Modas de macho

Transcrição

Modas de macho
Modas de macho
Moda masculina é um assunto tão empolgante quanto complicado. Na última década, vimos os homens se libertarem de certas amarras fashion e
ousarem mais no guarda-roupa. Calça skinny e camiseta rosa não são mais
nenhum bicho-de-sete-cabeças. Ainda assim, sabemos que a moda masculina continua sendo um assunto periférico, principalmente se levarmos em
conta a atenção dada à moda para mulheres.
É por isso que nesta Edição de Luxo #3 (com mais páginas!) deixamos
as mocinhas um pouco de lado e resolvemos falar para os meninos, com
colaboradores que entendem muito do assunto.
Os problemas da moda masculina já começam na nomenclatura: afinal,
porque moda masculina não é apenas Moda? Essa é uma das questões levantadas pelo jornalista Vitor Angelo, que nos concedeu uma entrevista
bem esclarecedora sobre o tema.
Para abordar a situação brasileira, convidamos o jornalista Sylvain Justum,
que faz um breve panorama do momento que estamos vivendo. Rogério
Barros, do blog Cotelgramps, analisa os gêneros a partir dos movimentos
culturais. Para fechar esta Edição de Luxo com chave de ouro, o macho
exemplar Xico Sá nos presenteia com uma bela história a respeito de uma
nova categoria de homens: os “brechossexuais”.
Tudo isso e muito mais nas próximas páginas, porque moda é coisa de macho, sim senhor!
Aline Botelho & Thiago Felix
Editores
BBBBBBBBBBB
Mãos à obra
A moda masculina brasileira tem tudo para repetir o sucesso europeu da
última década. Falta aparar algumas arestas e azeitar a engrenagem
Por Sylvain Justum
“O homem é a nova mulher”. Talvez você
tenha escutado essa frase ultimamente e,
tirada de contexto, ela pode ter te levado
a imaginar significados sexualmente pervertidos. Nada disso. O sentido aí é dos
mais fashion e dá aos machões cada vez
mais interessados nas direções tomadas
pela moda global o alento de que boa coisa
ainda está por vir. Explica-se. Tudo já foi
testado e experimentado na moda feminina,
que vive de releituras já há algum tempo,
enquanto o segmento masculino conhece
um boom criativo sem precedentes de dez
anos para cá. No Brasil, naturalmente, a
marola respinga com atraso e, por conta
disso, ainda não atingimos totalmente a
temperatura de ebulição. Existem avanços,
sim, mas que dependem da combinação de
alguns fatores para consolidar-se. E a nossa
luta é para que isso ocorra, sempre com o
objetivo de acrescentar pitadas de elegância
e estilo ao homem brasileiro.
Claro que não dá para cobrar a mesma cultura, a mesma cabeça aberta e naturalidade
com que o europeu encara a moda. Estamos
no Brasil, afinal, diriam os mais céticos. E,
se mesmo no Velho Continente, cheio de
história e tradição, os holofotes só se acenderam de verdade no início dos anos 2000
com o tsunami Hedi Slimane – à época
diretor criativo da Dior Homme -, tudo
bem então estarmos “atrasados”, certo?
Bem, sim e não. Quando a coisa aconteceu
por lá, havia um cenário pronto esperando,
aquele consumidor do início do parágrafo
estava de braços bem abertos para receber
as boas novas. Mas, mais do que isso, mídia e indústria entraram na engrenagem. ►
Por isso o slim pegou tão facilmente nas
ruas de Paris, por isso o combo bermuda e
blazer virou uniforme de gente interessante
nos verões de Nova York e também por
isso as cores invadiram de vez o closet dos
milaneses. Cores, taí uma coisa que - pelo
menos no discurso - nunca foi problema
para os brasileiros, não é? De sangue latino
como os italianos, somos efusivos, de personalidade extrovertida, portanto colorida.
