Discurso Socioambiental da Vale no MA

Transcrição

Discurso Socioambiental da Vale no MA
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1 APRESENTAÇÃO
Este trabalho monográfico integra os objetivos do projeto de pesquisa ―Projetos de
Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão‖, realizado no âmbito do Grupo
de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), que tem como
coordenadores os Professores Horácio Antunes de Sant‘Ana Júnior, Elio de Jesus Pantoja
Alves, Madian de Jesus Frazão Pereira e Bartolomeu Rodrigues Mendonça.
Tendo como sustentáculo o projeto supracitado, o trabalho aqui apresentado é
resultado de análises acerca das diversas estratégias discursivas e práticas que a Companhia
Vale do Rio Doce1 tem investido buscando consolidar sua imagem de responsável
socialmente e sustentável ambientalmente. Não obstante, grupos sociais são atingidos pelos
discursos da Vale (povos indígenas, quilombolas, camponeses, trabalhadores), cujas práticas
agressivas deflagraram rápidos processos de apropriação de territórios e culturas, levando a
reelaborar identidades, qualificando-as como subdesenvolvidas, e fazendo, portanto, com que
seus significantes e significados, suas cosmologias sejam inferiorizadas e ditas atrasadas. Esse
discurso tem sido naturalizado via conhecimento científico, por mecanismos de internalização
como o marketing ambiental e empresarial da Companhia, cujo ancoradouro são os ideais de
modernidade e progresso.
A articulação entre mineração e siderurgia tem imposto aos referidos grupos sociais
deslocamentos, realocações, desestruturação do modo de vida, supressão da diversidade
biológica e social. Lembro que o alcance deste trabalho monográfico ―restringe-se‖ à Vale e
que, a partir dela, argumentamos que suas investidas modernas, desenvolvimentistas e
progressistas têm produzido uma verdadeira cadeia produtiva de conflitos ambientais, na
medida em que as estratégias relacionais e discursivas tanto da Vale, quanto dos atingidos,
opõe-se contundentemente, em especial na Amazônia Maranhense.
Com o fito de obter êxito em tal empreitada, e atendendo a critérios
estéticos/metodológicos de organização do trabalho, dividi a monografia em três eixos
temáticos: 1) Crise ambiental e as sevícias do capital; 2) Territorialização da Vale ao longo da
história; e 3) a discussão dos documentos oficiais da empresa. Os três eixos temáticos são
compostos de sete capítulos, no qual faço, em cada um, diversas discussões de ordem teórica
e contraposições com casos concretos de injustiça ambiental, o que me permitiu conectar as
formações discursivas da Vale com os conflitos ambientais aqui compendiados.
1
Desde 2007, utiliza o nome fantasia Vale.
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No primeiro eixo temático, de forma sintética, analiso o cenário do surgimento da
crise ambiental, pois, é nesse que a reprodução das relações capitalistas encontram limites
ecológicos bem postos para o seu projeto de crescimento infinito. A meu ver, a crise
ambiental é, na verdade, uma crise da civilização burguesa/ocidental que construiu uma ideia
de Natureza antagônica à Sociedade. Se antes, boa parte do mundo ocidental achava que a
raça humana desapareceria por conta de Deus e seu regresso para o ―Juízo Final‖, a partir da
década de 1960, a raça humana, em especial as sociedades ocidentais/ocidentalizadas ―viram‖
em si próprias o inimigo. É claro não faço aqui uma ecologia burguesa que aponta o Homem
como destruidor da Natureza: para mim o homem que destrói a natureza e que se vê inimigo
dela é o homem moderno/desenvolvido, um projeto de homem semeado por Bacon, lapidado
por Descartes, conduzido através das luzes para o abismo. Enfim, este eixo temático é
fundamental para compreender os seguintes.
No segundo eixo promovo a recuperação histórica e territorial da Companhia Vale do
Rio Doce: desde a fundação da Estrada de Ferro Vitória-Minas, passando pela criação da
estatal no Governo de Getúlio Vargas, bem como sua transição para o regime de privatização
que culminou numa política econômica extremamente agressiva, principalmente a partir da
escolha do Diretor-Presidente Roger Agnelli, hoje ex-presidente.
Por fim, no terceiro eixo, trago para a discussão reflexões de minha análise sobre os
Relatórios de Sustentabilidade, a Política de Desenvolvimento Sustentável e o Desempenho
da Vale, todos documentos oficiais da Companhia. Nesses documentos, pude constatar que a
Vale deseja a internalização do seu discurso como uma verdade objetiva, sem espaço para
questionamentos ou subjetividades. Paralelamente a isso, busco sempre arrostar com aquilo
que é alegado pela Companhia com exemplos de injustiça ambiental. Também analiso a luz
dos conceitos de campo, habitus e governamentalidade, o discurso e as práticas espaciais da
Vale e suas ações, reações e relações com os agentes sociais envolvidos (Estado, setor
privado, sociedade civil). O conceito de habitus foi fundamental para me ajudar a entender
como as estruturas dos discursos e das práticas se forjam, conduzem representações do espaço
e inserem-se em diversos campos (político, econômico, simbólico, material, epistêmico,
cultural) se intra-articulando e inter-articulando de maneira heterogênea numa verdadeira
disputa pelo poder.
Enfim, todas as análises e críticas aqui promovidas foram construídas e alicerçadas na
base teórica das ciências humanas, de maneira geral, com destaque epistêmico para Filosofia,
mas procurando a todo instante como cada agente social deixa as suas marcas no espaço, ou
seja, como fazem Geografia.
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2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: Trabalhadores Explorados, Famílias Despejadas,
Natureza Destruída... Isso Vale?
Desde 1930, o Estado brasileiro vem assumindo a missão nada fácil de encarregar-se
do desenvolvimento de certos aspectos relativos ao crescimento econômico do país. As obras
necessárias para tanto eram altamente custosas e englobavam desde a infraestrutura necessária
à industrialização até as indústrias pesadas, ou de base, como é o caso da siderurgia.
O desenvolvimento industrial de grande porte que o Brasil começou a experimentar
nas décadas de 1930 a 1950 intensificou-se na década de 1970, em pleno Regime Militar,
precisamente no governo do general Garrastazu Médici, quando se vivia o ―milagre
econômico‖2. O Estado brasileiro interferia maciçamente na economia nacional, pois os
governos militares estavam determinados a transformar o Brasil num país desenvolvido e
numa ―potência emergente‖. O milagre econômico possibilitou pesados investimentos em
ferrovias, portos, rodovias, hidrelétricas, telecomunicações, indústria de transformação e
mineração.
No setor de mineração, destaca-se a, então, Companhia Vale do Rio Doce-CVRD,
criada no governo de Getúlio Vargas, em decorrência dos Acordos de Washington3,
precisamente no dia 1º de junho de 1942, através do decreto-lei nº 4.352. Essa companhia foi,
durante 55 (cinqüenta e cinco) anos, controlada pelo Estado brasileiro, todavia, no governo de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), foi privatizada, uma vez que o então presidente
lançou mão de uma política econômica em que se inseriam as reformas constitucionais que
visavam à atração do capital estrangeiro para o Brasil.
A Vale é uma das maiores transnacionais e uma das maiores mineradoras do mundo.
Seu grupo empresarial é composto por pelo menos 27 empresas coligadas, controladas ou
2
A rigor, a intensa e generalizada internacionalização do capital ocorreu no âmbito da intensa e generalizada
internacionalização do processo produtivo. Os ―milagres econômicos‖ que se sucedem ao longo da Guerra Fria e
depois dela são também momentos mais ou menos notáveis dessa internacionalização (IANNI, 2007, p. 62).
3
―A empresa surgiu de um acordo assinado em Washington entre Estados Unidos, Inglaterra e Brasil, em plena
Segunda Guerra Mundial. Estados Unidos e Inglaterra, dedicados ao esforço de guerra contra Hitler,
necessitavam que o Brasil fornecesse minério de ferro para sua indústria de armamentos. Daí surge a proposta de
construção da CVRD. Os Estados Unidos entrariam com um empréstimo e com a tecnologia para montar tanto a
mineradora quanto a siderúrgica, CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). A Inglaterra não se oporia a
encampação das empresas, pagando-se uma indenização, e o governo de Getúlio entraria com a matéria-prima,
os trabalhadores e toda a infra-estrutura para o negócio‖ (GODEIRO et al. 2007, pp.10-11). Mais uma vez
tomamos ciência de até onde podem ir as sevícias do capital: do minério de ferro do nosso país saía a matériaprima que se transformaria em armamentos contra os nazistas. A construção da Vale já é ―agressiva‖. Repare-se
também na colonialidade do negócio: os EUA fazem empréstimos e a tecnologia; A Inglaterra indenizada; e o
Brasil entra com os trabalhadores, a infraestrutura e a matéria-prima. Um legítimo comércio colonial com as
metrópoles.
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joint-ventures distribuídas em mais de 30 países, dentre eles Brasil, Angola, Austrália,
Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Indonésia, Moçambique, Nova Caledônia e Peru, nos
quais desenvolve atividades de prospecção e pesquisa mineral, mineração, operações
industriais e logística.
Os segmentos de atuação da Vale são: minerais ferrosos; alumínio e sua cadeia
produtiva (bauxita, alumina e alumínio primário); minerais não ferrosos (minério de cobre,
cloreto de potássio, caulim); siderurgia; e carvão. A empresa investe também no setor
logístico, infraestrutura portuária e transporte ferroviário. Entre os clientes da Vale,
encontram-se os maiores grupos de siderurgia mundial: as italianas Ilva e Lucchini (grupo
russo Severstal); Corus (grupo indiano Tata); ArcelorMittal (França e Holanda); Taiwan
China Steel Corporation; Baosteel (maior grupo de siderurgia chinês); ThyssenKrupp
(Alemanha), Nisshin Steel, Sumitomo, Kobe Steel, JFE Steel, Nippon Steel (Japão); POSCO
(Coréia); Erdemir (Turquia).
Os minerais ferrosos respondem por 61,6% de sua receita, seguidos de níquel (13,6%),
alumina (5%), cobre (4,7%), serviços de logística (4,6%) e alumínio (3,6%).
Desde sua privatização a empresa teve lucros de US$ 49,2 bilhões, sendo que US$
13,4 bilhões foram distribuídos a seus acionistas. Nos últimos 10 anos, a Vale foi a quarta
empresa mais rentável entre as grandes companhias (Boston Consulting Group).
A Vale qualifica-se como uma empresa que transforma recursos minerais em
utensílios necessários para o cotidiano das pessoas. Reflexo da internacionalização do capital,
ela é uma empresa multinacional sediada no Brasil que conta com mais de 100 mil
empregados, entre terceirizados e próprios. No seu discurso, a referida empresa qualifica-se
também como sendo socioambientalmente responsável, considerando-se corresponsável no
desenvolvimento dos empregados e na sustentabilidade do ambiente, sempre levando em
consideração as comunidades em que atua.
Essa breve descrição da Companhia Vale do Rio Doce – CVRD – permite ter uma
noção sintética da grandeza da Vale, bem como, torna apto extrair informações basilares que
servirão de questionamento: 1) é possível pensar em ―desenvolvimento sustentável‖ no seio
de uma empresa cuja atividade é extremamente agressiva ao ambiente? 2) Será que a Vale
preza pela responsabilidade socioambiental ou trata-se apenas de mais uma tática de
marketing de sua Política Ambiental? 3) A apropriação do discurso moderno de
responsabilidade socioambiental e, por conseguinte, desenvolvimento sustentável, são apenas
mecanismos que visam legitimação ou são perfeitamente conexos com a realidade?
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A partir dessas três perguntas pode-se analisar de forma crítica4 e radical5 a temática
da Política Ambiental contemporânea, notadamente, enfocando a referida empresa através de
aspectos teóricos, mas também práticos e pontuais, que permitem averiguar a veracidade dos
discursos, uma vez que os fatos não existem por si só e, destarte, devem ser questionados.
Esta obra tem como intuito investigar o discurso de responsabilidade socioambiental
empregado pela Vale no período pós-privatização (1997-2010), principalmente em sua
atuação no município de São Luís – MA. Para tanto, a monografia foi dividida em 8 (oito)
seções. Na primeira parte, contextualiza-se historicamente a crise ambiental tendo como
referencial as conferências promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Partindo
para analisar o desenvolvimento da companhia de estatal a privada, a territorialização da Vale
na tessitura histórica é abordada na segunda seção. Os Relatórios de Sustentabilidade de
2007 e 2008 - documentos oficiais disponíveis no sítio da empresa, www.vale.com - são
analisados na terceira e quarta parte respectivamente. Através do documento oficial
Desempenho da Vale em 2009, apresentado durante a Assembleia Ordinária de Acionistas
ocorrida no Rio de Janeiro (RJ), sede mundial da Vale, no dia 27 de abril de 2010, a quinta
seção, objetiva avaliar a performance econômica da Vale no ano de 2009, contrapondo com
casos concretos de injustiça socioambiental. Partindo da categoria governamentalidade, do
filósofo Michel Foucault, a sexta parte propõe enfatizar os reflexos da ―governamentalidade
valiana‖ no campo socioambiental no ano de 2010. Procurando identificar como a Vale se
posiciona diante da questão socioambiental e analisando de maneira crítica o discurso, a
sétima seção tem como desígnio avaliar a Política de Desenvolvimento Sustentável
(documento oficial também disponível no sítio eletrônico da empresa). Finalmente a oitava
seção propõe investigar os elementos do campo discursivo pari passu a formação de um
habitus ecológico da empresa, por meio da apropriação do discurso contemporâneo de
desenvolvimento sustentável, da responsabilidade social empresarial e o marketing ambiental,
para obter legitimidade social, jurídica, política e pública de uma empresa que se apresenta
como comprometida com o ambiente.
4
De acordo com Japiassu e Marcondes (1990) apud Spósito (2004, p. 66) ―a palavra vem do grego kritiké, que
significa a ‗arte de julgar‘‖.
5
Segundo Japiassu e Marcondes (1990, p. 209) apud Spósito (2004, p. 65) o termo é proveniente do latim tardio
radicalis, e ―diz respeito à raiz das coisas, à sua natureza mais profunda, sem admitir restrição ou limite‖.
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3 METODOLOGIA
Na construção da monografia, a metodologia ocupa um lugar de destaque uma vez que
o método, de certa forma, é quem vai mediar a relação entre o que quer conhecer e aquilo que
vai ser reconhecido. Por isso, o método escolhido para servir de ―caminho‖ foi o dialético,
pois ele permite uma maior interação com o objeto estudado, escapa do objetivismo
positivista, da rigidez matemática, permitindo que entendamos o problema problematizando-o
e, assim, criando hipóteses e enfrentando os problemas.
O método dialético tem como base o movimento e a mudança (POLITZER, 1986). A
realidade é mutável, a história não é estática. Até mesmo o mundo, hoje, tal qual como o
conhecemos e concebemos está destinado a desaparecer, pois nenhuma sociedade é imóvel,
tudo é transformado porque ―o que vemos por toda a parte, na natureza, na história, no
pensamento, é a mudança e o movimento. É por esta constatação que começa a dialética‖
(POLITZER, 1986, p. 119). Dessa forma, a dialética nos permitirá encontrar diferenças de
pensamento, perspectivas, teorias e análises, assim como uma necessidade de investigar o
discurso de responsabilidade socioambiental que a Vale emprega, com ênfase no município de
São Luís, no período pós-privatização (1997-2010). As concepções presentes neste trabalho
são frutos da noção de realidade espaço-temporal vigente na contemporaneidade: uma
―geografia das frases-feitas‖, onde se discursa demasiadamente, mas as práticas produtivas
concretas são extremamente dissonantes do discurso proferido.
A concretização da monografia somente foi possível, também, primeiramente porque o
―caminho‖ traçado permitiu a todo instante sermos incomodados pelo objeto de pesquisa:
situações novas surgiam, atores sociais remodelavam seus hábitos, o cenário econômico
mundial favorecia as mudanças e os movimentos. Além disso, a escolha dos procedimentos
permitiram o aprofundamento do conteúdo; identificar erros e acertos, suscitou mais
questionamentos, nem todavia, com mais respostas.
Sendo assim, podem-se avaliar as ações e atividades desenvolvidas pela empresa no
que tange às políticas de responsabilidade ambiental e social. Para tanto, se utilizará como
base o modelo cronológico disponível no site da empresa, www.vale.com, que atesta apenas
os fatos ―politicamente benéficos‖ ou que não ―mancham‖ a imagem da referida empresa.
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3.1 Procedimentos Metodológicos
Para a realização do presente trabalho lançamos mão de alguns procedimentos
metodológicos, a saber:

Levantamento e análise de material bibliográfico;

Revisão
bibliográfica
enfocando
temas
como
responsabilidade
ambiental,
desenvolvimento, modernidade, responsabilidade social, desenvolvimento sustentável,
política ambiental e discurso;

Documentação fotográfica, para ilustrar as informações estudadas bem como para
validação científica do trabalho;

Obras de consulta relacionadas ao tema de forma geral na Biblioteca Central da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), da Universidade Estadual do Maranhão
(UEMA) e no Núcleo de Documentação, Pesquisa e Extensão Geográfica (NDPEG);

Jornadas de campo para registro fotográfico no bairro Alto da Esperança, localizado
na área Itaqui-Bacanga, São Luís-MA.

Realização de entrevistas dirigidas junto a atores sociais.

Realização de pesquisa na página eletrônica da empresa;

Por conseguinte, interpretação, análise e tabulação dos dados brutos e informações
obtidas.
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4 A CRISE AMBIENTAL E AS SEVÍCIAS DO CAPITAL
Antes de entrar diretamente no mérito da questão, é de suma importância anotar que
um dos mais importantes agentes sociais - o Estado - está atravessando, desde a década de
1990, um processo de transformação gradual no que tange às ações diretas na esfera
econômica, fruto de uma ampliação das táticas e estratégias liberais que alavancariam o
neoliberalismo.
Os anos 1990, no mundo, marcam o fim da Guerra Fria e o começo de uma nova
ordem política e econômica. A queda do Muro de Berlim, autorizada pelo governo comunista,
é um marco histórico que simboliza o novo momento do mundo. As transformações mundiais
observadas não se resumiam à liderança dos Estados Unidos, mas também são o resultado de
um conjunto de idéias econômicas e políticas que defendiam o livre mercado6 a nível global,
ou seja, o Neoliberalismo.
―Mundo Neoliberal‖ é uma das muitas metáforas que podem ser utilizadas para se
entender os anos 1990. Investimentos estrangeiros diretos, não-protecionismo, liberalização
econômica-comercial-financeira e diminuição da participação do Estado na economia, são
algumas das características desse sistema político-econômico. Essa remodelagem do Estado
(de controlador para regulador) permite uma maior gerência e autonomia do setor privado na
economia, que se processa metodologicamente pelos programas de privatização.
No Brasil, os anos 1990 começam com o governo Collor de Mello, eleito presidente
em 1989. Collor apresentava como sendo seu programa de governo erradicar a inflação,
diminuir a influência do Estado (movimento este internacional) na economia e moralizar a
política. Na economia, Collor lançou um plano homônimo que tinha dentre outras funções
estabilizar a economia e conter a inflação. Em tese, os motivos do Plano Collor eram
justificáveis, mas as medidas tomadas para o atendimento dos objetivos do Plano foram
catastróficas, uma vez que o governo lançou mão do confisco monetário (de contas-correntes
e poupanças) e congelamento de salários e preços. Após um breve período de relativo apoio
popular, o Governo Collor passou por crescente desgaste em sua imagem e, sob fortes
acusações de corrupção. No final das contas, Collor sofreu processo de impeachment e foi
afastado da presidência da República. Itamar Franco assumiu o cargo interinamente.
6
Em outras palavras É como se fora do mercado, que possui suas próprias regras de funcionamento, não
houvesse possibilidade de existência socioeconômica. Logo ele se absolutiza como única dimensão econômica
possível e pensável, o que nos leva a deduzir que, de um ponto de vista externo do mercado, ou seja, fora do
sistema, exista apenas a exclusão (MORENO, 2005).
24
Os governos de Itamar Franco e, principalmente, de Fernando Henrique Cardoso,
serão avaliados num outro momento. Importante notar que, entre os anos 1930 e 1990,
indubitavelmente, uma das características do Estado brasileiro foi, e continua sendo, os
investimentos no setor de indústria e infraestrutura. Penteado (2006, p. 01) escreve que:
Historicamente a participação do Estado em atividades econômicas privadas pode
ser identificada com a criação do Banco do Brasil S/A, primeira sociedade de
economia mista fundada pelo Alvará de 12.10.1808, do Príncipe Regente [...] Com o
início da industrialização, e sob a égide da Carta de 1937, começaram a ser criadas
uma série de sociedades de economia mista, voltadas a atividades econômicas
básicas ou de infra-estrutura industrial e de serviços, como [...] a Companhia Vale
do Rio Doce (Decreto-Lei n.º4.352/42).
Todavia, caso queira-se entender os descompassos do modelo neoliberal com o meio
ambiente e, por conseguinte, compreender a lógica dos discursos e a ―Geografia das frasesfeitas‖ é preciso recuar no tempo, antes mesmo do nascimento formal do Neoliberalismo.
A partir do final dos anos 40 a integração mundial, pela expansão capitalista em
novas bases, estabelece o tema do desenvolvimentismo como questão central, tendo
em vista as necessidades de ampliação dos mercados e de superação da ordem
anterior. Na América Latina a CEPAL - Comissão Econômica para a América
Latina - foi, na década de 50, o grande fórum de debates sobre o tema
[desenvolvimentismo], colocando a nu as desvantagens dos países pobres no
comércio internacional, e apontando a industrialização como solução para os
problemas econômicos, sociais e políticos das regiões atrasadas (CASTRO, 1992,
pp. 60-61).
Sim, os países pobres tinham como matriz de explicação de sua pobreza o fato de
serem pouco industrializados. Era preciso então fomentar a industrialização para que os países
latino-americanos não tivessem tanta desvantagem em relação às nações européias e,
principalmente, em relação aos Estados Unidos. Ou seja, era preciso deixar de ser um país do
primeiro setor (exportador de matérias-primas) e adentrar ao mundo do segundo setor (a
indústria). Como a adesão formal ao neoliberalismo se processou no Brasil apenas nos anos
1990, o grande condutor do desenvolvimento industrial era o Estado. Temos, então, aqui, o
motor do desenvolvimento: a indústria, e o seu condutor: o Estado.
Em termos mundiais, década de 1960 é o momento do nascimento de uma possível
crise ambiental. A Europa e o Japão recuperavam-se da Segunda Grande Guerra e as tensões
entre EUA e URSS começavam a intensificar-se. Industrialização, modernidade e progresso
confundiam-se com desenvolvimento. Mas, esta década também marca o acirramento do
duelo entre a Economia e a Ecologia, uma vez que se pode pensar em dois modelos de
racionalidade diferentes, talvez até mesmo incompatíveis levando-se em consideração que
25
existe uma espécie de ―limite‖ entre as duas ciências, afinal o racionalismo econômico
burguês desencadeou uma irracionalidade ecológica.
La crisis ambiental se hace evidente en los años 60, reflejándose en la irracionalidad
ecológica de los patrones dominantes de producción y consumo, y marcando los
límites del crecimiento económico. De esta manera, se inicia el debate teórico y
político para valorizar a la naturaleza e internalizar las externalidades
socioambientales del proceso de desarrollo (LEFF, 2001, p. 150).
Sendo assim, cresce a constatação de que é preciso respeitar a natureza caso se queira
aproveitar de seus serviços/recursos ecossistêmicos/ambientais. Dessa forma, o ―mundo
ocidental‖ ou ―ocidentalizado‖ investiga novas condições que possibilitassem recondicionar
tanto de forma econômica, quanto de forma ecológica, a Natureza às vontades humanas7,
agora inseridas em limites espaciais, temporais e ambientais. Todavia, enganou-se quem
pensou que esta empreitada representaria uma inversão ou reversão na lógica do sistema: Leff
(2001, p. 150) diz que: ―sin una nueva teoría capaz de orientar el desarrollo sustentable, las
políticas ambientales siguen siendo subsidiarias de las políticas neoliberales‖.
Sim, o grande fundamentalismo do Ocidente, como dissera Milton Santos, é o
consumismo. Consequentemente, o que promove o consumismo é a produção (a recíproca é
verdadeira também). Então, como pensar numa compatibilização entre capitalismo e Natureza
se 1) o mecanismo que ―rege‖ essa relação é a lógica do mercado8, e 2) se a Natureza é
construída ideologicamente no capitalismo industrial como uma fronteira (SMITH, 1988)?
Por isso, Leff fala em buscar uma nova teoria: afinal, é necessário proteger o ambiente e
questionar a matriz dos problemas ecológicos, que por sua vez, localizam-se na racionalidade
econômica9 e filosófica10. Essa nova teoria estaria fundada no conceito de sustentabilidade11,
e o seu embrião foi lançado no Clube de Roma.
7
Smith (1988), parte da noção de que além da natureza ser dominada, principalmente no capitalismo, ela
também é produzida pelo homem.
8
Em seu livro: Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal, o geógrafo
brasileiro Milton Santos (1926-2001) fala que o motor único do mundo é a mais-valia universal.
9
O Liberalismo Econômico de Adam Smith (1723 - 1790). Este economista estava buscando entender a
―natureza‖ da economia capitalista. Visando o âmago do capitalismo, ele acreditava que as sucessivas inovações
tecnológicas causariam o barateamento da produção e, consequentemente, promoveria condições de mercado
para vencer os competidores. A força do seu pensamento deu embasamento moral e teórico para que a burguesia
pudesse se expandir. Uma das informações mais interessantes da doutrina de Smith, e que nos interessa
majoritariamente em nossa discussão, é tentar entender o que ele estipulava como ―preço natural‖. Uma possível
resposta é entender que Smith interpreta como natural aquilo que é justo, portanto, se é justo é aceitável
(RIBEIRO JUNIOR; OLIVEIRA; SANT‘ANA JÚNIOR, 2009).
10
A Filosofia de René Descartes (1596-1650): ―[...] é possível chegar a conhecimentos muito úteis para a vida e
de achar, em substituição à filosofia especulativa ensinada nas escolas, uma prática pela qual, conhecendo a
força e a ação do fogo, da água, do ar, dos astros, do céu e de todos os demais corpos que nos cercam, tão
26
4.1 Primícias de uma Teoria: O Clube de Roma
O ano de 1968 é chave para se entender a problemática da questão relacional entre
Homem e Natureza. O homo economicus começava a dar-se conta das agressões proferidas
contra a ―Mãe Gentil‖, e questionava-se (mesmo que de forma incipiente) sobre os conceitos
de desenvolvimento humano, crescimento econômico e qualidade de vida, uma vez que
mesmo as grandes potências mundiais, como os EUA, exemplificavam corriqueiramente a
discrepância existente entre progresso técnico e progresso social. Então, se for possível pensar
em um grande marco histórico da política ambiental, este fora o Clube de Roma.
Os estudiosos da área ambiental são unânimes em afirmar que o marco das
preocupações do homem moderno com o meio ambiente, incorporando questões
sociais, políticas, ecológicas e econômicas com uso racional dos recursos, deu-se em
1968, com o Clube de Roma. Essa foi uma reunião de notáveis de diversos países e
de diversas áreas do conhecimento: biológica, econômica, social, política e
industrial. Reuniram-se para discutir o uso dos recursos naturais e o futuro da
humanidade. O relatório final chamado ―Limites de Crescimento‖ abalou as
convicções da época sobre o valor do desenvolvimento econômico e a sociedade
passou a fazer maior pressão sobre os governos acerca da questão ambiental
(SANTOS, 2004, p. 17-18).
O relatório ―Limites do Crescimento‖, expressa aquilo que, possivelmente, povoou a
mente dos participantes do Clube de Roma: o que fazer para compatibilizar o modo de
desenvolvimento capitalista com a proteção do ambiente? Como conjugar crescimento
econômico com meio ambiente? Leff (2001, p. 151) argumenta que:
En 1972 se publica Los límites del crecimiento (Meadows Et al., 1972). Este estudio
plantea los límites físicos del planeta para proseguir la marcha acumulativa de la
contaminación, la explotación de recursos y el crecimiento demográfico, haciendo
sonar la alarma ecológica. Un año antes, Georgescu Roegen (1971) publicó La Ley
de la Entropía y el Proceso Económico, mostrando los límites físicos que impone la
segunda ley de la termodinámica a la expansión de la producción. Se advierte allí
que el crecimiento económico se alimenta de la pérdida de productividad y la
desorganización de los ecosistemas, enfrentándose a la ineluctable degradación
entrópica de los procesos productivos.
Sim, o título da obra deixa claro: Os Limites do Crescimento. Se limite pode significar
restrição, deduz-se que o modo de produção capitalista necessitava de restrições para
distintamente quanto conhecemos os diversos misteres dos nossos artífices, poderíamos empregá-los igualmente
a todos os usos para os quais são próprios, e desse modo nos tornar como que senhores e possuidores da
natureza” (DESCARTES, 2008, p. 60, os grifos são meus).
11
―Sustentabilidade é um termo relativamente antigo, de origem no saber técnico na agricultura no século XIX.
Entrou na rota do uso pelos ecologistas modernos nos anos 80, em cujo debate I. Sacks deu grande contribuição‖
(RUSCHEINSKY, 2003. pp. 39-40).
27
continuar o seu ritmo de acumulação. Mas como pensar em restrição ou limite em um sistema
que tem como um dos seus ideários a liberdade econômica?
Liberdade e limite são antônimos. Portanto, está-se diante de uma crise ambiental.
Precisam-se encontrar novos modos apropriação do ambiente para a manutenção da
produtividade. Uma das alternativas foi a construção do ideário do desenvolvimento
sustentável.
O ideário atual foi semeado no ano de 1950 quando a IUCN (World Conservation
Union/International Union Conservation of Nature) apresentou um trabalho que
usou pela primeira vez o termo ―desenvolvimento sustentável‖. No entanto, ele
difundiu-se, claramente, em 1971, na Reunião de Founeux, agora com o nome de
ecodesenvolvimento, formulado basicamente pela escola francesa. Nele estava clara
a preocupação com a degradação ambiental, com a condição social dos
desprivilegiados, com a falta de saneamento, com o consumo indiscriminado e com
a poluição ambiental (SANTOS, 2004, p.19).
Notadamente, o conceito de desenvolvimento sustentável remonta à década de 1950
(anterior mesmo ao Clube de Roma). Todavia, a questão ambiental naquele momento era um
tanto quanto incipiente. Assim, somente na década de 1970, com a citada reunião e com a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano em 1972, o caráter ecológico
é enfatizado.
Entretanto, a questão ambiental demandava mais do que discussões, conferências ou
estabelecimento de conceitos: era necessária uma política voltada para o campo ambiental.
Ateste-se, desde já, que a política ambiental, tal como foi concebida, não reflete uma mudança
de modelo, pois caso fosse dessa forma, haveria uma série de empecilhos à reprodução do
capital em larga escala, e sendo assim o comércio mundial seria afetado.
Os EUA foram o primeiro país que lançou mão de uma política ambiental para tentar
compatibilizar proteção ambiental com exploração econômica. De fato, a nação mais
poluidora e consumista do mundo largou na frente objetivando a compactuação entre
crescimento econômico e política ambiental. O resultado foi uma extrema mobilização no seio
da questão ambiental que culminou com o NEPA (National Environmental Policy Act)
estadunidense, de 1970, cuja promulgação é anterior ao próprio relatório do Clube de Roma,
que foi publicado em 1972. Cánepa (1991, p. 259) escreve que:
[...] Como culminância de toda essa mobilização, é aprovado pelo Congresso norteamericano, e promulgado em 1969, o National Environmental Protection Act
(NEPA). Essa lei é um verdadeiro marco na história da gestão ambiental pelo
Estado, não tanto por aquilo pelo qual é mais conhecida — a instituição dos Estudos
de Impacto Ambiental (EIAs) e respectivos Relatórios de Impacto Ambiental
(RIMA) como instrumentos preferenciais na tomada de decisão e gestão ambiental
—, mas, sim, pelo estabelecimento do Conselho da Qualidade Ambiental, órgão
diretamente ligado ao Poder Executivo e encarregado de elaborar anualmente, para o
28
Presidente dos EUA, o relatório ao Congresso sobre o estado do meio ambiente em
todo o território nacional. Trata-se do primeiro passo — mas um passo
verdadeiramente gigantesco — no sentido de o Estado assumir, em nome da
coletividade, a efetiva propriedade desse bem público que é o meio ambiente,
mantendo os cidadãos informados sobre a sua qualidade.
Ora, se política ambiental estadunidense representou, em termos de lei, um avanço, ela
atestou a continuidade da exploração, só que agora levando em consideração os impactos
causados ao ambiente. Por isso, vieram ao mundo o Planejamento e Gestão Ambiental, os
EIA-RIMA, etc.
De fato, a sensibilização12 ambiental vem numa crescente desde a década de 1960. O
desafio estava posto: integrar o homo economicus com a preservação e conservação dos
recursos ambientais. Mais do que isso, é apresentado como desafio para a humanidade a
busca de exercício de um duplo papel: abandonar (teoricamente) o caráter de poluidor, para
assumir o de protetor da Natureza, e assim desenvolver equilibradamente sociedade,
ambiente, cultura e tecnologia. A expansão em larga escala da problemática ambiental se
processa com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano.
4.2 Os Ecos do Clube de Roma: A Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente Humano
A partir do Clube de Roma, a questão ambiental no ―mundo ocidental‖ ganhou força,
afinal percebia-se a necessidade de rever hábitos de apropriação dos recursos ambientais, a
fim de que se torne o capitalismo ―sustentável‖, ou seja, que o modelo civilizatório ocidental
de apropriação material do ambiente ocorra em situação de equilíbrio da biosfera13.
A realização da Primeira Conferência Mundial do Desenvolvimento e Meio
Ambiente, em 1972, em Estocolmo, constitui-se em importantíssimo evento
sociopolítico voltado ao tratamento das questões ambientais; se aquele evento
significou, por um lado, a primeira tentativa mundial de equacionamento dos
problemas ambientais, por outro, significou também a comprovação da elevada
degradação em que a biosfera já se encontrava (MENDONÇA, 2005, p. 46).
Por mais que fossem expostas as mazelas que o capitalismo causava ao ambiente, a
situação não mudou substancialmente, uma vez que a raiz do problema, o sistema, continuou
12
Será trabalhada aqui sensibilização ambiental, pois quando se utiliza a locução ―consciência ambiental‖
implica em dizer que uns possuem (consciência ambiental) e outros não.
13
É engraçado perceber que, em tese, os atores do capitalismo buscam a sustentabilidade; mas na prática, ao
contrário de pensarem em uma solução para os problemas da raça humana, fortificam o sistema econômico que
tem por base a insustentabilidade, a amortização da natureza. Daí, melhor falar em capitalismo sustentável que
desenvolvimento sustentável.
29
a apropriar de forma predatória os recursos ambientais. Pior: é justamente nesta década em
que ocorreu o deslocamento de indústrias altamente poluidoras dos países ditos desenvolvidos
para os países chamados de em desenvolvimento/subdesenvolvidos (para utilizar a linguagem
da época), como é o caso do Brasil.
Voltando um pouco mais no tempo: em 1964, no Brasil, vivíamos o Regime Ditatorial.
Essa época é interessantíssima para se compreender a construção dos discursos. Se pensarmos
bem, o regime ditatorial de direita brasileiro ilustrou, como uma das suas muitas
características espaço-temporais, as grandes obras e projetos de Modernização. Por enquanto,
não se entrará em detalhes. O que cabe anotar é: como pensar numa relação dual entre
proteção ambiental e exploração dos recursos naturais uma vez que o Governo do Brasil
adotara um paradigma industrial altamente contraditório? A postura dual do Governo do
Brasil identificada com a criação da Secretaria do Meio Ambiente, em 1973, é demonstrada
por Leite Lopes (2004, p. 20):
Embora o governo brasileiro tenha se pronunciado contra a preocupação e os
controles ambientais da conferência – com receio de um cerceamento internacional
do processo de industrialização levado a efeito no país desde os anos 30 e 40, e
continuado pelo regime militar, que na ocasião vinha apostando tudo no efêmero
milagre econômico brasileiro de então – ele, no entanto, não deixou de criar logo no
ano seguinte uma secretaria do meio ambiente, subordinada ao Ministério do
Interior.
Sendo assim, a criação da SEMA revela a institucionalização da problemática
ambiental, fato este que pode ser visto como um avanço.
Institucionalizada em 1973, a SEMA refletia, por um lado, a demanda de controles
ambientais por parte de uma minoria advertida de técnicos governamentais e, por
outro, a oportunidade da chancela institucional, para a captação de financiamentos
internacionais para os quais as garantias ambientais eram necessárias (LEITE
LOPES, 2004, p. 20).
Alguns projetos de industrialização e modernização representavam um sério risco
ambiental, tal como a intensificação da industrialização do sudeste brasileiro, a zona franca de
Manaus e a Transamazônica. Podem-se citar também outros investimentos como o PGC
(Programa Grande Carajás) e alguns que tiveram o Maranhão como um dos principais
centros: o Consórcio ALUMAR (Alumínio do Maranhão S/A) entre as empresas Billiton
Metais S/A e a ALCOA do Brasil S/A; e a CELMAR (Celulose do Maranhão S/A). Sobre o
PGC, Aquino e Sant‘Ana Júnior (2009, p. 47) explicam que:
O Programa Grande Carajás foi concebido para garantir a exploração e
comercialização das ricas jazidas de minério localizadas no sudoeste do Pará. Para
tanto, além da implantação das minas e das condições para seu funcionamento,
dentre as medidas tomadas destacam-se a construção da Estrada de Ferro Carajás,
30
que liga as minas ao litoral maranhense, e a construção do Complexo Portuário de
São Luís, composto pelos portos do Itaqui, administrado pelo governo do Estado do
Maranhão, da Ponta da Madeira, administrado pela Vale, e Porto da Alumar,
administrado pela própria Alumar (Consórcio de Alumínio do Maranhão).
