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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA
INARA FONSECA FERREIRA MANDU DA SILVA
“NADA BÁSICO!”: MODA E CONSUMO DE ROUPA NO CAMELÓDROMO DE
CUIABÁ
CUIABÁ-MT
2012
INARA FONSECA FERREIRA MANDU DA SILVA
“NADA BÁSICO!”: MODA E CONSUMO DE ROUPA NO CAMELÓDROMO DE
CUIABÁ
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos de Cultura Contemporânea
da Universidade Federal de Mato Grosso como
requisito para a obtenção do título de Mestre em
Estudos de Cultura Contemporânea na Área de
Concentração Estudos Interdisciplinares de Cultura,
Linha de Pesquisa Poéticas Contemporâneas.
Orientadora: Prof(a). Dr(a). Ludmila de Lima Brandão
Cuiabá-MT
2012
_______________________________________________________
Prof(a) Dr(a) Rita Morais de Andrade
Examinador Externo (UFG)
___________________________________________________________
Prof(a). Dr(a). Patrícia Silva Osório
Examinador Interno (ECCO/UFMT)
___________________________________________________________
Prof(a). Dr(a). Ludmila de Lima Brandão
Orientador (ECCO/UFMT)
Cuiabá, 26 de março de 2012.
À Lancelot, meu inestimável companheiro
AGRADECIMENTOS
Escrever os agradecimentos da construção deste trabalho é um exercício tão
árduo quanto a própria produção dele, pois dentro de tantas colaborações efetivas e
afetivas ser seleta e decidir quem não mencionar tornou-se deveras complicado.
Agradeço à minha mãe, Walkyria Fonseca, pelo amor e carinho, pelo exemplo
de força e dedicação. Pelo investimento de sua própria vida na minha. Por acreditar em
mim e permitir que eu seja quem sou plenamente, a despeito de suas próprias
idealizações e planos.
À minha orientadora, professora Ludmila Brandão, por ter me acolhido como
sua aluna em 2007, mesmo eu sendo de outro curso. Por ter me incentivado a seguir e
pela primeira ligação parabenizando pela aprovação no mestrado – fato que não
esquecerei. Pelo espírito ousado e pelas palavras de ânimo nos momentos de desespero
acadêmico. Durante esses quase cinco anos mais do que uma professora, tive ao meu
lado uma amiga.
A todos os professores do ECCO, que tanto colaboraram com meu
desenvolvimento, em especial a professora Patrícia Osório a quem admiro e cujas aulas
ministradas foram fundamentais para desenvolvimento deste trabalho e para descobertas
tanto pessoais quanto profissionais. Ressalto também a participação da professora
Dolores Galindo, que incutiu novas ideias na minha mente com a “perturbadora” teoria
ator-rede, e do professor Yuji Gushiken – que acompanhou minha trajetória acadêmica
desde 2006, sendo sempre acessível e acolhedor.
À professora Rita Andrade por ter aceitado participar do processo de construção
desta pesquisa, contribuindo com questionamentos que se de um lado incomodaram
minha mente, de outro me permitiram enxergar além.
À minha avó, Aedna Fonseca, pelo amor, carinho, apoio, torcida e orações.
À Goddman Andrade pelo apoio irrestrito, pelo excesso de intimidade, por todos
os perdões e por permanecer dentro de todas as nossas impermanências.
À Júlia Ferreira, minha prima e minha irmã que há 15 anos enche meu caminho
de mel e girassóis.
Aos amigos Juliana Curvo, Bruna Rafaelle, Emily Ferreira, Lia Epstein, Rodolfo
Polzin e Sinara Álvares que tanto me ouviram nos meus momentos de angústia
lispectoriana. Sei que se não fosse o amor, o carinho, a compreensão, a generosidade e a
lealdade de vocês não teria conseguido. Agradeço especialmente a Haya Del Bel pelo
surgimento inesperado e oportuno em 2011, e por ter neste curto espaço de tempo
acrescentado vida aos meus dias.
À Diego Leite, técnico do ECCO, pelos esclarecimentos, ajudas e
principalmente pelos diversos “galhos quebrados”.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela
bolsa concedida durante os anos de curso.
Finalmente, e mais importante, agradeço a Deus e ao tempo que têm sido
extremamente generosos comigo.
“Eu antes tinha querido ser os Outros para
conhecer o que não era Eu. Entendi então que eu
já tinha sido os Outros e isso era fácil. Minha
experiência maior seria ser o Outro dos Outros: e
o Outro dos Outros era Eu”. Clarice Lispector
RESUMO
Através da prática banal, mas complexa, do consumo de roupas no Shopping Popular,
pretendemos investigar e analisar o fenômeno do consumo contemporâneo e
apropriação de moda entre os frequentadores do camelódromo de Cuiabá (vendedores e
consumidores), em sua maioria pertencente às classes subalternas. Para isso, serão
estabelecidos diálogos com autores Néstor Canclini, Arjun Appadurai, Massimo
Canevacci, Gilles Lipovetsky e Walter Mignolo.
Palavras chaves: moda, consumo, camelódromo.
ABSTRACT
By the trite and complex practice of the clothing’s consumption at the Shopping
Popular we intend to investigate and analyze the phenomenon of the contemporary
consumption and appropriation of fashion between the parties at the Cuiabá’s
camelódromo (sellers and buyers), the most of them coming from a subaltern class. For
this reason, will be realized conversations with the authors Néstor Canclini, Arjun
Appadurai, Massimo Canevacci, Gilles Lipovetsky and Walter Mignolo.
Keywords: fashion, consumption, camelódromo.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................14
I- Moda, Consumo E Modernidade: Reinventando corpos e espíritos
1.1 O nascimento da moda ......................................................................................................25
1.2 A nova subjetividade do século XXI .................................................................................26
1.3 Alta Costura e moda no último século ..............................................................................27
1.4 A rua invade as passarelas .................................................................................................29
1.5 A Era da moda consumada ................................................................................................32
1.6 Sociedade de consumo ......................................................................................................33
1.7 A Economia Moda.............................................................................................................35
1.8 Consumo e cultura..............................................................................................................37
1.9 Consumo e cidadania.........................................................................................................39
II- Circuito Subalterno de Consumo: Da América Latina a moda no Shopping
Popular
2.1 Sobre circulação, fluxos e globalização.............................................................................42
2.2 A América Latina e o camelódromo ................................................................................45
2.3 Shopping Popular x Shopping Center ...............................................................................55
2.4 Uma volta pelo camelódromo ..........................................................................................58
III- Gosto Subalterno: Apropriação e táticas de resistência na moda do Shopping
Popular
3.1 Calça da Gang: um estudo de caso ...................................................................................71
3.2 “Piriguete” Style .........................................................................................................77
3.3 Gosto se discute..........................................................................................................84
3.4 O vestuário como significado .............................................................................................89
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................96
REFERÊNCIAS BIOBLIOGRÁFICAS ...............................................................................98
Lista de Figuras
Figura 1/p.47
Retirada dos camelôs do Centro para o bairro do Porto, em 1992. Foto: Arquivo pessoal
do vereador Misael Galvão.
Figura 2/p.48
Policiais convocados para expulsão dos camelôs em 2011. Foto: Secretária Estadual de
Comunicação Social (SECOM-MT).
Figura 3/p.49
Dona Jandira Augusta Moraes, há 20 anos vendedora de café e salgados por R$ 1, não
possui outra fonte de renda ou aposentadoria. Foto: Secretária Estadual de Comunicação
Social (SECOM-MT).
Figura 4/p.49
Vendedores ambulantes recolhendo material de trabalho. Foto: Secretária Estadual de
Comunicação Social (SECOM-MT).
Figura 5/p.50
Três dispositivos sociais: polícia, imprensa e governo - fiscal da Secretaria Municipal de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano. Foto: Secretária Estadual de Comunicação
Social (SECOM-MT).
Figura 6/p. 51
Sede da Associação dos Camelôs do Shopping Popular, localizada nos fundos do
camelódromo. Foto: Inara Fonseca.
Figura 7/p. 52
O camelô e vereador Misael Galvão. Foto: Sandra Carvalho.
Figura 8/p. 53
Frota de táxi em frente ao Shopping Popular. Foto: Inara Fonseca.
Figura 9/p.53
Moto taxista sentado de colete laranja enquanto aguarda clientela. Foto: Inara Fonseca.
Figura 10/p.57
Vendedora faz o pé na lateral da banca enquanto aguarda cliente. Foto: Inara Fonseca.
Figura 11/p.57
Praça de alimentação. Foto: Inara Fonseca.
Figura 12/p.58
Estacionamento a céu aberto e gratuito. Foto: Inara Fonseca.
Figura 13/p. 59
Shopping Popular. Foto: Ludmila Brandão.
Figura 14/p. 61
Criança dormindo em frente a uma banca de Moda masculina do tipo “comércio
familiar”. Foto: Inara Fonseca.
Figura 15/p. 64
Banca de Moda masculina que trabalha exclusivamente com camisas de times de
futebol. Foto: Inara Fonseca.
Figura 16/p. 65
Banca de Moda Infantil. Foto: Inara Fonseca.
Figura 17/p. 66
Banca especializada em réplicas de bolsas da marca Prada. Foto: Inara Fonseca.
Figura 18/p.67
Banca especializada em bolsas: réplicas e outros modelos. Foto: Inara Fonseca.
Figura 19/p.67
Banca especializada em tênis falsificados. Foto: Inara Fonseca.
Figura 20/p.68
Banca especializada em acessórios e bolsas. Foto Inara Fonseca
Figura 21/p.72
Box 267. Foto: Inara Fonseca.
Figura 22/p.73
Modelos de calças gang. Disponível em: www.gang.com.br
Figura 23/p. 76
Arara apenas com modelos de jeans com pedraria e strass. Foto: Inara Fonseca.
Figura 24/p.77
Angela e o marido em frente a sua banca de roupas. Foto: Inara Fonseca
Figura 25/p.77
Cartão do box. Foto: Inara Fonseca.
Figura 26/p.79
Enquete veiculada pela
www.revistatpm.com.br
edição
98
da
revista
TPM.
Disponível
em:
Figura 27/p.81
Musa das piriguetes: a cantora de funk Valesca e um dos vestidos de sua coleção.
Disponível em: www.egoglobo.com
Figura 28/p.84
Look apresentado em uma das bancas do Shopping Popular. Foto: Inara Fonseca.
Figura 29/p. 92
Look apresentado no Shopping Popular. Foto: Inara Fonseca.
Figura 30/p.93
Look apresentando no Shopping Center. Foto: Inara Fonseca.
Figura 31/p.94
Adolescentes vestidos de acordo com a Moda colorida . Foto: Natália Sauer. Disponível
em: http://wp.clicrbs.com.br
Figura 32/p.95
Look à esquerda, da banca do Shopping Popular, inspirado nos integrantes da banda
Restart. Foto: Inara Fonseca.
Lista de gráficos e tabelas
Tabela 1/p.54
Histórico do Shooping Popular.
Tabela 2/p.68
Barracas que trabalham com Moda no Shopping Popular.
Tabela 3/p.87
Crescimento de barracas indianas após a novela "Caminho das Índias".
Gráfico 1/p.88
Crescimento de barracas indianas após a novela "Caminho das Índias"
INTRODUÇÃO
Todos os dias os indivíduos se deparam com a seguinte questão, o que vestir? Ao abrir
o armário, as opções são apresentadas e, de acordo com o que se possui, as combinações são
feitas. É bom lembrar que esse “armário” ou “guarda-roupas” (pequeno ou grande), é
construído sistematicamente a partir do universo bem maior de roupas que constitui a cadeia
de lojas e vendedores de vestimentas de sua cidade e das cidades que eventualmente visita.
Este gesto de tão corriqueiro pode aparentar insignificância, entretanto, o ato de se
vestir, de escolher o que utilizar, se relaciona (reafirmando ou contrariando) com todo um
mundo de significados, de práticas de classe, de gênero, de grupo, etc. Mais do que um gesto
que atende a uma necessidade de proteção, ou seja, funcional e civilizado, vestir-se é afirmarse, é projetar/comunicar um modo de ser percebido pelo outro, correspondendo ou não às
expectativas que o outro pode ter em relação àquele que se veste e se expressa por meio do
que veste. Vestir-se é comunicar esse projeto.
Embora o vestir-se possa ser compreendido como expressão individual, é grande o
número de autores que apresentam e criticam essa suposta “expressão individual” como
submissa ao sistema da moda e, por sua vez, às manipulações da indústria e do capital.
Ramos (1987) afirma que, no Brasil, a novela é a passarela ideal para a moda. É por
ela que desfilam as novas opções de vida e que a classe dominante indica o ideal para os
demais.
É fato que os meios de comunicação influenciam na moda. Não só o que é exibido nas
telas pode virar tendência para as classes subalternas, como também os artistas podem ser
transformados em verdadeiros ícones sociais. Mas será que a sociedade recebe tudo que a
mídia oferece? Que a Moda não poderia ser utilizada como expressão?
Notando a interferência social que a moda exerce no comportamento dos indivíduos,
me interessei pela temática e através de um projeto de iniciação científica, orientado pela
professora Ludmila Brandão, pude entre o período de 2008 e 2009 estudar o fenômeno de
moda no circuito subalterno de consumo, ou camelódromo. A pesquisa estudou os hábitos de
consumo da classe subalterna focando, principalmente, sua relação com a moda midiática e
teve um caráter mais quantitativo do que qualitativo: o que não me causou grandes
questionamentos metodológicos. Na época, a novela Caminho das Índias era exibida na Rede
14
Globo de Televisão, no horário “nobre”, e a apropriação das roupas indianas pelas classes
subalternas que frequentavam o Shopping Popular foi o principal foco do estudo.
Após a iniciação científica, escolhi continuar a trajetória acadêmica e estender a
pesquisa, novamente sob a orientação da professora Ludmila Brandão. Este novo trabalho
nasceu de um questionamento sobre as operações dos consumidores de moda do Shopping
Popular, supostamente entregues à passividade. O intuito é oferecer a partir de sondagens e
hipóteses caminhos possíveis para compreender este ato de fazer das classes subalternas.
Como a moda fala em abundância do vestuário, escolhemos para análise apenas casos
referentes à indumentária, portanto, o uso de adereços, sapatos e outros itens não serão
estudados.
Na pesquisa, não questionaremos a qualidade, entendida aqui como juízo de valor, da
Moda do camelódromo. A tentativa é mostrar que a prática banal do consumo de roupas no
camelódromo possui uma lógica interna guiada por um gosto próprio. Tal gosto pode
funcionar, por vezes, como uma tática. Conceito criado por Certeau (2009), as táticas são
vistas como enunciados os quais falam das diferentes recepções feitas pelo consumidor.
Também queremos esclarecer que a análise desta prática do cotidiano não supõe um
retorno ao indivíduo. Pelo contrário, nossa análise pretende mostrar que é sempre uma rede de
relações a qual permite a compreensão da realidade, podendo o indivíduo ser ator ou não
desta rede.
Durante o trabalho nos apropriaremos do método de Barthes (2009) e escreveremos
Moda com maiúscula no sentido de fashion para mantermos a oposição entre a Moda e o
sistema moda.
O método
Para compreender a prática de consumo de roupa no camelódromo, um espaço fruto de
um projeto global, mas repleto de localidades, adotamos o método da etnografia. Inicialmente,
o intuito era aplicar algumas das técnicas da pesquisa de campo para estabelecer um diálogo
com os “nativos”. Entretanto, ao longo do percurso ficou claro que a inserção no campo seria
uma das maiores dificuldades.
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Por seu caráter ambíguo, ao mesmo tempo ilegal e legal, os vendedores do Shopping
Popular vivem num clima de permanente tensão. Qualquer pessoa é suspeita, principalmente,
uma pesquisadora que pretende analisar a prática de consumo de moda no camelódromo.
George Marcus em Identidades passadas, presentes e emergentes: requisitos para
etnografias sobre a modernidade no final do século XX ao nível mundial discute as
dificuldades da pesquisa etnográfica moderna. Para o autor, a etnografia nos moldes clássicos,
nos quais a análise de campo está amparada em uma experiência vivenciada em nível local,
não é suficiente para uma contemporaneidade com um mundo cada vez mais para além das
fronteiras onde a identidade dos objetos estudados é formada da interação de forças que
promovem a integração global e as que recriam uma autonomia global (1991:197).
Neste enquadre, o desafio do etnógrafo modernista está ligado principalmente à noção
de identidade e sua compreensão seria obtida através de processos, no caso, de resistência e
acomodação.
Ao problematizar etnografia em espaços transnacionais, Stoller (1998) enuncia que o
etnógrafo contemporâneo, diferentemente dos clássicos - como Evans-Pritchard (1937) ao
centrar-se nas feitiçarias dos Azande - não pode mais se dar ao luxo de focar a narrativa em
um único elemento cultural.
A preocupação com a escrita etnográfica e a subjetividade do observador (etnógrafo)
não é recente. Se Malinowski (1992) em Argonautas do Pacífico Ocidental inaugura uma
espécie de escrita etnográfica, composta de descrição metodológica e cinematográfica (a
narrativa de elementos cênicos é fundamental para situar o leitor no campo e a sinceridade
metodológica se apresenta como uma exigência do fazer etnográfico), Geertz (1989) afirma
que a etnografia é uma forma de escrita, uma descrição densa, a qual deve ser problematizada,
pois o antropólogo é um ser autoral, fruto de uma época, e portanto,possui um lugar de fala.
Não existe, assim, um texto etnográfico anônimo, o discurso presente expõe, entre outras
coisas, as relações de poder diferenciadas entre o autor do relato e o relatado.
Outra tensão, anunciada por Geertz e Eckert e Rocha (1998), é quanto ao “estar lá”
(trabalho de campo) para escrever aqui (“estar aqui”). O “estar lá” para escrever aqui é mais
uma tentativa de mediação, uma ponte entre o eu, o Outro e o texto. Ambos os autores
também trabalham etnografia como campo literário. Ao analisar Tristes Trópicos (1955),
Geertz afirma que parte do sucesso de Lévi-Strauss está pautado em seu estilo. Tristes
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Trópicos, pelo seu caráter autorreflexivo, permite ao leitor uma análise da produção da
narrativa do próprio Lévi-Strauss.
Voltando a Marcus (1991), uma das principais diferenças apontadas pelo autor entre a
etnografia clássica, nomeada por ele como realista, e a modernista é que embora ambas sejam
contextuais, a primeira é amparada nas estruturas (local ou sistema de signos importantes para
se entender o local) e a segunda não apresenta idéia de totalidade, mas se pensa em arranjos: e
de “arranjos metodológicos” é feita esta pesquisa.
Crendo conhecer a realidade do campo de pesquisa, minha primeira estratégia de
inserção no campo foi através do presidente da Associação do Shopping Popular, Misael
Galvão. Após apresentação do projeto de pesquisa, Galvão propôs que eu andasse pelo
camelódromo com dois seguranças do próprio Shopping Popular, o que, segundo o presidente,
facilitaria minha locomoção no ambiente e a aproximação dos comerciantes informais que se
sentiriam seguros para falar comigo, já que estava acompanhada de funcionários do próprio
local. Engano. O clima de hostilidade era permanente. Os vendedores se recusavam a falar
comigo, mesmo se abordados pelos seguranças.
A desconfiança que minha presença gerava nos vendedores era evidente e uma
antipatia rapidamente foi instaurada, assim como minha vontade de desistir. Meu objeto de
pesquisa me ignorava, ou pior, se recusava a estabelecer contato e a pesquisa parecia travada.
O campo, que havia começado em maio com visitas quinzenais, não rendia. Mas o grande
desespero veio no mês de julho. Para a pesquisa, precisava de uma entrevista semi-estruturada
de algum vendedor de roupas. Quando uma senhora concordou em conversar comigo, senti
que teria minha primeira coleta de dados significativa, mais do que isso, senti que teria minha
primeira vitória dentro daquele espaço.
Cheguei ao local no horário com as perguntas formuladas e o gravador em mãos, cinco
minutos depois a entrevista havia se tornado mais uma expectativa frustrada. Por mais que eu
me esforçasse em obter respostas, a senhora se resumia a monossílabas e frases soltas que em
conjunto não possuíam coerência. Aos meus olhos, a vendedora não havia falado nada de
relevante, além de ter caído em contradição.
