente os
construído em Bennelong Point. Após o local ter sido
manifestos mais significativos da evolução formal” (Montaner,
aprovado por John Joseph Cahill, primeiro ministro de New
2001). Mas quais foram esses avanços? Sugiro que sejam
South Wales, em 1955 um concurso internacional foi iniciado
relatados e discutidos para inspirar futuros avanços.
com o objetivo de escolher um projeto para o novo edifício. O
desenvolver-se nos
anos cinquenta
Mas isso precisa ser feito com urgência. Como aponta Drew,
levantar dados históricos sobre o SOH é necessário, pois
muitas das pessoas que estavam envolvidas em seu projeto e
construção estão em seus 70 ou 80 anos e como as pessoas
naturalmente morrem, muitas das chances de descobrir os
concurso foi aberto mundialmente e não especificava limites
de custos, de maneira que a competição provocou grande
interesse em australianos e estrangeiros. Ao todo, 233
arquitetos registraram suas inscrições em projetos (Messent,
1997).
detalhes importantes sobre a obra foram perdidas (1999). Isso
As diretrizes para o concurso estão registradas no Brown
representa perder uma grande oportunidade de descobrir o que
Book (1956) editado pelo Governo de New South Wales. Este
realmente aconteceu durante a crise política que envolveu a
livro,
contrsução, por exemplo. A história que envolveu todo o edifício
apresentando o edital, fotografia e desenhos do local, nome
é tão extraordinária e complexa quanto o próprio edifício.
dos jurados, entre outras. O programa do concurso, elaborado
trazia
informações
gerais
sobre
o
concurso,
pelo prórprio Eugène Gossens juntamente com o Opera
House Comité, solicitava uma sala sinfônica com
capacidade para 3.000 a 3.500 espectadores, uma sala de
ópera para 2.800 e um teatro para 1.200. Além desses
equipamentos, o programa pedia camarins, salas de
ensaio, depósitos, oficinas, restaurante, e outros locais que
somados resultavam em 60.000m2 construídos. A
imagem no canto direito inferior, mostra o juri responsável
pela escolha do projeto vencedor. Era formado pelos
professores Henry Ingham Ashworth, Cobden Parkes,
Leslie Martin e Eero Saarinen.
Muitos autores apontam que a participação de Eero
Saarinem foi decisiva para a esolha do projeto de Utzon.
Durante as avaliações dos projetos, Saarinen examinou os
desenhos que já haviam sido eliminados do concurso e
encontrou entre eles o de Utzon. Segundo Giedion,
Saarinem voltou-se para o juri com o projeto em mãos e
disse: “Senhores, este é o primeiro prêmio” (2004). Todos
ficaram impressionados como a cor branca da cobertura
em forma de conchas se relacionava naturalmente com a
_________________________________________________
Capa do Brown Book e informações sobre o concurso.
fonte: www.gallery.records.nsw.gov.au/index.php/galleries/sydney-opera-house/sydney-opera-house-the-brown-book/ em 09/08/2013
27
baía e com as velas dos iates (Murray 2004: 10).
Segundo o documento oficial divulgado pelos jurados:
“O desenho é simples, quase um diagrama. Mas estamos
convencidos de que representa um conceito que pode se
transofrmar em um dos edifícios mais representativos do
mundo. Esta proposta é a mais original e criativa também. Não
obstante, estamos convencidos de seus méritos: em primeiro
lugar a simplicidade de sua organização e depois a unidade da
expressão estrutural. Acreditamos que esta seja uma
O juri estava convencido que o desenho de Utzon era o
mais original e criativo, capaz de criar um dos mais
composição arquitetônica fascinante, perfeita para a paisagem
incríveis edifícios do mundo. Mas ainda pairavam dúvidas
de Bennelong Point. As abóbodas em formato de conchas se
sobre a construtibilidade da estrutura do edifício, devido à
inserem harmoniosamente na baía, como as velas de um
barco.” (Publicado em The Builder, 1957. Citado em Peñin,
2006)
inesperiência do jovem arquiteto.
Para Giedion, foi um grande feito de Eero Saarinem (cuja
carreira foi interrompida pela sua morte) ter reconhecido
de imediato o significado em nível mundial da participação
de Utzon e “ter insistido veementemente para que Utzon
recebesse o primeiro prêmio e a obra fosse executada”
_________________________________________________
(2004).
Foto aérea de Bennelong Point antes da construção do SOH.
fonte: www.gallery.records.nsw.gov.au/index.php/galleries/sydney-opera-house/sydney-opera-house-the-brown-book/ em 09/08/2013
O projeto que Utzon enviou para o concurso, consistia em
12 pranchas
com desenhos bastante genéricos. As
elevações de Utzon mostravam a cobertura em concreto
ainda sem fechamentos laterais e poucos detalhes
construtivos.
Após os resultados divulgados, uma aquarela do edifício,
realizada por Ashworth, membro do juri, foi publicada em
vários jornais do mundo. Até o momento, essa era a
imagem mais esclarecedora sobre o novo Sydney Opera
House.
_________________________________________________
Fotos da capa, elevação e implantação apresentadas por Utzon.
.
fonte: www.gallery.records.nsw.gov.au / em 09/08/2013
29
Até então, nem o juri, nem o arquiteto e tampouco os
engenheiros imaginavam os desafios que teriam pela
frente, entretanto já suspeitavam das dificuldades na
execução do projeto. Segundo Weston, essa insegurança
somada à pressão do governo de New South Wales em
querer um arquiteto australiano quase provocou um novo
concurso (2002).
Essas dúvidas levaram os representantes do governo,
jurados e Utzon a um encontro com engenheiros para
garantir o desenvolvimento do projeto. Em 1957, na
cidade de Londres, Ove Arup entra para a equipe por meio
de um contrato independente. Estava claro que o conceito
do desenho do Ópera de Sydney e sua escala, exigia
novas soluções, tecnologias e materiais.
Com o tempo, na medida em que estudos eram feitos em
conjunto, mais material era produzido pela equipe. Esse
material, foi publicado em dois livros oficiais. O primeiro,
Red Book de 1958, e o segundo, Yellow Book de 1962,
revelam o esforço da equipe em resolver os problemas
construtivos do projeto de Utzon.
_________________________________________________
Primeira página do Sydney Morning Herald, de 30 de Janeiro de 1957. Destaque para aquarela de Ashworth
fonte: Sydney Opera House, Nomination by the Government of Australia for Inscription on the World Heritage List, 2006.
_________________________________________________
Fotos da capa e de uma página do Red Book e Yellow Book, esta última, desenhada por Rafael Moneo, que trabalhou com Utzon.
fonte: www.gallery.records.nsw.gov.au/index.php/galleries/sydney-opera-house/sydney-opera-house-the-brown-book/ acesso em 03/04/2013
31
Enquanto alguns profissionais se concentravam em solucionar
Incialmente, Utzon valorizou a mudança do governo por
alguns processos construtivos, a obra já havia começado. A
considerar que isso poderia resolver a situação em que a
construçao do edício foi dividida em três partes. O pódio (estágio 1,
obra e os pagamentos se encontravam. Entretanto, entre
de 1958 – 1961), as abóbodas em formato de conchas (estágio 2,
as prioridades do novo governo, não figurava a construção
1662 – 1967) e finalmente os fechamentos de vidro e o interior
do SOH – uma obra a qual sempre se opuseram. A frente
(estágio 3, 1967 – 1973). O primeiro e segundo estágios da
do conselho de obras públicas estava David Hughes, um
contrução foram desenhados e supervisionados pelo próprio
político que, segundo Peñin, “carecia de formação técnica
arquiteto Jorn Utzon. Mas em 1965, reviravoltas políticas colocaram
adequada” (2006). Desde o início do mandado, Hughes
o governo de Nova Gales do Sul nas mãos do partido rural.
tratou de livrar-se de Utzon com o pretexto de um corte de
gastos, mas o arquiteto pensava que seria impossível
terminar o edifício sem sua participação.
Não foi isso que aconteceu. Peñin aponta que Hughes não
demorou em bloquear não somente os procedimentos
necessários para o andamento da obra mas também
deixou de pagar pelo trabalho de Utzon (2006). Dessa
forma, Utzon foi forçado a renunciar a obra em março de
1966, depois de 7 anos a frente do projeto e construção.
Após a renúncia, o projeto passou por alterações no seu
projeto inicial, que foram assinadas pela direção de um
novo grupo de arquitetos locais, Peter Hall, Lionel Todd e
_________________________________________________________
Peter Hall, Lionel Todd and David Littlemore
fonte: Sydney Opera House, Nomination by the Government of
Australia for Inscription on the World Heritage List, 2006.
David Littlemore em conjunto do arquiteto do governo de
New South Wale, Ted Farmer. Algumas propostas, continham
de dólareas australianos. Foram seis anos a mais do que o
alterações substanciais, como a mudança de uso das salas.
estimado inicialmente e o custo da obra atingiu 10 vezes
Segundo Rafael Moneo, o resultado arquitetônico dessas
mais o valor inicial pretendido (Murray 2004). Weston aponta
mudanças foi “obsceno” (2005). Concordando com Moneo,
que foi dado muita liberdade para Utzon explorar,
Peñin acrescenta que:
experimentar e conceber a estrutura do edifício (2002), o que
. “Não se respeitou os usos dos auditórios e suas configurações
em planta e corte [...] desaparecendo o paralelismo
subjacente na ideia inicial da casca de nóz. Os fechamento de
vidro se realizaram sem montantes intermediárias exteriores e
com uma pesada subestrutura metálica interior pintada de cor
bronze que produz um efeito de reflexo que precisamente
Utzon havia se esforçado para evitar. Definitivamente, [...] se
pode ter colaborado para o encarecimento do edifício.
Apesar da primeira apresentação no SOH ter acontecido em
1960, o cantor americano Paul Roberson cantou para os
construtores da obra treze anos antes da abertura do edifício.
Mas a abertura oficial do edifício aconteceu em 20 de outubro
de 1973. Quando a Rainha Elizabeth II inaugurou oficialmente
o Sydney Opera House e em 28 de Setembro de 1973, numa
apresentação da Companhia de Ópera Australiana.
