Teologia Sistemática – Augustus Hopkins Strong vol 1

Transcrição

Teologia Sistemática – Augustus Hopkins Strong vol 1
A
ug ustus
H
o pk in s
STRONG
Prefácio
de
R u s s e 11 S h e d d
Vol.
I
AUGUSTUS
HOPKINS STRONG
Nasceu em Nova York
(Rochester), E.U.A., Em
1836. Homem de grande
vigor intelectual, literato,
filósofo e teólogo, Strong
cresceu e se formou dentro
da Igreja Batista. Tal perfil
se faz presente em sua obra,
não de forma limitante, mas
criativa e atenta às mudanças
que fervilhavam em sua
época “fin-de-siécle”. Sua
obra teológica, prezando a
reflexão teológica qualificada
e aprofundada mais que a
quantidade, marcou toda
uma geração de estudantes
do início do século pas­
sado, inclusive no Brasil.
Dentre suas obras, desponta
a Systematic Theology, sua opus
magnum.
T E O L Q G I A
SISTEMATICA
A u g u s t u s H o p k in s
STRONG
Prefácio
de
Russell
Shedd
A D o u t r in a d e D e u s
Vol.
I
A
NAGNOS
C opyright © 2003 por E dito ra H agnos
S u p e r v is ã o E d it o r ia l
Luiz Henrique Alves cia Silva
Rogério cie Lima Campos
Silvestre M. c/e Lima
Silvia Cappelletti
T rad u ção
Augusto Victorino
R e v is ã o
Cláudio J. A. Rodrigues
D ig ita ç ã o d e t e x to s
Regina de Moura Nogueira
C apa
Rogério A. de Oliveira
L a y o u t e A r te F in a l
Comp System
D ia g r a m a ç ã o
Pr. Regino da Silva Noqueira
Cícero J. da Silva
C oord en ad or de P rod u ção
M auro W. T errengui
Ia edição - m arço 2003 - 3000 exem plares
I m p r e s s ã o e a c a b a m e n to
Im prensa da Fé
D a d o s I n t e r n a c io n a is d e C a ta lo g a ç ã o n a P u b lic a ç ã o (C I P )
(C â m a r a B r a s ile ir a d o L iv r o , SP, B r a s il)
S trong, A u g u stu s H opkins
T eologia sistem ática/ A ugustus H opkins S trong ;
prefácio de R ussell Shedd ; [tradução A ugusto V icto rin o ].
- São P aulo : H agnos, 2003.
T ítu lo o rig in al: S ystem atic theology
C onteúdo: V. 1. A do u trin a de D eus
1. B atistas - D o u trin a s 2. Teologia doutrinai
I. S hedd, R ussell. II. T ítulo.
ISBN
85-89320-09-X
03-0919
C D D -230
í n d ic e s p a r a c a tá lo g o s is t e m á t ic o :
I. T eologia sistem ática : R eligião
230
Todos os direitos d esta edição reserv ad o s à
E D IT O R A H AG N OS
R ua B elarm in o C ardoso de A n d rad e, 108
São Paulo - SP - 04809-270 Tel/Fax: ( x x ll) 5666 1969
e-m ail: h a g n o s @ h a g n o s.c o m .b r-w w w .h a g n o s .c o m .b r
PREFÁCIO
Foi uma grande surpresa saber que a Teologia Sistemática de Strong, aquela obra
monumental de pensamento teológico da minha juventude na Escola Graduada de
Wheaton, bem como no Seminário da Fé, estava sendo traduzida e editada em portu­
guês. Confesso que não tenho lido muito desta teologia, tão conhecida no mundo evan­
gélico durante mais de cem anos. Mas descobri que é uma vasta fonte de informação
teológica e bíblica. Não é necessário concordar com tudo que Strong escreveu para
aproveitar a impressionante coletânea de ensinamentos e textos que o incansável teólo­
go ajuntou. Augustus Strong foi eleito presidente e professor de Teologia Bíblica do
Seminário Teológico de Rochester no estado de Nova Iorque em 1872. Ocupou estes
dois cargos durante 40 anos, após pastorear a Primeira Igreja Batista de Cleveland,
estado de Ohio, por sete anos. Não abandonou o espírito pastoral na “torre de marfim”
do seminário.
A Teologia Sistemática de Strong (primeira edição, 1886) encontra o seu centro
em Cristo. Em suas palavras, “A pessoa de Cristo foi o fio da meada que segui; sua
divindade e sua expiação eram os dois focos da grande elipse” (citado por W. R. Estep,
Jr. na Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã, ed. W. A. Elwell, Ed.Vida
Nova, 1990, Vol. III, p. 420).O leitor não precisa ler os dois volumes para perceber a
riqueza de apoio bíblico e teologia histórica. Entre os teólogos mais destacados dos
Batistas do Sul dos Estados Unidos, E. Y. Mullins e W. T. Conner receberam forte
influência de Strong Espero que o aparecimento desta Teologia Sistemática seja bem
recebido no Brasil. Deve ser um referencial para os que procuram uma âncora para sua
fé, mesmo que tenha sido escrita antes dos teólogos liberais tais como Paul Tillich e
Rudolf Bultmann.
A Deus toda a glória!
Pr. D r. R
u ssell
S hedd
José dos Reis
E-Books Digital
A g ra d e c e m o s a W A G N E R E D U A R D O D E
L I M A f p o r q u em se v ia b iliz o u e d ita r esta.
ob ra em lín g u a p o rtu g u e sa .
OS EDITORES
PREFÁCIO DO AUTOR
A presente obra é um a revisão e am pliação da m inha Systematic Theology,
prim eiram ente publicada em 1886. D a obra original foram im pressas sete edi­
ções, cada um a das quais incorporando sucessivas correções e supostos apri­
m oram entos. D urante os vinte anos que m ediaram entre a prim eira publica­
ção, reuni m uito m aterial novo, que agora ofereço ao leitor. M eu ponto de
vista filosófico e crítico nesse período tam bém sofreu algum a m udança. Con­
quanto ainda eu sustente as doutrinas antigas, interpreto-as diferentem ente e
exponho-as com m aior clareza, porque a m im m e parece ter chegado a um a
verdade fundam ental que lança novas luzes sobre todas elas. E sta verdade
tentei estabelecer em m eu livro intitulado Christ in Creation, e delas faço refe­
rências ao leitor para mais inform ações.
Que Cristo é aquele único R evelador de Deus, na natureza, na hum anida­
de, na história, na ciência, na Escritura, a m eu juízo, a chave da teologia. Este
ponto de vista im plica um a concepção m onística e idealista do m undo, junta­
m ente com um a idéia evolutiva quanto à sua origem e progresso. M as é o
próprio antídoto do panteísm o que reconhece a evolução como único método
do Cristo transcendente e pessoal, que é tudo em todos e que faz o universo
teológico e moral a partir do centro da sua circunferência e desde o seu com e­
ço até agora.