Com as questões da pesquisa já pré-formuladas não conseguia enxergar que as
negativas do meu objeto as quais me aparentavam um silêncio, na verdade estavam falando
sobre a própria realidade dele. A entrevista que inicialmente me pareceu frustrada, permitiu,
depois algum tempo, uma revelação mais profunda: havia uma tensão entre as minhas
17
questões e a realidade do campo. Meu esforço era em encontrar no meu objeto minhas
expectativas. Era preciso avaliar a construção da minha identidade como pesquisadora. Eckert
e Rocha (1998) nomeiam essa tensão como problema ético-moral e propõem a hermenêutica
do si. Com uma proposta de antropologia extremamente reflexiva, a mediação aqui não é mais
somente entre mundos, mas também uma mediação de si mesmo.
A partir deste momento, deram-se início os meus próprios questionamentos como
pesquisadora: Como trabalhar em espaços onde coexistem pensamentos locais e globais ao
mesmo tempo? Será que o “estar lá” seria suficiente? Será possível realizar a tal da
“observação participante”?
Se Geertz (1989) reclamava da sua condição inicial de invisibilidade em Bali, a
invisibilidade tornou-se, aos poucos, na minha trajetória, uma necessidade, ao ponto de
celebrar cada momento de invisibilidade. A realidade é que a pesquisa só caminhava quando
eu era mais uma consumidora transeunte.
Para não levantar suspeitas, não levava mais o gravador para o campo. Anotava tudo
em um pequeno caderno. Os diálogos e observações que me pareciam mais importantes eram
automaticamente anotados, os demais, tentava registrar na memória para anotar em outro
momento. Entretanto, com todos os cuidados, as poucas anotações realizadas em caderninhos
na frente dos vendedores levantaram suspeitas. Certo dia me sentei no corredor final do
Shopping Popular, em frente a uma banca de “bugigangas” ( uma barraca que não era alvo da
minha pesquisa) para anotar uma conversa que considerei de extrema relevância. Alguns
minutos depois fui abordada.
Vendedora: “A moça vai querer comprar alguma coisa?”
Pesquisadora: “Não, só estou dando uma olhadinha...”
Vendedora: “Hum, é que você está olhando pra mercadoria e anotando depois nesse
caderno. O que você tá escrevendo aí?”
Pesquisadora: “Estou fazendo trabalho de escola”
Desconfiada, a vendedora se escondeu atrás de outra barraca e começou a me observar
de longe. Vi quando ela cochichou algo a meu respeito com outra vendedora. Naquele
momento, os papéis se inverteram. Eu era a observada. Nervosa e com medo, fui embora.
A troca de papéis, observador x observado, ocorreu inúmeras vezes, principalmente no
início do meu trajeto, quando me apresentava com seguranças. Assim como Stoller (1998)
não conseguiu fazer uma observação participante com os camelódromos de Manhattan, eu
18
também não consegui com os de Cuiabá. Se a observação participante, tão difundida como
parte do método, fosse a única técnica válida do fazer etnográfico estaria com sérios
problemas metodológicos.
O grande suspiro aconteceu após a leitura de Mignolo (2003), assim como o autor
optei por adotar as conversas como método de pesquisa. Mais do que entrevistas estruturadas
ou semi-estruturadas, foram as conversas informais no camelódromo que se fixaram em
minha mente, modificaram ou reforçaram argumentos e, em grande parte, possibilitaram o
desenvolvimento do trabalho. Posso afirmar que, assim como Mignolo (2003), “um grande
sussurro anônimo constitui os dados deste trabalho”.
O subalterno
Controverso pela associação negativa que os seus ouvintes fazem, o termo subalterno
foi escolhido para designar o consumo realizado por parte da classe social que está à margem
dos processos hegemônicos. Longe de ter um sentido pejorativo, o subalterno foi resgatado
pelo Grupo de Estudos Subalternos do Sul da Ásia retomando o sentido gramsciano da
palavra. Para Gramsci, subalterno designa todo e qualquer sujeito marginalizado do sistema.
Para além do sujeito, Moreiras (2001) utiliza a palavra para designar qualquer
pensamento contra hegemônico, em qualquer momento. O autor indica que o subalterno surge
como uma forma de resistência ao hegemônico.
De acordo com Dipesh Chakrabarty (2000), os estudos sobre subalternidade
começaram na década de 80, na Índia. Em 1982, o periódico Estudos Subalternos: escritos
sobre a história e a sociedade indiana foi lançado com o objetivo de intervir no debate sobre
a narrativa da história moderna da Índia.
Com o fim do domínio imperial britânico sob a Índia, em agosto de 1947, diferentes
vertentes intelectuais sobre o resultado do colonialismo e do nacionalismo na sociedade
indiana brotaram. Em 60, historiadores indianos contrariam a perspectiva “original” (aquela
contada pelos documentos oficiais do governo britânico e pela história tradicional ensinada)
de que o domínio da Inglaterra favoreceu a Índia sócio-economicamente e politicamente. Para
esses estudiosos, o colonialismo teve efeitos catastróficos para o desenvolvimento econômico
e cultura do povo indiano. Com um pensamento extremista, o historiador de Cambridge, Anil
Seal, apresentou o nacionalismo crescente na época colonial como construção de uma
19
pequena elite indiana formada em instituições educacionais britânicas que colaboraram com o
império inglês com o intuito de conseguirem poder e privilégio. Em 73, Seal descartou
qualquer idealismo e ideais da história da Índia estabelecendo os interesses políticos e
econômicos como os únicos agentes históricos. Para Seal, essa era a conseqüência da
penetração do colonialismo nas estruturas do poder local.
Outra visão extrema foi apresentada pelo historiador Bipan Chandra que enxergou a
história colonial da Índia como uma batalha épica entre as forças do nacionalismo e do
colonialismo. Recorrendo a Marx e às teorias latino-americanas de dependência e
subdesenvolvimento, Chandra argumentou que o colonialismo foi uma força regressiva que
distorceu o desenvolvimento da sociedade e da política indiana. Diferente de Seal, para
Chandra, o nacionalismo era a força regeneradora capaz de unir e produzir o povo indiano
contra os britânicos.
Nos anos 70, nenhuma das duas correntes era considerada válida no meio acadêmico.
De um lado, não podia se pensar em uma política nacionalista totalmente sem ideais. De
outro, o nacionalismo exacerbado já estava desgastado. É nesse contexto que surgem os
estudos subalternos com uma alternativa para fugir tanto da perspectiva dos historiadores de
Cambrigde, quanto dos nacionalistas.
Para Ranajit Guha, editor até 1988 da série Estudos Subalternos: escritos sobre a
história e a sociedade indiana, ambas as visões dos historiadores sobre o nacionalismo
estavam de acordo com a perspectiva das elites, sejam elas britânicas ou indianas. Nas duas
teorias não havia a contribuição da ação do povo indiano na formação e desenvolvimento do
nacionalismo, isto é, não tinha aquilo que a população fez para e por si mesma.
Amparados em Gramsci, os estudiosos do Grupo de Estudos Subalternos descartaram
a leitura determinista de Marx e tentaram produzir análises históricas com os grupos
subalternos sendo sujeitos da história. Para isso, a razão histórica foi articulada com os
grandes movimentos democráticos da Índia.
A idéia de Guha era que o povo ou a classe subalterna se organizou, durante o domínio
britânico, de maneira diferente da elite. Enquanto a política da elite era feita verticalmente, a
dos subalternos era horizontal. Enquanto a elite era mais legalista e confiava na adaptação
indiana às instituições parlamentares inglesas, a política das classes subalternas dependia de
organizações tradicionais ligadas ao parentesco e a territorialidade.
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Chakrabarty (2000) recorreu a Guha (1984, VII) para explicar o principal objetivo do
Grupo: “Nós oporemos, em realidade, a prática prevalecente na historiografia acadêmica (...)
já que essa fracassou em reconhecer o subalterno como criador de seu próprio destino. Esta
crítica se encontra no coração de nosso projeto”.
A separação de Guha entre a política da elite e dos subalternos teve implicações
radicais para teoria social e historiográfica. Por exemplo, enquanto a tendência marxista dos
anos 70 analisava a revolta campesina indiana (organizada pelo parentesco, religião e casta)
como um anacronismo dentro da modernidade, Guha insistia que os campesinos foram uma
forma de contemporaneidade dentro do colonialismo, mais do que isso a revolta campesina,
para o estudioso, foi parte fundamental da modernidade da Índia colonial.
Ao invés de enxergar a insurreição campesina como pré-política, assim como os
historiadores da elite e marxista, Guha via a revolta como uma luta para destruir os símbolos
de prestígio social e do poder das classes dominantes.
No final de década de 80 e início de 90, o Grupo de Estudos Subalternos do Sul da
Ásia causou grande impacto entre os estudiosos da América Latina nos EUA e os próprios
intelectuais da América Latina. Em 88, as ideias do grupo foram traduzidas pela Selected
Subaltern Studies, em Nova York. Atualmente, os estudos subalternos estão em múltiplos
campos. Ultrapassando o projeto original, o subalterno adentrou as discussões póscolonialistas e pós-modernas.
Mignolo (2003) aponta que um dos avanços dos estudos subalternos é tentar
rearticular a noção de processos civilizatórios. Ao invés de dicotomizar a história, substituir
semelhança x diferença, por semelhança na diferença.
Portanto, a ideia dos estudos subalternos é colocar o sujeito marginalizado como
construtor de seu próprio destino, produzindo ouvidos para a sua voz. Assim, o termo
subalterno é totalmente aplicável ao camelódromo lócus por excelência de subalternidades.
Os capítulos
A dissertação está exposta em três capítulos. O primeiro apresenta um breve histórico
sobre a moda, o consumo e revela o embasamento teórico que fundamenta este trabalho.
Inicialmente, utiliza-se de perspectivas teóricas que mostram como a moda, através dos
séculos, foi agente de transformações que originaram as sociedades modernas – sendo palco e
21
vitrine de mudanças de valores e de processos de individualização de períodos diversos – e
conjugou desde seu nascimento princípios de distinção e mimetismo: sendo instrumento de
representação, afirmação e pretensão social. Além disso, o capítulo explica como na
sociedade de consumo o sistema de moda não está presente apenas em um segmento fechado,
mas perpassa todas as áreas: organizando a produção e consumo de massa sob a lei da
obsolescência, da sedução e da diversificação (Lipovestsky 2008) (Brandini 2009). Em
seguida, é realizada uma apresentação histórica sobre as teorias em torno da prática de
consumo. Prática intrínseca nas sociedades ocidentais contemporâneas, estudar o consumo
torna-se cada vez mais relevantes para a compreensão dos mecanismos que nos guiam
socialmente. De acordo com pesquisas realizadas em 2010 pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Data Folha, o consumo no Brasil cresce de maneira
acelerada tendo o poder de compra do brasileiro atingido R$ 2,2 trilhões em 2010, o
equivalente ao PIB da Espanha. Amparada em Canclini (2006) e Appadurai (2008) a visão
aqui adotada é que o consumo – nas sociedades contemporâneas – mais do que estabelecer
vínculos de diferenciação, desenha traços de pertencimento. O objetivo deste capítulo é
construir bases para, junto à análise empírica, refletir sobre o consumo de Moda no Shopping
Popular de Cuiabá.
O segundo capítulo inicia narrando o contexto socioeconômico em que o Shopping
Popular nasceu: longe de ser exclusivo do cenário cuiabano, o crescimento do comércio
informal se deu em toda a América Latina devido, principalmente, ao alto índice de
desemprego. Em seguida, através de descrições e fotos, o ambiente do camelódromo
localizado no Porto é contextualizado, mostrando como a população do Shopping Popular
fissurou ao longo dos últimos anos o sistema no qual está englobada. Posteriormente, dados
sobre o consumo de vestuário de roupa e da moda no Shopping Popular são apresentados e
analisados.
No terceiro capítulo, através da descrição de algumas práticas cotidianas dos
consumidores e vendedores do Shopping Popular e dados empíricos daqueles que consomem
o vestuário do camelódromo, é analisado o gosto de consumidores da classe subalterna que
freqüenta este espaço. Dialogando com Certeau (2010), Barthes (2009), Bourdieu (2008) é
mostrado como todo vestuário comentado coincide com o ser da Moda e como essa é signo de
diferenciação pessoal. Além disso, é explicado como a moda praticada no camelódromo
funciona como uma tática para fugir do julgamento estético social hegemônico.
22
Finalmente, a discussão apresentada neste estudo pretende acrescentar dados acerca do
vestir, do ser e dos modos de fazer das classes subalternas, através do recorte realizado no
Shopping Popular de Cuiabá. Aproprio-me de Barthes (2009) para esclarecer que aqui não
serão encontradas as certezas de uma doutrina, nem conclusões invariáveis de uma pesquisa,
mas crenças, tentações e provações de uma aprendizagem. O convite é que o leitor reflita
sobre as várias poéticas de ser e existir.
23
I – MODA, CONSUMO E MODERNIDADE: REINVENTANDO
CORPOS E ESPÍRITOS
24
1.1 O nascimento da moda
No Ocidente, a moda assumiu tamanha proporção que até mesmo os indivíduos ditos
"anti-moda" acabam, de alguma forma, assujeitados a ela. Entretanto, este sistema tão
presente na sociedade moderna não pertenceu a todas as épocas e civilizações. Segundo
Lipovetsky (2008), a moda, como reino do efêmero sistemático, das rápidas flutuações sem
amanhã, tem começo localizável na história: Idade Média, momento do nascimento e
desenvolvimento também do mundo moderno ocidental.
Em seu sentido mais estrito, a moda não surge antes da metade do século XIV, quando
as togas únicas são substituídas por trajes diferenciados para os dois sexos. A partir deste
momento as mudanças começam a se precipitar, passam de fenômeno acidental para regra.
Muitos foram os fatores que tornaram possível o aparecimento da moda na Europa
Ocidental depois do ano mil. O crescimento econômico a partir do século XI possibilitou o
renascimento monetário, o comércio e o impulso das cidades. O feudalismo permitiu cortes
ricas ávidas em ostentar demonstrações de luxo. A intensificação do comércio com
estabelecimento de feiras e feitorias distantes enriquece a burguesia. Mas a reviravolta
perpétua da moda mais do que as situações socioeconômicas está associada a novas
valorizações sociais, essas ligadas a uma nova posição e representação do indivíduo em
relação ao conjunto coletivo.
Desde o seu surgimento, a moda – através dos trajes – atuou como um dos principais
agentes de transformação social, permitindo que o sujeito saísse de um sistema fechado para
um aberto a mudanças, a personalizações. Valéria Brandini (2009) afirma que antes do século
XIV a busca pelo prazer estético e sexual era exterior à composição indumentária. Segundo a
pesquisadora, nos séculos seguintes (XVI e XVII) a moda consolidou-se como prazer estético,
elemento de individualização das aparências, de diferenciação como elemento de ambição e
tentativa de mobilidade social. Lipovetsky (2008) também afirma que são nestes séculos que a
moda reforça um sentimento de pertencimento a uma comunidade política e cultural. A moda
na era aristocrática é uma moda nacional e o individualismo nacional presente nesta sociedade
gera um individualismo estético, pois embora a moda imponha uma regra conjunta deixa
espaço para manifestação de um gosto pessoal. É preciso ser como os demais, mas não
inteiramente iguais a eles. É preciso seguir a corrente e, ao mesmo tempo, destacar um gosto
particular. É preciso conjugar mimetismo e individualismo.
25
Signo de individualidade estética, a moda a partir do século XVII ganha um caráter
mais hedonista como na prática do prazer frívolo, da sedução, da representação do amor
cortês – heterossexual e homossexual –, veículos da vaidade humana e projeção da
exuberância dos seres. Os trajes sexualizam a aparência, desenham os atrativos dos corpos. O
vestuário masculino desenha a cintura no gibão curto, o feminino faz aparecer nos decotes os
ombros e o colo.
Valéria Brandini (2009) afirma que estudiosos da época aristocrática associam a busca
pelos prazeres da construção da imagem pública através da moda a uma forma de escapismo,
semelhante à consagração das novelas e do amor romântico. A moda como vitrine da
consagração da vida pública.
Mas é somente no século XIX, nas emergentes metrópoles orientadas pela
modernidade onde novas estruturas sociais e familiares nasciam, que a moda passa a atender
as necessidades do indivíduo como membro de um grupo. É nesta época que os trajes
masculinos e femininos se diferenciam ao extremo (antes até mesmo os tecidos eram os
mesmos), tornando a moda essencialmente feminina. E foi sob a influência da moda urbana
ocidental deste século que a realidade atual da moda do século XXI constituiu-se, agora sob o
signo da pós-modernidade.
1.2 A nova subjetividade do século XIV
Com o êxodo rural, o desenvolvimento industrial e a ascensão do capitalismo, novos
guetos, comunidades e culturas se desenvolveram com a mesma velocidade que as máquinas
geraram novos padrões socioeconômicos e étnicos nas cidades europeias.
A vida nas metrópoles do Ocidente trouxe consigo não só a redefinição de valores e
códigos morais, mas também uma revolução no âmbito do privado, gerando novos padrões de
feminilidade e apresentação da imagem pública. E a moda foi, a um só tempo, palco e agente
destas mudanças.
A figura do homem aristocrata, elegante e soberbo, é substituída pela imagem do
homem empreendedor, austero. Os trajes masculinos, símbolos de poder, são substituídos
pelo traje preto e, mais tarde, o terno. A moda torna-se essencialmente feminina.
A mudança na indumentária masculina representa uma mudança na própria identidade
da sociedade. O vestuário aristocrático representa a banalização do luxo ostentatório que não
26
cabe para a nova sociedade burguesa defensora de ideais igualitários. Acrescenta-se aqui
também o fato de que os trajes masculinos ostensivos passaram a ser, em geral, associados ao
homossexualismo que, em muitos países europeus, como a Inglaterra, estava sendo
condenado.
Com a industrialização houve uma tendência de padronização, as novas tecnologias de
produção acompanhavam a propensão para certa uniformização da imagem pública do sujeito,
exposta principalmente na indumentária masculina. Brandini (2009) recorre a Richard Sennet
para explicar que o capitalismo industrial pressionava a cultura pública urbana em direção à
privatização, ao mesmo tempo em que ‘mistificava’ a vida material em público,
especialmente em termos de roupas, em face da produção e distribuição em massa.
A preocupação com a exposição do “eu” na vida pública e com a captura da
personalidade, através dos trajes ou dos signos da moda, produz uma mistificação aos objetos.
Ao contrário dos séculos anteriores pré-revolução industrial e antes do advento da moda, em
que a indumentária revelava a classe social do indivíduo, a partir do século XIV o que se
pretende expor, através de uma construção de imagens, é o “eu” do sujeito, com drásticas
conseqüências (inclusive atuais) para as relações sociais, particularmente em torno da
mistificação da imagem, já que ela seria reveladora da essência do sujeito.
O século XIV – o século do advento da moda – é, portanto, um momento de quebra,
de renovação de mente e valores, de adoção de novas práticas derivadas daquilo que
conhecemos como modernidade.
1.3 Alta Costura e moda no último século
A instalação da moda ao longo da segunda metade do século XIX se deu com a
consequente implantação de um sistema de produção, difusão e consumo que se estabelece até
hoje. Lipovetsky (2008) caracteriza esta fase, que vai da metade do século XIX até a década
de 1960, como a “moda dos 100 anos”, nas palavras do filósofo, a primeira fase da chamada
moda moderna, seus momentos históricos e sublimes.
A moda moderna é formada em torno de duas indústrias novas: a Alta Costura,
inicialmente chamada de “Costura”, e a confecção industrial. Segundo Vincent-Ricard (1989),
a Alta Costura surge conjugando as belas artes, o rigor técnico e um processo de
27
personalização, da escolha individual, da sedução que torna o corpo objeto de desejo, de
paixões e de prazer estético.
