Família: amor, comunhão, reconciliação

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Família: amor, comunhão, reconciliação
FAMÍLIA
Família: amor, comunhão, reconciliação
No início do Ano Jubilar da Misericórdia, o papa Francisco recomenda que
esta Quaresma se torne um «tempo forte para celebrar e experimentar a
misericórdia de Deus» (MV 17). Também as famílias terão tudo a ganhar,
se aprenderem a testemunhar a misericórdia, através da prática de
valores fundamentais como a comunhão, o perdão e a reconciliação.
Vítor Arantes
Apesar das crises, persistência da família
Ninguém ignora as crises da família atual, abanada pelos ventos da pós-modernidade e
marcada por um individualismo feroz, que desnatura os laços familiares e transforma
cada membro da família numa «ilha». Apesar disso, a Igreja não deixa de valorizar a família como autêntica «escola de humanidade» (GS 52) e proclamar a beleza do matrimónio indissolúvel e fiel para sempre. De facto, na família-comunhão são assegurados valores fundamentais da sociedade, que universidade alguma consegue transmitir.
Inquérito do jornal “Público” de 05.03.2011 realçava a família como último «recurso» para
filhos e familiares em dificuldade – como que o «hospital mais próximo», a «escola mais
qualificada», o «asilo mais seguro», segundo expressão feliz do papa Francisco.
Na base da família está o amor
A família, comunidade de vida e de amor, significa, para a sociedade e para o mundo, um
«bem social», verdadeiro “património da humanidade”, porque, no cálido seio da família,
as pessoas sentem-se reconhecidas, acolhidas e respeitadas na sua dignidade única e
irrepetível.
Na base da família está o amor, verdadeira barreira à barbárie e a todas as formas de
reducionismo presentes na cultura pós-moderna.
A Família, “Boa-Nova” de comunhão
«É o Espírito Santo quem constrói a comunhão e a harmonia do povo de Deus» (EG 117). É
também o Espírito Santo, que manifesta a «beleza» da comunhão familiar, vivida na fé e
santificada por um sacramento. Homem e mulher precisam de reconhecer, na novidade e
beleza da vocação matrimonial, uma dádiva de Deus, que os convida a «serem os dois
uma só carne», a «terem um só coração e uma só alma», a serem fecundos e a serem
dois em comunhão à imagem e semelhança de Deus. Através do matrimónio indissolúvel,
símbolo da Aliança de Deus com a humanidade, Deus habilita o casal a testemunhar uma
vida em comunhão.
Na origem da comunhão familiar está Deus
Fundada no amor mútuo e exclusivo, santificado pelo sacramento, a família afirma-se como «ícone do relacionamento de Deus com os homens, em que o próprio modo de Deus
amar é a medida do amor humano» (Bento XVI, DCE 11).
Segue-se daí que, no quadro da vida familiar, «cada um, segundo o dom que lhe é peculiar, possui a graça e responsabilidade de construir, dia após dia, a comunhão de pessoas»
(FC 21).
Face à sociedade dividida, o testemunho de comunhão familiar faz da família um laboratório de humanização e de verdadeira solidariedade e «escola do humanismo mais completo e mais rico» (GS 52).
A comunhão conjugal pode ser assim considerada sob diversos ângulos: como
a) Comunhão com Deus. Ao considerá-la uma «igreja doméstica» (LG 11), a Igreja
reconhece que a comunhão com Deus deverá constituir a preocupação primária da família, a partir do exercício do «sacerdócio dos pais», que eleva o lar a «templo» e define a
família como comunidade orante. No íntimo da comunhão com Deus, o casal reconhece o
amor mútuo como dádiva e, por isso, motivo de ação de graças.
b) Comunhão entre os esposos. Iluminados pela fé, os casais aprofundam o amor mútuo, que encontra em Cristo origem, modelo, garante e apelo a fazer da caminhada a dois
uma vocação à santidade. Através do amor recíproco e da entrega mútua, os casais comprometem-se a viver enlaçados para sempre num projeto, que tem como paradigma o
amor de Cristo à Igreja.
Consciente de que este amor mútuo é ameaçado por egoísmo, tensões e conflitos, os
casais precisam de renovar, dia a dia, o esforço pela «experiência alegre da reconciliação» (FC 21).
c) Comunhão com os filhos. Concorre, e não pouco, para a comunhão familiar o «intercâmbio educativo entre pais e filhos» (FC 21). Em virtude do «sacerdócio familiar», compete aos pais «um «ministério de serviço», ordenado ao bem humano e cristão dos filhos» (FC 21).
Esta deverá ser a sua tarefa primeira e fundamental.
d) Comunhão com os de fora. A comunhão familiar não se esgota no círculo familiar;
alarga-se aos horizontes mais amplos da Igreja e do mundo. Em 2004, a Conferência
episcopal Portuguesa recordava que manter e aperfeiçoar a «comunhão familiar» exige de
cada membro da família, «generosidade, disponibilidade para partilhar, compreensão,
tolerância, perdão, contínua abertura à reconciliação e fidelidade às pessoas» (Carta Pastoral A Família, Esperança da Igreja e do Mundo, 9).
Neste ano jubilar» da misericórdia, faz todo o sentido estimular os casais crentes para a
atenção apostólica a outros casais em dificuldade. Tendo em conta as roturas, divisões e
separações em tantas famílias, não se pode ficar de braços cruzados.
Concluo, citando um comentário do papa Francisco: «Sobre a porta da entrada da vida da
família estão escritas estas três palavras: Com licença, Obrigado e Desculpa» (Relatório
do Sínodo 2015, 87). Belo conselho para assegurar a comunhão na família.