Mas, até pouco tempo atrás, rosa não podia. Era coisa de viado, de mulherzinha.
Ai de quem se atrevesse a aparecer com
uma pólo do tom da pantera, era excluído e
apontado na rua como “o esquisito”. Felizmente, passamos desse estágio, os homens
hoje adoram o rosa, viram que faz sucesso
com as mulheres, mas ainda temos muito a
fazer.
Que tal se as revistas começassem a dar informação de moda de fato a seus leitores?
Sim, porque o arroz-com-feijão, o costume
com gravata ou o jeans e camiseta eles já
veem na vida real todo santo dia. Podiam
abandonar certos preconceitos também.
Os homens enrosaram, mas “na capa da
minha revista não entra!”. Ou “vamos usar
modelos com cara de homem, que esse aí
parece uma menina”. Que tal também se
as grandes grifes que dominam o segmento
saíssem da zona de conforto e pusessem em
suas prateleiras algo além do trivial, de sucesso comercial garantido? Se a ideia assusta
(“ah, mas meu cliente não vai comprar, vai
espantar a freguesia”), então uma saída seria apoiar novos talentos, o que funcionaria
como bom marketing inclusive. E que tal se
a publicidade parasse de posar de moderna e pelo menos assumisse sua caretice, já
que também recua diante do menor sinal
de fuga do convencional quando o assunto
é moda e figurino? Apesar das barreiras
culturais, do atraso da indústria – é notória
a falta de mão-de-obra especializada, a alta
carga de impostos e baixa qualidade de
muita matéria-prima por aí – e da falta de
visão dos formadores de opinião, acredito
na moda masculina brasileira. O fato de
tudo ser muito novo é extremamente positivo. Significa que há toda uma estrada a ser
construída – e não remendada. Um bom
começo é não subestimar o cliente, afinal
ele já é responsável por 30% do movimento
das clínicas estéticas. Moda, para ele, portanto, é fichinha. Estamos com a faca e o
queijo na mão. Quem corta?
bbbbbbbbbbb
P
Don Draper is the Man
Por Aline Botelho
Quem é Don Draper? Essa é a pergunta
feita no início da quarta temporada da série
Mad Men (do canal a cabo americano AMC,
transmitida no Brasil pela HBO) e é também
a questão crucial para que possamos entender porque um personagem de TV se tornou
uma figura masculina tão influente dentro da
nossa cultura.
Mad Men se passa na Nova Iorque da década
de 60 e sua trama gira em torno do dia-a-dia
da agência de publicidade Sterling Cooper,
na Madison Avenue (“Mad Men” era o nome
dado aos publicitários que trabalhavam nessa avenida). O show é centrado em Donald
Draper (interpretado por Jon Hamm), o gênio
criativo da empresa e a imagem perfeita do
que os norte-americanos costumam chamar
de self-made man, conceito ancorado na ideia
do sonho americano de que qualquer pessoa,
através de muito trabalho, tem condições de
“subir na vida”.
Draper é um personagem bastante controverso. Seu nome na verdade é Dick Whitman, mas na tentativa de fugir de seu passado – especialmente de sua infância pobre
e humilhante, na qual sofria abusos de seu
padrasto alcóolatra – rouba a identidade de
um tenente na guerra da Coreia, chamado
Donald Draper, que morre em uma explosão. Daí para frente, acontece sua escalada para o sucesso. Absurdamente bonito,
charmoso e bem vestido, ele é o estereótipo
do homem branco americano de classe média
da pós segunda guerra mundial. Regado a
muito álcool e cigarros, transforma-se no que
o escritor Tom Wolfe chama de “Master of
the Universe”, um homem sem limites, que
pode ter tudo o quiser, na hora que quiser, de
mulheres a artigos de luxo.
Draper é tudo que um homem naquela época
gostaria de ser, no entanto, se o personagem
vivesse nos dias de hoje, seu comportamento
seria repudiável. Infiel, é capaz de ser rude,
preconceituoso e até de agredir mulheres.
