Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações
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Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações
Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira Circus pygargus no Sul de Portugal Relatório Final 2006 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal O presente documento constitui o relatório final relativo à avaliação do impacte da actividade agrícola sobre as populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal, realizada em 2004 pelo Fapas – Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens e financiada pelo ICN – Instituto da Conservação da Natureza, no âmbito do projecto Interreg III-A “Conservação da Fauna Ameaçada das Regiões Alentejo, Centro e Extremadura – FAUNATRANS/SP4.E16”. Autores João Claro (coordenação) – Fapas João Tomé – Fapas Pedro Lourenço – Centro de Biologia Ambiental, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Paolo Magalotti – Istituto di Scienze Morfologiche, Università di Urbino, Italia Carlo Barchiesi – Istituto di Scienze Morfologiche, Università di Urbino, Italia 2 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal ÍNDICE Agradecimentos 4 Resumo 5 1. Introdução 6 2. Situação da Águia-caçadeira em Portugal e dependência das áreas agrícolas 7 3. Caracterização das áreas de estudo 9 4. Métodos gerais 12 5. Resultados e discussão 14 5.1. Dimensão das populações nidificantes 14 5.2. Uso do solo nas áreas de estudo 15 5.3. Locais de nidificação e biótopos utilizados 16 5.4. Impacte da actividade de ceifa 19 5.5. Viabilidade das populações de Águia-caçadeira na planície de Évora e na ZPE de Castro Verde 25 5.6. Medidas de protecção dos ninhos 28 5.6.1. Métodos de protecção 29 5.6.2. Análise dos resultados da protecção dos ninhos 33 6. Considerações finais 39 7. Referências bibliográficas 42 Anexos 3 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal AGRADECIMENTOS Ao João Paulo Silva todo o apoio e incentivo que tornou possível a concretização desta investigação. Ao Pedro Rocha pelas valiosas indicações e à Liga para a Protecção da Natureza pelo apoio logístico no decurso do trabalho de campo na ZPE de Castro Verde. À Ana Lampreia pelas informações relativas ao Plano Zonal de Castro Verde. A todos os agricultores, tractoristas e maquinistas das ceifeiras debulhadoras do Campo Branco e da planície de Évora pelas facilidades concedidas e colaboração prestada. O obrigado de toda a equipa e em nome das jovens águias caçadeiras que nesse ano ajudámos a salvar. 4 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal RESUMO Este estudo teve por objectivo a avaliação do impacte da actividade de ceifa no sucesso reprodutor e o ensaio de algumas medidas de protecção dos ninhos de Águia-caçadeira em duas áreas piloto no Sul de Portugal. Esta análise enquadra-se nas recomendações relativas à espécie referidas na versão preliminar do "Plano de acção para a conservação das aves dependentes da estepe cerealífera" (Almeida et al. 2003), contribuindo para a estratégia de conservação da Águia-caçadeira no território nacional. Aborda-se a problemática da conservação da Águia-caçadeira em áreas agrícolas e são analisados os dois principais factores limitantes do sucesso reprodutor: a actividade de ceifa coincidente com a época de nidificação e o agravamento de risco predação natural durante e após o corte da vegetação nas parcelas agrícolas com ninhos. Descrevem-se diversos métodos de salvamento de ninhos testados nas duas áreas de estudo, comparando e discutindo a sua eficácia. São igualmente referidos os resultados de sucesso reprodutor para distintas condições de nidificação e avaliado o impacte da actividade de ceifa em função da presença de ovos ou idade das crias. Com base nos resultados obtidos e em informações bibliográficas é legítimo considerar a existência de um moderado a elevado risco de extinção local destas populações de Águiacaçadeira, caso se mantenham os factores de ameaça e a elevada mortalidade de ovos e crias na ausência de medidas efectivas de protecção dos ninhos. São sugeridas formas de intervenção a diferentes escalas que permitam assegurar a viabilidade dessas populações e inclusive contribuir para a recuperação dos seus efectivos à semelhança do verificado durante os últimos anos na generalidade dos países europeus. 5 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal 1. INTRODUÇÃO A área de distribuição da Águia-caçadeira ou Tartaranhão-caçador Circus pygargus (L.) estende-se pelo Paleártico Ocidental, desde a Península Ibérica ao Casaquistão, registando-se a ocorrência de alguns casais nidificantes em zonas costeiras do nordeste africano. As populações que nidificam na Europa têm uma área de invernada sub-sahariana, ao longo do Sahel que se estende pela África oriental até à África do Sul (Cramp & Simmons 1980, Clarke 1996). Ocorre em espaços essencialmente desarborizados, dominados por vegetação herbácea ou matos baixos e densos, construindo o ninho no solo entre vegetação densa e com uma altura compreendida entre 60 a 100 cm. A utilização de culturas agrícolas para nidificação é relativamente recente – apenas algumas décadas – exceptuando a Península Ibérica e França, em consequência da intensificação agrícola com a consequente perda de habitat natural (e.g. estepes, charnecas e incultos) e a sua conversão em campos cultivados com forragens ou cereais de Outono/Inverno. A proporção de pares reprodutores de Águia-caçadeira a utilizarem áreas agrícolas é de 15 – 20% na Europa Setentrional e de 50% na Europa Central. Mas em França é superior a 70% e em Espanha e Portugal é de 90% (Arroyo et al. 2002). Um dos principais factores limitantes do sucesso reprodutor é a circunstância de nidificar no solo e das fases de incubação e de crescimento dos juvenis serem geralmente coincidentes com a época de corte de forragens e de ceifa dos cereais, resultando um elevado risco de perda das posturas e mortalidade dos juvenis não voadores. Para além dos danos causados directamente pela maquinaria agrícola, a actuação dos predadores naturais (e.g. Raposa Vulpes vulpes, Sacarrabos Herpestes ichneumon, Cegonhabranca Ciconia ciconia e Milhafre-preto Milvus migrans) é facilitada com o corte e remoção da vegetação nas parcelas onde se situam os ninhos. Segundo Onofre 1995, a conjugação destes factores poderá estar na origem ou ter acelerado o declínio desta espécie em vastas regiões e países do Paleártico ocidental, incluindo Portugal, na segunda metade do século XX. Para evitar a extinção de populações locais, o salvamento de ninhos durante o período das ceifas é uma prática corrente na maioria dos países da Europa ocidental (e.g. Belting e Krüger 2002, Tóth 2002), com particular expressão em França onde anualmente cerca de mil ninhos (20% do total nacional) são vigiados durante essa época (Pacteau 1999 cit. in Arroyo et al. 6 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal 2003). Em Espanha, com condições edafo-climáticas e culturas agrícolas semelhantes às de Portugal, há mais de uma década que existe uma forte dinâmica por parte de investigadores, de Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA's) e de serviços da administração pública na avaliação das causas de insucesso reprodutor, na realização de acções de salvamento de ninhos e na dinamização de campanhas de sensibilização do público (e.g. Castaño 1989, Barroso & Parra 1995, Bort & Agueras 1995, García & Arroyo 2002). Em contraste com a restante realidade europeia, em Portugal há pouca divulgação junto dos agricultores sobre a necessidade de salvaguardarem os locais de nidificação da Águiacaçadeira durante a época das ceifas, não existem orientações precisas para a actuação das autoridades quando os agricultores detectam a presença de ninhos nas suas explorações e não estão previstas ajudas financeiras referentes as indemnizações por perda de rendimento resultante da protecção directa dos ninhos de Águia-caçadeira. 