Durante esse periodo, cerca de 300 jornalistas de todo o
ignorou grande parte do trabalho de grande utilidade
mundo estiveram em Sydney para “ver se o Sydney Opera
elaborado ao largo de 7 anos e que estava a ponto de finalizar-
House se tornaria um grande elefante branco ou não” (Kerr
se” (Peñin, 2006)
1993). Um correspondente do Los Angeles Times escreveu:
“Este, sem dúvida, pode ser o mais inovador, mais
audacioso, mais dramático e de muitas formas, a mais bela
Sem Utzon, o edifício seguiu em construçãoo e levou 16
casa de ópera construída, tornando-se a referêcia dos
anos para ser finalizado, tendo um custo de 102 milhões
tempos modernos” (Kerr 1993).
33
4. o processo de projeto
“This circus tend is not architecture”
Frank Loyd Wright
Em The Value of Architectural Sketches,
Ana Gabriela Godinho
.
Lima aponta que o processo de fazer determinadas coisas nos
revela sobre nós mesmos. Segundo a autora, o processo de
desenho “é sempre um processo de conhecimento e criação de
algo que não estava claro ou não existia até o início do
processo”. Lima defente o croqui como uma atividade capaz de
Utzon, enquanto os croquis mais suaves e livres são
gerar novas informações e que embora os croquis em arquitetura
claramente influencciados por Poul Schroeder (1999).
sejam mais frequentemente utilizados como ferramentas na
representação do desenho, eles podem ser ferramentas de
construção da habilidade do arquiteto em desenvolver e sofisticar
Se por um lado há quem acredite que os croquis revelam
conceitos que já estão prontos na cabeça do arquiteto,
assim como Lima, Drew parece defender que:
conceitos através do ato de desenhar no papel.
Durante o tempo que passou na faculdade, algumas experiências
“Linhas registram o humor. O modo como elas são desenhadas
deram a Utzon uma capacidade de desenvolver estilos diferentes
– se elas são “bruscas” ou suaves, leves ou pesadas,
de croquis. Segundo Drew, os croquis formais com linhas firmes
revelam a influência do professor Gunnar Biilman Petersen em
_________________________________________________
Croquis de Jorn Utzon
fonte: Yellow Book, 1962.
espontâneas e imprevisíveis ou deliberadas e controladas –
revelam o que se passa na cabeça do artista. Os desenhos de
Utzon também revelam quais são suas intenções. Os borrões
pesados em lápis 6B eram reservados aos seus primeiros
pensamentos enquanto suas ideias são formadas e ainda
Os primeiros croquis de Utzon para o SOH revelam essas
explorações e experimentações defendidas por Lima e Drew
onde as linhas não buscam revelar detalhes do projeto, mas
primeiramente, revelar pistas para as soluções
tentativas. Giram ao redor de “constelações” vagas
desestruturadas e expressivas. Estes primeiros croquis são
explorações com acidentais sugestões, pequenas pista e
.
pontos de partida.” (Drew, 1999)
Embora existam muitas maneiras diferentes de desenhar,
Drew sugere que Utzon tem duas preferidas: uma
espontânea e exploratória, e outra delicada com muita
precisão quase como é feito no computador. Cada uma
servindo a propósitos diferentes. Nas palavras do autor:
Há também os croquis que Utzon desenhou com a finalidade
“O primeiro é sobre espontaneidade, como um tatear no
de explicar seu projeto. São desenhos que foram feitos
escuro em busca de algo, o segundo é semelhante a uma
posteriormente ao SOH, e que revelam as influências que
planta de engenharia naval bastante precisa, confiável e
exata”. (Drew, 1999)
marcaram o processo de projeto do arquiteto.
_________________________________________________
Croquis de Jorn Utzon para o SOH
fonte: Yellow Book, 1962.
35
Essas influências que resultaram na forma única do edifício incluem
desde formas orgânicas naturais a uma variedade “eclética” de
influências culturais, brilhantemente unificadas em um edifício
escultural. Segundo Norberg-Schulz:
O Sydney Opera House é a grande realização da síntese entre a terra e o céu,
paisagem e cidade, íntimo e público, pensamento e sentimento, [...] uma
união da tecnologia e da forma orgânica. Portanto podemos certamente dizer
que o Sydney Opera House representa a obra-prima da genialidade criativa
humana, e o mais significante passo na história da arquitetura moderna
(1996).
Esse conjunto de significados que Norberg-Schlz escreve também
aparece em abordagens mais fenomenológicas de Giedion (1965) e
Frampton (2004). Esses últimos, interpretam o edifício como um
local que proporciona o florecimento de imaginação e espírito
cultural nas pessoas que o frequentam e esse acendimento cultural
se dá pela observação da forma e pela experiência no espaço
construído. Não por acaso, estes mesmos autores apontavam Utzon
como um dos principais nomes do Regionalismo Crítico.
_________________________________________________
Clouds over the sea, Jørn Utzon, 1962; Sketch of a Japanese house, Jørn
Utzon, 1962. - fonte: http://www.arcspace.com/bookcase/utzoninspiration---vision---architecture/ em 19/05/2013
Todas esss definições, servem para nos alertar sobre a
complexidade que envolve analisar o projeto e o processo de
projeto de arquitetura do SOH. Para evitar confusões,
seguirei a ordem de análise que foi usada pela arquiteta e
crítica francesa Françoise Fromonot, em seu livro: Jørn
Utzon, architetto della Sydney Opera House, de 1998, a
saber: o pódio, as cascas e os interiores. Por último,
acrescentarei uma parte para falar dos fechamentos de vidro.
_________________________________________________
Croqui Preliminar da cobertura do SOH, 1858 e Croqui conceitual do SOH, 1958. – fonte: Sydney Opera House, Nomination by the Government of
Australia for Inscription on the World Heritage List, 2006.
37
As Plataformas
A
monumentalidade
da
entrada
principal
era
uma
Dentre os projetos enviados ao concurso, o de Utzon era o único
preocupação tão forte do arquiteto, que um recurso pouco
que organizava as salas de concerto uma ao lado da outra.
econômico foi utilizado para sustentar o primeiro platô de
Todas os outros projetos seguiam a solução mais óbvia –
acesso ao conjunto. Segundo Peñin, Utzon desejava que esta
colocar uma sala atrás da outra, induzidos pelo desenho da
laje estivesse livre de colunas, não só para facilitar o giro dos
península.
automóveis do piso inferior (térreo), mas para criar um
Mas não é só por isso que o SOH tem uma composição
volume monumental na entrada (2006).
excepcional. Seu conjunto formado por três grupos de
coberturas em formato de conchas intercaladas colocadas sobre
uma pesada plataforma que abriga os serviços, também é
diferente da arquitetura que se produzia até então.
Como citado anteriormente, uma das características formais da
arquitetura moderna da terceira geração é a idéia das “esculturas
sobre a plataforma”. No projeto de Utzon, essa plataforma
assume a função de praça pública que favorece a realização de
eventos. Talvez por isso, para Richard Weston, este local é
possivelmente o melhor espaço público criado no século XX
(2002).
.
___________________________________________________
Implantação do SOH.
fonte: Sydney Opera House, Nomination by the Government of
Australia for Inscription on the World Heritage List, 2006.
.
Para isso, Arup propôs a eliminação dos pilares do térreo
com uma solução de vigas protendidas que chegam a 1,40m
de altura e vencem um vão de 50m. O acesso de veículos
para embarque, desembarque, carga e descarga é feito pelo
térreo e avança ao interior do edifício sob esse platô.
Sobre esse acesso de veículos, existe a escadaria e o
primeiro platô que formam a principal entrada da grande
plataforma. Deste nível para cima, Utzon colocou tudo o que
é público, e para baixo, tudo o que é serviço. O próprio
arquiteto afirma em “Plataformas e Platôs” que:
“a idéia foi deixar que o plano atravessasse o edifício como uma
faca, separando completamente suas funções primárias e
secundárias. No topo da plataforma os espectadores recebem a
obra de arte concluída, e sob esta, ocorre toda a sua
preparação”.( Jorn Utzon in Moy, 2007)
_________________________________________________________
Corte do Platô e da Escadaria – fonte: Tese de Doutorado de Alberto Peñin,
2006.
Planta do SOH – fonte: Documento do Concurso, Jorn Utzon, 1956.
39
Segundo Peñin, essa estratégia de Utzon de inserir os serviços
nos planos baixos da plataforma, favorecia a liberação de
espaços livres e otimizava as áreas superiores como locais
públicos. Além disso, o pódio escalonado permite resolver
com naturalidade alguma das questões funcionais que
rodeiam um edifício dessa dimensão. Peñin ainda aponta que
através dele, é possível acessar todas as salas de
apresentação sem muito esforço, e a implantação do projeto
propõe uma solução praticamente inédita até o momento
(2006).
Quando Peñin aponta que a solução da plataforma é
praticamente inédita, deve-se entedenter que o autor refere-se
aos edifícios modernos. Segundo Giedion, as plataformas
constituiram os edifícios desde os Zigurates. Mas a
incorporação do plano horizontal como elemento constituinte
platôs maias e astecas (pag 15).
Para Giedion, o acesso ao edifício feito pelos diferentes
níveis ascendentes, por meio de degraus tão amplos, são
em uma escala menor, algo bem semelhante às
escalinatas dos monumentos astecas e maias (2004).
Curtis, também reforça essa posição, dizendo que:
“O tema da plataforma estava de qualquer maneira na mente de
Utzon, como fica claro a partir de seus projetos de casas, mas em um
contexto monumental pode ser que tenha havido uma inspiração
específica nas colinas artificiais com degraus cerimoniais do Monte
Alban, o antigo sítio mexicano que o arquiteto esboçara durante suas
viagens.” (Curtis, 2008: pag 469)
da arquitetura foi tão expressiva nessa época que foi entendida
como um nova descoberta da terceira geração (2004).