Apesar dessas características nada lisonjeiras, ele foi eleito o homem mais influente de
2009 pela Ask Men, na frente de “homens
reais”, como o presidente Barack Obama e
Steve Jobs. O motivo para isso? Segundo o
próprio artigo da Askmen.com, a imagem
de Don Draper é a representação de um ideal
de masculinidade que não existe mais, um
homem bem sucedido, provedor da família
e que quer reconciliar seus conflitos morais
e seus desejos. Ele ilustra não só antigos valores, mas também as dificuldades do homem
moderno, com suas falhas e sua busca pelo
equilíbrio.
Talvez as mudanças na imagem masculina
nas últimas décadas tenham sido muito bruscas para o homem médio. Don Draper, com
seu terno e gravata e sua imagem de macho
alfa, transformou-se em um porto seguro,
em um ideário de masculinidade em que os
homens de hoje podem se apegar. Interessante observar que, enquanto os homens têm
se identificado com o personagem, as mulheres se sentem atraídas pela figura imponente
de Draper. O personagem é o sonho das mulheres que dizem, “Não se faz mais homens
como antigamente”.
9
Está lançado o desafio para o homem moderno: tratar bem as mulheres e estar aberto para
as novas expectativas de comportamento e
vestuário, sem perder o “it” que faz de Don
Draper a personificação da masculinidade.
Macho, moda e movimentos culturais
Por Rogerio Barros
Já há algum tempo, tem-se percebido uma
movimentação reivindicatória no universo
masculino: fazendo oposição aos metrossexuais, os retrossexuais fincaram bandeira
no solo e exigiram o direito de ser homem.
Recentemente, a Geil Magazine lançou
uma campanha em que, na pauta, pedia-se:
salvem os homens! Mas, o que é isso, companheiro?
C
Diferente de pensar este pleito como o ressurgimento de um novo sexismo, é preciso
analisá-lo como a necessidade de demarcação de fronteiras. Como em qualquer campo de batalha, ao final da guerra, territórios
merecem ser nomeados pelo conquistador.
O argumento que aqui vai se sustentar é o
seguinte: macho e fêmea, no decorrer das
décadas, ora foram surrupiados a partir de
contestações de igualdade, ora demarcados,
como necessidade urgente da existência de
diferenças. Vamos à história?
C
Década de 60-70: pleiteava-se que as representações monótonas do masculino e feminino caíssem ribanceira abaixo, demandando a universalização do guarda-roupa.
A denúncia embutida era pelo fim do desmedido poder masculino que gera a guerra
e a urgência que nova ordem se instalasse:
a do amor plural. O avesso disso surge no
final de 70 e início de 80, com a emergência do movimento anarco-punk. Quem vai
dizer que o Johnny Rotten e o Sid Vicious
não são machos?
C
O começo dos anos 90 vem junto com a
desilusão: sem oposição entre capitalistas e socialistas, paira no ar um tédio. O
feminino aparece borrado e sem valor, e
o poder do machão destruidor punk cede
lugar ao niilista nostálgico grunge. O casal
Kurt Cobain e Courtney Love expressam
como nenhum outro a cena indumentária
da época: baby doll rasgado e camisa de
lenhador por demais folgada para aquele
homem pequeno. Já ao final da mesma
década, prevalece o New Metal com o seu
grunhido forte e a exarcebação masculina
empoderada outra vez. E daí veio o Emo,
as franjas em meninos e meninas, as calças
skinny, o sofrimento masculino com ares
feminilizados... Haja ciclos!
C
O que se percebe é que a alteridade macho
e fêmea está sempre em pauta: seja na horizontalidade em que todos, em comportamento ou vestimenta, têm direitos iguais,
seja na verticalidade, em que ressaltam-se
as demarcações que distinguem homens e
mulheres. Para o tempo em que mulheres
usam a calça boyfriend e homens se depilam – marca anatômica que distingue os
sexos -, alguns respondem com um pedido:
deixem os homens serem homens.