A Conferência de Estocolmo foi um marco histórico demasiado importante para a
Ecologia. Não obstante, se voltarmos no tempo, perceber-se-á que a cientifização e
tecnificação teve início ―a partir dos anos 60 [quando] a ecologia deixou as faculdades de
biologia das universidades e migrou para a consciência das pessoas. O termo científico
transformou-se numa percepção do mundo‖ (SACHS apud LEITE LOPES, 2004, p. 21). O
reflexo disso é a institucionalização de organismos públicos que ―controlem o ambiente‖,
como foi o caso da SEMA.
Enquanto os Estados Unidos promulgou o NEPA (National Environmental Policy Act)
em 1970, o Brasil esperou mais uma década para ter sua Lei de Política Ambiental (1981),
―promulgando um arcabouço institucional federal, com a secretaria de meio ambiente ligada à
presidência da República (a Sema), com um conselho nacional de meio ambiente (órgão
consultivo e deliberativo), com o Ibama‖ (LEITE LOPES, 2004, p. 22). O porquê desse atraso
deve-se
Em primeiro lugar que, a questão ambiental no Brasil, não era prioridade de
políticas públicas. Em segundo lugar, a política ambiental não era prioridade do
processo de industrialização brasileiro que, baseava-se numa estratégia de
substituição de importações, privilegiando setores intensivos em emissão, e no uso
direto de recursos naturais (energia e matérias-primas baratas) (LUSTOSA,
CÁNEPA e YUONG apud GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 02)
Como foi observado, o Brasil caminhou a passos lentos rumo à inserção da esfera
institucional na política ambiental. Sem entrar em muitos detalhes, aqui foi extraído um trecho
da referida Lei que trata da Política Nacional do Meio ambiente.
Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar,
no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana [...].
O brilhantismo com que é tratada, em termos de lei, a Política Ambiental no Brasil é
digno de elogios. No entanto, entre o formalismo da legislação e a aplicação da lei, constatase que as ações governamentais deixam a desejar no que tange a redução de impactos
negativos sobre o ambiente. Percebe-se uma (ir)racionalização na forma como os organismos
econômicos tem adotado posturas dúbias em relação ao ambiente. O planejamento em si é
orientado e gestado para a racionalização da reprodução ampliada do capital (OLIVEIRA,
31
1981), ou seja, ele é a ferramenta que permite ao sistema capitalista aumentar racionalmente
os lucros oriundos dos ciclos produtivos. Não obstante, a fiscalização, que deveria ser uma
arma no combate àquela irracionalidade citada, não é executada com eficiência, permitindo
assim a continuação de procedimentos desastrosos e hostis para com os recursos naturais
(sociais). E o principal: estudiosos ligados à ―Nova Direita‖ (neoliberais e neoconservadores)
não vêem a problemática ambiental como multiescalar; estão cegos acerca das forças motrizes
que, de maneira multiescalar, produzem o contexto ambiental. Não enxergam que o problema
é sistêmico e não, unicamente, individual14.
4.3 A Conceituação da ―Frase Feita‖: A Comissão Mundial para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento das Nações Unidas e o Relatório Brundtland
Desde 1972 até 1987 transcorreram 15 (quinze) anos. Nesse intervalo de tempo
(espaço) a problemática ambiental evoluiu: a discussão ambiental ganhou proporções
internacionais e mundiais. Tudo virou ambiental: tem-se geomorfologia ambiental, sociologia
ambiental, política ambiental, economia ambiental, etc. Ao mesmo tempo, emerge como
paradigma ambiental, aquela locução que dá embasamento para a ―Geografia das frases
feitas‖: o desenvolvimento sustentável. Dessa maneira, recorre-se a categorizações, como é o
caso do ―ambiental‖ vazio, anteriormente citado, ou diz-se que o capitalismo está se
―ecologizando‖ e esvazia-se o debate político sobre a sustentabilidade, bem como a raiz do
problema: o modo de produção capitalista, camuflando assim os discursos de legitimação e
apropriação dos recursos sociais.
O debate sobre sustentabilidade está marcado por uma diversidade muito grande de
perspectivas epistemológicas e teóricas de abordagem. Tal como ela aparece, em
meio a uma questão ambiental construída progressivamente ao longo dos últimos 30
anos, a sustentabilidade é uma inovação discursiva emprestada às ciências
biológicas. Estas últimas, por sua vez, já a haviam formulado sob uma concepção
fortemente economicista dos sistemas vivos, ou seja, à luz de uma analogia entre os
processos biológicos e aqueles de determinadas economias, mais especificamente de
economias produtoras de excedentes. Nesta perspectiva, a noção de
―sustentabilidade‖ da Biologia pensou os sistemas vivos como compostos de um
―capital/estoque‖ a reproduzir e de um ―excedente/fluxo‖ de biomassa, passível de
ser apropriado para fins úteis sem comprometer a massa de ―capital‖ originário. No
âmbito do manejo agrícola dos ecossistemas, por exemplo, Conway refere-se à
sustentabilidade como ―a capacidade do sistema manter sua produtividade face a
grandes distúrbios como aqueles causados por erosão do solo, secas imprevistas e
novas pragas‖. Podemos observar toda uma trajetória desse conceito de uma para
outra disciplina científica até o mesmo aparecer no final do século XX como uma
noção relativamente corrente no debate público. Neste âmbito, tratar-se-á de uma
14
É só perceber como as campanhas pró-educação ambiental centram-se demasiadamente nas ações
individuais...
32
construção discursiva que colocará em pauta os princípios éticos, políticos,
utilitários e outros, que orientam a reprodução da base material da sociedade. Ao
fazê-lo, essa noção, nos seus múltiplos conteúdos em discussão, pressupõe uma
redistribuição de legitimidade entre as práticas de disposição da base material das
sociedades. Em função do tipo de definição que prevaleça, estabelecida como
hegemônica, as práticas sociais serão divididas em mais ou menos sustentáveis,
entre sustentáveis e insustentáveis; portanto, serão legitimadas ou deslegitimadas,
retirando-se e atribuindo-se legitimidade a essas diferentes formas de apropriação
(ACSELRAD, 2004, p.2-3).
O desenvolvimento sustentável foi conceituado na referida Comissão Mundial para o
Meio Ambiente e Desenvolvimento, das Nações Unidas, precisamente em 1987, e é definido
como ―aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de as
gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades‖ (CMMAD, 1991, p.46). Acselrad
(2004, p. 3) diz que esse corte intergeracional abdica, sem dúvida, de perceber a diversidade
social no interior do futuro e do próprio presente. Como bem fala Pitombo (2007, p.12):
Com a ameaça de degradação ambiental em todo o planeta, a miséria e as privações
existentes nos países do chamado Terceiro Mundo, os temas como gestão social,
proteção ambiental e desenvolvimento sustentável passaram a merecer, nos últimos
anos, grande atenção dos governos, das empresas e dos meios de comunicação.
De fato, se o ambientalismo ganhou tanta relevância, muito se deve às atividades
agressoras (ao meio ambiente), mas também à formulação do conceito de desenvolvimento
sustentável. Consequentemente, o Relatório ―Nosso Futuro Comum‖, coordenado pela
Primeira Ministra Norueguesa Gro Harlem Brundtland, assinalou a necessária implicação de
limites à economia, além de constatar a extrema necessidade em se rever práticas ambientais
degradantes.
Os autores do documento apontaram as várias crises globais (como energia e
camada de ozônio) e destacaram a extinção de espécies e o esgotamento de recursos
genéticos. Reforçou-se, ainda, o debate sobre o fenômeno da erosão induzida e a
perda de florestas (SANTOS, 2004, p. 19).
A citação acima nos explica a evolução que certas ciências como a biogeografia e a
agroecologia experimentaram. Cada uma, com seu saber, colabora de forma técnica, científica
e informacional para a discussão da temática ambiental. No que tange ao conceito de
sustentabilidade enquanto alternativa para a problemática ambiental, Leff (2001, p. 152-153)
explana que:
―Nuestro futuro común‖ reconoce las disparidades entre naciones y la forma como
se acentúan con la crises de la deuda de los países del Tercer Mundo, sin embargo,
la Comisión Bruntland busca un terreno común donde platear una política de
consenso capaz de disolver las diferentes visiones e intereses de países, pueblos y
clases sociales que plasman el campo conflictivo del desarrollo sostenible. […] la
ambivalencia del discurso de la sustentabilidad surge de la polisemia del término
33
sustainability, que integra dos significados: el primero, traducible como sustentable,
implica la internalización de las condiciones ecológicas de soporte del proceso
económico; el segundo aduce a la sustentabilidad o perdurabilidad del proceso
económico mismo. En este sentido, la sustentabilidad ecológica es condición de la
sostenibilidad del proceso económico.
Seguindo o raciocínio de Leff, o que é sustentável? A internalização das condições
ecológicas de suporte do processo econômico ou a sustentabilidade do processo (modelo)
econômico? É preciso focar na sociedade e romper com a dicotomia sociedade-natureza15
presente nas relações de produção. Por isso que Acselrad (2004, p. 4) alerta que:
A sustentabilidade remete a relações entre a sociedade e a base material de sua
reprodução. Portanto, não trata-se de uma sustentabilidade dos recursos e do meio
ambiente, mas sim das formas sociais de apropriação e uso desses recursos e deste
ambiente. Pensar dessa maneira implica certamente em se debruçar sobre a luta
social, posto que torna-se visível a vigência de uma disputa entre diferentes modos
de apropriação e uso da base material das sociedades.
Provavelmente, o ecodesenvolvimento negligencia (na prática) a degradação da
natureza, a desigualdade social e a socialização das perdas, tanto econômicas quanto
ecológicas. Sendo assim, o que se observa é que apesar do conceito abarcar o caráter
econômico-ecológico, as práticas produtivas concretas muitas vezes vão de encontro com o
discurso, negligenciando o caráter sociocultural.
Da mesma forma, enquanto populações ribeirinhas e migrantes podem ser
igualmente qualificadas como populações ―pobres‖, elas apresentam diferentes
culturas ecológicas e produzem diferentes impactos ambientais, desafiando, deste
modo, o consenso expresso no Relatório Brundtland, na Eco 92 e em publicações
oficiais, de que pobreza e degradação ambiental estejam necessária e intimamente
relacionadas (LIMA; POZZOBON, 2005, p. 52-53).
As perspectivas e discussões oriundas da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento e do Relatório Brundtland serão enfatizadas novamente na Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual a política ambiental teve
um caráter primordial, principalmente no que tange às questões de planejamento.
15
A luz do materialismo histórico-dialético a separação entre homem/sociedade/cultura e natureza é uma
construção ideológica ensejada pelo capitalismo (MARX; ENGELS, 2007).
34
4.4 A consolidação do ideário sustentável: A Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento
Depois da Conferência de Estocolmo, em 1972, outro evento histórico da temática
ambiental que marcou época foi a Eco-92, ou Rio-92. Como já fora mencionado, teorizou-se e
discutiu-se muito sobre a política ambiental mundial em 1972. Todavia, as ações
―ecologicamente responsáveis‖ não aconteceram, ou se aconteceram foram em uma escala
mínima. A Natureza foi cada vez mais entendido como recurso16, como meio para se atingir
um fim. No entanto, este fim não versa - da forma que se esperava como resultados práticos
dos debates de cunho ambiental - sobre qualidade de vida satisfatória e atendimento dos
serviços básicos de vida (educação, saúde e moradia).
A escolha da cidade do Rio de Janeiro para sediar a conferência mundial foi muito
acertada, pois o cenário apresentado pela cidade, quanto pelo país, se constitui em
excelente exemplo de como as relações sociais se encontram deterioradas; de como
as relações de dependência entre o norte/desenvolvido e sul/não
desenvolvido/subdesenvolvido são prejudiciais à vida do Homem e à natureza... à
Terra. A onda de seqüestros e epidemias, assim como o tráfico internacional de
drogas, por pouco não inviabilizaram a realização da conferência. Possam estes
testemunhos de degeneração social ter provocado a reflexão dos conferencistas,
sobretudo no âmbito político, para as reais causas e conseqüências da degradação
ambiental!!! (MENDONÇA, 2005, p. 47).
Mendonça aponta um aspecto muito peculiar na conferência de 1992: a escolha do
espaço. O Rio de Janeiro, como afirma o autor, era (e ainda é) um bom exemplo de cidade
para se compreender as desigualdades geradas a partir de um modelo político-econômico
agressivo. É importante também perceber o deslocamento do eixo da Conferência: em 1972, o
lugar de debate era a Suécia, país de cunho religioso protestante, economia próspera (a saber:
papel, produtos químicos e veículos), setor de telecomunicações de elevado desenvolvimento
tecnológico e população que apresenta boa qualidade de vida. Já em 1992, o debate translocase para o Brasil, país cristão/católico, de altíssima diversidade biológica (principalmente na
Amazônia) e cujas desigualdades sociais (de raiz econômica, como a concentração de renda)
são o verdadeiro retrato de nossa história. Outro reflexo foi a introdução de um paradigma da
Educação Ambiental que visa estabelecer convenções e diretrizes que norteiem as práticas
socioambientais.
16
Destaque-se que a palavra recurso originalmente ―enfatizava o poder de auto-regeneração da natureza e
chamava atenção para a sua criatividade prodigiosa‖ (SHIVA, 2000, p.300). Todavia, o projeto baconiano
(dessacralização da natureza) frequentemente tem extrapolado os limites da natureza, uma vez que limite tem
sido entendido como obstáculo ao desenvolvimento.
35
Na Rio 92, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global coloca princípios e um plano de ação para educadores
ambientais, estabelecendo uma relação entre as políticas públicas de educação
ambiental e a sustentabilidade. Enfatizam-se os processos participativos na
promoção do meio ambiente, voltados para a sua recuperação, conservação e
melhoria, bem como para a melhoria da qualidade de vida (JACOBI, 2003, p. 194)
Note-se que a educação ambiental já aparece como um modelo de conduta ética
individual e coletiva (LEITE LOPES, 2004). Sim, como disse Jacobi, o conceito de
desenvolvimento sustentável representou um avanço. Contudo, não interessa aqui apenas o
lado conceitual ou teórico, mas sim o lado prático e concreto, uma vez que as referidas
práticas produtivas concretas não têm como foco compatibilizar homem-natureza17, mas sim
salvar o sistema capitalista, mesmo que para isso sacrifique-se a humanidade. Todavia, apesar
do conceito de desenvolvimento sustentável levar em consideração a pluralidade, diversidade,
multiplicidade e heterogeneidade de nações e nacionalidades, define e limita a
sustentabilidade a um modelo de pensamento único. Além disso, negligencia o mundo formal
(como ele pode ser18) em detrimento do mundo real (o mundo como é19).
Sim, a globalização possibilitou a ampliação da mais valia enquanto motor único e
universal (SANTOS, 2008). Todavia, essa mesma ampliação desencadeou uma crise
ambiental levando a uma incorporação de um discurso do ―ecologicamente correto‖ que dará
embasamento ao desenvolvimento sustentável. Acselrad (2004, p. 13) explana que essa crise
ambiental é fundada numa idéia de objetividade que, por sua vez, imprime ―a perspectiva de
um colapso na relação quantitativa malthusiana entre população e território ou entre o
crescimento econômico material e a base finita de recursos‖. Traduzindo: o objetivismo de
que Acselrad fala conduz a um pensamento único dissonante da visão dialética que o objeto,
os conflitos ambientais, merece. Pode se falar também que os discursos de responsabilidade
socioambiental e desenvolvimento sustentável, pautados no ―ecologicamente correto‖, não
17
É importante notar que ainda se insiste em uma dicotomia homem-natureza, não percebendo desta forma que,
ainda estaremos imersos na matriz filosófica-econômica do capitalismo que preconiza em seus princípios a
segregação homem-natureza. Contudo, apenas da superação dessa dicotomia, nascerá a possibilidade de uma
Nova História. Aqui cabe lembrar também o ―velho e bom‖ filósofo Karl Marx (1818-1883) quando este nos diz
nos Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844): ―O homem vive da Natureza, ou também, a Natureza é o seu
corpo, com o qual tem de manter-se permanente intercâmbio para não morrer.[...] o homem é uma parte da
Natureza‖ (2006, p.116).
18
Por isso os defensores desta razão falam, no conceito de desenvolvimento sustentável, em ―gerações futuras‖.
Obviamente, o capitalista não tem como principio (ético, moral, filosófico ou econômico) o lucro a longo-prazo:
o lucro deve ser imediato, simultâneo, sincrônico.
19
É interessante perceber que ao falarem de gerações futuras, os defensores da razão capitalista esquecem-se das
gerações atuais, algo que soa, no mínimo, como algo fora do seu tempo.
36
representam necessariamente uma associação direta entre as práticas econômicas e
ambientais. Enrique Leff (2001, p.149) ensina que:
El principio de sustentabilidad emerge en el contexto de la globalización como una
nueva visión del proceso civilizatorio de la humanidad. […] la sustentabilidad
ecológica aparece así como un criterio normativo para la reconstrucción del orden
económico, como una condición para la supervivencia humana y para lograr un
desarrollo durable, problematizando los valores sociales y las bases mismas de la
producción. El concepto de sustentabilidad emerge así del reconocimiento de la
función que cumple la naturaleza como soporte, condición y potencial del proceso
de producción.
De forma brilhante, Leff investiga a bases conceituais da legitimação do crescimento
econômico, questionando a visão mecanicista da razão cartesiana (DESCARTES, 2008) e sua
penetração na teoria econômica. Porto-Gonçalves (2006a) também já alertara sobre a
―amortização da natureza‖, destruição ecológica e degradação ambiental.
Em quase duas décadas repercutiu-se amplamente ou internacionalmente a questão da
preservação do meio ambiente. A Rio-92 também é um importante marco histórico, pois é
justamente no seio desta conferência que é consagrado o conceito de desenvolvimento
sustentável, em outras palavras materializa-se a questão ambiental.
Em 1992 realiza-se a conferência sobre Meio Ambiente da ONU no Rio de Janeiro,
20 anos após a de Estocolmo, referida como Rio-92 ou Eco-92. No seu processo de
preparação, grande atenção é dada à questão ambiental por ONGs não
especializadas, movimentos sociais, associações de moradores, federações
empresariais, instituições governamentais. [...] Na realização da conferência
destacam-se a reunião paralela das ONGs e associações populares, por um lado; e
por outro, compromisso de governos signatários com a Agenda 21, um enorme
documento composto de quatro seções, 40 capítulos e dois anexos (a edição
brasileira, publicada pelo Senado Federal, tem 598 páginas), dispondo de objetivos,
atividades e considerações sobre meios de implementação, de um planejamento de
uma cooperação internacional e de ações nacionais e locais em vista do
desenvolvimento, do combate à pobreza e da proteção ao meio ambiente (LEITE
LOPES, 2004, p.23).
Essa burocratização da questão ambiental modificou muito pouco a situação ambiental
mundial. A mundialização da temática ambiental a nível global se burocratizou, mas não com
o intuito de corrigir o cerne da questão ambiental. A burocracia passou de espírito do Estado
para espírito do neoliberalismo ambiental, ou seja, debilitam-se as discussões acerca da raiz
do problema e passa-se a estudar apenas os efeitos, e não as causas. As causas, finais, não se
mostraram ser anticientíficas, metafísicas, divinas, mas sim produzidas pelo ―homo
crematisticus”, uma espécie de homem que mercadifica o ambiente e a própria crise
37
ambiental/ecológica para formar preços de mercado, para ganhar dinheiro20. E a apropriação
da problemática ambiental por parte das grandes corporações será observada principalmente
na Rio+10 (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006).
4.5 Uma década perdida? A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável
Há nove anos, aconteceu aquela que foi a mais recente conferência da ONU: Rio+10.
Realizada em 2002, em Johanesburgo, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento
Sustentável teve como principais objetivos integrar as iniciativas das Nações Unidas com
vistas à redução quantitativa do número de pessoas miseráveis (vivem com menos de um
dólar por dia), no mundo, até o ano de 2015 e avaliar quais medidas estabelecidas na Agenda
21 tinham sido alcançadas, o que demonstra ser mais um indício da crise ecológica global.
Esta conferência não foi, nem de perto, a sombra daquilo que havia ficado dez anos atrás, pois
―[...] em Johanesburgo o clima estava mais para aquele do Riocentro em 1992, com um
elevado número de ONGS, já não mais associadas aos movimentos sociais, mas sim a
governos e empresas das quais captam verbas‖ (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES,
2006, p. 126).
Também foi objetivado nesta cúpula reduzir o número de pessoas que não possuem
acesso à água potável, bem como saneamento básico. Só para se ter uma idéia, conforme a
ONU, um bilhão e cem milhões de pessoas vivem sem acesso adequado à água
(ALMANAQUE ABRIL, 2006, p.72). Além disso:
Em 1998, os 20% mais ricos do planeta dispunham de 86% do produto mundial, e os
20% mais pobres de apenas 1%. Enquanto isso, a diferença de renda passou de 30
para 1, em 1960, para 60 para 1, em 1990, e 74 para 1 em 1997. Explica esse
aumento das desigualdades a proliferação do desemprego (segundo a OIT, são 188
milhões de desempregados em 2003 – ou seja, 6,2% da força de trabalho mundial),
do subemprego, dos circuitos ilegais da economia. [...] Basta verificar que 22% da
população mundial, ou seja, 1,3 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar
por dia, considerado o limiar da pobreza absoluta (HAESBAERT; PORTOGONÇALVES, 2006, p. 47).
Por fim, acordaram também a recuperação, até o ano de 2015, dos estoques de peixe
através do controle da pesca oceânica, visando assegurar a reprodução anterior à captura.
Diante desse quadro, nada indica, essencialmente, uma mudança radical na forma de
se relacionar com a Natureza; a natureza não produz ricos e pobres, não explora trabalhadores
20
A crematística é o estudo da formação dos preços de mercado, para ganhar dinheiro; já oikonomia (economia)
é a arte do aprovisionamento material da casa familiar (MARTÍNEZ ALIER, 2007, p. 53).
38
ao contrário do capitalismo: ele apropria-se da força de trabalho e da natureza produzindo-a e
reproduzindo a si mesmo e as suas relações de produção (LEFEBVRE, 1973). A natureza no
capitalismo possui um destino: ser um instrumento da produção, algo exterior, inumano
(SMITH, 1988).
Apenas acordar e estipular prazos de recuperação de espécies não nos conduz a uma
nova prática socioambiental. Isso porque para que se tenha uma prática revolucionária é
preciso uma teoria revolucionária. E o que nós vimos até aqui é a eterna tentativa de se ajustar
crescimento econômico com proteção ambiental. Proteger o ambiente e crescer
economicamente: missão impossível no capitalismo, pois por onde quer que lancemos olhares
vê-se a desigualdade social, o desenvolvimento desigual (SMITH, 1988), o desajuste
ecológico e a injustiça ambiental. Não estamos sustentando a raça humana, tampouco
protegendo a natureza, mas sim exacerbando os conflitos e os problemas ambientais. Todavia,
homem e natureza não seriam inimigos que precisam ser dominados; e dessa forma não
teríamos conflitos ou problemas, caso tivéssemos outro modelo de racionalidade, outro modo
de produção e de vida.
5 TERRITORIALIZANDO A VALE NA TESSITURA HISTÓRICA: de estatal à
privada, da razia capitalista às políticas de responsabilidade socioambientais
É preciso mergulhar nos 67 anos de história da Vale, objetivando entender as
mudanças sofridas pela empresa desde o seus primórdios, passando pela criação em 1942, a
privatização em 1997, até o ano de 2010. Dessa forma, pode-se avaliar as ações e atividades
desenvolvidas pela empresa no que tange às políticas de responsabilidade ambiental e social.
Vejamos alguns antecedentes históricos da criação da Vale:
Com a primeira Constituição Republicana de 1891, foram totalmente alteradas as
regras para a exploração mineral do país. Pela nova Carta, os proprietários das terras
onde fossem encontradas reservas minerais, seriam também proprietários destas
jazidas. Além disso, a lei permitia que estas reservas fossem exploradas por
empresas estrangeiras. A civilização industrial colocava em cena novas descobertas
da ciência e através de técnicas recém inventadas, o ferro, um mineral até então
pouco valorizado adquiria têmpera de aço. Geólogos e engenheiros mapeavam,
então, o subsolo brasileiro, não só em busca do ouro, mas também em busca do ferro
e descobriram que o chão de Minas Gerais, compreendido pelo quadrilátero formado
pelas cidades de Conselheiro Lafayette, Mariana, Sabará e Itabira, abrigavam três
bilhões de toneladas de minério de ferro (BARBOSA, 2002, p. 20).
Antes da oficialização e da criação propriamente dita da Vale, alguns acontecimentos
primordiais merecem ser lembrados. Em 1901, ocorre a Fundação da Companhia Estrada de
39
Ferro Vitória a Minas (CEFVM), inaugurada oficialmente em treze de maio de 1904, no
trecho entre as estações Cariacica e Alfredo Maia. Já em 1909, é criada a Brazilian Hematite
Syndicate, de capital britânico. Os ingleses compraram todas as terras onde estavam as
reservas conhecidas de minério de ferro em Minas Gerais, estimadas em 2 bilhões de
toneladas (GODEIRO et al., 2007, p. 10). No mesmo ano, a empresa compra a maioria das
ações da CEFVM e sela a união entre os dois grupos, para explorar21 as reservas de minério
de ferro de Minas Gerais. Um ano depois, 1910, são esboçados os primeiros projetos de levar
a ferrovia até Itabira (MG), onde chega em 1943. O empresário Percival Farquhar entra em
cena em 1911, pois controla a Itabira Iron Ore Company, anteriormente conhecida como
Brazilian Hematite Syndicate. Finalmente, no ano de 1940, a Itabira Iron Ore faz o primeiro
embarque de minério de ferro pelo Porto de Vitória, em julho. Como bem escreveu Barbosa
(2002, p. 21):
Estas informações fizeram com que grandes mineradoras da Inglaterra, Estados
Unidos, Bélgica e França voltassem a atenção para o Brasil, comprando a preços
irrisórios, boa parte das jazidas do rio Doce. As minas de Itabira foram adquiridas
pela Itabira Iron Ore Company, fundada por engenheiros ingleses. A empresa
assumia ainda o controle acionário da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), uma
incipiente ferrovia que desde 1903 escoava a produção agrícola do vale do Rio
Doce. Em 1919, a Itabira Iron foi comprada pelo empresário norteamericano
Percival Farquhar que pretendia conseguir o monopólio da produção e exportação
do minério de ferro da região. Com a revolução de 1930, o presidente Getúlio
Vargas colocou em prática um discurso que previa a nacionalização das reservas
minerais do país, estabelecendo uma luta entre nacionalistas e liberais. Tentando
aplacar os ânimos, Percival Farquhar se uniu a empresários brasileiros e
nacionalizou a Itabira Iron, transformando-a em duas empresas: Companhia
Brasileira de Mineração e Itabira Mineração.
Frise-se que para uma satisfatória exploração de minério de ferro, pari passu é
necessário investimentos em infra-estrutura, como construção de ferrovias e portos para o
escoamento da produção; e o capital internacional também já está em cena finan 22ciando a
exploração dos recursos.
21
―A ideologia produtivista do antropocentrismo europeu, com seu mito de dominação da natureza, acreditou
que produzia minérios, como se pudesse fazê-lo ao seu bel-prazer. Na verdade somos extratores e não produtores
e, com essa caracterização, estamos mais próximos de reconhecer nossos limites diante de algo que não
fazemos‖ (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 110).
22
É bom lembrar que a palavra finança possuía antes da era do desenvolvimento um significado nãoeconômico: pagamento para livrar-se do cativeiro ou de um castigo (LUMMIS, 2000, p.115, itálicos meus).
Mas hoje, parece que a finança e seus derivados tornaram-se o próprio cativeiro e castigo de muitos.
40
5.1 Década de 1940: surge uma gigante
No início da década de 1940, o então presidente Getúlio Vargas, estimulou as
indústrias de base, como a siderurgia, no intuito de substituir as importações, dando base para
sua política de produção local. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é um ótimo
exemplo dessa atitude. Convém anotar que:
O marco histórico do planejamento brasileiro pode ser fixado em 1939. Foi neste
ano que o Decreto Lei 1.058 de 19/01/1939 criou o chamado Plano Especial de
Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional. Pretendia-se com o Plano
Especial, promover a criação de indústrias básicas como a siderurgia, executar obras
públicas, consideradas indispensáveis e efetuar o aparelhamento da defesa nacional.
O plano era qüinqüenal, prevendo um investimento total de três bilhões de cruzeiros
(BARBOSA, 2002, p. 21).
Posteriormente, em 1º de junho de 1942, em decorrência dos Acordos de Washington,
Getúlio Vargas23 assina o decreto-lei nº 4.352 e cria a Companhia Vale do Rio Doce para
―cobrir a demanda da Inglaterra e dos EUA por minérios de ferro para a fabricação de armas‖
(IBRADES et al. 2007, 34). Foi justamente devido aos Acordos de Washington que o
governo da Grã-Bretanha se dispôs a transferir para o governo brasileiro o controle das
jazidas de minério de ferro pertencentes à Itabira Iron Ore, substituída pela Vale. Em
contrapartida o governo estadunidense se comprometia a um financiamento no valor de 14
milhões de dólares (IBRADES et al. 2007). No mesmo ano, a nova companhia, uma
sociedade anônima de economia mista, encampou as empresas de Farquhar e a Estrada de
Ferro Vitória a Minas. Destaque-se que os acionistas da Itabira Iron Ore foram devidamente
indenizados pelo Tesouro Nacional. Porém, segundo Mauro Santayana (Agência Carta Maior,
2005), os Estados Unidos
Exigiram em contrapartida, a cessão das bases do Nordeste para as operações das
forças norte-americanas e o envio de tropas brasileiras para a II Guerra Mundial, na
Europa. Ali perdemos vidas valiosas [...] não investimos na Vale somente os
recursos do Erário; investimos em sangue, investimos em coragem, investimos na
dignidade do patriotismo (IBRADES et al. 2007, 34).
23
Já na década de 1930 Vargas afirmava: ―Nenhum outro dos problemas que dizem respeito ao desenvolvimento
econômico do país sobreleva em importância ao da exploração das nossas jazidas minerais‖. Para tanto, seria
insuficiente a pequena siderurgia, normalmente incapaz de atender a futura demanda a resultar do crescimento
industrial acelerado (DUTRA, 2003). Vê-se então que a extração de minérios era primordial para fomentar a
industrialização e a modernização no Brasil. Assim as companhias deveriam ser ―gigantes‖ para atender à
demanda. O problema é que o mecanismo de oferta-demanda aumenta o consumo, e, aumentando o consumo, é
preciso produzir mais, e, se é preciso produzir mais, necessita-se extrair mais minerais da natureza. Quanto mais
minerais são extraídos da natureza, mais degradação ambiental é provocada e mais os recursos se exaurem.
Sendo assim, a alta procura somada à raridade do produto, não fazem com que o preço caia, mas sim que haja
uma carestia geral. Se o preço aumenta, a degradação com certeza não diminui, e o pior é que os únicos que
poderão ter acesso ao produto encarecido são os consumidores que podem pagar por ele. Creio que a água
potável é um bom exemplo dessa situação.
41
Em 11 de janeiro de 1943, reuniu-se a Assembleia de constituição definitiva da
Companhia Vale do Rio Doce, que aprovou os estatutos da empresa fixando a sede
administrativa em Itabira (MG) e o domicílio jurídico no Rio de Janeiro (RJ). Israel Pinheiro
foi nomeado o primeiro presidente da empresa. A partir desse momento, as exportações de
ferro cresceriam exponencialmente. Ainda em 1943, a nova empresa foi listada na Bolsa de
Valores do Rio de Janeiro. E dois anos mais tarde, a Vale concluiu as obras do cais de minério
em Vitória (ES). Em 1949, a Vale era responsável por 80% das exportações brasileiras de
minério de ferro devido à grande demanda do mercado internacional por aço no período pósguerra; A CVRD também selou um acordo com os japoneses para fornecimento do minério de
ferro necessário à reconstrução do Japão, no pós-guerra (GODEIRO et al., 2007, p.11); ocorre
ainda a Criação do Centro de Estudos Ferroviários, em Vitória (ES), sob orientação de
Eliezer Batista da Silva (pai do bilionário Eike Batista24). É o período em que a
industrialização se volta para a exportação, em substituição à política de importação de
industrializados.
Em julho de 1940, a Itabira Mineração efetuou o primeiro embarque de minério de
ferro pelo porto de Vitória: 5.750 toneladas, com destino a Baltimore, Estados
Unidos, e em 03 de março de 1942, Inglaterra e Estados Unidos assinaram os
Acordos de Washington, que definiam as bases para a instalação, no país, de uma
produtora e exportadora de minério de ferro. Pelos acordos caberia à Inglaterra
comprar e transferir ao governo brasileiro as minas de Itabira e a estrada de ferro
Vitória Minas (EFMV), enquanto os Estados Unidos seria responsável pelo
financiamento necessário para a implantação deste projeto. Para a mecanização das
minas de Itabira, reconstrução da EFVM, que se encontrava em péssimas condições,
o governo contou com um empréstimo de US$ 14 milhões concedido pelo
EXIMBANK (BAIZ apud BARBOSA, 2002, p. 22).
Sem dúvida o uso financeiro do dinheiro, como referido acima, é um exemplo da
globalização do capital. Tanto Inglaterra como os EUA se preocupavam em dar mobilidade ao
capital de maneira internacional, ofertando créditos e empréstimos. E isso implica falar em
ingerência no território e na administração das economias nacionais através de um mercado
internacional. Vale lembrar que o referido Eximbank, o Banco de Exportação e Importação
24
Empresário, dono do Grupo EBX. Sua atuação no Maranhão mais conhecida diz respeito à MPX, uma
empresa do seu grupo responsável pela Usina Termelétrica Porto do Itaqui. Como objetivo de qualquer projeto
de desenvolvimento é, pelo menos em tese, livrar os ditos ―subdesenvolvidos‖ desta imagem virulenta e
inferiorizadora, há que se ressaltar que a UTE Porto do Itaqui é um dos simbolos materiais, permanentemente
acionados por agentes governamentais e empresariais, da saída deste estágio inferior e da possibilidade de
alcançar a modernidade para o Maranhão e, mais especificamente, para duas comunidades rurais: Vila Madureira
e Camboa dos Frades. A totalidade dos moradores do território da Vila Madureira foi deslocada para dar lugar à
termelétrica. Os moradores foram deslocados para o residencial Nova Canaã em Paço do Lumiar (dista 30 km da
capital São Luís e 40 Km da Vila Madureira) o que gerou bastante insatisfação, e os moradores de Camboa dos
Frades enfrentam os impactos da construção da termelétrica (PEREIRA, 2010).
42
dos Estados Unidos, maior credor da Vale, logrou sem êxito, em um cabal exemplo de
ingerência econômica, retirar a autonomia da Vale, tentando reduzir as funções do presidente
da companhia a de um mero supervisor. Baiz (apud BARBOSA, 2002, p. 22) aponta ainda
que:
Durante a década de 40, primeira década de sua existência, a empresa experimentou
momentos difíceis, carência de infra-estrutura e fortes pressões exercidas pelo seu
maior credor o EXIMBANK. A urgência de implantação do projeto, e a escassez de
recursos colocam a CVRD face a vários problemas cujas conseqüências redundou
no não cumprimento de seu objetivo, exportando em seu primeiro ano apenas
291.180 toneladas de minério, seu compromisso de acordo com as cláusulas do
acordo firmado, seria de exportar no mínimo 1,5 milhão de toneladas anuais.
5.2 Década de 1950: a gigante nas mãos do Estado
Em 1951, após processo eleitoral, Getúlio Vargas assumiu novamente o governo
brasileiro, até o ano de 1954. Extremamente nacionalista e populista, Vargas não mediu
esforços para transformar o Brasil em um país urbano e industrial. Note-se que a visão
progressista de Vargas calca-se na égide do industrialismo como motor do urbanicismo, ou
seja, é preciso deixar para trás o Brasil agrário e rural e transformá-lo num país ―moderno‖,
―desenvolvido‖ e de ―primeiro mundo‖. Continuando, é no governo de Vargas que o Brasil
criou uma das empresas petrolíferas mais importantes do mundo: a Petrobrás. Em 1952,
Getúlio Vargas criou também o BNDE, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.
Pela sigla do banco, nós temos a noção de que tipo de desenvolvimento Vargas clamava.
Neste período, a companhia consolidou sua posição no Quadrilátero Ferrífero de Minas
Gerais, o berço da Vale (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).
O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) foi baseado no lema ―50 anos em
05‖, ou seja, JK adotou um discurso altamente desenvolvimentista. Para tanto, lançou mão do
seu Plano Nacional de Desenvolvimento, o Plano de Metas, que beneficiava os setores de
educação, alimentação, indústria de base, transporte e energia.