Como sabemos, Utzon conheceu a arquitetura maia e asteca,
que utiliza os planos horizontais constantemente em seus
edifícios. Podemos supor, assim como muitos autores que o
desenho das plataformas de SOH nasce influenciado pelos
Entretanto, apesar de toda a discussão sobre as origens
do desenho da plataforma, é interessante notar que não há
desenhos de Utzon que se dediquem a explicar a
plataforma. A maior parte dos seus croquis, são tentativas
de esclarecer as idéias para a cobertura.
No croqui preliminar apresentado no início deste capítulo,
Utzon desenha duas coberturas suspensas no ar, como seus
desenhos de núvens e do telhado japonês. No caso do croqui
conceitual, a cobertura também tem destaque de modo que a
plataforma se resume a um borrão ainda pouco claro (pag 37).
Evidentemente, não é possível afirmar que a plataforma não
era uma preocupação de Utzon. É importante destacar que o
desenho escolhido para a capa do projeto entregue no
concurso de 1956 não é uma representação das coberturas, e
sim uma perspectiva das escadarias sob a obertura.
Uma outra análise, apresentada na página ao lado, mostra
As imagens da próxima página mostram as pequenas
também que a plataforma foi o elemento do edifício que menos
alterações que foram feitas na plataforma desde o primeiro
sofreu alterações em seu processo de projeto. Com exceção
desenho enviado por Utzon até o desenho do projeto
de algumas mudanças feitas dentro das salas e nos níveis
construído.
inferiores, a escadaria e os platôs que formam o espaço
público apontado por Weston, sofreram pequenos ajustes que,
se comparados com os que foram feitos na cobertura, passam
despercebidos.
Nesse momento, não vamos considerar as alterações das
salas de concerto. Deixaremos essa análise para o
subcapítulo referente aos interiores.
_________________________________________________________
Capa do projeto de Jorn Utzon enviado a Concurso.
fonte: Documento do Concurso, Jorn Utzon, 1956.
41
1956
1958
_________________________________________________________
Plantas do SOH com destaque para a plataforma. Projeto enviado ao concurso por Jorn Utzon, 1956 ; Red Book, 1958; Yellow Book; 1962.
fonte: www.gallery.records.nsw.gov.au/index.php/galleries/sydney-opera-house/sydney-opera-house em 03/04/2013
1962
Nota-se 3 principais mudanças no desenho da plataforma. A
1973
primeira é com relação a forma do restaurante. Na
apresentação de 1956, a projeção do restaurante não
aparecia, mas ao longo do processo, a planta passou a
mostrar a projeção das conchas e um desenho mais definido
sobre os limites do restaurante.
A segunda alteração, acontece a partir dos desenhos de 1962,
aonde as escadarias principais ganham mais uma plataforma
entre os degraus, e uma pequena escadaria é adicionada no
sentido longitudinal, colocando o restaurante num platô
destacado do platô intermediário. Entretanto, mesmo após
analisar o corte longitudinal, não é possível dizer se houve
alguma alteração no pé direito dos andares.
Outra alteração acontece na dimensão das escadas cobertas
da laje superior. No primeiro desenho, aparecem localizadas
no centro da planta, e são responsáveis por garantir o acesso
coberto até as salas. O desenho estreito de 1956 é alargados
na planta de 1958, e depois volta para uma dimensão
intermediária.
_________________________________________________________
Planta As Built do SOH.
fonte: Sydney Opera House, Nomination by the Government of Australia for Inscription on the World Heritage List, 2006.
43
A Cobertura
Segundo Murray, as comparações da forma da cobertura do
SOH variam desde a forma de um monstro rastejando até uma
"orgia de tartarugas". Mas talvez, nenhuma dessas comparações
tenha sido tão contundente quanto à que fez Frank L.Wright. O
arquiteto americano costumava dizer que "esta tenda de circo
não é a arquitetura" (Murray, 2004). Não se tem registros de
como Utzon reagiu a essa afirmação, mas vale lembrar, que o
jovem arquiteto dinamarquês, sempre declarou Wright como
uma de suas maiores influências (Giedion, 2004).
A despeito disso, há muitas lendas sobre a verdadeira origem da
solução esférica das conchas do edifício. Por um lado, autores
defendem que a grande inspiração para o desenho da cobertura
tenha sido as velas dos barcos que utzon costumava frequentar
nos estaleiros de Aalborg. Mas, diferentemente disso, os
significativa mudança ao longo do processo de projeto.
De qualquer maneira, as cascas eram uma invenção
espantosa, talvez influenciadas pelas abstrações curvas
de crustáceos de Bruno Taut nos anos 1920, e talvez em
parte motivadas pela complexa curvatura entrelaçada que
Utzon vira no trabalho de Aalto (Curtis, 2008).
esboços coneituais de Utzon mostram um telhado de templo
Nos desenhos que Utzon enviou ao concurso, a fachada
oriental suspenso acima de um plano nivelado, e até mesmo
do edifício aparece desenhada com finíssimas cascas
nuvens flutuando em um horizonte (pag 36). Não podemos
que aparentemente estão relacionadas com outros
afirmar sobre a inspiração de Utzon, olhando para o projeto final,
projetos da mesma época (Felix Candela e Pier Luigi
que foi construído, visto que a desenho das conchas, sofreu
Nervi). Entretanto, elas por si só são dotadas de grande
carga expressiva original.
nadas pelo desenho das conchas.
Elas revelam uma preocupação que começaria a fazer parte
do trabalho de Utzon: o cuidado especial com a quinta
fachada.
Utzon compreendeu que o Ópera de Sydney poderia ser visto
de todos os lados e deu ao prédio um carater de escultura
urbana. Da cidade, do mar e até mesmo do alto dos altos
prédios da área central de Sydney, o edifício pode ser
enxergado sem revelar uma fachada principal. Assim como
O Kronborg Castle, o SOH não possui apenas uma ou duas
fachadas principais, mas cinco vistas diferentes proporcio-
_________________________________________________________
Imagem 1 Bagsvaerd Church
fonte: http://www.e-architect.co.uk/images/jpgs/copenhagen/bagsvaerd_organ.jpg
Imagem 2 e 3 – Utzon Center
fonte: http://www.mortenkristensen.com/Web2/what-are-we/
Imagem 4 – Madrid Opera House
fonte: http://www.arcspace.com/bookcase/utzon-inspiration---vision---architecture/
Imagem 5 – Assembléia Nacional do Kwait
fonte: http://www.flickr.com/photos/11878530@N08/6218348540/
45
Mas se por um lado, o croqui conceitual da cobertura
do SOH não se parece muito com o resultado
alcançado em Sydney, o projeto de 1964 para o
concurso da Casa de Ópera de Madrid, recebe grande
influência
dos
desenhos
que
foram
realizados
anterioremente por Utzon.
_________________________________________________________
Maquete Eletrônica produziada a partir dos desenhos de Utzon para o concurso
Fonte: Sydney Opera House project: Story of an Australian Icon.
http://www.youtube.com/watch?v=Cm7MtmjsVls
_________________________________________________________
Croqui conceitual de Utzon para a cobertura do SOH
fonte: fonte: Sydney Opera House, Nomination by the Government of Australia
for Inscription on the World Heritage List, 2006.
Maquete do projeto para o Madrid Opera House, 1964, Jorn Utzon.
fonte:http://www.flickr.com/photos/seier/6089949839/in/photostream/
Mais uma vez, a cobertura assume um formato escultórico
como aconteceu com o SOH e como acontecerá no projeto
da Bagsvaerd Church. Aqui neste projeto para Madrid, a
ideia das escadarias intercalando-se com platôs, volta ao
desenho de Utzon.
_________________________________________________________
Maquete física produzida por Utzon. Publicado no Red Book, 1958.
fonte: www.gallery.records.nsw.gov.au/index.php/galleries/sydney-opera47
house/sydney-opera-house em 03/04/2013
Já no primeiro desenho de Utzon, representado pela aquarela
A evolução do projeto e o estabelecimento de soluções só
de
Arshworth (pag 30), as conchas parecem influências
foi possível a partir de decisões estruturais nascidas da
claras da cobertura do terminal da TWA em Nova York, de
engenharia. Em um certo momento, Utzon entrega o projeto
Alvar Aalto. Inicialmente, a proposta de Utzon era de fazer
nas mãos dos engenheiros e somente a decisão de
conchas de concreto armado, entretanto, após o trabalho
transformar a casca de concreto em abóboda nervurada
intenso de Ove Arup e todo seu escritório, verificou-se a
possibilida o andamento do projeto (Peñin 2006).
impossibilidade de construção de uma cobertura desse tipo.
Foram feitas pesquisas e cálculos por mais de 4 anos no
escritório de Londres (Weston, 2002), de modo que eles
propuseram cerca de doze diferentes geometrias para as
conchas, todas elas com suas respectivas maquetes, cálculos
e ensaios em túneis de vento, começando com superfícies
parabólicas, passando por esquemas elípticos até chegar em
anéis circulares.
Não há como negar que a forma escultórica da cobertura do
SOH foi composta a quatro mãos. A significativa participação
de Arup no desenvolvimento das conchas, colaborou para que
o desenho tomasse proporções não só mais construtíveis,
mas também, mais “agradáveis”.
_________________________________________________________
Sumário de Ove Arup com os diferentes esquemas desenvolvidos para a
solução da cobertura, entre 1957e 1963.
fonte: Sydney Opera House, Nomination by the Government of Australia for
Inscription on the World Heritage List, 2006.
Mas em 1961, “Utzon foi quem teve a idéia de que todas as
fôrmas do telhado poderiam ser derivadas a partir de uma
única esfera” (Murphy, 2004). A partir de um raio comum,
os segmentos podem ser divididos em componentes
individuais pré-fabricados e, em seguida montadas no local.
Essas informações foram publicadas no Yellow Book.
Nesta publicação (Yellow Book, 1962), há uma série de
informações do engenheiro acústico e cênico, devido a
relevância do conceito das salas, mas segundo Peñin, o
livro não trás esclarecimentos sobre a construção das
cascas que aparecem nervuradas em seu lado inferior,
diferentemente dos primeiros desenhos do concurso.