C
Se o pensamento de Judith Butler, filósofa
francesa, aponta que os gêneros homem
e mulher são performances - sobretudo,
no vestir e no comportar -, como ouvir
esta nova demanda social? Talvez, traçar
a igualdade dos gêneros não resulte em
algo proveitoso, mas equivalê-los possa
ser mais enriquecedor. Urge, na contemporaneidade, não o gosto pelo homem de
outrora, enrijecido em sua representação,
mas o desejo de um novo homem, flexível e
seguro da ordem dos sexos: há diferenças!
Edição de Luxo entrevista: Vitor Angelo
A moda masculina sempre nos suscitou
muitos questionamentos envolvendo, principalmente, gênero e sexualidade. Para dar
conta dessas e de outras inquietações nossas sobre o tema, nosso entrevistado da vez
é o jornalista Vitor Angelo. Autor de um dos
melhores e mais influentes blogs de moda do
Brasil, o Dus Infernus (http://dusinfernus.
wordpress.com), atualmente escreve para o
Portal Vírgula e é colaborador da Folha de S.
Paulo (onde já assinou a inovadora Coluna
GLS, da revista da Folha, extinta em abril
desse ano). Vitor também é autor de “Aurélia
- A Dicionária da Língua Afiada”, onde reúne
gírias gays.
C
Qual a importância da moda na diferenciação entre os gêneros masculino e feminino?
Existe um movimento na moda que reforça
os gêneros e outro que reforça a individualidade. O primeiro se encaminha em um terreno mais conservador (que utiliza a moda
como instrumento para diferenciar classes,
gêneros e sexualidades) e o outro mais progressista, que trouxe nos anos 60 o unissex
– talvez um evento que a moda deu muito
pouca importância, tamanha a sua verdadeira
carga de potencialidades –, por exemplo,
a camiseta é unissex e talvez o artigo mais
democrático hoje em dia e o que pode gerar
mais individualidades. O jeans perdeu esse
caráter ao tentar ser um novo-rico da moda,
com esse tal de jeans premium.
Ao mesmo tempo em que diferencia, a
moda é também capaz de assemelhar.
Você acha que a eterna profecia da androginia vai se cumprir? Isso já está acontecendo?
A androginia é um conceito da primeira linha
que disse acima – o movimento de moda
que diferencia sexualidades, a que reforça os
gêneros. Acredito mais em indivíduos acima
de gêneros e sexualidades e nesse conceito a
androginia, a calça boyfriend, o masculinofeminino é coisa obsoleta.
Pensando historicamente, a gente fica
com a impressão de que os homens sempre foram mais livres que as mulheres,
mas você não acha que existe uma inversão quando o assunto é o guarda-roupa? Qual seria o motivo, ou pelo menos o
motivo mais interessante para isso?
O mundo é dos homens, então mesmo dentro
desse primeiro movimento de moda, a que
reforça gêneros, é muito saudável as mulheres
invadirem os guarda-roupas masculinos para
simbolicamente tomarem seu poder também.
O que acontece com a moda ser o terreno das
mulheres é porque do mesmo modo que o
carnaval é um mecanismo de escape contra a
opressão sexual, a moda é um mecanismo de
escape contra a opressão do gênero masculino
sobre o feminino. São brechas que os dominadores podem legitimar o seu poder.
Uma observação: muitos historiadores da
moda falam da moda como terreno da fantasia, talvez haja alguma ponte que explique
sua correlação com o carnaval e o terreno da
fantasia dessa manifestação.
Na nossa cultura, a representação escancarada do corpo masculino como objeto
de desejo é algo bastante novo. Ainda assim, na moda, essa exposição costuma se
dar por um viés gay. Como você vê a erotização do corpo masculino e sua relação
com o olhar feminino?