Embora a confecção industrial tenha precedido o surgimento da Alta Costura, em 1820
– longe da era da mecanização – instala-se na França uma produção de roupas novas, em
grande escala e barata, somente a Alta Costura desfrutou do status de “celebridade mundial”:
só ela se beneficiou da publicidade regular e acelerada imprensa especializada, além de
somente ela ter conseguido mover leis contra falsificação e plágio.
Com a Alta Costura, a moda chega à era moderna não só como empresa de criação,
mas também como espetáculo publicitário e fomentadora da economia. Na metade dos anos
de 1920, a moda (representada pela indústria de luxo da Alta Costura) ocupará o segundo
lugar no comércio exterior.
Para entender a proporção da influência da Alta Costura na moda moderna, deve-se
ressaltar que é a primeira vez que a moda atinge os sujeitos numa escala global. Desta vez, os
países, principalmente os industrializados, como os Estados Unidos, compram o direito de
reprodução em grande série das confecções em seus territórios.
A moda moderna, representada pela Alta Costura, é, portanto, a primeira manifestação
de um consumo de massa, homogêneo, estandartizado e indiferente a fronteiras. Por que não
dizer que a moda moderna não é um dos primeiros passos do mundo global? Sob a égide
parisiense da Alta Costura, a uniformização mundial da moda.
Se por um lado há centralização, internacionalização e homogeneização, por outro, a
moda moderna também ordena a democratização de si própria.
Com as novas estruturas e padrões sociais, no início do século XX o luxo torna-se
signo de mau gosto e a verdadeira elegância está na discrição1. Esta discrição clean
acompanha toda uma estética moderna na arte e na literatura, no design, na arquitetura. Não é
um fenômeno exclusivo da moda. É o gosto moderno sendo forjado por regras rígidas de
combinação entre elementos, formas, cores, quase sempre primando pela “simplicidade”,
despojamento, economia e cautela no uso das cores. Isso é ser moderno. Nos anos 10, as
mulheres saem dos lares e começam a trabalhar fora, suas roupas então perdem a elaboração e
começa aqui um processo de nova aparência resultado da democratização do mundo do
1
Brandini (2009) associa a discrição do vestuário, iniciado no século XIX, a um novo contexto sócio-cultural
Ocidental em que, segundo a autora, a rua enquanto território da vida coletiva torna-se um verdadeiro palco onde
as subjetividades são protegidas em função de “personas”, máscaras sociais que valorizam detalhes da
personalidade que, exposta em público, pode revelar indícios das subjetividades omitidas.
28
trabalho e também da moda. Nos anos 20, comandadas por Coco Chanel2, as mulheres trocam
o luxo vistoso por vestidos justos e simples, chapéus em forma de sino, calças de malha e lã.
1.4 A rua invade as passarelas
Com o fim da moda dos 100 anos, coincidentemente o fim da hegemonia da Alta
Costura e a introdução do sistema prêt-à-porter3, um novo período da moda se instala na
sociedade, denominada por Lipovetsky (2008), como “moda aberta”.
O período após a Segunda Guerra Mundial foi marcado por um forte sentimento
consumista gerado pela euforia e prosperidade financeira que os Estados Unidos passavam. O
desejo de moda, nesta época, expandiu-se se tornando um fenômeno comum a todas as classes
sociais. O fortalecimento do individualismo e de uma cultura hedonista generalizada, do bemestar, da felicidade imediata e do lazer acarretou, nas palavras de Lipovetsky (2008), a última
etapa da legitimação e da democratização da moda.
Na década de 60, uma cultura juvenil, certamente ligada ao baby boom4, invade as
estruturas sociais. O jovem possui, nesta época, poder de compra e cria sua própria moda. As
empresas de moda, por sua vez, correm para atender a nova clientela.
Conscientes desse novo mercado consumidor e de sua voracidade, as empresas
criaram produtos específicos para os jovens, que, pela primeira vez, tiveram sua
própria moda, não mais derivada dos mais velhos. Aliás, a moda era não seguir a
moda, o que representava claramente um sinal de liberdade, o grande desejo da
juventude da época. (GARCIA 2008:45)
O jovem dos anos 60 utiliza o corpo para expressar sua rebeldia e desnudá-lo torna-se
uma tendência. A transparência das blusas deixa à mostra as lingeries, a minissaia torna-se
ícone. E a maior influência dos estilistas deste período é a rua.
2
Com estilo e elegância, Gabrielle "Coco" Chanel revolucionou a década de 20, libertando a mulher dos trajes
desconfortáveis e rígidos do final do século 19. Um verdadeiro mito, Chanel reproduziu sua própria imagem, a
mulher do século 20, independente, bem-sucedida, compersonalidade e estilo. Sua moda, atemporal e elegante, é
referência até os dias atuais. (Disponível em http://almanaque.folha.uol.com.br, acesso em 20/09/10)
3
Expressão que significa “pronto para vestir” ou “pronto para usar”. Indica roupas confeccionadas em série,
como resultado da industrialização da moda. Até então, as roupas eram feitas sob encomenda e sob medida. O
sistema prêt-à-porter cresceu principalmente nos Estados Unidos, onde as técnicas de produção de massa já
estavam bem desenvolvidas. (Disponível em http://www.termbases.eu, acesso em 30/09/2009)
4 A definição mais aceita da Geração Baby Boomer é que ela compreende as pessoas nascidas entre 1946 e
1964. O ano de 1946 marcou o início do aumento dos nascimentos nos Estados Unidos e os números, embora
tenham atingido seu pico em 1957, permaneceram estáveis até que, finalmente, começaram a diminuir em 1965.
(Disponível em http://pessoas.hsw.uol.com.br/, acesso em 30/09/2009)
29
Nos Estados Unidos, Bill Blass, Anne Klein e Oscar de la Renta, influenciados por
elementos da art nouveau5, criaram um estilo próprio que variava entre o psicodélico ou
geométrico e o romântico.
A moda se fundia a todo um sentimento juvenil próprio da época de liberdade e
rebeldia e dialogava com as manifestações artísticas e culturais emergentes: a Arte-Pop, o
cinema nouvelle vague (carregado de críticas sociais) e o rock and roll.
Era o fim da moda única, e o advento de uma moda cada vez mais ligada ao
comportamento. O vestuário deixa de ser distintivo social e impõe-se como distintivo
individual e estético, emblema da própria modernidade. Segundo Garcia (2008), a moda dos
anos 60 incorpora as roupas antes reservadas às classes operárias e camponesas, como é o
caso da calça jeans que de roupa funcional (de operário) é transformada em peça fundamental
e básica do guarda-roupa ocidental da segunda metade do século XX e segue sendo nos dias
de hoje.
Dos anos 70 em diante, a moda está cada vez mais ligada a tribos urbanas. As roupas e
acessórios definem pertencimentos e territorializam o sujeito. Os hippies dos anos 70 são
identificados por sua batas coloridas, saias compridas, roupas indianas e flores no cabelo. Nos
anos 80, o movimento punk difunde as roupas escuras, as correntes e os cabelos eriçados.
Simultaneamente, o conceito de griffe (do verbo griffer, marcar com a unha) ressurge
com os novos jovens profissionais ingressos no mercado de trabalho. Um novo gesto se
dissemina na moda: o de estampar as marcas do mundo fashion. A etiqueta que antes estava
escondida no avesso da roupa é deslocada e especialmente concebida para ser exibida na
roupa. Isso vem acompanhado com um impressionante processo de construção de um
“espírito” da marca e na fetichização do seu uso como atribuidor de qualidades e distinção ao
indivíduo.
Com a globalização e a intensificação de circulação de objetos, pessoas e informações,
a moda adentrou o século XXI muito menos tribal e muito mais híbrida. Atualmente, não
existe hoje no mundo da moda, uma forma mais comunicativa do que a street wear ou moda
de rua. Além de discursar sobre realidades e abstrações do cotidiano, a moda urbana altera o
fluxo dos padrões de consumo por meio da criação de “designers que influenciam o grande
5 A Arte nova (do francês Art nouveau), foi um estilo estético essencialmente de design e arquitetura que
também influenciou o mundo das artes plásticas. (Disponível em http://www.termbases.eu, acesso em
30/09/2009)
30
mercado do vestuário (sobretudo, os designers da nova vanguarda inglesa), torna-se o corpo
de mensagens de crítica e até mesmo autocrítica acerca do universo da moda”6.
Diferente dos anos iniciais da modernidade, em que a Alta Costura era parâmetro
através do contexto burguês, os novos designers, principalmente da vanguarda inglesa,
buscam inspiração nas ruas, incorporando valores desta urbe: pólo desterritorializado de
convergência de muitos dos valores e idéias vivenciados na sociedade contemporânea.
O movimento de colocar nas passarelas o “ordinário” começou com Hussein
Chalayan7, Alexander McQueen8 e Vivienne Westwood9 que transportaram para a lógica do
luxo a vivência de tribos urbanas que habitam as ruas de grandes metrópoles como Londres,
Milão, Paris e São Paulo.
A esta nova forma de fazer moda, Brandini (2007: 24) denomina de eXtrema e a
conceitua como : “a transformação da expressão de moda clássica em seu oposto: a elegância
e a distinção sucumbem frente ao belo conceitual do bizarro e da inserção do Outro, da
diferença, da alusão aos excluídos num universo outrora regido pelo glamour”.
Segundo a autora, esta moda eXtrema que veste a rua, se veste de rua, incorporando
símbolos que representam a rua, seu tempo, sua cultura, a crise dos gêneros, da fé, da família.
A moda destes designers mais do que estilo e tendência, torna-se “objeto de ação expressiva,
de comunicação de mensagem, de transmissão de significados, não apenas referencial de
status, mas forma de arte, forma de comunicação” 10. Vale ressaltar que neste caso o vestuário
não se restringe à comunicação. A criação mais radical, muitas vezes, aposta justamente no
estranhamento, no embaralhamento dos códigos, transformando moda também em arte.
Na Inglaterra, é tal o impacto do trabalho desses designers/artistas que suas coleções
passam a ser expostas em museus. Conhecer o vestuário é conhecer a história, o pensamento,
a cultura das sociedades.
As roupas comunicam, expressam discursos sobre a realidade vivida no mundo
contemporâneo. Em 2005, após os ataques em Londres, Westwood lançou uma camiseta com
6
Bradini (2007:24)
Nascido em 1970, o estilista é considerado gênio da moda por misturar em suas criações aspectos da cultura
contemporânea, como o a virtualização e o robotismo do mundo.
8
Nascido em 1969, foi considerado o bad boy da moda inglesa por seu estilo controverso e “chocante”.
9
Nascida em 1940, a estilista é considerada mãe do movimento punk e fundadora do movimento new wave
moderna na moda.
10
Bradini (2007:25)
7
31
a frase “Não sou terrorista, por favor, não me prenda”, em protesto contra as leis
antiterroristas adotadas pelo governo inglês.
McQueen, por sua vez, dá voz aos excluídos colocando em seus desfiles Sophie Dahl
(uma manequim gorda) e modelos com deficiência física.
Em 2006, Chalayan utilizou materiais tecnológicos para sua coleção. O vestido
“Airborne” foi construído com 15 mil mini-lâmpadas e o vestido “Before Minus Now”, com
materiais de construção de aviões, que muda de forma quando ativado por controlo remoto. O
vestido “Readings”, por sua vez, foi confeccionado com 200 lasers que se movimentam
produzindo um efeito de pirotecnia.
No Brasil, Alexandre Herchcovitch, em 2007, utilizou trouxe o universo dos boiasfrias para as passarelas.
A grife Blue Man, nos Arcos da Lapa, também no ano de 2007, teve como abertura da
coleção homens negros com velas na mão, numa referência ao sofrimento dos negros trazidos
ao Brasil em calabouços de navio. A coleção nomeada "Samba King", por sua vez, exaltava
em suas peças, biquínis e maiôs, as praias brasileiras e a cultura afro.
A moda hoje, principalmente a urbana, é vitrine da sociedade contemporânea,
“registro histórico, corpus antropológico, ideológico, também futurista – a moda veste a rua”.
11
1.5 A era da moda consumada
Gilles Lipovestky (2008) pergunta-se onde começa e onde termina a moda na era da
explosão das necessidades, da mídia, da publicidade, dos lazeres de massa, das estrelas e dos
musicais. Para o filósofo francês, o período em que o universo dos objetos, da cultura, dos
discursos de sentido e até da própria política se reorganizam na forma moda é denominado
“moda consumada” e se instala na sociedade a partir do século XIX.
Para entender este novo período é preciso desterritorializar a moda, tirá-la de um setor
periférico e específico, e colocá-la como uma “forma geral em ação no todo social”12. Não
mais a moda caracterizada pelo luxo das aparências e a superfluidez dos adereços, mas como
sistema que modela a sociedade contemporânea: imersa na tripla operação que define a moda
11
12
Brandini (2009:29)
Lipovetsky, O Império do Efêmero, 1989.
32
propriamente: o efêmero, a sedução e a diferenciação marginal. Uma nova sociedade que
saída das ideologias rígidas (que caracterizavam as sociedades democráticas inaugurais) e
entregue à frivolidade, entra no seu momento mais flexível, comunicacional e inconstante.
Todavia, engana-se quem entende esta nova fase como a decadência de uma sociedade
esvaziada de valores superiores e entregue ao esnobismo. A era da moda consumada não é
sinônimo do fim de conteúdos sócio-políticos, mas de uma nova relação com os ideais
democráticos, de uma renovação de mente que dissolve os grandes referenciais tradicionais e
elege como valor a “mudança” das coisas, dos sentidos e a autonomia dos sujeitos.
A esta nova sociedade comandada pela forma moda, ou seja, que vive sob a lógica do
efêmero, do passageiro e do gosto pelo novo, Baudrillard nomeou (1970) de sociedade de
consumo.
1.6 Sociedade de Consumo
Para compreender a sociedade de consumo é necessário voltar a sua gênese. Com o
surgimento do capitalismo comercial no século XV, inicia-se um novo período econômico e
cultural que nega os valores católicos feudais, baseados no mercantilismo13, enfraquece a
nobreza e aumenta o poder econômico e político da burguesia.
Com a Revolução Industrial, iniciada no século XVII na Inglaterra com a mecanização
do sistema de produção, a burguesia enriquece e precisa de novos aparatos não só na
produção de bens, mas também para a produção de sentidos para si e para esse mundo. Era
necessária uma nova ideologia que explicasse e legitimasse a avidez pelo lucro e pelo
desenvolvimento acelerados burgueses. Surgiram, então, filosofias iluministas como a de
John Locke que pregava o fim dos Estados absolutistas e a plena liberdade econômica, sem
intervenção do Estado. Simultaneamente aos novos ideais políticos, constituiu-se uma nova
ética, denominada por Max Weber de ética protestante. Com a tradicional condenação do
acúmulo das riquezas, e, portanto, do lucro, a Igreja Católica era um obstáculo ao crescimento
da burguesia emergente que irá se refugiar num cristianismo revisitado, isto é, reformado, que
crê na predestinação divina para a riqueza: os ricos seriam os escolhidos por Deus, quanto
mais riquezas mais se confirma sua predestinação.
13
Tota e Bastos (2000) afirmam que o mercantilismo visava manter o tesouro dentro do Estado, cuja regra
fundamental era vender caro e comprar barato.
33
Capoia e Caniato (2005) afirmam que o acúmulo incrível de capital, extremamente
necessário para o desenvolvimento da primeira fase do capitalismo, só foi possível graças a
esta nova ética que não tornava o lucro pecaminoso, mas também não permitia que o
indivíduo gastasse acima do necessário. O consumo deliberado era visto como relegado a
pessoas sem fé debruçada sobre os prazeres mundanos.
Talvez pela condenação do consumo, em sua primeira fase, o capitalismo voltou-se
mais para o setor primário, de produção de bens industriais voltados para a produção,
renegando o setor secundário, de bens industriais não duráveis. A super produção do setor
primário em detrimento do segundo gerou a crise de 29. O capitalismo, então, precisou ser
reformulado e adequado a nova realidade social, já não se podia mais condenar o consumo,
pelo contrário dever–se-ia estimulá-lo e, para isso, a sociedade precisava ser reeducada na
cultura do consumo, criando nela o desejo de coisas novas e melhoras.
Fica evidente, portanto, que a sociedade de consumo surge da necessidade de
manutenção do sistema de produção vigente, para que este não faleça, ou seja, da necessidade
de transformação do capitalismo industrial para o capitalismo de consumo. Pautada em ideais
de liberdade e igualdade, a sociedade de consumo nasceu mais por necessidade histórica do
que por desejo próprio, mas o fato é que sua renovação mental só foi possível pela
flexibilidade pertencente à nova sociedade contemporânea.
Baudrillard (1970) afirma que a aspiração à liberdade e felicidade de todos os
indivíduos, arquitetada pelo Iluminismo, é a referência máxima da sociedade de consumo.
Para o filósofo, a sociedade de consumo repousa sobre a lógica da distinção social e nela estão
estabelecidas as novas relações entre os objetos e os sujeitos.
A sociedade de consumo, com sua obsolescência programada, não é senão uma imensa
produtora de signos. Para Baudrillard, numa era em que a hierarquia de nascimento foi
banida, não se consome pelo prazer do novo, mas para se diferenciar socialmente, se
reinscrever em novas posições, para produzir valores de signo que manifestem quem o sujeito
é ou quem gostaria de ser. Os objetos adquirem valores de distinção social, sendo signos de
posição ou aspiração social. O valor de uso14 da mercadoria não impulsiona o consumidor,
mas sim o poder de comunicação do objeto. O consumo aqui não tem como motivação a
ideologia hedonista, mas sim a competição por status.
14
Segundo Karl Marx, em “O Capital”, valor de uso é aquele atribuído pela utilidade de uma coisa, que não
surge no ar. É determinada pelas qualidades físicas da mercadoria e não existe sem isso.
34
Por também compreender a lógica da moda como fruto do gosto do sujeito pela
diferenciação social, Baudrillard analisa a forma moda como espinha dorsal da sociedade de
consumo.
Lipovetsky (2008), entretanto, tem uma perspectiva diferenciada da moda consumada
e da sociedade de consumo em si. Para o filósofo, numa era em que os gostos se
individualizam, a imagem do produto está para além da vinculação social. Não que os objetos
não possuam função de signo e sejam agregados de significantes sociais, todavia, o que move
o consumo de massa é o prazer próprio, a satisfação privada. Mesmo que haja ainda o
consumo para distinção, denominado por Lipovetsky como consumo prestigioso, ele se difere
do modelo de consumo de massa, que repousa bem mais nos valores privados de conforto, de
prazer de uso funcional.
Consome-se, portanto, mais pela lógica da individualização, própria do sistema de
moda, e cada vez menos para ofuscar o Outro. Assim, o objeto não desempossa seu dono, mas
o sujeito desempossa o objeto. O consumo engendrado na forma moda se torna meio e não
fim. O hedonismo de massa (epicentro cultural da moda consumada) impulsiona a autonomia
individual e gera uma nova economia, denominada por Lipovetsky como frívola ou economia
moda.
1.7 A Economia Moda
Para Lipovetsky, a sociedade de consumo é definida estruturalmente na generalização
do processo moda, ou seja, a produção e o consumo de massa são orquestrados sob a forma da
lei da obsolescência, da sedução e da diversificação. Nesta, até mesmo a indústria de consumo
se baseia nos três princípios inaugurados pela Alta Costura. Resumindo, a sociedade de
consumo é aquela que passa o econômico para a órbita da forma moda.
A forma moda perpassa toda lógica econômica, que tem no efêmero sua principal
regra para produção e consumo de objetos. Para continuar no mercado as empresas precisam
lançar continuamente novos artigos, sejam eles inovações ou uma versão melhorada do
mesmo produto. Na era da moda consumada, a mudança e a instabilidade próprias deste
sistema são características inerentes à produção e ao consumo de massa.
Surge, assim, uma sociedade de ordem econômica organizada como a moda, uma
economia moda, em que até mesmo a lei de oferta e procura funciona pelo Novo, o qual
35
aparece como o imperativo categórico da produção e do marketing, a economia-moda
caminha na sedução insubstituível da mudança, da velocidade e da diferença.