2. SITUAÇÃO DA ÁGUIA-CAÇADEIRA EM PORTUGAL E DEPENDÊNCIA DAS ÁREAS AGRÍCOLAS Esta ave tem um estatuto de ameaça a nível global como Espécie de Baixo Risco, segundo os critérios da IUCN (Hilton-Taylor 2000) e com as populações da maioria dos países europeus onde ocorre a apresentarem uma tendência populacional estável ou com crescimento moderado é classificada como Não Ameaçada (BirdLife International 2004). Porém, a população nidificante em Portugal tem apresentado tendência para um declínio continuado e com factores de ameaça relacionados com a redução das áreas dedicadas à cerealicultura extensiva e com a elevada mortalidade de ovos ou crias durante a actividade de ceifa e por predadores naturais. No início da década de 90 a Águia-caçadeira foi considerada como espécie Vulnerável (SNPRC 1990). Atendendo à persistência ou agravamento dos factores de ameaça e na ausência de indícios de alteração do declínio populacional, na recente edição do Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal passou a integrar a categoria de espécie Em Perigo (Almeida et al. 2005). 7 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal A população de Águia-caçadeira nidificante em Portugal na década de 80 foi estimada em 1000-1300 casais (Rufino et al. 1985), sendo posteriormente avaliada em 900-1200 casais por Onofre & Rufino 1995, com base em censos realizados em algumas áreas e extrapolando-se para o território nacional os valores obtidos. Esta última estimativa mantém-se actual, não tendo entretanto surgido informações suficientes que permitam uma reformulação consistente (Almeida et al. 2003). A população portuguesa representa cerca de 13% da população europeia (excluindo as populações russas) e é a quarta mais importante logo após França, Espanha e Polónia. Mas atendendo à dimensão de cada um dos países onde nidifica, é em Portugal que se observa uma densidade mais elevada (quadro 1). Quadro 1 – Número de pares reprodutores e densidade por país das quatro maiores populações europeias (com excepção da Rússia). Fonte Número de pares reprodutores por 1000 km2 País Superfície Número de pares reprodutores França 547 030 km2 3 900 – 5 100 Thiollay & Bretagnolle 2004 7–9 Espanha 504 782 km2 3 600 – 4 600 Arroyo et al. 2002 7–9 Polónia 312 685 km2 1 200 – 1 500 Krogulec 2002 4–5 Portugal 92 391 km2 900 – 1 200 Onofre & Rufino 1995 10 – 13 Estando ausente nos Açores e na Madeira, tem uma área de distribuição bastante ampla em Portugal continental, com excepção do litoral oeste e grande parte do Algarve. A norte do Tejo está geralmente associada as áreas cultivadas com cereais em zonas de vale ou em planaltos montanhosos, mas devido à reduzida mancha de habitat favorável e à sua fragmentação as densidades são relativamente baixas. Segundo Onofre e Rufino 1995, mais de 75% da população estará concentrada no Sul do país, em particular no Alentejo. No quadro 2 são referidos os valores de densidade de pares reprodutores para diversos locais de Portugal, resultando evidente que os mais elevados estão relacionados com a maior ocupação do solo por sistemas extensivos de cereais de sequeiro em rotação com pousios. 8 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Quadro 2 – Densidade de pares reprodutores de Águia-caçadeira em habitats florestais e agrícolas em Portugal (Onofre et al. 1999). Local Anos de censo Área (km2) Percentagem de ocupação do solo por culturas de sequeiro e pousios Pinhal do Alto Tâmega 1998-99 120 17 0,8 – 2,5 Pinhal de Leiria 1998-99 89 0 0 Cabeção 1986-88 e 1992-94 100 14 1–3 Mora – Pavia 1993-94 90 15 7,9 Pavia – Vimieiro 1993-94 100 25 2 -3 Arraiolos – Parque Africano 1993-94 e 1997 117 24 0,9 – 2,6 Évora 1997-99 100 86 17 – 30 Castro Verde – Mértola 1991-92 400 85 11,5 – 17,5 Número de pares reprodutores por 100 km2 3. CARACTERIZAÇÃO DAS ÁREAS DE ESTUDO O trabalho de campo foi realizado em 2004 em duas áreas distintas (figura 1). A primeira, com 14 590 ha, situa-se na planície que se estende a este e a sudeste da cidade de Évora e parcialmente coincidente com a Important Bird Area PT025 Planície de Évora (Costa et al. 2003). A segunda área de estudo correspondeu à totalidade da Zona de Protecção Especial de Castro Verde (Decreto-Lei nº 384-B/99, de 23 de Setembro), com 79.066 ha, abrangendo parte dos concelhos de Aljustrel, Almodôvar, Beja, Castro Verde, Mértola e Ourique. 9 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Planície de Évora ZPE de Castro Verde Figura 1 – Localização no território nacional das duas áreas de estudo. Planície de Évora Situada no interior do concelho de Évora, apresenta um relevo levemente ondulado com áreas predominantemente desarborizadas alternando com manchas florestais de montado de sobreiro e de azinheira, eucaliptais, olival e vinha. As áreas regadas têm vindo a aumentar na última década e em 2005 foi aprovada a instalação de um bloco de rega integrado no empreendimento de Alqueva, o qual irá influenciar alterações no uso do solo que podem ser desfavoráveis para algumas espécies, nomeadamente as aves estepárias. Porém, a Águiacaçadeira pode utilizar as parcelas com regadio como áreas de nidificação e alimentação desde que semeadas com culturas herbáceas, por exemplo trigo ou azevém. Tal já não é válido se forem plantadas culturas permanentes como o olival ou a vinha. A planície de Évora alberga uma diversificada avifauna, onde para além da Águia-caçadeira se destaca a presença como nidificantes da Abetarda Otis tarda, Sisão Tetrax tetrax e Cortiçolde-barriga-preta Pterocles orientalis. Perto do limite desta área de estudo situa-se uma colónia 10 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal de Francelho Falco naumanni. Apesar de todas estas espécies terem um estatuto prioritário de conservação e da planície de Évora ter estar classificada como Importante Bird Area desde 1989 (Grimmet & Jones 1989, Heath & Evans 2000) e encontrar-se incluída na listagem dos Biótopos Corine (SNPRCN 1991), ainda não lhe foi atribuído qualquer estatuto de protecção legal. A proximidade à cidade de Évora, os numerosos acessos rodoviários existentes e em fase de projecto, uma densa rede linhas de transporte de energia de média, alta e muito alta tensão, a conversão de culturas de sequeiro em áreas de regadio ou culturas permanentes, têm induzido elevados factores de perturbação, alteração e fragmentação de habitat. Porém, como medida de compensação relativa à criação do Bloco de Rega do Monte Novo, foi preconizada a criação de um Plano Zonal para esta zona, o qual poderá contribuir para a suspensão ou mesmo inversão da actual tendência de perda de habitat favorável para a Águia-caçadeira e outras aves estepárias. ZPE de Castro Verde Caracteriza-se por um relevo plano a levemente ondulado, com extensas áreas desarborizadas e cultivadas em regime extensivo com culturas arvenses de Outono-Inverno em sistema de rotação, alternado com pousios geralmente longos. As áreas pastoreadas apresentam uma vegetação geralmente baixa em resultado da fraca fertilidade dos solos e do encabeçamento praticado. Nas zonas mais afectadas pela erosão e com abandono da actividade agrícola, desenvolvem-se os matos dominados pela Esteva Cistus ladanifer. O casario disperso e uma rede viária pouco densa, aliados a uma baixa densidade populacional permitem a existência de amplas áreas com reduzida perturbação humana que albergam um importante elenco avifaunístico, de enorme importância a nível nacional e europeu. Entre outras, ocorrem as mesmas espécies de aves estepárias antes referidas para a planície de Évora, mas com efectivos populacionais muito mais relevantes (Costa et al. 2003). Comparativamente com a planície de Évora, a zona de Castro Verde ao estar classificada como Zona de Protecção Especial e fazendo parte integrante da lista do sítios propostos pelo Estado português para integrar a Rede Natura 2000, dispõe pressupostos legais que permitem condicionar intervenções no habitat que causem impactes negativos nas aves 11 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal estepárias. Acresce ainda a existência da medida agro-ambiental "Plano Zonal de Castro Verde", em vigor desde 1995 e com uma área de influência com 60 000 ha, constituindo um incentivo financeiro para a adopção de práticas agrícolas favoráveis à conservação dessas aves. 4. MÉTODOS GERAIS Trabalho de campo Na planície de Évora, o trabalho de campo decorreu entre Março e Julho, permitindo localizar quase todos os ninhos de Águia-caçadeira antes do início das primeiras ceifas. Contudo, na ZPE de Castro Verde realizou-se trabalho de campo apenas entre 1 de Junho e 15 de Julho, já após o corte da maioria dos fenos e de algumas searas. Sendo por vezes necessário dedicar a maior atenção às parcelas com ninhos onde nesse momento estavam a decorrer actividades de ceifa, não foi possível percorrer toda a ZPE com um esforço de prospecção homogéneo de forma a garantir a localização de todos os ninhos da população nidificante nesse ano. Os locais dos ninhos ou de observação de juvenis voadores foram todos georreferenciados. Igualmente registou-se o tipo de uso do solo na parcela agrícola com ninhos, a circunstância destes terem sido ou não localizados antes do corte da vegetação, a data de início da ceifa nessa parcela, a manutenção ou não da vegetação na envolvência do ninho e respectiva dimensão dessa área de protecção bem como o tipo de protecção adicional instalada. Em cada visita ao ninho, foi confirmada a presença e o número de ovos e de crias. Determinou-se a idade dos juvenis a partir do comprimento da oitava primária com recurso à equação de regressão linear descrita em Arroyo 1995 e inferiu-se a respectiva data de eclosão. O início da postura foi calculado ao subtrair-se 30 dias à data de eclosão do juvenil mais velho. Algumas das jovens aves foram anilhadas e marcados (Anexo 1), com a devida autorização da Central Nacional de Anilhagem. A marcação das aves permite monitorizar o regresso aos locais de nascimento nos anos seguintes ou a sua dispersão como reprodutores em áreas distintas. 12 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Parâmetros reprodutores O significado dos parâmetros reprodutores referidos no presente relatório é o seguinte: a) Percentagem de eclosão – percentagem de ovos que eclodem considerando todos os ninhos em que houve postura. b) Percentagem de voo – percentagem de juvenis eclodidos que alcançam a capacidade de voo. c) Ninhos com sucesso – representa a percentagem de ninhos que produziram pelo menos um juvenil voador relativamente ao número de ninhos controlados. d) Produtividade – é o quociente entre o número de juvenis voadores e o número de ninhos controlados. Biótopos de nidificação Os biótopos utilizados como local de nidificação e referidos como sendo trigo, aveia ou cevada respeitam a parcelas cultivadas com cereais ceifados após a maturação do grão. Os fenos correspondem a parcelas com vegetação totalmente espontânea ou semeadas com aveia e cortadas precocemente (Abril ou Maio) para silagem ou fardos. Como a adubação é inferior às dos cereais para grão ou nula, geralmente apresentam uma vegetação mais baixa, o que pode explicar uma menor frequência de utilização para a nidificação. Os pousios são parcelas revestidas com vegetação espontânea e inseridas num sistema de rotação com culturas, embora com esta designação possam ter sido incluídas pastagens permanentes de sequeiro. A nidificação da Águia-caçadeira apenas ocorreu em pousios que não foram pastoreados nos meses anteriores. Salvamento de ninhos A metodologia de salvamento dos ninhos foi comum às duas áreas de estudo. Sempre que possível, a sua localização foi assinalada por uma estaca de madeira com 1,5 m de altura e solicitado aos agricultores e operadores das máquinas agrícolas a manutenção de uma área de protecção com um mínimo de 10 por 10 metros. Para despistar os predadores terrestres, foi utilizado calçado de borracha (por ser relativamente inodoro) e colocadas bolas de naftalina nos trilhos de aproximação ao local do ninho e na proximidade do mesmo. Em 13 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal algumas situações e sempre que considerado justificável – corte da vegetação envolvente do ninho, presença de ovos ou juvenis muito novos no momento da ceifa ou elevado risco de predação – foi experimentada a instalação de cercas eléctricas ou em rede metálica, colocação de fardos de palha e a translocação de juvenis para local próximo do ninho. Estes foram novamente visitados próximo da data prevista para o voo dos juvenis ou após a ceifa para verificação de eventual predação ou destruição dos ninhos pelas máquinas e determinou-se o número de juvenis voadores ou as causas do insucesso reprodutor. No decurso do contacto com os agricultores e tractoristas, foi divulgada a importância da sua colaboração no salvamento dos ninhos, sensibilizando-os para a necessidade de estarem atentos para a presença destes no interior das parcelas a ceifar e da necessidade de assegurarem uma área de protecção com uma dimensão significativa, de pelo menos 10 metros de lado. 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1. Dimensão das populações nidificantes Na planície de Évora (14 590 ha) foi confirmada a nidificação de 20 pares reprodutores e registadas duas posturas de reposição, tendo sido controlados um total de 22 ninhos. Nesta área de estudo, onde já decorriam outros trabalhos sobre Águia-caçadeira, foi possível sinalizar o local do ninho ou pelo menos alertar o agricultor para a sua localização provável antes do corte da vegetação. O número de pares reprodutores entre 1997 e 2003 para a mesma zona de estudo oscilou entre 17 e 29 (Claro 2000 e dados não publicados). Na ZPE de Castro Verde (79 066 ha) foram controlados 40 ninhos e observados juvenis voadores correspondentes a outros 11 ninhos. Atendendo à dimensão da área de estudo e não constituindo objectivo principal a realização de um censo da população reprodutora, o trabalho de campo foi sobretudo dirigido para as acções de salvamento. No total dos ninhos, apenas 21 (52,5%) foram localizados antes da ceifa, sendo provável a presença de outros, entretanto predados e abandonados durante a fase de incubação ou mesmo involuntariamente destruídos durante a actividade de ceifa, cuja existência ficou por conhecer. Contudo, a observação de juvenis recentemente voadores, ainda numa fase 14 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal dependente dos progenitores e em áreas idóneas para a nidificação, contribuiu para uma melhor determinação dos locais preferidos para a nidificação da Águia-caçadeira no interior da ZPE. Onofre et al. 1999 estimaram em 47 – 70 o número de pares reprodutores numa área com 40 000 ha em Castro Verde – Mértola no ano de 1992. Costa et al. 2003 referem uma população reprodutora entre 50 e 80 pares para a IBA PT029 de Castro Verde, valores estes possivelmente subestimados. Considerando provável a presença regular de 70 a 100 pares reprodutores no interior na ZPE de Castro Verde, os 51 locais de nidificação identificados no decurso deste trabalho corresponderão a 50% – 75% dessa população. 5.2. Uso do solo nas áreas de estudo Embora se disponha de informação pormenorizada sobre o uso do solo na planície de Évora, não foi possível conseguir o mesmo nível de detalhe para a ZPE de Castro Verde no decurso deste trabalho. Para uniformização da avaliação da disponibilidade de habitat adequado para a nidificação da Águia-caçadeira optou-se pela cartografia disponibilizada pelo Corine Land Cover 2000. A classe de uso "culturas anuais de sequeiro" agrupa as áreas normalmente cultivadas com cereais de Outono-Inverno em sistema de rotação com pousios anuais ou plurianuais, sendo a mais representada nas duas áreas de estudo (figura 2). É igualmente a que proporciona melhores condições para a nidificação e alimentação da Águia-caçadeira. Os "perímetros regados" estão praticamente ausentes na ZPE de Castro Verde, mas têm aumentado anualmente na planície de Évora, como resposta à maior frequência de períodos de seca nas duas últimas décadas. Se cultivados com cereais, nomeadamente trigo, podem proporcionar condições de nidificação para a Águia-caçadeira. Os "territórios agro-florestais" correspondem a áreas de montado com o sob-coberto cultivado com cereais ou pastagens e são irregularmente utilizados como áreas de alimentação. 