Entretanto, é neste livro que aparece o primeiro desenho que
A disposição em diagonal dos quadrados de 12x12cm de
explica o novo conceito da cobertura. Mediante ao corte
cerâmica vidrada foi uma proposta da contratada para uma
radial em distintas proporcões de uma mesma esfera de raio
melhor adaptação à curvatura, assim como o aglomerante a
superior a 75m, se obtem um perfil similar ao do concurso e
base de resina. Segundo Peñin, o arquiteto Eero Saarinen
se facilita a solução estrutural. Esta decisão possibilita a pre-
colaborou na escolha da cor das peças, ao endossar a decisão
fabricação e facilita a execução da obra, de modo que
inicial de clarear a cobertura, em contraste com a tonalidade
moldes da mesma curvatura são usados para prefabricar as
cinzenta da maioria dos portos (Peñin, 2006). Weston aponta
vigas de seção variada. Aqui, estabelece-se um dos maiores
que essa solução foi fortemente influenciada pelos domos
avanços que a arquitetura de Jorn Utzon ofereceu: a pré-
refletores de luz e minaretes das vilas islâmicas e também pelo
fabricação de peças estruturais unida a contundência da
contato de Utzon com a arte cerâmica chinesa e japonesa
forma obtida.
(Weston, 2002).
Por fora, a pré-fabricação também foi utilizada. Desde os
primeiros desenhos, Utzon já imaginava revestir a cobertura
do edifício. Peñin afirma que a opção de colocar as peças
manualmente foi logo descartada, devido as dificuldades
técnicas e a pouca garantia de uma boa execução (2006).
Assim, foram estudadas soluções de painéis semiprefabricados em obra que garantiriam o controle da
solução. Em um período de mais de dois anos, a empresa
sueca Höganäs desenvolveu um sistema, desenhado em Y.
_________________________________________________________
Pré-fabricação das placas de revestimento da cobertura.
fonte: Sydney Opera House, Nomination by the Government of Australia for
Inscription on the World Heritage List, 2006.
por Mikami da O. Arup.
49
ESPAÇO RESERVADO PARA O ESQUEMA DE EVOLUÇÃO DA
COBERTURA
COLAR A3 DOBRADO
Apesar da infinidade de maquetes feitas durante o processo,
evidentemente, elas não seriam suficientes para resolver a
complexidade das formas da cobertura do SOH. Durante a
década
de
60,
a
tecnologia
para
cálculo
estrutural
computadorizado ainda dava seus primeiros passos. Dos
poucos computadores que eram capazes de fazer isso, a maior
parte estava em universidades e centros de pesquisas.
Assim, Arup e seus parceiros utilizaram o computador
PEGASUS da Universidade de Southampton, e além disso, foi
firmado um acordo entre a equipe da obra e a Universidade de
Melbourne para o uso do ICL 1900. Esses computadores de
grande porte eram necessários para calcular não somente a
cobertura, mas também os fechamentos de vidro.
Silvio Sguizzardi, em sua dissertação de mestrado: “Modelando
o futuro: a evolução do uso de tecnologias digitais no
desenvolvimento de projetos de arqutietura” (2011), aponta que
novos softwares foram feitos para que as formas pudessem ser
racionalizadas.
O
conhecimento
para
manusear
esses
programas eram tão raros que os engenheiros iam “descobrindo
como fazer os estudos, à medida em que o projeto se
desenvolvia” (Sguizzardi, 2011, pag: 47). ,
_____________________________________________________
Representação geométrica do encontro das conchas, 1958.
fonte: gallery,records.nsw.gov.au
51
Como vimos no esquema de evolução das conhcas, duas
páginas atrás, a solução da cobertura passou por 12
alternativas em seu processo de projeto. A partir dos desenhos
mais orgânicos de Utzon, Arup e sua equipe passaram o
incrível número de 350.000 horas para concluir os desenhos
executivos (Sguizzardi, 2011). De 1957 até 1963, as soluções
caminhavam para uma simplificação e racionalização, de modo
que as peças pudessem ser padronizadas e o processo
construtivo barateado.
O interior – fechamentos de vidro.
Nesta primeira parte, antes de abordar sobre o interior das
salas, falarei sobre os fechamentos de vidro localizados em
ambas as extremidades dos três edifícios acima do pódio.
Não era possível realizar o desenho dos caixilhos antes da
solução exata da cobertura, por isso, somente após os
esforços realizados para a solução das abóbodas, foi possível
resolver os fechamentos de grande complexidade geométrica.
____________________________________________________
Utzon apresentando o modelo da construção geométrica das
conchas, 1961.
Montagem dos painéis de revestimento sobre a estrutura da
cobertura. Fonte: nsw.royalsoc.org.au
Qualquer ato projetual equivocado prejudicaria todo o desenho
investigação do arquiteto. O desenho irregular visto em planta
empreendido para a realização do conceito das cascas. As
denota uma preocupação de Utzon em evitar o fechamento
características geométricas do projeto fazem desaparecer a
plano e a sensação de apoio das coberturas sobre os vidros.
ideia tradicional de fachada como plano vertical de
fechamento. Como destaca Frampton, “aqui [Sydney Opera
House] a aposta é na cobertura sobre um pódio” (Frampton,
1995). Um fechamento grosseiro poderia por abaixo a idéia
da cobertura sobre o pódio.
Antes de começar a falar sobre os vidros, é importante
destacar o fato de que o próprio Jorn Utzon nunca viu as
paredes de vidro como estão agora - ele nem sequer
participau na sua concepção final. Como vimos no capítulo
anterior, Utzon deixou o comando da obra em 1966, e as
paredes de vidro foram projetadas e construídos entre 1970 e
1972.
Em 1957, após o anúncio do vencedor, Utzon preparou uma
maquete para apresentar o projeto à população australiana e aos
juris. Nessa maquete, Utzon avança na solução data ao
É interessante notar que os primeiros desenhos de Utzon
fechamento, e propõe persianas verticais que logo em seguida
enviados ao concurso, não mostravam qualquer tipo de
seriam substituídas por peles de vidro.
vedação das conchas, reforçando a idéia apontada por
Frampton. Mas a partir do Red Book (1958), os estudo
desses fechamentos constituem uma linha contínua de
_________________________________________________________
Elevação SOH. Desenhos de Utzon para o concurso, 1956
53
Em 1958, no Red Book, o projeto para o fechamento de vidro
adota uma configuração diferente: um zigue-zague em planta e
vertical na seção, parecendo uma tela dobrável. Essa solução
faz sentido do ponto de vista estrutural, pois os diferentes
planos cruzados suportam um ao outro contra cargas de vento.
As elevações mostram as paredes de vidro divididos em
pedaços retangulares com travessas horizontais descontínuas.
Essa solução aponta para uma questão importante: como eles
se conectam com o lado interno curvo das conchas?
A dificuldade de resolver o encontro dessas peças com a
cobertura provou que esse fechamento não era o mais
adequado. Assim, novas propostas foram produzidas no
Yellow Book, em 1962
No Yellow Book, Utzon e sua equipe apresentam pela primeira
vez uma proposta bem pensada para as paredes de vidro, pelo
menos em termos geométricos. As fachadas de vidro
assumem um desenho bastante sofisticado: cortinas de vidro,
suspensas por molduras finas.
_____________________________________________________
Maquete do SOH apresentada em 1957 após anúncio do vencedor do
concurso e elevação do SOH apresentado no Red Book de 1958.
fonte:
http://facadesconfidential.blogspot.com.br/2012/05/sydneyopera-house-decoding-glass-walls.html acesso em 14/10/2013
Em uma carta de 1965 Utzon explica:
"O problema que eu enfrentei foi criar um sistema suficientemente
flexível de vidros para compensar a forma irregular, e ter força
suficiente para resistir às cargas de vento impostas sobre uma
área tão vasta. As nossas tentativas iniciais para utilizar as
estruturas compostas de concreto, aço ou bronze, eram
E ele continuoucomplicadas
:
demasiadamente
e rígidas. A resposta podia ser
encontrada em um sistema de geometria simples, que consiste de
uma série de painéis de vidro de dimensão modular mantidos
entre montantes flexíveis, que podem ser ajustados de qualquer
forma necessária.” (Fromonot, 1999)
_________________________________________________________
Planta das salas de concerto com destaque para os fechamentos de vidro
em zig-gag. Red Book, 1958.
Desenho dos fechamentos de vidro apresentado por Utzon no Yellow Book,
1962.
55
Assim, Utzon abandonou a pura verticalidade de suas soluções
anteriores para abraçar a solução de membranas articuladas
como as asas de um pássaro.
Em 1963, Utzon decidiu usar uma tecnologia bastante
inovadora para realizar os montantes das peles de vidro. Pode
parecer um pouco incongruente, mas desenvolver perfis de
madeira como elementos estruturais para paredes de vidro
imenso, foi resultado de uma investigação conjunta realizada
pelo arquiteto com a empresa australiana Ralph Symonds Ltd.
Utzon viu isso e percebeu que usando o processo de
ensacamento a vácuo, poderia alcançar grandes vãos.
Os montantes deveriam ser pré-fabricados e em seguida
montados no local. O resultado, para a satisfação Utzon,
combina a concepção de peças adequadas para a sua função
com a precisão de “artesanato industrial”. Entretanto, essa
solução não foi executada. Como parte das medidas de corte
de gastos, o governo autraliano não aprovou a solução em
madeira e logo depois, Utzon foi desligado do comando do
projeto.
_________________________________________________________
Solução do fechamento de vidro apresentado do Yellow Book. 1962 em
comparação com o movimento da asa de um pássaro.
fonte: http://facadesconfidential.blogspot.com.br/2012/05/sydney-operahouse-decoding-glass-walls.html aceesso em 15/10/2013
O conceito final para as paredes de vidro, foi desenvolvido por
Peter Hall com a ajuda da equipe de Arup: uma superfície de
vidro contínuo sobre uma estrutura de aço. Então, como
saberemos até que ponto a solução das paredes de vidro
seguem as propostas de Utzon?
Em The Sydney Opera House glass walls, um artigo escrito por
David Croft e John Hooper, engenheiros da Arup, publicado no
The Journal Arup em outubro de 1973 revela que soluções
suspensas.