Numa economia baseada no novo, o gadget (do inglês, “a mechanical contrivance or
device”) ou “dispositivos mecânicos engenhosos destinados a satisfazer pequenas funções
particulares da vida diária”15, torna-se a essência do objeto de consumo: utensílio nem
realmente útil, nem realmente inútil. São exemplos de gadget, o descascador de batatas, o
tostador elétrico de torradas, o aparelho de som estéreo com entrada USB e leitor de MP3, ou
seja, toda a gama de objetos que parece ter uma gratuidade técnica mais ou menos ostensiva.
Segundo Baudrillard, por possuírem uma natureza artificiosa, embora tenham função
técnica, ao gadget é atribuída uma relação de consumo muito mais lúdica do que utilitária.
Consome-se não porque o objeto possua inovações ou pequenas alterações que trazem
conforto e mais eficácia, mas sim por uma doença engendrada na nova sociedade que
Lipovetsky denomina, amparado em Abraham Moles, de “patologia do funcional”.
Entretanto, Lipovetsky critica a ideia da inutilidade patológica e atenta para o fato de o gadget
traduzir a nova sociedade de consumo que vê nos “acessórios a mais” contidos nesses objetos
exemplos de operatividade ótima.
Com a forma moda consumada na economia o que vemos com mais freqüência é a
despadronização dos produtos, oferecendo ao consumidor a possibilidade ampla de escolhas e
opções. Se antes só o vestuário era diferenciado pelos pequenos adereços, agora todos os
objetos de consumo de massa o são. A Coca-Cola, por exemplo, pode ser Coca Diet, Coca
Light, Coca Zero. Ao invés da unicidade, a economia moda inaugura o império da semelhança
pelas pequenas diferenças, compatível com a individualização crescente dos gostos. A
economia moda fabrica um universo de produtos ordenados pela micro-diferença.
Ainda que a forma moda tenha se arraigado na sociedade, o que teria permitido que a
economia moda também tivesse se firmado e sido tão bem aceita? Segundo a lógica de que as
leis que regem a economia padrão, de oferta e procura, também governam a economia moda,
acreditamos que a análise deva começar por esse ponto. Do lado “oferta” as razões para essa
aceitabilidade estão na gênese do capitalismo o qual, juntamente com seu sistema da
concorrência econômica, tem raiz no mundo efêmero generalizado.
Já do lado “procura” a análise é mais complexa. O que faz uma novidade ser aceita? O
que faz a economia se engendrar na lógica das pequenas diferenças combinatórias? Para
15
Moles apud Leodoro (2008:5)
36
Baudrillard (1970) e Bourdieu (2008) a sede pela novidade surge de uma orquestração
objetiva de duas lógicas relativamente independentes, mas funcionalmente homólogas: de um
lado, a lógica da concorrência inerente ao campo da produção; de outro, a lógica das lutas
simbólicas e das estratégias de distinção das classes que determinam os gostos de consumo. É
o encontro destas duas lutas internas, de diferenciação da produção de bens e de gostos, que
gera a economia moda, que encontra seu lugar na luta de classes.
Entretanto, a lógica marxista da luta de classe não é suficiente para explicar, por
exemplo, como as diferentes colorações de um mesmo modelo de tênis constituíriam
“dominantes x dominados”. A lógica da distinção não dá conta da escalada sem fim da
diversificação e da superescolha industrial, as quais só poderão ser compreendidas no âmbito
da produção de valores culturais.
1.8 Consumo e Cultura
Não houve um momento na história da humanidade em que o consumo estivesse
estritamente ligado a economia. Pelo contrário, seu peso cultural e representacional foi
constante. Assim como o mercado não é somente um local para compartilhamento de
produtos, mas também para interações sociais e simbólicas, o consumo não é apenas um lugar
de satisfação de necessidades e apropriações de bens. Consumir é pertencer, distinguir-se,
integrar-se, é criar uma ordem de significados e posições sociais sobre si mesmo.
Uma das primeiras teses sobre o motivo do consumo nasceu na teoria econômica
utilitarista, a qual afirmava que o sujeito quer bens por dois motivos: para atender suas
necessidades e por inveja. Por “necessário”, esses teóricos entendiam somente aquilo que
estava diretamente relacionado à sobrevivência física. O consumo de quaisquer coisas que
fujam a manter-se vivo se daria apenas por inveja. Entretanto, o conceito de “necessário”
pode variar de acordo com a classe econômica. Um romance clássico, para as classes
populares pode ser considerado supérfluo e dispensável, já para a classe alta pode ser uma
necessidade. Aos pobres nada mais que o direito a comida, aos ricos também diversão e arte.
Qualquer tentativa de apropriação de bens para além do kit alimentação, moradia e saúde para
as classes subalternas é tida como pura manifestação da inveja humana. Sobre esta lógica
incoerente, Brandão (2007) ironicamente afirma:
37
Isso nos obriga a concluir que a riqueza seria a única possibilidade de ser virtuoso,
ao passo que na categoria de irracionais e invejosos estariam todos os pobres do
mundo capitalista que ousassem consumir algo além de comida e proteção para o
corpo. (BRANDÃO 2007:95)
Mary Douglas & Isherwood (2004) propõem o fim da dicotomia “supérfluo x
necessário” e propõem uma nova definição para o consumo, agora compreendido como
prática social. Assim, os autores preferem entender o consumo de bens como necessário para
dar visibilidade e estabilidade às categorias da cultura. Como para Douglas & Isherwood a
grande questão da vida social é manter estável por determinado tempo os significados
conferidos a algo, o consumo viria como rito que prolongaria determinado sentido.
A grande inovação teórica no estudo do consumo é proposta por Canclini (2006),
diferentemente das demais concepções que dividiam, estabelecendo o vínculo do consumo na
diferenciação, Canclini propõe o consumo como uma forma de integração.
Para além da racionalidade econômica, que entende o consumo para reproduzir a força
de trabalho e aumentar a lucratividade dos produtos, da racionalidade sociopolítica (marxista),
que compreende o ato de consumir como campo de disputa das lutas de classes, Canclini
avança para uma “teoria sociocultural do consumo” que atenta para o fato de que o objeto de
consumo antes de conseguir estabelecer uma diferenciação, precisa ter algum sentido
compartilhado. É no consumo que se constrói a “racionalidade integrativa e comunicativa de
uma sociedade”. O ato de escolha no momento do consumo não é aleatório e involuntário, ao
consumir vai se construindo territórios de significação.
Canclini (2005) define cultura como “(...) conjunto dos processos sociais de produção,
circulação e consumo da significação na vida social”. Para o autor, cultura é um sistema em
constante transformação, criado a partir de teias tecidas entre os grupos. Se outrora para
pertencer a um grupo social bastava o pertencimento a uma mesma identidade territorial e
quase sempre monolingüística, agora, na sociedade contemporânea globalizada, as
identidades “são transterritoriais e multilingüísticas. Estruturam-se menos pela lógica dos
Estados do que pela dos mercados” 16. Extrapolando a fronteira, a territorialização do sujeito é
feita de acordo com outras lógicas.
16
CANCLINI (2005:59)
38
Voltando à economia moda, só se pode entender a razão de uma novidade ser aceita a
partir de seu valor cultural, porque, como exposto até aqui, no mundo globalizado, a
manutenção do grupo de referência se dá por meio do próprio consumo.
A moda, portanto, como expressão máxima da sociedade de consumo, para além do
ato de consumir é prática cultural.
1.9 Consumo e Cidadania
Antes de pensarmos na relação entre consumo e cidadania, é melhor tentarmos
conceituar o que é cidadania. A conceituação da palavra ainda é bastante debatida nas ciências
sociais. O que torna um sujeito cidadão? Na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
criada em 1948, é de direito do indivíduo o trabalho, a alimentação, a saúde, a propriedade, a
educação, a liberdade civil e religiosa. Compreende-se que este conjunto de direitos resulte na
cidadania.
Canclini afirma que:
Para vincular o consumo com a cidadania, e vice-versa, é preciso desconstruir as
concepções que julgam os comportamentos dos consumidores predominantemente
irracionais e as que somente veem os cidadãos atuando em função da racionalidade
dos princípios ideológicos. Com efeito costuma-se imaginar o consumo como o
lugar do suntuoso e do supérfluo, onde os impulsos primários dos indivíduos
poderiam alinhar-se com estudos de mercado e práticas publicitárias. Por outro lado,
reduz-se a cidadania a uma questão política, e se acredita que as pessoas votam e
atuam em relação às questões públicas somente em função de suas convicções
individuais e pela maneira como raciocinam nos confrontos de idéias. (CANCLINI
2005:45)
Canclini tem razão, para associar consumo à cidadania é necessário ir além dos
conceitos estabelecidos. Ora, seria somente a participação pública através do voto que torna
um sujeito cidadão? E o direito à informação, à cultura? Acreditamos que o consumo também
tenha relação com a cidadania, com o direito ao acesso de certos bens e serviços. Seja no
âmbito da cultura em geral (tendo acesso às informações que circulam nos meios de
comunicação), seja no dos bens culturais (livros, filmes, obras de arte).
Na sociedade contemporânea, baseada no efêmero, o consumo perpassa por todos os
setores sociais e o que Canclini percebeu é que o indivíduo moda, mais do que lutar pelos
direitos fundamentais, quer se sentir inserido. Um exemplo disto é citado por Lyra (2001),
39
quando a estudiosa relembra a ida dos integrantes do Movimento dos Sem-Teto (MTST) ao
shopping Rio Sul que produziu pânico entre os comerciantes, a ponto de ser acionada a
polícia militar. O que faziam os sem-teto no shopping? O que eles reivindicavam? Não é
preciso ir longe, em 2009 um ambulante foi morto, espancado, ao entrar no shopping
Goiabeiras em Cuiabá. Ao contrário dos sem-teto, ele não protestava, queria somente se
alimentar. Mas, pelo conjunto de vestuário mais adereços, ele foi marcado como não
pertencente àquele espaço social. O que tornou aquele comerciante menos cidadão dos que os
demais que circulavam no ambiente? Certamente, alimentação, moradia e trabalho ele
possuía. Face obscura do consumo: faz a separação entre “quase cidadão” e os “Outros”.
Mas fugindo do negativismo, na ânsia de produtos culturais, o consumo integra
diferentes classes em um dos mais democráticos comércios criados na sociedade
contemporânea: o camelódromo. Voltando a lógica da forma moda proposta por Lipovetsky
(2008), para além da diferenciação de classes, o camelô une ricos e pobres ávidos por uma só
coisa: novidade e o consumo irrestrito de bugigangas ou gadget. Ao consumo transnacional
de objetos made in China, falsificações e quinquilharias, Brandão (2007) nomeou como
“circuito subalterno de consumo”.
40
II CIRCUITO SUBALTERNO DE CONSUMO: DA AMÉRICA LATINA
A MODA NO SHOPPING POPULAR
41
2.1 Sobre circulação, fluxos e globalização
“Essa crioula tem o olho azul
Essa lourinha tem cabelo bombril
Aquela índia tem sotaque do Sul
Essa mulata é da cor do Brasil
(...)
Häagen-dazs de mangaba
Chateau canela-preta
Cachaça made in Carmo dando a volta no planeta”
Paralamas do Sucesso
O trecho da música dos “Paralamas do Sucesso” mostra o encontro e a mistura de
etnias, continentes, bens de consumo, e, finalmente, de culturas. Em tempos de globalização,
em que a intensificação dos fluxos aumenta a circulação de pessoas, objetos e informações de
maneira sistemática, questões como hibridez, mistura, miscigenação, sincretismo, bricolagem,
transculturação e tantos outros termos utilizados para designar fusões, tornam-se uma
constante nas reflexões sobre cultura contemporânea.
A circulação entre os povos, de um modo geral, pode ser encontrada em diferentes
escalas na história da humanidade. A própria globalização, tida como o momento máximo
dessa intensificação dos fluxos, não é exatamente algo recente, já que a noção de um mundo
interligado, segundo Gruzinski (1999), é presente desde a época das grandes navegações.
Entretanto, não há muitas semelhanças entre o cruzamento dos oceanos de Vasco da Gama em
busca das Índias e a globalização atual.
O que vivemos hoje é um processo complexo de interações sócio-econômicas,
políticas e culturais, o qual incide em todas as práticas sociais. Com a queda das barreiras
comerciais, a livre circulação de capital, as constantes inovações tecnológicas e a rapidez na
circulação das informações, as mudanças na sociedade ocorrem de forma contraditória,
desigual, plural em conteúdo e direção, e com uma velocidade jamais vista.
Marc Abélès (2001), no prefácio de Aprés Le colonialisme, de Arjun Appadurai,
destaca o fato de o pensador indiano afirmar que a circulação, mais do que estruturas e os
organismos estáveis, é o fenômeno que define o mundo contemporâneo.
Com um discurso homogeneizante, o fenômeno da globalização, parece ter tido, ao
menos no primeiro momento, a pretensão de tornar os indivíduos iguais, finalmente
42
realizando aquilo que foi concebido como uma aldeia global. Entretanto, com o surgimento de
tecnologias e mídias as quais permitem a circulação de informação de forma praticamente
instantânea, a exemplo das mídias virtuais, não somente o contato com o Outro, e todas as
suas diferenças, tornou-se inevitável e intensificado como também as transformações
ocasionadas por esses encontros.
Em Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade, Néstor
Canclini se remete à exposição performática de Yukinori Yanagi, The World Flag Ant Farm,
na Bienal de Veneza de 1993 e, posteriormente, em 1996, na 23ª Bienal Internacional de São
Paulo, para demonstrar o potencial de transformação da circulação no cenário contemporâneo.
The World Flag Ant Farm reunia inúmeras caixas de acrílico transparente cheias de
grãos açucarados coloridos compondo, cada uma, uma bandeira nacional. As caixas se
intercomunicavam através de tubos plásticos. No primeiro dia da exposição, um grupo de
formigas foi colocado no sistema que se caracterizou, a partir daí, por um intenso trânsito de
formigas que perambulavam17 entre os “países”. Com o passar dos dias, a perambulação das
formigas vai misturando os grãos coloridos até dissolver os limites e marcas identitárias
daquelas “nações”.
Para Canclini, a metáfora criada por Yanagi, além de expor as variadas interações
culturais que ocorrem entre os povos, também sugere que eles estão em uma constante e
indiscriminada interatividade. No interior dos tubos plásticos que ligam as caixas, co-existem
sujeitos distintos que ao entrarem em contato se misturam sistematicamente. “Os tubos
plásticos, enquanto entre-lugares de passagem e aproximação, representam os fluxos
multidirecionais de uma diferença cultural em processo de mescla e fragmentação”.
(BARBERENA 2008: 138)
Segundo Hannerz (1997), a idéia de fluxo sugere uma espécie de continuidade e
passagem. Termo extremamente ligado com a globalização, fluxo designa mobilidade.
Amparado em Scott Lash e John Urrry, Hannerz afirma que somos a sociedade do fluxo e por
isso a palavra perpassa todas as áreas.
Hannerz ainda apresenta duas noções de fluxo, sendo que a primeira refere-se ao
deslocamento de algo, de um local para outro, num determinado tempo, estando ligada a uma
17
Perambular é um conceito muito apresentado nos trabalhos de Yanagi. Para o artista, perambular é cruzar as
fronteiras, os limites.
43
questão territorial. “A segunda é essencialmente temporal sem implicações espaciais
necessárias”. (HANNERZ 1997: 11)
Considerar o fluxo como tempo é pensar nele em termos processuais, se opondo,
portanto, ao pensamento estático. Já o fluxo numa dimensão espacial implica em pensar suas
direções, e o sentido deles (origem → destino) é uma questão que divide pesquisadores.
Hannerz (1997) afirma que para os que ainda associam globalização a americanização, a
origem dos fluxos tenderia a vir sempre do centro dominante, no caso uma mistura de Nova
York, Hollywood e a sede do Banco Mundial, o que traria como conseqüência a uniformidade
global. Mas existem aqueles que já pensam na multicentralidade dos fluxos, admitindo fluxos
entrecruzados e contra fluxos. No extremo da tendência “americanizadora”, estão aqueles que
tendem a uma total descentralização, como Appadurai (2001) que não considera nem a
possibilidade de múltiplos centros18.
Hannerz parece ocupar uma posição curiosa em relação ao tema, pois, embora defenda
a existência de fluxos entrecruzados e contrafluxos, acredita, ao contrário de muitos
pensadores contemporâneos, que seja totalmente possível distinguir os centros das periferias,
visto que vários exemplos podem ser observados na “disseminação de algumas habilidades
fundamentais e formas institucionais centrais que denominamos como modernidade”.
(HANNERZ 1997: 14)
A perspectiva de Hannerz é a que mais nos interessa, pois admitir sentido de
passagens é admitir também que existe uma demarcação a ser ultrapassada, um limite. Como
as formigas de Yanagi, que cruzavam os tubos ultrapassando as “fronteiras das nações” e
misturando seus respectivos traços identitários, existe um obstáculo a ser “vencido” para que
os fluxos culturais entre centro-periferia possam ocorrer.
Como encontrar a unidade ou ponto, ou seja, o limite dos fluxos, no atual mapa de
diversidade cultural é um trabalho praticamente impossível, os antropólogos começaram a
utilizar o termo zona fronteiriça. Diferente de limite, a zona fronteiriça não é uma linha
definida, mas uma região onde uma coisa gradualmente se transforma em outra, onde há
incertezas e ambigüidades. Resumidamente: uma zona de convergência de correntes culturais.
18
Essa reflexão foi desenvolvida mais detalhadamente no texto “O camelódromo e a Cidade”, de Ludmila
Brandão, publicado na Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, em
2009.
44
É neste “local” que ocorrem as recombinações culturais e que as identidades nacionais vão se
diluindo, como as bandeiras de açúcar de Yanagi.
A intensificação da circulação pela globalização permitiu o surgimento de zonas
promotoras de contato com a diferença, e como conseqüência, as transformações. É algo
como uma crise identitária generalizada instalada tanto no âmbito das práticas socioculturais
quanto das ciências, no trato com a dimensão cultural e suas dinâmicas. E é na zona de
fronteira que surge o espaço para o agenciamento da cultura.
Embora muito utilizada no decorrer deste texto, não entraremos na discussão dos
vários usos da palavra cultura, que em 1952 já tinha quase 300 definições catalogadas no livro
de Kroeber e Klukhohn. Para este estudo, optamos pela definição provisória que Canclini
propõe para cultura como sendo o “(...) conjunto dos processos sociais de produção,
circulação e consumo da significação na vida social” (CANCLINI 2005: 41). Provisória
porque para o autor, apesar de podermos pensar na cultura como um sistema em constante
transformação, já nos distanciando da perspectiva essencialista e substantivadora da cultura,
ele acabará preferindo, como Arjun Appadurai (2001), falar em “dimensão cultural” ao
contrário de cultura, evitando definitivamente toda e qualquer retificação e simplificação do
conceito.
De um processo homogenizador, a globalização passa a permitir o “permanente fluxo
e reorganização do inventário cultural de toda a humanidade” (HANNERZ 1997: 20).
É deste permanente fluxo e da globalização que surge o lócus da nossa pesquisa: o
Shopping Popular de Cuiabá. A noção de circuito subalterno de consumo, no qual se insere o
camelódromo, foi desenvolvida por Brandão (2007). No artigo O “camelódromo”, a cidade e
os fluxos globais subalternos, Brandão esclarece que o comércio informal, especialmente o
praticado pelos camelôs, é um fenômeno do mundo globalizado, que explodiu no Brasil na
década de 90. De tanto crescerem, os camelôs obrigaram as gestões municipais a criarem
alternativas de espaço para esta forma de comércio, conhecidos hoje como camelódromos ou
shoppings populares. No artigo, Brandão explica que o comércio nos camelódromos desenha
fluxos globais subalternos.
2.2 A América Latina e o camelódromo
45
Castells (1983) utiliza o termo hiperurbanização para designar o fenômeno em que a
aceleração do crescimento urbano é superior à do industrial. Como conseqüência da
modernização tardia, do grande êxodo rural e da urbanização dependente19, a América Latina
acabou tendo uma superconcentração populacional nas grandes metrópoles de economia
globalizada, “cidade-global”, ou nas ditas cidades médias20.
