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Para ser bem sincero, eu acho que a Vanessa não existe. Acho que ela
é puro fruto da minha imaginação. Mais do que isso, ela é fruto da sua
própria imaginação.
A grande questão é saber quem está por trás de tudo isso, ou seja, quem
imaginou a Vanessa, que por fim acabamos nós todos também por imaginar?
Lendo o Diário de Marise acabei encontrando algumas pistas. Pistas em forma de labirinto que, com extremo prazer, vou perseguindo.
Quero ver aonde vai chegar isso, quero ver quem vou encontrar no fim
desse percurso. Assim, leio e releio este Diário por inteiro, comparando o
que foi escrito, comparando a mulher do papel, feita de palavras, vírgulas,
parágrafos e capítulos com a mulher que conheci ao vivo.
Descobri, nesse processo, que a Vanessa escritora é, na verdade, o personagem. A criadora é a criatura disfarçada. Isso poderia ser óbvio, já que se
trata de um diário, de uma autobiografia, mas há sutilezas aí que precisam
ser reveladas. A Vanessa profissional da carne, da noite, do dia, da sauna,
da hora contada no relógio, da meia arrastão, da peruca ruiva, das roupas
de enfermeira, do vibrador é simplesmente um disfarce.
A escritora criou este personagem com tanto talento que o personagem
criou vida própria, assim como no filme de Woody Allen, em que o personagem sai da tela e vai viver a vida real. A Vanessa real é a Vanessa escritora,
anterior à garota de programa. A Vanessa escritora passou a vida toda tão
ocupada em imaginar, que se esqueceu de viver. Marise, a personagem, a
criatura, tomou conta da criadora e saiu pela vida fazendo e acontecendo,
aprontando, se virando, até que um dia, de tanto sofrer, Vanessa acordou.
A dor despertou a escritora, que decidiu dar uma basta naquela fantasia
toda e viver. E ser o que nasceu pra ser, uma TALENTOSA ESCRITORA.
Mas aí o livro acaba. Nesse momento, a Vanessa nos deixa no ar, na expectativa do próximo lance da sua vida, na criação do seu próximo livro, se
daqui pra frente ela será santa, louca ou puta. Quem viver, lerá.
Antônio Costa Neto
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PREFÁCIO
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O dinheiro foi feito para as mulheres.
De que ele serviria, se elas não existissem?
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Onassis
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“Tu és o arquiteto do teu próprio destino. Trabalha, espera e ousa.”
Ella Wheeler Wilcox
Eu vivi muitas coisas, algumas ruins, outras boas. Resolvi escrever este
diário como forma de terapia, e também porque, assim, não me esquecerei
de fatos que já aconteceram comigo. São tantas as coisas que acontecem,
e elas vêm de maneira tão rápida, que é difícil guardar todos os detalhes.
São acontecimentos ricos e muito interessantes. Existem coisas, inclusive, que eu prefiro não lembrar, mas é impossível. Então, o negócio é
virar a página.
Às vezes, eu me pergunto até que ponto eu reescreveria a minha história.
Será que, se eu começasse de novo, faria tudo diferente? Eu não sei...
Penso que sou decidida sobre o tipo de vida que eu gostaria de ter. Sinto
falta de uma vida mais tranqüila, segura e equilibrada. Mas, ao mesmo
tempo, tudo isso me parece muito sem graça.
Por que eu procuro viver de maneira tão intensa? Por que preciso tanto
de liberdade? Por que tenho medo do amor? Por que faço tantas coisas ao
mesmo tempo? E como, dentro de tanta intranqüilidade, eu me sinto feliz?
Eu vivo em indagações sobre quem eu sou, sobre a vida, as mulheres,
os homens, o que os torna tão diferentes, e reflito bastante sobre minhas
atitudes. Surpreendo-me, cada dia mais, com a capacidade de ser o que
antes eu não era. Por que será?
Minhas maiores preocupações, hoje, são em relação a minha filha,
Yumi. Eu queria poder suprir todas as suas necessidades de afeto e carinho.