Nem a evolução, nem a alta crítica tem algo de aterrador para aquele que as
considera com o parte do processo criador e educador da parte de Cristo. O m es­
mo Cristo em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conheci­
m ento fornece todas as salvaguardas e lim itações necessárias. Tão som ente
porque Cristo tem sido esquecido é que a natureza e a lei tem sido personifica­
da, e a história tem sido considerada com o um desenvolvim ento sem propósi­
to, que se tem feito referência ao judaísm o com o tendo um a origem sim ples­
m ente hum ana, que se tem pensado que Paulo tirou a igreja do seu próprio
curso m esm o antes de iniciar o seu próprio curso, que a superstição e ilusão
vieram a parecer o único fundam ento do sacrifício dos m ártires e o triunfo das
m issões m odernas. De m odo nenhum creio num a evolução irracional e ateísta
com o esta. C ontrariam ente, creio naquele em quem consistem todas as coisas,
8
A ugustas H opkins Strong
que está com o seu povo até o fim do m undo e prom eteu conduzi-lo em toda a
verdade.
A filosofia e a ciência são boas servas de Cristo, mas pobres guias quando
rejeitam o Filho de Deus. Q uando chego ao m eu septuagésim o ano de vida e,
no m eu aniversário escrevo estas palavras, sou grato por aquela experiência
da união com Cristo que me capacitou a ver na ciência e na filosofia o ensino
do m eu Senhor. Porém esta m esm a experiência pessoal fez-m e mais conscien­
te do ensino de Cristo na Escritura, e fez-m e reconhecer em Paulo e João um a
verdade mais profunda do que a que foi descoberta por quaisquer escritores,
um a verdade com relação ao pecado e a sua expiação e que satisfaz os mais
profundos anseios da m inha natureza e que por si m esm a é evidente e divina.
Preocupam -m e algumas tendências teológicas dos nossos dias, porque creio
que elas são falsas tanto na ciência com o na religião. Com o hom ens que se
sentem pecadores perdidos e que um a vez receberam o perdão do seu Senhor
e Salvador crucificado podem daí em diante rebaixar seus atributos, negar a
sua divindade e expiação, arrancar da sua fronte a coroa do m ilagre e sobera­
nia, relegá-lo ao lugar de um m estre sim plesm ente moral que nos influencia
apenas com o o fez Sócrates com palavras proferidas através dos tem pos, pas­
sa pela m inha com preensão. Eis aqui o m eu teste de ortodoxia: Dirigim os
nossas orações a Jesus? Invocam os o nom e de Cristo com o Estêvão e toda a
igreja prim itiva? O nosso Senhor vivo é onipresente, onisciente, onipotente?
Ele é divino só no sentido em que nós tam bém o som os, ou é ele o Filho
unigênito, Deus m anifesto em carne, em quem habita corporalm ente toda a
plenitude da divindade? Que pensais vós de C risto? esta ainda é a pergunta
crítica, e a ninguém que, diante da evidência que ele nos forneceu, se não pode
responder corretam ente, assiste o direito de cham ar-se cristão.
Sob a influência de R itschl e seu relativism o kantiano, m uitos dos nossos
mestres e pregadores têm deslizado para negação prática da divindade de Cristo
e da sua expiação. Parece que estam os à beira do precipício de um a repetida
falha unitária, que esfacelará as igrejas e com pelirá a cisões, de m aneira pior
que a de C hanning e W are há um século. Os cristãos am ericanos se recupera­
ram daquele desastre som ente ao afirm ar vigorosam ente a autoridade de C ris­
to e a inspiração das Escrituras. N ecessitam os de um a visão do Salvador como
a que Paulo teve no cam inho de D am asco e João na ilha de Patm os, para nos
convencerm os de que Jesus está acim a do espaço e do tem po, que a sua exis­
tência antedata a criação, que ele conduziu a m archa da história dos hebreus,
que ele nasceu de um a virgem , sofreu na cruz, levantou-se dentre os mortos, e
agora vive para sem pre, é Senhor do universo, o único Deus com quem nos
relacionam os, nosso Salvador aqui e Juiz no futuro. Sem haver avivam ento
T e o l o g i a S is t e m á t ic a
9
nesta fé nossas igrejas se tom arão secularizadas, a m issão m orrerá, e o casti­
çal será rem ovido do seu lugar com o ocorreu às sete igrejas da Á sia e com o
tem sido com as igrejas da N ova Inglaterra, que se apostataram .
Im prim o esta edição revista e am pliada da m inha “Systematic Theology”,
na esperança de que a sua publicação possa fazer algo para refrear esta veloz
m aré que avança, e confirm ar a fé nos eleitos de Deus. Não tenho dúvida de
que os cristãos, em sua grande m aioria, ainda m antêm a fé que, de um a vez por
todas foi entregue aos santos e que eles, cedo ou tarde, hão de separar-se
daqueles que negam o Senhor que os com prou. Q uando o inim igo entra com o
um dilúvio, o Espírito do Senhor levanta o estandarte contra ele. E preciso que
eu faça a m inha parte levantando tal estandarte. E preciso que eu conduza
outros a reconhecer, com o eu, a despeito das opiniões arrogantes da m oderna
infidelidade, a m inha firm e crença, reforçada som ente pela experiência e refle­
xão de m eio século nas velhas doutrinas da santidade com o atributo funda­
m ental de Deus, de um a transgressão e pecado de toda a raça hum ana, na
preparação divina da história hebréia da redenção do hom em , na divindade,
na preexistência, nascim ento virginal, expiação vicária e ressurreição corpo­
ral do nosso Senhor Jesus Cristo, e na sua futura vinda para julgar os vivos e
os m ortos. Eu creio que estas são verdades da ciência assim com o da revela­
ção; que ainda se verá que o sobrenatural é m ais verdadeiram ente natural; e
que não o teólogo de m ente aberta, m as o cientista de m ente estreita será
obrigado a esconder a sua cabeça na vinda de Cristo.
O presente volum e, ao tratar do M onism o Ético, da Inspiração, dos A tribu­
tos de Deus e da Trindade, contém um antídoto para a m ais falsa doutrina que
agora am eaça a segurança da igreja. D esejo agora cham ar especialm ente a
atenção para o assunto Perfeição e os A tributos por ela envolvidos, porque eu
creio que a recente fusão da Santidade com o A m or e a negação prática de que
essa Retidão é fundam ental na natureza de Deus são responsáveis pelos pon­
tos de vista utilitários da lei e os pontos de vista superficiais sobre o pecado
que agora prevalecem em alguns sistem as de teologia. Não pode haver nenhu­
m a apropriada doutrina da retribuição, quando se recusa a sua preem inência.
O am or deve ter um a norm a ou padrão, e isto só pode ser encontrado na San­
tidade. A velha convicção do pecado e do senso de culpa que conduz o peca­
dor convicto à cruz são inseparáveis de um a firm e crença no atributo de Deus
logicam ente auto-afirm ante, anterior ao auto-com unicante e condicionado a
ele. A teologia da nossa época carece de um novo ponto de vista sobre o Justo.
Tal ponto de vista esclarecerá que deve haver um a reconciliação com Deus
antes que o hom em seja salvo, e que a consciência hum ana seja apaziguada só
na condição de que se faça um a propiciação à Justiça divina. N este volum e eu
10
Augnstus H opkins Strong
proponho o que considero a verdadeira D outrina de Deus, porque nela deve
basear-se tudo o que se segue nos volum es sobre a D outrina do H om em e a da
Salvação.