No dia 1º de fevereiro de 1956, após a posse do presidente Juscelino Kubitschek, foi
criado por decreto o Conselho de Desenvolvimento como precedente à criação do
Programa de Metas, cujas atribuições eram as seguintes:
♦ Estudar as medidas necessárias à coordenação da política econômica do país,
particularmente em relação ao seu desenvolvimento econômico;
♦ Elaborar planos e programas que visassem a aumentar a eficiência das atividades
governamentais, bem como a fomentar a iniciativa privada.
♦ Analisar relatórios e estatísticas relativas à evolução dos diferentes setores da
economia do país com o propósito de integrá-los na formação da produção nacional;
♦ Estudar e preparar anteprojetos de leis, decretos ou atos administrativos julgados
necessários à consecução dos objetivos supramencionados;
43
♦ Acompanhar e assistir a implementação, pelos Ministérios e Bancos Oficiais
competentes, de medidas e providências concretas cuja adoção houvesse
recomendado (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 23).
Juscelino Kubitschek foi um grande entusiasta da industrialização e da substituição de
importações. Em seu governo ele estimulou a produção de máquinas, equipamentos (bens de
capital), insumos, transporte ferroviário, construção civil, fertilizantes e mecanização do
campo.
A política do plano dava tratamento preferencial ao capital estrangeiro, financiava os
gastos públicos e privados através da expansão dos meios de pagamento e do crédito
via empréstimos do BNDE, bem como por meio de avais para tomada de
empréstimos no exterior. Aumentava a participação do Estado na formação de
capital, estimulando a acumulação privada (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p.
24).
Importante notar o quanto Juscelino priorizava a inserção e predominância do capital
estrangeiro na economia brasileira, em detrimento da política nacionalista getulista. No
governo de JK, o capital estrangeiro penetrou agressivamente o território brasileiro por meio
dos serviços de infraestrutura, em especial no setor de transportes. O ABC25 paulista ganhou
relevância nessa época em virtude das instalações de pólos automotivos na região 26. Outro
ponto importante fora a criação da SUDENE, a Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste.
O crescimento industrial que ocorreu a partir do início do governo JK estava
estruturado em um tripé formado pelas empresas estatais, pelo capital privado
estrangeiro, e como sócio menor, o capital privado nacional. As empresas
multinacionais passaram a dominar amplamente a produção industrial brasileira,
especialmente os setores mais dinâmicos da indústria de transformação. A criação
das empresas multinacionais foi conseqüência direta das características da
industrialização no capitalismo monopolista. Dada as escalas de produção e
intensidade de capital necessária, foi inevitável a supremacia do capital externo,
dominando amplamente os setores industriais mais dinâmicos de nossa economia
(REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 24).
É na década de 1950, precisamente no ano de 1952, que o Governo brasileiro assumiu
o controle definitivo do sistema operacional da Vale. Barbosa (2002, p. 24) destaca que:
Nesta década, a CVRD efetuou obras de infra-estrutura alcançando ganho de
produtividade e eficiência operacional. Dentro de uma conjuntura favorável
ocasionada pela guerra da Coréia, que impossibilitava a substituição de seu minério,
a Vale implementou uma agressiva política de aumento de preços, o que permitiu
solucionar seu problema de ordem financeira. Tendo a empresa superado grande
25
26
Conurbação composta pelos municípios Santo André, São Bernardo e São Caetano.
Concordamos aqui com o conceito de região proposto por Francisco de Oliveira (1981) fundamentado na
especificidade da reprodução do capital.
44
parte dos problemas iniciais, ocorre sua consolidação empresarial, além de seu
completo controle operacional pelo governo brasileiro em 1952 (os grifos são meus).
Em 1953, ocorreu o primeiro embarque de minério de ferro para o Japão e a Vale
utilizou, pela primeira vez, um navio brasileiro, o Siderúrgica Nove, no carregamento de
minério para os Estados Unidos. No ano de 1954, a referida empresa reviu suas práticas
comerciais no exterior e passou a fazer contatos diretos com as siderúrgicas, sem a
intermediação dos traders. Já em 1955, a Vale contratou o serviço da Companhia Boa Vista
de Seguros, que prestou assistência médico-cirúrgica, hospitalar, odontológica e especializada
a acidentados. Um ano depois, 1956, a Vale comprou a Reserva Florestal de Linhares27, do
Governo do Espírito Santo, com área de 23 mil hectares. Data do ano de 1959, a inauguração
do Cais do Paul, no Porto de Vitória, iniciativa da Vale e do Governo do Espírito Santo. Por
fim, em 1960, houve a criação da Companhia Siderúrgica Vatu, primeira subsidiária da Vale
para o beneficiamento de minérios, fabricação e comercialização de ferro-esponja.
5.3 Década de 1960: atribulações políticas, os planos econômicos militares e a
descoberta de Carajás
A década de 1960 é de fundamental importância para a compreensão da organização
da exploração mineral da Vale em Carajás. Isso porque é esta década que marcou o início da
prospecção de minérios na Amazônia.
27
Alinhada à política de recuperação de áreas degradadas, a Vale realiza pesquisas e investe em tecnologia
ambiental na Reserva Natural Vale, em Linhares (ES), onde há intensivo programa de produção de mudas
destinadas à restauração ecossistêmica e à formação de florestas de uso múltiplo. Em 2006, a colheita bruta de
sementes foi de aproximadamente 12 toneladas, que resultaram em cerca de quatro milhões de mudas de 422
espécies da Mata Atlântica. Desde a criação da reserva, foram identificadas 60 novas espécies botânicas em seus
22 mil hectares, uma das últimas áreas protegidas de Mata Atlântica de Tabuleiro no Brasil. O território da
Reserva de Linhares é contíguo ao da Reserva Biológica de Sooterama, administrada pelo Ibama, que delegou a
proteção à Vale há cinco anos. Juntas, representam 48 mil hectares ou 75% da floresta natural do Espírito Santo.
O leitor desinformado poderia realmente pensar que a CVRD protege o meio ambiente caso desconhecesse a
transferência para o referido Estado da empresa chinesa Baosteel, a maior siderúrgica da China, no dia 27 de
agosto de 2009. A Vale relançou com pompa e circunstância o projeto de instalação de uma usina siderúrgica em
Ubu, distrito industrial de Anchieta, município do Espírito Santo. ―A associação de pescadores de Ubu e Parati,
tendo grande parte de seus membros filiados à colônia de pescadores, foi criada para enfrentar os problemas
advindos da deterioração do meio ambiente provocada inicialmente pela Indústria de Mineração Samarco S.A.,
localizada em seu território. [...] Hoje a sua luta tem como objeto os efeitos provocados pelas dragagens em sua
costa, pelas obras de instalação da Petrobrás na região, e pelas sondagens feitas pela VALE para instalação de
um mega porto, ocupando com máquinas e instrumentos de sondagem sua área de pesca e fazendo desaparecer
os peixes, não apenas pelo deslocamento de grandes quantidades de areias (formando bancos em locais onde
viviam os cardumes), como também pela contaminação das águas do mar (areias com resíduos industriais). Ou
seja, o processo de degradação ambiental, provocado pela indústria Samarco, com a contaminação do ar e das
águas, vem sendo agravado pelas obras de construção das instalações da Petrobrás na localidade e das sondagens
da VALE‖ (RAUTA RAMOS et al., 2009, p. 96).
45
Observe-se que o mercado potencial da Vale já está delineado: Estados Unidos e
Japão. Quando Juscelino Kubitschek deixou, em 1960, a presidência da República, o Brasil
tinha seu modelo econômico alicerçado na industrialização e com um crescimento econômico
girando na casa dos 7% ao ano. Todavia deixou também, para seu sucessor, Jânio Quadros,
como fruto da sua política desenvolvimentista, uma alta inflação.
Quadros teve uma rápida passagem pela presidência do Brasil. Pregava uma política
externa independente e de austeridade econômica, baseada no FMI28. Renunciou em 25 de
agosto de 1961, com o argumento de queria ―varrer a corrupção‖ e não havia conseguido.
Como João Goulart, o Jango, que era o Vice-Presidente, tinha fortes tendências esquerdistas,
políticos e militares viam com maus olhos sua posse na Presidência. Portanto, este somente
poderia aceitar o cargo mediante a adoção do parlamentarismo, e foi justamente assim que
aconteceu. Uma vez no Governo, Jango buscou dar consequência à necessidade de
planejamento da ação estatal.
A breve atuação do presidente Jânio Quadros foi marcada na área de planejamento
público, pela criação da Comissão Nacional de Planejamento (COPLAN) em agosto
de 1961. Em outubro 1961 toma posse o presidente João Goulart. Neste período o
conselho de ministros publicou um documento importante e que teve influência
direta sobre a criação do Plano Trienal (BARBOSA, 2002, p. 25).
O referido Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social 29 enfrentou
oposição no Congresso brasileiro, por parte da Igreja Católica e do empresariado, pois estes
setores viam nas reformas de Jango uma espécie de ―estágio comunista‖. Sobre o Plano
Trienal, Barbosa (2002, p. 25) escreve que:
O Plano Trienal procura, pela primeira vez, soluções estruturais para o problema
econômico-social do país, partindo do princípio que o crescimento acelerado dos
países em desenvolvimento faz-se sempre com rápidas e profundas modificações
estruturais. [...] O Plano Trienal, definido de forma sucinta, era na verdade um plano
de estabilização. Estabelecia uma reforma de bases cujas diretrizes estavam voltadas
para as bases requeridas pelo desenvolvimento econômico, por isso de difícil
implementação, pois estabelecia controles que não contavam em absoluto com a
simpatia popular. Tais controles almejavam reduzir a taxa inflacionária, já então
alarmante, e o desequilíbrio nas contas externas.
28
O Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma organização composta por 183 países-membros com o objetivo
de promover, de acordo com seu estatuto, a cooperação internacional; facilitar o crescimento equilibrado do
comércio internacional; promover a estabilidade das taxas de câmbio; reduzir os desequilíbrios nos balanços de
pagamentos reduzindo assim as ameaças ao sistema internacional (FMI, Articles of Agreement). O FMI possui
três funções principais a fim de se alcançar esses objetivos. São eles: 1. Vigilância das economias dos membros
do FMI, com ênfase especial à política de taxas de câmbio; 2. Fornecimento de assistência financeira (na forma
de créditos e empréstimos) aos membros com problemas na balança de pagamentos, para apoiar ajustes e
reformas; 3. Fornecimento de assistência técnica para a implementação de políticas fiscais e monetárias.
(CALDAS, 2002. p. 107).
29
Diferentemente de Getúlio Vargas, para Jango o desenvolvimento tinha que ser econômico e social.
46
A taxa inflacionária e o desequilíbrio nas contas públicas, como já fora mencionado,
foi a herança maldita do governo JK. Jango acreditava que o desenvolvimento econômico e
social somente se processaria a partir de amplas reformas, tais como: administrativa, agrária,
tributária e fiscal. Dessa forma, Jango via no Plano Trienal a possibilidade de (re)estruturar o
país tanto do lado econômico, quanto do viés social. Contudo, Jango não foi capaz de
estabelecer as suas mudanças, uma vez que fora destituído pelo golpe militar.
Cabe lembrar que o Regime Militar aumentou a dependência da economia brasileira
em relação ao exterior, uma vez que a referida economia se tornava cada vez mais globalizada
(internacionalizada), apresentando profunda influência dos países ditos desenvolvidos,
especialmente os Estados Unidos.
Depois do Plano Trienal, sucederam-se o Programa de Ação Econômica do GovernoPAEG (1964) que ―foi preparado em 90 dias, apresentado ao Congresso em agosto de 1964,
envolvia o período de 1964/1966 e reativava o Ministério Extraordinário para o
Planejamento30 e Coordenação Econômica‖ (REGO et al. apud BARBOSA, 2002, p. 25), o
Plano Decenal (1967-1976) e o Programa Estratégico de Desenvolvimento (1967).
O PAEG enfatizava a viabilidade do modelo de planejamento econômico dentro de
uma economia de mercado, repetindo a preocupação do Plano Trienal de justificar a
existência do processo em países não socialistas. [...] O relativo sucesso do PAEG e
a manutenção da hegemonia do poder executivo brasileiro levaram o presidente
Castelo Branco já no final do seu mandato a propor a elaboração de um Plano
Decenal (1967-1976) com o objetivo de oferecer aos governos seguintes uma linha
comum de ação sintonizada com os efeitos do PAEG (BARBOSA, 2002, p. 25).
Ateste-se que, no PAEG, a viabilidade desenvolvimentista não se faz mais através da
economia planificada, mas sim a planificação da economia no mercado e para o mercado. O
general Costa e Silva, assumiu a presidência após o governo do general Castelo Branco. Sua
política econômica foi baseada no combate à inflação, política salarial e comércio
internacional. Daí decorreu o Programa Estratégico de Desenvolvimento.
O Programa Estratégico de Desenvolvimento foi preparado a partir de 1967 pelo
governo do presidente Costa e Silva, não guardando muita relação com as
recomendações do Plano Decenal. O Programa Estratégico pretendia reorientar a
economia, no período de 1968-1970, de forma a corrigir certas distorções que se
faziam sentir e foram fixados os seguintes objetivos:
♦ Manter o controle do balanço de pagamento
30
De acordo com Oliveira (1981, pp. 29-30) o planejamento não pode ser entendido como ―a presença de um
Estado mediador mas, ao contrário, a presença de um Estado capturado ou não pelas formas mais adiantadas da
reprodução do capital para forçar a passagem no rumo de uma homogeneização, ou conforme é comumente
descrito pela literatura sobre planejamento regional, no rumo da ‗integração nacional‘‖. No caso do Estado,
percebe-se que ele se converte em mais um mecanismo de reprodução das relações de produção do sistema
capitalista. Talvez até o mais importante...
47
♦ Evitar o agravamento das disparidades econômicas regionais e setoriais.
♦ Realizar reformas econômicas e sociais.
♦ Assegurar a manutenção do clima de ordem interna e estabilidade institucional
(BARBOSA, 2002, p. 26).
Imersa nesse contexto de mudanças políticas, econômicas e sociais da década de 1960,
a Vale assinou contratos de longo prazo com siderúrgicas japonesas e usinas alemãs 31. Em 2
de outubro de 1962, foi criada a subsidiária Vale do Rio Doce Navegação S.A. (Docenave),
ampliando as atividades de cunho marítimo da empresa. Além disso, em 1966, a Vale
inaugurou o Porto de Tubarão, em Vitória, Espírito Santo. Nessa década cabe destacar um
acontecimento primordial que data do ano de 1967: Geólogos da Companhia Meridional de
Mineração, subsidiária da United States Steel Corporation, constataram a ocorrência de
minério de ferro em Carajás, Pará.
Destarte, em julho de 1967, um helicóptero da Cia. Meridional de Mineração pousou
em uma clareira da Serra dos Carajás, revelando a existência de uma jazida de 18
bilhões de toneladas de minério de ferro de alto teor. Depois, verificou-se que em
Carajás não havia somente minério de ferro. Havia também grandes depósitos de
manganês, ouro, bauxita, cobre e outros minerais valiosos.
A empresa que descobriu as jazidas era, na verdade, o braço brasileiro da U.S. Steel,
grande siderúrgica norte-americana e uma das maiores consumidoras mundiais de
minério de ferro. Contudo, devido a uma ação do governo brasileiro, a U.S.Steel foi
obrigada a aceitar a Cia. Vale do Rio Doce como sócia na exploração mineral, o que
deu origem a companhia Amazônia Mineração S/A (AMZA), que foi quem de fato
tomou as primeiras iniciativas para viabilizar a exploração mineral de Carajás
(CARNEIRO, 2010, p.18).
Nesse sentido, a americana e a Vale deram início a um processo agressivo de
ampliação de suas bases com o desenvolvimento do Projeto Carajás, que abrange Maranhão e
Pará (GODEIRO et al. 2007). Dois anos depois, em 1969, foi inaugurada a primeira usina de
pelotização da Vale em Tubarão, Espírito Santo, com capacidade para produção de 2 milhões
de toneladas/ano.
Ateste-se que a descoberta de minério de ferro em Carajás-PA, não somente permitiu
que a Vale do Rio Doce se transformasse na maior exportadora de minério de ferro do mundo,
como também contribuiu para que ela também fosse
Empurrada pelo governo brasileiro rumo ao Norte do país. Em abril de 1970 foi
criada a AMSA - Amazônia Mineração S.A., pela associação Companhia Vale do
Rio Doce, com 51% das ações, e a Companhia Meridional de Mineração, que ficou
com 49% (IBRADES et al., 2007, p. 35).
31
Como se percebe, é de longa data a coalizão entre os clientes da Vale... ThyssenKrupp (Alemanha), Nisshin
Steel, Sumitomo, Kobe Steel, JFE Steel, Nippon Steel (Japão).
48
5.4 Década de 1970: os ―milagres econômicos‖, a ―vocação mineral‖ da Amazônia e a
diversificação do desenvolvimento da estatal
A década de 1970 é crucial para o Brasil e, consequentemente para a Vale. O governo
ditatorial do presidente Médici prosseguiu com as políticas de desenvolvimento, modelo
através do qual o governo militar acreditava ser capaz de inserir a nação brasileira no âmbito
dos países desenvolvidos. Sendo assim:
O I Plano Nacional do desenvolvimento econômico (I PND) instituído pela Lei
5.727 de 4 de novembro de 1971, foi desenvolvido para o período de 1972 a 1974 e
seguia basicamente o formato estabelecido antes pelas Metas e Bases. A estratégia
global adotada que consiste seguramente na peça de resistência do I PND envolve a
expansão da fronteira econômica, uso intenso de recursos humanos, consolidação do
desenvolvimento do Centro Sul e industrialização do Nordeste; tudo com o objetivo
de aprimorar o poder de competição nacional (BARBOSA, 2002, p. 27-28)
Estimular uma relação desarmônica entre regiões era necessário para a consolidação
do desenvolvimento. Afinal, aprimorar o centro-sul do Brasil e vetorizar o crescimento
econômico do Nordeste via industrialização acabariam por deflagrar o desenvolvimento que
tanto o presidente Médici buscava.
Apesar de o plano ser dito nacional, ele continha objetivos e estratégias globais como
preços internacionalmente competitivos (BARBOSA, 2002). Ao mesmo tempo em que o
PND contribuiu para o processo de modernização das empresas brasileiras, brindou os
nordestinos com os louros da industrialização desenfreada do centro-sul: segregação
socioespacial, conflitos agrários, urbanização precária e subdesenvolvimento. Barbosa (2002,
p. 28) diz que:
O II PND (II Plano Nacional de Desenvolvimento), instituído pela Lei 6.151 de
dezembro de 1974, encontrou sérios obstáculos em especial na dificuldade e demora
na adaptação da economia do país à crise do petróleo. Seus objetivos principais
eram:
♦ Manter o crescimento econômico acelerado dos anos anteriores;
♦ Reafirmar a política de contenção da inflação;
♦ Manter em relativo equilíbrio o balanço de pagamento;
♦ Realizar política de melhoria de distribuição de renda simultaneamente com o
crescimento econômico;
♦ Preservar a estabilidade social e política;
Note-se que o II PND, apontou como um dos principais objetivos ―Manter o
crescimento econômico acelerado dos anos anteriores‖. Contudo, isso não significou
desenvolvimento social, nem ―distribuição de renda‖, uma vez que a macrorregião sudeste,
49
entendida aqui como um recorte do espaço nacional que fundamenta certas especificidades
da reprodução do capital (OLIVEIRA, 1981), consolidou-se como grande parque industrial
e prestador de bens e serviços, enquanto que o Nordeste mergulhou em dilemas urbanos e nos
mais diversos conflitos. O reflexo na Vale dessa política federal será a diversificação dos
investimentos. No dia 07 de julho de 1971, foi fundada a Rio Doce Geologia e Mineração
S.A. (DOCEGEO). Essa subsidiária da Vale tinha como objetivo realizar pesquisas e lavra de
minério e durante sete anos, a partir de investimentos de US$ 82 milhões (BARBOSA, 2002),
as ―pesquisas concluíram que, em Carajás, se encontrava a maior reserva de minério de ferro
do mundo, com 18 bilhões de toneladas; a CVRD acrescentou mais 35 novos pontos de
extração, envolvendo 11 minerais diferentes em treze estados do país‖ (BAIZ apud
BARBOSA, 2002, p. 29).
Ainda em 1971, foram descobertas jazidas de manganês localizadas no Córrego do
Azul na Serra de Carajás que perfazem um montante de 65 milhões de toneladas
(CARNEIRO, 2010).
Em 1972, a Vale e a US Steel constituíram a Valuec Serviços Técnicos, cuja finalidade
era analisar a viabilidade do Projeto Carajás. Ainda no mesmo ano, a Vale firmou convênio
com a Alcan Aluminium ltd., do Canadá, visando à exploração de bauxita na região do rio
Trombetas. Em 1973, foi inaugurada a primeira fase da Usina de Concentração de Itabirito.
Barbosa aponta ainda que:
Em 1973 foi criada a Celulose Nipo Brasileira S/A (CENIBRA), com capacidade de
produção de 750 toneladas diárias de celulose a partir de cavacos de madeira
fornecidos pelas Florestas Rio Doce; a Companhia Ítalo Brasileira de Pelotização
(ITABRASCO), empresa formada pela CVRD e o grupo italiano Finsider
International, para construir e operar uma usina de pelotização junto ao porto de
Tubarão, no Estado do Espírito Santo, com capacidade para produzir três milhões de
pelotas por anos (BARBOSA, 2002, p. 29).
Cabe destacar que 1974 é o ano que marca a grande guinada de investimentos e
incentivos fiscais para a exploração mineral na Amazônia. Segundo Porto-Gonçalves (2005)
quem descobriu a vocação pecuária e de exploração mineral para a Amazônia fora o então
ministro Delfim Netto. Essa descoberta encravou a Amazônia entre a cruz e a espada: por um
lado os impactos oriundos da pecuária; na outra ponta a mineração, uma atividade
metodologicamente organizada que agride o meio ambiente através de práticas de
desmatamento, atrai um grande fluxo populacional e uma maior pressão por recursos naturais.
Nos idos de 1974, a Vale tornou-se a maior exportadora de minério de ferro do mundo,
detendo 16% do mercado transoceânico do minério.
50
Em 1974 foi criada a Companhia Nipo Brasileira (NIBRASCO), Joint Venture
integrada pela CVRD e um grupo de siderúrgicas japonesas, liderado pela Nippon
Steel, com capacidade para produzir seis milhões de toneladas anuais de pelotas; a
Companhia Hispano Brasileira de Pelotização (HISPANOBRAS), empresa formada
pela CVRD e a espanhola Ensidesa, com produção prevista de três milhões de
toneladas de pelotas; a Alumínio Brasileiro S/A (ALBRAS), Joint Venture formada
pela CVRD e pela Nippon Amazon Aluminium, com capacidade para produzir 160
mil toneladas anuais de alumínio primário e a Mineração Rio do Norte (MRN),
consórcio multinacional para a exploração das jazidas de bauxita às margens do rio
Trombetas, no Estado do Pará, com produção inicial estimada de 3,4 milhões de
toneladas anuais (BARBOSA, 2002, p. 29).
Pela primeira vez, em 1975, a Vale lançou debêntures no mercado internacional, no
valor de 70 milhões de marcos, com intermediação do Dresdner Bank. 1976 marca o ano do
Decreto nº 77.608 que outorgou à Vale a concessão para construção, uso e exploração da
estrada de ferro entre Carajás (PA) e São Luís (MA), e também ―foi criada a Minas da Serra
Geral (MSG); a Urucum Mineração S/A, visando a exploração das reservas de manganês das
serras de Urucum e Jacadigo, no município de Corumbá, no Estado do Mato Grosso‖
(BARBOSA, 2002, p. 29).
Ano importante para se analisar as ações da Vale no Maranhão é o de 1977, pois a
Vale anunciou prioridade ao Projeto Carajás, para, a partir de 1982, iniciar a exportação do
minério de ferro pelo Porto de Itaqui. Em 1977, a Vale se tornou única operadora do projeto32,
que é até hoje um dos principais ativos da empresa (GODEIRO et al. 2007).
Seguindo, 1978 é o ano inicial da construção da Estrada de Ferro Carajás (EFC), da
criação da ―Alumina do Norte Brasil (ALUNORTE), empresa produtora de alumínio com
produção prevista de 800 mil toneladas anuais‖ (BARBOSA, 2002, p. 29) e da apresentação,
por parte da Vale, à Secretaria de Planejamento da Presidência da República, do Projeto Ferro
Carajás (CARNEIRO, 2010).
No início de 1978 o Conselho de Desenvolvimento Econômico da Presidência da
República autoriza o começo das obras de construção da Estrada de Ferro Carajás
(EFC) e, em outubro desse mesmo ano, aprovava o Projeto Ferro Carajás (PFC),
com a previsão de operação colocada para o ano de 1985, com uma produção
estimada de 15 milhões de toneladas (CARNEIRO, 2010, p.19).
O ano conseqüente, 1979, é o início efetivo da implantação do Projeto Ferro Carajás,
adotado como principal meta da estratégia empresarial da Vale, que contava atingir uma
produção inicial de 12 milhões de toneladas por ano (CARNEIRO, 2010).
32
Isso em decorrência dos desacordos com a U.S.Steel, que fez com que a sociedade que havia entre a referida
empresa e a Vale fosse extinta. Este fato possibilitou que a Vale se tornasse a única proprietária da Amazônia
Mineração S/A e do empreendimento mineral de Carajás (CARNEIRO, 2010).
51
5.5 Década de 1980: os anos que a CVRD não perdeu
A década de 1980, conhecida como a ―década perdida‖, foi um período de profundas
transformações na economia brasileira. É o momento em que a ditadura começava a
enfraquecer-se, altas inflações, estagnação econômica, dentre outros fatores. O Brasil
atravessava um período de endividamento oriundo de fatores externos que debilitavam as
contas internas da nação (BARBOSA, 2002). Carneiro (2009, p. 18) aponta que na década de
1980:
Marcada pela constituição dos grandes empreendimentos gestados no âmbito do II
Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), o foco dos estudos dirigiu-se para a
análise da implantação dos ‗grandes projetos‘, de sua economia e das repercussões
sociais e ambientais desses empreendimentos.
De fato, como o próprio autor comenta, quer os estudos fossem sociológicos ou
geográficos, na década de 1980, não enfatizavam a Vale como o sujeito da ação, apenas a
viam como um ―elemento da paisagem‖, ou seja, não se concebia a Vale como um ―agente
dotado de características particulares intervindo num determinado campo econômico‖
(BOURDIEU apud CARNEIRO, 2009, p. 19).
Enquanto sujeito da ação, a Vale, mesmo que uma empresa estatal, não podia
prescindir da ajuda do governo brasileiro no que concerne à efetivação do seu programa de
desenvolvimento em Carajás. A prospecção mineral na região de Carajás demanda, como a
maioria das atividades ligadas ao setor de mineração, uma grande quantidade de recursos e a
infraestrutura necessária ao desenvolvimento da atividade: desde a prospecção em si até o
escoamento da produção.
O programa Grande Carajás foi criado em 1980, através do Decreto-Lei nº 1813 de
21.11.1980. O Programa tinha como objetivo beneficiar empresas que viessem a se
instalar na região do programa, que incluía parte do território dos estados do Pará,
Maranhão e Tocantins, tendo como limite o paralelo 8º e os rios Parnaíba, Xingu e
Amazonas. Essas empresas seriam beneficiadas através de incentivos financeiros
(empréstimos subsidiados) e isenções fiscais que seriam concedidos através de
instituições públicas operando na região, caso das Superintendências Regionais de
Desenvolvimento como a SUDAM e a SUDENE e da própria estrutura montada
para a organização do PGC (CARNEIRO, 2010, p.19).
É interessante, e ao mesmo tempo irônico, que, como bem nos escreve Carneiro, o
programa tinha como objetivo beneficiar empresas... ou seja, não era da governamentalidade
(FOUCAULT) beneficiar a sociedade em si, mas setores privados dela. Pantoja (2010, p.1)
diz que no início da década de 1980:
52
[...] o Projeto Ferro Carajás, da Companhia Vale do Rio Doce e o Programa Grande
Carajás, desenvolvido nos gabinetes do governo federal (sob o comando do General
Figueiredo), eram a grande saída do Brasil para o impasse da crise cambial, no início
dos anos 1980. Afinal, gerariam dólares ao país e assim assegurariam a estabilidade
macroeconômica tão sonhada pelo Estado Brasileiro. O desenvolvimento regional
também era uma das esperanças de resultado do projeto, a partir da crença de que
com a expansão do produto interno bruto e da base tributável da economia regional,
o poder público manejaria maiores somas de recursos e poderia oferecer soluções
aos problemas econômicos e sociais vivenciados pela população daquela região.
Notadamente, a década de 1980 é ponto nevrálgico para que se entenda a incursão do
moderno (colonizador) sobre o meio ambiente ludovicense, haja vista que é o momento no
qual as práticas produtivas concretas de diversos atores sociais, como as empresas, no caso
específico, a Vale, são espacializadas, alterando sumariamente os modos de vida dos
impactados. Como bem infere Aquino; Sant‘Ana Júnior (2009, p. 59):
Desde o início da década de 1980, em função da construção de grandes indústrias
mínero-metalúrgicas (como o consórcio ALCOA/ALUMAR, a Vale), de sucursais
administrativas de indústrias petrolíferas (como a PETROBRÀS), do terminal da
Estrada de Ferro Carajás e do Complexo Portuário de São Luís, vários povoados
foram deslocados e o modo de vida daqueles que permaneceram sofreram impactos
significativos, o que é maximizado pela ameaça recorrente de novos deslocamentos.
Vimos que os governos de Juscelino Kubitschek, com o seu plano de Metas, bem
como os planos nacionais de desenvolvimento dos governos militares, buscavam oferecer a
infraestrutura necessária para a efetivação dos projetos de desenvolvimento. No bojo desse
fito, a Hidrelétrica de Tucuruí e a Transamazônica são os exemplos dessa política
desenvolvimentista governamental: a hidrelétrica para o fornecimento de energia; e a
transamazônica como maneira de abrir caminhos e estradas interligando lugares, regiões,
territórios, espaços homogêneos e heterogêneos por entre o ―vazio demográfico e cultural‖.
Sinteticamente: ―a abertura de estradas e o barramento dos rios foram tarefas assumidas pelo
Estado. A estrada e a energia são condições gerais de produção essenciais para que as
iniciativas particulares de produção se fizessem presentes‖ (PORTO-GONÇALVES, 2005,
p.102).
Destaque-se que a hidrelétrica de Tucuruí tornou possível também a concretização da
ALUMAR (Consórcio de Alumínio do Maranhão) e das subsidiárias da Vale: ALUNORTE E
ALBRAS. Tendo a infraestrutura necessária para as primícias dos projetos, tendo também o
ministro Delfim Neto descoberto a ―vocação natural‖ da Amazônia, como nos ensina PortoGonçalves (2005), de região de extração mineral, nada mais ―natural‖ que o Estado garantir o
financiamento das iniciativas privadas: esse foi o papel da Superintendência de
53
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), a agência governamental que garantiu os
incentivos fiscais para o empresariado (PANTOJA, 2010).
A Vale adentra o setor de alumínio a partir do início das operações da Valesul
Alumínio S.A., localizada no bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Trata-se de uma usina
que produz 100 mil toneladas de alumínio ao ano. Possui um terminal portuário próprio, que
está em operação desde 1982. As atividades extrativo-exportadoras da Vale na região sul do
Pará vêm desde 1985, quando, por exemplo, foi concluída a planta de beneficiamento de
manganês oriundo do Córrego Azul na Serra de Carajás, que nos dias de hoje possui uma
capacidade produtiva de 2,5 milhões de toneladas por ano (CARNEIRO, 2010).
Atualmente, estima-se uma produção de cerca de 1,8 milhão de toneladas de ferrogusa, que é a principal matéria-prima para produção de aço. A mina de ferro de Carajás situase em Parauapebas, sul do Pará (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Em 1985, a empreiteira
Rodominas entregou a Vale, no dia 28 de fevereiro, a Estrada de Ferro Carajás. Resalte-se que
com a inauguração do Projeto Ferro Carajás, a Vale aumentou a sua capacidade produtiva
agora estruturada em dois sistemas logísticos distintos (Norte e Sul).
1986 é um ano chave para a cidade de São Luís, bem como para o Maranhão, pois
marca o início da operação do Terminal da Ponta da Madeira33. No ano de 1989, a empresa
focou-se no processo de internacionalização, com a elaboração do Plano Estratégico (19892000); foi também o ano do PR, Programa de Participação nos Resultados, para os
empregados da Vale. Baiz (apud BARBOSA, 2002, p. 32) escreve que:
Na CVRD, o programa de diversificação prossegue durante a década de 80 e a
empresa, agindo de acordo com as diretrizes do governo federal, de substituição de
importação, e o fomento do desenvolvimento tecnológico interno, aumenta o índice
de nacionalização dos materiais e equipamentos que a empresa utilizava, a Vale,
33
O Terminal Ponta da Madeira foi construído com recursos oriundos do Governo Federal, na década de 80 do
século XX, e sua construção estava vinculada ao Programa Grande Carajás, que tinha como objetivo promover
desenvolvimento das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Dentre as iniciativas desenvolvidas no âmbito do
Programa Grande Carajás salienta-se a exploração de minério de ferro da Serra dos Carajás, que exigiu a
construção do complexo mina-ferrovia-porto, cuja operacionalização foi iniciada em 1986, e o terminal passou a
servir de portal de escoamento para o minério. A principal operação do referido terminal marítimo da Ponta da
Madeira é com o minério de ferro. É também no terminal privativo da Vale que atraca o famoso graneleiro Berge
Stahl, o maior do mundo, e tem como capacidade de transporte 370 mil toneladas de minério de ferro. Segundo
Feitosa e Trovão (2006, p. 156), ―A estrutura do porto está distribuída em cais, pátio de estocagem para mais de
3,65 milhões de toneladas, estações de descarregamento com virador de vagões, pesagem e amostragem,
havendo ainda instalações de manutenção do porto, com ferrovia, máquinas e equipamentos, setor administrativo
e Centro Operacional. O terminal da Ponta da Madeira é de extrema importância para economia do Estado do
Maranhão, pois embora o minério seja extraído no Estado do Pará, o Maranhão se beneficia com as vantagens da
mão-de-obra empregada na operacionalização do terminal marítimo, nos serviços prestados pelas empresas
locais, a CVRD, e, especialmente, pelo transporte de passageiros, da produção agropecuária, além de
mercadorias que têm São Luís como destino final‖. Cabe lembrar que a Vale está expandindo o porto de Ponta
da Madeira, parte de um projeto bem maior de duplicação de toda a cadeia de exportação do minério (novas
minas e duplicação dos trilhos). Essa ampliação, que está obtendo licenciamentos ambientais fragmentados,
comportará um forte aumento da poluição e do impacto socioambiental no corredor de Carajás.
54
amplamente beneficiada pela política econômica do momento, teve seus
investimentos preservados, consolidando-se como um dos maiores conglomerados
empresariais do país.
De fato, as políticas do momento beneficiavam a Vale. O Brasil estava mergulhado
numa alta crise inflacionária e as despesas públicas eram postas de lado, enquanto
enfatizavam-se as privatizações, o comércio declinava e havia o congelamento de preços.
5.6 Década de 1990: a gigante estatal é privatizada
Na década de 1990, na qual é enfatizado o segundo momento de análise, tem-se como
ápice o ano de 1997, data da privatização da Vale. Por isso é de vital importância avaliar a
década de 1990 para se entender as políticas de responsabilidade socioambiental. Nos anos
1990, no governo Collor de Mello, o Brasil refletia a conjuntura internacional de medidas
neoliberais (imperialistas, por assim dizer). O citado presidente iniciou o programa de
privatização das empresas estatais, objetivando entregar as riquezas nacionais ao capital
internacional.
Esse movimento já vinha sendo utilizado nas nações industrializadas em outros
países da América Latina, tendo como argumento os elevados déficits fiscais dessas
nações. Logo depois de tomar posse, o presidente enviou ao Congresso, em março
de 1990, a Medida Provisória 115, que se tornou a Lei 8.031, instituindo o Programa
Nacional de Desestatização e a maioria das regras que ainda o regem (REGO et al.
apud BARBOSA, 2002, p. 33).
Desestatização ou privatização era apresentada como sendo a melhor forma possível
de sanar a dívida pública oriunda, principalmente dos anos 1950 e 1970. Para isso, era preciso
adequar-se às diretrizes de órgãos multilaterais que aparecem como ―médicos‖ dessa
―doença‖ chamada dívida pública. Vejamos então o que dizia o PND em seu artigo 1º:
I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa
privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; II - contribuir
para a redução e melhoria do perfil da dívida pública, concorrendo para o
saneamento do setor público; III - permitir a retomada de investimentos nas
empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; IV contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua
competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da
economia; V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas
atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das
prioridades nacionais (IBRADES et al., 2007, pp. 16-17, os grifos são meus).
Como ―bons médicos‖, o FMI e o Banco Mundial receitam e impõe medicamentos que
viabilizem a cura financeira do País. Todavia, engana-se quem pensou que a ausência do
Estado transforma-se totalmente em oferecimento de serviços essenciais à população.
55
Privatizando a saúde e a educação, por exemplo, cria-se uma ―massa de excluídos‖ que não
são assistidos pelo setor privado.