Sinto-me incompetente; afinal, faço tantas coisas ao mesmo tempo, que
percebo que não sobra muito para ela. Estou pensando sobre isso e, agora,
quando ela voltar das férias de julho da casa da minha mãe, vou procurar
estar mais próxima. Se o pai dela dividisse os cuidados comigo, tudo seria
mais fácil e melhor para ela.
Outra preocupação minha é a questão financeira: eu nunca sei se, amanhã, terei dinheiro suficiente. Estou cursando a faculdade de enfermagem,
mas não tenho bem certeza se essa seria a profissão adequada para mim.
No futuro, eu não me vejo pobre, nem um pouco. Eu me vejo até bem
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Balneário Camboriú, 5 de julho de 2003.
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CAPÍTULO II
KITY HOUSE
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demais, com saúde e fazendo as coisas de que gosto. Porém, não consigo
me ver no amor. Eu tenho a impressão de que talvez eu não encontre um
grande amor, algo sincero, bonito e verdadeiro. Quando eu era adolescente,
tinha esses pensamentos, de que ninguém um dia gostaria de mim. Espero
que eu esteja enganada. A vida tem tantas surpresas, sabe-se lá o que ela
reserva para mim. Tenho medo de sofrer por amor e de amar quem não
me ama. Por que será?
Meu nome é Vanessa, mas a maioria das pessoas que conheço me chama
de Marise, a garota de programa ruiva. Eu nasci morena, mas costumo dizer
que a minha alma é ruiva. Sempre digo isso.
Neste momento, estou em uma fase bastante difícil. Tenho 27 anos,
estou trabalhando nesta profissão há mais de um ano e tento superar os
últimos acontecimentos do meu relacionamento com o Fausto (achei que
não iria nem conseguir escrever o seu nome, dói tanto ainda). Minhas
amigas me dão força, principalmente a Rosemara (Ro) e a Cris. Elas são
especiais, e sinto que gostam muito de mim.
Estou em férias da faculdade e passando, agora, uns dias na Boate Kity
House, uma casa de programas na cidade de Jaraguá do Sul. Preciso juntar
um dinheiro antes de voltar às aulas. Meu projeto de vida é me formar (no
máximo, em dois anos) e, depois, ir para os EUA. Trabalhar, me estabilizar
e voltar ao Brasil para morar no litoral, em algum lugar lindo e quente o
ano todo, que tenha bastante natureza, mar, sol, areia, alegria; um lugar
seguro... Eu fico, aqui, só imaginando uma areia bem branquinha, um mar
lindo, um barulho suave de ondas, uns coqueiros enormes, verdes, eu, a
minha filha Yumi e a praia...
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“Ou nós encontramos um caminho, ou abrimos um.”
Aníbal
Esta noite, sonhei que eu abria um buraco no chão, cavava um túnel e
ia tentando passar por ele. Abri os olhos me sentindo angustiada.
Devo ter levantado lá pelas 11 da manhã. O café é servido na casa só
a partir das 12h; então, fiquei rolando na cama. Eu era uma das primeiras
a acordar, e tinha garota, ali, que só lá pelas 16h se levantava da cama.
Muitas bebiam tudo o que podiam. Para algumas, isso já era alcoolismo;
para outras, a ânsia de ganhar uns trocados a mais da comissão que recebemos pela dose paga pelo cliente. Ainda tem aquelas que bebem para criar
coragem de estar ali.
Eu não conseguia mais dormir, porque estava acostumada com a faculdade. Não que eu chegasse às sete e meia, mas nunca depois das 11h.
Alguns professores reclamavam, mas nunca cheguei a repetir cadeira, porque as notas eram boas. Só uma vez que tive que fazer três vezes a mesma
disciplina, por falta de freqüência. Meu problema sempre foram as faltas
na faculdade, porque eu não consigo acordar, trabalho até tarde.
Ontem foi uma noite movimentada na Boate Kity House, tem muitas
meninas aqui. Algumas delas eu já conheço da Boate Privê, de Blumenau;
aliás, foram elas que me trouxeram para cá. Viemos num arrastão só. O
Henrique, dono da boate de lá, atrasou os pagamentos de algumas, não
pagou outras e colocou um gerente incompetente, um tal de Bianco, no
comando da Boate. Ele pagou algumas garotas com cheques roubados, que
ele comprava de uns assaltantes. Eu mesma recebi dele um de 180 reais...