A presença universal de Cristo, luz que ilum ina a todo hom em tanto em
terras pagãs com o cristãs, para dirigir ou governar todos os m ovim entos da
m ente hum ana, dá-m e a confiança de que os recentes ataques à fé cristã fra­
cassarão no seu propósito. Torna-se evidente, por fim , que não só atacam -se
as obras prim orosas, m as até m esm o a cidadela. Pede-se que se abandone toda
a crença na revelação especial. D izem que Jesus Cristo veio em carne exata­
m ente com o qualquer um de nós, e ele era antes de A braão senão só no m esm o
sentido que nós somos. A experiência cristã sabe com o caraterizar tal doutrina
tão logo se estabelece de um m odo claro. E a nova teologia entrará em voga
possibilitando que até m esm o crentes com uns reconheçam a heresia destruidora de alm as m esm o sob a m áscara de professa ortodoxia.
Não faço apologia algum a do elem ento hom ilético do meu livro. Para ser
verdadeira ou útil, a teologia deve ser um a paixão. Pectus est quocl teologum
facit, e nenhum zom bador que apregoa a “Teologia P eitoral” rae im pedirá de
sustentar que os olhos do coração devem ser ilum inados para perceber a ver­
dade de D eus e qiie, para conhecer a verdade, é necessário praticá-la. A teolo­
gia é um a ciência cujo cultivo pode ser bem sucedido som ente em conexão
com sua aplicação prática. Por isso, em cada discussão dos seus princípios
devo assinalar suas relações com a experiência cristã, e a sua força para des­
pertar em oções cristãs e levar a decisões cristãs. Teologia abstrata, na verda­
de, não é científica. Só é científica a teologia que traz o estudioso aos pés de
C risto. Eu anseio pelo dia em que, em nom e de Jesus, todo joelho se dobre.
Creio que, se cada um servir a Cristo, o Pai o honrará, e ele honrará o Pai. Eu m es­
mo não m e orgulharia de crer tão pouco, m as sim de crer m uito. Fé é a m edida
com que Deus avalia o hom em . P or que haveria de duvidar que D eus falou aos
pais pelos profetas? Por que haveria de pensar que é incrível Deus ressuscitar
os m ortos? O que é im possível aos hom ens é possível a Deus. Q uando o Filho
do hom em vier, porventura achará fé na terra? Q ueira D eus que encontre fé
em nós, que professam os ser seus seguidores. N a convicção de que as trevas
presentes são apenas tem porárias e que serão banidas por um glorioso alvore­
cer, ofereço ao público esta nova edição da m inha “Teologia” rogando a Deus
para que qualquer que seja a boa sem ente que frutifique e qualquer que seja a
planta que o Pai não plantou que seja arrancada.
RO C H ESTER TH EO LO G IC A L SEM INARY
R O C H ESTER , N. Y„ 3 de agosto de 1906.
SUMÁRIO
P arte I - PROLEGÔMENOS
C apítulo I - IDÉIA DE TEOLOGIA...........................................................................21
I. Definição de Teologia................................................................................................21
II. A lvo da T eologia....................................................................................................... 22
III. Possibilidade da T eologia........................................................................................ 23
1. Na existência de um Deus que se relaciona com o un iverso ..........................23
2. Na capacidade humana de conhecer D eus........................................................ 26
3. Na revelação do próprio D e u s............................................................................ 35
IV. Necessidade da T eologia......................................................................................... 41
1. No instinto organizador da mente hum ana....................................................... 41
2. Na relação da verdade sistemática com o desenvolvimento do caráter........42
3. Na importância dos pontos de vista definidos e justos da doutrina cristã
para o pregador ........................................................................................................43
4. Na íntima conexão entre a doutrina correta e o firme e agressivo poder
da igreja.....................................................................................................................44
5. Nas injunções diretase indiretas da Escritura......................................................45
V. Relação da Teologia com a R eligião......................................................................... 46
1. D erivação...................................................................................................................46
2. Falsas Concepções................................................................................................... 47
3. Idéia Essencial..........................................................................................................49
4. Inferências ................................................................................................................ 50
C apítulo II - MATERIAL DA TEOLOGIA.................................................................53
I. Fontes da Teologia........................................................................................................53
1. A Escritura e a natureza........................................................................................54
2. A Escritura e o Racionalismo .............................................................................. 59
3. A Escritura e o Misticismo.................................................................................... 61
4. A Escritura e o Romanismo................................................................................. 64
II. Limitações da Teologia................................................................................................66
1. Na finitude do entendimento humano.................................................................. 66
2. No estado imperfeito da ciência natural e m etafísica........................................ 67
3. Na inadequação da língua...................................................................................... 67
4. No nosso conhecimento incompleto das Escrituras........................................... 68
5. No silêncio da revelação e sc rita ........................................................................... 68
6. Na falta de discernimento espiritual causada pelo pecado............................... 69
12
Augiistiis H opkins Strong
III. Relações do Material com o Progresso da Teologia....................................
1. É impossível um sistema perfeito de teolo g ia.........................................
2. Apesar de tudo isso a teologia é progressiva...........................................
C apítulo III - MÉTODO DA TEOLOGIA........................................................
I. Requisitos para o Estudo da Teologia............................................................
1. Uma mente disciplinada...............................................................................
2. Um hábito mental intuitivo distinto de um outro simplesmente lógico.
3. Conhecimento das ciências física, mental e m o ra l..................................
4. Conhecimento das línguas originais da B íb lia.........................................
5. Afeição santa para com D eus......................................................................
6. A influência iluminadora do Espírito Santo ............................................
II. Divisões da T eologia........................................................................................
III. História da Teologia Sistem ática.....................................................................
IV. Ordem de Tratamento na Teologia Sistemática............................................
1. Vários métodos de ordenação dos tópicos de um sistema teológico....
2. O método sintético.......................................................................................
. 69
. 69
. 70
. 72
. 72
. 72
. 73
. 73
. 74
. 75
.7 5
. 76
. 80
.
.
88
88
89
P arte II - A EXISTÊNCIA DE DEUS
C apítulo I - ORIGEM DA NOSSA IDÉIA DA EXISTÊNCIA DE DEUS .,
I. Primeiras Verdades em G e ra l..........................................................................
1. Sua natureza..................................................................................................
2. Seus critérios.................................................................................................
II. A Existência de Deus, uma Primeira Verdade...............................................
III. Outras Supostas Fontes da Nossa Idéia..........................................................
IV. Conteúdo desta Intuição...................................................................................
C apítulo II - EVIDÊNCIAS CORROBORATIVAS DA EXISTÊNCIA DE
D E U S.............. ....................................................................................................
I. Argumento Cosm ológico..................................................................................
1. Defeitos do Argumento Cosmológico.......................................................
II. Argumento T eleológico....................................................................................
1. Mais explicações..........................................................................................
2. Defeitos do Argumento Teleológico..........................................................
III. Argumento Antropológico...............................................................................
IV. Argumento Ontológico.....................................................................................
1. De Samuel Clarke .......................................................................................
2. De Descartes .................................................................................................
3. De Anselm o...................................................................................................
C apítulo III - EXPLICAÇÕES ERRÔNEAS E CON CLUSÃO...................