Cabe lembrar que o processo de privatizações inicia-se com a 1ª Carta de Intenções do
Fundo Monetário Internacional, datada de 1983. A intenção do FMI de desestatizar a
economia é evidente.
O texto desta Carta de Intenções registra que ―parte substancial do ajuste econômico
caberá às empresas do Governo [...] torna-se necessária, durante 1983 e em anos
subseqüentes um corte substancial no dispêndio global dessas empresas. [...] deve-se
reduzir o número de empresas governamentais e ajustá-las às regras do mercado [...]
igualmente importante será um endurecimento substancial na política de gastos das
empresas estatais (IBRADES et al., 2007, p. 28).
Note-se que, na visão do FMI, as empresas do Governo, as estatais, são dispendiosas,
dão despesas e não benefícios ou lucros, por isso deve-se reduzir o número de tais empresas e
ajustá-las às regras de mercado, ou seja, privatizá-las. As empresas estatais possuem uma
política econômica frágil, sendo preciso endurecê-las ao frio, objetivo e lucrativo mercado,
para que fossem pagas as dívidas. Como bem disse a então Primeira-Ministra da Inglaterra,
Margareth Thatcher, em 1983: ―Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas
dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas‖ (IBRADES et
al. 2007, pp. 29, os grifos são meus).
No seio do neoliberalismo a fúria da privatização irrompe fronteiras. Essas reformas
neoliberais (resolução de déficits fiscais, atração de investimentos, competitividade) acabam
por deflagrar uma onda de demissões e em contrapartida de investimentos exteriores. O papel
do Estado é então remodelado ou reordenado estrategicamente, ou seja, de produtor de bens e
serviços para regulador/disciplinador do mercado econômico-financeiro (REGO et al apud
BARBOSA, 2002). A prioridade nacional transforma-se em prioridade internacional. A
administração pública dá lugar ao empreendedorismo, à lógica da competição. O saneamento
do setor público não é o saneamento básico, ou o saneamento das necessidades34 básicas do
povo, mas o saneamento das contas públicas.
O que chama a atenção é a atitude do governo brasileiro em privatizar justamente as
empresas que auferiam mais lucros para o país, além de abrir mão de setores estratégicos
como telecomunicações, siderurgia e mineração: ―A desestatização do governo Federal teve
início com a venda da siderúrgica Usiminas por US$ 2,31 bilhões, em leilão realizado na
34
A palavra necessidade é, na era do desenvolvimento (pós-Segunda Grande Guerra), uma carência ou um
direito a alguma coisa. É como se os ditos subdesenvolvidos, como os brasileiros, tivessem uma necessidade
imperativa de se desenvolver, no qual o desejo se transforma em reivindicação. É necessário também o
reconhecimento por parte dos subdesenvolvidos de suas carências, ou seja, eles têm que aceitar jogar o jogo do
desenvolvimento (ILLICH, 2000).
56
Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em outubro de 1991‖ (BNDES apud BARBOSA, 2002,
p. 34).
Após o impeachment de Collor de Mello, o governo de Itamar Franco (1992-1994),
que era o vice de Collor, tem como carro-chefe o Plano Real, lançado pelo então ministro da
fazenda, Fernando Henrique Cardoso. No bojo dessa política econômica, é abandonada a
política de congelamento dos salários e dos preços das mercadorias. Seu governo, assim como
o anterior, é marcado pelo controle dos gastos públicos e pelas medidas pró-privatização.
Nesse período, a então Companhia Vale do Rio Doce apresentou o primeiro projeto de
desenvolvimento sustentável do país, no ano de 1992, o Projeto Pólos Florestais, pegando
carona na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco92, realizada no Rio de Janeiro (RJ). Um ano mais tarde, o Instituto Brasileiro de Economia
da Fundação Getúlio Vargas classificou a Vale como a primeira empresa no ranking nacional.
Em 1994, devido ao sucesso no controle da inflação através do Plano Real, Fernando
Henrique Cardoso tornou-se presidenciável pela coalizão PSDB-PFL35. Tal como o governo
anterior, o popularmente conhecido FHC, tem como um dos seus pontos fortes o Plano Real,
que foi idealizado pelo próprio e sua equipe quando ainda era Ministro da Fazenda do
governo Itamar. Antes de analisar o governo de Fernando Henrique Cardoso, cabe anotar que:
Na segunda metade dos anos noventa, com o fim do período dos grandes
investimentos federais na região e com o processo de privatização das estatais, as
empresas passaram a receber maior destaque como atores importantes dos processos
econômicos e de suas repercussões sociais e ambientais (CARNEIRO, 2009, p. 19).
Dessa forma, pautado no modelo neoliberal, o governo Fernando Henrique abdicou do
bem-estar social e promoveu o empobrecimento em massa dos brasileiros. Os funcionários
públicos foram desprestigiados e a criminalização aumentou em demasia. Contudo, foi no
campo das privatizações que FHC deixou a sua marca.
Em 1995, Fernando Henrique assinou o Decreto n° 1.510, de 1º de junho, no qual a
Vale é incluída no Programa Nacional de Desestatização. Um ano depois, o Conselho
Nacional de Desestatização (CND) aprovou o modelo de desestatização da Vale,
precisamente no dia 10 de outubro. Em 1996, FHC dizia o que ele achava da Vale do Rio
Doce:
O que é a Vale do Rio Doce? É uma empresa que pega minério, pedra, põe num
vagão, leva para o porto e manda embora. Ela não tem nenhuma, não acrescenta
nada, digamos, não agrega valor, tecnologicamente falando, não tem uma... agora, o
Brasil tem muito minério, e tem uma boa companhia que é a Vale do Rio Doce, que
é uma transportadora eficaz, tem uma logística eficaz. Isso é muito importante. Mas
35
O Partido é atualmente conhecido como Democratas (DEM).
57
não é estratégico. Foi no passado. Hoje, não. Mais estratégico era a Embraer, que faz
aviões. E o governo Itamar Franco, com meu apoio, privatizou. Se não tivesse
privatizado, nós não teríamos produzido o Embraer 145, no qual eu voei ao Chile.
Porque lá, sim, tem tecnologia nova. No caso da Vale do Rio Doce não há
tecnologia nova (IBRADES et al. 2007, p. 17).
A primeira coisa que chama atenção é o vocabulário técnico do excelentíssimo senhor
ex-presidente que não sabe nem qual a diferença entre ―pedra‖ e minério. Creio que a Vale
não seria tão lucrativa caso extraísse ―pedra‖ do subsolo brasileiro. Mas o que mais inculca é
a desculpa ―tecnológica‖ que o viajado ex-presidente nos fornece. Pensemos: se a Vale do Rio
Doce não usufruísse de tecnologia como poderia estar apta a extrair minério do solo
brasileiro? Como poderia realizar pesquisas e análises geológicas?
Ressalte-se que desde 1996, o empreendimento Complexo Industrial e Portuário do
Pecém (Cipp) teve sua instalação autorizada, cerca de cem famílias indígenas Anacé que
habitam os municípios de São Gonçalo do Amarante e Caucaia, na região litorânea do Ceará,
já foram obrigadas a deixar seu território tradicional e outras deverão fazer o mesmo com o
início da construção do complexo (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).
No dia 22 de janeiro de 1997, Antônio Kandir, Ministro do Planejamento, divulga que
o leilão de venda do controle acionário da Vale ocorrerá em abril do corrente ano. Já em 06 de
março, o edital de privatização da Vale foi anunciado pelo BNDES36. Este mesmo banco
lançou a cartilha sobre a privatização da Vale. Por fim, no dia 06 de maio de 1997, a
Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio
de Janeiro, no qual participaram o Consórcio Valecom, articulado pelo Grupo Votorantim, e o
Consórcio Brasil37, liderado pela CSN. Vale destacar que o Consórcio Brasil arrematou
41,73% das ações ordinárias da Vale por R$ 3.338 bilhões em moeda corrente. Nas palavras
do próprio ex-presidente:
A mais significativa privatização nesse setor ocorrida em meu governo foi, sem
dúvida, a da Vale do Rio Doce, considere-se o aspecto simbólico, financeiro ou
produtivo. A despeito de inumeráveis tentativas de bloquear o leilão de privatização
com protestos e medidas judiciais, sob o pretexto de que a companhia iria ser
vendida "na bacia das almas" a grupos estrangeiros, a privatização ocorreu e hoje a
Vale desmente, por seu desempenho, todos os receios pretextados pelos que se
36
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social é um banco de investimento federal cujo objetivo
é o fomento de atividades produtivas. Interessante perceber como o Estado, na figura do BNDES, financia
projetos de desenvolvimento capitaneados pelo capital internacional. Nos termos discutidos, o BNDES também
merece uma atenção especial enquanto ator fundamental para o fomento de atividades produtivas. Em todo caso,
a instituição é refém do próprio sistema (capitalista) que a engendrou: é do conhecimento dos estudiosos que o
―desenvolvimento‖ econômico é o caminho para o desenvolvimento social; todavia, raramente a sociedade, a sua
ampla maioria, desfruta das benesses econômicas oriundas do desenvolvimento das forças produtivas.
37
O Consórcio Brasil é composto por CSN (31%), Litel Participações (25%), Elétron S.A. (21%), Sweet River
Investments (11%), constituindo o Valepar S.A.
58
opunham à sua venda por motivos políticos e ideológicos ultrapassados. Lucrativa
como jamais em toda a sua história, ela consolidou presença no mundo, sendo, ao
lado da Petrobras, a maior multinacional brasileira. Controlada por capitais
brasileiros, paga hoje mais impostos ao Tesouro do que rendiam suas ações quando
sob controle governamental. Anos depois de ter deixado o poder, porém, continuei a
ver este aspecto fundamental não ser levado em conta pelos que continuaram a
criticar sua privatização (CARDOSO, 2006, p. 383).
Fernando Henrique Cardoso, como bom neoliberal e modernista, jamais teve em
mente proteger setores da economia que dão lucro ao Estado, bem como representam
soberania nacional, pelo contrário: privatizou sem qualquer atendimento ao interesse público,
sob a justificativa dos custos que a empresa onerava ao Estado, bem como o dinheiro da
venda cobririam os gastos da dívida pública. No entanto, o valor auferido com a venda não
ultrapassava dois meses dos juros da dívida de então (ZAGALLO, 2010); por isso a
desembargadora Selene Maria de Almeida, escreveu:
O governo colocou na CVRD, em toda a sua história, US$ 1,24 bilhão e retirou US$
1,41 bilhão (valores atualizados). Segundo a nota da estatal: ―o lucro que não foi
distribuído através de dividendos, ficou retido na empresa para expansão de suas
atividades e investimentos em novos negócios, aumentando a riqueza do acionista e
seu patrimônio. No caso da CVRD, esses lucros retidos foram aplicados em
investimentos que proporcionaram aumento da receita do grupo, de valores
equivalentes a US$ 198 milhões/ano no início da década de 1970, para valores, hoje,
na ordem de US$ 5,5 bilhões/ano, representando um crescimento anual médio de
13,6%‖ (IBRADES et al. 2007, p. 33).
Sem falar que a Vale do Rio Doce foi subavaliada38: em 1997, o patrimônio da CVRD
era estimado em 10 bilhões de reais e foi vendida por pelo preço de R$ 3,338 bilhões: será
que Fernando Henrique Cardoso também achou isso um motivo ―político-ideológico‖
ultrapassado?
As empresas avaliadoras não incluíram no patrimônio da Vale, por exemplo, as
reservas de urânio (material radioativo), de propriedade restrita à União, a cessão de
faixas de terra nas fronteiras para a exploração de minérios, as estruturas portuárias e
ferroviárias (IBRADES et al., 2007, pp. 14-15).
38
―No início de 1997 foi elaborado um relatório pelo grupo de Assessoramento Técnico da Comissão Externa da
Câmara dos Deputados, formada por especialistas da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPE, que apurou significativa diferença entre os
valores das reservas minerais registradas pela CVRD na Securities and Exchange Comission - SEC entre os anos
de 1995 e 1996[...] a Vale reduziu sua avaliação das reservas minerais em 32% entre os anos de 1995 e 1996,
passando de 41,2 bilhões de toneladas de reservas de minério de ferro para 28 bilhões de toneladas,
provavelmente já com vistas à sua privatização. Nas reservas provadas e prováveis, que possuem maior valor
para avaliação dos ativos, a redução foi da ordem de 74%. Deve se observar que entre 1995 e 1996 a Vale não
alienou nenhuma mina, única hipótese de redução de suas reservas minerais nessa escala. [...] Outra constatação
da COPPE foi a subavaliação dos preços dos minérios in situ (dentro da mina) com o valor mine gate (na boca da
mina), o que também causou prejuízo superior a US$2 bilhões na avaliação da empresa somente em relação a
esse item‖ (ZAGALLO, 2010, pp.09-10).
59
Por que, então, foram desconsideradas todas as forças produtivas da companhia ao
longo dos seus 55 anos? Por que, também, o consórcio liderado pela consultora estadunidense
Merril Lynch omitiu que o monopólio de pesquisa e de exploração do urânio pertence ao
Estado? Por que não foram avaliados o setor florestal, celulose, papel; as participações
acionárias da Vale em empresas como Açominas CSN, Usiminas e Companhia Siderúrgica de
Tubarão? (IBRADES et al., 2007). No momento de sua privatização, a Vale era a principal
exportadora de minério de ferro e líder no mercado, era a maior produtora de alumínio e ouro
da América Latina, possuía e operava dois portos de grandes dimensões com a maior frota de
navios graneleiros do mundo, controlava mais de 1.800 quilômetros de ferrovias e possuía
altíssimas reservas comprovadas de recursos minerais. Além disso, dispunha de 580
(quinhentos e oitenta) mil hectares de florestas replantadas, de onde extraía matéria-prima
para a produção de 400 (quatrocentas) mil toneladas/ano de celulose. Todo esse patrimônio
foi subestimado no momento da privatização (ORGANIZAÇÕES et al., 2010).
Durante o processo de desestatização de seu controle acionário, ocorreram inúmeras
manifestações contra a venda da empresa. Somaram-se a isso ações judiciais que foram
impetradas com o objetivo de barrar o processo pela via judicial. Todas as ações pleiteavam a
declaração de nulidade do procedimento licitatório, alegando que a venda da CVRD foi
permeada por nulidades e irregularidades (ORGANIZAÇÕES et al., 2010).
Sob muitos protestos - foram mais de 103 ações populares - FHC privatizou, não só a
maior mineradora do Brasil, bem como uma das mais produtivas do mundo, tirando do
controle do Estado um setor estratégico e de ação direta39. Cabe destacar também que, desde a
criação da CVRD, a empresa destinava 8% do seu lucro líquido para aplicações em ações que
estimulassem o desenvolvimento das comunidades onde desenvolvia suas operações.
Todavia, após ser privatizada ocorreu a constituição de um fundo de desenvolvimento
gerenciado pelo BNDES, com a doação de 85 milhões, em parcela única que substituiu o
antigo fundo social (ZAGALLO, 2010). Antes disso:
Em 1993, a CVRD tornou-se a maior produtora de ouro da América Latina com 12
toneladas ano e adquiriu participação na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e
39
Os governos Collor e FHC são responsáveis por ―jogar no lixo‖ uma alternativa importante para a saída da
crise brasileira, ou seja, uma concessão eficiente de serviços públicos e gerador de ―efeito multiplicador‖, capaz
de atingir o pleno emprego. Ao mesmo tempo em que o governo ficou aliviado da administração e despesas de
certos setores públicos, perdeu a lucratividade de alguns, como a Companhia Vale do Rio Doce e o sistema
móvel celular. Também, inviabilizou a retirada de impostos futuros das empresas estatais para investimentos
prioritários, proporcionou a realização do efeito multiplicador fora do Brasil (através da compra de equipamentos
no mercado internacional), permitiu a fuga de capitais oriundos dos lucros dessas empresas (conta CC-5), abriu
mão de empresas estratégicas e entregou empresas lucrativas por preços irrisórios. Por esses e outros motivos,
vale considerar fundamental nossa ferrenha defesa por uma concessão séria de serviços públicos ―estrangulados‖
à iniciativa privada nacional (SILVEIRA, 2005).
60
na Aço Minas Gerais S/A (AÇOMINAS). Em 1994 e 1995 atinge venda recorde de
101 milhões e 106 milhões de toneladas de ferro, respectivamente, ultrapassando a
barreira de um milhão e duzentas mil toneladas na produção de manganês de Carajás
e a Estrada de Ferro Carajás foi considerada a melhor operadora do ano [...] Em
1996, a CVRD supera a marca de 300 milhões de toneladas de pelotas produzidas
em Tubarão, no Estado do Espírito Santo [...] Ainda em 1996, a CVRD inaugurou o
primeiro projeto de minerais metálicos no recém criado Estado do Tocantins
(BARBOSA, 2002, p. 35-36).
Por mais que fossem expostas as mazelas sociais tais como: privatização,
empobrecimento da população e aumento da criminalidade, FHC foi reeleito para mais um
mandato com duração de 04 anos. Toda essa história de ―sucesso econômico‖ em âmbito
federal escamoteia as ações da Vale a nível estadual. Exemplificando: no Maranhão, parte da
culpa do inchaço e crescimento populacional nos centros urbanos deve-se à instalação de
grandes empresas, como a Vale, uma vez que, situando um caso específico, muitos moradores
da área Itaqui-Bacanga, no município de São Luís, foram desalojados de seus territórios para
instalação
de
empreendimentos,
sem
que
nenhuma
política
eficiente
de
habitação/moradia/geração de renda tenha sido efetivamente destinada aos próprios. Como
conta Ruy da Silva Almeida, morador do Alto da Esperança, residencial construído para
abrigar moradores deslocados depois da chegada da Vale:
Aí pronto. Promessa de sonho, de mudança... Que na verdade foram só promessas.
As famílias que vieram para cá não tiveram. Inicialmente veio uns assistente (sic)
social só fazer a mídia, entendeu? Mas depois largaram o povo aí, cada um se... Eu
me lembro que muitos jovens da minha idade, hoje, tudo são marginais mesmo se
transformaram porque, se ficassem lá, cara, talvez hoje ainda eram pescadores que
nem seus pais, aquela coisa de passar de pai para filho e foi tirado... Veio pra cá as
condições não eram a mesma, não tinha como se manter nessa área de pesca aqui no
Alto. Na verdade, nem tem área de pesca, o igarapé que tem aí... Ela, como
companhia mesmo, eu acredito que ela destruiu a comunidade... Ela tá lá lucrando e
a gente tá aqui prá ver tudo (Entrevista realizada em 14/11/2010).
Citando mais um exemplo de que o ―sucesso econômico‖ da Vale não se traduziu em
melhoria social, tem-se a problemática recente envolvendo o transporte de passageiros pela
EFC. Os usuários desse meio de transporte podem ficar preocupados: segundo dados
fornecidos pela própria empresa, o número de passageiros vem caindo drasticamente, o que
implica em uma maior dificuldade de locomoção ao longo das cidades que são atravessadas
pela Estrada de Ferro Carajás-Maranhão40.
40
Cremos que uma das possíveis explicações para o decréscimo de passageiros transportados seja o fato de que a
Vale também atua no setor de logística, transportando combustíveis, produtos agrícolas, materiais de construção,
produtos oriundos da siderurgia, entre outros, por meio da Estrada de Ferro Carajás.
61
Tabela 01 - Número de passageiros transportados pela Estrada de Ferro Carajás - Maranhão – 1999-2007
Ano
N. Passageiros
1999
459.440
2000
490.637
2001
447.688
2002
465.503
2003
461.443
2004
441.498
2005
390.699
2006
370.993
2007
352.753
Fonte: Companhia Vale apud IMESC, 2008.
Em 1998, a Vale atingiu crescimento de 46% no lucro em relação a 1996. No mesmo
ano, a CVRD Lançou o Programa "De Volta para o Futuro", de apoio à educação formal,
objetivando propiciar o primeiro grau completo a todos os empregados da empresa. Quanta
boa-vontade: oportunizar a conclusão do ensino fundamental é mesmo algo fora de série.
Oxalá os empregados da Vale tivessem a mesma participação nos resultados que os
acionistas. Desde 1998, ao mesmo tempo em que seus acionistas ficam com 40% dos lucros
líquidos da empresa, somente 3% foi dirigido para suprir os bens de salário de seus
trabalhadores (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Quem sabe se os empregados ficassem com a
mesma porcentagem da cintilante fortuna dos seus acionistas, os mesmos poderiam ir para
além do primeiro grau completo com as suas mãos calejadas.
Data de 1999 o maior lucro da história da Vale: R$ 1,251 bilhão. Demonstrava assim
que ela tinha estrutura para manter-se lucrativa, não sendo, portanto, a privatização um fator
de ―eficiência41‖. A maior parte dos lucros é destinada aos seus acionistas privados sob a
forma de dividendos. Dos US$ 49,2 bilhões em lucros desde a privatização, seus US$ 13,4
bilhões foram distribuídos na forma de dividendos (ZAGALLO, 2010). Em outubro, a Vale
adquiriu a Gulf Industrial Investment Company (GIIC) localizada em Bahrain, numa parceria
com a Gulf Investment Corporation (GIC). No dia 05 de dezembro, a Reserva Natural de
Linhares (ES) foi aberta oficialmente ao público.
Ao longo do ano 2000, a Vale teve um expressivo crescimento econômico e conseguiu
também produzir 119,7 milhões de toneladas de minério de ferro. Mas todo esse expressivo
crescimento econômico internacional não se traduziu em desenvolvimento social. No referido
41
É importante notar que a eficiência concebida no âmbito da ciência moderna e do desenvolvimento capitalista
é um dos critérios principais para avaliar as tecnologias e o trabalho produtivo. Dessa forma, quanto mais
eficiente for um processo produtivo, mais desenvolvido ele será. Eficiência e desenvolvimento se tornam
sinônimos. A ciência é então o caminho para se atingir tal objetivo. Sob o cânone da ciência moderna esse
conceito foi associado a um tipo específico de utilização de recursos (ALVARES, 2000).
62
ano os Karonsi‘e Dongi (comunidade tradicional da Ilha de Sulawesi, Indonésia)42 resolveram
retornar para suas terras e a encontraram muito diferentes. No lugar das lavouras, casas e até
do cemitério Karonsi‘e Dongi só encontraram minas para exploração de minério, um campo
de golfe e dormitórios para os mineradores da Inco. Hoje 30 famílias lutam para ter suas terras
de volta. Encontram-se em situação de pobreza e carência de serviços básicos como água e
luz, vivendo em cabanas no entorno da área apropriada pela Vale Inco43 e não conseguem
mais trabalhar. Além disso, são constantemente ameaçados pela polícia e pelos guardas
armados que trabalham para a Vale (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). De fato, a Vale Inco se
aproveitou do momento histórico para fazer negócio. Depois de 43 anos longe de casa,
castigados por uma guerra civil, os Karonsi‘e Dongi viram-se castigados agora pelo
empreendimento da Vale Inco, que no lugar das lavouras encontraram a mineração; onde
eram suas habitações, agora são as dos trabalhadores da companhia; e que no lugar do
cemitério, onde repousam os ancestrais, o seu espaço de pertencimento e saudade converteuse em um espaço de lazer.
5.7 Crescem o império e a exploração: 2001 a 2004
Na ponta do seu processo de internacionalização, a Vale fecha com a China um acordo
de fornecimento de 6 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, ao longo de 20 anos.
Com efeito, as negociações entre as mineradoras mundiais com a Baosteel chinesa tornam-se
referência para o preço anual do minério de ferro no mercado (ORGANIZAÇÕES et al,
2010).
Em março de 2001, foi inaugurada a usina de pelotização de São Luís. Este é também
o ano que marca a tentativa de instalação do pólo siderúrgico na capital maranhense, numa
ação empreendida pela Vale, em conjunto com o Governo Federal, o Governo Estadual do
Maranhão e a prefeitura de São Luís, haja vista as condições portuárias de São Luís eram
extremamente benéficas ao empreendimento. Por isso, o interesse em implantar
[...] um pólo siderúrgico composto por três grandes usinas siderúrgicas, com
capacidade de produção de oito milhões de placas/ano cada, e uma gusaria. Para a
realização do empreendimento, a Vale já estaria em negociações com grupos
42
Ilha de Sulawesi na Indonésia onde a Vale Inco explora minas de níquel. A comunidade tradicional de
Karonsi‘e Dongi, que vivia da agricultura e do extrativismo, em 1957 foi obrigada a abandonar suas terras
ancestrais por causa de uma guerra civil. No período em que ficaram refugiados e ainda sob uma era autoritária
chamada ―Regime de Nova Ordem‖ a Inco assinou com o governo da Indonésia um contrato de exploração de
níquel nas terras dos Karonsi‘e Dongi.
43
A Inco era a maior mineradora de níquel do Canadá. Foi comprada pela Vale no ano de 2006.
63
empresariais estrangeiros, tais como Baosteel Shanghai Group Corporation (chinês),
Arcelor (francês), Pohang Steel Company-Posco (sul-coreano) e ThyssenKrupp
(alemão), sendo que as possibilidades de parceria, estariam, então, mais adiantadas
com os dois primeiros (AQUINO, SANT‘ANA JÚNIOR, 2009, p. 58).
Uma das vantagens visíveis da instalação do referido pólo siderúrgico seria a
proximidade em relação ao Complexo Portuário de São Luís, fato este que minimizaria os
custos com o transporte de carga e facilitaria o escoamento da produção de minério de ferro.
A produção de aço pretendida para o Pólo Siderúrgico de São Luís implicaria na emissão de
35,6 milhões de toneladas/ano de Dióxido de Carbono (CO2), principal responsável pelo
efeito estufa (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Todavia, este é mais um exemplo de que a
responsabilidade socioambiental da Vale limita-se ao campo das idéias e no campo das
imagens, pois como escrevem Aquino e Sant‘Ana Júnior (2009, p. 59):
Para a implantação do pólo siderúrgico, foi prevista a desapropriação de uma área de
2.471,71 hectares, o que implicaria no impacto direto sobre uma vasta extensão de
manguezais e no deslocamento compulsório de seus moradores e/ou daqueles que a
utilizam de forma produtiva. Estes moradores são estimados em mais de 14.400
pessoas, distribuídas em doze povoados (Vila Maranhão, Taim, Cajueiro, Rio dos
Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São Benedito, Vila Conceição, Anandiba,
Parnuaçu, Camboa dos Frades e Vila Madureira).
O que se percebe aqui é a incursão do moderno sobre a máscara do desenvolvimento.
As siderurgias se apresentavam como a ideia da modernidade, e a modernidade materializavase na instalação do projeto. Para os ―subdesenvolvidos‖ era preciso levar o moderno, sem, no
entanto, questionar se para os ameaçados pela instalação, a desapropriação de suas moradas,
do seu território e, consequentemente, da sua história vivida e construída naquele lugar, eram
a imagem do desenvolvimento ou a materialização da modernidade.
Em 2002, uma planta de pelotização de minério de ferro, oriundo de Carajás, entrou
em operação no Terminal Marítimo de Ponta da Madeira (TMPM), em São Luís, onde foram
investidos US$ 408 milhões. Em julho do mesmo ano, a Vale atingiu recorde na produção de
minério de ferro, 5 milhões de toneladas. Todavia, no plano nacional, devido à produção de
ferro liga pela Vale em Corumbá, no Pantanal sul-mato-grossense, a Vale enfrentou duas
ações na justiça por ter soterrado a nascente do córrego após uma explosão para mineração do
manganês. Laudos foram conclusivos e apontaram a responsabilidade para a mineradora que,
a cada sentença proferida, recorre em outras instâncias. O desastre ambiental afetou a vida de
138 famílias, cuja maioria, vendeu suas terras para a mineradora Vale e foi para outra região.
Os que ficaram sofrem com a constante falta e racionamento de água, que é controlado pela
mineradora. Como se percebe, as localidades onde a Vale atua, sempre sofrem com a sua
64
política agressiva de exploração de minerais. O controle da água também é uma ferramenta
política, pois cerceando o acesso ao recurso mais essencial à vida, a companhia pode realizar
suas ações de forma irresponsável. Como se não bastasse, a Vale protela o cumprimento das
normas judiciais recorrendo em outras instâncias das derrotas proferidas.
Já no ano de 2003, precisamente no dia 16 de janeiro, a Vale anunciou parceria com a
empresa japonesa da área de logística Mitsui, para negócio de transporte intermodal. Em 31
de março do referido ano, a Vale comprou 50% das ações da Caemi Mineração e Metalurgia
S. A. (Caemi) por US$ 426,4 milhões. No mesmo ano, a Vale contabilizou um total de US$
3,952 bilhões em vendas externas, consolidando, assim, a sua inserção internacional. Ainda
em 2003, a Vale apresentou R$ 4.509 bilhões de lucro líquido, o maior de sua história e
adquiriu parte de uma empresa norueguesa, criando a Rio Doce Manganese Norway (Godeiro
et al. 2007). Já em dezembro, o valor da capitalização de mercado da Vale aumentou em US$
10,7 bilhões em um ano, atingindo US$ 21,762 bilhões ao final de dezembro de 2003. Muito
desse sucesso realizado pela Vale no ano de 2003, reflete o seu posicionamento no mercado
mundial (exportadora de matéria-prima), no qual a sua transnacionalização e o seu
crescimento assombroso deve-se, em parte, à demanda industrial da China. Godeiro (et al.
2007, p. 12) afirma que:
Em seis anos, o valor da empresa foi multiplicado por sete, demonstrando que o
preço do leilão foi subestimado e o ―mercado‖ fazia o ajuste ao valor real. Ao
mesmo tempo em que a empresa ajusta o seu valor de acordo com as reservas e o
aumento do preço do minério, ocorre um salto na desnacionalização: 67% dos
negócios com as ações da Vale foram realizados na Bolsa de Nova York, contra
33% realizados na Bolsa de Valores de São Paulo.
Em 2004, alguns acontecimentos importantes: no dia 5 de janeiro, as ações da Vale
alcançaram recorde histórico de rendimento, R$ 23 bilhões no mercado. Em 02 de julho, foi
inaugurada a mina do Sossego, que é a primeira mina de cobre do Brasil, no estado do Pará
(FIGURA 01).
65
Figura 01. Campanha da Vale em prol da produção de empregos via Mina de Cobre do Sossego. Fonte:
www.vale.com.
O projeto Sossego (começou a operar desde 2005) insere-se na cadeia produtiva da
extração de cobre e produção de concentrado (a capacidade de produção na mina de Sossego é
de 120 mil toneladas de cobre). Com efeito, tal iniciativa incide diretamente sobre as
condições
socioeconômicas
e
ambientais
no
município
de
Canaã
dos
Carajás
(ORGANIZAÇÕES et al, 2010).
Tal como uma máquina de auferir lucros, a receita acumulada da Vale no período de
janeiro a setembro de 2004 foi igual a US$ 6,051 bilhões, 57% superior à obtida no mesmo
período de 2003. Ao longo desses nove meses, a Vale embarcou para a China 28,4 milhões de
toneladas contra 19,3 milhões em 2003 e movimentou 21,8 bilhões de tkus44 ante 19,9 bilhões
do ano anterior. A relação político-econômica entre a Vale e as mineradoras chinesas, como a
Baosteel, diz respeito ao fato de ser a China o maior mercado consumidor de minério de ferro
do mundo.
Destaque-se que também em 2004, com a implantação da mina de Capão Xavier (MG)
ocorreu supressão de uma área considerada prioritária para conservação da biodiversidade,
bem como o avanço da mina vem colocando em risco cavernas e sítios arqueológicos. Os
Movimentos envolvidos na defesa de Capão Xavier juntamente com o MPE – Ministério
Público Estadual - em maio de 2004, entraram com ação civil pública com ―pedidos de tutela
de urgência cumulada com improbidade administrativa‖ contra o Estado de Minas Gerais,
MBR, Fernando Damata Pimentel, prefeito municipal de Belo Horizonte e Inácio Pereira
Garda Júnior, Gerente Regional do Instituto Estadual de Florestas - MG (IEF). Foi
denunciado ainda o caso junto a ONU, em agosto de 2004, em uma Audiência Pública na
Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, apoiada pelas Comissões de Direitos
44
Toneladas quilômetro útil. Carga geral transportada pelas ferrovias administradas pela Vale
66
Humanos e Meio Ambiente (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Em novembro, a Vale voltou a
―bater‖ o seu recorde de valor de mercado: US$ 25 bilhões.
6 OS RELATÓRIOS DE SUSTENTABILIDADE
Nesta seção pretende-se enfocar um dos documentos oficiais da Vale: o Relatório de
Sustentabilidade. O relatório de sustentabilidade é publicado anualmente e elaborado de
acordo com as diretrizes da Global Reporting Initiative (GRI), padrão adotado
internacionalmente, em sintonia com os princípios do Pacto Global e do Conselho
Internacional de Mineração e Metais (ICMM, na sigla em inglês), iniciativas internacionais da
qual a Vale é signatária. O relatório de sustentabilidade está estruturado em capítulos que
obedecem as três principais linhas de atuação da Vale, conforme a sua Política de
Desenvolvimento Sustentável: Operador Sustentável, Catalisador de Desenvolvimento Local
e Agente Global de Sustentabilidade. A Vale organiza tal documento com o intuito de
fornecer informações e dar transparência acerca de sua atuação. Além disso, o principal
argumento a respeito da publicação do relatório é o aprimoramento da gestão interna de
sustentabilidade. Sendo assim, buscamos analisar os fatos apresentados pela companhia tanto
no âmbito político-econômico, quanto no aspecto socioambiental.
6.1 Relatório de Sustentabilidade 200745
No ano de 2005, as exportações líquidas (exportações menos importações) da empresa
foram de US$ 6,3 bilhões, o que correspondeu a 14,1% do superávit recorde das transações
comerciais brasileiras nesse ano, de US$ 44,8 bilhões. Não obstante, a Vale registrou recorde
histórico na produção de minério de ferro, alcançando a marca de 240,413 milhões de
toneladas, 10,3% acima do volume produzido em 2004, 218,010 milhões de toneladas.
Em contrapartida, este é o ano também da instalação do empreendimento Ferro Gusa
Carajás, em Açailândia (MA). O empreendimento prejudica a vida dos mais de 1800
moradores que habitam o assentamento Califórnia há mais de 15 (quinze) anos. A empresa
controlada pela Vale dedica-se à produção de carvão vegetal destinado a alimentar a
siderúrgica da Vale em Marabá. O empreendimento é conhecido como Unidade de Produção
de Redutor (UPR2), que é o carvão para siderurgia. Os moradores do assentamento sofrem
45
O Relatório de Sustentabilidade 2007 cobre o período de 2005 a 2007.
67
com as atividades da empresa e são obrigados a respirar diariamente as fumaças que saem de
seus fornos em funcionamento (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).
Além disso, tal como o próprio documento oficial nos atesta, foram 59 acidentes de
trem para o ano de 2005, o que dá uma média de quase 5 acidentes por mês.
Apesar da empresa ―cada vez mais verde e amarela‖ dizer que um dos principais
fatores do seu amadurecimento é o compromisso com a transparência, para além dos
resultados financeiros, mas também de seu desempenho socioambiental, não é isso que
observamos em seu relatório de sustentabilidade:
A empresa não informa que foi autuada dezenas de vezes pelos órgãos de controle
ambiental. Por exemplo, foi divulgado na imprensa que somente o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente - IBAMA teria autuado a Vale 56 vezes por violações
à legislação ambiental.
A empresa não informa ainda as emissões de poluentes nas unidades operacionais,
assim como não informa as doenças e mortes causadas às comunidades por essas
emissões.
Estudo de Impacto Ambiental na cidade de São Luís-MA elaborado pela Vale em
2005 informa a emissão de 15.549 toneladas anuais de poluentes, sendo 3.014t de
material particulado (PTS) assim como 8.002t de dióxido de enxofre (SO2), 4.317t
de óxido de nitrogênio (NOx), 129 t de monóxido de carbono (CO) e 28 t de
hidrocarbonetos (HCT), poluentes esses gerados em 210 fontes fixas para uma
produção de 6,1 milhões de toneladas de pelotas e embarque de 72,4 milhões de
toneladas de minério de ferro (ZAGALLO, 2010, p.15)
Isso significa que trabalhadores, pessoas que moram próximas às unidades
operacionais da Vale em São Luís, provavelmente sofrem impactos na saúde como
consequência da emissão de partículas em suspensão. Nos termos discutidos, visualiza-se que
a responsabilidade socioambiental da Vale é questionável, haja vista as suas práticas de
atuação retratam que o aprimoramento da gestão não se converteu em melhoria social, apenas
em mais uma forma de gerar lucro para os acionistas e prejuízo para a sociedade.
Em 2006, a Vale investiu R$ 1,8 bilhão na expansão e melhoria de sua infraestrutura
de logística e na aquisição de 5.414 vagões e 125 locomotivas para utilização no transporte de
seus produtos e de carga geral para clientes na Estrada de Ferro Carajás – EFC, Estrada de
Ferro Vitória a Minas – EFVM e Ferrovia Centro-Atlântica – FCA. Isso significa que, para a
Vale, investir em logística é aumentar a capacidade de cargas transportadas. Como bem
sintetiza Carneiro (2010, p.17):
Assim, ao longo dos últimos trinta anos o corredor (ou a área de influência) da
Estrada de Ferro Carajás foi a base para uma série de planos ou iniciativas
governamentais (Programa Grande Carajás, Programa dos Pólos Florestais, Corredor
Norte de Exportação, etc.) que buscaram estimular atividades econômicas voltadas
para o mercado mundial, utilizando a infra-estrutura montada originalmente para a
exportação do minério de ferro.