FILHO DA PUTA!!! SAFADO E SEM VERGONHA!!! Mas se vê todo
tipo de gente nessa vida, e olha que tem uma louca, lá, que está grávida
desse gerente trambiqueiro. Mas como tem mulher burra neste mundo,
meu Deus! Essa não é garota de programa, não, porque, se fosse, tinha se
cuidado; ela trabalha na parte de bebidas da Boate. É bonita, mas não faz
programa, porque acha isso indecente. Mas bem que parte do salário dela
vem das meninas que trabalham ali: ela ganha comissão pelo pedido de
bebidas, feito por nós e servido por ela. Logo, indiretamente, o salário dela
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Jaraguá do Sul, 22 de julho de 2003.
tem uma boa contribuição da prostituição. O Bianco é casado, e ela transa
com ele sem camisinha. Lógico que ela não é garota, porque, se fosse, só
usaria preservativo. Bem, ela é decente segundo as suas concepções, mas
indecente, segundo as minhas.
Sentamos para tomar café eu, a Duda, a Rose, a Adriana e a Alessandra.
Todas nós viemos da falida Privê. A Alê não recebeu do Bianco; pegou um
uísque e disse que iria levar como pagamento. Ele falou que não deixaria,
e o segurança veio, para retirar a garrafa da mão dela. Essa cena foi de
filme, porque ela espatifou a garrafa na prateleira de vidro das bebidas, e o
prejuízo do Bianco foi bem maior.
Estávamos, todas nós, ferradas nas contas, e viemos para cá decididas
a dar a volta por cima. Para isso, precisamos trabalhar muito. Queremos
aproveitar o dia também, só que a Boate só funciona à noite. A Leila, dona
da casa, não nos deixa trabalhar em outro estabelecimento ao mesmo tempo,
e quem mora aqui só sai mediante acerto do cliente.
Resolvemos transpor as regras. Adoro isso! Transgredir barreiras é
comigo, e, com as meninas, não é diferente. Eu estava com meu velho e
bom Landau – milagre ele não estar quebrado, porque, na semana passada,
ficou cinco dias na oficina –, as meninas patrocinaram a gasolina, e fomos
em direção ao centro, procurar uma sauna ou uma casa de massagem que
nos abrigasse durante o dia. Foi difícil: horas procurando, e nada. Tivemos
que voltar, e, ainda por cima, ganhei uma multa: não sabia que Jaraguá do
Sul tinha esses controladores eletrônicos de velocidade. Fui percebendo,
no caminho, que a cidade era muito vazia e sem vida; acho que as únicas
coisas legais de lá eram o Parque da Malwee e a Kity House, mesmo, por
isso ela enchia tanto de cliente.
Quando chegamos à Boate, o Luiz, barman, veio me comunicar que
um cliente meu do dia anterior, Jorge, tinha ligado, dizendo que não poderia vir naquela noite, porque tivera que voltar para Curitiba, mas que,
na semana que vem, estaria de volta. Pensei: “Lá se foram mais alguns
reaizinhos. Mas não há de ser nada, hoje ganho mais”. O Jorge é um moço
bem apresentável, deve ter uns 35 anos, bonito. Tinha vindo a negócios e,
como todo marido longe de casa, resolveu dar uma passadinha em alguma
boate da cidade. Ele chegou e ficou bebendo numa mesa. Quando entrei
no salão, o vi e, como sempre faço, fui lá bater um papo, antes que outra
fosse. Conversa vai e conversa vem, mãozinhas vão e mãozinhas vêm, dose
de bebida para cá e para lá, dou uma voltinha, viro o meu copo na pia do
banheiro, passo pelo Luiz e digo: “Vê se coloca mais gelo no meu copo, da
próxima vez”. Sentei-me, peguei a mão do cliente e coloquei debaixo da
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minha blusa. Então, fiz a pergunta fatal: “Vamos para o quarto?” A resposta
veio, imediata: “Vamos, sim, só que para o quarto do meu hotel”.
Ele acertou com a Leila a minha saída, mas me pagou bem pouco pelo
programa, 80 reais. E olha que a minha saída da Boate, à noite, são 50
reais. Que coisa, não? Mas eu estou bem precisada de dinheiro, e disposta a
juntar os dois mil reais de que preciso para refazer a matrícula da faculdade.