I. M aterialism o......................................................................................................
II. Idealismo M aterialista......................................................................................
III.Panteísmo Idealista............................................................................................
IV.
Monismo É tico.................................................................................
. 93
. 95
.9 5
.9 7
.9 8
106
113
118
120
121
123
124
128
131
138
138
139
139
144
144
151
158
165
T e o l o g i a S is t e m á t ic a
13
P arte III - A S E SCRITU RAS, U M A R EVELAÇÃO
DA PARTE DE DEUS
C apítulo I - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.............................................. 175
I. Razões a Priorí para Esperar uma Revelação da Parte de D e u s..........................175
1. Necessidades da natureza do homem................................................................ 175
2. Pressuposição de um suprimento....................................................................... 177
II. As Marcas da Revelação que o Homem pode E sperar....................................... 179
1. Quanto à sua substância..................................................................................... 179
2. Quanto ao seu m étodo......................................................................................... 180
3. Quanto à sua certificação.................................................................................... 183
III. Os Milagres, um Atestado da Revelação D ivin a................................................. 183
1. Definição de Milagre .......................................................................................... 183
2. Possibilidade do Milagre .................................................................................... 189
3. Probabilidade dos M ilagres............................................................................... 192
4. Testemunho necessário para se provar um m ilagre......................................... 197
5. Força Evidenciai dos Milagres .......................................................................... 198
6. Falsos M ilagres..................................................................................................... 203
IV. Profecia Atestando uma Revelação D ivina............................................................206
1. D efinição................................................................................................................ 206
2. Relação da profecia com os milagres ................................................................ 208
3. Requisitos na profecia, considerados como Evidência da Revelação.........208
4. Caraterísticas Gerais da Profecia nas Escrituras ..............................................209
5. Profecia messiânica em geral.............................................................................. 210
6. Profecias especiais pronunciadas por C risto .................................................... 210
7. Sobre o duplo sentido da P rofecia......................................................................212
8. Propósito da Profecia - até onde não se cumpriu............................................ 214
9. Poder Evidenciai da Profecia - quando cumprida........................................... 216
V. Princípios de Evidência Histórica Aplicáveis à Prova de uma Revelação
Divina........................................................................................................................... 217
1. Quanto à evidência documentária........................................................................2 17
2. Quanto ao testemunho em g eral.......................................................................... 218
C aítulo II - PROVAS POSITIVAS DE QUE A S ESCRITURAS SÃO A
REVELAÇÃO D IVIN A............................................................................................222
1. Genuinidade dos Livros do Novo Testamento.................................................. 223
2. Genuinidade dos Livros do Velho Testamento.................................................250
II. Credibilidade dos Escritores da B íb lia................................................................... 259
III. O Caráter Sobrenatural do Ensino da E scritura.................................................... 262
1. O ensino da Escritura em g e ra l........................................................................... 262
2. Sistema Moral do Novo Testamento.................................................................. 266
3. A pessoa e o caráter de Cristo............................................................................ 279
4. O testemunho do próprio Cristo..........................................................................282
IV. Resultados Históricos da Propagação da Doutrina da Escritura......................... 285
14
A ugustus H opkins Strong
C apítulo III - INSPIRAÇÃO NAS ESCRITURAS................................................... 293
I. Definição de Inspiração..............................................................................................293
II. Prova da Inspiração.................................................................................................... 296
III. Teorias Sobre a Inspiração........................................................................................302
1. Teoria da Intuição ..................................................................................................302
2. Teoria da Iluminação..............................................................................................305
3. Teoria do D itado.....................................................................................................311
4. Teoria da D inâm ica................................................................................................314
IV. União dos Elementos Divino e Humano na Inspiração......................................... 316
V. Objeções à Doutrina da Inspiração ..........................................................................330
1. Erros em matéria de C iência............................................................................ 331
2. Erros em matéria de H istória........................................................................... 336
3. Erros no campo da M oral..................................................................................341
4. Erros de Raciocínio............................................................................................345
5. Erros na citação ou interpretação do Velho Testamento.............................. 347
6. Erros na Profecia................................................................................................349
7. Alguns livros não merecem um lugar na Escritura inspirada..........................351
8. Porções dos livros da Escritura escritos por outras pessoas que não são
aquelas a quem são atribuídos............................................................................. 353
9. Narrativas Céticas ou Fictícias.............................................................................356
10. Reconhecimento da não inspiração de mestres da Escritura e de seus
escritos..................................................................................................................359
Parte IV - NATUREZA, DECRETOS E OBRAS DE DEUS
C apítulo I - ATRIBUTOS DE D E U S ........................................................................ 363
I. Definição do Termo Atributos.................................................................................. 364
II. Relação dos Atributos Divinos com a Essência D ivin a....................................... 364
1. Os atributos têm uma existência o b jetiva...................................................... 364
2. Os atributos são inerentes à essência d ivin a..................................................366
3. Os atributos pertencem à essência divina como tal ......................................367
4. Os atributos manifestam a essência d iv in a ....................................................367
III. Métodos para Determinar os Atributos D ivinos................................................... 368
1. Método racional.....................................................................................................368
2. Método bíblico.......................................................................................................369
IV. Classificação dos Atributos...................................................................................... 369
V. Atributos Absolutos ou Imanentes .......................................................................... 372
Primeira divisão - Espiritualidade e os atributos envolvidos por e la .................372
1. V id a ......................................................................................................................... 374
2. Pessoalidade................................................. ......................................................... 376
Segunda Divisão - Infinitude e os atributos envolvidos por e la ......................... 378
Terceira Divisão - Perfeição e os atributos por ela envolvidos.......................... 388
1. Verdade................................................................................................................... 388
I
T e o l o g i a S is t e m á t i c a
15
2. A m or......................................................................................................................... 391
3. Santidade..................................................................................................................399
VI. Atributos Relativos ou Transitivos........................................................................... 410
Primeira Divisão - Atributos relacionados com Tempo e Espaço...................... 410
1. Eternidade................................................................................................................ 410
2. Imensidade............................................................................................................... 415
Segunda Divisão - Atributos relacionados com a C riação...................................417
1. Onipresença.............................................................................................................417
2. O nisciência.............................................................................................................. 421
3. Onipotência..............................................................................................................427
Terceira Divisão - Atributos relacionados com os seres m o rais.........................430
1. Veracidade e Fidelidade ou Verdade transitiva..................................................430
2. Misericórdia e Bondade ou Amor Transitivo......................................................431
3. Justiça e Retidão, ou Santidade Transitiva......................................................... 433