15 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal As "zonas agrícolas com espaços naturais" é uma classe apenas representada na ZPE de Castro Verde e consiste num mosaico formado por manchas de matos e parcelas agricultadas. Onofre 1995 refere a utilização das áreas com mato como local de alimentação. Por último, "Outros usos" são sobretudo constituídos por área florestal, olival, vinha e outros biótopos geralmente evitados pela Águia-caçadeira. Percentagem 100 80 74 69 60 40 11 20 6 17 6 9 8 0 Évora Castro Verde Áreas Perímetros Territórios Zonas Outros usos agrícolas de regados agroagrícolas sequeiro florestais com espaços naturais Classes de uso Figura 2 – Representatividade das principais classes de uso do solo na planície de Évora e na ZPE de Castro Verde. 5.3. Locais de nidificação e biótopos utilizados Nas figuras 3 e 4 representa-se o uso do solo de acordo com a cartografia Corine Land Cover 2000 e a localização dos ninhos nas duas áreas de estudo, estando referenciadas com letras de a a i as observações de juvenis voadores no interior da ZPE de Castro Verde. É notável a correspondência entre a classe de uso "culturas arvenses de sequeiro" e a presença de ninhos de Águia-caçadeira, demonstrando a elevada dependência por este agrossistema. 16 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal N 3- 5 1- 2 6 7 - 11 12 13 14 - 22 0 4 8 Kilometers Limite da planície de Évora Ninhos Legenda ( Corine Land Cover) Territórios artificializados Culturas anuais de sequeiro Perímetros regados Antigo arrozal Culturas permanentes Territórios agro-florestais Florestas Planos de água Figura 3 – Uso do solo e localização de ninhos na planície de Évora em 2004. 17 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal 1 N 2-3 a 4 5-11 14 12-13 15-25 26 27 28 b 29-30 31 32 c 33 d 37 e 34-36 h f g i 38 j 0 10 39 - 40 20 Kilometers Limite da ZPEde Castro Verde Ninhos Legenda ( Corine Land Cover) Territórios artificializados Áreas agrícolas de sequeiro Perímetros regados Culturas permanentes Sistemas culturais complexos Zonas agrícolas comespaços naturais importantes Territórios agro-florestais Florestas Zonas com vegetação arbustiva Planos de água Figura 4 – Uso do solo e localização de ninhos (números) e de juvenis voadores (letras) na ZPE de Castro Verde em 2004. 18 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal A distribuição agregada dos ninhos resulta de uma estratégia de nidificação semi-colonial, permitindo uma defesa colectiva dos adultos contra o ataque de predadores. No quadro 3 são referidas as frequências de utilização dos biótopos para nidificação nas duas áreas de estudo, sendo patente a elevada preferência pelas culturas de aveia e trigo. Quadro 3 – Número de ninhos por biótopo na planície de Évora e na ZPE de Castro Verde. Biótopos de nidificação Área de estudo Trigo Cevada Aveia Feno Pousio Évora (n=22) 9 (40,9%) 2 (9,1%) 7 (31,8%) 4 (18,2%) - Castro Verde (n=40) 13 (32,5%) - 23 (57,5%) 1 (2,5%) 3 (7,5%) Évora + Castro Verde (n=62) 22 (35,5%) 2 (3,2%) 30 (48,4%) 5 (8,1%) 3 (4,8%) Em Claro 2000 foram analisadas as diversas variáveis que poderiam influenciar a selecção do biótopo de nidificação, concluindo-se que um factor determinante é a estrutura da vegetação. A altura da vegetação no local do ninho variou entre 67 e 105 cm, sendo precisamente as culturas cerealíferas que apresentaram maior disponibilidade de locais com essa categoria. 5.4. Impacte da actividade de ceifa O valor médio para a data de início das posturas, não considerando as de reposição, foi similar em Castro Verde e em Évora, respectivamente 26 de Abril (desvio padrão=5,55; n=26) e 27 de Abril (desvio padrão=7,27; n=15). A figura 5 comprova a concentração do início das posturas (75%) na segunda quinzena de Abril. Atendendo a que o período de incubação dura um mês e que os juvenis alcançam a capacidade de voo aos 30 – 35 dias de idade, tal significa que a maioria dos locais de nidificação ficariam salvaguardados caso a actividade de corte de fenos ou de ceifa dos cereais em parcelas agrícolas fosse realizada a partir de 1 de Julho. 19 Percentagem Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal 80 70 60 50 40 30 20 10 0 16 - 30 Abril 1 - 15 Maio 15 - 31 Maio 1 - 15 Junho Data Figura 5 – Distribuição temporal da data de início das posturas no conjunto dos ninhos da planície de Évora e da ZPE de Castro Verde. Uma proporção significativa dos 62 ninhos localizados – 45,5% em Évora e 42,2% em Castro Verde – encontravam-se em parcelas que foram ceifadas durante a fase de incubação ou antes dos juvenis alcançarem a capacidade de voo. Para esses casos, foi registada uma produtividade de 0,5 (n=10) em Évora e de 1,5 (n=23) em Castro Verde, bastante inferior aos valores relativos a ninhos não directamente prejudicados pelo corte da vegetação, respectivamente 1,8 (n=12) e 2,8 (n=14). Os valores globais de produtividade na planície de Évora e na ZPE de Castro Verde foram respectivamente de 1,4 e 2,1 juvenis por par reprodutor controlado. A produtividade registada em Castro Verde pode estar um pouco sobrevalorizada comparativamente com Évora, por não incluir ninhos predados antes da sua localização ou destruídos pelo corte de fenos durante o mês de Maio. Mas dois factores podem ter determinado um maior sucesso reprodutor: a data de realização da ceifa e o risco de predação natural. Data de realização da ceifa O início da ceifa é sobretudo determinado pelo grau de maturação das culturas, que varia anualmente em função das condições meteorológicas. Um Inverno frio e uma Primavera relativamente húmida retardam o desenvolvimento vegetativo e a maturação do grão, conduzindo a ceifas mais tardias. Pelo contrário, temperaturas elevadas e fraca precipitação 20 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal antecipam a actividade de ceifa. Mas por vezes, devido a um ou dois dias de precipitação moderada durante a época da ceifa, as colheitas são suspensas por uma semana, permitindo o crescimento dos juvenis ou mesmo a aquisição da capacidade de voo antes da reentrada das máquinas nessas parcelas, com reflexos positivos ao nível do sucesso reprodutor. As searas de aveia se demasiado invadidas por vegetação espontânea ou para a produção de fardos podem ser cortadas precocemente, muitas vezes ainda durante a fase de incubação (fotografia 1). Fotografia 1 – Corte precoce de uma seara de aveia com ninhos de Águia-caçadeira no dia 8.5.04 (planície de Évora). Considerando a altura da vegetação, é difícil ao tractorista localizar o ninho se este não estiver assinalado por uma estaca. Porém, a medida agro-ambiental "Plano Zonal de Castro Verde" condiciona a realização da ceifa em função do principal período de nidificação das aves estepárias. Segundo Ana Lampreia (com. pess.), cerca de 50% das explorações agrícolas onde ocorreu a nidificação da Águia-caçadeira na ZPE de Castro Verde estão inscritas nesse Plano Zonal. Nos casos em que foi possível determinar a data de início da ceifa nas parcelas com ninhos, observou-se que em explorações integradas no Plano Zonal de Castro Verde o valor médio foi o dia 25 de Junho (desvio padrão=9,03; n=10) enquanto nas outras explorações foi o dia 16 de Junho (desvio 21 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal padrão=10,05; n=4). Na planície de Évora a data média de início da ceifa em parcelas utilizadas para a nidificação foi o dia 13 Junho (desvio padrão=13,38, n=12). No conjunto das duas áreas de estudo, o corte do feno efectuou-se sobretudo na segunda quinzena de Maio e a ceifa da aveia na segunda quinzena de Junho (figura 6), permitindo aos ninhos situados em searas de trigo produzirem juvenis voadores antes das ceifeiras Percentagem debulhadoras alcançarem os locais de nidificação. 