Fomos de táxi. No hotel, foi tudo bem tranqüilo. Eu até aproveitei um
pouco. Depois, conversamos por alguns minutos, e eu fui embora. Ele disse
que tinha gostado de mim e que voltaria, na próxima noite. Falei para ele:
“Se gostou de mim, então me paga mais”. Não sei se ele era pão-duro ou
pobre mesmo, estou em dúvida; só sei que, daquele mato, não tirei mais
nenhum coelho. Com isso, eu fico um pouco indignada, pois, se gostam
tanto assim da gente e ficam falando, por que é que não pagam bem, então?
Não há de ser nada, a noite de hoje há de ser melhor. Deus tira de um lado,
e o diabo dá de outro...
Depois de jantar, fui me arrumar. Hoje coloquei uma roupa bem simples.
Não faço o estilo piranha fatal no momento, só de vez em quando. Coloquei
calça jeans e blusinha de um ombro só, deixei o cabelo solto, e só passei
um batonzinho e um lápis preto, para realçar o verde dos olhos, que, às
vezes, está meia-boca. Fui para o salão. O horário para as meninas estarem
prontas é 21h; nisso, sou bem pontual. Se fosse de manhã, estava ferrada.
O Luiz serve para a gente uma dose de vinho, Martini ou uísque, gratuita;
é a primeira da noite, para que se pegue o embalo. Resolvi tomar uma dose
de Martini, pois o vinho de ontem só me dera sono. Eu e a Adriana (uma
morena alta, de cabelos bem compridos) nos sentamos no sofá, bebendo,
para conversar. O sofá fica bem em frente à porta de entrada. Apareceram
dois amigos, e eu já a convidei para irmos até eles. Ela me explicou que o
maior tinha uma namorada na casa. O menor, ela não conhecia, mas disse
que me ajudaria. Assim que nos aproximamos, cumprimentei, com o maior
sorriso do mundo: “Oi!” Meu alvo era o mais novo, porque era o “solteiro”.
Disse se chamar Roberto, embora seu amigo o chamasse, o tempo todo, de
Daniel. Usei meu nome de guerra de sempre, Marise.
Sentamo-nos para conversar, e conversamos muito, um papo bem
divertido, mesmo. Eu percebia que ele estava gostando, e que as chances
de rolar o programa eram grandes. Só para provocar e antecipar os fatos,
comecei a beijar o pescoço dele e fui fazendo carinho. Depois de muito
acariciar, pedi uma dose; afinal, eu preciso receber alguma coisa, meus
afetos em horário de expediente não são gratuitos. Ele perguntou se eu iria
explorá-lo. Eu disse que gostava de uísque com energético (custa 30 reais,
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dos quais cinco são meus, de comissão), mas que, se não desse, poderia
ser uísque puro, mesmo (15 reais, dos quais três são meus). Mereci ganhar
uísque com energético, e, não demorou muito, ele me convidou para o
programa. Não perguntou o preço, e seu amigo ficou muito feliz em vê-lo
saindo comigo, em direção aos quartos da Boate. Eu havia me esquecido do
seu nome e perguntei novamente. Ele respondeu: “É Carlos.” Lembrei-me
e pensei: mas não era Roberto?
A Leila trabalha no caixa, é a dona e faz o controle dos quartos, também.
Ela é uma morena bonita de rosto, e tem um corpo do tipo que chama a
atenção dos homens, bastante quadril e seio. É alta e bem esperta. Leva
todo cliente chorão no papo e na simpatia. Sabe se impor: ninguém chega
até ela agarrando-a, e não existe a palavra “desconto” no vocabulário dela.
Primeiro, o cliente passa pelo caixa e marca, no cartão da sua consumação,
o uso do quarto e o programa. A Leila me cadastrou como a garota nº 27
da casa. Todas nós temos um número, sob o qual ficam registrados os programas da semana, para recebermos no final da madrugada de sexta-feira,
juntamente com a comissão das bebidas.