Na América Latina, por volta da década de 70, as cidades abarrotadas e o padrão de
acumulação mundial orientado para liberação econômica promoveram um grande número de
desempregados que para se manter no espaço urbano buscou formas alternativas de
organização da produção, tornando o setor informal e a informalidade21 comuns no cotidiano.
No Brasil, na década de 90, a crise econômica e a abertura do mercado, que
colocavam a indústria sob a pressão da demanda em queda livre e a ampliavam a concorrência
com os produtos importados, fizeram com que um fenômeno do mundo globalizado
explodisse: o camelódromo.
Manifestação típica das condições de vida na cidade de hoje, o camelódromo se
apresenta como uma saída de sobrevivência. Atualmente, este circuito subalterno de consumo
dá sustento a um significativo e crescente número de pessoas que diariamente levantam cedo,
montam suas barracas, dispõem seus produtos, tudo de um modo organizado a fim de erguer
na paisagem urbana uma espécie de obra coletiva, a qual intervém nos contrastantes modos de
vida existentes na urbe da América Latina e denuncia-os.
Nas grandes capitais do Brasil, o camelódromo é um local onde as classes subalternas
ocupam o centro e o utilizam de modo intenso e auto-organizado. É no espaço público do
centro da cidade que centenas de pessoas encontram a oportunidade para serem
economicamente produtivas. Entretanto, em Cuiabá, somente até 1995, os camelôs puderam
ocupar as áreas centrais. Neste ano, por decisão da prefeitura, os comerciantes informais
foram deslocados para o bairro do Porto.
19
Segundo Castells (1983), uma sociedade é dependente quando a articulação de sua estrutura social, a nível
econômico, político e ideológico, exprime relações assimétricas com uma outra formação social que ocupa,
frente à primeira uma situação de poder.
20
Segundo Sposito (2007), cidades que desempenham papéis de intermediação entre cidades maiores e menores
no âmbito de diferentes redes urbanas.
21
Segundo Menezes (2009) apud Deddeca, A noção de setor informal como já citado, relaciona-se às atividades
econômicas cuja estratégia é a simples sobrevivência das pessoas por elas envolvidas. Já a de informalidade diz
respeito às ocupações sem proteção social, isto é, que não contribuem para os sistemas nacionais de previdência
social e para os demais fundos públicos da política social.
46
A retirada dos vendedores ambulantes das praças e do centro da Capital ocorreu na
administração do prefeito Dante Martins de Oliveira, já falecido. Em 1995, o “menino das
Diretas Já”, como era conhecido, adotou como frente de sua gestão a “limpeza” das ruas e
praças de Cuiabá, o que significava, entre outras coisas, a remoção dos camelôs.
Os ambulantes estabelecidos no centro cuiabano incomodavam a paisagem urbana de
duas formas, de um lado os lojistas consideravam os “informais” uma concorrência desleal,
do outro os intelectuais e artistas da cidade achavam impossível preservar o patrimônio
histórico e arquitetônico de Cuiabá, tombado em 1992. Destaca-se aqui o papel dos ditos
intelectuais cuiabanos na marginalização daqueles já excluídos pelo sistema socioeconômico.
Em 26 de abril de 1995, com apoio da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros
Militar de Mato Grosso, os camelôs foram expulsos do centro e levados para a nova área
periférica que, segundo Misael Galvão22, contava apenas com banheiro público, piso e
nenhuma estrutura básica. “O telhado era o céu”, afirmou Misael Galvão em entrevista
veiculada no dia 11/01/2011 em seu próprio site23.
Figura 1: Retirada dos camelôs do Centro para o bairro do Porto, em 1992. Abaixo da seta: Misael Galvão
Entretanto, a decisão tomada pela administração municipal foi apenas um paliativo:
com o alto índice de desemprego e sem a rigorosa vigilância dos anos iniciais em que os
comerciantes informais foral expulsos, gradativamente novos camelôs ocuparam as áreas
22
23
Presidente da Associação dos Camelôs do Shopping Popular (ACSP).
www.misaelgalvao.com.br
47
centrais de Cuiabá. Resultado: em 27 de setembro de 2011, após 11 anos, uma nova operação
para retirada dos vendedores do centro de Cuiabá foi realizada, devido a uma liminar do
Ministério Público Estadual, com as mesmas justificativas: preservação do patrimônio público
e do bem-estar social da população. Diferente da operação de 1995, os quase 400 ambulantes
expulsos só tiveram um novo local de trabalho definido após 20 dias. Semelhante à operação
de 1995, a solução encontrada pela gestão municipal do atual prefeito Chico Galindo foi a
construção de um novo Shopping Popular, onde hoje é o atual Mercado Municipal, localizado
no bairro do Porto. Déjà vu?
Figura 2: Cerca de 200 policiais foram convocados para expulsão dos camelôs
48
Figura 3: Dona Jandira Augusta Moraes, há 20 anos vendedora de café e salgados por R$ 1, não possui
outra fonte de renda ou aposentadoria
Figura 4: Vendedores ambulantes recolhendo material de trabalho
49
Figura 5: Três dispositivos sociais: polícia, imprensa e governo - fiscal da Secretaria Municipal de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Urbano
Retornando a primeira expulsão, frente às dificuldades, os camelôs que eram
“supostamente entregues à passividade e à disciplina” (CERTEAU 2007 : 37), já que foram
expulsos do centro de forma pacífica, iniciam um processo de fissura do sistema e criam a
Associação dos Camelôs do Shopping Popular (ACSP), em maio de 1995. Estruturalmente
organizados, os camelôs, agora associados, têm poder de negociação com a esfera pública.
O impensável, para aquela época, acontece: a edificação e parcial24 legalização de um
novo circuito comercial distante dos moldes do comércio oficial. Sem rejeitar o sistema, os
comerciantes informais reinventam o cotidiano, através de uma metamorfose interna. Os
camelôs descobrem uma maneira de utilizar o que lhes foi imposto driblando os termos do
contrato social. Bem estruturada, a Associação emprega hoje: jornalistas, seguranças,
secretários, administradores de empresa, advogados entre outros profissionais.
Em 2008, mais uma vez os associados mostraram sua força em arranhar a ordem
vigente ao elegeram com 3.069 votos o presidente da ACSP e também camelô, Misael
24
Parcial pois os camelôs como comerciantes do Shopping Popular têm a prática do comércio tolerada ou até
legalizada, mas enquanto sacoleiros que transitam em busca das mercadorias a serem comercializadas têm sua
atividade como ilegal. Appadurai (2001) caracteriza essa situação como “mercado cinza”, pois diferente do
“negro” utilizado para designar o comércio ilegal, o “cinza” combina situações de interdição e legalidade.
50
Galvão25. Após seis anos a frente da Associação, Misael tomou posse do cargo de vereador na
Câmara Municipal de Cuiabá. Sua principal frente de trabalho, obviamente, foi a favor
daqueles que o elegeram: os comerciantes informais. Agora, os camelôs têm espaço no
Legislativo.
Figura 6: Sede da Associação dos Camelôs do Shopping Popular, localizada nos fundos do
camelódromo
25
Misael Galvão começou a trabalhar como ambulante nas ruas de Cuiabá em 1991, depois de ter trabalhado
como bancário por alguns anos. Em princípio, vendia eletrônicos e brinquedos.
51
Figura 7: O camelô e vereador Misael Galvão
Atualmente, o Shopping Popular possui 393 bancas, gera cerca de 1.200 empregos
diretos e indiretos, constituindo um importante braço da economia local. O galpão que outrora
tinha apenas dois banheiros, hoje ocupa 5 mil metros quadrados. Com a ampliação do espaço,
dois estacionamentos, caixas eletrônicos, uma “praça de alimentação” e aparelhos para
climatização foram introduzidos no camelódromo. Além disso, o Shopping Popular conta com
um circuito interno de TV com 93 câmeras e cada banca tem acesso a linhas individuais de
telefones convencionais, o que permite a utilização de máquinas de cartão de crédito. Para que
essa estrutura seja mantida os próprios associados contribuem mensalmente com uma taxa de
R$ 370.
O grande fluxo de pessoas também impulsionou outras formas de trabalhos nos
arredores do Shopping Popular. Frotas de táxi e moto táxi são facilmente identificadas na
lateral do camelódromo. De acordo com o taxista Wilson Pereira, que tem sete anos na
profissão e três no ponto do camelódromo, a área é movimentada durante o ano, mas nas
vésperas de datas comemorativas o lucro dobra.
Consolidado como um grande entreposto comercial, hoje, o Shopping Popular é parte
intensa da economia do município de Cuiabá. Vale ressaltar que não estamos falando aqui de
uma economia informal correndo paralela à formal, mas de operações que se acoplam, que se
firmam como dois lados de uma mesma moeda. O que nasceu para estar à margem, torna-se
parte constituinte da política, cultura, economia, sociedade e sociabilidade do município de
Cuiabá. O que não significa afirmar que os camelôs não figuram mais uma marginalidade
dentro do sistema, mas que o Estado e suas margens constituem-se.
52
Figura 8: Frota de táxi em frente ao Shopping Popular
Figura 9: Moto taxista sentado de colete laranja enquanto aguarda clientela
53
HISTÓRICO DO SHOPPING POPULAR
DATA
Abril de 1995
• Camelôs são transferidos do centro de Cuiabá para o
bairro do Porto, onde havia apenas piso e banheiro
público;
• Houve protesto e confronto com a polícia;
• Vários camelôs foram presos.
Maio de 1995
• Criada a Associação dos Camelôs do Shopping Popular,
tendo como presidente Misael Galvão, que hoje está em
seu sexto mandato.
• Governo do Estado de Mato Grosso oficializa a
Cooperativa de Compras do Comércio Popular de Mato
Grosso (Coocomp/MT), a primeira cooperativa de
camelôs do país com a finalidade de viabilizar compras
Janeiro de 2006 legalmente no exterior, por meio da resolução 017.
• Evento reúne cerca de 800 camelôs de todo o estado
para o lançamento da Coocomp/MT com a presença da
primeira dama de MT, Terezinha Maggi, de
representantes da CDL, MT Fomento e outras instituições
Março de 2006 que apoiaram a iniciativa.
• O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,
publica a Medida Provisória nº 380 instituindo Regime de
Tributação Unificada - RTU para importação de
mercadorias da República do Paraguai o que avalizou a
Cooperativa de Compras do Comércio Popular
Junho de 2007 (Coocomp/MT).
• O presidente da Associação dos Camelôs do Shopping
Popular de Cuiabá, Misael Galvão, foi a Brasília;
• Ele visitou todos os senadores da bancada matogrossense em busca de apoio para a aprovação do projeto
de lei;
• Misael também pediu aos deputados federais a
viabilização de verba, por meio do Ministério do
Turismo, para revitalizar o shopping e todo o seu entorno,
transformando-o num moderno complexo de compra
popular e num novo atrativo turístico na capital do
Março de 2008 estado.
Dezembro de
2008
• Projeto de Lei é aprovado no Senado e camelôs de Mato
Grosso comemoram mais uma vitória na luta pela
legalização.
54
• O presidente Lula sanciona a Lei 11.898, a chamada Lei
dos Sacoleiros, no dia 08 de janeiro de 2009, instituindo o
Regime de Tributação Unificada RTU na importação, por
Janeiro de 2009 via terrestre, de mercadorias procedentes do Paraguai.
• Audiência Pública no dia 29 de junho de 2009 na
Assembléia Legislativa de MT, requerida pelo deputado
estadual Carlos Brito para discutir a legalização da
Junho de 2009 atividade do camelô.
Setembro de
2009
• Publicação no Diário Oficial da União (DOU) do
Decreto Presidencial 6956, que institui o Regime de
Tributação Unificada (RTU) para os sacoleiros que
trazem mercadorias do Paraguai, por via terrestre.
Abril de 2010
• Climatização do Shopping Popular.
2.3 Shopping Popular x Shopping Center
O histórico do Shopping Popular evidencia a reorganização da ordenação sociopolítica
através de processos silenciosos do cotidiano. “Presos” nos dispositivos de vigilância
municipal, os camelôs não fogem do sistema que os circunscrevem, mas o subverte pelo
modo como reutilizam o espaço originalmente criado como forma de controle social.
Parafraseando Certeau (2009), usando inúmeras e minúsculas metamorfoses da lei, de acordo
com seus próprios interesses e regras, os camelôs realizam uma bricolagem com e na
economia cultural dominante reinventando o cotidiano.
Os traços desse patchwork, dessa transculturação entre histórias, as quais ao mesmo
tempo em que acompanham a expansão do sistema mundial criam paralelamente um novo
imaginário no interior e exterior do sistema, podem ser visualizadas ao compararmos, por
exemplo, o Shopping Popular com seu parente: shopping center.
A tentativa de aproximação do camelódromo constituído no Porto com os centros
comerciais oficiais se dá desde o nome. Em conversa informal, realizada no dia 13/12/2011,
na Câmara Municipal de Cuiabá, a assessora jurídica do Shopping Popular, Elaine de Alves,
explicou que o batismo do centro comercial subalterno foi feito pela própria prefeitura
55
municipal, sem que nenhum camelô fosse consultado, entretanto, o nome não foi objeto de
desagrado justamente por se aproximar do tradicional Shopping Center Goiabeiras.
O nome surgiu, a prefeitura deu e ninguém questionou. Até porque a ideia era
funcionar organizado como um shopping mesmo: várias bancas vendendo materiais
diferentes. Não éramos o Shopping Center Goiabeiras, mas éramos o Popular. Além
do mais, era mais bonito, melhor que “mercadão”, por exemplo, o pessoal gostou.
(Elaine Alves, advogada do Shopping Popular desde sua criação).
A explicação sobre o surgimento do nome revela quatro situações presentes durante o
processo de consolidação do Popular: o autoritarismo da gestão municipal, traços de forte
colonialismo, a modernização verticalizada nas urbes brasileiras e a busca por legitimação
social, principalmente entre as classes hegemônicas, pelas classes subalternas. O nome
Shopping Popular soa melhor que camelódromo, permite que os que ali trabalham transitem
entre subjetividades diferentes, entre dois mundos. Agora, os comerciantes não são mais
ambulantes marginalizados que ocupam o centro da cidade de maneira desordenada, mas
empreendedores: proprietários de boxes estabelecidos em um centro comercial popular. Se
por um lado a apropriação das palavras de origem inglesa revela a manutenção de esquemas
verticais hegemônicos, por outro também permite vislumbrar sonhos de singularização, isto é,
possibilita enxergar a diferença singular dentro da totalidade. A história do Shopping Popular,
em última instância, é a própria história da mundialização na qual projetos globais são
forçados a adaptar-se.
Outra questão importante é que assim como um Shopping Center, o Popular também é
espaço de sociabilidade. Em algumas barracas é possível encontrar famílias inteiras, inclusive
crianças que aguardam o término do dia de trabalho dos adultos. Ali, elas se alimentam,
brincam e fazem tarefas. Em outros casos, são os adultos que estão ocupando o tempo com
ações corriqueiras como fazer a unha. Ainda há os que frequentam o Shopping Popular pelo
lazer. Neste caso, o indivíduo se une aos seus pares para observar os produtos expostos,
transitar entre os corredores ou apenas comer na “praça de alimentação”, já que não há gastos
extras com estacionamento, por exemplo.
Eu trabalho aqui perto e nem sempre venho pra comprar. Às vezes, venho só pra
lanchar no final do expediente, sento com as meninas do trabalho, como e converso.
É bom que aqui o estacionamento não paga. Eu ando de ônibus, mas uma das
meninas tem moto e se tivesse que ir num shopping íamos gastar uns R$ 2,00 só
com estacionamento. (Marina, 26 anos, balconista, em conversa informal, 2011)
56
Figura 10: Vendedora faz o pé na lateral da banca enquanto aguarda cliente
Figura 11: Praça de alimentação
57
Figura 12: Estacionamento a céu aberto e gratuito
Apesar das similaridades de uso entre ambos os centros de comércio, fica clara a forte
diferença entre a “arquitetura” dos locais. Interagindo com o ambiente ao seu redor, os
shoppings comunicam, traduzem seus públicos. Enquanto no Popular predomina a estética do
precário e do improviso, no Center prevalece do luxo e da organização.
2.4 Uma volta pelo camelódromo
Shopping Popular26, sexta-feira, 8:30h da manhã. Alguns vendedores organizam as
mercadorias em seus boxes27, outros já estão com os produtos devidamente expostos. É
véspera de feriado.
Dois vendedores reclamam dos feriados seguidos.
Vendedor 1: “O mês de novembro tá mais difícil. Já teve feriado semana passada e
amanhã outro. Sábado e domingo com tudo fechado complica pra gente”.
Vendedor 2: “É ... temos que vender mais hoje pra compensar”.
Vendedor 1: “E você sabe que a polícia pegou umas mercadorias minhas, né. Vindo do
Paraguai”.
26
Embora pesquise o camelódromo há mais de dois anos, as descrições de campo contidas aqui foram coletadas,
pela autora, no dia 19 de novembro de 2010, de 8:30 às 10:30h.
27
Nome utilizado pelo Shopping Popular, de maneira padrão, para designar todas as barracas do local.
58
Em um box uma moça olha as calças falsificadas de grandes marcas, como Carmin e
Colcci. Na barraca ao lado uma criança e um homem adulto observam os DVDs piratas. Uma
lanchonete que vende pastéis fritos aglomera cerca de 10 pessoas nas mesas de metal.
Às 9:20h o fluxo de pessoas já é intenso. Dentro daquele imenso galpão, com teto de
alumínio e vazado nas laterais pintadas de azul, jovens, velhos, mães e filhas, pessoas de todas
as classes sociais, circulam entre as 393 barracas verdes, fixas, metálicas, numeradas,
geralmente retangulares e de tamanhos praticamente iguais.
Figura 13: Shopping Popular
A maioria dos boxes de roupa está concentrada em único setor. Dirijo-me até ele. Pelo
uniforme, é possível perceber que algumas barracas são do mesmo dono. Quatro bancas
seguidas possuem moças de blusa lilás, nome do box escrito na camisa e calça jeans.
Poderíamos pensar em uma espécie de cartel? As barracas que apresentam funcionários
uniformizados tendem a ser mais organizadas. Algumas possuem manequim para expor as
roupas, araras e local para medi-las. Uma vendedora do “cartel” me aborda.
Vendedora1: “Posso ajudar?”
A abordagem no camelódromo é a mesma utilizada por qualquer outro
estabelecimento comercial.
Pesquisadora: “Só estou dando uma olhadinha”.
Vendedora1: “Tá procurando roupa pra quem?”
Não querendo revelar minha real intenção, já que todas as tentativas de aproximação
nas quais revelei ser pesquisadora foram frustradas, minto.
Pesquisadora: “Pro meu namorado”.
59
Vendedora1: “Então hoje é seu dia de sorte! Essa camisa Tommy Hilfiger acaba
deentrar na promoção. Faço 25 reais pra você!”
Pesquisadora: “Quanto ela custava antes?”
Vendedora1: “35 reais!”
Pesquisadora: “Passa cartão?”
Vendedora1: “Passa... mas se não for à vista o desconto é menor.”
Apesar de a aproximação ser similar dos demais centros de comércio e os atendentes
receberem salário mínimo e comissão, a liberdade para negociação difere. Ao contrário do
comércio “oficial”, em que os vendedores têm limite na concessão de deduções, os do Popular
negociam ao máximo com intuito de conseguir a venda. A hipótese levantada é que às
condições próprias do Popular (“abatimento” de impostos, por exemplo) permite que o lucro
seja alcançado mesmo com grandes reduções, originando uma diferente relação entre os
donos e os vendedores (que “ganham” dos primeiros, maior liberdade) e entre os vendedores e
os consumidores.
Pesquisadora: “Eu vou dar mais uma olhadinha e qualquer coisa volto aqui. Até que
horas vocês ficam abertos?”
Vendedora1: “Umas 18:30h. Amanhã e domingo não abre, porque é consciência
negra. Hoje o dia tem que ser bom. Volta mesmo, somos os melhores daqui do shopping”.