68
No plano internacional, no Peru, a Comissão de Gestão Ambiental Sustentável do
governo regional de Cajamarca realizou uma blitz e constatou a presença de milícias armadas
dentro do empreendimento da Miski Mayo, subsidiária da Vale, numa clara estratégia
impositiva e revelando uma postura, por parte da empresa, que viola direitos. Como resultado
dos protestos contra a empresa, muitas lideranças de organizações e movimentos sociais vêm
sendo criminalizados (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).
No dia 24 de abril de 2006, o Terminal Marítimo da Ponta da Madeira completou 20
anos em transporte de cargas. É um porto extremamente importante para Vale, uma vez que a
Estrada de Ferro Carajás, que é o liame entre o sul do Pará e a capital maranhense, transporta
o minério de ferro até o porto. O complexo mina-ferrovia-porto é um dos principais
corredores de exportação do país. O minério é extraído na mina de ferro que fica em
Parauapebas (PA), é transportado pelos 892 km da Estrada de Ferro Carajás até o Porto do
Itaqui e o Terminal Marítimo Ponta da Madeira seguindo para os mercados consumidores dos
EUA, da Europa, Japão e, principalmente, a China. Os vagões passam carregados de minério
de ferro. Mas quanto desta riqueza fica para os municípios atravessados pelas composições de
3,9 km de comprimento e seus 330 (trezentos e trinta) vagões puxados por 04 (quatro)
locomotivas?
Atualmente, configura-se uma série de conflitos em torno da ampliação do referido
Terminal Marítimo da Ponta da Madeira (FIGURA 02). Tal obra já fora autorizada pela
Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). O anúncio foi publicado pela Agência
em março de 2010, no Diário Oficial da União.
Figura 02. Características do Píer 1, Píer 2 e Píer 3 do Terminal Marítimo de Ponta da Madeira.
Fonte: André Ravara ―Logística Integrada‖ – Apresentação no Seminário Transporte para o Comércio e
Integração Regional, CNI-BID – Brasília-DF, 01/10/0861.
A Vale, operadora do terminal, entrou com pedido para implantar o Píer IV e aumentar
o Pátio I de estocagem, mas esqueceu de entregar à Agência, a certidão de cessão de uso
69
oneroso de espaço físico em águas públicas, emitida pela Secretaria de Patrimônio da União
(SPU). Por esta razão, a mineradora somente poderá dar início à atividade econômica na parte
off shore após comprovar a obtenção do documento junto à SPU. Já as obras de
implementação do Píer IV e de ampliação do Pátio I de estocagem, tem o aval para serem
iniciadas em breve (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).
A obra está estimada em R$ 386 milhões e aumentará para aproximadamente 100
milhões de toneladas/ano a capacidade de exportação de granéis sólidos. A obra também
habilitará a instalação para receber os maiores navios graneleiros em operação no mundo, o
Berge Stahl46 (356 mil toneladas) e o Chinamax47 (400 mil toneladas).
Advogados afirmam que é ilegal a licença concedida à Vale S/A para instalação do
chamado Píer IV do terminal marítimo da Ponta da Madeira, em São Luís. A razão é que todo
o processo de licenciamento está sub judice. Foi impugnado pelo Ministério Público do
Maranhão, devido a seu fracionamento. No Estudo de Impacto Ambiental (EIA), a Vale
considerou isoladamente os impactos ambientais do novo píer. Não levou em conta que ele
servirá ao projeto de duplicar a exportação de minério de ferro pelo Itaqui, hoje em 100
milhões de toneladas anuais, com as inevitáveis consequências na poluição, trânsito de
veículos na Avenida dos Portugueses (que dá acesso ao Porto), duplicação da área de
estocagem de minério (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).
Por fim, foi de 63 (sessenta e três) o número de acidentes de trem para o ano de 2006.
Em 24 de setembro de 2007, a Vale anunciou o plantio de 346 milhões de árvores até
2010, correspondendo ao maior projeto de revegetação e preservação ambiental da América
Latina. Pudera o projeto de revegetação e preservação ambiental salvar vidas que se vão nos
trens que carregam o progresso: foram 46 acidentes. Como a própria empresa reconhece:
No entanto, apesar dos investimentos e dos avanços obtidos, lamentamos
profundamente a perda de 14 valiosas vidas, em 2007. Apesar de todos os esforços,
é com pesar que registramos, em 2007, a ocorrência de 14 acidentes fatais. Destes,
13 acidentes aconteceram no Brasil, e um, no Canadá, sendo 11 com prestadores de
serviços e três com empregados próprios da Vale. Os acidentes envolveram veículos
automotores e outros veículos, trabalho em altura, explosão com projeção de
46
Este graneleiro opera com capacidade plena aqui e no porto de Roterdã (Holanda). Ele possui 343 metros de
comprimento, 65 de largura e calado de 23 metros. O navio tem peso bruto de 364.767
toneladas.
47
Os ChinaMax são conhecidos agora como ValeMax, o primeiro de uma série de supergraneleiros (ou
mineraleiros) que começaram a aportar no Brasil a partir de março de 2011. O primeiro de 19 navios
encomendados pela Vale a estaleiros da Coréia do Sul e da China, o Vale Brasil tem 362 metros de comprimento
e 65 metros de largura e chegou ao Brasil no último dia 5 de maio. O primeiro carregamento ocorreu também no
dia 24, no Píer I do Terminal Portuário de Ponta da Madeira (TPPM), em São Luís (MA). Foram carregadas 391
mil toneladas de minério de ferro, que terão como destino o porto de Dalian, na China.
70
fragmentos incandescentes, equipamentos móveis, movimentação de carga e queda
acidental de árvore (VALE, 2009c, p.61).
A Vale julga ser uma empresa responsável para com a sociedade e para com o
ambiente. Entretanto, a legislação ambiental tem sido uma ―pedra no sapato‖ na atuação da
referida empresa, uma vez que por mais que ela conte com uma Política de Desenvolvimento
Sustentável e...
[...] considerando a dimensão e a complexidade das operações da empresa, bem
como a aquisição de novos ativos, é possível que existam dificuldades a serem
enfrentadas ou questões de não conformidade a serem corrigidas. Os casos
existentes no período de abrangência do presente Relatório, e considerados
significativos ou Relevantes (para efeito de levantamento de dados para o Relatório
2007, os processos são considerados relevantes com base nos seguintes critérios: a)
valores iguais ou superiores a 10% do valor da maior multa prevista na legislação
federal (Lei 9.605/98 - R$ 50 milhões); b) em razão do tema de interesse da empresa
ou repercussão no público em geral, independentemente de valor; c) os decorrentes
de sanções não monetárias), nos quais consta imputação de responsabilidade à Vale
por alegada desconformidade à legislação ambiental, totalizam 14 processos no ano
de 2007 (Evolução de número de processos e valores relacionados no período de
2005 a 2007 (valores cumulativos): 2005: 10 processos totalizando US$ 1,6 bilhão
2006: 12 processos totalizando US$ 1,8 bilhão 2007: 14 processos totalizando US$
2,0 bilhões). Destes, 10 processos são de natureza judicial (ações de reparação de
dano) e 4 processos de natureza administrativa (3 sanções monetárias e 1 não
monetária), cujos valores envolvidos totalizam o montante de US$ 2 bilhões. Esse
total contabiliza valores estimados de forma conservadora, com base no valor
requerido nos processos judiciais, o que não representa reconhecimento como um
débito, até porque não existe decisão final a esse respeito (VALE, 2009c, p.120).
Na outra ponta estão os investimentos sociais realizados pela Vale. US$ 140 milhões
foi o total entre os anos de 2005-2007. Nesse sentido, destacaram-se aqueles que foram
direcionados a duas vertentes: melhorias de infraestrutura e apoio a serviços públicos.
TABELA 01 Investimentos Sociais (adaptado).
Por tipo
Por forma
2005
2006
2007
Total US$ mil
9.076
31.896
99.232
Apoio a serviços públicos
4%
7%
6%
Infra-estrutura
96%
93%
94%
Total
100%
100%
100%
Pro bono
1%
9%
14%
Engajamento comercial
-
19%
13%
Materiais/Produtos
99%
72%
73%
Total
100%
100%
100%
FONTE: VALE, 2009c, p.178.
71
Interpretando minuciosamente a tabela, podem-se fazer análises interessantes: mais de
130 milhões de dólares foram gastos em 03 anos com obras de infraestrutura, ou seja, obras
de pavimentação de estradas, construção de escolas e hospitais, entre outras. Restam, então,
10 milhões de dólares em apoio a serviços públicos que são realizados por meio de pagamento
de serviços, como arcar com os custos da contratação de enfermeiros, professores etc.
Continuemos: na seção Por Forma, subseção Pro Bono, a Vale teve um dispêndio da
ordem de 33 milhões de dólares com investimentos realizados por meio de atividades
desenvolvidas em prol de benefício público. Pode ser alocação de pessoas durante o horário
de trabalho, como, gestão da empresa de saneamento. Já em materiais e produtos investimento por provisão de serviços ou pela entrega de um produto, por exemplo,
ambulância, estrada, escola - as cifras orbitaram em aproximadamente 113 milhões de
dólares. E em engajamento comercial - atividade que gera benefício público, mas que,
primariamente, gera benefício econômico ou retorno de investimento para a empresa (ex:
construção de estrada que viabilize escoamento de produção) foram mais de US$ 44 milhões.
Isso significa que a Vale focaliza seus investimentos sociais no setor de infraestrutura,
principalmente pavimentação de estradas, uma vez que isso retroalimenta o engajamento
comercial que provoca, antes de tudo, benefício econômico ou retorno de investimento para a
empresa.
O ano de 2007 foi marcado também pelo Plebiscito Popular que objetivava a
reestatização da Vale. É sabido que o leilão de privatização da Vale foi ilegal, fato este que
motivou 4 milhões de brasileiros a manifestarem sua opinião pela anulação do leilão.
Por fim, mas não menos importante, as ferrovias operadas pela Vale causaram
acidentes com mortes ou lesões graves em 23 pessoas, além de impactarem comunidades ao
longo de seu percurso com atropelamento de animais, ruído, interrupção do tráfego de pessoas
e veículos em cruzamento sem passarelas ou passagens de nível (ZAGALLO, 2010). No caso
dos atropelamentos, o advogado Guilherme Zagallo, membro da Rede Justiça nos Trilhos,
declara que:
Você tem, em relação na convivência entre as comunidades e a ferrovia, você tem o
problema dos atropelamentos, e isso é um problema... pode até ter, em algumas
situações, casos de suicídio, casos em que pode ser imputada a população ter
caminhado bêbada na linha. Mas, na maior parte dos casos, nós temos ferrovia
cortando a vida de comunidades
Nessa questão dos atropelamentos, que é a mais grave de todas, tendo em vista as
mortes ocasionadas, nós temos aí uma média de quase uma morte por mês aqui em
Carajás, isso se reproduz às vezes até com maior intensidade em outras ferrovias
operadas pela Vale. E essas famílias acabam ficando desassistidas, não têm nenhum
tipo de indenização. Mais recentemente, a Vale passou a custear o fornecimento do
caixão pras famílias, mas nenhum tipo de indenização àquelas famílias que acabam
72
ficando desassistidas, muitas vezes sem rendimento, em função desses
atropelamentos (Entrevista realizada em 22/11/2010).
Esta situação dos atropelamentos deixa bem claro como a Vale é ―socialmente
responsável‖: mais do que os problemas de ir e vir quando o trem fecha os caminhos, estamos
falando de vidas que se perderam: há casos de crianças obrigadas a pularem por cima do trem,
testemunho de pessoas que tiveram que passar por baixo do trem e tiveram a sua perna
decepada e até mesmo idosos. Como diz Padre Dário, Missionário Comboniano e um dos
líderes da Rede Justiça nos Trilhos:
Até poucos anos atrás nem se reconhecia, a Vale fugia de todas as suas
responsabilidades e nem acompanhava as famílias das vítimas. Recentemente, faz
uns 2, 3 anos, a Vale tem o costume de apanhar as famílias da vítima em relação ao
enterro da pessoa morta, atropelada. Ela cobre as despesas do caixão e da funerária e
muito facilmente depois se exime de todo o resto das suas responsabilidades, porque
geralmente as vítimas são moradores do interior com difícil acesso a advogados, há
poucos documentos, há o medo de denunciar. Assim, falta a formação e a
capacidade de se organizar em função de uma denúncia e uma reivindicação de
direitos. Além disso, a Vale sustenta que a responsabilidade pelos atropelamentos
não é dela, na medida em que ela está já fazendo uma forte campanha de
conscientização a respeito dos perigos nos trilhos (Entrevista Realizada em
09/11/2010).
6.2 Relatório de Sustentabilidade 200848
O ano de 2008 foi um ano de crise econômica, um período de turbulência no mercado
financeiro mundial desencadeado pela crise imobiliária estadunidense, acarretando uma
diminuição no ritmo econômico nos mais variados setores.
―O segmento mínero-metalúrgico demonstra diminuição dos investimentos e retração
de pessoal. Notícias de demissões e férias coletivas já aparecem na Imprensa relacionadas às
operações da VALE e da Alumar‖ (IMESC, 2008b, p. 28), que ―não pensaram duas vezes‖
em demitir seus ―peões‖. Todavia, a receita bruta da Vale no referido ano alcançou ―US$ 38,5
bilhões, valor 16,3% superior ao registrado no ano anterior, enquanto o lucro líquido foi de
US$ 13,2 bilhões‖ (VALE, 2009d, p. 5).
Diante desse cenário, a Vale agiu proativamente, realizando cortes na produção,
prioritariamente em unidades operacionais de alto custo, e implementando novas
prioridades estratégicas, tais como minimização de custos, flexibilidade operacional
e financeira e combinação entre preservação de caixa e busca por rentáveis opções
de crescimento (VALE, 2009d, p.6).
48
A edição do relatório de sustentabilidade 2008 cobre o período de 2006 a 2008. Como o relatório passado
compreendia o período de 2005 a 2007, nossa análise será centrada no ano de 2008.
73
Então, o que explica tal empresa demitir mais de 2 mil trabalhadores diretos49 e 12 mil
terceirizados de um total de 120 mil trabalhadores em todo o mundo, sendo a metade
terceirizada50, já que o lucro líquido fora de US$13,2 bilhões? Será que isso são práticas
sustentáveis? Seria o desenvolvimento da Vale cristalizado em cifras econômicas, sem um
legado social?
A Vale também omite do seu relatório a situação da Vila Sanção, em Parauapebas
(PA). Desde 2008, com o início da implantação de infraestrutura do Projeto Salobo da Vale extração e transformação do minério de cobre - foram implantados, há menos de 6 Km da
vila, acampamentos de três empresas, que hoje contam com a presença de sete mil homens.
Os Impactos são: 1. Poluição dos igarapés Cinzento e Salobo e, do rio Itacaiunas, principal
micro bacia da região. 2. Aterrramento de nascentes de água no local da instalação dos
acampamentos das empresas; 3. Represamento de igarapés com a construção de estradas; 4.
Desmatamento e derrubadas de 300 castanheiras por onde passa a estrada para a mina do
projeto, na área da Floresta Nacional do Tapirapé Aquiri; 5. Inchaço da vila; 6. Aumento de
desempregados; 7. Prostituição infantil; 8. Poluição sonora, por som nos bares e veículos
durante a noite (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).
Também merece destaque a situação do Distrito Industrial de Piquiá no Pólo Guseiro
de Açailândia, no Maranhão. A cidade de Açailândia, que está na área de influencia do
corredor de Carajás, sofre com desflorestamento, poluição do ar e das águas, assoreamento
dos rios e voçorocas devidas ao corte irracional das árvores na beira dos rios e nos declívios.
A Vale possui no município de Açailândia uma unidade de produção de carvão vegetal para
alimentar uma gusaria de sua propriedade: a Fazenda Califórnia, que se localiza ao lado de
um assentamento de trabalhadores rurais que sofrem de forma muito intensa o impacto da
fumaça gerada nos 70 fornos ali existentes, com relatos de graves doenças respiratórias. Padre
Dário, que mora em Açailândia e acompanha de perto a situação de Piquiá, nos conta:
A situação atual do Pequiá de Baixo é uma situação, como eu disse, de extremo
conflito porque as populações... Acabamos de fazer uma pesquisa, pela qual a auto
declaração das famílias do Pequiá de Baixo detecta que 52% da população de Pequiá
de Baixo reconhece sua situação de saúde como ruim ou muito ruim; enquanto que
na média da aplicação desse tipo de questionário no Brasil, no país inteiro, os
resultados dão que, geralmente, é os 5% que diz se encontrar nesse tipo de situação.
Então, há uma consciência explicita. Claro que a situação, o nível de poluição
daquela região é insustentável e a população está esgotada, não consegue mais
aguentar; ela recebe, até alguns meses atrás recebia, imagina, três tipos de poluição
49
http://www.dgabc.com.br/default.asp?pt=secao&pg=detalhe&c=3&id=1685650 acesso em 27 de dezembro de
2009.
50
http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=5809 acesso em 27 de dezembro de 2009.
74
contemporânea: a poluição da fumaça emitida pela chaminé da siderúrgica que não
tem nem um tipo de filtro, só recentemente algumas das emissões das siderúrgicas
são canalizadas para alimentar a termelétrica, que porém, em consequência disso,
depois a confissão dela aumentou notadamente o barulho, os ruídos, porque produz
muito barulho. Então, inicialmente, fumaça, a emissão de escória de carvão e ferro
devido às próprias siderúrgicas e a poeira devido à operação de britagem da escória,
para a produção de cimento e adubo para os eucaliptos. Então, três tipos de poluição,
no mesmo contexto, cercando as 300 casas de Pequiá. Isso é realmente uma situação
gravíssima que teve fortes consequências de saúde. Recentemente o município teve
a cara de pau de fechar o posto de saúde de Piquiá de Baixo, o local que mais
teríamos urgência de ter um atendimento sério em saúde, ao contrário, tá sendo
prejudicado. Então, realmente, é um contexto emblemático daquilo que no contexto
da linguagem sociológica se define áreas de sacrifício, quer dizer, um território que é
funcional aos empreendimentos e que vamos dizer, concentra boa parte das formas
de exclusão socioambiental. É aquilo que também numa linguagem típica da área de
bandeiras da justiça ambiental se define de racismo ambiental. Quer dizer, a gente
pode ver como os frutos da descriminação social tem também um viés ambiental: o
discriminado socialmente também recebe uma discriminação ambiental. Piquiá é um
símbolo disso (Entrevista Realizada em 09/11/2010).
Desde 2005, na região, produz-se cerca de 47 mil toneladas de carvão vegetal ao ano,
em 71 fornos industriais, que estão a uma distância de menos de 1km do assentamento onde
vivem cerca de 400 famílias. Os problemas respiratórios são apresentados pelos moradores
em diversos depoimentos, reportagens e vídeos, com constantes diagnósticos médicos
apontando problemas respiratórios nos moradores, principalmente nas crianças e idosos. Após
grande mobilização da comunidade, e de uma ocupação da fazenda por diversos movimentos,
com apoio do MST, em 2008, os moradores do assentamento, que já existe há 12 anos,
conseguiram que a Secretaria de Meio Ambiente do estado se dispusesse a reavaliar a
documentação técnica do empreendimento, e se revelaram diversas informações
desatualizadas do licenciamento ambiental por parte da empresa e a falta de controle nas
emissões de poluentes (ORGANIZAÇÕES et al, 2010).
No ano de 2008, a Vale produziu um total de 657 milhões de toneladas de resíduos
minero-metalúrgicos. Desse total, 394 milhões foram de minério de ferro - estéril, 184
milhões de ―outras áreas de negócio‖ e 80 milhões de minério de ferro - rejeito (VALE,
2009d, p.50).
Nesse mesmo ano suas operações impactaram uma área de 82,8 quilômetros
quadrados, sendo 57,5 quilômetros quadrados na floresta amazônica. Da área total
impactada, apenas 44,2 quilômetros quadrados estão em recuperação parcial ou
integral (ZAGALLO, 2010, p.14).
Também em 2008, a Vale adquiriu a Mineração Apolo e ampliou suas reservas em 1
bilhão de toneladas de ferro. O Projeto Apolo, na Serra da Gandarela (MG), consitui-se na
abertura de uma mina com capacidade de produção de 24 milhões de toneladas por ano, além
de uma usina de beneficiamento. O impacto ambiental já é conhecido: mau uso de recursos
75
hídricos, destruição da vegetação, emissão de poluentes e intromissão em Áreas de Proteção
Ambiental (APA).
Em parceria com a ThyssenKrupp (FIGURA 03), a Vale também omite de seu
relatório as situações que envolvem a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), que vão
desde condições de segurança e trabalho, até os impactos ambientais que ocorrem na baía de
Sepetiba (RJ). O ―sorriso falso‖ de seus trabalhadores na propaganda é o fundamento de uma
ação desenvolvimentista que comprometerá social (a área em questão concentra população
negra e pobre) e ambientalmente (os ecossistemas compreendem desde florestas a restingas) a
baía de Sepetiba.
Figura 03: Campanha da Vale para parceria fundamental com siderúrgica alemã ThyssenKrupp. Fonte:
www.vale.com
A mina de goro da Vale Inco, em Nova Caledônia, iniciou sua produção no final de
2008. Desde 2001, o comitê Rheedu Nuu, uma organização indígena, vem protestando contra
a mina. Segundo o dossiê dos atingidos pela Vale (ORGANIZAÇÕES et al.,2010), os
indígenas prometeram utilizar todos os meios disponíveis para barrar a construção do referido
duto no oceano. Rheebu Nuu já conseguiu com sucesso impedir a companhia de depositar seu
duto em Kwe West, por meio do estabelecimento de uma vila de moradias tradicionais em
parte do trajeto que seria utilizado pelo duto. Em abril de 2008, centenas de apoiadores dos
Rheebu Nuu se uniram para instalar um totem num banco de areia na lagoa com o objetivo de
demonstrar sua oposição ao duto de rejeitos e de desafiar a companhia a sentar com eles para
dialogar. Além disso:
Tramitam na justiça 69 processos envolvendo a Vale, sem valor econômico
definido, que contestam a legalidade da sua privatização, ocorrida em 1997, todos
ainda pendentes de decisão judicial final. Não acreditamos que essas ações afetem o
76
resultado do processo de privatização ou produzam algum efeito negativo para a
empresa (VALE, 2009d, p.28).
Ainda no ano de 2008, a Vale, através de suas operações, ―consumiu 335 milhões de
metros cúbicos de água, sendo responsável pelo derramamento no ambiente de 1562 metros
cúbicos de salmoura, álcool, hidrocarbonetos e outros poluentes‖ (ZAGALLO, 2010, p.14).
Segundo Relatório de Produção da Vale em 2008, as minas de Carajás produziram e
venderam 96 milhões de toneladas com 6,656 trabalhadores diretos. Isto significa
que cada funcionário da Vale em Carajás produziu, em 2008, 14 mil toneladas de
minério de ferro. Ao preço médio de US$ de 67,32 a tonelada, cada trabalhador
gerou US$975.938,00 dólares em 2008, ou cerca de US$ 500 dólares por hora. Cada
trabalhador de Carajás gerou quase US$ 1 milhão de dólares para a empresa em
2008.
No entanto, o salário de um trabalhador mal chega a R$1.500 reais, somando com
PLR (quatro salários) mais encargos mensais de R$ 900,00, a Vale gasta com um
funcionário cerca de US$ 23 mil dólares por ano. Isto significa que em 4 horas de
trabalho o funcionário paga seu salário mensal (GODEIRO, 2010, p.34).
O que pode-se depreender disso? Uma palavra nos vem a mente: exploração. Sim a
palavra que melhor sintetiza esse contexto é exploração. O trabalhador da Vale, o ―peão‖,
como é popularmente conhecido, sacrifica-se durante 5 dias na semana durante oito horas,
para ter pago seu salário durante ―míseras‖ 4 horas de trabalho.
Em 2008, as vendas de minerais e metais da Vale alcançaram a soma de US$ 35,9
bilhões de dólares, enquanto se pagou de CFEM somente US$ 208 milhões de
dólares, 0,6% das vendas. Essa soma é insuficiente para os municípios mineradores
garantirem saúde, educação e a recomposição do meio ambiente, destruído pela ação
mineradora (GODEIRO, 2010, p.37).
Onde está a sustentabilidade ambiental e a responsabilidade social? Se tal soma de
valores citados acima é insuficiente para satisfazer as demandas sociais, econômicas,
ambientais e de saúde de municípios mineradores, como Itabira (MG)51 e Parauapebas (PA),
pode-se concluir que a única atividade que se sustenta é a busca desenfreada e desmedida pelo
lucro. A mineração deveria ter o mesmo tratamento que o petróleo: a Vale deveria ter o
mesmo tratamento da Petrobrás. Todavia, o petróleo paga royalty e o minério de ferro não
paga nada. É por isso que depois de quase trinta anos de exploração mineral em Carajás, o
51
Ateste-se que o município de Itabira (MG), berço da Companhia Vale do Rio Doce, apresenta o maior índice
de suicídios do Brasil (ALVIM, 2008). Ainda, Leandro Uchoa, em matéria do jornal Brasil de Fato, ―Quem
ganha com a expansão da transnacional brasileira?‖, nos conta que, segundo o Sindicato Metabase, desde o
início da crise socioeconômica mundial, em 2008, a Vale demitiu cerca de 1.500 trabalhadores diretos e 12 mil
terceirizados, de um total de 120 mil trabalhadores no mundo (50% terceirizados). Entretanto, seus resultados
financeiros não poderiam ser melhores. Em Itabira, o medo de ser demitido causou o suicídio de um trabalhador,
em 2009.
77
Maranhão continua sendo um estado pobre: ele é apenas um ―Estado-Escoador‖, a riqueza
passa, não fica nada, a não ser a pobreza.
Se a Vale pagasse 10% de royalties, valor que a Petrobrás paga para extrair petróleo
e gás, teria que pagar em 2008, R$ 760 milhões de reais à prefeitura de Parauapebas,
multiplicando por dois a receita do município (R$ 368 milhões de reais em 2008).
Se a Vale pagasse 10% do valor das vendas como compensação financeira, teria que
pagar em 2008, R$ 410 milhões de reais à Prefeitura de Itabira, multiplicando por
dois todas as receitas do município (R$ 260 milhões de reais em 2008) (GODEIRO,
2010, p.37).
Em outras palavras: a volta do fundo de desenvolvimento existente antes da
privatização da Vale é mais do que necessária. Com o restabelecimento desse fundo, a cidade
de Parauapebas teria atenuado o seu inchaço populacional, poderia enfrentar melhor os
problemas referentes à falta de segurança, desemprego, violência, precarização do serviço de
saneamento básico, dentre outros. Além do mais, não se faz necessário apenas a volta do
fundo de desenvolvimento, mas também o aumento da CFEM, a revogação da lei Kandir que
exime de ICMS os produtos exportados e uma política de retenção de parte dos lucros da
empresa para que os mesmos possam ser divididos de maneira mais equilibrada e não apenas
para poucos acionistas que controlam a Vale. Obviamente, todas essas medidas exigem
extrema vontade política dos que governam o Estado, no sentido de reestatizar a Vale, assim
como uma contínua pressão dos movimentos sociais para que os objetivos possam ser
alcançados.
Finalmente, aconteceram 2.860 acidentes do trabalho com afastamento em 2008, com
9 mortes. Adicione a isso as 16,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono lançadas na
atmosfera.
7 ANÁLISE CRÍTICA DO DESEMPENHO DA VALE EM 200952
Na presente seção, a partir de uma perspectiva crítica, identificada com a ecologia
política (MARTÍNEZ ALIER, 2007), objetiva-se analisar o discurso (FOUCAULT, 2009a e
2009b) contido no documento intitulado: ―Desempenho da Vale em 2009‖, apresentado
durante a Assembleia Ordinária de Acionistas ocorrida no Rio de Janeiro (RJ), sede mundial
da Vale, no dia 27 de abril de 2010. Tal documento foi disponibilizado posteriormente no site
www.vale.com. Procuramos aqui identificar como a Vale avalia a sua performance
econômica, contrapondo com casos concretos de injustiça socioambiental.
52
Esta seção foi extraída livremente de Ribeiro Junior; Sant‘Ana Júnior, 2010b.
78
Segundo o Financial Times, em um ranking das 500 maiores empresas do mundo por
valor de mercado, a Vale ocupava a posição 446 em 2002, enquanto em 31 de dezembro 2009
ela ocupava a vigésima-quarta posição (FIGURA 04).
Apesar da recessão econômica em 2008/2009, ela apresentou um lucro líquido de US$
5,349 bilhões, o que permitiu distribuir sólidos dividendos aos acionistas: somente para o
período que vai de 2005 a 2010 a Vale distribuiu US$ 10,0 bilhões. Nesse cenário de recessão
econômica, a Vale alcançou, em 2009, um recorde de volume de vendas para a China,
conseguindo expandir os embarques em 53,6%. Segundo o gráfico de vendas de minério de
ferro para a China, medido em Milhões de toneladas métricas, para o ano de 2001 o total fora
de 15, 8; 20,1 em 2002; 29,5 em 2003; 41,0 em 2004; 54,2 em 2005; 75,7 em 2006; 94,5 em
2007; 91,4 em 2008; e 140,4 em 2009 (FIGURA 05).
Figura 04. Vale consolida seu valor de mercado para China. Fonte: Vale, 2010c.
Figura 05. Vendas de minério de ferro para China. Fonte: Vale, 2010c.
79
Em termos de investimento, para o ano de 2009, a empresa gastou US$9,0 bilhões
para a modalidade crescimento orgânico e US$ 3,7 bilhões para a modalidade aquisições,
totalizando US$12,7 bilhões de dólares.
Em contrapartida, em virtude da recessão econômica na qual a Vale reduziu os
investimentos de US$ 14 bilhões para US$ 9 bilhões, como também demitiu, é bom reforçar,
2 mil trabalhadores diretos e 13 mil terceirizados, a empresa economizou com essa demissão
de trabalhadores diretos aproximadamente US$ 200 milhões e US$ 616 milhões com os
terceirizados, totalizando US$ 816 milhões.
Muito desse sucesso realizado pela Vale reflete o seu posicionamento no mercado
mundial (exportadora de matéria-prima), no qual a sua transnacionalização e o seu
crescimento assombroso deve-se, em parte, a demanda industrial da China (GODEIRO et al,
2007). Com efeito, as negociações entre as mineradoras mundiais com a Baosteel chinesa
tornam-se referência para o preço anual do minério de ferro no mercado internacional.
Em matéria publicada no jornal ―O Estado de São Paulo53‖, David Friedlander escreve
que depois de dobrar o preço do minério de ferro, a Vale o reajustará em 35%. Com novo
reajuste, a previsão é que Vale dobre o faturamento este ano; siderúrgicas já se preparam para
repassar o aumento de custos. O novo preço vigorará a partir de 1º de julho e, segundo os
analistas, o faturamento da Vale deve dobrar, fechando o ano em mais de US$ 40 bilhões.
O reajuste foi feito em consonância com o mercado chinês: a cotação do minério de
ferro no mercado chinês bateu em US$ 189,50 a tonelada, enquanto a mineradora brasileira
vendia seu produto por cerca de US$ 110 – que foi o preço fixado pela Vale para o trimestre
que vai de abril a junho. Nesse sentido, a Vale está tentando recuperar a defasagem adquirida
em relação à China.
A começar de julho, o preço do minério de ferro da Vale será reajustado de US$ 110
para algo em torno de US$ 140 e US$ 145 a tonelada. É significativo o reajuste, ainda mais se
considerarmos que, antes da crise econômica global que desencadeou um período de recessão
nas mais diversas economias do mundo, em setembro de 2008, a Vale vendia a tonelada de
minério de ferro por US$ 80.
É interessante perceber como a empresa que se diz comprometida com o
―desenvolvimento dos empregados‖, por serem ―dinâmicos e persistentes‖, não levou em
consideração que poderia estar sendo descompromissada quando, ao aumentar o preço do
minério de ferro, promoveu o fechamento das portas da companhia siderúrgica Vale do
53
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,depois-de-dobrar-o-preco-do-minerio-vale-tera-novoreajuste-de-35,20565,0.htm consultado em 29 de maio de 2010.
80
Pindaré. No início da década, cada tonelada de ferro valia US$ 30. Atualmente, varia entre
US$ 130 e US$ 150. Isso é aproximadamente um aumento de cinco vezes em 10 anos. Com a
alta no preço, a Vale contribuiu negativamente para a produção de ferro gusa no Distrito
Industrial de Pequiá, em Açailândia (MA). Com efeito, não apenas a Companhia Siderúrgica
Vale do Pindaré, mas também a Siderúrgica do Maranhão, que juntas geram cerca de 500
empregos diretos e 2000 indiretos, foram diretamente afetadas. Relativamente a tal impasse, a
ex-Deputada Helena Heluy (PT-MA) convocou junto a uma comitiva de metalúrgicos, uma
audiência pública na Assembleia Legislativa do Maranhão, que, infelizmente, não teve
resultados positivos e se transformou em pouco mais do que um desabafo e algumas falas de
consolo. O fato é que os impactos no setor de empregos chegaram a 3 mil diretos e 6 mil
indiretos (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010b).
Em termos de investimento, para o ano de 2009, a empresa gastou US$9,0 bilhões
para a modalidade crescimento orgânico e US$ 3,7 bilhões para a modalidade aquisições,
totalizando US$12,7 bilhões de dólares (FIGURA 06).
Figura 06. Investimentos da Vale no último triênio. Fonte: Vale, 2010c.
O que se pode esperar de todos esses números, de toda essa riqueza gerada, de todos
esses investimentos? Para um lado é mais riqueza, lucro; para outro são demissões, perdas. O
desempenho econômico da Vale está longe de ser um desempenho socialmente positivo. As
vendas de minério de ferro converteram-se em desemprego para trabalhadores em Açailândia;
quanto mais a Vale consolida seu valor de mercado, mais ela participa de projetos de
desenvolvimento que massacram as poucas perspectivas de famílias que buscam emprego,
trabalho e renda. O contraponto são os barracos, as favelas, o ―paraíso destruído‖. A sidero-
81
metalurgia desestrutura os grupos sociais locais e seu território; retira-os daquilo que os
sustenta e entrega-os a um novo modelo de apropriação do espaço e dos recursos naturais que
é existencialmente precário, quando não é excludente. O desenvolvimento se converte em
desenraizamento, em deslocamento; as promessas do progresso e da modernidade que
preconizavam educação, moradia e qualidade de vida convertem-se em desemprego e
marginalização para os homens e, muitas vezes, prostituição para as mulheres.
Em 2009, aconteceu também a paralisação da unidade de pelotização de São Luís
gerando uma redução no consumo de óleo combustível que foi influenciada pela queda
acentuada na pelotização, que registrou redução de mais de 95%, de 116 mil toneladas, em
2008, para apenas 964 toneladas, em 2009. Além disso, a redução no consumo de óleo
combustível deve-se também a substituição de óleo por gás natural nas outras unidades. As
unidades de caulim também reduziram o consumo de óleo combustível, ficando com 21 mil
toneladas, ante 57 mil toneladas do ano anterior (VALE, 2010a). Nesse sentido o consumo de
energia elétrica da Vale chegou a 14,9 TWh, o que representa uma redução de cerca de 23%
em relação a 2008 (19,3 TWh). O consumo de energia elétrica foi impactado principalmente
pela já referida paralisação de algumas unidades, como Pelotização São Luís, Pelotização
Fábrica, Mina de Água Limpa e Urucum Ligas, além da redução de ritmo de produção em
outras (VALE, 2010a).
Nos termos discutidos, há que se buscar publicizar o conflito com os pescadores da
praia do Boqueirão e os impactos ambientais sobre a pesca (fonte de renda de várias famílias),
bem como toda área Itaqui-Bacanga em virtude da implantação do Píer IV no Terminal
Marítimo Ponta da Madeira. O Relatório de Sustentabilidade de 2009 nos informa que:
A Vale, ciente da sua responsabilidade social perante os impactos causados com a
implantação do Píer IV do Terminal Portuário de Ponta da Madeira, em São Luís,
está realizando o Programa de Desenvolvimento Socioeconômico da Comunidade
de Pescadores Artesanais da Praia do Boqueirão. O Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) definiu as áreas afetadas pelo empreendimento. Por isso, por meio da
Fundação Vale, propusemos a construção participativa de um programa de apoio à
pesca artesanal na praia do Boqueirão. Foram realizadas reuniões com pescadores e
lideranças comunitárias e também articulações com o sindicato, o Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (Senac) e o Estaleiro Escola, assim como visita às
instalações da Vale no porto. A equipe da Fundação participou das audiências
públicas em que foram apresentados os eixos do programa: valorizar e conservar a
cultura da pesca artesanal, colaborar para a geração de renda e contribuir para o
exercício da cidadania. A primeira etapa do programa, desenvolvida em 2009,
incluiu a realização de uma pesquisa que classificou os pescadores em três grupos,
de acordo com a atividade de pesca na praia para melhor definir o atendimento.