4 - Montantes devem ser finas aletas contínuas ao
longo das paredes de vidro.
5 - Abaixo dos telhados não deve haver qualquer
obstrução visual.
6 - As molduras devem ser construídas como uma
série de unidades de seção constante [...].
técnicas detalhadas estavam disponíveis para as paredes de
vidro no momento da demissão de Utzon. Há pelo menos, seis
requisitos do arquiteto que podem ser facilmente enxergados
no projeto final:
1- Todas as paredes de vidro em todo o Opera House
devem ser desenhadas como uma família, com um
layout estrutural similar.
2- A estrutura deve ser a mais limpa possível, com
montantes reduzido ao mínimo, ou até eliminados.
3- Os montantes não devem ser lidos como apoio das
conchas: as paredes de vidro devem parecer
_________________________________________________________
Fotografia do fechamento da fachada norte do SOH.fonte:
http://facadesconfidential.blogspot.com.br/2012/05/sydney-opera-housedecoding-glass-walls.html acesso em 16/10/2013
57
Novos princípios que incorporam alguns dos ideais expressos por
em uma estrutura já concluída sem quaisquer superfícies
Utzon foram desenvolvidos e refinados. A escolha do material, o
planas exigiu muito estudo e esforço. Muitas propostas
método de fixação e vedação, todas as soluções necessárias,
foram julgadas e rejeitadas em todo o período do projeto,
tiveram de ser trabalhadas a partir dos primeiros princípios. A
que durou de setembro de 1967 a maio de 1971. Mas no
tarefa de montagem de uma parede de vidro de forma adequada
final das paredes de vidro foram finalmente construída.
_________________________________________________________
Detalhes dos tipos de vidros fabricados para o SOH, 1970. Fonte:
http://facadesconfidential.blogspot.com.br/2012/05/sydney-opera-housedecoding-glass-walls.html acesso em 16/10/2013
A escolha do vidro era uma decisão a parte das soluções da
esquadria. Naquela época, pouco se sabia sobre vidros
laminados, mas por medidas de segurança, esse tipo de vidro
foi adotado após uma seguência de testes. A tonalidade exata
(chamado demi-topaze) foi criada por um fornecedor de vidro
na França e aplicada através de um processo chamado potcasting e em seguida, os vidros foram pré-cortados e
enviados para Sydney. O tamanho máximo da folha
necessário no local foi de aproximadamente 4,0 m por 2,1 m.
Podemos considerar que a etapa de projeto do interior e dos
fechamentos, foi o período mais complexo de todo o
processo do Sydney Opera House. Em meio a confusões
políticas e soluções insuficientes, Utzon afastou-se do projeto
para nunca mais retornar. Então, seriam as paredes de vidro,
pelo menos em alguma parte, Utzonianas? Sim, eles são.
Vimos que o desenho final, não foi muito diferente daquilo que
Utzon pensou enquanto comandava os trabalhos, e os
Processo de projeto das paredes de vidro do SOH, isso resumese à frase de Ove Arup após o período em que trabalhou
intensamente nessa solução: "Percebemos que só a integração
íntima das várias partes ou as várias disciplinas irá produzir os
resultados desejados" (Arup em Croft e Hooper, 1973)
principais requisitos do arquiteto foram recebidos por Peter
Hall e sua equipe.
Mas se há alguma coisa que podemos aprender com o
_________________________________________________________
Fotografia do foyer central sob a estrutura de aço vedada com vidro.
fonte: http://facadesconfidential.blogspot.com.br/2012/05/sydney-operahouse-decoding-glass-walls.html acesso em 16/10/2013
59
O interior – acústica das salas
Sob o ponto de vista acústico, o SOH tinha poucas referêncais.
Uma delas era o Lincon Center de Nova York, similar pela
Entretanto, Utzon também foi buscar opiniões de Werner Gabler
e Cremer, os prestigiosos acústicos da sala da filarmônica de
Berlín de Scharoun (Peñin, 2006).
magnitude e pela complexidade do programa. Outra referência
As incertezas sobre o auditório maior, fizeram com que Utzon e
era o Berlin Philharmonic do arquiteto Hans Scharoun. Esses
ua equipe se concentrassem primeiro em solucionar a acústica
dois exemplos que tiveram sua construção simultânea à do
do auditório menor. A primeira proposta realizada, consiste em
SOH, eram, até então, os melhores referenciais de sala de
uma série de curvas côncavas, desenhadas a partir de uma
concertos moderna que Utzon poderia ter.
intenção estética e não acústica. Essa solução, produzia
No SOH, inicialmente, a sala maior foi pensada para abrigar
problemas graves de reflexão homogênea.
3.500 ouvintes. Desejava-se que esta sala alternasse sua
programação com apresentações de ópera e concertos de
orquestras, mesmo que esses usos tivessem tempos de
reverberação diferentes (1,6 e 2,0 segundos respectivamente)
e portanto, volúmes ditintos. Este programa levou a um
trabalho durante anos para a solução de um auditório com
acústica variável. Partindo da configuração sinfônica, era
possível, mediante a painéis móveis, reduzir o volume da sala
para alcançar o tempo de reverberação requerido. Desde 1958
o estúdo acústico estava nas mãos de Vilhelm Lassen Jordan
que avaliou o esquema inical de Utzon.
_________________________________________________________
Solução acústica inicial para a sala menor
Fonte: Yellow Book, 1962
A mudança que Gabler e Cremer introduziram foi a implantação
de uma geometria convexa. Utzon então propôs um cilindro
maior que ao se deslizar gera uma série de perfiz circulares.
Este princípio que utilizaria alguns anos depois na igreja de
Bagesvaerd (1976). O trabalho conjunto entre Utzon e o
engenheiro Joaquim Nutch, da Gabler e Cremer, permitiu
resolver os aspectos mais relevantes da sala pequena,
entretanto a sala maior permanecia sem solução (Peñin, 2006).
_____________________________________________________
Modelo 3d do interior da sala menor. fonte: Utzon's Interiors for the
Opera House, Philip Nobis, 1994, disponível em:
www.youtube.com/watch?v=aU6oQpHfDz8. Acesso em 02/05/2013
_________________________________________________________
Croquis da solução acústica inicial para a sala menor
fonte: http://www.arcspace.com/the-architects-studio/joern-utzonsketches/, acesso em 25/10/2013
61
A primeira aproximação da forma do teto da sala maior consiste
em uma série de triângulos de madeira laminada nas laterais e no
teto, como uma grande capa sobre a sala, que mermite multiplas
reflexões. A geometria triangular adotada, cujos estudos
elaborados ficaram a cargo de Yuzo Mikami, permite um sistema
geométrico flexível que se adapta naturalmente a curva da
estrutura e a qualquer nova ciscunstância que surgisse durante a
construção.
No
entanto,
em
1960,
a
solução
geométrica
mudou
completamente. Sem outra justificativa, o comitê de arquitetura
do Ministério de Obras exigiu uma maior coerência e unidade
entre as duas salas. Mikami não concorda com essa alteração e
em seu livro, aponta esse momento como um perído de “pânico”
do arquiteto (Mikami, 2001).
Apesar disso, uma nova solução com base na geometria da sala
menor passa a ser estudada e resultados satisfatórios são
obtidos em meados de 1965, seis anos após o início da
construção (Peñin, 2006).
_______________________________________________________
Projeto de 1962 para o interior da sala maior e maquete em corte do
projeto para o interior da sala maior. fonte: Yellow Book, 1962 e
www.powerhousemuseum.com/insidethecollection/2013/01/operahouse-models/ acesso em 25/10/2013
Entretanto, em 1965 Utzon se desliga da obra do SOH e ao
assumir o controle do projeto, Peter Hall e a equipe de
engenheiros e arquitetos alteram significativamente o projeto
de Utzon para as duas salas.
A sala maior perde a função de ópera e concertos e passa
agora a ser apenas sala de concertos. Terraços de platéia
são agrupados no entorno do palco e agora já não há mais a
necessidade de fosso para orquestra. A platéia teve um
aumento da capacidade de público de 2.000 para 2.700
ouvintes e o forro acústico também sofre alterações
significativas. Já na sala menor, apenas o forro acústico é
alterado e a platéia permanece com o mesmo desenho
proposto por Utzon.
Após a renúncia de Utzon, o consultor acústico Cremer
Lothar, confirmou ao Comitê Executivo do SOH (SOHEC)
que o projeto acústico original de Utzon permitido para
apenas 2.000 lugares era ideal, e que o aumento do número
de cadeiras para 3.000 seria desastroso para a acústica
(Morgan, 2007).
_________________________________________________________
Maquete em corte do projeto para o interior da sala maior.
Fonte: www.powerhousemuseum.com/insidethecollection/2013/01/operahouse-models/ acesso em 25/10/2013
_______________________________________________________
Foto do nterior atual da sala maior e menor.
fonte: www.environment.nsw.gov.au acesso em 12/08/2013
63
Ao que tudo indica, Cramer parecia estar certo. Hoje em dia, os
acústicas, mas o espaço não é tão fantástico, como poderia
problemas
ser.” (Kamenev, 2011)
acústicos
da
sala
maior
geram
despesas
desnecessárias e prejudicam de forma drástica a qualidade
acústica da sala.
No artigo: Sydney's Opera House: Easy on the Eyes, Not the
A impressão final que temos é: se o Sydney Opera House é
um dos edifícios mais impressionantes do século XX, o seu
interior certamente não contribui para essa posição.
Ears,da revista Time de outubro de 2011, a jornalista Mariana
Kamenev aponta que as reclamações de músicos sobre a
acústica da sala são constantes, ao ponto do ex-maestro da
Orquestra sinfônica de Sydney, Edo de Waart, ameaçar boicotar
o prédio por problemas acústicos. Kamenev reforça sua crítica
quando comenta sobre uma pesquisa realizada pela revista de
música australiana Limelight, aonde músicos, críticos e
membros de conselhos de música, elencam as melhores salas
de ópera e concerto da austrália. Segundo a pesquisa, a sala de
ópera tem a pior acústica dos 20 principais locais. Já a sala de
concertos, ganhou um sombrio 18º lugar.