VII. Nível e Relações dos Vários Atributos .................................................................440
1. Santidade, atributo fundamental de D eu s...........................................................441
2. A santidade de Deus, a base da obrigação m o ra l............................................. 445
C apítulo II - DOUTRINA DA TRINDADE..............................................................452
I. Na Escritura há Três que são Reconhecidos como D eu s......................................454
1. Provas do Novo Testamento................................................................................ 454
2. Indicações do Velho Testamento..........................................................................472
II. Estes três são Descritos na Escritura de tal Modo que Somos Compelidos
a Concebê-los como Pessoas Distintas.................................................................... 479
1. O Pai e o Filho são pessoas distintas uma da o u tra ..........................................479
2. O Pai e o Filho são pessoas distintas do E spírito............................................. 480
3. O Espírito Santo é uma pessoa.............................................................................480
III. Esta Tripessoalidade da Natureza Divina não é Simplesmente Econômica e
Temporal, mas Imanente e Eterna............................................................................. 485
1. Prova da Escritura de que estas distinções de pessoalidade são eternas.... 485
2. Erros refutados pelas passagens anteriores........................................................ 486
IV. Esta Tripessoalidade não é Triteísmo; pois, Conquanto Haja Três Pessoas,
há Apenas Uma Essência........................................................................................... 491
V. As Três Pessoas, Pai, Filho, e Espírito Santo, são Iguais .................................... 496
1. Estes títulos pertencem às Pessoas...................................................................... 496
2. Sentido qualificado destes títulos ....................................................................... 497
3. Geração e processos consistentes com a igualdade..........................................504
VI. Inescrutável, Embora não Autocontraditória, esta Doutrina Fornece a
Chave para Todas as Outras Doutrinas.................................................................... 509
1. O modo desta existência triúna é inescrutável.................................................. 509
2. A Doutrina da Trindade não é autocontraditória.............................................. 512
3. A doutrina da Trindade tem importantes relações com outras doutrinas .... 514
C apítulo III - OS DECRETOS DE DEUS..................................................................522
I. Definição de D ecretos............................................................................................... 522
16
A ugustus H opkins Strong
II. Prova da Doutrina dos Decretos...............................................................................525
1. Da Escritura............................................................................................................ 525
2. Da R azão................................................................................................................ 527
III. Objeções à Doutrina dos Decretos.......................................................................... 532
1. Que eles são inconsistentes com a livre atuação do homem .......................... 532
2. Que eles afastam todo o motivo do exercício humano.................................. 536
3. Que eles fazem Deus o autor do pecado............................................................ 539
VI. Notas Finais............................................................................................................. 544
1. Empregos práticos da doutrina dos decretos.................................................... 544
2. O verdadeiro método da pregação da doutrina................................................. 545
C apítulo IV - AS OBRAS DE DEUS; OU A EXECUÇÃO DOS DECRETOS . 547
SEÇÃO I - CRIAÇÃO
I. Definição de C riação................................................................................................. 547
II. Prova da Doutrina da C riação .................................................................................. 551
1. Declarações diretas da Escritura..........................................................................551
2. Evidência indireta da Escritura........................................................................... 556
III. Teorias que se opõem à Criação ............................................................................. 556
1. D ualism o................................................................................................................ 556
2. Emanação............................................................................................................... 564
3. Criação a partir da eternidade............................................................................. 568
4. Geração espontânea..............................................................................................573
IV. O Relato Mosaico da C riação ..................................................................................575
2. Interpretação adequada..........................................................................................579
V. O Fim de Deus na Criação......................................................................................... 583
1. O testemunho da Escritura...................................................................................583
2. O testemunho da razão......................................................................................... 585
VI. Relação da Doutrina da Criação com as outras D outrinas................................ 590
1. Com a santidade e a benevolência de D eus...................................................... 590
2. Com sabedoria e livre vontade de Deus ............................................................592
3. Com Cristo como revelador de D eus................................................................. 594
4. Com a Providência e a Redenção .......................................................................597
5. Com a observância do Sábado............................................................................ 598
SEÇÃO II - PRESERVAÇÃO
I. Definição de Preservação......................................................................................... 602
II. Prova da Doutrina da Preservação........................................................................... 603
1. Da Escritura............................................................................................................ 603
2. Da R azão................................................................................................................604
III. Teorias que virtualmente negam a doutrina da Preservação............................... 607
1. D eísm o....................................................................................................................607
2. Criação contínua ................................................................................................... 609
IV. Notas sobre a Parceria D ivin a..................................................................................612
SEÇÃO III - PROVIDÊNCIA
I.
Definição de Providência...................................................................................... 614
T e o l o g ia S
is t e m á t ic a
II. Prova da Doutrina da Providência..........................
1. Prova escriturística...............................................
2. Prova racional .......................................................
III. Teorias opostas à Doutrina da Providência...........
1. Fatalism o...............................................................
2. Casualism o............................................................
3. Teoria de uma providência simplesmente geral
IV. Relações da Doutrina da Providência....................
1. Com os milagres e com as obras da g raça........
2. Com a oração e a resposta...................................
3. Com a atividade cristã.........................................
4. Com os maus atos dos agentes liv re s................
SEÇÃO IV - OS ANJOS BONS E OS MAUS
I. Afirmações e Sugestões da E scritura.....................
1. Quanto à natureza e atributos dos anjos ...........
2. Quanto ao seu número e organização...............
3. Quanto ao seu caráter moral ..............................
4. Quanto às suas fu nções.......................................
II. Objeções à Doutrina dos A n jo s...............................
1. À doutrina dos anjos em geral ...........................
2. À doutrina dós anjos maus em particular..........
III. Empregos práticos da Doutrina dos A n jo s ...........
1. Emprego da doutrina dos anjos bons.................
2. Empregos da doutrina dos anjos m aus..............
17
615
615
622
625
625
626
627
632
632
633
642
646
650
650
655
658
660
673
673
674
677
677
678
Parte I
PROLEGÔMENOS
C a p ítu lo
I
IDÉIA DE TEOLOGIA
I. D E FIN IÇ Ã O DE T E O L O G IA
Teologia é a ciência de Deus e das relações entre D eus e o universo.
Embora a palavra “teologia” seja empregada às vezes em escritos dogmá­
ticos para designar um simples departamento da ciência que trata da nature­
za e atributos divinos, o uso prevalecente, desde A b e la rd o (1079-1142 A . D.),
que intitulou seu tratado geral “Theologia Christiana”, o qual abrange sob este
termo todo o acervo da doutrina cristã. Por isso, a teologia trata, não só de
Deus, mas das relações entre Deus e o universo, motivo por que falamos da
Criação, da Providência e da Redenção.
Os Pais chamam o Evangelista João de “o teólogo”, porque ele trata mais
plenamente do relacionamento interno das pessoas da Trindade. G r e g ó r i o
N a z i a n z e n o (328) recebeu esta designação porque defendia a divindade de
Cristo contra os arianos. Para um exemplo moderno deste emprego do termo
“teologia” no sentido restrito, veja o título do primeiro volume do D r . H o d g e :
“Systematic Theology, Vol. I: Teologia". Mas teologia não é somente “a ciên­
cia de Deus”, nem mesmo “a ciência de Deus e do homem”. Ela também dá
conta das relações entre Deus e o universo.
S e o universo fosse Deus, a teologia seria a única ciência. Visto que o
universo é apenas uma manifestação de Deus e distingue-se dele, há ciências
da natureza e da mente. A teologia é a “ciência das ciências”, não no sentido
de incluir todas estas, mas no de empregar os seus resultados e mostrar a
sua base subjacente; (ver W a rd la w , Theology, 1.1,2). A ciência física não é
uma parte da teologia. Somente como físico, H um boldt não precisava mencio­
nar o nome de Deus em seu Cosmos (contudo vejamos Cosmos, 2.413, onde
ele diz: “O Salmo 104 apresenta uma imagem do cosmos todo”). O Bispo de
C a rlis le : “A ciência é atéia, mas nem por isso pode ser ateísta”.