Quando ela foi alcançar a chave do quarto, pedi o de número 2, que
é onde eu durmo. Não consigo entender essa relação de eu querer usar as
mesmas coisas. Tenho essa mania: sempre compro pão na mesma padaria, uso os mesmos sapatos, o perfume não mudou nos últimos 12 anos,
a mesma depiladora, as mesmas amigas, há anos; enfim, tinha que ser o
mesmo quarto. Aquele cliente era legal. Ele era do tipo ingênuo, nem sabia
direito o que fazer. Falei para ele que colocaria uma roupinha especial, de
enfermeira, e me tranquei no banheiro. Ele pensou que eu colocaria luva,
jaleco e roupa toda branca, até o pescoço. Quanta ingenuidade! Saí de
lá seminua, com uma calcinha e um sutiã transparentes e um sinalzinho
vermelho enfeitando, umas luvinhas branquinhas, de renda, e um chapeuzinho, desses que se usam em desenho animado de enfermeira. O cliente
babou! Subi para cima dele e apelidei-o de bebê, porque, a cada hora, ele
trocava de nome; acho que até ele esquecia. Ele era tão, mas tão ingênuo,
que acabou nem conseguindo transar: aquele não era o mundo dele. Fiquei
ainda mais surpresa quando ele passou a querer inverter os papéis, e quem
estava ali, recebendo todas as atenções e os carinhos, era eu. Por mim, tudo
bem: cliente paga, cliente manda, ainda mais se não vai doer.
Mas ele fazia tudo, meu Deus, tudo errado! Como ele era ruim no
oral, mas tão ruim, que só fingindo, mesmo. Simulei descaradamente,
e ainda disse para ele não encostar mais em mim, que eu estava sensível,
de tão bom que o orgasmo tinha sido. Deitei ao seu lado e começamos a
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conversar. Foi nessa hora que entrei em sua vida privada e perguntei sobre
o casamento e a esposa.
Ele me falou que ela é muito fria, brava, e que não se beijavam há dias.
Ela tinha sido a sua primeira mulher, conheceram-se quando ela tinha 14
anos. Depois de seis anos de namoro, ela engravidou, e eles casaram. Não
demorou muito para vir o segundo filho. Ele não tinha terminado ainda
a história morna do seu casamento, quando se ouviu um interfone tocar
no quarto. Era a Leila, comunicando que a hora havia terminado. Ele foi
tomar banho sem orgasmo e, mesmo assim, estava feliz da vida. Depois que
ele acertou a conta no caixa, me perguntou se o deixaria ali. Eu disse que
não o largaria no salão, sozinho, até que ele tivesse que ir embora. Nós nos
divertimos até as duas e meia da manhã, dançando no salão. É costume sair
do programa do quarto com o cliente e deixá-lo sozinho, saindo à procura
de um outro, mas, por algum motivo, eu não consegui fazer isso com ele.
O amigo dele estava ainda mais feliz. Ele sempre dizia que o Daniel,
Roberto, Carlos ou sei lá que outro nome tinha que arranjar uma segunda
mulher. Como já disse, esse amigo era casado e namorava uma garota da Kity
House chamada Priscila, que, nesse dia, não estava. Ele contratou outra e
saiu da casa com a Juliana. A Juliana tem o mesmo estilo da Camila Pitanga:
é magra, alta, morena, um pezinho na África, com um rosto bonito, e bem
simpática. Seus pais não sabem que ela faz programa, e ela mora com eles.
O bebê parecia o homem mais realizado do salão. Escrevi-lhe um bilhete
de recordação, deixei um monte de marcas de batom nele, e, agora, ele se
sentia um homem forte, viril e desejado. Tudo aquilo que ele queria ser
para a esposa dele. Eu só pensava: “que bom, esse ainda volta...”