Além disso, uma especialista em biologia marinha acompanhou a produção local e
analisou as potencialidades de geração de renda dos grupos. Desde dezembro de
2009, os 51 pescadores inscritos no programa, junto com suas famílias, participam
da qualificação, por meio de um convênio com o Serviço Nacional de
82
Aprendizagem Rural (Senar), e recebem mensalmente uma bolsa-auxílio vinculada à
participação nos cursos. O programa inclui ainda a distribuição de materiais de
pesca artesanal, kit de segurança e apoio para obtenção de documentos pessoais. Até
2012, tempo previsto para a duração dessa ação, a comunidade da praia de
Boqueirão terá oportunidade de conhecer outras experiências comunitárias de
desenvolvimento local, por meio de visitas técnicas (VALE, 2010a, p.78).
Note-se que a Fundação Vale, braço social que organiza e planeja os programas e
ações sociais, já está atuando diretamente sobre o território. E mais: quando a Vale aponta que
vai qualificar os pescadores, está diretamente atestando que os mesmos são desqualificados.
De qualquer forma, lendo assim a nota, parece que as coisas vão ―as mil maravilhas‖, mas não
é bem isso que está acontecendo: em reportagem de Kely Lima, citando o Fórum Carajás,
processou-se um verdadeiro impasse.
Pescadores da Praia do Boqueirão estão descontentes com valor de indenização que
a Vale pagará para a construção do Píer IV, no Terminal Marítimo de Ponta da
Madeira, em São Luís. O Sindicato dos Trabalhadores na Pesca da Ilha de São Luís
e a Colônia de Pescadores Z10-São Luís já articulam uma ação judicial contra a
empresa Diagonal54, responsável pela execução do empreendimento, para embargar
a obra. O investimento da Vale é de R$ 2 bilhões. O desentendimento se deu depois
que a mineradora dividiu os pescadores, 54 pessoas, em três grupos a serem
indenizados. O primeiro, recebendo o valor de R$ 1.500; o segundo, R$ 1.000; e o
último, um salário mínimo. Os pescadores contestam o prazo de indenização. Os
valores seriam pagos até a conclusão das obras, após a esse período de dois anos e
sete meses, os pescadores não receberiam mais nada. A categoria também alega que
a mineradora teria feito à divisão de forma totalmente arbitrária. ―O valor deveria ser
feito em cima de um cálculo de expectativa de vida‖, afirma o presidente da Colônia
de Pescadores Z10-São Luís, Jonas Albuquerque. Outra reclamação recai sobre o
fato do benefício ser intransferível. O pescador Ivan de Jesus Silva fala que tentou
colocar a esposa como dependente, mas foi informado de que não seria possível. ―E
o que vai acontecer se eu chegar a morrer antes? A minha família irá ficar
desamparada‖, preocupa-se. Há ainda questão sobre a quantidade de pescadores
incluídos nos grupos. A documentação do sindicato dos pescadores aponta que
existem, atualmente, 69 pescadores registrados pertencentes à área Itaqui-Bacanga.
Deste total, apenas 54 pessoas participam da divisão feita pela Vale.
Mais uma vez aqui é de vital importância saber pensar o espaço: a geógrafa inglesa
Doreen Massey (2008) nos ensina que o espaço molda as nossas cosmologias estruturantes,
nosso entendimento do mundo, nossa política. O conflito entre a Vale e os pescadores, além
de ser um conflito ambiental, é um conflito espacial, na medida em que os agentes envolvidos
possuem diferentes cosmologias que se chocaram neste encontro de trajetórias e de histórias.
A forma como ambos imaginam o espaço está posta: a Vale enxerga na implantação do píer
IV mais uma operação comercial e mercantil que lhe trará cada vez mais lucros; na outra
54
A Diagonal Urbana é uma grande consultoria paulistana de atuação nacional, como se percebe, que realiza o
diagnóstico socioeconômico na área de influência da Estrada de Ferro Carajás. É esta empresa que informa a
Fundação Vale sobre condições sociais dos municípios em que atua, quais as maiores dificuldades e sobre quais
questões se dão as maiores críticas da população (PANTOJA, 2010).
83
ponta, os pescadores, depois de terem sido desqualificados, são agora segmentados em valores
monetários: sua existência e sua vida estão dispostas em cifras. No documento da Vale são 51
pescadores beneficiados, enquanto existem 69 pescadores.
A Vale informa também, em seu relatório de sustentabilidade de 2009, que na capital
ludovicense, foi implementado o programa de formação de mão de obra local para a
construção do Píer IV do Porto de Ponta da Madeira, que formou 300 jovens da área do Itaqui
Bacanga, vizinha às instalações da empresa (VALE, 2010a).
Deve-se ter em mente que essa prática da Vale é uma forma de anestesiar o conflito
(hot-spot) em que ela está diretamente inserida, além de que é uma forma de dividir a
comunidade: como podem os pescadores questionar se a Vale está oferecendo a qualificação
de mão de obra para o competitivo mercado de trabalho? Por que defender a causa de 50, 70
pescadores se a Vale qualificou 300 jovens? São questões importantes nas entrelinhas do
processo.
Em outras palavras: como ficarão os pescadores depois que as dragas da Vale tiverem
atingido a sua fonte de sustento? E quanto à atuação estatal? O que o poder público tem feito
para mediar esse conflito? E por mais que todos sejam indenizados e ―qualificados‖
devidamente: vale tudo em nome do desenvolvimento? A destruição dos modos de vida
destes pescadores é sacrificável em nome do desenvolvimento?
Ainda que em 2009 a Vale tenha produzido 265 milhões de toneladas de minérios e
transportado 21 milhões de toneladas de produtos de terceiros em suas ferrovias55, bem como
ter tido uma receita bruta de US$ 23,9 bilhões e um lucro líquido de US$ 5,3 bilhões, ela
reduziu os investimentos de U$14 bilhões (previstos) para U$9 bilhões, reduziu os custos em
R$ 282 milhões com folha de pagamento, demissões e corte de contratos com terceirizaas
(GODEIRO, 2010).
Apesar da queda da produção de minério de ferro e da diminuição das vendas e
lucros em 2009, os donos da Vale decidiram pagar a eles mesmo, em 2009, US$ 2,7
bilhões de dólares, a mesma quantia que receberam em 2008, ano recorde de
produção e lucros.
Os altos executivos da Vale também foram premiados pelo seu ótimo desempenho.
Os seis diretores executivos receberam em 2009 cerca de US$ 40 milhões de
dólares, isto é, US$ 6,6 milhões de dólares para cada executivo.
Um trabalhador de nível médio da Vale teria que trabalhar cerca de 800 anos para
ganhar este valor que o executivo ganhou em um só ano (GODEIRO, 2010, p. 33).
55
Só em 2009, na Estrada de Ferro Carajás, foram transportadas 96,3 milhões de toneladas, quase a capacidade
máxima atual de 100 milhões.
84
No aspecto contábil, as provisões para contingências cíveis, ambientais e trabalhistas
em 1997 eram de R$ 136 milhões, montante que em setembro de 2009 era de R$ 1,886
bilhão.
8 OS REFLEXOS DA GOVERNAMENTALIDADE EM 2010
No tópico anterior mostramos como o desempenho econômico da Vale pode ser
prejudicial tanto para os trabalhadores quanto para a Natureza. Partindo do conceito
foucaultiano de governamentalidade, busca-se agora, analisar o ano de 2010. Dessa forma,
finalizamos a análise dos 68 anos (1942-2010), ressaltando o período pós-privatização, alvo
majoritário de nosso estudo.
Inicialmente é relevante abordar o que seria essa governamentalidade, bem como
mostrar qual a necessidade de se falar desse conceito para a análise do discurso
(FOUCAULT 2009a, 2009b). Para tanto se faz necessário recorrer a Michel Foucault uma vez
que o referido filósofo foi, por assim dizermos, o ―mentor intelectual‖ do conceito de
governamentalidade. Na Microfísica do Poder56, uma das obras máximas de Foucault
(2009c, pp.291-292), ele pondera três coisas sobre o que seria essa governamentalidade:
1 − o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões,
cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de
poder, que tem por alvo a população, por forma principal de saber a economia
política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança.
2 − a tendência que em todo o Ocidente conduziu incessantemente, durante muito
tempo, à preeminência deste tipo de poder, que se pode chamar de governo, sobre
todos os outros − soberania, disciplina, etc. − e levou ao desenvolvimento de uma
série de aparelhos específicos de governo e de um conjunto de saberes.
3 − resultado do processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se
tornou nos séculos XV e XVI Estado administrativo, foi pouco a pouco
governamentalizado.
A concepção foucaultiana sobre governamentalidade nos permite compreender como a
Vale, enquanto agente econômico e social, dispõe de um conjunto de práticas, procedimentos,
técnicas e táticas que, em última instância, possui como destino teleológico a acumulação de
capital. É importante perceber que na analítica foucaultiana da Microfísica do Poder, o
conceito de governamentalidade permite que entendamos que o Estado é uma das
possibilidades das múltiplas técnicas de governo (CANDIOTTO, 2010) De fato, a Vale, ao
longo da sua história, de estatal a privada, teve a sua organização e administração
56
É sobre esta obra em questão, principalmente, que pautaremos a nossa discussão.
85
capitaneados pelo Estado que, através dos seus recursos técnicos (especialmente obras de
infraestrutura como estradas de rodagem, ferrovias, portos, aeroportos, usinas hidrelétricas)
propiciou o bom funcionamento do modelo de desenvolvimento da referida empresa.
Interessante analisar que, para Foucault, a governamentalidade tem como alvo a
população: ―um conjunto de indivíduos que são pensados coletivamente como uma unidade
descritível, mensurável, conhecível e, por isso mesmo, governável‖ (VEIGA-NETO; LOPES,
2007, p. 955). Logo, para que a população seja governável, tanto o Estado, quanto uma
empresa (no nosso caso a Vale), lançam mão de dispositivos, recursos técnicos para alcançar
tal finalidade. Todavia, a população aqui aparece como uma ―massa uniforme‖ que se
dissolve no seu próprio conceito. Por isso, poderia se falar nas diversas populações que são
atingidas pela Vale e que, de maneira alguma, são uniformes. Desse modo de vista temos
populações quilombolas, ribeirinhos, camponeses, dentre uma vasta gama de pessoas que são
afetadas pelas práticas da Vale.
Mas, neste momento, somos também desafiados a pensar que o próprio conceito de
governamentalidade possa ser ―aplicável‖, mesmo que de maneira incipiente, à Natureza. E se
refletíssemos em uma governamentalidade da Natureza? Que implicações esta questão pode
nos suscitar? E se questionássemos que existe um conjunto de práticas que buscam disciplinar
a Natureza, conduzir a sua gestão através de instituições que, no jogo político, gozam de
diferentes níveis de poder e relações de poder? Tomemos como exemplo a ―natureza da
Vale‖. Na lógica da empresa, os recursos naturais transformam-se, no momento em que são
industrializados/minerados, em recursos sociais. E é aí que empresas como a Vale arrogam-se
o direito de explorar a Natureza, posto que transformam os minerais em utensílios essenciais
para a vida de todos, ou seja, para toda população.
Nos termos discutidos, o desenvolvimento progressivo do capitalismo, atrelado
diretamente à modernidade e aos processos de expansão e intensificação geográfica [do
capitalismo] (HARVEY, 2006) determinou uma necessidade racional de um governo racional
que permitisse gerir tanto a Natureza, quanto as mais diversas populações. Nesse sentido,
tanto a Natureza, quanto as populações são mensuráveis, cambiados em recursos naturais e
humanos, logo, governáveis. Como bem chamou atenção Escobar (2005a, p.31):
Governamentalidade é um fenômeno essencialmente moderno através do qual vastos
domínios da vida cotidiana são apropriados, processados e transformados por
conhecimento de experts e o aparato administrativo do estado. Este processo atingiu
a ordem natural do manejo florestal científico e a agricultura plantations ao
gerencialismo do desenvolvimento sustentável
86
Não nos esqueçamos que o expert nasce justamente da dicotomia, da separação, que é
um fundamento moderno do projeto positivista de ciência. O exclusivismo epistemológico
que promoveu um verdadeiro apartheid entre o conhecimento técnico/especializado (expert) e
o conhecimento não-técnico/não-especializado (leigo), promoveu a autonomia dos cientistas
na mesma ordem que retirou do ―leigo‖ qualquer possibilidade de tomada de decisões ou até
mesmo de debates (SANTOS; MENESES; NUNES, 2005). Portanto, o expert, o especialista
em uma área do conhecimento científico, ou seja, o conhecimento científico fragmentado,
dificilmente poderá propor uma solução para a crise ambiental (LEFF, 2004).
O papel do governo, que é destacado por Foucault, se tornou preeminente. De certo
modo absorveu em si e para si a disciplina e a soberania. É claro que não podemos pensar
disciplina, soberania e governo de maneira tricotômica, opostas, negando-se simultaneamente;
mas sim que estas três dimensões se inter e intra-articulam. A mentalidade do governo
capitalista é então criar instituições, práticas, técnicas e táticas que viabilizem a construção de
uma sociedade disciplinada e que possam garantir a estabilidade do Estado, bem como a
governabilidade da população. O papel do Estado no sistema econômico capitalista é, assim,
de indutor (depois ele é induzido), ou seja, ele cria as condições necessárias para que haja
governabilidade e o desenvolvimento (infraestrutura, energia, escoamento de produção, etc.).
Exemplifiquemos dando voz a Porto-Gonçalves (2005, p.102) quando este nos fala de um
aspecto do papel do Estado na construção do Brasil-Grande dos militares.
A abertura de estradas e o barramento dos rios foram tarefas assumidas pelo Estado.
A estrada e a energia são condições gerais de produção essenciais para que as
iniciativas particulares de produção se fizessem presentes. No entanto, se são
essenciais não são suficientes para garantir que as iniciativas particulares se dêem.
Como garantir o acesso por parte desse novo capital aos recursos naturais da região?
Coube ao Estado regular a propriedade do solo e do subsolo, ou seja, das terras e dos
minérios, que eram o objeto dos interesses das novas formas com que o capital se
revestia na região. Enfim, era o controle da e terra e das minas que se tornava
necessário.
Logo, governar é, além de estabelecer a economia ao nível do Estado, fazer com que o
aparelho estatal assuma as incumbências do desenvolvimento dando-os um destino
apropriado. Mas é, também, como nos fala Foucault, governar os homens e suas relações, os
recursos naturais e suas utilidades, bem como o território e suas fronteiras, os costumes e os
hábitos, os modos de agir e pensar.
O Estado é então um dos entes máximos e o agente por excelência da
governamentalização, na medida em que governamentaliza e é governamentalizado.
Explicando: Ele é, por um lado, soberano, uma vez que todos devem obediência à (sua) lei; e
87
por outro é disciplinador, na medida em que administra a população e, simultaneamente, a faz
sujeitar-se as suas regras, obrigações e restrições que são metodologicamente desenvolvidas.
―A governamentalidade nos remete então a essa mentalidade dos governos modernos - à
mentalidade dos governantes e dos governados‖ (PEET, 2007, p. 29).
Sejamos mais empíricos: é bom deixar claro que as práticas insustentáveis da Vale não
estão condicionadas (espacialmente falando), aos países ditos subdesenvolvidos. No Canadá:
[...] há dois processos judiciais envolvendo a Inco Limited 57 ainda pendentes de
decisão final. Um caso diz respeito à sanção monetária imposta por alegada
contaminação no solo na refinaria de Port Colborne, no qual a empresa vem se
defendendo. O outro processo é referente à sanção monetária por poluição do ar, nas
operações de Sudbury (VALE, 2009c, p. 121).
Com efeito, uma mineradora pouco se importa com o solo, pois está interessada no
subsolo. Destaque-se que a compra da Inco fez com que a Vale se transformasse na maior
produtora mundial de níquel. Nesse sentido, percebe-se a internacionalização da Vale, bem
como um reordenamento econômico: se outrora o Brasil apenas restringia-se a receptor de
projetos de desenvolvimento econômico, agora com a internacionalização das grandes
empresas, como a Vale, vem a ser um país que investe em atividades econômicas a nível
internacional, tal como a mineração. Mas, tal como qualquer outra empresa capitalista, a Vale
age com uma voracidade em busca de lucro e capital que nada difere das multinacionais que
chegam aqui no Brasil explorando trabalhadores e degradando a Natureza.
O ano de 2010 marca também uma importante operação realizada pela Vale: a venda
dos ativos de alumínio para a empresa norueguesa Norsk Hydro em uma transação de US$4,9
bilhões. Agora, a Alunorte (Alumina do Norte do Brasil), a maior mina de refino de alumina
do mundo, e a mina de bauxita de Paragominas, passam a ser controladas pela empresa
norueguesa. A venda dos ativos deu-se em virtude do alto custo de energia no Brasil 58, o que
fez a Vale dirigir seus investimentos para a bauxita e alumina, que são estágios da cadeia de
alumínio que consomem menos energia.
O curioso é que a população, de uma maneira geral, indústrias e comerciantes, pagam
por 100kwh cerca de R$45,00; enquanto a Vale paga, pelos mesmos 100kwh, a bagatela de
57
No segundo semestre de 2006, a CVRD comprou a mineradora canadense Inco por US$ 19 bilhões, sendo seu
preço US$ 17,8 bilhões e mais US$ 1,2 bilhão de dívida líquida. Para esta compra, ela se associou a bancos
internacionais, como Credit Suisse, UBS, ABN Amro e Santander (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Com isso, o
endividamento da Vale aumentou para US$ 22 bilhões em 2006 (GODEIRO et al. 2007).
58
Para maiores informações recomenda-se a leitura das reportagens de Melina Costa (Agência Reuters - Estado
de São Paulo) publicada no jornal Estado de São Paulo no dia 03/05/2010: ―Vale vende controle dos negócios de
alumínio‖; Em adendo, a reportagem publicada no jornal Valor Econômico, ―Vale vende área de alumínio à
Norsk Hydro‖, de Ivo Ribeiro, também explana sobre o assunto.
88
R$5,00. Esse ―fator energético‖ que reduz a competitividade da Vale pode explicar a
participação da mesma no consórcio de Belo Monte e na construção da Usina Hidrelétrica de
Energia (UHE) de Estreito, via Consórcio Estreito de Energia (Ceste) – composto, além da
Vale, pelas empresas Suez Energy South America Participações Ltda., Alcoa Alumínio S.A.,
e Camargo Correa Energia S.A.
Cabe relevar que em Estreito, o conflito se processa em duas frentes que se chocam:
primeiro, o potencial hidrelétrico da bacia Araguaia-Tocantins sinaliza a possibilidade de
suprimento da necessidade de energia elétrica para levar a frente as atividades siderometalúrgicas; em contrapartida, o empreendimento de R$3,1 bilhões atinge agricultores
familiares, povos indígenas e a população ribeirinha, evidentemente.
Recentemente, no dia 8 de julho de 2010, os membros do sindicato USW no Canadá
ratificaram um acordo coletivo de cinco anos de duração com a Vale. O acordo põe fim à
greve que começou há um ano, 13 de julho de 2009, e envolveu 3.200 mineiros em Sudbury e
Port Colborne, Ontario. O acordo coletivo que vai até 31 de maio de 2015 inclui: aumento do
salário-hora para todos, com aumento da ajuda de custo de vida a cada cinco anos. Assim,
elevando o reajuste salarial para entre $ 2,25 e US $ 2,50 por hora dentro da duração do
contrato; melhorias para o atual Plano de Pensão de Benefício Definido, aumentando para $
41.400 por ano, com a indexação de ajuda para o custo de vida para toda a vida, junto com um
plano de saúde para todos durante o tempo de vida; o Plano de Previdência de Contribuição
Definida para os novos contratados, que prevê contribuições da empresa igual a 8% do salário
base regular dos trabalhadores. Além disso, os funcionários serão capazes de fazer
contribuições adicionais que variam de 2% a 6% do salário regular, combinando com as
contribuições da empresa dentro de certos limites. O novo plano também incluirá a cobertura
em caso de invalidez de longo prazo para os trabalhadores. Como resultado das negociações
bem firmes e sustentadas, o programa de bônus de níquel irá permitir que os funcionários
ganhem até US $ 15.000 por ano, além de salário regular.
O Canadá também é berço de outro conflito. No Relatório de Sustentabilidade da Vale
referente ao ano de 2009, na seção relativa aos Recursos Humanos, subtópico diversidade,
encontramos uma informação interessante: ―Consideramos intolerável a discriminação em
função de etnia, origem, sexo, orientação sexual, crença religiosa, além de condição de
sindicalização, convicção política e ideológica, classe social, pessoas com deficiência, estado
civil ou idade‖ (VALE, 2010a, p.35, os grifos são nossos). Segundo nota da Rede Justiça nos
89
Trilhos59, acessível no site www.justicanostrilhos.org, trabalhadores da província de
Newfoundland e Labrador receberam uma dúbia distinção e um tratamento de segunda classe
se comparados com os funcionários da Vale em outras províncias do Canadá. Isso porque a
Vale, tenta ditar a aceitação de um contrato inferior, com abonos e benefícios menores em
comparação com o acordo a que se chegou a Ontario, uma vez que muitos os trabalhadores de
Newfoundland e Labrador são indígenas.
Em
matéria
publicada
no
Jornal
Pessoal,
acessível
em
http://www.lucioflaviopinto.com.br/, ―Carajás começa de novo, mas o Pará não percebe‖,
o jornalista Lúcio Flávio Pinto conta que a Vale realiza desde o ano de 2009 o maior
investimento da sua história e também o maior da indústria de minério de ferro no mundo. Ela
aplicará, até 2015, US$ 11,3 bilhões de dólares para dobrar a produção de Carajás, no Pará,
que chegará a 230 milhões de toneladas anuais, metade do que a Vale pretende extrair em
todo país naquele ano. Em suas palavras:
Dos US$ 11,3 bilhões previstos, US$ 7,8 bilhões serão gastos na duplicação de dois
terços da ferrovia de Carajás (em 604 dos seus 822 quilômetros de extensão) e na
construção do 4º píer do porto de embarque, na Ponta da Madeira, na ilha de São
Luís do Maranhão. Os restantes US$ 3,5 bilhões serão absorvidos pela própria mina,
em território paraense. Só neste ano a empresa desembolsará US$ 1,1 bilhão (US$
766 milhões na logística e US$ 360 milhões na mina).
A duplicação de dois terços da ferrovia Carajás simboliza também a duplicação da
produtividade: ela aumentará a capacidade de escoamento do minério de Carajás, assim como
tornará apta a escoar o minério que ainda não é explorado na Serra Sul, no ―profético‖
município de Canaã dos Carajás. A terra prometida bíblica, terra onde corre leite e mel, é a
terra prometida da Vale, onde correm minérios. Tal como na bíblia, cuja terra foi destinada
aos judeus (o povo de Deus), a despeito de todos os habitantes que ali viviam, na versão
moderna e progressista representada pela Vale no papel de ―Deus‖, a terra é destinada à
Companhia, a despeito de todos os habitantes que ali vivem.
Ateste-se ainda que a respeito da duplicação da EFC, grande parte das preocupações
da Rede Justiça nos Trilhos têm se voltado para os impactos anunciados ou aos danos já
ocorridos em razão das obras de duplicação da EFC, em pleno andamento. No município de
Itapecuru-Mirim, as comunidades de Santa Rosa dos Pretos e de Monge Belo, ambas
reconhecidamente, remanescentes de quilombos, terão suas áreas recortadas caso as
pretensões de duplicação da EFC logrem êxito.
59
Coalizão de organizações civis, movimentos sociais, pastorais, sindicatos, núcleos universitários e pelos
Missionários Combonianos Brasil Nordeste. É uma associação civil de caráter religioso, sem fins lucrativos.
90
Em síntese, o processo de licenciamento da duplicação da Estrada de Ferro Carajás
fere frontalmente a legislação ambiental, em especial a Resolução CONAMA n°. 349/2004,
que veda a concessão de licenças fragmentadas para obras como a referida acima, impondo a
necessidade da prévia confecção de EIA/RIMA, audiências públicas e todos os demais atos
previstos nas Resoluções CONAMA n°. 237/1997 e 01/1986.
Apesar da Vale considerar o empreendimento ferroviário de pequeno potencial de
impacto ambiental, ele implicará em remoção de população, intervenção em áreas de
preservação permanente, unidades de conservação e outros espaços territoriais protegidos.
Mesmo assim, o IBAMA expediu a Licença de Instalação (nº752/2010) que autorizou a Vale
a realizar as obras de duplicação dos trilhos em quatro segmentos, que perfazem um total
aproximado de 70 km de ferrovia. Isto coloca em risco as comunidades de Santa Rosa dos
Pretos e de Monge Belo, bem como nos municípios maranhenses de Bom Jesus das Selvas,
Buriticupu, Alto Alegre do Pindaré e Açailândia (segmentos 07 a 09 da ferrovia), gerando
grande impacto na vida de centenas ou milhares de pessoas.
Os investimentos previstos pela Vale para 2010 estão orçados em US$ 12,9 bilhões
(FIGURA 07).
Figura 07. Investimentos previstos para 2010. Fonte: Vale, 2010c.
91
Ela também elenca sete novos projetos iniciando em 2010, a saber: Minério de ferro
(Carajás Adicional, 10 Mtpa60), Pelotas (Omã, 9,0 Mtpa), Níquel (Onça Puma, 58.000 tpa),
Cobre (Tres Valles, 18.000 tpa), Rocha fosfática (Bayóvar, 3,9 Mtpa), Energia (Estreito,
1.087 MW), Siderurgia (CSA, 5,0 Mtpa). Cabe destacar que, no consórcio de Estreito, a
participação da Vale é de 30,0%, enquanto que na Companhia Siderúrgica do Atlântico é de
26,87% (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010b).
9 A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL61
Ao longo desta seção será promovida uma análise do documento intitulado: ―Política
de Desenvolvimento Sustentável‖, que está acessível no site www.vale.com. O documento é
composto inicialmente pelos itens Objetivo e Princípio, que, então, é decomposto em três
partes
intituladas:
OPERADOR
SUSTENTÁVEL;
CATALISADOR
DO
DESENVOLVIMENTO LOCAL; AGENTE GLOBAL DE SUSTENTABILIDADE e cada
parte desta é apresentada na forma de acróstico, construídos respectivamente, a partir dos
termos VALOR, LOCAL e GLOBAL.
9.1 Objetivo e princípio
Já sabemos que a dimensão política está imbricada, hoje, em vários âmbitos do
conhecimento científico. Como não poderia deixar de ser, a crise/questão ambiental, a partir
do momento em que necessitou ser analisada, requereu o direcionamento da política para o
seu campo, quer seja como controle de conflitos ou também como luta pelo poder. O discurso
de desenvolvimento, que é essencialmente histórico e dispõe-se em acontecimentos reais e
sucessivos (FOUCAULT, 2009b), também teve a necessidade de políticas sustentáveis.
Vejamos então, qual é o Objetivo da referida política da Vale:
Estabelecer diretrizes e princípios para a nossa atuação quanto ao Desenvolvimento
Sustentável de nossos projetos e operações, explicitando a nossa responsabilidade
social, econômica e ambiental nas regiões em que estamos presentes, em nossa
cadeia de valor e no posicionamento sobre temas globais de sustentabilidade
(VALE, 2009a, p. 1).
60
Mtpa signifca milhões de toneladas por ano.
61
Este capitulo foi livremente extraído originalmente de Ribeiro Junior; Sant‘Ana Junior, 2010a.
92
A sustentabilidade global é temática presente nos documentos oficiais da Vale. Não só
por ela ser uma empresa global, bem como a sustentabilidade acabou se configurando como
mais um vetor de geração de lucro e agregação de valor nas mais diferentes localidades.
Dessa forma, a própria responsabilidade socioambiental transforma-se em mais um
mecanismo político para que as operações e projetos vinculados à referida empresa estejam
imersos no discurso do desenvolvimento sustentável (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA
JÚNIOR, 2010a). Mas, vejamos um caso concreto de atuação da Vale: O município de
Barcarena-PA, que sedia as plantas industriais, integra o conhecido Programa Grande Carajás
(PGC) e está inserido na cadeia produtiva de Alumina e Alumínio, através das subsidiarias
Albrás e a Alunorte. Graças ao insumo da energia elétrica, a Albrás e a Alunorte formam um
dos maiores complexos de alumínio a nível mundial.
A ação das subsidiárias da Vale tem gerado impactos relevantes no que tange a
emissão de poluentes (gases cáusticos e poeiras corrosivas, bem como a liberação de dióxido
e trióxido de enxofre) e aos acidentes ocorridos.
Um dos maiores impactos causados pela produção de alumínio é a lama vermelha,
que é a parte estéril do processo de beneficiamento da bauxita. É um resíduo
extremamente cáustico, com Ph acima de 13,2. A soda cáustica presente na lama
vermelha contribui para a ocorrência de chuva ácida, contamina o lençol freático, as
águas superficiais e os solos. Para cada tonelada de alumina produzida, são
necessárias três toneladas de bauxita, proveniente de Carajás, o que gera uma
enorme quantidade de lama vermelha como resíduo. Somente em 2004 a
ALUNORTE produziu, no mínimo, 1,27 milhão de toneladas de lama vermelha. A
expansão de sua produção em 2008 aumentou sua capacidade de produção para 2,04
milhões de toneladas de lama vermelha. Apesar da empresa alegar que lança
lama vermelha apenas em locais seguros, muitos acidentes têm ocorrido. O mais
recente ocorreu em abril de 2008, onde milhares de litros de lama vermelha vazaram
de uma das bacias daquela empresa, contaminando o rio Murucupi, importante fonte
de água para as populações tradicionais (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p. 65, grifos
nossos).
Talvez não devêssemos nem classificar essa situação descrita acima como um
―acidente‖: isso porque a noção de acidente nos remete a um acontecimento casual, o que não
se aplica às operações da Vale. Da mesma forma que seus lucros não são casuais, ou
acidentais, mas sim fruto de suas estratégias políticas e econômicas, não se pode classificar
como fortuito a contaminação de lama vermelha em ecossistemas fluviais.
Segundo o jornalista Rogério Almeida62, A cadeia do alumínio se encontra em franco
processo de expansão. A hidrelétrica de Tucuruí teve a sua capacidade produtiva duplicada.
Minas no município Paragominas, nordeste do Pará são exploradas, para reforçar a antiga
62
http://rogerioalmeidafuro.blogspot.com/
93
mina em Oriximiná, oeste do estado. Na mesma região, no município de Juruti, a
multinacional Alcoa inicia uma conturbada exploração de mina. Há ações dos Ministérios
Públicos Estadual e Federal contra a atuação da ALCOA. A Vale pretende ainda a construção
de uma usina termoelétrica em Barcarena, orçada em US$ 898 milhões. Nesse aspecto, a Vale
informou que está, por enquanto, suspenso o projeto de construção de uma usina termelétrica
no município de Barcarena. O empreendimento teve sua licença prévia expedida pela
Secretaria de Meio Ambiente do Estado no final de outubro de 200863.
O direcionamento para investimentos em logística tem sido uma sinalização da
companhia, em particular na geração de energia. O saque das riquezas e a internalização das
tragédias sociais e ambientais têm regido tais projetos de desenvolvimento na Amazônia.
Já observamos inicialmente que o objetivo da política de desenvolvimento sustentável
da Vale é sustentar a sua política de desenvolvimento, nem que para isso os rejeitos de suas
operações de mineração destruam ecossistemas naturais. Passemos então agora para o
Princípio da sua política de desenvolvimento sustentável:
[...] o desenvolvimento sustentável é atingido quando seus negócios, em particular
as suas atividades de mineração, geram valor para seus acionistas e demais partes
interessadas, e deixam um legado social, econômico e ambiental positivo nos
territórios onde opera (VALE, 2009a, p. 1).
Note-se que o desenvolvimento sustentável é um alvo a ser atingido quando seus
negócios geram valor para os acionistas. Todavia, a ―atuação sustentável‖ da Vale, a imagem
de sucesso que a maioria das pessoas possuem a seu respeito fica manchada quando tomamos
notícia de seu desempenho, por exemplo, no Canadá. No referido país a Vale adquiriu a Inco
(FIGURA 08) no ano de 2006 com o objetivo de processar níquel.
Figura 08. Campanha da Vale Inco cuja tradução nos diz: ―juntas somos melhores‖. Agora cabe questionar
melhor para quem? Um melhor futuro para quem?
Fonte: www.vale.com
63
www.diariodopara.com.br
94
Obviamente, qualquer atividade de mineração gera rejeitos que devem ser
condicionados adequadamente em um lugar que impacte ou prejudique na menor escala
possível. Aí se encontra o problema: a Vale argumenta ―sustentavelmente‖ que a melhor
maneira de se desfazer dos rejeitos da sua refinaria é descartando-o com ―responsabilidade
social, econômica e ambiental‖ no lago de Sandy Pond! Nas palavras de Catherine
Coumans64:
Canadá não deve prover às indústrias mineradoras subsídios incomensuráveis
sacrificando reservatórios de água naturais para se tornarem reservatórios de
rejeitos[...] Destruir Sandy Pond não é claramente praticar desenvolvimento
sustentável e nem mesmo pode ser considerada uma boa prática em se tratando de
reservatórios de rejeitos, uma vez que Vale Inco sabe de antemão que Sandy Pond
irá dispersar rejeitos em águas subterrâneas, criando uma pluma contaminante. Além
disso, a lagoa irá requerer barragens para segurar os rejeitos e essas barragens
precisarão ser mantidas para sempre (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.122).
Seria irônico se não fosse triste. A destruição do lago Sandy Pond, através do lixo
tóxico oriundo da refinaria de níquel, ocasionará um desequilíbrio ecológico em um sistema
natural que não pode ser substituído, sem falar que trará conseqüências desastrosas para a
pesca na região.
9.2 Operador sustentável
Um dos três pilares da Vale é o operador sustentável. ―Operar com sustentabilidade é
atuar com consciência e responsabilidade socioeconômica e ambiental em todo o ciclo de vida
das nossas atividades. É criar ―V.A.L.O.R.‖ (VALE, 2009a, p. 1).
Principalmente ―V.A.L.O.R. D.E. T.R.O.C.A.‖, diga-se de passagem. A atividade da
Vale é criar valor de troca para seus acionistas, isso sim é operar sustentavelmente, no qual a
sustentabilidade é a das ações que operam nas bolsas de valores de São Paulo e Nova York.
Vamos então analisar ―letra por letra‖, primeiro o ―V‖, que significa: Valor para stakeholders
(partes interessadas).
Proporcionar o maior retorno possível aos acionistas, manter relações e condições
justas de trabalho para empregados e contratados, buscar parcerias de longo prazo
com fornecedores que tragam ganhos para ambas as partes, garantir maior
confiabilidade de suprimento e de valor de uso para nossos clientes, além de
contribuir com o desenvolvimento sustentável das comunidades, regiões e países
onde operamos, mantendo um relacionamento e diálogo permanente e aberto com
nossos stakeholders (VALE, 2009a, p. 1).
64
Pesquisadora coordenadora do Minning Watch Canadá (Observatório da Mineração - Canadá)
95
As partes interessadas, notadamente, não são as comunidades as quais a Vale agride,
ou melhor, atua, mas sim os seus clientes, fornecedores e acionistas que usufruem dos
produtos originados, permitindo que a Vale crie valor de troca para ela mesma, possibilitando
assim ―o maior retorno possível para os acionistas‖ (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA
JÚNIOR, 2010a).
Focalizemos quando a Vale fala em ―manter relações e condições justas de trabalho
para empregados e contratados‖: com a compra (por US$19 bilhões) da Inco, a mineradora
canadense, em 2006 a Vale se tornou a maior produtora mundial de níquel. Todavia, o alto
custo da operação aumentou o endividamento da Vale para US$ 22 bilhões em 2006 (Godeiro
et.al.2007).
A Vale quer fazer com que as pessoas creiam que o problema é o custo do trabalho,
ao invés dos preços de commodities abaixo do esperado, combinados com o custo de
aquisição da Inco (que ela não deveria ter pago). A Vale quer manipular uma
situação econômica temporária para impor a filosofia de que as empresas têm apenas
um dever limitado de compartilhar de forma expressiva seus ganhos com os
trabalhadores, e de que não têm responsabilidades de longo prazo para com os
trabalhadores e suas comunidades.
As exigências da Vale incluem: uma redução no abono vinculado ao preço do
níquel; a eliminação do plano de pensão tradicional (com benefícios definidos) para
novos funcionários; e uma redução dos direitos dos trabalhadores no local de
trabalho quanto ao agendamento e a alocação de tarefas. Ao mesmo tempo, a Vale
tem falado em reduzir ainda mais o número de empregos e já começou a implantar
um sistema global de compras de insumos, cortando, assim, seus laços com muitas
empresas locais de serviços de mineração (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, pp.104105, grifos nossos).
Como se observa, a diretoria da Vale distorce o conceito de justiça. A única justiça
que a vale concebe é castigar os trabalhadores em virtude da crise econômica. O exclusivo
retorno que a empresa ―cada vez mais verde e amarela‖ dá aos seus trabalhadores canadenses
é uma política agressiva que objetiva romper direitos trabalhistas. As parcerias de longo prazo
dissolveram-se em um momento de crise econômica e agora a empresa quer os trabalhadores
e as comunidades do Canadá paguem por essa crise. Não obstante, os ganhos são para seus
acionistas e o prejuízo afeta trabalhadores e comunidades.
Passemos para letra A, que significa: Antecipação e prevenção de falhas.
Atuar preventivamente, visando evitar falhas de processo, poluição ambiental,
acidentes de trabalho, riscos ocupacionais à saúde, e minimizar impactos sociais e
ambientais negativos. Aplicar em todos os projetos de investimento e operações da
empresa uma análise prévia de gestão de riscos, impactos e oportunidades nos
aspectos ambiental, social e econômico. Investir e utilizar tecnologias que
permitam – a custo compatível – maximizar a eco-eficiência, a segurança e a
sustentabilidade dos processos produtivos, produtos comercializados e modais de
transporte (VALE, 2009a, p. 1, os grifos são meus).