Duas barracas depois, uma moça também uniformizada de roxo, vendendo produtos
masculinos me aborda. Neste momento, percebo que a vendedora da outra barraca estava me
seguindo de longe.
Vendedora2: “Posso ajudar, moça?”
Vendedora1: “Essa aí é cliente minha. Já estou atendendo”.
A realidade do que classifiquei como uma espécie de cartel ainda não é predominante
no camelódromo. Ao invés de várias barracas com um único dono e funcionários diversos
contratados, o que vemos, geralmente, são famílias inteiras reunidas em uma única barraca.
Na banca de camisas de time de futebol uma mãe amamenta um bebê de meses na lateral da
banca. Duas crianças brincam sentadas no chão, em cima de fraldas estendidas, ao lado da
mãe. Na frente, um homem arruma as camisetas, provavelmente o esposo e/ou pai.
A simpatia e obstinação demonstradas pela atendente do “cartel” contrastam com a
dos demais: quando os donos oficiais são os próprios vendedores a apatia e o desânimo em
relação ao cliente é, às vezes, gritante. Em uma barraca de roupas femininas passei cerca de
60
cinco minutos observando o vestuário sem que ninguém me abordasse: a senhora que cuidava
da banca estava ocupada fazendo crochê, sentada em uma cadeira de plástico branca. Em
outro box, desta vez de réplicas de blusas de time de futebol, o casal que atendia só
estabeleceu diálogo após o meu chamado: a mulher estava concentrada em cuidar da filha
pequena e o homem olhava atenciosamente para o celular que possuía sinal de canais
televisivos. Nesses boxes em que o ambiente familiar predomina a estética do precário é
imperativa: ao invés de araras, o vestuário em cabides ou dobrado de modo empilhado lembra
revistas expostas em bancas de jornal. Se a exposição das roupas é pouco atraente nas araras,
nestes espaços elas perdem qualquer vestígio de charme possível. O que estaria por trás desta
arquitetura? É evidente que os donos de “cartéis” possuem um sistema de comercialização
diferente dos demais, pela própria estrutura do negócio: contratação de empregados, folha de
pagamentos e outros investimentos que os “boxes família” não possuem. Pelas diferenciações,
poderíamos dizer que assim como o sistema capitalista que o engloba, com suas clivagens de
produção econômica, o Shopping Popular também possui suas dicotomias: comércio familiar
e comércio business, com o perdão da redundância da última categorização.
Figura 14: Criança dormindo em frente a uma banca de Moda masculina do tipo “comércio familiar”
As formas para atrair o consumidor de roupa são várias. Alguns vendedores vendem
juntamente com os vestuários CD’s e DVD’s piratas, os quais são estrategicamente expostos
na frente das bancas.
Vendedor: “Muita gente para pra olhar os DVD’s e acaba olhando as blusas de time
também. E aí leva tudo junto”.
61
Embora nem todas as bancas do Shopping Popular possuam máquina de cartão de
crédito, nas barracas de roupas foi unânime seu encontro: provavelmente para facilitar a
aquisição de um número maior de peças, com o cartão o alto montante final poderia ser
dividido promovendo a compra. Como já foi mencionada, a prática da negociação é muito
utilizada, os vendedores, em permanente diálogo com o possível consumidor, oferecem
preços diversos na tentativa de comercialização da roupa.
Continuando a perambulação pelo corredor das roupas notei o quanto ele é mais
escuro que os demais, as roupas empilhadas e a intensa aproximação dos boxes dificultam a
ventilação. Em dias excessivamente quentes, comuns em Cuiabá, o espaço torna-se asfixiante
e a designação box (do inglês “caixa”) é personificada: o transeunte esta dentro de um caixa
retangular tampada cuja estrutura possuía apenas alguns orifícios pequenos que permitem a
respiração. Questiono me se o amontoado de roupas não permite a entrada da luz com
facilidade ou se o local é tático para venda daqueles produtos, a maioria, falsificados, como as
camisas de time. Talvez aqui nem devêssemos falar em “falsificação”, uma vez que o
consumidor não está sendo enganado pelo produto.
Consumidor1: “Leva a bermuda. Esse tecido de taquetel é bom e essa bermuda parece
verdadeira”.
Estão comprando bermudas da “marca” Adidas.
Vendedora: “Essas bermudas são réplicas muito boas mesmo. Saem muito”.
Consumidor2: “E a blusa, que você acha?”
Consumidor1: “Não leva. Tá com o preço muito alto pra essa cara de velha dela. Leva
duas bermudas da Adidas”. São dois homens comprando.
Desde a época da iniciação científica, a falsificação foi item constante. Nos três anos
de pesquisa, com o perdão do trocadilho, ela nunca saiu de Moda: principalmente no vestuário
masculino. Sem grande variação de tendências, entre os anos de 2008 e 2011 as
aproximadamente 20 barracas que comercializam exclusivamente Moda masculina ou mista
se apropriaram quase que exclusivamente das camisetas de futebol, também réplicas, e das
blusas e bermudas falsificadas de marcas famosas, como Adidas, Nike, Puma. Mesmo com
maior variação sazonal, o vestuário feminino também manteve a constância nas réplicas de
calças jeans com favoritismo para Colcci, Disparate e Carmim.
A assiduidade das falsificações de grandes marcas mostra a influência e o poder das
grifes na sociedade Ocidental. Bolsas com monogramas de marcas caras falam sobre a classe
62
social, o status quo de seu possuidor. A ostentação da grife traz consigo não só qualidade e
materiais diferenciados, mas também exclusão. Ainda que, muitas vezes, os produtos
falsificados não apresentem a mesma qualidade de seus originais, o desejo do consumidor
subalterno de se firmar em determinado estilo de vida o leva a consumir, conscientemente, as
falsificações.
Vale ressaltar aqui o sentido social e histórico da réplica. A apropriação e a tradução
de objetos criados pela e para as classes hegemônicas é vista desde o início da Renascença.
Com o desenvolvimento das cidades e a organização da vida das cortes produziu-se uma
aproximação entre as pessoas na área urbana. Enquanto os burgueses enriquecidos pelo
comércio passam a copiar o vestuário da nobreza, para se distinguirem da burguesia, os
nobres passaram a variar suas roupas. Começo do primeiro esboço da engrenagem cíclica da
moda. Os burgueses copiavam, os nobres inventavam, e assim sucessivamente.
Ainda que o traje burguês jamais tenha se igualado, em brilho e ostentação, ao da
aristocracia, ocorre naquele momento um movimento lento e limitado de democratização da
moda, de mistura das condições da indumentária. Mais do que mimetismo mecânico, a
burguesia só reteve da corte aquilo que não feria suas normas e seus valores. Os traços mais
fantasiosos do vestuário da nobreza, como as perucas empoadas, os casacos enfeitados de pele
e os vestidos com seda pura, foram mais recusados do que incorporados. Um importante traço
da moda é exatamente esse mimetismo que vai desde o conformismo mais fiel à imensa
variedade de adaptações. O sistema da moda amplia (e em alguns casos, cria) a possibilidade
de escolha do sujeito individualmente que opta por rejeitar ou não as novidades. Eis a
dialética deste sistema: conformismo e mudança.
Se a moda traz consigo um caráter estratificador, também tem seu papel parcial de
igualação das aparências. Ao mesmo tempo em que o consumidor subalterno mantém o
esquema de “opressão” das grandes marcas, o subverte ao consumir a réplica, nas palavras
dele mesmo, de qualidade.
63
Figura 15: Banca de Moda masculina que trabalha exclusivamente com camisas de times de futebol
Outro item constante na Moda do camelódromo foi a calça legging: um verdadeiro
acessório it que se manteve firme inclusive em época de febres nacionais, como no caso das
roupas indianas da novela Caminho das Índias, apresentada pela Globo em 2009 – daremos
mais atenção ao assunto posteriormente. Nas bancas que ofereciam vestuário feminino e
masculino, as leggings, assim como os tops e roupas de ginásticas reinavam: em comum
ambos realçam o corpo.
Além das camisetas de time, falsificações e leggings também foi possível encontrar
Moda infantil em todos os anos de pesquisa – não utilizarei o termo infanto-juvenil devido à
escassez de roupas para o público pré-adolescente, em geral as roupas para crianças não
ultrapassaram a faixa dos oito anos. A predominância neste quesito é de roupas femininas:
com babados, pedrarias delicadas, motivos florais e estampa em transfer digital (feito a partir
de uma impressora a laser e transferido para o tecido por meio de altas temperatura, possui
baixo custo unitário e pouca qualidade) de desenhos animados. A Moda infantil tendia a
agradar quase todas as mães e avós que circulavam no espaço.
Consumidora: “Uma graça! Não parece que é 100% de algodão, mas é de uma
maciez”.
64
A cliente é uma senhora na casa dos 60 anos e bem vestida. A análise do vestido
branco com gola godê, motivos florais e faixa de cetim branca na cintura foi realizada
enquanto aguardava a filha que comprava DVD’s falsificados na banca ao lado. Apesar dos
elogios, a senhora não levou o vestido.
Figura 16: Banca de Moda Infantil
Destaco a importância de se pontuar aquilo que permanece e o que varia na moda.
Como “fenômeno coletivo que nos oferece de maneira imediata a revelação do que há de
social em nosso comportamento” (Barthes 2009:29) as disparidades de freqüência na moda
são importantes, pois informam manutenção de gostos da sociedade, vinculados a um
imaginário coletivo de uma época. Entre o usuário e a roupa (objeto) há uma rede de sentidos
(palavras e imagens) que estão vinculadas com uma ordem sócio-econômica e cultural as
65
quais criam um simulacro do objeto real, tirando do vestuário sua função mais estrita que é
proteção.
Obviamente, a moda do Shopping Popular também oferece aos seus consumidores
bolsas (a maioria falsificada), acessórios (cintos, relógios, correntes, presilhas) e sapatos (em
grande parte, tênis réplicas de grifes). Em qualidade, a moda do camelódromo é inferior à do
comércio formal: no vestuário as costuras são frágeis e as falsificações são notoriamente
cópias com a logo escandalosamente mal copiada ou recriada (com exceção das bolsas que
possuem o acabamento e o símbolo da grife com grande requinte, em contrapartida, o valor do
item pode ultrapassar R$ 300).28 Os tecidos que predominam são a malha com fibra de
elastano (lycra), o taquetel e o algodão.
Figura 17: Banca especializada em réplicas de bolsas da marca Prada
28
A estudiosa Carla Gavilan (2011) trata mais sobre o consumo subalterno de bolsas piratas na dissertação
Pirata, mas classe 'A': sobre o consumo subalterno da pirataria de luxo.
66
Figura 18: Banca especializada em bolsas: réplicas e outros modelos
Figura 19: Banca especializada em tênis falsificados
Foram quantificadas aproximadamente 80 barracas entre os anos de 2010 e 2011 não
havendo um grande crescimento no setor. Os números acompanham a própria lógica de
expansão do Shopping Popular. Em 2008 o camelódromo possuía 392 barracas. Três anos
67
depois, em 2011, o número havia aumentado para apenas 393 bancas. Um dos principais
entraves para novas admissões é a falta de espaço e o alto valor do ponto: o aluguel de um box
pode chegar a R$ 1,500.
Figura 20: Banca especializada em acessórios e bolsas
Barracas que trabalham com Moda no Shopping Popular
Anos
Barracas
2010
2011
Quantidade
(%)
Freqüência
(%)
Femininas
9
12%
10
13%
Masculinas e Mistas
20
26%
20
26%
Infantis
5
7%
3
4%
Adereços
29
38%
32
42%
Tênis e Sapatos
13
17%
12
16%
68
Total
76
100%
77
100%
Tabela2
Outra peculiaridade na moda do camelódromo é sua trajetória, que não só se difere em
origem da realizada pelo comércio formal, como também do informal. Focando
exclusivamente no vestuário, para que as roupas cheguem até o Shopping Popular precisam
atravessar um longo percurso. Diferente dos demais comerciantes (de eletrônicos, brinquedos
e etc.) que obtêm, majoritariamente, suas mercadorias do Paraguai − as rotas mais utilizadas
pelos camelôs são Foz do Iguaçu (PR), para compras na Cidade de Leste, e Ponta Porã (MS),
com destino em Pedro Juan Caballero −, os vendedores de roupas adquirem parte do produto
no Paraguai, como é o caso das camisas de time falsificadas, mas, principalmente, em
Goiânia, nas grandes feiras da cidade.
Com a cota de compra baixa, US$300 (cerca de R$645, dependendo da variação do
câmbio), é grande o número de vendedores que, para compensar a viagem – na Cidade do
Leste, por exemplo, a Receita Federal só permite uma compra a cada 30 dias –
frequentemente cometem irregularidades ou sonegação fiscal.
Em agosto de 2010, a Polícia Federal, em conjunto com a Receita Federal, fechou o
Shopping Popular por dois dias. Logo cedo, o camelódromo foi cercado por viaturas e agentes
da PF e servidores da Receita Federal.
A operação nomeada Àgora contava com 55 servidores da Receita Federal e 95
Policiais Federais, além disso, previa busca e apreensão de mercadorias em 34 bancas,
incluindo as de comércio de roupas. Quem tivesse o produto apreendido pela operação teria
que apresentar toda a documentação fiscal comprovando a importação das mercadorias
estrangeiras, caso fossem comprovadas as irregularidades as mercadorias não seriam
devolvidas, além de posterior abertura de inquérito na Polícia Federal.
69
III GOSTO SUBALTERNO: APROPRIAÇÃO E TÁTICAS DE
RESISTÊNCIA NA MODA DO SHOPPING POPULAR
70
3.1 Calça da Gang: um estudo de caso
“Calça da Gang toda a mulher qué, uns R$200 pra deixa a bunda em pé, só a galera!
Calça da Gang toda a mulher qué, uns R$200 pra deixa a bunda em pé., só a galera!”. DJ Malboro, Calça da Gang
Às 10h o excesso de pessoas, cores, cheiros e sons performam com o camelódromo. O
aparelho de som central toca músicas conhecidas do repertório popular. O boneco de Papai
Noel rebola acompanhando o som do sertanejo. Risos altos e soltos atravessam. Crianças
choram pelo brinquedo colorido. O cheiro de frituras toma conta do espaço. Os corpos
caminham em direção às mercadorias se misturam com elas. Humanos e não humanos se
misturam num espetáculo repleto de fetichismo visual. Tudo é sinestésico. Tudo comunica.
Os atratores29 saltam. O contexto do camelódromo lembra o da metrópole comunicacional,
sendo entrelaçados a partir de fluxos comunicacionais caracterizados por fetichismo visuais
que possuem atratores. Os corpos (bodyscape30) e o camelódromo (location) estão unidos por
um desejo, o corpo ultrapassa os limites corporais e se liga aos tecidos orgânicos do location.
Objeto e sujeito se entrelaçam. A dimensão orgânica se une à inorgânica. Num movimento
próprio do contemporâneo.
Com o olhar treinado para tentar perceber minúcias no consumo de roupas, me
estranho com uma barraca diferente e nova (na última visita ao campo, em julho de 201031, a
banca não existia), o vestuário está exposto em estantes de vidro que funcionam como vitrine
e em araras, ao invés de metal pintado de verde seu fundo é roxo, além disso, as roupas
vendidas não são falsificações de grandes marcas, mas blusas de cotton, sandálias coloridas e
com brilho, enfeites de cabelo e calças excessivamente enfeitadas com strass (pedrinhas
brilhantes que imitam cristal), justas, de cós baixo e com bastante strech (tecido elástico que
permite a roupa se ajustar melhor no corpo). No quesito calças, o box parece trabalhar
exclusivamente com os tipos de modelo descritos.
29
“Fragmentos simbólicos que atravessam os modos perceptíveis de um olhar que de modo nenhum é ingênuo
ou manipulável, embora condicionado à decodificação”. (CANEVACCI, 2008, p. 15)
30
“Corpo panorâmico que flutua entre os interstícios da metrópole comunicacional”. (CANEVACCI, 2008,
p.30).
31
A nova visita foi realizada no final de novembro de 2010.
71
Figura 21: Box 267
Pesquisadora: “Você só tem calça com strass?”
Vendedora: “Sim”.
Pesquisadora: “Que pena, queria uma sem...”
Vendedora: “Mas moças igual você preferem com brilho, porque chama mais a
atenção na balada, no dia-a-dia. Experimenta, você vai ficar muito bem. Tem mais glamour. E
a gente nunca sabe quando o príncipe pode aparecer, tem que tá sempre arrumada”.
Neste box uma calça de strass custava R$97. Tentando encontrar algum consumidor,
retornei na banca mais uma vez. Encontrei uma moça, na casa dos 20 anos, comprando uma
calça dessas. Intrigada em descobrir a razão de alguém pagar R$97 em uma calça de
camelódromo, preço incomum e elevado, puxei assunto com a moça.
Pesquisadora: “Cara a calça, né...”
Consumidora: “Um pouco. Mas o preço dessas calças é esse mesmo”.
Pesquisadora: “Sério? Mas no centro (de Cuiabá) você não acha mais barata e até
melhor que essa?”
Consumidora: “Mas essa é parecida com a da Gang (calça de marca que popularizou
nos bailes funks do Rio de Janeiro) que é bem mais cara. Conhece? No centro não tem desse
jeito e eu trabalho aqui no Shopping Popular. Fica mais fácil. Dividi essa calça em 3 vezes
sem juros”.
72
Dialogando com Canevacci (2008), a primeira hipótese levantada para o fato estava
relacionada com o próprio perfil performático do consumidor contemporâneo que ao comprar
busca nas marcas e nos produtos o mesmo que procura para o seu corpo, dando organicidade
às mercadorias.
Figura 22: Modelos de calças gang
Uma das grandes diferenças entre a sociedade industrial e a contemporânea é o
consumo que ao invés de fim, se tornou meio. Isto é, se na era industrial o consumo era
apenas a parte final da produção, hoje ele perpassa todas as lógicas sociais.
Não é possível mais separar binariamente sujeito e objeto, mercadoria e corpo,
orgânico e inorgânico. Caminhamos para um consumo performático. O consumo de uma
roupa não é apenas o consumo de um objeto inanimado, mas de um ser que agregado a minha
identidade a mudará. Ao contrário da subjetividade identitária que remete a um suposto
núcleo duro e permanente (o “eu” profundo), o sujeito pós-moderno articula, na subjetividade
constantemente em processo, uma pluralidade de “identificações” porque está imerso em
práticas sociais descontínuas. Talvez não devêssemos nem falar em identidades, já que o
tradicional conceito de identidade mesmo modificado hoje dificilmente se mantém, mas sim
pensarmos em “multiidentidade”, como propõe Canevacci, um “multivíduo” composto de
vários “eus” em um só ser. Assim, o plural de eu não seria “nós”, mas “eu´s”.
E é justamente o fetichismo visual contemporâneo que potencializa essa mistura do
orgânico com o inorgânico. Se o fetichismo pode transformar coisas em seres, a recíproca
também é verdadeira.
Uma posição adquirida pela antropologia é a de que não há nada de natural no
corpo. O corpo não é natural porque, em cada cultura e em cada indivíduo, o corpo é
constantemente preenchido por sinais e símbolos. Não somente não há nada de
natural no corpo, mas também a pele não é o seu limite: e quando a pele transpõe
73
seus limites, o corpo não é apenas corporal. O corpo expandido em edifícios, coisasobjetos-mercadorias, imagens, é aquilo que se entende aqui por fetichismo visual.
(CANEVACCI, 2008, p. 18)
Na sociedade contemporânea, tão visual, a imagem aparece como meio de expor
aquilo que, no interior do inorgânico, do reificado, é capaz de provocar um olhar estupefato.
O fetichismo visual atual tem o poder de transformar o estranho em familiar, a mercadoria em
corpo, sincretizando o vivo e o morto, o orgânico e o inorgânico.