Fui levá-lo até o carro, e combinamos de sair na próxima tarde, para
passear. A Leila fez um superdesconto (30 reais), pela minha saída não ser
à noite, e eu cobrei os 100 reais básicos de sempre. Despedi-me do bebê,
do seu amigo e da Juliana: existe um limite, e não podemos passar do toldo
da entrada. Ele fechou a porta do carro e, quando viraram o portão, parou,
à minha frente, um táxi que estava de saída com um cliente, bem bêbado,
já. Ele mal conseguia falar, nem sei como abriu a janela do táxi. Apenas me
disse: “Quer ir embora comigo?” Respondi: “Vamos conversar!” Acertou
a minha saída da Boate com a Leila e deixou pago meu programa. Depois
de algum mal-entendido, por causa da bebedeira e do taxista, fomos parar
no Hotel Etalan: ele estava hospedado lá. Seu nome era Barbosa, e ele era
de Curitiba. O taxista me reconheceu; disse que havia me visto no Hotel
San Sebastian, na noite anterior, com um cliente.
Foi no quarto que eu percebi a real situação em que me encontrava. Eu
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me via em perigo. O homem que estava comigo tinha sérios problemas:
estava bastante fora de si, dizia coisas desconexas, era psicótico e usava
drogas, pelo jeito. Parece que ficava agressivo. Dizia-me para não ter medo
dele, caminhava de um lado para outro e queria trocar de quarto, dizendo:
“Vem para este quarto aqui, que é melhor”, mas acabava apontando para
uma mesa de canto. Maluco! Ele tirou a roupa e ficou só de cueca. Ordenou
que eu tirasse a roupa; fiz isso e fiquei só de calcinha. Ele caminhava, batia
um pouco nas coisas, esbravejava algo ininteligível. Eu sentei na cama e
comecei a pensar no que fazer, no que fazer, meu Deus? Calma, só tentava
ficar calma. Puxei conversa e comecei uma sem fio, sem intervalo: qual seu
nome? De onde você é? Faz o quê? Que interessante, hein? Como você é
inteligente, tem bastante experiência de vida, pelo jeito, e blá, blá, blá. Ele
se sentou na cama e começou a relatar a vida dele. Piscava, meio que caía
para um dos lados, parecia que ia apagar e recobrava a consciência. Disse
que havia passado por nove casamentos, já. Que coisa de louco! Não existia uma seqüência definida de fatos nas histórias que ele contava, e eu lá,
ouvindo e me fazendo de entendida de tudo. Às vezes, ele repetia a metade
de uma frase que dizia, como se afirmasse, junto com ela, uma opinião.
Minha esperança era a de que ele dormisse. Sem chances. Passou-se uma
hora e meia, e ele ali, ligado. Sugeriu que deitássemos. Pensei, na hora:
“Que seja breve enquanto dure”. Foi então que a situação ficou complicada mesmo: além de transtornos mentais, ele tinha transtornos sexuais.
Literalmente, interpretava um bebê. Que sina, a minha, hein? Eu, para me
salvar de qualquer situação que o pudesse contrariar e deixar mais louco
ainda, comecei a dar uma de mamãe.
Mas, então, ele ficou mais pervertido: começou a implorar que eu evacuasse na cama. Mas, de jeito nenhum! Vi-me aflita, naquela situação. Só
dizia que eu jamais conseguiria, e eu nem queria aquilo! Então, ele queria
anal. Nem sei o que era pior! Depois, pediu que eu urinasse na cama. Fui
levando o homem na conversa. Quanto tempo já devia ter passado? Eu
devia estar na Kity House, a Leila dá ordem de voltar em duas horas, no
máximo. Agora, já não queria mais que eu urinasse na cama: para minha
surpresa, era nele, no seu rosto. Ele insistiu tanto, muito, mas tanto, que
me deixou quase paranóica também. Pegava-me pelo braço e me fazia
sentar na cama, toda vez que eu tentava levantar. Juntou minhas roupas e
colocou dentro do armário. Ainda bem que não trancou, não havia chaves
naquelas portas. Ufa!
Uma hora, não agüentei tanta loucura dentro daquele quarto, insistência
repetitiva, socos na mesa, e mais a minha angústia em sair de lá, e disse: Tá
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bom!!! Deita aí, vai!!! Sentei na cara dele e, de raiva, mas de raiva mesmo, fiz
xixi. Fiquei pasma: pensei que era só molhar. Não!! Ele abriu, bem grande,
a boca, e tomou tudo, evitou ao máximo o desperdício, ainda por cima
bochechou, e disse que o meu gosto era bom. URGH!!! Insuportavelmente
nojento. Pronto, acabou o programa. Eu estava exausta, psicologicamente.