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Feno Aveia Trigo 1 - 15 Maio 15 - 31 Maio 1 - 15 Junho 16 - 30 Junho 1 - 15 Julho 15 - 31 Julho Data Figura 6 – Distribuição temporal da data de início do corte da vegetação no conjunto das parcelas com ninhos da planície de Évora e da ZPE de Castro Verde. Num total de 60 ninhos no conjunto das duas áreas de estudo, para os quais foi possível conhecer o número de juvenis voadores e independentemente das medidas de protecção utilizadas, a produtividade foi 1,3 (n=4) para os ninhos situados em parcelas com feno, 1,6 (n=30) na aveia foi e 2,3 (n=26) no trigo. Relativamente aos três ninhos localizados em pousios, num deles foi encontrado um juvenil morto por causa indeterminada e posteriormente desapareceram os dois irmãos (predados?), um outro ninho produziu 4 juvenis voadores e no restante, encontrado tardiamente, voou um número indeterminado de juvenis. 22 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Risco de predação A perturbação associada à presença de pessoas e ao trânsito de máquinas agrícolas, durante a ceifa e recolha de fardos, geralmente origina o afastamento da fêmea do local do ninho durante largos períodos, facilitando a predação de ovos e crias. Durante a realização deste trabalho, nunca foi observado o abandono de ninhos com crias vivas mas foi muito frequente se a ceifa ocorreu na fase de incubação. Quanto mais precoce for o corte da vegetação, mais tempo os ovos ou crias permanecem em condições de maior vulnerabilidade à predação, independentemente das medidas de protecção do local de nidificação. Considerando apenas os ninhos prejudicados pela ceifa, houve perda total de posturas ou crias em resultado da predação e abandono pela fêmea, em 70% dos ninhos na planície de Évora e em 26% na ZPE de Castro Verde. Embora desconhecendo os valores de abundância de Raposa Vulpes vulpes ou de Sacarrabos Herpestes ichneumon nas duas áreas de estudo, na zona de Évora existe uma maior profusão de locais de abrigo e de passagem para estes carnívoros – afloramentos rochosos, bosquetes e linhas de água com vegetação ripícola, resultando num provável maior pressão predatória nesta área que possa explicar a diferença entre os índices de sucesso reprodutor após a ceifa. Os predadores de ninhos de Águia-caçadeira agem quase sempre forma oportunista. Nas duas áreas de estudo, foi recorrente a presença de 10 a 40 cegonhas brancas Ciconia ciconia acompanhado a actividade do corte de feno ou da ceifa do cereal. O facto de essas aves serem atraídas em grande número pela actividade das ceifeiras debulhadoras que favorece a captura de ortópteros e outras presas, conjugada com perturbação decorrente da presença de máquinas e de pessoas obrigar a fêmea de Águia-caçadeira a levantar voo, resulta numa elevada probabilidade de perda total ou parcial de ovos e de crias com poucos dias de idade (fotografias 2 a 4). Com maior frequência na região de Évora, observou-se o ataque simultâneo de Cegonha-branca e de Milhafre-preto Milvus migrans sobre os locais dos ninhos. 23 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Fotografia 2 – Cegonhas brancas a acompanhar o corte da vegetação (ZPE de Castro Verde). Fotografia 2 e 3 – Juvenil ferido e outro morto por Cegonha-branca, poucas horas após a ceifa no local do ninho (planície de Évora). No quadro 4 comparam-se os parâmetros reprodutores entre ninhos na planície de Évora para os quais foi conhecida a dimensão da postura, o número de ovos eclodidos e o número de juvenis que conseguiram voar. Sete desses ninhos localizaram-se em parcelas cuja ceifa foi tardia, mas três foram predados durante a fase de incubação, pelo que a percentagem de eclosão foi relativamente baixa (56,3%). Porém, a percentagem dos juvenis eclodidos foi elevada (83,3%). A produtividade de 2,1 juvenis por par reprodutor controlado é bastante razoável, correspondendo a 24 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal condições "naturais" na ausência da actividade de ceifa, quando o sucesso reprodutor será sobretudo condicionado pela disponibilidade de alimento. Os três ninhos com ovos no dia de início da ceifa foram totalmente predados e os restantes cinco, que já tinham juvenis eclodidos, apresentaram uma percentagem de vôo muito reduzida (18,2%). Quadro 4 – Comparação dos parâmetros reprodutores de ninhos para os quais foi conhecida a dimensão da postura, percentagem de ovos eclodidos e percentagem de voo dos juvenis na planície de Évora. A) Ninhos predados ou cujos juvenis voaram em data anterior à da ceifa Número de ninhos 7 Total de ovos 32 Percentagem de eclosão 56,3% Total de juvenis voadores 15 Percentagem de voo 83,3% Total de juvenis voadores 0 Percentagem de voo 0% Produtividade 2,1 B) Ninhos com ovos na data de início da ceifa Número de ninhos 3 Total de ovos 10 Percentagem de eclosão 0% Produtividade 0 C) Ninhos com juvenis não voadores na data de início da ceifa Número de ninhos 5 Total de ovos 22 Percentagem de eclosão 86,4% Total de juvenis voadores 4 Percentagem de voo 18,2% Produtividade 0,8 5.5. Viabilidade das populações de Águia-caçadeira na planície de Évora e na ZPE de Castro Verde A problemática associada à conservação das populações de Águia-caçadeira dependentes das áreas agrícolas e a eficácia do esforço dedicado ao salvamento de ninho tem merecido a atenção de diversos investigadores europeus nos últimos anos. Segundo Koks & Visser 2002, na Holanda, onde nidificam 25 – 45 pares1 com uma produtividade média de 1,5 juvenis voadores, são tomadas fortes medidas de salvaguarda 1 Em 1900-1930 ocorriam na Holanda 500-1000 pares reprodutores. Essa população sofreu um drástico declínio desde os anos 50, registando-se apenas 3 pares a nidificarem em 1987. Com a introdução do regime de set-aside em 1989, a população recuperou rapidamente até 1994, estabilizando com flutuações inter-anuais a partir dessa data. Todavia, verificou-se que durante as duas últimas décadas do século XX, as preferências dos biótopos de nidificação se alteraram de naturais ou semi-naturais para áreas agrícolas. 25 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal dos ninhos. Em particular para os ninhos em parcelas cultivadas com luzerna, cujo corte coincide com a fase de incubação. A percentagem de ninhos destruídos nesse biótopo foi altamente reduzida desde que passou a ser preservada uma área com 11 por 11 metros em redor do ninho, reforçada com a instalação de uma cerca eléctrica para reduzir o risco de predação que representava 52% das causas de insucesso. Esses autores modelaram as dinâmicas populacionais na presença e na ausência de protecção dos ninhos, verificando que na ausência da protecção dos ninhos, haverá um rápido declínio com risco de extinção local no espaço de 10 anos. Arroyo et al. 2002 realizaram uma simulação sobre a probabilidade de extinção local em função da produtividade, obtendo um risco baixo ou nulo desde que a população se mantenha estável e se verifique uma produtividade igual ou superior a 1,6 juvenis. Segundo esse modelo, bastaria declínio anual de 2% no número de progenitores para que a produtividade tivesse de ser superior a 2 juvenis de forma a contrariar o decréscimo populacional. Assim, sempre que em anos consecutivos os valores de produtividade forem inferiores a 1,6 é recomendável a adopção de medidas eficazes para o salvamento de ninhos. Franco et al. 1999 referem valores de produtividade de 1,1-1,6 (n=16) em 1997 e de 0,9-1,5 (n=24) em 1998 referentes a ninhos monitorizados no interior da actual ZPE de Castro Verde. Esses autores relatam a morte, directamente relacionada com a actividade de ceifa, de 8% das crias nascidas em 1997 e 14% das nascidas em 1998. Igualmente concluem que o facto de não ser mantida uma faixa de cereal em redor do ninho resulta numa significativa mortalidade de juvenis ou no abandono da nidificação, recomendando a promoção de medidas efectivas para a protecção