96
O que a Vale chama de impactos sociais e ambientais negativos, que ela julga querer
minimizar, são os danos provocados por suas siderurgias e pela atividade mineradora, que
acaba por deflagrar conflitos ambientais nos locais onde a referida empresa se instala. Note-se
que, na citação acima, a Vale também aborda e reduz a problemática ambiental a um simples
problema tecnológico (MARTÍNEZ ALIER, 2007). É interessante perceber que a Vale
aponta também que estas tecnologias, têm como função maximizar a eco-eficiência. Mas o
que é essa eco-eficiência? Segundo Martínez Alier (2007, pp.26-27, os grifos são nossos):
Sua atenção está direcionada para os impactos ambientais ou riscos à saúde
decorrentes das atividades industriais, da urbanização e também da agricultura
moderna. [...] se preocupa com a economia em sua totalidade. Muitas vezes defende
o crescimento econômico, ainda que não a qualquer custo. Acredita no
“desenvolvimento sustentável”, na ―modernização ecológica‖ e na ―boa utilização‖
dos recursos. Preocupa-se com os impactos da produção de bens e com o manejo
sustentável dos recursos naturais, e não tanto pela perda dos atrativos da natureza ou
dos seus valores intrínsecos. Os representantes dessa segunda corrente utilizam a
palavra ―natureza‖, porém falam mais precisamente de “recursos naturais”, ou até
mesmo “capital natural” e “serviços ambientais” [...] esse credo é atualmente um
movimento de engenheiros e economistas, uma religião da utilidade e da eficiência
técnica desprovida da noção de sagrado.
É preciso ter cuidado para que não se tenha uma noção romântica da natureza, uma
noção ―rousseauniana‖ por assim dizer. Como bem frisou Martínez Alier, essa eco-eficiência
pode ser expressa por uma operação matemática simbólica: eco-eficiência = empresa +
desenvolvimento sustentável. Essa fé cega na técnica, que tudo pragmatiza, acaba por ter uma
visão utilitarista da natureza, pois ao quantificá-la e mensurá-la - como fazem engenheiros e
economistas -, converte-a em serviço, em capital (principalmente) e em recurso. O valor
intrínseco é modificado em valor de troca; o desenvolvimento sustentável é atingido com a
negação do ócio através da indústria, uma vez que os impactos ambientais são resumidos em
retorno aos acionistas.
Sobre a poluição ambiental cabe destacar que a Vale omite em seu Relatório de
Sustentabilidade 2007 (que cobre os anos de 2005 a 2007), a emissão de poluentes em suas
atividades, algo em torno de 15.549 toneladas somente na cidade de São Luís para o ano de
2005 (NOTÍCIAS STEFEM, 2010, p.3).
Passemos à letra L, que significa Legislação como base: melhoria contínua.
Atuar em plena conformidade com a legislação e demais requisitos aplicáveis e
buscar melhorias contínuas que nos levem, em todos os territórios de atuação, a
superar progressivamente padrões internacionais em saúde e segurança, condições
de trabalho, gestão ambiental, relações trabalhistas e respeito aos direitos humanos
(VALE, 2009a, p. 1).
97
Cabe destacar que as notificações do Ministério Público do Trabalho, no ano de 2007,
levaram a empresa a rever sua política de terceirização65 e contratação de fornecedores da
cadeia produtiva. Em agosto do referido ano, a Vale anunciou ―o corte no fornecimento para
usinas que não respeitam as legislações ambientais e trabalhistas em vigor no Brasil‖. A
decisão atingiria a Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar) e a Usina Siderúrgica de Marabá
S/A (Usimar)66. A Vale informou que estará monitorando de forma mais efetiva seus
fornecedores e terceirizados, com o objetivo de ―que as leis e as convenções de direitos
humanos sejam incorporadas à cadeia de fornecimento e ao ambiente de trabalho‖ (VALE,
2009c, p. 95).
Em Moçambique o Projeto de Carvão Moatize que irá explorar carvão metalúrgico e
carvão técnico deslocará aproximadamente 1.100 famílias. Com efeito, várias serão as
conseqüências desse projeto: alto custo social, perda de terras, ―impactos na saúde devido à
poeira e ao ruído, mudanças radicais nas culturas tradicionais como exumação de corpos e
deslocamento de atividades econômicas locais‖ (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.127). Além
disso, a Vale pretende exportar minério de ferro para a China e Omã. Com a produção de 1
milhão de toneladas por ano a serem exploradas das minas no distrito de Monapo, província
de Nampula, espera-se arrecadar US$ 100 milhões. As minas possuem um período estimado
em 28 anos e a geração de 800 postos de trabalho67.
Avancemos à letra O, que significa Organização e Disciplina.
Trabalhar de forma organizada e disciplinada, adotando práticas rigorosas de
planejamento, execução, monitoramento e ação corretiva, buscando o uso
responsável e eficiente dos recursos naturais. Em termos de responsabilidade
sobre o produto, incentivar o uso, re-uso, reciclagem e disposição final dos nossos
produtos e sub-produtos, incluindo, quando estiver ao alcance da Vale, o design
responsável (VALE, 2009a, p. 1, os grifos são nossos).
Note-se que a Vale, uma representante do evangelho da eco-eficiência, tal como
concebido por Martínez Alier (2007), emprega o termo recursos naturais em vez de
natureza, reafirmando assim que a sua organização, disciplina, planejamento, execução e
monitoramento de atividades traduz-se na eficiência com que trata e utiliza da natureza, que
65
É bom deixar claro que a adoção de políticas de terceirização de empregos se reflete em uma estratégia
econômica que retira a responsabilidade da empresa e precariza as relações de trabalho e emprego.
66
Consultar Vale do Rio Doce anuncia corte de fornecimento a siderúrgicas (23/08/2007)
http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1153. Bem como, MPT exige cumprimento da lei e questiona
terceirizações da Vale (20/09/2007) http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1186.
67
http://www.macauhub.com.mo/pt/news.php?ID=9472
98
por sua vez é vista como recurso, um meio para atingir um fim. Passemos à letra R, que
significa: Respeito e Ética nos Negócios.
Trabalhar de forma ética e respeitosa em todos os países e regiões onde atuamos.
Buscar excelência na nossa governança corporativa, nos processos operacionais, na
qualidade dos produtos e relacionamentos com partes interessadas. Difundir a
atuação sustentável na nossa cadeia produtiva. Adotar padrões e práticas globais de
sustentabilidade, respeitando a soberania de cada país e a legislação local (VALE,
2009a, p. 1).
Mais uma postura do ―ecologicamente correto‖ da Vale. Só quem conhece o habitus
ambiental da Vale é que pode contradizê-la na prática. Por exemplo: porque não são
registrados os mortos por atropelamento ao longo da ferrovia (numa média de um morto por
mês) como bem informou Cláudio Bombieri (VIAS DE FATO, 2010)? Ou quando a Vale e
suas empresas terceirizadas não pagam as horas in itinere dos trabalhadores68 (NOTÍCIAS
STEFEM, 2010, p.8)? Sem falar das siderurgias vinculadas ao Projeto Carajás que são
abastecidas pela extração em larga escala de madeiras. Como a Vale pode falar em ética uma
vez que tal palavra não devolve as vidas que foram subtraídas em suas ferrovias?
Em Parauapebas (PA), a Justiça do Trabalho condenou a Vale a pagar R$ 300 milhões
em virtude dos trabalhadores diretamente contratados pela Vale ou por empresas que prestam
serviço a ela (terceirizadas) gastarem um mínimo de duas horas de deslocamento para ir e
voltar às minas, valor este que não era remunerado ou descontado da jornada de trabalho. A
Empresa declarava que não era sua responsabilidade o transporte dos trabalhadores, haja vista
é um espaço público fora dos seus limites, e que, portanto, devia ser feito pelo sistema
público. Ela apenas esqueceu-se que o seus trabalhadores são privados, e não públicos, o que
reafirma a competência da Vale a questão das horas in itinere.
Em todo caso, dos R$ 300 milhões, R$ 100 milhões são por danos morais coletivos e
mais R$ 200 milhões por dumping social. O juiz Jônatas Andrade acatou ação do procurador
José Adilson Pereira da Costa do Ministério Público do Trabalho contra a empresa por
considerar que a gigante da mineração estava lucrando indevidamente sobre a exploração
indevida de seus empregados e prestadores de serviço na região da província mineral de
Carajás. Com isso a Vale teria economizado um valor superior a R$ 200 milhões nos últimos
68
A assessoria jurídica do STEFEM está movendo ações cobrando da Vale e empresas terceirizadas as
denominadas horas in itinere devidas aos trabalhadores, as quais, de acordo com o advogado Guilherme Zagallo,
a Vale se nega a pagar e ainda obrigava as empresas terceirizadas a também não pagarem. [...] Para o causídico,
as ações tem tido sua importância, pois já obrigou a Vale mudar de comportamento com relação às horas in
itinere modificando o horário de chegada e saída dos ônibus. Para os reclamantes, o início de uma vitória, uma
vez que eram obrigados a esperar entre 50 a 60 minutos no local de trabalho, o normal é 15 minutos, quando
poderiam estar com seus familiares (STEFEM, 2010).
99
cinco anos, praticando concorrência desleal em detrimento da qualidade de vida dos seus
empregados. Esse valor decorrente de dumping social deverá ser depositado no Fundo de
Amparo ao Trabalhador como reparação à sociedade e ao mercado. Os R$ 100 milhões
relativos ao dano moral coletivo, segundo a sentença, terão que ser revertidos à própria
comunidade afetada (o que inclui todos os municípios da província mineral de Carajás e não
apenas Parauapebas) através de projetos derivados de políticas públicas de defesa e promoção
dos direitos humanos do trabalhador69.
Segundo Lúcio Flávio Pinto, em matéria intitulada ―Mais uma vez, é a Vale quem
ganha em Carajás‖, no acordo promovido em Belém, pela justiça do trabalho, a empresa
finalmente reconheceu o direito dos trabalhadores. Eles receberão diariamente um adicional
pelos 44 minutos gastos até a mina de ferro de N4, 54 minutos até a jazida de cobre do
Sossego e 80 minutos até a mina de manganês do Azul. A empresa terá também de quitar o
débito acumulado nos últimos 42 meses (crédito em favor dos empregados retroativo a
fevereiro de 2007, provavelmente data-base). Pelo acordo, a Vale também promoverá ações
sociais no montante mínimo de R$ 26 milhões (pouco mais de 10% do valor definido na
sentença judicial apenas pelo "dumping social"). Até março de 2012 implantará em
Parauapebas uma unidade do Instituto Federal do Pará (antiga Escola Técnica) para cursos de
mecânica e eletroeletrônica e, até março de 2011, uma escola modelo no município. O acerto,
porém, foi ainda mais vantajoso para a Vale. Condenada inicialmente a desembolsar R$ 300
milhões, o total dos seus gastos ficará muito abaixo do mínimo que a súmula 34 do Tribunal
Superior do Trabalho garante ao empregado nesses acordos, que é de 60% do valor da
condenação, ou, nesse caso, R$ 180 milhões. Mesmo considerando apenas os R$ 200 milhões
atribuídos como pena à prática do "dumping", o pagamento do itinerário dos funcionários será
bem inferior aos R$ 154 milhões de diferença entre as ações sociais, de R$ 26 milhões, e a
pena legal.
69
http://blogdosakamoto.uol.com.br/
100
9.3 Catalisador do desenvolvimento local
Até o presente momento pudemos perceber que o operador sustentável da Vale é,
verdadeiramente, um operador, no mínimo, questionável. Isso porque opera e converte a
natureza em um recurso; e objetiva tornar sustentável a agregação de valor, o retorno para os
acionistas e a forma como ela desenvolve a sua atividade mineradora (RIBEIRO JUNIOR;
SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a).
Após reduzir a problemática ambiental a um problema tecnológico (como se essa
tecnologia não fosse ―filha‖ da matriz de racionalidade crematística), a Vale se apresenta
como um ―Catalisador do desenvolvimento local‖, ao informar que quer ―ir além da gestão
dos impactos de nossas operações e projetos, contribuindo voluntariamente e através de
parcerias com governo e sociedade para o desenvolvimento L.O.C.A.L.‖ (VALE, 2009a, p.
2). De início, percebe-se que a Vale se auto-intitula uma empresa que acelera o
desenvolvimento local. Como a maioria das pessoas possui uma noção positiva do
desenvolvimento, isto já qualifica (erroneamente) de antemão a Vale como instituição que
produz benefícios para a localidade na qual ela se instala. Mas o ponto que é preciso alertar é
sobre a ideia de desenvolvimento.Segundo Porto-Gonçalves (2006b, p. 81):
Des-envolver é tirar o envolvimento (a autonomia) que cada cultura e cada povo
mantém com seu espaço, com seu território; é subverter o modo como cada povo
mantém suas próprias relações de homens (e mulheres) entre si e destes com a
natureza; é não só separar os homens (e mulheres) da natureza como, também,
separá-los entre si, individualizando-os. Não deixa de ser uma atualização do
princípio romano - divide et impera - mais profunda ainda, na medida em que, ao
des-envolver, envolve cada um (dos desterritorializados) numa nova configuração
societária, a capitalista.
Sim, essa é a essência do desenvolvimento: é des-envolver. É retirar a autonomia que
cada cultura mantém com seu lugar.
Por isso, seria interessante pensar numa perspectiva de pós-desenvolvimento
(ESCOBAR, 2005b): isso significa, ao pé da letra, tornar póstumo o desenvolvimento, abdicar
dessa palavra canonizada pelas ciências e pelo discurso político-ideológico, seja ele da direita
ou da esquerda. Dessa forma, numa ótica pós-desenvolvimentista, daríamos espaço a
racionalidades econômicas, ecológicas e culturais que estão do outro lado da margem, que não
são modernas, ou seja, não obedecem à lógica do capital: tal como a racionalidade econômica
dos camponeses, a racionalidade ecológica dos indígenas, dentre outros.
E a Vale, como ela mesma se intitula catalisadora do desenvolvimento, não foge a esta
assertiva. Nos lugares onde ela se instalou, especificamente em São Luís, ela subverteu a
101
relação que os habitantes de determinados bairros (próximos ao Porto do Itaqui, como é o
caso do Alto da Esperança) tinham com a Natureza, com o seu habitat, acabando por agravar
a situação urbana e social da capital maranhense. Ao se instalar em São Luís, a Vale
desterritorializou inúmeros maranhenses direta e indiretamente. Diretamente aqueles que
habitavam o local onde a empresa se alojou, indiretamente os camponeses que deixaram o
interior maranhense em busca de emprego e melhores oportunidades. Depois de
desterritorializados foram inseridos precariamente em uma nova configuração societária, a do
capital moderno (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a). Não olvidemos que
modernizar é colonizar, como nos ensina Edgardo Lander, e, portanto traz todas as
implicações possíveis por se ―estar na moda‖.
Mas, continuemos nossa análise letra por letra, iniciando pela letra L, que significa na
sigla: Licença social. ―Buscar o reconhecimento, a consulta e o envolvimento prévio à
implantação de novos empreendimentos dos stakeholders locais‖ (VALE, 2009a, p. 2).
Interessante perceber aqui que a licença, não é social, pois não é a sociedade em si que a
concede, mas sim os representantes dessa sociedade, que não atendem aos interesses da
sociedade do qual representam: o que desqualifica a ―licença social‖ da Vale.
Tomemos o exemplo de Belo Monte na qual a Vale, Andrade Gutierrez, Camargo
Corrêa, Odebrecht, Votarantim, GDF Suez e Alcoa estão interessadas na construção. A Usina
hidrelétrica de Belo Monte ―geraria apenas 39% dos 11.181 MW de potência divulgados,
devido à grande variação da vazão do rio‖ (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.24). Caso a UHE
Belo Monte seja realmente efetivada os impactos ambientais em torno da flora e fauna
terrestre e aquática serão gravíssimos, com destaque para a diminuição do número de peixes
existentes no Rio Xingu. Mais: os 24 grupos indígenas serão diretamente afetados em virtude
dessa obra faraônica que vem sendo chamada de ―Belo Monstro‖ (MAGALHÃES;
HERNANDEZ, 2009).
O MME, o IBAMA e o governo federal violaram direitos humanos ao não
realizarem as Oitivas (consultas) Indígenas, obrigatórias pela legislação brasileira e
pela Convenção 169 da OIT, que garantem aos indígenas o direito de serem
informados sobre os impactos da obra e de terem sua opinião ouvida e respeitada.
[...]
A Licença Prévia foi emitida pela presidência do IBAMA apesar do parecer
contrário dos técnicos do órgão. Alguns técnicos pediram demissão, outros se
afastaram do licenciamento e outros ainda assinaram um parecer contrário à
liberação das licenças para a construção da usina (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p.
24).
Aqui cabe reafirmarmos: paralelo ao envolvimento da empresa está o desenvolvimento, ou seja, a empresa se ―autonomiza‖, toma para si o território das comunidades
102
(no caso de Belo Monte, os grupos indígenas), promovendo uma verdadeira razia contra a
cultura local. Ainda: onde está a licença social se os grupos indígenas que vivem diretamente
da floresta e do rio não foram consultados? E quanto aos mais de 100 mil pessoas que,
seduzidos pela obra faraônica, irão causar desmatamento e pressão por recursos numa região
que tem cerca de 70% do seu território protegido (MAGALHÃES; HERNANDEZ, 2009)?
Passemos à letra O, que denota: Ordenação para o desenvolvimento. ―Contribuir para
a construção de planos e ações específicos voltados para o desenvolvimento ordenado e
sustentável das regiões onde atuamos‖ (VALE, 2009a, p. 2). Difícil não lembrar do lema de
August Comte: [Amor], ―Ordem e Progresso‖, tão visível na bandeira do Brasil. Na assertiva
da Vale o progresso é ―substituído‖ pelo des-envolvimento, que precisa de ordem para ser
efetivado. Sendo assim, se ordenação é des-envolvimento, desordem é envolvimento.
Estamos diante, portanto, de um complexo jogo de palavras. A ordenação de que nos fala a
Vale é direcionada para a reprodução do capital e para a retirada de autonomia da população
com relação a seu território. Isso é des-envolvimento. Para tanto, esta ordem, a ordem do
capital moderno, precisa ser mantida, pois desordem é regresso. Então, a Vale aponta que
contribui para a construção de planos e ações específicos voltados para o desenvolvimento
ordenado, ou seja, para a retirada ordenada da autonomia territorial das comunidades,
consequentemente, ela tenderá a sustentar tal ordem de desenvolvimento!
Seguindo nosso ―alfabeto valiano‖ temos a letra C que expressa: Comunicação e
engajamento. ―Manter comunicação e diálogo amplo, transparente, permanente e estruturado
com stakeholders, respeitando a diversidade e as culturas das regiões onde atua, e
considerando suas demandas nas decisões gerenciais da empresa‖ (VALE, 2009a, p. 2). De
fato, com as partes interessadas (stakeholders), principalmente os acionistas, a Vale com
certeza deve manter um diálogo amplo, transparente, permanente e estruturado. Todavia o
respeito à diversidade e as culturas das regiões onde ela se estabelece é altamente
questionável.
É o caso da Companhia Siderúrgica do Atlântico. Neste exemplo a Vale (27%) detém
a parte minoritária da joint venture com a ThyssenKrupp (73%) para produção de 5,5 milhões
de toneladas/ano de placas de aço (tal planta siderúrgica é será a maior da América Latina),
utilizando carvão mineral da Colômbia (4 milhões de toneladas/ano) e localizada no
município de Itaguaí (ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Formam o conglomerado:
Uma usina siderúrgica integrada, uma termoelétrica para a geração de 490 MW de
energia elétrica e um porto com dois terminais composto por uma Ponte de Acesso
de 3,8 Km e um Píer de 700 m que atravessa o manguezal e o oceano. Toda a
produção do conglomerado será destinada à exportação: 2 milhões de toneladas para
103
a Alemanha, para serem processadas, e cerca de 3 milhões para os mercados dos
Estados Unidos, México e Canadá (ORGANIZAÇÕES et al, 2010, p.68).
Não obstante, a área onde localizará tal empreendimento, a baía de Sepetiba, é uma
área de belezas naturais, diversidade cultural, concentra população negra e pobre, sendo uma
região deficitária em serviços públicos e alto índice de desemprego. Some-se a isso a alta
quantidade de poluentes emitidos (229.758 toneladas monóxido de carbono e 21.540
toneladas de dióxido de enxofre) pari passu à diversificação ecossitêmica da área que
compreende desde florestas a restingas - como a da Marambaia - e manguezais
(ORGANIZAÇÕES et al, 2010). Além disso: ―Podem ser encontradas áreas remanescentes da
Mata Atlântica, principalmente na Serra do Mar, considerada atualmente uma das 25 áreas
mais importantes para a conservação da biodiversidade em todo o mundo (ORGANIZAÇÕES
et al., 2010, p. 69).
Em seguida temos a ―letra A‖, que exprime: Alianças Estratégicas. ―Estabelecer
alianças com atores estratégicos de diferentes setores – público, privado e sociedade civil –
para a articulação e planejamento de programas de desenvolvimento local integrado‖ (VALE,
2009a, p. 2). Não olvidemos que aliança simboliza união, um pacto, um acordo entre, no
mínimo, duas partes. Sendo assim, bem como a Vale merece ser criticada, o Estado também
merece, em outro momento (já que não é o hipocentro do nosso trabalho) uma análise mais
radical a respeito dessa aliança com empresas. Estratégia também merece uma anotação, já
que ela se preocupa essencialmente com ―a gestão [administração] da guerra e com a
segurança pública‖ (VESENTINI, 2007, p. 10). De fato, no capitalismo vivemos um eterno
período de crises e guerras, sendo necessárias estratégias que garantam a sobrevivência no
seio da relação desarmônica cognominada competição. Então, o que esperar de uma aliança
estratégica entre a Vale e o Estado? Possivelmente um pacto, uma união, um casamento, no
qual ambos tornam seus olhos para a gestão da guerra, mas esquecem-se da ―segurança
pública‖, ou seja, não garantem as ―benesses da guerra‖ pelo capital. Dessa forma, quando se
configura uma aliança estratégica entre Estado e Empresa (Vale) torna-se muito mais fácil
aliar interesses, guerrear contra a sociedade civil para que a autonomia local seja
desintegrada, des-envolvida.
Com efeito, dificilmente a Vale seria a empresa que é hoje se não fosse o Estado
brasileiro. Desde isenções fiscais concedidas por governos estaduais, municipais, passando
104
pelo financiamento do BNDES70 (que financia o plano quinquenal), o Estado brasileiro
sempre desempenhou da melhor maneira possível suas políticas governamentais que
favoreceram direta e indiretamente o desempenho econômico da Vale, bem como fortaleceu
as bases para sua internacionalização (GODEIRO et al., 2007).
No Brasil, o modo e a escala de operação da Vale, baseados em grandes projetos
voltados à produção de enormes excedente para atender prioritariamente ao mercado
internacional, exige a intermediação do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), o principal instrumento para financiar o modelo
econômico nacional. O BNDES participa simultaneamente do controle acionário da
Companhia e no fornecimento de fundos para investimentos e para capital de giro da
Vale. É através do BNDES e da BNDES Participações, subsidiária do Banco para o
mercado de capitais, que o Estado ainda mantém uma herança do tumultuado
processo de privatização da companhia (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 22).
Depois que a companhia foi privatizada pelo então presidente Fernando Henrique
Cardoso, a maior parte das ações passou para o controle da Valepar...
[...] uma sociedade financeira criada por empresas interessadas em comprar o pacote
majoritário da Vale. Em 2007, a Valepar detinha 53,3% do capital ordinário da
empresa, sendo o BNDESPar responsável por 6,8% das ações. O restante
encontrava-se distribuído entre investidores diversos, sendo 27% não brasileiros e
12,9% brasileiros (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 19).
Todavia, apesar do governo brasileiro possuir somente 3,3% das ações, tais ações são
especiais, pois são golden share, o que dá direito a veto em decisões estratégicas da
companhia. Essas ações preferenciais de classe especial ―titularidade da União Federal, que
dão ao Estado brasileiro os mesmos s direitos que possuem os detentores de ações
preferenciais Classe A [...] (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 19).
As ações de ouro significam poder de veto nas decisões relativas a: 1. alteração da
denominação social da companhia. 2. mudança da sede social. 3. mudança do nosso
objeto social relativamente à exploração de jazidas minerais. 4. liquidação da
empresa. 5. qualquer alienação ou encerramento das atividades de uma ou mais das
seguintes etapas dos sistemas integrados da exploração de minério de ferro, jazidas
minerais, depósitos de minério, minas, ferrovias, portos e terminais marítimos. 6.
qualquer modificação dos direitos atribuídos às espécies e classes das ações de
emissão da Companhia. 7. qualquer modificação de quaisquer dos direitos atribuídos
pelo Estatuto Social à ação preferencial de classe especial (ORGANIZAÇÕES et al.,
2010, p. 19).
Este quadro geral da relação entre a Vale e o Estado brasileiro dá uma boa dimensão
das relações existentes entre esses dois grandes atores que atuam no campo políticoeconômico e socioambiental. Os interesses que estes atores possuem entre si, dificilmente
materializam-se em interesses da sociedade.
70
O BNDES destinou a Vale, em 2008, um empréstimo da ordem de R$ 7 bilhões. no entanto, como já foi citado
aqui, a Vale, se valendo da recessão econômica, demitiu seus trabalhadores.
105
Por fim, mas não menos importante, na parte do catalisador do desenvolvimento local,
o ―alfabeto valiano‖ encerra com a letra L que expressa: Legado Regional.
Trabalhar de forma articulada para gerar um legado positivo nas regiões onde a Vale
atua, buscando a maximização do desenvolvimento socioeconômico através do ciclo
mineral, contribuindo com a diversificação econômica, com o desenvolvimento
social e com a promoção da conservação e recuperação do meio ambiente (VALEa,
2009, p. 2).
Aquilo que a Vale transmite para a sociedade maranhense, em especial a ludovicense,
a sua herança, são os problemas referentes à submoradia, deficiência de saneamento básico e
poluição, entre outros. A maximização da retirada da autonomia da sociedade e da economia
(o Estado sujeito aos Grandes Projetos como motores do des-envolvimento) é,
paradoxalmente, uma forma de tratar o ambiente como um meio, um meio para atingir um
fim.
9.4 Agente global de sustentabilidade
Chegamos à parte final da Política de Desenvolvimento Sustentável da Vale. Até aqui
já temos uma boa noção do que significa essa política: uma política que visa retirar a
autonomia que as comunidades possuem e mantém com seu espaço geográfico (socionatural).
Nesta última parte, a Vale se intitula um Agente Global de Sustentabilidade, em suas próprias
palavras:
A atuação G.L.O.B.A.L. parte do reconhecimento de que determinados temas
globais de sustentabilidade podem afetar nossos negócios, e de que a Vale - como
uma das empresas líderes globais no setor de Mineração - pode contribuir para a
promoção internacional de boas práticas de sustentabilidade (VALE, 2009a, p. 2).
De fato, a atuação da Vale é global, assim como também são seus impactos. Mais do
que reconhecer-se enquanto tal, mais do que apenas se preocupar com a capacidade que um
determinado tema pode afetar os seus negócios, especialmente o setor de mineração, as ―boas
práticas de sustentabilidade‖ da Vale sustentam apenas os seus negócios; para tanto uma
verdadeira prática de sustentabilidade requer uma teoria sustentável, que implica, por
conseguinte uma racionalidade ambiental (LEFF), ao contrário da racionalidade crematística
da qual está impregnada a referida empresa (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR,
2010a).
Observe-se que ao intitular-se um agente global de sustentabilidade, a Vale constrói e
concebe um mundo que negligencia práticas e perspectivas baseadas-no-lugar (ESCOBAR,
106
2005b). Com efeito, torna-se praticamente impossível pensar-se em sustentabilidade
ambiental, tampouco em desenvolvimento, uma vez que, as práticas ecológicas e econômicas
gestadas no capitalismo e na modernidade são por si só insustentáveis e des-envolvimentistas
(no sentido de retirada de autonomia da dimensão local). Gostaríamos de abdicar de analisar a
Política de Desenvolvimento Sustentável utilizando como método o ―alfabeto valiano‖, mas
ela nos faz mais uma vez utilizar deste meio.
A letra G do ―alfabeto valiano‖ aparece-nos pela primeira vez e significa: Garantia de
Transparência. Em suas palavras: ―Garantir transparência quanto às políticas, procedimentos,
práticas e desempenho da empresa em relação aos aspectos sociais, ambientais, econômicos e
de governança junto às partes interessadas globalmente‖ (VALE, 2009a, p. 2). Transparência,
com toda certeza, não é uma palavra que combina com a Vale; se fosse assim porque ela
haveria de omitir informações extremamente relevantes do sítio do Ibase, no que tange aos
investimentos para tornar mínimo resíduos e aumentar a eficácia na utilização dos recursos
naturais71? Onde estão os ―raios de luz que atravessam‖ a Vale quando ela não disponibiliza
no balanço social, as informações relativas ao exercício da cidadania? Da mesma forma que
ela deturpa a sustentabilidade, vemos a Vale deturpar o conceito de transparência confundidoo com o de opacidade.
A letra L que é uma das letras que a Vale mais gosta, talvez por ser a letra que no
alfabeto português principia a palavra LUCRO; exprime aqui: Liderança. ―Buscar liderança
nas discussões internacionais setoriais ligadas aos aspectos do desenvolvimento sustentável
mais afeitos aos nossos negócios e operações‖ (VALE, 2009a, p. 2). O objetivo é, então,
liderar as discussões internacionais relacionadas ao desenvolvimento sustentável mais
habituados e acostumados aos negócios e operações da referida empresa. Observe-se, todavia,
que a Vale, em momento algum, busca liderar as discussões acerca dos impactos ambientais
71
O Instituto Brasileiro de Análise Sociais e Econômicas – Ibase incluiu em sua linha programática o tema da
responsabilidade social e ética nas organizações, com o objetivo de consolidar parcerias com organizações no
Brasil e, nos demais países da América Latina, e cobrar uma postura ética, práticas responsáveis e transparência
no meio empresarial e nas organizações da sociedade civil. Para tanto, o Ibase está desenvolvendo dois projetos:
o de Responsabilidade Social das Empresas (RSE) e Balanço Social. De acordo com a metodologia do balanço
social, as empresas e organizações devem apresentar as informações em um padrão mínimo, destacando os dados
que possam ser expressos em valores financeiros, ou de forma quantitativa, aquilo que elas investem em
educação, saúde, cultura, esportes e meio ambiente (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 12). De acordo com o
referido balanço social, a quantia total (absoluta), aplicada em investimentos de ordem ambiental, cresceu
expressivamente no período de 1998-2007, passando de 17 milhões para 761 milhões de reais, ou seja, um
aumento de quatro vezes por ano. Aos olhos dos leigos isso pareceria uma maravilha, e de prontidão eles diriam
que a Vale investe absurdamente dada à prova concreta. Todavia, em se analisando os valores relativos acerca da
receita líquida da empresa, é possível ter uma dimensão da expressividade dos ―Investimentos em Meio
Ambiente‖: 0,50% em 1998; 0,43% em 1999; 1,16% em 2000; 0,77% em 2001; 0,7% em 2002; 0,76% em 2003;
0,57% em 2004; 0,56% em 2005; 1,01% em 2006 e 1,15% em 2007. ―Ressalta-se, ainda, que esses são valores
agregados, representando a totalidade despendida pela empresa, pulverizadas para em todas as suas unidades no
Brasil” (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 15, os grifos são meus).
107
que ela causa, da pressão que ela exerce sobre as comunidades; são sempre os negócios e as
operações que geram LUCRO para seus acionistas que direcionam a ―racionalidade valiana‖
(RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a).
Sem falar que essa ―liderança é dupla‖: se de um lado ela ―busca liderar as discussões
internacionais‖ ela também pressiona lideranças que se opõem a quaisquer que sejam seus
projetos. É o que vem ocorrendo na Baía de Sepetiba (RJ) em virtude da aliança entre a Vale e
a ThyssenKrupp para a construção da companhia Siderúrgica do Atlântico.
Devido às constantes ameaças de morte feitas pelas milícias locais aos pescadores da
Baía de Sepetiba que se opunham ao projeto, um pescador, sob risco de perder a sua
vida, teve que se refugiar. A pressão sobre as lideranças se acentuaram ainda mais
quando as acusações de que alguns dos seguranças contratados pela empresa eram
contratados por grupos milicianos ficaram claras na audiência pública da
Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Um pescador está refugiado desde
fevereiro de 2009. Atualmente vive num local escondido e distante da Baía de
Sepetiba, sendo protegido pelo Programa Federal de Proteção aos Defensores dos
Direitos Humanos (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 77).
Por conseguinte, a letra O expressa: Observação de tendências. ―Monitorar e antecipar
tendências em temas globais de sustentabilidade‖ (VALE, 2009a, p. 2). Isso significa que as
tendências em sustentabilidade devem ser observadas. Para fazer isso, a Vale monitora,
digamos, o ―Observatório Ambiental‖, a situação ambiental mundial, já que ela se declara
uma ―agente global de sustentabilidade‖. Isso explica em parte a crença da Vale no evangelho
da eco-eficiência; isso porque a questão ambiental é, em sua visão, uma questão tecnológica,
como vimos anteriormente. Esse raciocínio é muito simplório, é um verdadeiro sofisma, pois
se nós estamos questionando essa racionalidade econômica, que produziu essas técnicas e
tecnologias, como é que estas técnicas e tecnologias podem solucionar o desafio ambiental se
elas [as técnicas e tecnologias] são fruto da racionalidade crematística, se são um
―problema do problema‖? A questão ambiental está como vemos, para além da simples
tecnologia.
Todavia, na cidade maranhense de Açailândia, instalou-se no ano de 2005 o
empreendimento Ferro Gusa Carajás (FGC). O problema é que a empresa controlada pela
Vale, que destina-se a sustentar a siderúrgica da vale em Marabá, através da produção de
carvão vegetal, se estabeleceu ao lado do assentamento Califórnia, com mais de 1.800
moradores assentados há 13 anos. Sabe-se que a atividade siderúrgica é uma das mais
poluentes e, não é difícil imaginar, o quanto os moradores de Califórnia estão sofrendo com
tal atividade por respirarem diariamente as fumaças provenientes das chaminés. Some-se a
isso o fato de que a Vale nem sempre monitorou a qualidade do ar.
108
A medição da qualidade do ar nem sempre foi efetiva. No Plano de Gestão da
Qualidade, o artigo previa a execução de um programa de avaliação da qualidade do
ar e de acompanhamento da operação do queimador. Conforme o Relatório de
Controle Ambiental, para a avaliação da qualidade do ar deveria ser monitorado o
parâmetro ‗partículas totais em suspensão‘ (PTS). Para isso, deveria ser instalado
um equipamento do tipo Hi-Vol a jusante da área do empreendimento, com relação à
direção predominante dos ventos (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 55).
Entre 2005 e 2009, os moradores do assentamento Califórnia respiraram a fumaça
venenosa emitida por todos os fornos em funcionamento. Não precisa ser médico para
imaginar os principais problemas de ordem médica que afetam a população: problemas
cardiorrespiratórios, epidérmicos, oftalmológicos, dentre outros. Por fim, foi somente em
2008 que dois medidores foram instalados. No entanto, até outubro de 2008, a Secretaria
Estadual de Meio Ambiente (SEMA) não havia sequer recebido um relatório oficial acerca da
poluição do ar (ORGANIZAÇÕES et al., 2010).
A letra B significa no ―alfabeto valiano‖: Boas Práticas. ―Adotar e desenvolver boas
práticas globais de sustentabilidade e contribuir com sua difusão no setor‖ (VALE, 2009a, p.
2). Advirta-se que a Vale centra a questão nas práticas. Isso, obviamente ela não faz sem
sapiência; ao centrarmos a discussão apenas nas práticas excetuamos a teoria que, de uma
forma ou de outra, exerce pesada influência sobre as práticas. É como centrar as análises
apenas nos efeitos e não nas causas. Um bom exemplo disso é o efeito estufa, em cuja
discussão se concentram os esforços no efeito, e não nas causas que originaram o efeito.
Boas práticas... Talvez as práticas da Vale no Canadá não sejam tão boas assim. Desde
julho do ano passado (2009) o USW (United Steelworkers - o sindicato dos mineiros) com
cerca de 3.500 trabalhadores está em greve em virtude da Vale, alegando a crise econômica
mundial, querer extinguir direitos trabalhistas dos canadenses. Cabe destacar que:
Logo após o começo da greve, a Vale trouxe para Sudbury uma empresa de
‗segurança‘ chamada AFI, que intimidou e assediou os trabalhadores sindicalizados
da seção local 6500 do USW. A Vale tentou limitar o direito do sindicato de montar
e manter piquetes. Ela está processando o sindicato e sua liderança, buscando
indenizações milionárias, e lançando mão de uma tática sem precedentes: processar
membros do sindicato individualmente. A Vale anunciou que operará as minas e
usinas de processamento com ―trabalhadores substitutos‖, isto é, com fura-greves!