Deitei na cama ao lado, para descansar, antes de tentar sair: a cama que
usamos estava com alguns resquícios da atividade pervertida. Ele veio
deitar-se ao meu lado. Ai, meu Deus! Abraçou-me para dormir e ficou lá,
interpretando um bebê, e eu, a mamãe. Penso que ele não sabe quem é, e
eu estou ainda a tentar me entender.
Passaram-se uns 15 minutos, e eu achava que ele havia dormido. Nada:
ele começou a se mexer e a colocar a mão em mim. Dei uns gritinhos e
disse: mamãe mandou dormir! Ele dormiu. Comecei a ver o dia clarear
pela janela, deviam ser seis da manhã. Que droga, já devia ter caído fora
há um tempão. De uma hora para outra, ele levantou. Queria continuar,
disse que pagava mais. A minha angústia era muita; sentia a mesma coisa
quando o Fausto me sufocava, sugava, extrapolava. Queria ir embora, só isso.
Ele disse que queria só mais um xixizinho. Eu não tinha mais condições;
primeiro, porque o meu psicológico estava abaladíssimo; segundo, que não
existia mais água naquele corpo e, portanto, nada de fabricar xixi. Falei
que eu mandava mais uma amiga, se ele quisesse. Fechado, ele queria. Do
seu celular, liguei para o táxi que sempre atendia à Boate, o táxi do André.
Só que quem estava guiando era uma motorista, a Eliana. Conversamos
durante a volta. Ela me falou que tem dois empregos, e por isso se levanta,
todos os dias, às três da manhã. Essa é das que batalham, Virgem Maria!
Quando cheguei, estavam todas dormindo. Fui ao alojamento e entrei
de quarto em quarto, procurando a Duda. Ela era a mais ferrada nas contas.
“Duda, o cara é louco, mas você arrisca?” Contei a ela o que ele queria.
“Sim, é claro que vou. Já estou acostumada com isso, tenho um cliente em
Blumenau que é assim também, me leva para o motel e traz galão de água
para eu beber.” O táxi estava lá fora, esperando eu encontrar alguém para
voltar, e, enquanto ela se arrumava e ia, eu ia pensando sobre a Duda e a
vida difícil que ela tinha.
Ela era uma menina bem legal, sofrida pela vida, loira, olhos azuis, uns
24 anos, magra, alta, estilo européia. Na infância, seu pai era alcoólatra e
batia na família. Ela viu um de seus irmãos morrer de espancamento pelo
pai. Não pôde fazer nada: era menor e estava acuada num canto. Ela nunca
fala da sua vida. Contou-me isso num breve momento de desabafo, na
cozinha, há dois dias. Na noite anterior, tinha levado um soco, no olho, da
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Nathália, sem muitas explicações. Havia sido apenas uma discussão boba,
de demora no banheiro. Estávamos comendo na cozinha, no intervalo das
duas da manhã, quando tem sempre um lanchinho nos esperando – afinal,
os corpos não são de ferro. Eu lhe dei a minha opinião sobre a atitude da
Nathália: que, se ela havia feito aquilo, podia ser por complexo de inferioridade; que ela devia ser revoltada, mesmo. “Olha, Marise, eu tenho
motivos de sobra, na vida, para ser revoltada, mas não saio por aí batendo
nos outros, à toa.” Penso que a Duda apanhou muito e se acostumou a
não se defender. A maioria das meninas, ali no salão, teria quebrado a cara
da Nathália. Às vezes, penso que a Duda é um pouco parecida comigo,
nesse sentido.
A Duda se foi, e eu fui descansar um pouco, para, depois, me arrumar e
esperar o bebê Carlos, Daniel, Roberto, ou sei lá qual é o nome verdadeiro
da criatura. Coloquei exatamente a cor de roupa de que ele disse que gostava. Também escrevi mais uma cartinha amorosa, com data da madrugada,
para que ele pensasse que eu havia escrito antes de dormir – assim, era
mais romântico. Bem, na minha opinião, toda estratégia vale, para ganhar
um cliente. É um jogo sadio; a ilusão vale, aqui, porque se está pagando
para isso mesmo.