Foram os gays e, portanto, os homens que
liberaram o corpo masculino e o transformaram em objeto.
Você acha que - quando falamos de moda
para homens - podemos falar de uma
moda gay e outra hétero (sendo que a
primeira é muito mais livre)? Como você
acha que elas se relacionam?
Bom, se pensarmos naquela primeira linha
de movimento da moda, a que separa a roupa
por gêneros, pode-se pensar em uma moda
para gays, mas o detalhe é que com a individualização da moda, a cada dia essa tal “moda
gay” vai ficando mais tênue. A cor rosa era
código relacionado aos gays, hoje os héteros
a usam, a camiseta justa era algo relacionada
ao gays e hoje os héteros a usam, a musculação em massa que começa nos anos 80 foi
difundida pelo gays e hoje os héteros a fazem,
o uso de cremes era algo relacionado aos gays
e hoje muito héteros usam. Enfim, como na
moda o homem é menos livre que a mulher,
ele assalta o “guarda-roupa” do “gay” (preconceituosamente relacionado ao lado fêmea)
para ganhar mais liberdade. Apesar de que
essa visão fará pouco sentido quando a moda
que se cola no indivíduo preponderar.
Quais são seus ícones de moda masculina?
A moda de rua sempre, dos office boys, dos
rappers, dos skatistas, dos roqueiros, do pessoal da música eletrônica, dos clubbers...
O que você acha da idéia de Paulo Borges
de concentrar os desfiles de moda exclusivamente masculina no Fashion Rio?
O Paulo é uma pessoa com visão além do alcance, mas eu vendo agora, acho forçação de
barra para justificar dois eventos que não têm
razão de ser, já que a boa moda brasileira é
difícil de encher um line up, imagina dois.
Alcino Leite Neto constantemente critica
a quase hegemonia de uma moda mascu-
lina adolescente no Brasil e a carência de
marcas dispostas a criar moda para homens. Você concorda com isso?
Concordo e a razão disso está em dois dispositivos: a falta de cultura de moda dos homens
brasileiros e a nossa vocação sportwear. A
América, portanto o Novo Mundo, é a negação do terno, das regras de conduta do bem
vestir masculino – os homens do Brasil - em
sua maioria - nem sabem quando um blazer
está com caimento bom ou não se vendo no
espelho vestindo um. A moda no Brasil é
adolescente, podemos dizer que é uma moda
informal, mas mesmo assim pode agradar
também o adulto, aliás agrada. Acredito que
seja uma razão de mercado e deriva da postura do brasileiro em relação ao informal, ao
sportwear, de se sentir mais ligado com o casual do que com o formal.
Tenho pra mim que João Pimenta está
propondo uma grande mudança na
concepção de moda masculina, com sua
pesquisa da silhueta feminina dentro do
guarda-roupa masculino. O que você
acha do trabalho dele?
Tenho uma grande admiração pelo João Pimenta, assim como também é importante
ressaltar o trabalho do Victor e Rogério da
Vrom no final dos anos 90 e começo dos 2000.
Eles trouxeram novas idéias, brincando com
o sartorial e o streetwear.
Mas voltando ao João, eu escrevi sobre ele
para o Uol depois de seu último desfile na
Casa de Criadores.
Fora de qualquer limite da realidade,
como você gostaria que fosse a moda
masculina?
Queria que a moda masculina fosse apenas
MODA.
W
Sub-cultura dos anos 30 e 40: Zoot Suit
Por Aline Botelho
O conceito de antimoda costuma dizer respeito à moda de rua, principalmente da forma
como ela surgiu nas décadas de 50 e 60 com
as tribos jovens, como os mods, beatniks,
hippies etc., que criavam um estilo que não
seguia os moldes da passarela, mas sim os signos que cada grupo compartilhava. Porém,
nas décadas de 30 e 40, existiu uma autêntica
antimoda quando ainda nem se usava esse
termo - eram os chamados zoot-suiters.