Richard Evans, diretor-executivo do Sydney Opera House na
época, afirmou: "Nós todos sabemos sobre os problemas com o
Opera House. Estão acontecendo algumas atualizações
_________________________________________________________
Acima: Davis Hughes, ministro das obras públicas de New South Wales, no
palco de um modelo da sala de concertos utilizado para testes de acústica.
Fonte: http://www.bdonline.co.uk/5062333.article acesso em 01/11/2013
Ao lado superior: Corte As Built da sala maior.
Ao lado inferior: Corte As Built da sala menor.
fonte: Sydney Opera House, Nomination by the Government of Australia for
Inscription on the World Heritage List, 2006.
_________________________________________________________
Cortes As Built das salas de concerto.
Fonte: http://facadesconfidential.blogspot.com.br/2012/05/sydney-opera-house-decoding-glass-walls.html acesso em 01/10/2013
65
Considerações finais sobre o Processo de Projeto
Por isso julgo apropriada a proposta de expor algumas ideias
Aqui nesta seção do trabalho, proponho uma reflexão sobre o
sobre o o processo de projeto de Jorn Utzon.
processo de projeto do arquiteto Jorn Utzon. Chamei de
Se nas ciências “duras” o método é de certa forma, rígido e
“considerações” por entender que ainda é muito cedo para fazer
universal, no processo de criação arquitetônica, é apenas
conclusões sobre um tema que requer bastante experiência
possível perceber alguns procedimentos semelhantes. O ato
tanto acadêmica, como prática. Idéias equivocadas e
de projetar um edifício carrega medidas intuitivas que muitas
conclusções precipitadas poderiam afetar de maneira negativa
vezes são limitadas por padrões ou normas. Kowaltowski,
este trabalho, entretanto, deixar de expor essas considerações
Bianchi e Petreche (2011) sugerem um padrão de
seria um prejuízo para um esforço que tem se estendido pelo
pensamento
período de um ano.
memória, evolução de idéias, criatividade e experiência.
Por isso, cautelosa e resumidamente, a nível de trabalho final de
No que diz respeito à criatividade, esses mesmos autores
graduação, escrevo sobre cinco aspectos que considerei
apontam que um ato projetual novo não necessariamente é
relevantes no processo projetual do arquiteto. Os conceitos
um ato criativo. “[...] além de original, esse ato deve ter o
apontados – que partem da bibliografia indicada no começo do
propósito de contribuir para uma solução” (Kowaltowski,
trabalho, são: criatividade x originalidade, refinamento da
Bianchi e Petreche, 2011, pag: 24).
ideia, etapas de incubação e solução, métodos de tentativa e
erro e processo de criação coletiva.
dos
projetistas
baseado
em:
raciocínio,
Herman Hertzberger escreve que precisamos ter cuidado, e
saber separar um projeto original de um projeto criativo.
Ainda que estes aspectos sejam tratados com certa
Segundo o autor, os projetistas precisam resolver problemas
superficialidade,
impostos externamente, satisfazer a necessidade dos clientes
acredito que
futuramente,
eles
podem
alavancar discussões mais profundasem trabalhos posteriores.
e além disso, criar objetos belos.
“Sabe, para mim criatividade é achar soluções para todas essas
modo que o resultado, passa a ser uma referência que cria
novos paradigmas.
coisas que são contrária, e o tipo errado de criatividade é que a
gente esquece o fato de que às vezes chove, esquece que às
A segunda consideração, discute a importância do
refinamento da ideia ao longo do processo. Por mais que isso
vezes tem gente demais, e só fazemos escadas bonitas a partir
possa parecer consenso entre os arqutetos, minha
daquela ideia que temos na cabeça. Isso não é criatividade, é
experiência na graduação foi afetada pela imagem da solução
falsa criatividade” (Hertzberger, 1994 em Lawson, 2011).
instantânea do arquiteto genial. Essa imagem é exemplificada
no conhecido e suspeito caso do projeto da Casa da Cascata,
feito na noite anterior da entrega, por Frank Lloyd Wright.
Em um dos capítulos de “Como arquitetos e designers
pensam” (2011), enquanto Bryan Lawson escreve sobre o
pensamento criativo, é interessante notar que o autor sugere
que os projetos criativos são aqueles que reconhecidamente
quebram o molde. Nas palavras de Lawson: “O que esses
projetos têm em comum, [...] é que mudam o mundo de forma
irrevogável” (Lawson, 2011). Ou seja, esses projetos passam
a ser modelos e a partir deles, muitos outros podem ser
desenvolidos.
Essa, é a primeira consideração sobre o processo de Utzon. A
criatividade do seu trabalho, ultrapassa soluções originais, de
Lawson aponta a experiência de Mozart e Beethoven no
processo de projeto de suas obras. Segundo o autor, embora
Mozart escrevesse músicas quase prontas em momentos de
grande inspiração, Beethoven sentia
necessidade de
reelaborar várias vezes as suas idéias. “Especialistas se
espantam
com
tamanha
deselegância
das
primeiras
anotações de Beethoven, mas é claro que todos nos
assombramos com o que ele acabou fazendo com elas”
(Lawson, 2011).
Após todo o levantamento e análise de fotos, desenhos,
croquis e maquetes, estou inclinado a considerar que o pro67
cesso criativo de Uzton produz o avanço através da constante
“Por exemplo , no caso de o revestimento exterior das conchas ,
evolução de soluções. Por mais que os momentos de grande
não foi possível determinar a geometria da telha , até que o
inspiração pudessem acontecer, o SOH mostra um processo
de projeto que relativiza o mito da concepção formal
tamanho completo maquetes tinha sido feito. Fizemos modelos
instantânea, e expõe um pensamento projetual que se
em grande escala, que eram ferramentas importantes, que,
exterioriza, analisa, sintetiza e se refaz constantemente.
juntamente com os desenhos , nos permitiu resolver problemas
Mas o processo de refinamento da ideia não se limita num
específicos. Por exemplo, o primeiro modelo da telha mostrou
simples processo de redesenho do projeto. Lima aponta que a
claramente que a nossa solução inicial não funcionou” (Jorn
evolução de um projeto só é possível através do uso de
inúmeros instrumentos projetuais como croquis, estudos
Utzon em ‘Sydney Opera House, The Setting’, 2000).
preliminares, construção de modelos físicos, elaboração de
Nesse mesmo documento, uma outra passagem revela uma
plantas, cortes e elevações, além de estudos fotográficos e de
relação bastante comum entre arquitetos e engenheiros. Na
natureza visual (Lima, 2009). Por esse ângulo, um olhar sobre
ocasião, Ove Arup questionava Utzon, o fato dos arquitetos
o processo de projeto de Utzon revela uma infinidade de
não toleram algumas soluções estruturais para facilitar a
propostas que foram desenvolvidas ao longo dos anos, com
solução de projeto. De maneira que Utzon responde:
diferentes soluções pensadas por meio de maquetes e
modelos.
Em um artigo publicado em 2000, o próprio arquiteto aponta
que o uso de intrumentos projetuais no processo de
refinamento da ideia, revela erros até então não percebidos:
“Eu posso aceitar colocar as armações de aço no interior oco dos
perfis de madeira e, assim, satisfazer a exigência do engenheiro.
Mas precisamos fazer modelos em escala de partes dessa
estrutura para garantir que os detalhes e as cores propostas estão
corretos” (Jorn Utzon em ‘Sydney Opera House, The Setting’,
2000).
_______________________________________________________
Acima: construção de modelo em escala 1:1 para soluçao das telhas.
fonte: Tese de Doutorado de Alberto Peñin, 2006.
Esquerda: teste com modelo estrutural da cobertura, na Universidade de
Southampton, 1958.
Fonte: http://www.engineering-timelines.com/who/Rice_P/ricePeter3.asp
acesso em 01/11/2013
69
Sem dúvida, a dificuldade de execução do SOH levou à
inadequação de uma ideia, mas a essênia dela talvez ainda seja
número de modelos, testes e desenhos que frequentemente,
válida (2011).
os projetos do cotidiano não requerem. Entretanto, para um
arquiteto em formação, como é meu caso, é sempre
convinente lembrar que um processo se aperfeiçoa com o
uso de instrumentos projetuais. Se até hoje, ainda não
compuz um Requiem, é melhor observar Beethoven e adotar
um processo de constante revisão e aprimoramento.
A terceira consideração discute sobre as fases do processo
criativo, mais especificamente, sobre a fase de incubação.
No nono capítulo do mesmo livro citado anteriormente,
Lawson identifica 5 fases no processo criativo: noção,
preparação, incubação, inspiração e verificação. A primeira
noção é um curto período de reconhecimento do problema
existente e a atitude de tentar resolvê-lo. A segunda fase,
preparação, é o esforço consciente para a resolução do
Uma leitura do texto “A importância dos Arquitetos”, poderá
revelar que Utzon reconhece a etapa da incubação como parte
de um processo criativo. De início, Utzon afirma que “a arte é o
resultado da liberação das forças criativas internas do homem”
em alusão ao grupo de artistas holandeses, belgas e
dinamarqueses CoBrA (1948-1951) com quem mantinha contato
desde suas orígens.
No parágrafo seguinte, ao citar Le Corbusier, Utzon afirma:
“A mente humana é um lugar onde podemos derramar os elementos
de um problema, deixá-los flutuar, ferver e fermentar por um momento.
Então, um dia, num espontâneo impulso o filho emerge”
(Citado em Penin, 2006)
problema. Na incubação, terceira fase, o arquiteto passa por
Essa afirmação parece ir ao encontro com as fases do processo
um relaxamento das idéias e cria um ambiente para o
criativo apontadas por Lawson. Podemos enteder que o “flutuar,
surgimento súbito da solução, dando lugar a quarta fase. A
ferver e fermentar”, seja uma referência ao periodo de
quinta e última fase é a verificação da solução e segundo o
incubação, onde nenhum esforço consciente é feito, e o “filho
autor, é muito comum que o período de verificação revele a
que emerge”, refira-se a fase de surgimento súbito da ideia.