Ele chegou à uma e meia da tarde. Até achei que não viria mais, mas
a primeira coisa que disse, ao abraçá-lo, foi “eu tinha certeza de que você
viria.” Eu sempre penso em mim como uma mulher sincera, verdadeira,
mas minto tanto aos clientes, e, às vezes, nem tem necessidade. Nem sempre
me reconheço. Quem é sincera, não deveria ser sempre?
Fui com o meu carro, e ele, com o dele, que deixamos estacionado na
garagem do seu edifício (a esposa estava viajando há alguns dias). Ele subiu
no meu velho Landau, e partimos, para passear no Parque da Malwee. Eu já
conhecia o parque, mas me fiz de surpresa: quis que ele se sentisse feliz por
fazer alguém feliz. Caminhamos de mãos dadas, passeamos pelo labirinto
das plantas; tudo lá é, realmente, muito lindo. Eu estava tendo uma tarde
normal, como parte de um casal de namorados convencionais. Então, flagrei-me em pensamentos sobre o Fausto e fiquei a me questionar sobre por
que não tínhamos uma vida normal e sobre quantas coisas legais tinham
se perdido. Comparei o comportamento dos dois, cliente e Fausto. Percebi
que aquele cliente me tratava muito melhor, com respeito, consideração, e
ninguém ali havia falado em sexo. O Fausto, naquele horário da tarde, já
devia estar querendo a terceira relação do dia. E todos os nossos dias eram
iguais, sexo e sexo e mais sexo, às vezes cinco, seis, até nove vezes por dia.
O Fausto era ninfomaníaco.
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Só depois de muito passear, ele me perguntou se iríamos a um motel.
Falei que, se ele quisesse, tudo bem. Então, ele retornou a pergunta, dizendo:
“Se você quiser, então, sim, está tudo bem.” Eu quis. Ele nem me forçou,
por isso eu quis. Sentia-me bem com ele, e fomos parar no Mistérius Motel,
bonzinho. Ele já foi enchendo a hidromassagem, IUUUUPIII!!! Colocou
bastante espuma, e eu me atirei ali dentro, comendo chocolate e tomando
Smirnoff Ice. Fiquei umas duas horas ali, estendida. O prazer dele consistia
em me ver feliz. Depois, ele saiu da banheira, enrolou-se numa toalha e,
tomando cerveja, ficamos conversando todas, rindo muito. Foi uma tarde
bem divertida. Estranhei a falta de sexo e concluí que nem todos os homens
são como o Fausto. Até transamos, foram nem 15 minutos de sexo. Ele me
disse que seria rápido. Por mim, tudo bem: fingi outro orgasmo. O único
problema é que esse era um pouco diferente do primeiro. Acho que gritei
no primeiro, não lembro mais. Será que colou?
Já na hora de irmos embora, tocou uma música e nós dançamos, bem
abraçadinhos. Deu uma vontade de chorar! As lágrimas caíram, mesmo.
Era a música “Os cegos do castelo”, e o intérprete cantava: “Eu cuidarei
do seu jantar, do céu e do mar, de você e de mim...”. Se ele percebeu o
choro, fez de conta que não viu. Sou muito sensível à música; sou capaz
de chorar pelos ouvidos.
Na volta, ele colocou gasolina para mim. Deixei-o em casa. Hoje, dormiria mais feliz do que nunca. Ele ficou com o número do meu celular,
ligaria no sábado. Quando cheguei à Kity House, perguntei à Duda: “E daí?
Tudo bem?” Ela me levou lá para fora e disse: “Tudo mal”. Realmente, o
cara era louco. Não tinha rolado nada, e ela ainda teve que arcar com o táxi.
A Duda está com azar. Fiquei chateada, porque quero que ela se dê bem.
À noite, a Leila veio falar comigo. Disse que, depois que eu tinha saído
da casa com aquele cliente, tinha lhe batido uma opressão no peito, e ela não
conseguia dormir. Contatou os meninos, e eles disseram que não tinham
o número do meu celular. Ela falou que estava pressentindo que algo não
estava bem e tinha começado a rezar em casa.
Jaraguá do Sul, 24 de julho de 2003.
Passei o dia no quarto 2. O Luiz veio me falar que era um pouco estranho,
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