Só quando consideramos as relações das coisas finitas com Deus é que o
estudo delas fornece material para a teologia. A antropologia é uma parte da
teologia porque a natureza do homem é obra de Deus e porque a forma de
Deus tratar o homem lança luz sobre o caráter de Deus. Deus é conhecido
através das suas obras e das suas atividades. Por isso a teologia dá conta
destas obras e atividades na medida que elas acompanham o nosso conheci­
mento. Todas outras ciências exigem a teologia para sua explicação completa.
A ugustus H opkins Strong
22
P roudhon:
“S e você se aprofundar muito na política, esteja certo de entrar na
teologia”.
II. ALVO DA TEOLOGIA
O alvo da teologia é a certificação dos fatos que dizem respeito a Deus e às
relações entre Deus e o universo, e a apresentação de tais fatos em sua unida­
de racional com o partes conexas de um form ulado e orgânico sistem a de ver­
dade.
Ao definirmos a teologia como ciência, indicamos o seu alvo. A ciência
não cria; descobre. A teologia responde a esta descrição da ciência. Desco­
bre fatos e relações, mas não os cria. Fisher, Nature and Method of Revelation,
141 - “ S c h ille r, referindo-se ao ardor da fé em Colombo, diz que, se o grande
descobridor não tivesse achado um continente, ele o teria criado. Mas a fé
não é criativa. S e Colombo não tivesse achado a terra - não teria havido uma
resposta objetiva da sua crença - sua fé teria sido mera fantasia”. Porque a
teologia trata de fatos objetivos, recusamo-nos a defini-la como “ciência da
religião”; versus Am. Theol. Rev., 1850.101-126, eTHORNWELL, Theology, 1.139.
Tanto os fatos como as relações de que a teologia trata têm uma existência
independente dos processos mentais subjetivos do teólogo.
Ciência não é apenas observação, registro, verificação e formulação de
fatos objetivos; é também o reconhecimento e explicação das relações entre
estes fatos e a síntese tanto dos fatos como dos princípios racionais que
os unem em um sistema abrangente, corretamente proporcional e orgânico.
Tijolos e madeiramento espalhados não são uma casa; braços, pernas, cabe­
ças e troncos separados numa sala de dissecção não são homens vivos; e
fatos isolados não constituem ciência. Ciência = fatos + relações; W h e w e l l ,
Hist. Inductive Sciences, I, Introd., 43 - “Pode haver fatos sem ciência, como
no conhecimento do cavouqueiro; pode haver pensamento sem ciência, como
na antiga filosofia grega”. A. M acD onald: “O método a priori relaciona-se com
o método a posteriori como as velas com o mastro de uma embarcação: quanto
melhor é a filosofia, maior é a providência de um número suficiente de fatos;
doutra forma ocorre o perigo de transtornar o empreendimento”.
P reside nte W o o d ro w W ilso n : “A enfática injunção da nossa era diz aos
historiadores: ‘dai-nos os fatos’. ... Mas os fatos em si não constituem a ver­
dade. A verdade não é concreta; é abstrata. É só a idéia, a revelação correta,
do sentido que as coisas têm. Ela só é evocada pela distribuição e ordenação
dos fatos que sugerem o sentido”. Dove, Logic of the Christian Faith, 14 “Perseguir a ciência é perseguir as relações”. Everett, Science of Thought, 3
- “Logia” (p.ex. na palavra “teologia”), de Xóyoç,, = palavra + razão, expressão
+ pensamento, fato + idéia; cf. Jo. 1.1 - “No princípio era o Verbo”.
Como a teologia trata de fatos objetivos e suas relações, assim a disposi­
ção destes fatos não é opcional, mas determinada pela natureza da matéria
de que ela trata. A verdadeira teologia repensa os pensamentos de Deus e os
põe na disposição de Deus, como os construtores do templo de Salomão
T e o l o g i a S is t e m á t ic a
23
tomaram as pedras já lavradas e as fixaram nos lugares para os quais o
arquiteto as havia designado; Reginald Heber: “Não caiu nenhum martelo,
nenhum machado tiniu; Como a longa palmeira, surgiu a fábrica mística”. .
Os cientistas não temem que os dados da física bitolem ou comprimam o seu
intelecto; nem devem temer os fatos objetivos que são os dados da teologia.
Não podemos fazer teologia do mesmo modo que não podemos fazer uma lei
da natureza física. Como o filósofo natural é “Naturae minister et interpres”,
assim o teólogo é servo e intérprete da verdade objetiva de Deus.
m . POSSIBILIDADE DA TEOLOGIA
A possibilidade da Teologia tem um a tríplice base: 1. N a existência de um
D eus que se relaciona com o universo; 2. N a capacidade da m ente hum ana de
conhecer Deus e algum as de tais relações; 3. N a provisão de m eios pelos quais
D eus se põe em real contato com a m ente ou, em outras palavras, na provisão
de um a revelação.
Qualquer ciência em particular só se torna possível quando combina três
condições, a saber, a verdadeira existência do objeto de que ela trata, a capa­
cidade subjetiva da mente humana conhecer tal objeto, e a provisão de meios
definidos pelos quais os objetos entram em contato com a mente. Podemos
ilustrar as condições da teologia a partir da selenologia - a ciência, não da
“política lunar”, que de modo tão infundado John S t u a r t M il l pensava perse­
guir, mas da física lunar. A selenologia é possível sob três condições:
1. a existência objetiva da lua; 2. a capacidade subjetiva da mente humana de
conhecê-la; e 3. a provisão de aiguns meios (p.ex ., os olhos e o telescópio)
pelos quais a lacuna entre o homem e a lua se ligam e pelos quais a mente
pode apossar-se do conhecimento verdadeiro dos fatos relativos à lua.
1. Na existência de um Deus que se relaciona com o universo
Tem -se objetado, na verdade, que desde que Deus e estas relações são
objetos apreendidos só pela fé, não são objetos próprios do conhecim ento ou
assuntos próprios da ciência.
Respondemos:
a)
A Fé é conhecim ento e o m ais elevado tipo de conhecim ento. - A ciên­
cia física tam bém se apoia na fé - fé na nossa existência, na existência de um
m undo objetivo e exterior a nós e na existência de outras pessoas além de nós
m esm os; fé nas nossas convicções prim itivas,tais com o espaço, tem po, causa,
substância, desígnio, certeza; fé na confiabilidade das nossas faculdades e no
testem unho dos nossos sem elhantes. N em por isso a ciência física é invalida­
da, porque tal fé, em bora diferente na percepção sensorial ou dem onstração
A ugustus H opkins Strong
24
lógica, é ainda um ato cognitivo da razão e pode ser definido com o certifica­
ção relativa à m atéria em que a verificação é im possível.