Nos Estados Unidos, jovens negros e hispano-americanos do Harlem, em Nova
Iorque, e de Los Angeles não sentiam que a
Jovem trajando um zoot suit
Segunda Guerra Mundial dizia respeito à realidade em que eles viviam. Nesse contexto
de segregação racial e marginalização do final da década de 30, popularizou-se entre os
jovens das minorias um estilo antipatriótico
que se valia de uma grande quantidade de
tecido, indo contra a austeridade e as regras
de racionamento impostas pelo governo
norte-americano durante a mobilização bélica do país. As jaquetas iam até os joelhos, os
ombros eram enormes, as calças super largas
tinham pregas e a cintura ia quase até o peito.
De fato, era tudo o que as regulamentações
contra o uso excessivo de tecido diziam para
não fazer. Para combinar com o exagero das
roupas, usava-se sapatos pontudos, longas
gravatas, correntes penduradas e chapéus
bem grandes. O estilo era visto como algo tão
ofensivo que constantemente os zoot-suiters
eram espancados por policiais, que os consideravam cidadãos fora da lei com seus ternos
Charge de Willard Mullin retrata um zoot-suiter
subversivos. Em Los Angeles, os confrontos
de 1943 entre oficiais da marinha e zoot-suiters hispano-americanos ficaram conhecidos
como Zoot Suit Riots.
chamados Teddy Boys adaptaram os zoot suits
ao seu estilo edwardiano, adicionando lapelas
de veludo, coletes e bootlace ties.
A influência zoot, associada ao jazz, não tardou em chegar à Europa. Em Paris, durante
o regime Vichy da ocupação nazista, jovens
rebeldes, afins ao swing jazz, ao bebop e ao
estilo zoot, eram chamados de zazous. Os garotos usavam ombros bem grandes, jaquetas
quadriculadas compridas e calças justas. As
garotas vestiam meias listradas, mini-saias e
casacos de pele. Tanto os homens quanto as
mulheres usavam óculos escuros e carregavam
guarda-chuvas. Na Inglaterra dos anos 50, os
Mais tarde, o zoot suit foi adotado por astros
de Hollywood que curtiam fazer a linha bad
boy, como Frank Sinatra e seus colegas do Rat
Pack. Filmes de gangsters popularizaram e
glamurizaram essa silhueta. Até hoje o estilo
é associada a mafiosos e malandros nos filmes
e no imaginário coletivo. Alguns exemplos
notórios com referências zoot são os filmes
Dick Tracy (1990), O Máscara (1994), Dália
Negra (2006), e o figurino de Michael Jackson
e seus capangas em Smooth Criminal para o
filme Moonwalker (1988).
Caricatura de um típico zazou
Episódio dos Zoot Suit Riots
O século que levou os homens
Por Thiago Felix
É um pouco confuso lidar com o fato de
que é imensamente mais fácil reconhecer
que definir. Qualquer um de nós pode, por
exemplo, identificar a letra “a”, mas quem
poderia facilmente defini-la? É curioso ver
como os gêneros têm um lugar especial entre
essas coisas que evidenciam a constrangedora distância entre identificar e conceituar
- porque qualquer criança pode diferenciar
um homem de uma mulher. Nós percebemos
- e julgamos - o que é um homem, ou o que
seria masculino, mas essa facilidade não nos
aproxima em nada da resolução do problema
que é defini-lo.
C
A utilidade de definir um dos gêneros é completamente discutível, mas sempre sobra o
desafio de identificar este gênero que foi redefinido pelo século que passou. Se pensarmos sob o ponto de vista da intensidade das
transformações, o século XX pode bem ser
considerado uma era; uma era que foi difícil
para a masculinidade: os homens foram os
vilões da revolução de costumes que buscava
a igualdade entre os sexos. Da mesma forma,
em outros fenômenos que causaram profundas e irreversíveis mudanças de comportamento, como o rock’n’roll e o movimento
hippie, a figura do adulto do sexo masculino
como ela tinha se estabelecido foi, no mínimo, reprovada.