Seria a primeira vez desde a formação do sindicato em Sudbury que a direção da
empresa tenta produzir durante um conflito trabalhista. A Vale inclusive já demitiu
alguns grevistas e deixou bem claro que estes funcionários nunca voltarão a
trabalhar lá (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 105-106, grifos nossos)
Esta política agressiva e anti-sindical da Valetrouxe conseqüências não apenas no que
tange ao aspecto trabalhista, mas também na perspectiva ambiental. A mineradora Inco, que
foi comprada pela Vale em 2006, e que originou a segunda maior produtora de níquel do
mundo, também não adotou boas práticas globais de sustentabilidade...
109
O descaso da Vale Inco quanto ao cumprimento de exigências e condicionantes
referentes aos direitos humanos teve seu auge em 2006 quando ela acabou sendo
retirada do índice FTSE4GOOD (índice internacional de empresas com as
melhores práticas de desenvolvimento sustentável). A companhia foi muito
criticada pela poluição que causava e pela forma como tratava as populações
indígenas e os trabalhadores. Residentes de Port Colborne, na província de Ontário,
Canadá, afetados pela refinaria de níquel da Vale Inco, estão atualmente
processando a empresa na maior ação judicial coletiva por danos ambientais na
história do Canadá (ORGANIZAÇÕES et al., 2010, p. 120, grifos nossos).
A letra A também se repete no ―alfabeto valiano‖. Aqui ela denota: atuação local,
visão global. ―Manter uma visão global de sustentabilidade alinhada com padrões de
desempenho internacionais, e atuar localmente, garantindo a adaptação e o respeito às culturas
e realidades locais‖ (VALE, 2009a, p. 2). É complicado pensar globalmente, até porque a
globalização em si, não é global. Pensar de maneira mundial ou global é pensar como os
príncipes da globalização, Estados e Empresas ocidentais que impõem um pensamento
único/global dificultando alternativas regionais e locais que não condizem com a realidade; é
uma verdadeira ocidentalização/estadunidização do mundo. Logo, se pensamos globalmente
nossas práticas também serão influenciadas por essa visão única, global. Não esqueçamos que
os grandes defensores do des-envolvimento sustentável são atores globais: Estados-Nações,
europeus norte - ocidentais, empresas multinacionais (como a Vale) e ONG de alcance
internacional. Então, se pensar globalmente é pensar unicamente, excetuando outras matrizes
de racionalidade, como refletir acerca das culturas e realidades locais, haja vista desenvolvimento significa retirar a autonomia das culturas com seu espaço, da população com
seu território/lugar? Talvez se deva pensar em outra globalização: uma globalização que não
exclua a dimensão local ou a reduza à dimensão econômica para globalizar sob a égide de
uma matriz cultural (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a).
O lugar, portanto, afirma-se em contraposição ao espaço global; quiçá devêssemos
mesmo abdicar de falar em globalização: isso porque este fenômeno, gestado no capitalismo e
na modernidade, tende a reproduzir os seus preceptores, ou seja, a globalização é
capitalcêntrica (ESCOBAR, 2005b). Se o hipocentro do capitalismo é a globalização, o
epicentro da globalização é o desenvolvimento. Com efeito, são abalados (economias
camponesas), às vezes até destruídos (economias socialistas), qualquer tipo, modelo ou
possibilidade de desenvolvimento não capitalista. Superar a globalização, a modernidade, o
capitalismo, em uma palavra, o capitalcentrismo, é um passo gigantesco na mudança de
mentalidade e de habitus que ensejam racionalidades alternativas. Como diria Escobar
(2005b) ―o lugar - como cultura local - pode ser considerado ―o outro‖ da globalização‖. O
referido autor propõe, de certa forma, uma centralidade do lugar, haja vista isso possibilita
110
pensar de maneira distinta da perspectiva global, o meio ambiente, a cultura, a própria
globalização, o capitalismo e a modernidade.
Por fim, a última letra da ―Agente global de sustentabilidade‖ volta a ser a letra L que
significa: Legado para Gerações Futuras. Como não poderia deixar de ser ela termina com um
som esperançoso, como é a sonoridade do desenvolvimento sustentável.
Trabalhar de forma articulada para contribuir com a construção de um legado
positivo para as gerações futuras. Equilibrar os aspectos sociais, ambientais e
econômicos dos nossos negócios de forma a gerar valor de longo prazo para
acionistas, empregados, comunidades e governos nos países onde atuamos (VALE,
2009a, p. 2).
É interessante perceber como os agentes do capital, falam em gerações do futuro, mas
na verdade sua preocupação e suas ações refletem apenas o aqui e o agora.
O ano de 2008 foi um ano de crise econômica, um período de turbulência no mercado
financeiro mundial desencadeado pela crise imobiliária estadunidense, acarretando uma
diminuição no ritmo econômico nos mais variados setores.
―O segmento mínero-metalúrgico demonstra diminuição dos investimentos e retração
de pessoal. Notícias de demissões e férias coletivas já aparecem na Imprensa relacionadas às
operações da VALE e da Alumar‖ (IMESC, 2008b, p.28), ―que não pensaram duas vezes‖ em
demitir seus ―peões‖. Todavia, a receita bruta da Vale no referido ano alcançou ―US$ 38,5
bilhões, valor 16,3% superior ao registrado no ano anterior, enquanto o lucro líquido foi de
US$ 13,2 bilhões‖ (VALE, 2009c, p. 5).
Diante desse cenário, a Vale agiu proativamente, realizando cortes na produção,
prioritariamente em unidades operacionais de alto custo, e implementando novas
prioridades estratégicas, tais como minimização de custos, flexibilidade operacional
e financeira e combinação entre preservação de caixa e busca por rentáveis opções
de crescimento‖ (VALE, 2009c, p. 6).
Sendo assim, o que explica tal empresa demitir mais de 2 mil trabalhadores diretos72 e
12 mil terceirizados de um total de 120 mil trabalhadores em todo o mundo, sendo a metade
terceirizada73, já que o lucro líquido fora de US$13,2 bilhões? O fazer e o falar estão cada vez
mais longe um do outro, e isso é uma estratégia discursiva. A herança da Vale em território
maranhense, seria esse um legado positivo? Um legado de submoradia, deficiência de
saneamento básico e poluição atmosférica. Equilíbrio socioambiental e equilíbrio
72
http://www.dgabc.com.br/default.asp?pt=secao&pg=detalhe&c=3&id=1685650 acesso em 27 de dezembro de
2009.
73
http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=5809 acesso em 27 de dezembro de 2009.
111
crematístico, juntos, é pura fantasia nesse modelo de racionalidade, uma vez que a
racionalidade nem econômica é, pois não cuida do aprovisionamento material da casa
familiar; a racionalidade é crematística, ou seja, estuda a formação dos preços de mercado,
para ganhar dinheiro. O valor da Vale é constituído ou convertido em valor de troca como já
salientamos (RIBEIRO JUNIOR; SANT‘ANA JÚNIOR, 2010a).
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Do Campo Discursivo ao Habitus Ecológico:
Responsabilidade Social Empresarial e Marketing ambiental
A compreensão dos processos que resultam das iniciativas de apropriação do discurso
contemporâneo, tanto da responsabilidade socioambiental, quanto do desenvolvimento
sustentável, solicita empenho total para se avaliar os desdobramentos do Programa Grande
Carajás (VALVERDE, 1989), que tinha no Estado Federal o verdadeiro motor do surto
desenvolvimentista (PORTO-GONÇALVES, 2005), pois era este quem financiava a
exploração dos recursos naturais (sociais).
Neste momento relacionamos modernidade, progresso74 e desenvolvimento, no qual
operamos com a apropriação do discurso contemporâneo enquanto mecanismo de
legitimidade de atuação. Isso nos sugere que trilhemos o caminho de ir do campo econômico
(principalmente) ao habitus ambiental.
Muitos autores já questionaram as ações empreendidas pela VALE em âmbito federal
(GRIGATO; RIBEIRO, 2006; XAVIER et al., 2008; FERREIRA, 2006), bem como as
conseqüências socioambientais no Maranhão e em São Luís (FEITOSA; TROVÃO, 2006;
ALVES; SANT‘ANA JÚNIOR; MENDONÇA, 2007; ZAGALLO, 2010).
Como é conhecido dos estudiosos do Maranhão, é a partir da segunda metade da
década de 1970 que se iniciou no referido Estado o período dos grandes projetos75 de
74
A noção de progresso corresponde a um crescimento econômico infinito e à prosperidade, através, entre
outros, do uso ilimitado de recursos naturais (COSTA, 2008. p. 89).
75
A governamentalidade dos grandes projetos situa-se na relação entre o local e o global: a exploração dos
recursos naturais locais transformando-os em recursos sociais globais, o que evidencia a divisão internacional do
trabalho, no qual o Brasil entra como colônia/periferia e o capital internacional como metrópole/centro. A função
dos grandes projetos é ―ancorar o progresso e a modernidade, levar a urbanização e a cidadania‖; e isso à época
passava prioritariamente pelas mãos do Estado Federal que garantia entre outras coisas a infraestrutura,
comunicação e o baixo preço pago por energia elétrica, como condição de competitividade frente ao mercado
mundial. ‖Os grande projetos, no entanto, estão estruturalmente ligados à divisão internacional do trabalho e se
mantêm até hoje na Amazônia. A energia elétrica de Tucuruí continua com preços subsidiados para as empresas
que exploram bauxita em Oriximiná, Barcarena e São Luís e para a vale do Rio Doce, com suas exportações de
ferro do Programa Grande Carajás. [...] O que se esconde no lingote de alumínio, ou no ferro exportado pela
Vale do Rio Doce, é a energia de Tucuruí, por exemplo‖ (PORTO-GONÇALVES, 2005, p. 117-118).
112
desenvolvimento que acabarão por delinear as diretrizes sociais e econômicas da unidade
federativa, promovendo a incursão da economia maranhense na dinâmica nacional.
Os grandes projetos foram desenhados a partir do II PND (Governo Geisel, 19741978), sob a bandeira do Projeto Grande Carajás, com a instalação da Companhia
Vale do Rio Doce na Ilha do Maranhão, o aproveitamento da estrada de ferro
existente e a instalação da Alumar (consórcio multinacional voltado à produção e
exportação de alumínio em lingotes), além da expansão, com incentivos e subsídios
federais e estaduais de projetos agroindustriais tais como eucalipto e bambu para
celulose, pecuária bovina, cana de açúcar e álcool (HOLANDA, 2008, p.12).
Quando a antiga Companhia Vale do Rio Doce instalou-se no Maranhão, mais
precisamente em 1974, o Governo do Maranhão entregou terras próximas ao porto do Itaqui e
do Anjo da Guarda para a referida empresa. O resultado foi que, apesar das indenizações
recebidas pelas famílias, os problemas ambientais e sociais se multiplicaram. Contudo,
naquela época havia certa ―pressão social‖, a opinião pública manifestava-se prontamente
contra possíveis atentados ao ambiente e à sociedade. Hoje...
A poluição proveniente da CVRD, já não é pauta freqüente dos jornais da cidade
como era no final dos anos 80 e início dos 90. Pelo contrário, atualmente, a empresa
é pautada por suas ações de responsabilidade social e empresarial. A sociedade já
não se mobiliza, exigindo critérios mais rígidos para promover o aperfeiçoamento e
melhorias contínuas ambientais (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 16).
Mas, por que não se denunciam com tanta freqüência as atividades poluidoras da Vale
nos jornais? Por acaso ela deixara de poluir? Seria ela verdadeiramente uma empresa
responsável socialmente e ambientalmente? Se ela for responsável, onde a população enxerga
essas ações? No transporte de passageiros cujo número vem caindo ao longo dos anos?
Contudo, o que os veículos de comunicação noticiam é o seguinte: ―Em 1997 a Companhia
Vale do Rio Doce, através da Superintendência de Tecnologia-SUTEC, recebeu o certificado
do ISO 14001, norma internacional que especifica os requisitos do Sistema de Gestão da
Qualidade Ambiental‖ (BARBOSA, 2002, p.37).
Sim, poucos são aqueles que denunciam que a partir da implantação da Ferrovia
Carajás-São Luís (CARNEIRO, 1997), há a expulsão do pequeno produtor e de sua família da
roça, que os projetos agropecuários ocupam as terras devolutas e reservas indígenas;
naturalizou-se o subemprego, a peonagem, a humilhação social, o inchaço das cidades, a
periferização, tudo isso em prol do desenvolvimento econômico que, por diversas vezes,
causa determinados prejuízos ambientais e sociais e nos fazem questionar: responsabilidade
de quem? Responsabilidade para quem? O que está sendo desenvolvido? Quem está
desenvolvendo? Não estaria a Vale utilizando a sua afamada política ambiental de
113
responsabilidade social apenas como mais uma vantagem para a obtenção de lucro e
legitimação?
Nos termos discutidos, é grande a contribuição de Arturo Escobar (2005b): este autor
tem proposto que existem diferentes práticas ecológicas que se fundamentam categoricamente
sobre o conhecimento da Natureza. Sendo assim, ―competem pela mesma Natureza‖:
camponeses, indígenas e empresários. A competição deve ser posta entre aspas haja vista que
tanto camponeses, quanto indígenas, não possuem uma visão essencialista da Natureza,
tampouco uma visão mercantilizada, pelo contrário: estas comunidades ―constroem‖ a
natureza de maneira diferente da capitalista76 (ESCOBAR, 2005a). A associação e visão de
que a Natureza é uma dimensão exterior e separada do Homem e que por isso deve ser
dominada e pode ser posta a venda no mercado, aproxima-se da governamentalidade do
Estado e, principalmente, da lógica das empresas: é uma ―construção‖ da natureza a partir do
capitalismo e da modernidade. A natureza é produzida como mercadoria e mediatizada pelo
trabalho (ESCOBAR, 2005a). Assim, o ―desenvolvimento‖ que a Vale traz para a região
maranhense alicerça-se nesse pensamento hegemônico fruto da racionalidade capitalista que,
por si
mesma, desencadeia
conflitos
ambientais
e tenta legitimar práticas
de
(in)sustentabilidade.
Inegavelmente a grande contribuição do crescimento econômico do Maranhão adveio
―da indústria extrativa mineral (15,9% a.a.) e da construção civil (14,6% a.a.), refletindo a
forte concentração de investimentos públicos e privados envolvidos na instalação dos grandes
projetos Companhia Vale do Rio Doce e Alumar‖ (HOLANDA, 2008, p. 15). No entanto, a
verdade é que quando um grande projeto de desenvolvimento (indústrias principalmente) se
instala em um determinado lugar, profundas mudanças estruturais são processadas, tais como:
mudanças na articulação e apropriação do território, reorganização da economia e crescimento
urbano desordenado. Isso implica em impactos negativos diretos, a saber: desflorestamento,
desrespeito às diferenças sociais e ecológicas, "economia de enclave77", desterritorialização,
inchaço populacional, problemas ambientais, sobrecarga da rede urbana, favelas, conflitos de
terra (como é o caso dos indígenas) e conflitos sociais e ambientais. O ciclo se torna então
vicioso, pois com o acréscimo e diversificação da população, bem como o aumento da
industrialização e consequentemente da urbanização, ocorre um aumento da produção
76
Arturo Escobar (2005a) tem proposto a existência de três regimes de natureza: orgânico, capitalista e tecno.
Estes três regimes se inter-relacionam e se coproduzem, o que significa dizer que a natureza é produzida
diferencialmente, por produtores diferentes.
77
Um empreendimento de enclave é aquele que não dinamiza economicamente a localidade no qual se situa.
114
mineral, brota um mercado ―verde‖ e fundam-se políticas de gestão ambiental (BECKER,
2002, apud IPEA, 2005).
Entretanto, mais projetos de ―desenvolvimento‖ capitaneados pela Vale estão
planejados para a Ilha do Maranhão, como é o caso da Produção de Minério de Ferro e Píer 4
de Itaqui, no período de 2008, tendo um investimento estimado em R$ 12.800.000,00. Cabe
citar também a Companhia Siderúrgica do Mearim, que está planejada para o período de
2008-2011, e se localizará Bacabeira, município localizado a 40 Km de São Luís, e cuja
atividade combina capital misto de duas empresas: a Vale e a Baosteel; o Investimento é de
R$ 5.000.000,00. Enquadram-se também atividades de mineração e logística a começar a
partir de 2009 com um investimento estimado de R$ 1.000.000,00. Isso significa a
possibilidade real de mais impactos, mais conflitos sociais e maior consumo de energia
elétrica78 (IMESC, 2008c).
No seu Código de Conduta Ética, a Vale informa alguns pontos importantes como:
―Alcançar os seus objetivos empresariais com responsabilidade social79 corporativa e
valorizar seus empregados, preservando o meio ambiente e contribuindo para o
desenvolvimento das comunidades em que atua‖ (VALE, 2009a, p.06).
Nessa citação acima, fica clara a constatação do campo discursivo: o espaço simbólico
no qual os mais variados agentes sociais (empresa, comunidade, por exemplo) lutam para
validar, determinar e, sobretudo, legitimar seus discursos de dominação. Quando a Vale
aponta que anseia alcançar seus objetivos empresariais com responsabilidade socioambiental,
ela age no campo ambiental e ocupa uma posição no interior desse campo se relacionando
com outros agentes sociais, como é o caso do Estado.
Ora, mas se o campo ambiental nada mais é do que um sistema de articulações de
estruturas (sociais, culturais, econômicas, jurídicas, etc.), isso significa que, parafraseando
Bourdieu (2004), outra noção extremamente importante na análise esteja afinada com a noção
de campo: o habitus: ―O habitus é um sistema de disposições adquiridas na relação com um
78
Juntas, Vale e ALUMAR respondem pelo consumo de 88% de energia industrial (Instituto Maranhense de
Estudos Socioeconômicos e Cartográficos, 2008c). O que indigna é o fato de a população, de uma maneira geral,
indústrias e comerciantes, pagarem por 100 kWh cerca de R$45,00. Enquanto a Vale paga, pelos mesmos
100kwh, a bagatela de R$5,00.
79
Abandonar a retórica, e adotar uma política efetiva de responsabilidade social, pode se tornar uma vantagem
competitiva para a empresa. Para demonstrar essa tese, Michael Porter e Mark Kramer (2005), publicaram um
artigo, em 1998, intitulado ―A Vantagem Competitiva da Filantropia Corporativa‖, no qual questionam se uma
empresa deve fazer filantropia. Segundo os autores, a polêmica em relação à filantropia foi aberta no início dos
anos 1970 com um artigo de Milton Friedman advogando que a única ―responsabilidade social de uma empresa‖
é ―ampliar seus lucros‖. O argumento de Friedman pressupõe que os objetivos sociais e econômicos são
separados e distintos, e que os gastos sociais sacrificam os resultados econômicos (GRIGATO; RIBEIRO, 2006.
p. 10).
115
determinado campo [...] é ao mesmo tempo um sistema de esquemas de produção de práticas
e um sistema de esquemas de percepção e apreciação das práticas‖ (BOURDIEU, 2004, pp.
130 e 158).
Nesse contexto, se deve haver consonância entre o campo e o habitus, a resposta
habitual da Vale às exigências do campo ambiental é mostrar quais são suas práticas de
desenvolvimento sustentável, como o reflorestamento e a própria criação do Parque Botânico
em São Luís (para percepção e apreciação das práticas...). Por isso, a empresa aponta como
conduta desejada: ―Comprometer-se com a preservação do meio ambiente e a obediência à
legislação ambiental, agir com responsabilidade social e respeito à dignidade humana‖
(VALE, 2009a, p. 08).
Como se vê, as noções de campo e habitus permitem compreender como funcionam as
relações entre ambas, bem como fornece suporte epistemológico e sociológico para que não
seja tomado como evidente tudo aquilo que aparece de prontidão. Mas o que faz com que o
aparente seja tomado como o essencial? O que faz com que a Vale seja titulada enquanto
empresa que promove o desenvolvimento sustentável? A resposta é dada por um dueto que se
completa na tessitura da discussão: o discurso e a tecnologia80 de internalização do
discurso, o marketing.
Primeiro, faz-se um esforço de tentar articular as noções de Bourdieu, campo e
habitus, com a concepção de discurso/formação discursiva de Foucault. Esse esforço admite
que se manuseiem as relações existentes na questão ambiental: disposições, estruturas,
práticas, fundamentos, condutas, agentes e circunstâncias.
Diferentemente dos conceitos mais basilares do desenvolvimento, arrisca-se a dizer
ideologia e poder, o conceito de discurso é poucas vezes observado nas análises geográficas.
Talvez porque os estudiosos que fazem esta ciência concebam o discurso como algo
meramente abstrato. Então, é preciso buscar nas leituras extra-geográficas, principalmente na
Filosofia, as dimensões dialética, material e histórica da construção discursiva. Dessa forma,
poderá visualizar-se o que está por trás do discurso modernista/progressista81 da Vale de
80
―Na definição de Mauss (1948, p. 73, tradução minha), ‗tecnologia é o conjunto de atos, organizados ou
tradicionais, que concorre para a obtenção de um fim puramente material – físico, químico ou orgânico‘‖
(ACSELRAD, 2006, 132).
81
―Modernizar‖ e ―levar progresso‖ nada mais é do que colonizar. Recuemos na história: a modernidade nasce
com Descartes, mas também com a colonialidade baseada no comércio triangular entre Europa, América e
África; por isso a matriz epistêmica colonizadora e eurocêntrica justifica a dominação perante as outras culturas,
por se auto-intitular progressista e moderna. Para mais informações recomenda-se a leitura de Lander (2005),
bem como, Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006), especialmente o primeiro capítulo: A constituição do sistemamundo moderno-colonial.
116
responsabilidade socioambiental acerca dos projetos de desenvolvimento no Maranhão, nos
quais a referida empresa está inserida diretamente, principalmente na capital do dito Estado.
De início, cabe apresentar que o discurso é uma categoria, assim como ideologia,
hegemonia, poder e governamentalidade. Isso não quer dizer que a categoria está presa à ideia
e longe de suas bases materiais: apenas propõe-se que o discurso seja analisado no seio de um
processo de formação que tem sua concepção histórica atrelada à dialética sujeito/objeto, bem
como teoria/prática.
―O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de
dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar‖
(FOUCAULT, 2009b, p. 10). Implica então dizer que ao passo que os homens constroem seus
discursos, os discursos constroem também os homens. A categoria discurso é histórica, não
uma verdade eterna: ela está imbricada pelo poder; um poder coercitivo e dominador que,
levando-se em consideração a questão ambiental, aponta o que é verdadeiramente sustentável
e o que não é.
―Foucault alegava ter descoberto um tipo de função linguística previamente pouco
notado, o ato sério de discurso‖ (PEET, 2007, p.27). Isso significa que existe no seio do
discurso, uma dimensão de validação científica que justifica a aceitação perante um
determinado grupo social. Como diz Bourdieu (2004, p.46): ―o campo científico é um jogo
em que é preciso munir-se de razão para ganhar‖. A construção do discurso é reflexo da
materialidade histórica e de seus desdobramentos simbólicos. Por exemplo: a construção do
discurso ambiental atende a uma necessidade de se validar práticas tidas como
sustentavelmente desenvolvidas e, sendo assim, permitem que os atores que se apropriam do
discurso possam entrar em conflito buscando a legitimidade. Por isso, Peet (2007, p. 27) vai
dizer que:
Atos sérios de discurso, para Foucault, exibem regularidades como ‗formações
discursivas‘ com sistemas internos de regras que determinam quais declarações são
levadas a sério, e quais objetos incluídos em discussões são considerados
importantes ou responsáveis.
Diretamente atrelado aos conceitos de ideologia e hegemonia, o discurso vai além das
orações conexas e ordenadas proferidas a um determinado público: é a reflexão da ideologia,
um instrumento ideológico e um recurso de dominação, que implica no questionamento do
―quem‖, do ―o que‖ e do ―da onde‖. Por isso, Foucault (2009b, p. 8-9) supôs que
Em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada,
selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm
por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório,
esquivar sua pesada e temível materialidade.
117
O discurso transforma-se em um instrumento de/do poder dentro da discutível
neutralidade científica visando assim convencer determinados setores sociais de que, por
exemplo, determinado projeto de desenvolvimento é benéfico para a população. Notadamente,
a linguagem do discurso vai depender do público-alvo: ―mais senso-comum‖ para populações
desprovidas de conhecimento técnico; e um discurso técnico-científico para setores da
população que dominam o linguajar homônimo. Mas um objetivo parece ser unânime: a
internalização do discurso.
Sim, para que um determinado projeto de desenvolvimento obtenha êxito é necessário
a internalização do discurso; internalização essa que produz mentalidades ao passo que essas
novas mentalidades produzem novos discursos para serem internalizados. Essa dialética pode
ser exemplificada: o discurso de responsabilidade ambiental da Vale é calcado no
desenvolvimento sustentável. Todavia, apenas dizer isso não faria com que a referida empresa
obtivesse ―êxito‖ em suas empreitadas: ela precisa que o seu discurso seja internalizado pelos
mais diferentes atores sociais (técnicos, cientistas, governantes, universitários etc.).
Um dos mecanismos dessa internalização é a construção de uma imagem perante a
sociedade daquilo que ela visa ser reconhecida: empresa socialmente responsável para com o
ambiente. Para tanto é preciso que haja ―tecnologias de internalização‖ que possam captar as
significações
que
um
determinado
contexto
histórico-social/econômico-ambiental,
especialmente, o já saturado desenvolvimento sustentável. Sendo assim, o marketing
ambiental ―cai como uma luva‖ uma vez que permite certa ―panificação da consciência
coletiva‖, haja vista institui de forma violenta (simbolicamente, é claro) seus valores e
propósitos. Com efeito, o tipo simbólico da violência é o mais agressivo, pois injeta na mente
coletiva a imagem que quer ser passada pelo grupo que nos fala. O senso crítico é ferido
porque ao se internalizar o discurso, por meio das tecnologias de internalização, como é o
caso do marketing, a população acaba por ser cooptada pela aparência imediata,
retroalimentado assim a habilidade que o marketing tem de iludir. Logo: discursos podem ser
como mercadorias - pensados para vender (PEET, 2007, p. 31, os grifos são meus).
Todo o discurso de responsabilidade socioambiental da Vale está alicerçado no
marketing ambiental. O marketing ambiental considera toda uma gama de operações que vão
desde a planificação até a venda do produto ou da ideia do produto, no caso específico, da
ideia de responsabilidade socioambiental. É uma prática eminentemente mercadológica,
pois acaba por vender uma imagem, ou seja, uma ideia que, por si só, não reverte exclusão
social.
118
A grande saída adotada por grandes empresas para atender os preceitos do
desenvolvimento sustentável e, assim, adotar uma postura do ―ecologicamente correto‖ é o
marketing. O marketing é estratégico, pois permite que a reputação da empresa seja
melhorada, bem como permite vender emprego, renda e o próprio desenvolvimento. A
inserção de capital na imagem da empresa ilude, de forma satisfatória, certos segmentos da
sociedade que não percebem a incompatibilidade existente entre a ação das empresas e o
discurso promovido pelas mesmas.
A aplicação dos conceitos Gestão Ambiental aparece no mundo de hoje mais do que
como um forte apelo de marketing, mas como questão competitiva e de
sobrevivência. O desafio para empresas petrolíferas, mineradoras, hidrelétricas e
extrativistas em geral é conseguir conciliar desenvolvimento sustentável com a
obtenção do lucro operacional. A polêmica surge ao discutir-se se é realmente
possível atingir esse objetivo (XAVIER et al., 2008, p. 03)
Uma das estratégias de marketing ambiental é a política de responsabilidade social
empresarial – RSE, que está sendo propagada pelas empresas e provocando uma mudança no
eixo de condução da política ambiental, com o enfraquecimento do Estado e o fortalecimento
das corporações (GRIGATO; RIBEIRO, 2006).
A temática da Responsabilidade Social Empresarial se estende desde a dimensão
social, como a relação empresa-trabalhadores, até a preocupação com a crise ambiental via o
―consumo sustentável‖.
Um parêntese aqui deve ser estabelecido: deve se ter cuidado para não cair nas insídias
do capitalismo. Já criticamos que a sustentabilidade buscada pelo capitalismo é apenas a
sustentabilidade de suas relações comercias e mercantis. Portanto, a sustentabilidade não está
associada ao equilíbrio ecológico. Sendo assim, por mais que o documento do Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), aqui referido, faça menção a um consumo
sustentável, é preciso clarificar que o sistema capitalista, no qual a própria responsabilidade
social empresarial está incrustada, apenas respeita direitos sociais, humanos e dos
consumidores, na medida em que esses direitos se transformem e um potencial capitalístico e
que, assim possa reproduzir as relações capitalistas.
Logo, a inclusão social e a desigualdade, que a Responsabilidade Social Empresarial
prega, somente pode ser alcançada via superação do capitalismo e da alienação que ele
promove das relações capital-trabalho. Do contrário, por mais que se escolham empresas ditas
responsáveis ecologicamente, socialmente e outros ―mentes‖, nossas atitudes estarão
escotomizadas pelo signo do capital.
119
Em todo caso, o guia de responsabilidade social para o consumidor, publicado pelo
IDEC (2004, p. 4), nos fornece uma conceituação sobre a Responsabilidade Social
Empresarial:
A responsabilidade social é uma postura ética permanente das empresas no mercado
de consumo e na sociedade. Muito mais que ações sociais e filantropia, a
responsabilidade social, no nosso entendimento, deve ser o pressuposto e a base da
atividade empresarial e do consumo. Engloba a preocupação e o compromisso com
os impactos causados aos consumidores, meio ambiente e trabalhadores; os valores
professados na ação prática cotidiana no mercado de consumo – refletida na
publicidade e nos produtos e serviços oferecidos –; a postura da empresa em busca
de soluções para eventuais problemas; e, ainda, a transparência nas relações com os
envolvidos nas suas atividades.
Como a Vale, ao longo do tempo, sempre fora alvo de inúmeras pressões por órgãos
públicos e pela sociedade civil pelo modo com que conduzia o seu trabalho de exploração
econômica, adotou como medida paliativa para esta situação que ―manchava‖, de certa forma,
a sua ―imagem‖, ―o Código de Ética com o objetivo de orientar ‗seus negócios por um
conjunto de valores que observam os mais elevados padrões éticos e morais‘ tendo como um
dos princípios fundamentais agir com responsabilidade social e com respeito ao meio
ambiente‖ (GRIGATO; RIBEIRO, 2006, p. 12).
Atualmente podemos distinguir pelo menos quatro visões diferentes do que seja
responsabilidade social empresarial (RSE). A primeira está relacionada à idéia de
que os objetivos primordiais de uma empresa resumem-se em gerar lucro a seus
investidores, pagar impostos e cumprir a legislação. A segunda visão incorpora a
esses objetivos ações filantrópicas, como ajuda financeira a creches, orfanatos e
programas sociais. Outro modo de ver a RSE é como uma estratégia de negócios, na
qual as ações de responsabilidade são um instrumento para conferir um diferencial
para seus produtos e serviços. Assim, a empresa conseguiria atrair e manter
melhores empregados, além de acrescentar valor à sua imagem. Por fim, na quarta
visão a RSE é vista como parte da cultura organizacional, de forma a produzir
riquezas e desenvolvimento que beneficiem a todos os envolvidos em suas
atividades – trabalhadores, consumidores, meio ambiente e comunidade. Essa visão
inclui a promoção, pela empresa, dos seus valores éticos e responsáveis na sua
cadeia de fornecedores e nos mercados onde atua. Para o Idec, esta é a visão de RSE
que mais corresponde aos anseios dos consumidores e da sociedade de forma geral,
por ser mais abrangente.
No caso da Vale, pode-se dizer que ela tem uma mescla da segunda visão e terceira
visão. Consoante a segunda visão, ela incorpora enxerga a responsabilidade social empresarial
via a Fundação Vale que organiza e planeja os programas e ações sociais. Pari passu, a
terceira visão também caracteriza a empresa: A propaganda da Vale nos lembra todos os dias
que ela é brasileira e que trabalha com ―paixão‖ para promover o ―desenvolvimento
sustentável‖ internacionalmente e para garantir um futuro para nossas crianças. Nesse sentido
a Responsabilidade Social Empresarial se transforma em uma estratégia e numa plataforma de
120
negócios para vender seus produtos e serviços em nível mundial, acrescentando valor a sua
imagem. Essa mudança de postura, não observável anteriormente aos anos 1990, e
consequentemente da privatização da companhia, em pleno mercado fortemente competitivo,
é reflexo da projeção da imagem que a companhia auferiu: a publicidade negativa de um
acontecimento (um acidente, uma morte, etc.) com certeza converte-se em uma infensa à
imagem de empresa socioambientalmente responsável.
A Fundação Vale realiza Diagnósticos Integrados em Socioeconomia, amplos estudos
que reúnem informações de cada território e que permitem identificar as necessidades e
potencialidades específicas de cada um. Estes estudos servem como base para a elaboração
dos Planos de Gestão dos Investimentos Sociais (PGIS), com focos nas seguintes áreas de
atuação: infraestrutura, apoio a Gestão Pública e des-envolvimento humano e econômico.
Em São Luís, segundo o folder institucional (VALE, 2010b), a Fundação Vale oferece
os seguintes programas:
Estação Conhecimento: As Estações Conhecimento são Núcleos de Desenvolvimento
Humano e Econômico idealizados pela Fundação Vale que seguem o modelo rural ou urbano.
Seu objetivo é contribuir para a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento integrado
e sustentável das comunidades. Os núcleos são organizações da sociedade civil de interesse
público (OSCIP), viabilizadas por meio de parcerias locais com o poder público e entidades
da sociedade civil organizada. As Estações Conhecimento têm como público prioritário
crianças e jovens. A intenção é promover ações integradas, de longo prazo, que contribuam
para o desenvolvimento integral da pessoa, a fim de possibilitar que os jovens tenham
autonomia e condições de conquistar seus sonhos. Nos núcleos, os participantes são
estimulados em práticas esportivas (natação, atletismo, judô e futebol), em atividades
culturais, no convívio social e no empreendedorismo.
Vale Alfabetizar: Contribui para a estruturação da Educação de Jovens e Adultos
(EJA). Capacita o alfabetizador, alfabetiza jovens e adultos e promove o fluxo constante de
novos alunos às salas de aula.
Ação saúde: Colabora para a melhoria da saúde coletiva e da família, priorizando a
saúde materno-infantil. Promove a formação de células ativas, compostas por profissionais de
saúde, educadores, lideranças comunitárias e, principalmente, mulheres e jovens, com vistas à
redução da morbidade e mortalidade infantil.
Novas alianças: Colabora no fortalecimento da gestão pública, por meio da
estruturação de conselhos voltados ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do
121
Adolescente. Contribui para a gestão das políticas da infância, a partir da incidência no
orçamento público, e para a conexão entre redes e organizações.
Voluntários Vale: Estimula a cultura de voluntariado dentro da Vale, fortalecendo o
diálogo social e contribuindo para o desenvolvimento dos territórios onde a empresa atua.
Conta com a participação de cerca de 4 mil pessoas, entre empregados e seus familiares,
fornecedores, comunidades e parceiros locais. Conta ainda com o Dia V (FIGURA 09), que é
o dia de ações voluntárias, realizado anualmente no primeiro domingo de dezembro. Conta
com a participação de voluntários nas localidades onde a Vale está presente. No Dia V, são
realizadas ações educacionais, culturais, de esporte, lazer e cidadania.
Figura 09. Campanha da Vale sobre o Dia V.
Fonte: www.vale.com
Todos este programas oferecidos pela Vale situam-se estrategicamente na agenda
sociopolítica da empresa, a longo prazo.
Em São Luís, a Vale instalou o Parque Botânico (Bioma de Floresta Amazônica com
1,1 mil km2), trazendo consigo um plano de marketing que a qualificava como empresava
responsável socioambientalmente, objetivando assim tornar visível o ―progresso‖ e a melhoria
da qualidade de vida que alcançam as cidades que a tem como empresa parceira.
122
O que se observa é que essas empresas, tais como Petrobrás e Companhia Vale do
Rio Doce (CVRD) buscam oferecer mais do que uma Política Ambiental
cuidadosamente estruturada e apostam na criação de projetos ecológicos grandiosos
na tentativa de minimizar os danos causados pelas suas atividades (XAVIER et al.,
2008, p. 03).
Essa política de responsabilidade socioambiental da Vale configura-se então como
uma ampla estratégia de marketing (FIGURA 10 E FIGURA 11) e como legitimação de suas
práticas. Além do mais, essa estratégia não se resume ao Parque Botânico: patrocínios de
eventos como a Feira do Livro e Via Sacra do Anjo da Guarda, criação do programa
inventário dos azulejos (patrocínio e divulgação) e a utilização de espaços midiáticos como
ferramenta de propaganda (178 milhões de reais gastos a cada ano - Ibope Monitor) também
fazem parte do repertório da empresa.
Figura 10. O trem verde da Vale tem duas conotações: o desempenho de locomotivas movidas com uma mistura
de diesel comum ou biodiesel e até 70% de gás natural, mas também é uma estratégia de marketing ambiental.
Figura 11. A mudança do uniforme também é uma estratégia de marketing.
De fato, como protestar contra a expulsão de inúmeras famílias de suas terras, os
conflitos em áreas indígenas e a poluição ambiental se a imagem que se tem da Vale é a de
uma empresa que gera emprego para os que não têm, desenvolvimento para o Maranhão e, o
principal, se preocupa com a comunidade e com o meio ambiente? O que se observa hoje é o
detrimento do dizer em relação ao fazer: a ―verdade‖ não reside mais no que se faz, mas no
que se diz (FOUCAULT, 2009b).
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