dos ninhos. A produtividade global obtida em 2004 para a mesma área de estudo – 2,1 juvenis voadores por ninho – poderá reflectir a intervenção no salvamento de ninhos. Em dezasseis dos dezanove ninhos afectados pela actividade de ceifa, foram aplicadas diversas medidas de protecção dos ninhos, algumas delas por iniciativa própria dos agricultores e operadores das ceifeiras. Para os outros três ninhos onde não houve protecção, num dos casos os ovos foram destruídos pelas rodas do tractor no momento do corte da vegetação, noutro as crias foram predadas no espaço de 24 horas após a ceifa antes de ser possível a instalação de um 26 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal dispositivo de protecção e no último caso tratava-se de juvenis que já esvoaçavam na vizinhança do ninho, sendo considerado desnecessário tentar proteger esse local. Com base nos valores de produtividade obtidos por este estudo e integrando os mencionados por outros autores para anos anteriores, pode-se afirmar que existe um risco moderado de extinção local da população, caso não sejam aplicadas medidas de protecção dos ninhos. Mais preocupante será a viabilidade da população nidificante na planície de Évora, que apresenta um elevado risco de extinção local. Em 2004, a produtividade global foi de apenas 1,4 e em anos anteriores tinha sido igualmente baixa: 1,1 (n=21) em 1997 e 1,9 (n=13) em 1998 (Claro 2000 e dados não publicados). O número de juvenis voadores gerados anualmente será insuficiente para compensar a mortalidade dos juvenis durante o primeiro ano de vida e da população adulta. O facto de não se observar um declínio muito evidente nos últimos dez anos da população nidificante nesta área de estudo, cujos efectivos têm oscilado entre 17 e 30 pares reprodutores, provavelmente resulta da imigração de aves provenientes de locais que entretanto perderam condições favoráveis para a nidificação ou nascidas em locais com maior produtividade. A planície de Évora reunirá as condições atractivas para a Águiacaçadeira – disponibilidade trófica e vegetação com estrutura favorável – pelo que anualmente um número razoável de pares reprodutores inicia o ciclo reprodutor. Todavia, o impacte da actividade de ceifa não permite alcançar um desejável sucesso, ficando este dependente de um maior esforço na protecção dos ninhos. Sendo a actividade de predação potenciada pelo corte da vegetação, a medida mais eficaz para a protecção dos ninhos será o atraso da ceifa, medida esta dependente de contratualização com o agricultor. A eventual aprovação de um Plano Zonal para a IBA Planície de Évora ou a sua classificação como Zona de Protecção Especial possibilitará a definição das medidas de gestão consideradas mais adequadas e o necessário financiamento para a protecção dos ninhos. 5.6. Medidas de protecção dos ninhos Como foi anteriormente referido, o local do ninho foi sinalizado por uma estaca de madeira (fotografia 5) e solicitado ao agricultor a manutenção da vegetação em redor do ninho, numa área com 10 por 10 metros. 27 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Para além da preservação da vegetação envolvente do local do ninho, foram experimentadas diversas medidas adicionais de protecção. A rede metálica ou a cerca eléctrica foram geralmente instaladas em ninhos com ovos ou com crias de idade inferior a 20 dias. Construiu-se um círculo de palha ou colocaram-se fardos quando os juvenis já se encontravam bastante desenvolvidos. A translocação de juvenis apenas se realizou quando estes se apresentavam próximos da capacidade de voo. Não foi evidente qualquer situação de abandono pela fêmea directamente relacionada com a perturbação produzida pelos elementos das equipas de trabalho ou pela colocação de elementos estranhos na proximidade do ninho. Inclusive, foi observada a utilização das estacas das cercas eléctricas ou das redes metálicas pelas aves adultas poucas horas ou nos dias seguintes à sua colocação. Fotografia 5 – Sinalização do local do ninho com uma estaca, antes da ceifa (ZPE de Castro Verde). 28 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal 5.6.1. Métodos de protecção Tipo: Área por cortar em redor do ninho (recomendável um mínimo de 10 por 10 metros) Material: Eventualmente 4 estacas para balizar a área a preservar. Custo aproximado: 3 a 5 euros de perda de rendimento. Vantagens: Mantém a vegetação envolvente do ninho, minimizando a perturbação da fêmea e reduzindo o risco de abandono do ninho, em particular durante a fase de incubação. É de fácil aplicação por parte do agricultor ou operador de máquinas agrícolas. Inconvenientes: Confere pouca protecção relativamente aos predadores. Pode constituir um ponto de atracção para bovinos ou ovinos, caso o restolho seja pastoreado ainda durante o período de reprodução, incrementado o risco de pisoteio de ovos ou juvenis pequenos pelo gado. Fotografia 6 – Área de protecção balizada por estacas (planície de Castro Verde). 29 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Tipo: Rede metálica com 10 metros de perímetro Material: Rede metálica com 1,5 metros de altura e malha de 2,5 a 5 cm, 6 a 8 postes de madeira ou ferro e pregos para fixação da rede ao solo. Todo o material pode ser reutilizado, salvo deterioração. Custo aproximado: 35 euros. Vantagens: Em princípio, constitui uma barreira para diversos carnívoros (raposa, sacarrabos e cão). Instalação relativamente rápida. Pode ser instalada antes do corte da vegetação. Inconvenientes: É muito conspícua, podem chamar a atenção de pessoas se colocada próximo de estradas ou caminhos. Por vezes os progenitores colocam as presas no exterior da vedação, fora do alcance dos juvenis não voadores. Fotografia 7 – Ninho protegido por rede metálica. No interior, foi colocada alguma palha para fornecer sombra aos juvenis (ZPE de Castro Verde). 30 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Tipo: Vedação eléctrica com 40-50 metros de perímetro Material: Electrificador, pilha ou painel solar, fio, estacas, isoladores, ligação de terra em cobre. Custo aproximado: 190 euros. Cada pilha (26 euros) tem carga suficiente para 2-3 meses. O restante equipamento pode ser reutilizado, salvo deterioração. Vantagens: Se devidamente instalada, constitui uma boa barreira para carnívoros. A utilizar como medida complementar da área de protecção com 10 por 10 metros. Inconvenientes: É um sistema relativamente dispendioso se comparado com as outras medidas de protecção experimentadas. O funcionamento do electrificador exige uma eficaz ligação de terra, o que obriga em períodos quentes e secos à humidificação do solo junto do condutor de terra cada 3 ou 4 dias. Fotografia 8 – Ninho protegido por rede eléctrica a rodear uma área de protecção com 8 por 7 metros (planície de Évora). 31 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Tipo: Círculo de palha ou fardos Custo aproximado: Não aplicável. A quantidade de palha utilizada tem um baixo valor económico e os fardos podem ser recolhidos após o voo dos juvenis. Vantagens: Método expedito que confere alguma protecção ao ninho e em particular sombra aos juvenis, sempre que foi cortada toda a vegetação e exista palha solta ou enfardada na proximidade do ninho. Inconvenientes: Reduzida ou nula protecção contra predadores. Fotografia 9 – Círculo de palha (planície de Évora) Fotografias 10 e 11 – Fardos. No interior foi colocada alguma palha para fornecer sombra aos juvenis (ZPE de Castro Verde). 32 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Tipo: Translocação de juvenis Material: Nenhum. Custo aproximado: Zero. Vantagens: Método simples, apenas requerendo um local abrigado na proximidade do ninho, como por exemplo monte de pedras ou mancha de vegetação não cortada. Inconvenientes: Confere pouca protecção contra predadores. Existe algum risco de abandono pelos progenitores se os juvenis forem colocados num local demasiado afastado do ninho. 