C
Parece que a liberdade, das mulheres, de
fazer sexo e de viver a juventude tirou do
homem alguma coisa fundamental. Até certo
momento da nossa história, a liberdade era
o destino dos que envelheciam, conquistavam autonomia financeira e maturidade para
tomas suas próprias decisões; mas a partir do
momento em que a liberdade passou a ser
sinônimo de juventude, as pessoas precisaram
cada vez mais se sentir rejuvenescidas, e os
homens ficaram cada vez menos “senhores”
ou “lordes”. Desde que isso aconteceu nunca
mais se viu andando nas ruas um “homem
clássico”.
C
O rock foi uma das manifestações associadas
à última grande atualização no guarda-roupa
12
e na postura masculinos, mas o rock trouxe
também ambiguidade, agressividade e rebeldia demais, de modo que, ao atualizar a idéia
do homem, ele também a distanciava da antiga idéia de masculinidade. O terno-e-gravata,
que antes vestia distintos cavalheiros como o
indefctível Atticus Finch (interpretado por
Gregory Peck na adaptação para o cinema,
de 1962, do romance O Sol É Para Todos de
Harper Lee), passou a vestir os desinteressantíssimos yuppies, virou farda insossa de
executivos, para terminar sendo multiplicado no cinema em milhares de agentes Smith
- personagem muito apropriado para ilustrar
descaracterização e perda de identidade.
O cinema é onde melhor podemos identificar a forma como a identidade masculina
atravessou este difícil século. É pelas mãos
de um autor notadamente homossexual que
vimos a respeitabilidade e a polidez dos cavalheiros deixadas de lado para Marlon Brando
encarnar (primeiro nos palcos, por escolha do
próprio Tennessee Williams, e depois no cinema) a figura erotizada de Stanley Kowalski
em Um Bonde Chamado Desejo (1951). A
partir dali se inaugurava uma época diferente
em que o charme e a elegância de Humphrey
Bogart teriam que competir com a erotização do corpo masculino (não só por parte de
gays, como das mulheres-livres). Mas não
podemos esquecer da confusão que a figura
rebolativa de Elvis Presley, do alto de sua
instantânea majestade, deve ter causado. Até
o cowboy, último grande ícone da macheza,
vimos ser desmontado por ideias como a do
Village People, antes mesmo de chegar ao
cinema pelas mãos de Ang Lee, com Brokeback Mountain (2005), para se estabelecer de
vez no ideário homossexual.
C
Depois do século XX não existe mais no
homem um lugar para o antigo homem, e é
por isso que não existem mais galãs como os
da era de ouro de Hollywood. As transformações que tornaram o mundo um lugar melhor
também o tornaram impossível para o Herói
masculino. Seja lá o que for, o que vier para
definir o homem do futuro (ou do nosso tempo) não poderá mais estar tão longe da homossexualidade, da valorização da mulher,
da inegável vulnerabilidade de cada ser humano e de todas as outras coisas que tornam
o mundo tão difícil quanto fascinante.
Mistérios do brechossexual
Por Xico Sá*
Depois do metrossexual e do übersexual
– que também se lambuza de creminhos,
mas é mais homem, como o clichê George
Clooney, sabe? – estamos diante do brechossexual, aquele que simplesmente se
veste com roupas à moda antiga, sempre na
estica de brechós. E o problema desse novo
tipo de macho é exatamente esse: seu passado o condena.
Até que arranquei a desalmada veste,
vupt, e joguei com força no chão. No que
a camisa, vocês não acreditam, ganhou vôo
próprio e dependurou-se sozinha lá no cabide ao longe. “Vôti”, balbuciei, e ali mesmo se foi o ser erétil que me habitava. Pelo
vôo da camisa, ou o defunto era goleiro dos
bons, à Mazurkievski, ou trapezista, e do
Cirque du Soleil, no mínimo.