Walter Benjamin (1985) afirma que a moda é considerada o “sex appeal do
inorgânico”. A atração não vem somente do corpo, mas da vestimenta também. Neste
enquadre, a moda surge como potencializadora da transformação do orgânico em inorgânico
através do movimento fetichista. As mulheres com seus vestidos, que o autor observa,
representam a mescla entre a mercadoria e os corpos. Benjamin ainda mostra que o
movimento, que por um lado reifica a sensibilidade humana e por outro concede sensibilidade
aos objetos, é característica própria da modernidade, cada vez mais atravessada pela mistura
de dimensões humanas e não humanas.
A moda prescreve o ritual segundo o qual o fetiche mercadoria pretende ser
venerado. (...) Ela consiste na contra posição ao orgânico. Relaciona o corpo vivo ao
mundo inorgânico. Percebe no ser vivo os direitos do cadáver. Seu nervo vital é o
fetichismo, subjacente ao sex-appeal do inorgânico. (BENJAMIN, 1985, p. 36)
Assim, as mercadorias (no caso, as roupas) passam de meros coadjuvantes para atores
principais da narrativa história. Na sociedade do espetáculo, a calça não basta cumprir sua
função básica de proteção, ela tem que levantar o traseiro, erotizar todo o corpo. O brilho do
strass do logotipo expõe, evidencia, chama atenção para a curva do corpo. O erotismo é
acentuado. Ainda que não possua a logomarca da Gang, o desejo de se fazer ver está na calças
do Shopping Popular, fetichizado não só pela potência da marca, mas também pelos brilhos
presentes na vestimenta. Se observarmos bem o próprio logotipo da marca Gang possui o
formato das nádegas: arredondado e curvilíneo. Um código de acesso de alto valor fetish.
A ideia de um consumo performático fica mais evidente ainda quando se conhece a
dona da barraca roxa: Angela. Ao encontrar Angela pela primeira vez, somente onze meses
após meu primeiro encontro com o novo box, lembro-me de achá-la extremamente parecida
com a cantora pop Kelly Key. Cabelos longos, pintados de loiro e escovados, silicone, barriga
tanquinho exposta num corpete florido e justo, calça jeans de strech e strass, Angela era a
personificação das roupas que vendia. Mais do que isso, Angela era parte constitutiva de sua
74
barraca, o vestuário vendido em seu box era representação de sua própria história e
imaginação.
Assim como sua banca, Angela também destoava do cenário do Shopping Popular.
Não só pela aparência, as demais vendedoras não possuíam os mesmos traços e características
físicas de Angela, como também pelo trato.
A necessidade de retornar a banca roxa surgiu após uma lacuna na pesquisa, decidida a
encontrar as respostas para minhas dúvidas, ou pelo menos questionamentos novos, voltei ao
camelódromo após o período de qualificação, em outubro de 2011. Como usual, mantive a
postura de simples transeunte ávida por consumir. Em todas as barracas, fiz o mesmo teatro
de costume. Na banca roxa tive um novo choque: as calças de strass haviam aumentado para
R$ 110, algumas chegavam ao preço de R$ 250. Depois de fazer umas três perguntas sobre a
qualidade das calças e seu valor, a vendedora, que havia sido muito simpática, resolveu me
apresentar para dona. Igualmente gentil e após responder as perguntas, Angela conseguiu uma
proeza: fazer com que eu me revelasse.
Angela: “Você faz muitas perguntas, hein, trabalha em quê?”
Pesquisadora: “Sou formada em jornalismo”.
Angela: “Que legal!”
Não sei se foi a empolgação nas palavras dela ou a simpatia no primeiro contato, mas
algo me fez sentir tão bem que, pela primeira vez, não tive medo de dizer minhas verdadeiras
intenções. Este feito é mérito dela, minhas experiências anteriores não me levariam à
revelação espontânea e gratuita da minha condição de pesquisadora.
Pesquisadora: “Na verdade, agora, eu estou como estudante da UFMT, faço mestrado
e pesquiso o consumo de moda aqui no Shopping Popular. Acho sua banca muito bacana,
super diferente das demais, inclusive nos produtos. Você poderia me ajudar na pesquisa
respondendo algumas dúvidas?”
Angela: “Claro! Eu gosto de jornalistas!”
Sacoleira há três anos, Angela havia decidido se estabelecer no Shopping Popular após
o casamento por incentivo do marido, que já trabalhava no local há seis anos vendendo
DVD’s falsificados. Com apenas aproximadamente oito meses, Angela explicou que o box era
um sucesso devido aos seus produtos diferenciados: as calças de strass. Questionada como era
o processo de escolha das roupas, Angela contou que segue o fluxo normal da moda
75
(referindo-se às tendências sazonais), mas que, na verdade, compra o vestuário e acessórios
pensando em si mesma.
Nunca gostei das roupas vendidas aqui em Cuiabá, comecei a ser sacoleira
assim: ia pra fora, voltava e minhas amigas perguntavam de onde era tal
coisa, comecei a comercializar o que comprava pra mim. Minha clientela é
fixa e depois que comecei a andar aqui pelo Shopping algumas vendedoras
querem me imitar e acabam comprando aqui também. As roupas
acompanham a estação, agora próximo ao verão estamos com um vestuário
mais moda praia, com bastante tops, mas nossa forte são as calças com strass
e pedraria. Minhas calças parecem uma jóia, não é? (Angela, proprietária do
box 267, em conversa informal, 2011)
Figura 23: Arara apenas com modelos de jeans com pedraria e strass
Talvez por ser “antenada nas coisas”, como ela mesma descreveu-se, e enxergar na
oportunidade uma maneira de divulgação da loja (ressalto que Angela por diversas vezes e em
outras ocasiões me identificou como jornalista e não como pesquisadora), talvez por ainda
não ter vivido o terror de ver a polícia federal invadindo seu local de trabalho ou talvez por
sua própria personalidade, Angela não só falou alegremente comigo, como ainda me entregou
um cartão com seu número de celular e se predispôs a colaborar quando fosse necessário.
Independente das motivações de sua dona, é notório que a barraca roxa é resultado de uma
ação conjunta: Angela juntamente com as calças de pedraria e strass ao mesmo tempo
performam e são performadas produzindo uma diferença no resultado final. Vitrine viva,
76
Angela é “a cara” das roupas que vende. Mais ainda, Angela é modelo de um gosto muito
comum nas classes subalternas: o “piriguete style”.
Figura 24: Angela e o marido em frente a sua banca de roupas
Figura 25: Cartão do box
3.2 “Piriguete” Style
77
Saia rodada, blusa rosinha
Decote enfeitado com monte de purpurina
(...)
Vai na micareta
Vai no pop rock
Festa de axé ela só anda de top
Ela usa brilho, piercing no umbigo
(...)
Foto de espelho na exibição
Ela curte funk quando chega o verão
No inverno essa mina nunca sente frio
Desfila pela night com um short curtinho
(...)
Ela anda sexy, toda guapetona
Ela não é amante, não é prostituta, ela é fiel, ela é substituta
Quando ela me vê
Ela mexe
Piri piri piri piri piri piriguete
MC Papo, Piriguete
Piriguete, com i, adjetivo utilizado para designar o gênero feminino. O termo nasceu
na Bahia e vem de perigosa, os baianos empregam “piriguete” para nomear as mulheres
consideradas ditas “fáceis”, ou seja, mulheres com uma conduta sexual liberal. O termo só se
espalhou pelo Brasil e tornou-se febre após o MC Papo, rapper carioca de 21 anos chamado
Alexandre Materna, ter composto o rap Piriguete. A música foi criada depois que MC Papo
ouviu os amigos de escola utilizarem ininterruptamente o adjetivo, assim que retornaram de
férias de Salvador, e concedeu ao autor seus 15 minutos de fama.
Da família das galinhas, vadias, biscates, piranhas, vagabundas, cachorras e de outros
termos utilizados pejorativamente para classificar mulheres que contrariam os contratos
sociais de uma sociedade patriarcal, o piriguete gerou ávidas discussões, principalmente nos
veículos de comunicação. De acordo com o propagador da gíria, MC Papo, a insatisfação foi
tanta que o rapper foi algumas vezes “atacado por várias feministas loucas”. “Elas mandam email falando que eu sou machista e que a música é um absurdo. Mas estou falando de um tipo
de mulher. Não estou falando que toda mulher é piriguete”. (MC Papo 2010: edição 98)
Enquanto algumas mulheres rechaçavam o termo devido a sua associação com a
vulgaridade ou criticavam o machismo explícito da canção, outras orgulhosamente se
denominavam piriguetes. A “briga” alcançou seu auge quando a cantora de axé Ivete Sangalo
proclamou em um de seus shows que dali em diante ela seria “Piriguete Sangalo”. O episódio
despertou tamanha comoção que a revista feminina TPM lançou uma reportagem e uma
enquete na edição 98, em 5 de maio de 2010. Intitulada “Será que você é piriguete?” a matéria
trazia psicólogos, jornalista e artistas para avaliarem a construção e utilização do termo.
78
As opiniões não podiam ser mais contraditórias, enquanto o filósofo Mario
Sergio Cortella considerava o adjetivo sempre ofensivo, a cantora cult Karina Buhr ponderava
que ser piriguete era “o máximo”.
Hoje piriguete significa uma mulher perigosa ou que está a perigo. O
significado é sempre ofensivo. A não ser quando a expressão é usada pelo homem
que acha que foi ‘alvo’ de uma piriguete. Nesse caso, ele acha bom, pois a
autoestima cresce. (CORTELLA 2010: edição 98)
Piriguete é aquela garota que não tem vergonha de descer até o chão, de
usar roupa sexy e de se divertir na balada com liberdade, sem ligar para o que os
outros estão pensando (...). Se piriguete é uma palavra para designar a mulher que
fica com quem ela quer, então, que bom. O mundo é tão machista que se for por isso
é legal ser chamada de piriguete. (BUHR 2010 : edição 98)
Figura 26: Enquete veiculada pela edição 98 da revista TPM. Note que não há categorização positiva na pesquisa
e que a enquete foi realizada em 2010, ano em que o facebook ainda não estava massificado. O que nos leva a
concluir que, majoritariamente, mulheres das classes subalternas não constam nos dados
O dialeto trazido da Bahia, apropriado agora por todo Brasil, tornou-se estilo: mais do que
independência com o próprio corpo e atitude liberal, ser piriguete exigia uma composição
79
indumentária. “A roupa fala muito sobre pessoa. Eu já nasci piriguete. Uso tudo bem curto,
sempre. Quanto menor a roupa e com mais brilho, mais piriguete a mulher é”, ensinou a
funkeira Priscila Silva na matéria “Musas da Jaula das Gostosudas ensinam como ser
piriguete”.
32
Sua colega de profissão, Alinda Araújo, completou: “Outra dica é já chegar
'causando'. Todo mundo tem que ver de longe quando estamos nos aproximando”.33
Com o sucesso do piriguete style, a funkeira Valesca Popozuda, cantora da Gaiola das
Popozudas e compositora dos hits “Minha Buceta é o Poder” e “Quero te dar”, lançou em
novembro de 2011 uma grife de vestidos voltada exclusivamente para o estilo.
Sobre a coleção, Valesca explicou em entrevista:
Teremos a linha Vaslesca Glam, que é mais festa, com brilho, renda, decote
e transparência e a linha Valesca Pop que será mais para o dia a dia. Aqueles
vestidinhos simples, porém chiques para a mulher passear no shopping, ir ao cinema
e etc.
Amo estampa de onça. Quero todos os tipos de onça na minha coleção,
além de zebra, tigre e muito mais. Também gosto bastante das cores flúor. Minha
coleção vai fugir do básico. (grifo da autora)
Eles não ficam subindo quando a mulher anda e ficam bem ajustados ao
corpo. Além disso, tem bojo para aumentar os seios de quem não tem muito e
segurar daquelas que têm silicone igual a mim. O drapeado dos modelos modela o
corpo e esconde as gordurinhas de quem está fora de forma. (Valesca 2011: site
Ego)34
32
Matéria veiculada no site de notícias de celebridades Ego, no dia 16/10/2011.
Ibid, idem.
34
Matéria veiculada no site de notícias de celebridade Ego, no dia 06/11/2011.
33
80
Figura 27: Musa das piriguetes: a cantora de funk Valesca e um dos vestidos de sua coleção
Apesar do sucesso, as piriguetes e o seu look foram duramente criticados não só pelas
classes hegemônicas como também pelos críticos de Moda brasileiros. No programa
Esquadrão da Moda, exibido semanalmente em horário nobre pelo Sistema Brasileiro de
Televisão (SBT) e um dos poucos programas exclusivamente de Moda da TV aberta
brasileira, os apresentadores – a modelo e consultora Isabella Fiorentino e o stylist Arlindo
Grund – recriminaram duramente uma participante ao analisarem os vestidos que a moça
usava durante o dia a dia, os quais se enquadravam no piriguete style.
Sair de casa com essa combinação terrível de estampas de onça. Desse jeito
não vamos te levar pro hotel, vamos te levar pra jaula (...). E me fala uma
coisa, as pessoas que não te conhecem, veem você vestida assim de
piriguete, elas vão pensar o quê? (... ) Isso é pura cafonice. (GRUND
2010)35
Vale lembrar que o Esquadrão da Moda é livremente inspirado no britânico “What not
wear” e tem como objetivo, de acordo com o site oficial do programa, “ensinar o
telespectador a entender o que vestir e, principalmente, o que ele não deve usar”.
Resumidamente, os estilistas ignoram o gosto e personalidade das participantes – que não
35
Programa apresentado no SBT no dia 26/05/2010.
81
pediram para participar, mas foram indicadas por parentes ou amigos que as consideravam
com gosto para a indumentária imprópria – e impõem às mesmas as tendências da Moda.
A estilista Glória Kalil, ícone mainstream da moda brasileira, também dedicou um
artigo em seu site “Chic, Glória Kalil” para alertar as moças como não se comportarem em
festa de família: “Nada de make carregado e saltos altíssimos, escolha uma roupa que te deixe
linda, sem ser piriguete”. (Kalil 2011)36
Em 2006, a Rede Globo de Televisão apresentou a série televisiva Minha Periferia,
apresentada por Regina Casé, que apresentava os códigos culturais das classes subalternas. No
episódio Morro de São Carlos, Rio de Janeiro a apresentadora passou a mostrar as
singularidades dos adereços dos moradores da periferia, dando destaque às cores e formas,
como os shorts curtos das garotas que deviam “atrapalhar a construção civil” (Regina Casé,
26/08/2006), os cortes de cabelo personalizados, com desenhos de letras, folhas e formas
geométricas, os bigodes e cavanhaques descoloridos, as unhas coloridas com flores. Nas
palavras da entrevistada Shirlene, cabeleireira, na periferia, “[o/a cliente] vai vim fazer unha
tem que sempre sair com uma florzinha, seja velho, criança, qualquer pessoa... (intervenção
de Regina Casé: porque ninguém aqui na favela gosta de nada básico!) Nada básico!”. A
mesma noção “nada básica” utilizada pela cantora de funk Valesca e a cabeleireira Shirlene
também aparece no consumo de roupas no Shopping Popular. As calças, por exemplo, que
não são falsificações de grandes marcas, são “excessivamente” enfeitadas com strass
(pedrinhas brilhantes que imitam cristal), justas, de cós baixo e com bastante strech (tecido
elástico que permite a roupa se ajustar melhor no corpo).
A revelia das instruções dos ditos formadores de opiniões da moda oficial e
hegemônica, o piriguete style (como seus “excessos” nada básicos) se espalhou por todo
Brasil, principalmente entre as consumidoras das classes subalternas alcançando nosso objeto
de estudo: a moda no Shopping Popular. E aqui adentramos na nossa segunda hipótese para
explicar a aquisição no camelódromo de uma calça com um preço, visto que os clientes do
espaço buscam entre outras coisas valores abaixo do comércio formal: o gosto.
Na coluna do jornal Folha de SP, a psicanalista Anna Veronica Mautner, ao analisar o
vestuário das mulheres que utilizam o ônibus como meio de transporte, notou a diferença
entre aquilo que é utilizado no cotidiano pelas mulheres das classes subalternas e aquilo que é
dito pelos meios de comunicação.
36
Artigo divulgado no site chic.ig.com.br no dia 08/04/2011
82
Basta olhar em volta, no metrô ou à espera dele, no ônibus ou à espera dele,
para encontrar mulheres que não se inibem em mostrar os recortes de seu corpo e até
das partes... como as chamaremos? Depois, é só olhar a roupa dos ricos, estampada
nas revistas, na televisão: as supostas formadoras de opinião se vestem diferente.
(MAUTNER, 2008)
Mautner indica algo que já suspeitávamos: as classes subalternas não seguem
“religiosamente” os ditames do vestir-se concebido pelas elites e veiculado pelos discursos
hegemônicos, principalmente os midiáticos; não comungam as mesmas preferências, não
seguem todas as tendências e, o que é mais interessante, parece que os meios oficiais da moda
não se dão conta disso ou se dão ainda insistem no seu poder de colonização de gostos.
O camelódromo, de maneira geral, é um local sem classes sociais bem definidas.
Durante o dia, pessoas das mais diferenciadas classes circulam livremente pelos corredores do
Shopping Popular. Entretanto, essa lógica não permeia o comércio de roupas.
Majoritariamente, o público dos boxes de roupas é composto por consumidores das classes
subalternas, os quais possuem suas próprias singularidades na questão do gosto.
Assim, se a revolta campesina na Índia pós-colonial foi uma forma de resistência aos
padrões dominantes, longe de ser um “mau gosto”, o piriguete style, as preferências dos
consumidores de vestuário do camelódromo também o são. Vale ressaltar que quando falamos
de resistência não estamos tratando do sentido clássico marxista das lutas de classe ou
categorizando a prática do consumo de roupas subalternas como anticapitalista ou précapitalista. Para explicar melhor nossa visão, nos apropriaremos da referência feita por
Mignolo (2003) ao filósofo argentino Enrique Dussel. Para o filósofo, toda totalidade é
composta do “mesmo” e do “outro”. Enquanto “o Mesmo” seria a totalidade em si, “o Outro”
seria tudo que está em seu exterior. Entretanto, Dussel se apropriou de uma sutileza da língua
espanhola, que dispõe de duas maneiras para designar a palavra “outro”, para criar uma
categoria complementar dentro de “o Mesmo”, designada por lo otro. Assim, enquanto lo otro
ainda estaria, para o filósofo, no interior do sistema, el outro estaria no domínio exterior da
totalidade.
(...) a exterioridade é o domínio dos estrangeiros sem teto, desempregados, ilegais,
excluídos da educação, da economia e das leis que regulam o sistema. (...) gênero e
diferenças étnicas e sexuais poderiam ser absorvidos pelo sistema (...). Isso é visível
hoje nos Estados Unidos na medida em que afro-americanos, mulheres, hispânicos e
homossexuais (embora com diferenças sensíveis entre grupos) vão sendo aceitos
dentro do sistema como lo outro, complementando a totalidade controlada pelo o
Mesmo. (Mignolo, 2003, p. 243 e 244)
83
Mignolo (2003) se apropriou do pensamento de Dussel e traduziu el otro e lo otro
como subalternidades exteriores e interiores, respectivamente, sendo que a diferença entre
elas está em termos legais e econômicos. Se podemos pensar o camelódromo como mercado
cinza, conforme Appadurai, também podemos contextualizá-lo no enquadre de Mignolo.
Incorporado pela lógica dominante, o consumo subalterno de roupas no Shopping Popular
permanece na totalidade, sendo lo otro. Brandão (2007), refletindo sobre os circuitos
subalternos de consumo, explicou que essas práticas “por alguma razão, arranham, perturbam
ou até desestabilizam a lógica hegemônica” (Brandão 2007:104). Portanto, o gosto subalterno
presente na prática banal do consumo de roupas resiste porque não é imóvel e submisso às
práticas hegemônicas , mas produz algo novo através da apropriação e recomposição daquilo
que se supôs uma imposição das classes hegemônicas.