O quarto conceito que trás a ideia de tentativa e erro parte de
Como vimos anteriormente, as soluções abandonadas e a
uma imposição clara da dificuldade de execução da obra. A
criação de novas propostas fizeram parte principalmente da
complexidade do processo construtivo do SOH levou a
concepção da cobertura do edifício. Entretanto, a solução
equipe a adotar com naturalidade o método de tentativa e
acústica das salas também exigiu soluções vindas de
erro. Por isso a equipe gerou bastante material de
experiências de tentativas e erros.
investigação que depois foi descartado. A oposição entre este
método e os valores de ajuste e eficácia da sociedade
capitalista, assim como a incompreensão mutua entre cliente
e arquiteto, provocou os desencontros que prejudicaram o
desenvolvimento da obra (Peñin, 2006).
Abandonar uma idéia estabelecida para começar a
formulação de outra idéia não parecia ser um problema para
Utzon. Como sabemos, a influência que o arquiteto recebeu
do seu pai, contribuiu de modo efetivo para seu processo. Os
métodos que Aage Utzon utilizava para projetar embarcações
também foram incorporados ao processo de Utzon.
Segundo Peñin, é importante destacar que durante 1960, a
acústica era uma ciência incipiente e adotava métodos
empíricos. Nas palavras do autor: “o processo de trabalho se
baseava no procedimento de tentativa e erro” (Peñin, 2006).
Devido a isso, hoje se faz necessária algumas correções em
certas obras.
Os métodos de tentativa e erro partem da imposição de
restrições e de objetivos estabelecidos. A repetição de
soluções é feitas até que se encontre a solução que melhor
atenda às exigências. No caso do processo de Utzon, o
método de tentativa e erro aparece sob a forma do processo
Nas palavras do próprio Utzon, era costume “deixar de lado
de geração e teste.
uma solução previamente consensuada para dedicar-se a
Esse processo consiste em buscar soluções baseadas em
uma superior. […] Não havia regras fixas, o objeto do
regras (mesmo que rudimentares). Diversas tentativas são
processo era a perfeição” (Drew, 1999).
realizadas, de modo que os resultados produzidos são
71
utilizados para guiar as próximas propostas até que se encontre a
melhor solução (Andrade; Ruschel; Moreira, 2011).
O último conceito trata do fazer o projeto como resultado de
criação coletiva. Segundo Weston, o projeto de Utzon estava
integralmente ligado à sua maneira de trabalhar (Weston 2004,
pag 180). Ainda segundo o autor, Utzon estabeleceu um
ambiente excepcional que fomentou uma criação coletiva e um
notável espírito de inovação durante o projeto do edifício.
Utzon era um arquiteto acostumado com escalas bem menores
de construção e diante do Sydney Opera House, precisou do
conhecimento de outros profissionais. Mesmo que seu espírito de
trabalho estivesse acostumado com o ambiente coletivo, esse
ambiente foi necessário devido ao grau de complexidade de
execução do edifício.
(Arup, 1988 em World Heritage List Nomination 2006).
Lawson escreve que a participação de outros elementos no
processo criativo é que torna a atividade de projetar tão
desafiadora (2011). Utzon parece saber bem disso, afinal, a
relação entre projetistas e o cliente (Governo de New South
Wales) tomou rumos drásticos.
Mas apesar de toda a reviravolta, devemos considerar que o
processo de projeto do SOH desmitifica o culto ao arquiteto
genial que tantas vezes é retratado. A despeito da
criatividade de Utzon, poucos avanços seriam possíveis sem
a participação de uma grande equipe de profissionais. Como
foi visto anteriormente aqui, Ove Arup foi um dos
responsáveis pelo desenvolvimento do projeto, num
processo de negociação entre arquiteto e construtores.
Segundo o Documento de Indicação do SOH para a World
Heritage List, por causa dos problemas de projeto a serem
Se por um lado a tensão entre arquiteto, engenheiro, cliente,
resolvidos, muitas oportunidades foram criadas tanto no
e os demais envolvidos pode gerar uma situação
escritório como no canteiro de obra (2006). A estrutura do
constrangedora, Lawson aponta que muitas vezes as
edifício por exemplo, não foi resultado de um único homem, mas
restrições impostas e as permissões concedidas favorecem
uma colaboração entre arquiteto, engenheiro e até do contratante
a construção de projetos mais sofisticados (2011).
Por fim, há uma frase muito interessante de Utzon que pode
revelar algumas pistas sobre seu processo. Gostaria de deixála como “conclusão” de um capítulo que não foi concluído e
que dificilmente será.
Na estrada desde a primeira idéia - o primeiro esboço - para
a construção final, uma série de possibilidades surgem para o
arquiteto, equipe de engenheiros, empreiteiros e artesãos.
Somente quando o fundamento para a escolha entre as várias
soluções, deriva da consciência de que a construção deve
fornecer prazer e inspiração às pessoas, é que as soluções
corretas para os problemas caem como frutas maduras.
(Utzon em Weston. Utzon: Inspiration - Vision – Architecture,
2002.
_________________________________________________________
Da esquerda para direita:: Michael Lewis, Ove Arup e Jack Zunz, durante o
Segundo estágio de construção. fonte:
http://facadesconfidential.blogspot.com.br/2012/05/sydney-opera-housedecoding-glass-walls.html acesso em 01/10/2013
73
5. centro de música e artes araçatuba
“A gente não quer só comida, a gente quer comida
diversão e arte...”
Titãs
O projeto de um Centro de Música e Artes para a cidade de
Araçatuba, nasceu de um reconhecimento da falta de
equipamentos culturais nessa cidade. Como cidadão
araçatubense, nascido numa família na qual a música
sempre esteve presente, frequentemente me via diante de
boas intenções culturais que raramente eram amparadas
por uma infra-estrutura adequada. A partir disso, quando
tive a oportunidade de escolher um tema de projeto para
trabalhar durante o último ano de graduação, não tive
dúvidas.
Mas antes de apresentar o projeto, gostaria de apresentar o
contexto no qual ele se insere. Araçatuba é um município
brasileiro no interior do estado de São Paulo. Sua
às cidades de Birigui e Guararapes. Juntas, as três cidades
população é de 183.441 habitantes (IBGE, 2012). Seu
alcançam a população de 300.000 habitantes.
nascimento remonta a expansão cafeeira comum das
cidades do interior no início do século XX e seu primeiro
grande crescimento foi caracterizado pela chegada da linha
do trem.
O primeiro desafio foi encontrar um local apropriado para o
desenvolvimento do projeto. Inicialmente, dois terrenos me
chamaram a atenção e a partir disso, comecei a avaliar os prós e
contras de cada local. Uma pesquisa, ainda no ano de 2012,
Localizada a 519km da capital do estado, o acesso
revelou duas áreas com bastante potencial para um equipamento
principal da cidade se dá pela rodovia SP-300 Marechal
de grande porte.
Cândido Rondon e conta com estradas vicinais que levam
_________________________________________________________
Vista aérea de Araçatuba
Fonte: http://blog.segurosemcasa.com.br/seguro-total/total-segurosaracatuba acesso em 08/10/2012
75
A escolha do local só foi possível após um encontro com o
secretário municipal de obras da cidade, Éderson da Silva, que
destacou a importância de se escolher um local que ainda não
tivesse planos de ocupação. Dentre os dois terrenos escolhidos,
um deles, já contava com obras em andamento, e isso já servia
como critério de escolha. Na mesma direção, o professor da
disciplina de Metodologia, José Luís Telles, destacou a
importância de se considerar o contexto próximo, ou seja, a
paisagem que circundava os terrenos. Assim, a escolha do
terreno foi caminhando para o local da Pedreira do Baguaçu.
A Pedreira do Baguaçu está localizada a sudeste da cidade. O
local teve suas atividades de extração iniciadas a partir de 1930,
mas em 1970, após a Lei Municipal nº. 2.627, a Pedreira
Baguaçu teve suas atividades encerradas (Castro, 2007). A partir
dessa data, o local ficou abandonado e serve atualmente como
área de descarte de entulho e terra vindos da construção civil.
Entretanto, a área ainda oferece grande potencial de ocupação,
principalmente para projetos de parques, devido a grande
quantidade de vegetação e a uma lagoa que acabou se formando
no vale de onde era extraído pedra.
_________________________________________________________
Imagem do Google Maps com destaque para a área da Pedreira.
acesso em 08/10/2012
A partir de então, decidi que o projeto seria apresentado em
necessários para a compreensão do projeto.
duas escalas. A primeira escala, que eu chamei de escala
urbana, compreenderia em uma proposta urbana de
requalificação da área através de um parque urbano com
equipamentos culturais. Essa proposta seria apenas uma
diretriz, e não seria detalhada. A segunda escala, que eu
chamei de escala de projeto, compreenderia na proposta de
edifício dentro do parque, com os desenhos e detalhes
_________________________________________________________
Direita: Foto da área utilizada para descarte de material. 12/10/2012
Esquerda: Foto da lagoa formada na pedreira. 12/10/2012
Fonte: acervo do aluno.
77
Sabendo que o trabalho seria um Centro e Música, os primeiros
desenhos feitos para o projeto são referentes ao autidório menor.
Nessa etapa, eu procurei ainda entender os fluxos e definir um
partido. Dois projetos foram bastante relevantes para a
configuração desse primeiro desenho. Os projetos são: Casa da
Música do Porto e Auditório da Escola de Música João Luís
Carrilho da Graça, em Lisboa.
______________________________________________________
Abaixo: Casa da Música do Porto. Fonte:
http://www.casadamusica.com/ acesso em 30/10/2013
Lado direito inferior: Auditório da Escola de Música JLCG. Fonte:
http://www.archdaily.com/206489/school-of-music-in-lisbon-joao-luiscarrilho-da-graca/escola-de-musica-110a%C2%A9jsr/. Acesso em
10/10/2013
Mesmo sabendo que eu não precisava fazer nenhum detalhe
do projeto do parque, decidi fazer alguns croquis de
mobiliário urbano. No caso, um banco do parque é projetado
para ter um desenho similar à uma tecla de piano, sendo seu
assento a tecla de nota natural e o encosto, a tecla dos
acidentes. Nessa mesma época, especulei alguns desenhos
de volumetria que não foram levandos adiante.