Ele não tem nem culpa, mas os trajes,
roupas de desconhecidos e até de respeitáveis defuntos, acabam não deixando a
clássica herança, à Brás Cubas, “que a terra
lhe seja leve”. Muito pelo contrário, dizem
os vermes que roerão o seu pobre cadáver.
E histórias do gênero não faltam. Um amigo comprou um sapato que sempre queria
ir para o lado contrário. Ele queria “tomar
uma” e o pisante desobedecia no rumo de
casa. Devia ser de um religioso, um respeitável abstêmio, um evangélico de responsa,
um monge tibetano...
O novo termo surgiu num banquete
madrugador e nada platônico entre JR Terron, Ronaldo Bressane e este que vos sopra
o cangote. Bressane, no caso, seria o legítimo representante da referida neobossa.
Mas confesso que já vivi um tanto na pele
de um brechossexual também. Até que
me veio a hora do espanto. Minha linda
camisa colorida, que cobria uma velha
dor, começou a aprontar. Nesses tempos
de vidas passadas em alta, pensei logo nas
feições do morto que um dia a vestiu. O
vento, numa noite em que nem uma folha
se mexia, balançou logo as cortinas. Parecia
conto G.K. Chesterton, escriba de malassombros tantos.
Eu com uma bela afilhada de Balzac, serena
e sábia no ritmo do desejo, e a camisa sem
querer sair das minhas costelas. O diabo da
estampa tinha vida própria e se agarrava ao
meu esqueleto do semi-árido como em espinhos de cactus e mandacarus tantos.
As fêmeas também são vítimas de tais
marmotas. Uma amiga aqui de São Paulo
comprou um vestido que subia, com ou
sem vento, na primeira esquina. Nas festas, então, algo soprava de baixo como na
cena clássica de Marilyn Monroe. Teria
pertencido,por acaso, a Del Fuego, à Rose
de Primo no auge, à Marquesa de Santos?
Ah, velho e bom Kardec, não apenas os
corpos, mas também as vestes, carregam
mistérios que os homens modernos desconhecem.
*Xico Sá é autor de “Chabadabadá – aventuras do macho perdido e da fêmea que
se acha” (ed.Record,2010) e “Modos de
macho & modinhas de fêmea”(Record,4ª
edição,2009), entre outros livros.
Sobre os autores
Aline Botelho e Thiago Felix se conheceram na faculdade de jornalismo, onde descobriram um interesse comum por moda e cultura
pop. Separadamente, trabalharam em editorias de moda e cultura;
juntos, cobriram a temporada Verão 2010 para o site Erika Palomino. Desde 2008, publicam seus escritos no blog Duo de Luxo
(http://duodeluxo.wordpress.com), dedicado a explorar a moda
enquanto fenômeno cultural. Cansados da mesmice da blogosfera,
resolveram lançar uma publicação impressa, a Edição de Luxo.
Editoria e Redação
Aline Botelho e Thiago Felix
Projeto gráfico
Diego Almeida ([email protected])
Colaboração de Texto
Sylvain Justum (http://colunistas.ig.com.br/hypercool/)
Xico Sá (http://carapuceiro.zip.net)
Rogerio Barros (http://cotelgramps.blogspot.com)
Sugestões, críticas, dúvidas, pedidos de envio, escreva para:
[email protected]
Siga-nos no twitter: @edicoesdeluxo
Acesse: http://edicaodeluxo.tumblr.com
Encontre as Edições de Luxo em São Paulo nos locais:
Acervo Aberto para Isabela Capeto, R. da Consolação, 3358
Galeria Vermelho, R. Minas Gerais, 350
Surface to Air, Al. Lorena, 1985
“Frankly, my dear,
I don’t give a damn”

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