Figura 28: Look apresentado em uma das bancas do Shopping Popular
3.3 Gosto se discute
Contrariando o ditado popular, estudiosos de diversas áreas têm há anos discutido e
refletido acerca do gosto. Na Grécia Antiga, Platão já tentava definir o que poderia ser
84
chamado de belo. Na época do Iluminismo, Montesquieu, a pedido de Jean Le Rond, realizou
um “Ensaio sobre o Gosto”. Diderot (1761) e Voltaire (1764) também se questionaram sobre
o que rege o princípio da beleza. Em 1970, Immanuel Kant, em Crítica da Faculdade do
Juízo Estético, define gosto como a faculdade de julgar o belo. Para Kant, o julgamento
estético é determinado através das subjetividades individuais, num sentimento de agrado ou
desagrado. “O gosto é a faculdade de julgar e de apreciar um objecto ou um modo de
representação por intermédio de uma satisfação ou um desagrado, independentemente de
qualquer interesse. Chama-se belo ao objecto de tal satisfação” (KANT 2005: 143)
O belo na visão kantiana seria um objeto de prazer independente de qualquer interesse.
Para Kant, o juízo do gosto é desinteressado e a contemplação estética subjetiva podendo
agradar ou não o sujeito. Kant afirma que apenas o interesse pessoal pelo belo é
desinteressado e livre, o que nos leva a crer que a visão kantiana de juízo estético é uma
questão privada. Entretanto, a lógica de Kant supõe que o juízo estético de algo belo implica
que esse objeto agrade universalmente. Resumidamente, a ideia fundamental do juízo estético
kantiano é de um gosto subjetivo e universal.
Em 1979, Pierre Bourdieu foge da perspectiva do gosto como uma propriedade inata
do sujeito e o apresenta como resultado de um conjunto de condições materiais e simbólicas.
Longe de ser universal, o gosto é adquirido social e culturalmente através de distinções de
classes.
Entre as décadas de 60 e 70, Bourdieu realiza um extenso trabalho quanti-qualitativo
no qual conclui que o gosto e o estilo de vida são determinados, em grande parte, pela
trajetória educativa e experiência vivida dos sujeitos. As disparidades de escolhas são todas
elas distinções de classes frutos de uma relação de força alicerçada na estruturas institucionais
da sociedade capitalista, como a família e a escola. “As diferentes posições no espaço social
correspondem estilos de vida, sistemas de desvios que são a retradução simbólica de
diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência”. (BOURDIEU 2008:240)
Neste sentido, as distinções de gosto acabam tornando-se base do julgamento social,
marcadores de classe que unem ou separam os grupos no espaço social. Bourdieu apresenta o
senso estético como princípio tanto para classificar como para ser classificado. Para o
pensador, o gosto é a prática que carrega a diferença em si permitindo que essa seja traduzida
no bom e no mau gosto numa estratégia de classificação hierárquica da cultura dos segmentos
85
sociais. O mau gosto estaria, obviamente, relacionado às classes subalternas, enquanto o bom
e o belo às dominantes.
Portanto, não há nada que distinga tão rigorosamente as diferentes classes quanto à
disposição objetivamente exigida pelo consumo legítimo das obras legítimas, a
aptidão para adotar um ponto de vista propriamente estético a respeito de objetos já
constituídos esteticamente – portanto, designados para a admiração daqueles que
aprenderam a reconhecer os signos do admirável – e, o que é ainda mais raro, a
capacidade para constituir esteticamente objetos quaisquer ou, até mesmo,
“vulgares” (por terem sido apropriados, esteticamente ou não, pelo “vulgar”) ou
aplicar princípios de uma estética “pura” nas escolhas mais comuns da existência
comum, por exemplo, em matéria de cardápio, vestuário ou decoração da casa.
(Bordieu, 2008, p. 42)
Pierre Bourdieu tem uma concepção relacional e sistêmica do social, enxergando a
estrutura social como um sistema hierarquizado de poder e privilégio, determinado tanto pelas
relações materiais e/ou econômicas como pelas relações simbólicas (status) e/ou culturais
entre os sujeitos.
Longe da visão de classes de Bourdieu, Omar Calabrese em A Idade Neobarroca tenta
identificar traços de existência de um gosto do nosso tempo, ou seja, tendências que sejam
comuns em áreas distintas na contemporaneidade. No início de seu trabalho, Calabrese deixa
claro ao leitor que o livro não consiste em analisar a qualidade dos objetos, pois ela está
ligada a um juízo estético o qual é “quase sempre acompanhado por um juízo ético, ou
passional, ou morfológico”. (Calabrese 1999:35).
Através de uma análise atenta dos fenômenos culturais contemporâneos, Calabrese
tenta entender a lógica do gosto, visto como tendência para o investimento de valores,
presente na nossa sociedade. Adotaremos aqui a perspectiva de Calabrese, pois, mais do que
estabelecer um juízo de valor, queremos mostrar que existe um estilo de pensamento e de vida
que resiste aos padrões e que se apropria apenas do que lhe convém.
Por meio da apropriação de elementos da indumentária hegemônica e tradução para
uma adequação de gostos, a moda do camelódromo, com seu look, introduz uma mudança de
leitura e/ou de uso do próprio objeto dado, no caso o vestuário, resistindo à simples replicação
dos padrões. Para exemplificar a releitura do objeto utilizaremos como exemplo o caso que
aqui nomeiei como “febre nacional das roupas indianas”.
Como já foi mencionado, comecei a pesquisa o Shopping Popular no segundo
semestre de 2008. Na ocasião, meu trabalho in lócus era quantificar as barracas que
comercializam itens de moda (vestuário, acessórias, bolsas e sapatos). Após este primeiro
86
contato só retornei ao campo no início de 2009 e, para minha surpresa, constatei que grande
parte dos vendedores estava, naquele momento, atuando apenas com o comércio de roupas
indianas. Na primeira visita de campo feita ao Shopping Popular (2008), foram quantificadas
cerca de 80 barracas que comercializam produtos de moda. Destas, aproximadamente nove
eram de roupas exclusivamente femininas, sendo que duas delas vendiam roupas femininas do
tipo “indianas” (na verdade, vestidos estampados que poderiam ser considerados parentes do
gênero, mas nada realmente especializado). Em 2009, após início da novela global “Caminho
das Índias”, as barracas de peças femininas eram unanimemente indianas. A conclusão
imperativa para a mudança era a influência da mídia nos padrões de consumo culturais. Com
“Caminho das Índias”, as roupas indianas viraram febre nacional, saindo dos guetos hippies e
tornando-se vestuário obrigatório daqueles considerados “antenados”. O que outrora era visto
como alternativo, foi transformado em padrão.
Crescimento de barracas indianas após a novela "Caminho das
Índias"
Ano
Barracas
2008
Freqüência
2009
(%)
Freqüência
(%)
Femininas
7
78%
0
0%
Femininas Indianas
2
22%
10
100%
Total
9
100%
10
100%
Tabela 3
87
Gráfico 1
Que os meios de comunicação influenciam na moda já era fato constatado para mim e
isso é válido para todas as classes. Dentro do fato, que eu considerava uma obviedade, algo
me chamou a atenção: “as batas da Maya” (protagonista do folhetim) estavam sendo usadas
como vestido. Lembro que na ocasião, uma cliente com um corpo mais avantajado mediu uma
bata M, o resultado de um número inferior ao seu manequim era: seios saltando para fora e
corpo descoberto da coxa para baixo. A vendedora ainda orientava a mulher que utilizasse a
bata com salto, o que tornaria o visual “pronto para qualquer balada”. A mulher levou a batavestido que, aos meus olhos, estava visivelmente apertado. Questionei a dona da banca se era
comum o uso das batas como vestidos, ela informou que sim, pois as mulheres não gostavam
das roupas folgadas.
Em conversa informal, outra vendedora me contou que havia chegado a mesma
constatação quanto a sua clientela não gostar do vestuário largo indiano e permaneceu
comercializando o estilo de roupas femininas que já vendia. “Eu vendo roupa para homens e
para mulheres. Já tem muita gente vendendo roupa da novela, daí, resolvi manter minhas
blusas de time, leggings e tops mesmos porque as mulheres gostam”. (Vendedora, 2009)
Abro um parêntese para narrar algo que na iniciação científica não mencionei, eu
mesma era consumidora de roupas indianas – antes do surgimento da novela – e ao presenciar
aquela cena no camelódromo meus pensamentos não poderiam ter sido mais preconceituosos,
considerava a consumidora que havia comprado “uma-bata-como-vestido-e-ainda-comnumeração-menor-que-a-sua”, no mínimo, “sem noção”. Estava escandalizada. O choque da
transformação no uso do vestuário me fez comentar o acontecimento – e todas as minhas
88
impressões – com uma amiga a qual rebateu minhas informações com a categórica frase:
“estão vulgarizando a roupa indiana”.
- Ufa! Que bom, não sou só eu que penso assim!, pensei, mas não externalizei.
Só um ano mais tarde pude analisar com certo distanciamento a situação e o meu
próprio desconforto.
3.4 O vestuário como significado
“Estão vulgarizando a roupa indiana”(Informante, 2009)
De acordo com Barthes (2009) a moda é absolutamente um sistema de signos,
composto por “um sistema propriamente lingüístico, que é a língua, e um sistema
indumentário” (BARTHES 2009:55), sendo que ambos não estão separados, mas aparecem
assumidos um no outro. Uma das principais formas de significante retórico na moda é a
composição, o modo de “se fazer” a Moda: objeto de grande investimento, o vestuário possui
uma inata disposição poética e é através de sua descrição que ela toma corpo de conotação
retórica.
O significado retórico da descrição da composição da indumentária, mais do que
compor uma ideia individual, compõe uma visão coletiva de modelos sociais. Assim, quando
minha amiga escolheu o termo “vulgarizando” ela não apenas descreveu o fenômeno, mas
também revelou o lugar dela no mundo. Caso reordenássemos a frase, ela ficaria: Estão
tornando a roupa indiana vulgar.
Vul.gar adj. 1. Relativo a ou próprio do vulgo. 2. Ordinário; reles; baixo. 3. Sabido
de todos; comum; trivial. 4. Diz se da língua corrente do povo. S.m. 5. Coisa vulgar.
(LUFT 1999:680)
Impregnada de conotações, a descrição do objeto imaginário37 trouxe a luz, através da
linguagem, a comutação do objeto. Embora os traços indumentários (formas, matérias, cores e
37
Quando afirmo objeto imaginário é devido a utilização do adjetivo vulgar, repleto de juízos valorativos por
trás. Caso fosse descrever o objeto real seria algo como: bata – marrom com detalhes pretos e vermelhos, fendas
nas laterais, mangas ¾, decote em V coberto com paetês pretos e tecido de viscose, descrição explícita do objeto.
89
etc.) sejam os mesmos, as diferentes formas de uso do vestuário introduziram uma nova
significação de mundo. De um lado temos a bata indiana “alternativa”, de outra temos a bata
indiana “vulgar”. O que as difere não é o objeto, mas a leitura e a utilização que é feita pelo
indivíduo no cotidiano. Por não ser passivo, mas produtivo, o consumo de roupas no
camelódromo produz uma interpretação que muda a própria natureza do objeto no ato do
consumo.
Certeau (2009) chama de táticas os procedimentos circunscritos em um “lugar
próprio”, o qual é controlado por estratégias e fundado sobre um desejo e um conjunto
desnivelado de relações de poder, que organizam um novo espaço: o “lugar praticado” – onde
há a fuga das estratégias que tentam controlar o espaço social.
As táticas são vistas como enunciados que falam das diferentes recepções feitas pelo
leitor/consumidor/público. Subjugada pelas classes hegemônicas, a moda nas classes
subalternas, representada aqui pela Moda do camelódromo, pode ser pensada como uma tática
para fugir do controle e julgamento estético social.
Entretanto, afirmar que há um movimento de apropriação no cotidiano da moda
oficial, pelas classes subalternas, e conseqüente fissura da ordem através da criação de um
novo lugar não é dizer que esta tática subalterna – de tradução – está fora do sistema que a
constitui, pois ela ainda está presa à estrutura que a cerca. “Há uma tensão entre o que é
admitido pelo poder social que a organiza e o ato de utilizá-la” (CERTEAU 2009: 24)
Quando a moça “acima do peso definido como ideal” utiliza uma bata como vestido,
ela realiza um duplo movimento: de adequação e readequação. Se por um lado ela se adepta à
tendência proposta pela moda midiática (e, portanto, hegemônica), por outro ela traduz e
reinventa essa mesma moda para algo que condiz com seu gosto. Assim, o sentido dado pelo
sujeito é tanto estruturado – pois está circunscrito a uma estrutura – quanto estruturante, pois
dentro daquela estrutura ele promove uma fissura ao readequar os códigos. Retomando a ideia
de Dussel, poderíamos afirmar que os movimentos táticos estão dentro do Mesmo ou de
“lugares próprios” funcionado como Lo Outro do sistema. Retomando a ideia principal, a
moda praticada no camelódromo se configura mais como uma prática de resistência e menos
como uma prática de subordinação.
Abaixo, a “vitrine” do Shopping Popular e de uma loja de grande marca do Shopping
Center. Ambas as fotos foram tiradas no mesmo dia e embora possuam elementos da
indumentária parecidos – com traços de mesma tendência – são claras as diferenças na
90
composição. Nas duas há combinação de legging e blusões ou vestidos, mas cada uma com
suas particularidades poéticas.
91
Figura 29: Look apresentado no Shopping Popular.
92
Figura 30: Look apresentando no Shopping Center.
Outro exemplo de como a recepção do objeto cultural – vestuário – é recebido de
maneira fractada gerando novos significados e valores é relativo ao próprio processo de
escolha das roupas que serão comercializadas pelos camelôs. Na primeira entrevista semiestruturada que tentei realizar, em junho de 2010, a vendedora e dona da banca afirmou
categoricamente que se inspirava nos visuais apresentados nas telenovelas para a escolha do
que vender, mas, curiosamente também afirmou que não assistia televisão porque sua religião
não permitia – ela era evangélica. A contradição foi protagonista da entrevista que não durou
mais do que 10 minutos. Na ocasião, a tendência era a Moda colorida – inspirada nos
integrantes da banda adolescente Restart que utilizavam calças de cores vibrantes, típicas dos
anos 80. A vendedora, então, apontou para calça amarela ovo que havia comprado e o look
93
criado combinando com a calça com uma mini blusa listrada, também colorida, que deixava a
barriga à mostra.
Em sua coluna “Moda Urbana” a consultora de moda Natália Sauer deu dicas aos
jovens e adolescentes de como ter o “verdadeiro visual da banda Restart” e ilustrou os
conselhos com fotos de adolescentes que estariam compondo o look colorido de maneira
correta. Nenhum deles deixava a barriga de fora, é claro. Mais uma vez, os elementos da
indumentária seguiam uma mesma tendência, mas adquiriam uma nova leitura de acordo com
sua utilização no cotidiano. A moda praticada no camelódromo e a moda midiática (e
hegemônica) se chocam novamente.
Figura 31: Adolescentes vestidos de acordo com a Moda colorida
94
Figura 32: Look à esquerda, da banca do Shopping Popular, inspirado nos integrantes da banda Restart
Através dos dados e exemplos expostos aqui e dialogando com Calabrese (2009)
podemos afirmar que se existem traços efetivos do que seria um “gosto subalterno”, ele pode
ser descrito como o neobarroco de que fala Calabrese.
95
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como um fenômeno produzido e capitaneado pelas elites sociais do mundo, difundido
pelos meios de comunicação, mas que atravessa as classes sociais, a moda, no Ocidente,
constrói, em larga medida, a sociedade e a cultura, assim como é construída por ambas. Sendo
um dos maiores símbolos da sociedade de consumo, o estudo deste sistema nos permitiu
compreender que a moda, ao mesmo tempo em que está sujeita a influências externas, como a
da mídia, também é agente influenciadora. Como parte do sistema da sociedade, a moda
interage com a mesma, ora seguindo o fluxo elite fashion → classes subalternas (ruas), ora
originando contra-fluxos: classes subalternas (ruas) → elite fashion. E são nestes contrafluxos que novos padrões sociais de consumo cultural podem acontecer.
Barthes38 defende que "se vestir é um ato de significação e, portanto, um ato
profundamente social instalado no coração mesmo da dialética das sociedades". Mais do que
um ato embutido de significados, a vestimenta com seu conjunto de adornos torna-se, como
mostrado no trabalho, costume, elemento de integração social, gera pertencimentos e
estabelece relações de identidade.
A moda das passarelas, da mídia ou propaganda é semi-coletiva, pois nem todos os
indivíduos da sociedade, seus reais usuários, podem expor seus gostos e opiniões neste
instante. É no momento em que atinge as ruas e entra nos guarda-roupas, que a moda adquire
o aspecto de “fala” – a moda vernacular − , pois comunica sobre seu usuário, e se consuma no
traje. O gosto individual passa então a prevalecer e cada um utiliza aquilo que atende às suas
necessidades.
Para além da indumentária, o sistema da moda expressa e representa as relações
sociais entre indivíduos, culturas, políticas. Desta forma, a composição da roupa passa a
representar hierarquias, relações de poder, status, posições assumidas e partilhadas nos
territórios reais, virtuais e imaginários. Diferentemente das sociedades tradicionais, em que o
coletivo sobressai ao individual e as relações sociais acontecem dentro de estruturas mais
lineares, fixas e homogêneas, nas sociedades contemporâneas, o indivíduo é mais importante
que a sociedade (o todo). Uma marca da individualização, da personalização, da demarcação
de territórios e limites é a diferenciação representada pelo código de signos representados pela
38
Apud Renata Pitombo, 2007.
96
composição idas vestimentas. O sujeito se desprende da massa e, ao mesmo tempo, a integra
pela representação que faz de si através da forma de vestir-se, de comunicar valores sociais ou
aspectos subjetivos que deseja expressar para o Outro.
Contextualizada na esfera de produção e consumo de bens simbólicos na atual
sociedade, a forma moda “tira” a função das vestimentas de proteção do corpo em relação a
agentes externos e a converte em forma de expressão, comunicação e, principalmente,
integração, tornando o ato de consumo de moda uma prática cultural.
Dentro da esfera do Shopping Popular de Cuiabá, o consumo de roupas no
camelódromo mais do que um ato repleto de imposição hegemônica é uma força de
resistência, de subversão à ordem. Uma resistência que não foge às referências do sistema no
qual se insere, mas o “arranha”, “perturba” através da apropriação daquilo que lhe é
oficialmente oferecido. As classes subalternas “assimilam”, no caso da pesquisa, a moda
oficial e a modifica de acordo com seu gosto próprio. É através dessa diferenciação realizada
no cotidiano, mantida nos procedimentos de consumo, que as classes subalternas criam um
novo lugar.
Dialogando com Certeau (2009: 40), os consumidores subalternos realizam em uma
espécie de bricolagem “com e na economia cultural dominante, usando inúmeras e
infinitésimas metamorfoses da lei, segundo seus interesses próprios e suas próprias regras”. É
neste patchwork do cotidiano que as táticas do consumo subalterno fissuram o julgamento
estético social dominante, tornando possível pensarmos até mesmo em uma moda do
camelódromo.
Finalmente, ainda que experimental, acredito que este estudo tenha sido capaz de
apresentar dados científicos pertinentes sobre o consumo de roupa nas classes subalternas e
sobre a própria moda, contribuindo para mais diversas disciplinas, como propõe o Programa
de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato
Grosso. Além disso, creio também que este trabalho poderá colaborar para futuras pesquisas
etnográficas em contextos urbanos “glocais”, já que, como em muitos espaços da sociedade
contemporânea, fazer etnografia no camelódromo, um objeto tão ambíguo, requer avaliar
permanentemente a identidade do etnógrafo, os próprios métodos antropológicos e fugir de
uma realidade objetiva e exata para buscarmos uma interpretação. Ao invés de tentar escrever
sobre o universo do Outro, trabalhar com o Outro, numa fusão de perspectivas. No caso do
Shopping Popular, trabalhar com o Outro é trabalhar com as múltiplas realidades do objeto, os
97
consumidores, os vendedores, a polícia federal, a receita federal, pois todos eles produzem
uma diferença no resultado final.
Encerro assim, acreditando que muitas outras práticas poderiam ser investigadas
dentro do universo do camelódromo e que para cada uma delas há uma versão da realidade,
dependendo da perspectiva, pois como disseram Law e Mol (2001:88), “la realidade de una
entidad nunca se agota”.
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