5.6.2. Análise dos resultados da protecção dos ninhos Se bem que a reduzida dimensão da amostra para cada um destes métodos não permita concluir de forma categórica qual o mais adequado, será legítimo afirmar que qualquer um deles teve efeito positivo quando aplicado após a eclosão dos juvenis. A eficácia de cada uma das medidas de protecção é sintetizada no quadro 6. Em particular na ZPE de Castro Verde foram alcançados valores de produtividade entre 2 e 2,5, recompensando o investimento e o esforço dispendido para a sua protecção. Os resultados menos positivos para a planície de Évora podem resultar de uma maior pressão predatória, tal como foi anteriormente referido. Quadro 7 – Produtividade em função do conteúdo do ninho no dia da ceifa e do tipo de protecção para 24 ninhos na planície de Évora e na ZPE de Castro Verde. Tipo de protecção do ninho Área de protecção Évora Castro Verde Conteúdo do ninho Conteúdo do ninho Ovos Juvenis Ovos Juvenis 0 (n=1) - 0 (n=2) 2,5 (n=4) 1 (n=2) - - 0 (n=1) 2 (n=3) Cerca eléctrica(1) Rede metálica(1) 0 (n=1) 0,6 (n=5) Círculo/fardos de palha - - Translocação de juvenis - - (1) – Em alguns casos foi utilizada de forma complementar com a área de protecção. 33 2 (n=3) - 2 (n=2) Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Área por cortar A simples manutenção de uma área de protecção revelou-se eficaz, destacando-se o caso registado na ZPE de Castro Verde, de um ninho numa parcela com aveia cortada em verde para feno que produziu 5 juvenis voadores. A preservação da vegetação em redor do ninho reduz bastante o risco de abandono da fêmea, sendo recomendável uma dimensão mínima de 10 por 10 metros. Para os ninhos não assinalados antes da ceifa, em nove a vegetação foi totalmente cortada e em cinco foi preservada uma média de 10 m2. O corte total da vegetação próxima do ninho geralmente não é intencional, sendo provavelmente pouco frequentes os casos em que haverá destruição propositada. Muitas vezes deve-se à circunstância do ninho ser pouco visível ou dos juvenis se abrigarem do Sol por entre a vegetação, num raio de 2 ou 3 metros em redor do ninho, parecendo que já abandonaram esse local e induzindo em erro o operador da ceifeira (fotografia 12). Fotografia 12 – Juvenis abrigados por entre a vegetação a alguns metros do ninho (ZPE de Castro Verde). 34 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Em todos os casos em que houve sinalização prévia dos mesmos ou um simples alerta para a sua existência na parcela a ceifar, foram sempre mantidas áreas de protecção, com um valor médio de 25 m2 (n=11), superior ao anterior mas aquém dos 100 m2 solicitados por esta equipa (fotografia 13), porque muitas vezes os agricultores consideram que terão um prejuízo significativo. Note-se que a actuação por parte dos agricultores foi totalmente voluntária, não existindo qualquer compensação financeira pela perda de rendimento. Fotografia 13 – Apesar de sinalizado o local do ninho antes da ceifa e solicitado ao agricultor a manutenção de área com 10 por 10 metros, apenas foi preservada uma área com 2 por 4 metros. Todavia, os três juvenis conseguiram sobreviver e voaram 8 dias após a ceifa (ZPE de Castro Verde) Este método deve ser amplamente divulgados junto dos agricultores, pois muitos deles julgam que tal iniciativa implica elevadas perdas de rendimento sem qualquer resultado válido. Rede metálica É um método bastante vulgarizado em França e com bons resultados. Considerando o seu baixo custo e a relativa eficácia contra mamíferos, recomenda-se a sua adopção como método 35 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal preferencial de protecção dos ninhos, desde que colocado em locais afastados de caminhos para evitar a curiosidade de pessoas e reduzir o risco de espoliação das crias. É recomendável a sua instalação antes do início da ceifa, para reduzir os riscos de predação, embora nem sempre garanta a protecção contra mamíferos carnívoros se a pressão predatória for elevada e facilitado o acesso ao ninho pelo corte da vegetação. Em Évora, num ninho com 3 juvenis em aveia ainda não ceifada, ocorreu a predação de um deles provavelmente por raposa. No dia seguinte, foi colocada uma rede e os restantes dois juvenis conseguiram alcançar a capacidade de voo 6 a 8 dias mais tarde, antes do início da ceifa (fotografia 14). Mas num outro ninho em cevada, com igual colocação da rede dias antes do início da ceifa, houve predação das duas crias poucos dias após o corte da vegetação (fotografia 15). Fotografia 14 – Ninho protegido com rede metálica instalada antes da ceifa (planície de Évora). Fotografia 15 – Dois juvenis no interior da rede, antes de serem predados cinco a oito dias mais tarde (planície de Évora). 36 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Porém, em Castro Verde este método revelou-se bastante mais eficaz, particularmente nos casos em que os ninhos só foram encontrados após a ceifa e quando toda a vegetação envolvente do ninho tinha sido cortada ou deixadas áreas de protecção muito reduzidas (fotografia 16). Fotografia 16 – Ninho com 3 juvenis, protegido por rede. Toda a vegetação foi cortada no dia 13 de Junho e a rede foi colocada no dia 16, quando o juvenil mais velho tinha 15 dias. Todos os juvenis conseguiram alcançar a capacidade de voo a partir do dia 28 de Junho (ZPE de Castro Verde). Vedação eléctrica É utilizada com muita frequência na Holanda (Koks & Vesser 2002) e na comunidade espanhola de Navarra para a protecção de ninhos de Águia-caçadeira. Este método foi testado na planície de Évora pela primeira vez em 2002 e com êxito. Tratou-se de uma parcela com vegetação espontânea cortada para silagem em 7 de Maio, onde se encontravam 4 ninhos em fase de incubação, com posturas iniciadas entre os dias 15 e 25 de Abril. Para além de uma área de protecção com aproximadamente 10 por 10 metros em todos esses ninhos, em três deles foi instalada uma cerca eléctrica. Após o corte da vegetação, essa parcela foi semeada com milho e regada por aspersão com center-pivot, pelo que o solo esteve 37 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal sempre húmido, favorecendo o correcto funcionamento da cerca eléctrica. O ninho não protegido por cerca foi predado no espaço de 4 dias mas nos restantes voaram um total de 7 juvenis, equivalendo a uma produtividade 2,3 juvenis por ninho. Infelizmente, esse sucesso não se repetiu em 2004, quando as cercas eléctricas não se revelaram tão eficazes, possivelmente por deficiente instalação ou devido ao baixo teor de humidade do solo, dificilmente compensado pela adição de água cada dois ou três dias. Contudo, a opção por este método pode justificar-se quando se pretenda garantir uma maior protecção do local do ninho por um longo período de tempo, sempre que o corte da vegetação ocorra durante a fase de incubação e exista um elevado risco de predação, em particular se for numa região com precipitação habitual durante a época de nidificação da Águia-caçadeira. Círculo de palha ou fardos Nos casos em que foi colocado um círculo de palha em redor de ninhos com ovos ou crias recém-eclodidas, ocorreu a predação dos ovos e a morte das crias por insolação, pelo que deve ser utilizado em ninhos com crias de idade superior a 15-20 dias e sempre que não seja viável a instalação de uma rede metálica. Tem a vantagem de ser facilmente construído pelo próprio agricultor ou operador da ceifeira. Translocação de juvenis Em dois casos, sendo um deles por própria iniciativa do agricultor, efectuou-se a deslocação de juvenis quase voadores para um local próximo do ninho (monte de pedras com alguma vegetação). Num caso, sobreviveram os dois juvenis originários de um ninho e no outro houve predação de um juvenil mas o restante conseguiu voar. Atraso na data de início da ceifa Não foi possível a experimentação deste método por inexistência de verba destinada à indemnização dos agricultores. 