Mas infelizmente, eu não poderia passar o resto do ano fazendo
croquis e espculando idéias genéricas sobre o projeto. Então,
logo no começo do semestre, me foi exigido a entrega dos
desenhos da área, para compreensão do terreno. Naquele
momento, eu gostaria muito de ter continuado desenhando
algumas idéias sem muito compromisso. Mas não havia tempo e
o trabalho precisava continuar.
79
Além de desenhos da área, eu desenvolvi uma maquete que
me ajudou a entender a topografia e situação de ocupação do
local. Isso contribuiu bastante, já que em parte do terreno há
ruas de terra sem saída, e
loteamento sem qualquer
planejamento e desenho urbano. Assim, o primeiro desafio
seria resolver essas empenas que os fundos dos lotes
geravam na grande gleba.
Propus então que os fundos dos lotes que faceavam o terreno
fossem ocupados por pequenos edifícios que serviriam de
apoio ao parque, como sanitários, restaurantes, enfermaria,
etc...No desenho ao lado, já se pensava em implantar o Centro
de Música na parte superior do terreno, e essa ideia
permaneceu durante todo o processo. Do ponto de vista viário,
a primeira proposta é uma tentativa de continuar o desenho
urbano com os traçados de ruas previamente sugeridos.
81
Mas devido à complexidade do programa e ao pouco tempo
disponível para desenvolvimento do projeto, as idéias para o
parque pararam nessa etapa e retomaram somente depois das
soluções para o edifício. Então o primeiro desenho para o interior
do projeto foi feito. Basicamente, o projeto era composto por
duas salas de concerto, com restaurante, café, salas de apoio,
oficinas, livraria, entre outros. Os locais eram dispostos em torno
de um grande foyer central que conectava as duas salas.
Até o momento, a solução volumétrica não ocupava um lugar
relevante. Antes, minha maior preocupação era resolver o projeto
em planta. Para isso, propus duas salas de concerto, sendo a
maior em formato shoebox,e a menor, seguindo em partes, o
desenho de “arquibancada” proposto nos croquis iniciais.
Vale a pena destacar que é nesse momento que os dois volumes,
que no desenho anterior estavam separados, são unificados e a
escadaria ganha forma. Até à etapa anterior, uma grande área
entre os edifícios servia como praça. Essa idéia foi abandonada
no meio do caminho, e depois foi retomada. Já a escadaria, que
Nesse momento, já próximo da primeira avaliação, sou
era apenas um elemento para resolver o desnível, agora, passa a
obrigado a resolver com mais precisão o desenho da sala de
fazer parte de uma solução de projeto.
concertos maior. Isso me coloca a procura de referências.
Poderia parecer mais fácil usar a sala do SOH como
referência de projeto, mas por algum motivo, as salas
assimétricas com platéia em terraços me chamavam mais
atenção. Assim, buscando referências desse tipo, encontrei
dois projetos que influenciaram muito o desenho da sala
maior. O primeiro, um clássico da arquitetura, é o Berlin
Philharmonic do arquiteto Hans Scharoun, o segundo, mais
recente, é o Danish Radio Concert Hall, do arqutieto Jean
Nouvel.
Se por um lado esses projetos tinham o desenho que eu
buscava para a sala maior, para substituir a primeira
proposta em shoebox, por outro, eles apresentavam um
certo grau de dificuldade que me colocou muitas dúvidas
sobre a viabilidade. Por isso, após uma planta desenhada a
mão, eu deixei o projeto em duas dimensões e fui trabalhar
em um programa de modelagem 3D. Isso, facilitou o
desenho do projeto e acabou influenciando o andamento do
projeto. Infelizmente o único registro que sobrou do desenho
a mão é uma foto em péssima qualidade que um amigo
______________________________________________________
Acima: fotografia do Danish Radio Concert Hall.
fonte: budcybtech.blogspot.com
Abaixo: fotografia do Berlin Philharmonic
fonte: www.acoustics.salford.ac.uk
83
registrou pelo celular.
Desde o início estava previsto que a sala maior tivesse uma
capacidade para 1.200 espectadores. Esse número foi mantido
ao longo do projeto. A sala menor, desde o início tinha um
número previsto para 600 espectadores e esse número também
foi mantido. Todo o projeto da sala maior foi acompanhado pelo
estudo de visibilidade. Somente depois que a sala maior teve seu
desenho resolvido, fui tentar resolver a volumetria do edifício.
Nas pranchas da próxima página, é possivel verificar algumas
coisas. A primeira delas é que agora, o parque é uma grande área
verde sem qualquer detalhe. O único destaque do parque é a
lagoa formada no vale da pedreira. Outra coisa importante é que a
parte superior da implantação ganha um desenho diferente com
relação
aos
desenhos
que
haviam
sido
apresentados
anteriormente.
Outra coisa importante é notar que o desenho do foyer central, é
modificado. Muitos problemas estruturais foram encontrados
durante o projeto e estes, foram importantes para a definição da
planta e da volumetria.
A forma do edifício nesse momento é bastante diferente do que
ele se tornaria depois. Mas aqui, a única coisa que eu queria era
testar possibilidades. Não me preocupei com as exigências de
uma entrega de projeto, e me permiti explorar e testar o alguma
forma. Apesar disso, é nessa etapa que o projeto começa a
ganhar um desenho mais técnico e preciso de modo geral. Os
ambientes já são distribuídos de uma maneira mais clara, uma
estrutura já aparece para suportar o edifício e alguns materiais já
são definidos.
Nessa avaliação, os professores apontaram alguns problemas
que eu considerei bastante pertinentes. O primeiro comentário
referia-se a linguagem do projeto. Segundo o professor Gilberto
Belleza, eu precisava me decidir se meu projeto era uma aposta
em fachada, ou uma aposta em volume. O segundo comentário
dizia respeito aos acessos. Os professores achavam que faltava
um espaço de transição que acolhesse os espectadores. Outro
ponto, era com relação a cobertura, considerada até então, mal
resolvida. E por último, os avaliadores sugeriram que eu voltasse
a pensar na possibilidade de separar os volumes pra que a praça
central pudesse reaparecer.
85
Considerando as críticas que foram feitas ao projeto, eu voltei a
A praça entre os edifícios volta a ser descoberta e ganha um
trabalhar o projeto no programa 3d e fui remodelar toda a
jardim. Diferente do que o outro volume propunha, nesse
volumetria. Aqui o projeto assume uma outra linguagem que
aqui, eu preferi trabalhar com formas puras e alternar cores e
pouco tem a ver com a anterior. Antes mesmo de desenhar as
materiais. Enquanto uns volumes são de texturas diferentes,
plantas e concluir os desenhos técnicos eu preferi pensar em
pedra e vidro, outros têm a mesma textura mas de cores
como a volumetria se resolveria e a partir disso, propor as
diferentes. Por ser mais simples, esse volume contribuiu
alterações de planta.
para resolver a estrutura.
Nessa etapa de projeto, eu consigo desenhar alguns detalhes,
Para resolver o problema de transição apontado pelos
como, por exemplo, os caixilhos. O fechamento de vidro tipo U-
professores na última avaliação, a escadaria que antes era só
Glas escolhido para vedar os ambientes de circulação, fazem
um elemento para resolver o desnível, agora passa a ser esse
contraste com a opacidade da pedra e do concreto. Em noites
local no qual acontece a passagem do público para o privado. Os
de espetáculo, quando as luzes do interior do prédio estão
acessos principais para o foyer, que agora está enterrado sob a
acesas, pode-se ver o edifício brilhando entre os volumes, de
praça, são feitos por aberturas na escadaria, como mostra a
modo que ele se torne um referencial na paisagem do parque.
maquete eletrônica apresentada no começo desse capítulo.
87
______________________
PLANTA DO NÍVEL +4.00
SEM ESCALA
______________________
PLANTA DO NÍVEL 0.00
SEM ESCALA
89
______________________
PLANTA DO NÍVEL -4.00
SEM ESCALA
___________________________________________________________________
Maquete eletrônica do resultado final do teatro e elevações.
91
______________________
CORTE DA SALA MAIOR
SEM ESCALA
93
___________________________________________________________________
Maquete eletrônica do resultado final da sala de concertos e modelo real do projeto final
Os desenhos detalhados como esse corte que foi apresentado
conseguir pensar e refletir sobre o processo de projeto. O
na escala 1:100 numa folha A0, me ajudaram a entender muita
fazer e a reflexão sobre o fazer.
coisa do projeto, que até então eu não me preocupava. Da
mesma forma, muitos erros foram revelados e muitas soluções
ficaram inacabadas.
Lamentavelmente,
Por fim, retomo às considerações que fiz no início desse
trabalho, quando apresentei este como uma produção
semelhante a qualquer produto da arquitetura.
o
curto
prazo
de
tempo
para
o
desenvolvimento do projeto prejudica muito a qualidade do
edifício, mas todos sabemos, que um arquiteto vai lidar com
prazos por toda sua vida profissional. A grande questão é saber
como operar diante dsso.
Se na arquitetura nosso projeto nunca termina, e a “entrega”
define o fim do projeto, aqui, este projeto também não
termina. O prazo indica o corte de um processo que pode
continuar ao longo da carreira. Assim como num projeto de
arquitetura, aonde as alterações podem ser feitas e o edifício
Infelizmente, usei boa parte do meu processo explorando uma
pode ser aprimorado mesmo depois de “pronto”, este
forma que foi completamente alterada no meio do caminho.
trabalho ainda estimula e cobra avanços.
Esse tempo, eu não considero perdido, mas acredito que essa
etapa pode ser evitada se o processo for iniciado de maneira
diferente.
Por isso, evito mais uma vez fazer considerações definitivas,
enxergando esta obra não como fim, mas como começo de
um processo.
Se por um lado julgo que até agora meu processo de projeto foi
bastante ingênuo e imaturo, por outro, vejo que dificilmente a
experiência do fazer amadurecerá meu processo. Prefiro
acreditar que o processo amadurecerá somente quando eu
95
6. bibliografia
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