A citada e respondida objeção à teologia expressa-se nas palavras de S ir
- “Fé - crença - é o órgão pelo qual
nós apreendemos o que está além do nosso conhecimento”. Mas ciência é
conhecimento e o que está além do nosso conhecimento não pode ser maté­
ria de ciência. O P residente E. G. Robinson diz com precisão que o conheci­
mento e a fé não podem ser separados um do outro, como os compartimen­
tos de um navio, dos quais o primeiro pode ser esmagado enquanto o segundo
ainda mantém o navio flutuando. A mente é uma só, - “ela não pode ser seccionada em duas com uma machadinha”. Fé não é antítese do conhecimento, eia é um tipo maior e mais fundamental de conhecimento. Ela nunca se opõe
à razão, mas apenas à vista. Tennyson estava errado quando escreveu: “Nós
temos somente fé: não podemos conhecer; Porque conhecemos aquilo que
vemos” (In Memoriam, Introd...). Isto tornaria os fenômenos sensitivos os úni­
cos objetos do conhecimento. A fé nas realidades supra-sensíveis, ao contrá­
rio, é o mais elevado exercício da razão.
S ir W illiam H am ilton declara consistentemente que a mais elevada con­
quista da ciência é o levantamento de um altar “Ao Deus Desconhecido”.
Esta, entretanto, não é a representação da Escritura. Cf. Jo. 17.3 - “a vida
eterna é esta, que te conheçam a ti como único verdadeiro Deus”; e Jr. 9.24 - “o
que se gloriar glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor”.
Para a crítica de Ham ilton, ver H. B. Smith, Faith and Philosophy, 297-336.
F ichte: “Nós nascemos na fé”. Até mesmo Goethe se dizia alguém que crê
nos cinco sentidos. B a lfo u r, Defense o f Philosophic Doubt, 2 7 7 -2 9 5 , mostra
que as crenças intuitivas nas categorias de espaço, tempo, causa, substân­
cia, justiça pressupõem uma aquisição de todo o conhecimento. Dove, Logic
of the Christian Faith , 14 - “S e se deve destruir a teologia porque parte de
termos e proposições primárias, deve-se, então, proceder de igual modo com
todas as ciências”. M ozley, Miracles, define fé como a “razão não verificável”.
W illia m Ham ilton, Metaphysics , 44, 531
b)
A fé é um conhecim ento condicionado pelo sentim ento santo. - A fé que
apreende o ser divino e sua obra não é opinião ou im aginação. É certeza rela­
tiva às realidades espirituais sobre o testem unho da nossa natureza racional e
sobre o testem unho de Deus. Sua única peculiaridade com o ato cognitivo da
razão é que está condicionado ao sentim ento santo. Com o a ciência da estética
é produto da razão incluindo o poder de reconhecer o belo praticam ente inse­
parável do am or ao belo e com o a ciência da ética é produto da razão incluin­
do o poder de reconhecer o m oralm ente correto praticam ente inseparável do
am or ao m oralm ente correto, assim a ciência da teologia é produto da razão,
m as da razão que inclui o poder de reconhecer o Deus, que é praticam ente
inseparável do am or a Deus.
Empregamos aqui o termo “razão" para significar a força total do conheci­
mento. Razão, neste sentido, inclui o estado de sensibilidade desde que seja
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
25
-.dispensável ao conhecimento. Não podemos conhecer uma laranja só de
olhá-la; para entendê-la, é tão necessário saboreá-la como vê-la. A matemá::ca do som não pode dar-nos entendimento da música; é necessário também
ouvi-la. Só a lógica não pode demonstrar a beleza do pôr do sol, ou de um
caráter nobre; o amor ao belo e à justiça antecede o conhecimento do belo e
da justiça. Ullm an chama a atenção para a derivação de sapientía, sabedoria,
de sapere, saborear. Não podemos conhecer Deus só pelo intelecto; o cora­
ção deve acompanhar o intelecto a fim de possibilitar o conhecimento das
coisas divinas. “As coisas humanas”, diz P ascal, só precisam ser conhecidas
para serem amadas; mas as coisas divinas primeiro precisam ser amadas
para serem conhecidas”. “Esta fé [religiosa] do intelecto”, diz Kant, “funda­
menta-se na aceitação do temperamento moral”. S e alguém fosse totalmente
indiferente às leis morais, continua o filósofo, até mesmo as verdades religio­
sas “teriam o apoio dos fortes argumentos da analogia, mas, do mesmo modo
que o coração obstinado, o cético não poderia conquistá-las”.
A fé, então, é o mais elevado conhecimento porque é a ação integral da
alma, a perspicácia, não somente de um olho, mas dos dois olhos da mente,
do intelecto e do amor a Deus. Com um olho podemos ver um objeto plano,
mas, se quisermos vê-lo como um todo e captar o efeito estereótipo, deve­
mos empregar ambos os olhos. Não é o teólogo, mas o astrônomo não devo­
to que tem a ciência caolha e, portanto, incompleta. Os erros do racionalista
são os da visão defeituosa. O intelecto tem-se divorciado do coração, isto é,
da disposição correta, das afeições corretas e do propósito correto da vida.
O intelecto diz: “Não posso conhecer Deus”; e o intelecto está certo. O que o
intelecto diz, a Escritura também o diz: 1 Co. 2 .14 - “O homem natural não
compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e
não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente”; 1.21 - “na
sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus”.
Por outro lado, a Escritura declara que “pela fé, entendemos” (Hb. 11.3).
Para a Escritura a palavra “coração” significa tão somente a disposição
governante ou sensibilidade + vontade; e ela indica que o coração é um órgão
do conhecimento: Ex. 35.25 - “mulheres que eram sábias de coração”;
SI. 34.8 - “provai e vede que o Senhor é bom” = o provar vem antes do ver;
Jr. 24.7 - “Dar-lhes-ei um coração para que me conheçam”; Mt. 5.8 - “Bemaventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus”; Lc. 24.25 “tardos de coração para conhecer”; Jo. 7.17 - “S e alguém quiser fazer a von­
tade dele, pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus ou falo de mim
mesmo”; Ef. 1 . 1 8 - “tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para
que saibais”; 1 Jo. 4.7,8 - “qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a
Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus”.
c) Portanto, a fé, e só a fé pode fornecer o m aterial adequado e suficiente
para um a teologia científica. - Com o um a operação da m ais elevada natureza
racional do hom em , em bora distinta da visão ocular ou do raciocínio, a fé é o
m ais elevado tipo de conhecim ento. E la nos dá o entendim ento que só pelos
sentidos seria inacessível, a saber, a existência de Deus e ao m enos algumas
das relações entre D eus e a sua criatura.