38 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Contudo, no decurso do presente estudo e para o conjunto das duas áreas de estudo, verificou-se que a produtividade foi nula quando a ceifa coincidiu com a fase de incubação e variou proporcionalmente com a idade dos juvenis, independentemente das medidas de protecção antes descritas (quadro 6), demonstrando a vantagem no seu atraso sempre que possível. Quadro 6 – Produtividade em ninhos para os quais foi conhecida a data de realização da ceifa e determinada a idade dos juvenis, na planície de Évora e na ZPE de Castro Verde. Conteúdo do ninho na data de início da ceifa Produtividade Évora Castro Verde Évora + Castro Verde Ovos 0 (n=3) 0 (n=2) 0 (n=5) 1º juvenil com menos de 10 dias 0,5 (n=2) 0 (n=2) 0.25 (n=4) 1º juvenil com 10 a 20 dias 2 (n=2) 1 (n=3) 1.4 (n=5) 1º juvenil com mais de 20 dias 0 (n=1) 2,2 (n=9) 2 (n=10) 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Atendendo à elevada dependência da Águia-caçadeira por áreas agrícolas em Portugal e ao impacte gerado pela actividade de ceifa avaliado neste relatório, conclui-se que a protecção dos ninhos é necessária para garantir a sobrevivência das populações nidificantes em Portugal. A indispensável colaboração dos agricultores deve ser incentivada através de uma ampla campanha de sensibilização, envolvendo de forma integrada serviços dos Ministérios da Agricultura e do Ambiente, ONGA's e associações de agricultores. A revisão da Política Agrícola Comum em 2003 vem reforçar a necessidade de cumprimento de boas práticas agrícolas e ambientais como condição de pagamento de ajudas. Os financiamentos associados ao Regime de Pagamento Único e a algumas medidas agro- 39 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal ambientais, que favorecerem as externalidades positivas ao nível do incremento da biodiversidade nas áreas agrícolas, devem ser majorados caso existam acções concretas de preservação de determinadas espécies, como seja a protecção dos ninhos de Águia-caçadeira. Ficou demonstrada a importância do Plano Zonal de Castro Verde para a conservação da Águia-caçadeira. O facto de se privilegiar a manutenção de um sistema agrícola tradicional, baseado na extensificação e rotação de culturas, favorecendo a redução da aplicação de agroquímicos com benefícios positivos ao nível da disponibilidade trófica, visando sobretudo espécies globalmente ameaçadas como a Abetarda (Rocha 2005) ou o Francelho (Aldina & Rocha 2001), vem igualmente beneficiar as populações de Águia-caçadeira, desde que seja efectivamente respeitada a data da ceifa em função da época de nidificação. É recomendável que a planície de Évora disponha igualmente de um Plano Zonal, assim como as restantes áreas do Alentejo com reconhecida importância para as aves estepárias, nomeadamente Campo Maior/Elvas, Monforte/Vila Fernando, Mourão/Moura/Barrancos e Alvito/Cuba. Fora das áreas dotadas de plano zonal, devem ser estabelecidos contratos anuais com agricultores visando a protecção dos locais de nidificação. Para reduzir o impacte da ceifa, esta deve ser retardada tanto quanto possível em parcelas com ninhos, devendo anualmente ficar cabimentada a verba necessária ao pagamento de indemnizações aos agricultores. É desejável a implementação de medidas de gestão de habitat, promovendo a manutenção ou recuperação de áreas com vegetação herbácea espontânea com uma altura média entre 60 e 100 cm e que não deve ser cortada ou pastoreada antes do final de Junho. Essas áreas podem estar enquadradas nos compromissos plurianuais a respeitar no âmbito de planos zonais ou definidas em contratos anuais a estabelecer com os agricultores. Nas terras retiradas da produção que venham a constituir potenciais locais de nidificação e alimentação, deve ser interditada a mobilização do solo ou a aplicação de herbicidas durante a época de reprodução, entre 15 de Março e 30 de Junho. 40 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Os compromissos dos agricultores no âmbito das ajudas relativas ao Regime de Pagamento Único, devem clarificar quais as espécies incluídas no Anexo I da Directiva 79/409/CEE (Directiva Aves) merecedoras de particular atenção durante a actividade de ceifa. A estratégia nacional de conservação da Águia-caçadeira, para além das recomendações previstas no plano de acção para a conservação das aves dependentes da estepe cerealífera, deve igualmente incluir: • Ampla divulgação de informação sobre a biologia da espécie junto do público e em particular das populações rurais, incluindo orientações sobre os procedimentos a tomar em caso de presença de ninhos nas parcelas as ceifar (anexo 2); • Estabelecimento de parcerias entre serviços centrais ou direcções regionais do Ministério da Agricultura, associações de agricultores e outras entidades para a realização de acções de experimentação e demonstração de métodos de protecção dos ninhos; • Indicação de um número de telefone que permita ao agricultor comunicar às autoridades competentes a existência de ninhos de Águia-caçadeira na sua exploração e ameaçados pela actividade de ceifa; • Acções de formação de agentes de autoridade para procederem à recolha de ovos ou juvenis de ninhos destruídos pela actividade de ceifa e respectivo encaminhamento para os centros de recuperação da fauna silvestre. • Apetrechamento dos centros de acolhimento e recuperação da fauna silvestre de forma a permitir a incubação de ovos e alimentação de juvenis até atingirem a capacidade de voo, para posterior libertação. 41 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Almeida J. (coord.), A.C. Cardoso, J.C. Claro, C. M. Cruz, M. Pinto, P. Rocha & J.P. Silva 2003. Plano de acção para a conservação das aves dependentes da estepe cerealífera. 1ª fase: Abetarda, Sisão, Cortiçol-de-barriga-negra, Tartaranhão-caçador, Peneireiro, Grou. Versão preliminar. Instituto da Conservação da Natureza. Relatório não publicado. Almeida J. (coord.), P. Catry, V. Encarnação, C. Franco, J.P. Granadeiro, R. Lopes, F. Moreira, P. Oliveira, N. Onofre, C. Pacheco, M. Pinto, M.J. Pitta Groz, J. Ramos, L. Silva 2005. Circus pygargus Águia-caçadeira pp 223-224. In Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (MJ Cabral et al. (eds)). Instituto da Conservação da Natureza. Lisboa. Arroyo, B. 1995. Breeding Ecology and nest dispersion of Montagu's Harrier Circus pygargus in central Spain. PhD. dissertation. University of Oxford, U.K. Arroyo, B. & V. Bretagnolle 2000. 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Anz. 41: 109-118. 44 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal Anexo 1 Registo de anilhagem e de marcação alar de juvenis de Águia-caçadeira Em 2004 45 Marca alar asa direita (cor e letra) Marca alar asa esquerda (cor e letra) Azul - C Vermelha - B Preta-verde-preta Azul - A Vermelha - A K 008271 Preta-branca-preta Azul - B Vermelha - A 343 g K 008272 Preta-branca-preta Macho 327 g K 008273 Preta-branca-preta 26.6.2004 Fêmea (?) 322 g K 008274 Preta-verde-preta Évora 27.6.2004 Fêmea 315 g K 008275 Branca - preta Azul - D Vermelha - A Évora Évora 27.6.2004 Fêmea 299 g K 008276 Branca - preta Évora Évora 27.6.2004 Macho 266 g K 008277 Branca - preta Azul - E Vermelha - A Local Concelho Distrito Data Sexo Peso Anilha metálica Anilhas de cor Pinheiros Évora Évora 13.6.204 Fêmea 301 g K 008263 Verde - preta Chaminé Évora Évora 13.6.204 Fêmea 344 g K 008264 Verde - azul Carregueiro Aljustrel Beja 17.6.2004 Fêmea 303 g K 008265 Entradas Castro Verde Beja 17.6.2004 Macho 274 g K 008266 Perdigão Évora Évora 20.6.2004 Fêmea 296 g K 008267 Entradas Castro Verde Beja 17.6.2004 Fêmea 321 g K 008268 Vale Diogo Évora Évora 20.6.2004 Macho 259 g K 008269 Preta-verde-preta Vale Diogo Évora Évora 20.6.2004 Fêmea 373 g K 008270 Vale Diogo Évora Évora 20.6.2004 Fêmea 342 g Vale Diogo Évora Évora 20.6.2004 Fêmea Vale Diogo Évora Évora 20.6.2004 Vale Diogo Évora Évora Vale Diogo Évora Vale Diogo Vale Diogo Roxa e preta Anexo 2 Folheto com sugestões para a protecção dos ninhos de Águia-caçadeira Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal 2 Avaliação do Impacte da Actividade Agrícola sobre as Populações de Águia-caçadeira no Sul de Portugal 3