26
A ugustas H opkins Strong
P hillipp i, Glaubenslehre, 1.50, seg ue G e rh a rd , ao to rn a r a fé um ato c o n ­
ju n to do in te le cto e da von tade . Hopkins, Outline Study of Man, 77,78, fa la não
só da “razão e sté tica ” , m as da “ razão m ora l” . M urphy, Scientific Bases of Faith,
91, 109, 145, 191 - “Fé é a certeza a respeito daquilo em que é impossível a
verificação”. Emerson, Essays, 2.9 6 - “A crença consiste em aceitar as afir­
mações da alma - a descrença em rejeitá-las”. M o r e ll, Philos. of Religion,
38 ,5 2 ,5 3 , cita C o lle rid g e : “A fé consiste na síntese da razão e da vontade do
indivíduo, ... e em virtude daquela (isto é, da razão), a fé deve ser uma luz,
uma forma de conhecimento, uma contemplação da verdade”. A fé, então,
não deve ser representada como uma menina cega apegada a uma cruz - a
fé não é cega - “Doutra forma a cruz pode muito bem ser um crucifixo ou uma
imagem de Gautama”, “A cega descrença”, não a fé cega, “sem dúvida deve
errar, e esquadrinhar suas obras em vão”. Como na consciência reconhece­
mos uma autoridade invisível, conhecemos a verdade em exata proporção
com o nosso desejo de “praticar a verdade”, assim na religião só a santidade
pode conhecer a santidade e só o amor pode entender o amor (cf. Jo. 3.21 “quem pratica a verdade vem para a luz”).
S e um estado correto do coração for indispensável à fé bem como o
conhecimento de Deus, pode haver qualquer “ theologia irregenitorum”, ou
teologia dos irregenerados? Sim, respondemos; do mesmo modo que um
cego pode ter uma ciência da ótica. O testemunho dos outros dá sua reivindi­
cação a ele; a obscura luz que penetra a obscura membrana corrobora este
testemunho. O irregenerado pode conhecer a Deus como poder e justiça, e
temê-lo. Mas isto não é o conhecimento do mais íntimo caráter de Deus; ele
fornece um certo material para uma teologia defeituosa ou desproporcional;
mas não fornece material suficiente para uma correta teologia. Como, para
tornar esta ciência da ótica satisfatória e completa, um oftalmologista compe­
tente deve remover a catarata dos seus olhos, assim, para qualquer teologia
completa ou satisfatória, é preciso que Deus lhe retire o véu do coração
(2 Co. 3 .15 ,16 - “o véu está posto no coração deles. Mas, quando [marg. ‘os
homens’] se converterem ao Senhor, o véu se tirará”).
A nossa doutrina da fé é o conhecimento e o mais elevado de todos; deve
distinguir-se do de Ritschl, cuja teologia é um apelo ao coração para a exclu­
são da cabeça - para a fiducia sem notitia. Mas fiducia inclui notitia ; doutra
forma é cega, irracional e anticientífica. R o b e rt B ro w n in g igualmente caiu num
profundo erro especulativo quando, para comprovar sua fé otimista, estigma­
tizou o conhecimento humano como simplesmente aparente. O apelo tanto
de R its c h l como de B row nin g da cabeça para o coração deve mais ser um
apelo do mais estreito conhecimento do simples intelecto para o maior
conhecimento condicionado à correta afeição.
2. Na capacidade humana de conhecer Deus
Porém tem -se argum entado que tal conhecim ento é impossível pelas seguin­
tes razões:
A) Podem os conhecer apenas os fenôm enos.
T e o l o g i a S is t e m á t i c a
27
Respondemos:
á) Com o conhecem os os fenôm enos físicos assim tam bém conhecem os os
m entais, b) C onhecendo os fenôm enos, quer físicos, quer m entais, conhece­
mos a substância subjacente aos fenôm enos, m anifestada através deles e que
constitui a base de sua unidade, c) A nossa m ente traz à observação do fenô­
m eno não só o conhecim ento da substância, m as tam bém de tem po, de espaço,
de causa e de justiça, realidades que em nenhum sentido são fenom enais. Por­
que estes objetos do conhecim ento não são fenom enais, o fato de que Deus
não é fenom enal não nos im pede de conhecê-lo.
Não precisamos aqui determinar o que é substância. Quer sejamos realis­
tas ou idealistas, somos compelidos a admitir que não pode haver fenômenos
sem os númenos, não pode haver aparências, não pode haver qualidades
sem algo que seja qualificado. Este algo que serve de base ou está sob a
aparência ou qualidade chamamos substância. Em nossa filosofia somos mais
iotzeanos do que kantianos. Dizer que não conhecemos o eu, mas apenas as
suas manifestações no pensamento, é confundir o eu com o seu pensamento
e ensinar psicologia sem alma. Dizer que de modo nenhum conhecemos o
mundo exterior, mas apenas as suas manifestações nas sensações, é ignorar
o princípio que liga tais sensações; porque, sem algo a que as qualidades
são inerentes, elas não têm base alguma para sua unidade. De igual modo,
dizer que não conhecemos nada de Deus a não ser suas manifestações, é
confundir Deus com o mundo e praticamente negar que haja Deus.
S tã h lin , em sua obra sobre K ant, Lotze e R its c h l, 18 6 -19 1,218 ,219 , diz
com precisão que “a limitação do conhecimento dos fenômenos envolve, na
teologia, a eliminação de todas as reivindicações do conhecimento dos obje­
tos da fé cristã como são em si mesmas”. Esta crítica, com justiça, põe na
mesma classe R its c h l junto com K an t, ao invés de pô-los com L o tze que
sustenta que, conhecendo os fenômenos, conhecemos também os númenos
manifestos neles. Conquanto R its c h l professe seguir Lotze, toda a tendência
da sua teologia caminha na direção da identificação kantiana do mundo com
as nossas sensações, a mente com os nossos pensamentos e Deus, com
atividades tais que lhe são peculiares como nós as percebemos. Nega-se a
natureza divina, independente das suas atividades, o Cristo preexistente, a
Trindade imanente. Afirmações de que Deus é amor e paternidade conscien­
te de si mesmo tornam-se juízos de valor meramente subjetivo.
Admitimos que conhecemos Deus só até onde as suas atividades o reve­
lam e até onde as nossas mentes e corações são receptivos à sua revelação.
Deve-se exercer o conjunto de faculdades apropriadas - não as matemáti­
cas, as lógicas ou as que se referem à prudência, mas a ética e a religiosa.
Ritschl tem o mérito de reconhecer a razão prática da especulativa; seu erro
não consiste em reconhecer que, quando usamos adequadamente os pode­
res do conhecimento, tomamos posse não simplesmente da verdade subjeti­
va, mas também da objetiva e não somente entramos em contato com as
atividades de Deus, mas com o próprio Deus. Os juízos religiosos normais,
embora dependam das condições subjetivas, não são apenas “juízos de
28
A ugustus H opkins Strong
mérito”, ou “juízos de valor”, - elas nos fornecem o conhecimento das “próprias
coisas”. Edw ard C aird diz do seu irmão John C aird (Fund. Ideas of Chrístianity,
Introd... cxxi) - “A pedra fundamental da sua teologia é a convicção de que se
pode conhecer e conhece-se a Deus e de que, no sentido mais profundo,
todo o nosso conhecimento é o dele”.
O fenomenalismo de R its c h l está aliado ao positivismo de Comte, que
considera todo o assim chamado conhecimento de outro tipo que não sejam
os objetos fenomenais puramente negativos. A expressão “Filosofia Positiva”
na verdade implica que todo o conhecimento da mente é puramente negativo;
ver Comte, P os. Philosophy, tradução de M artin ea u, 26,28,33 - “Para obser­
var o vosso intelecto deveis fazer uma pausa nas atividades - embora quei­
rais observar essa mesma atividade. S e não puderdes fazer a pausa, não
podereis observar; se a fizerdes, nada há a observar”. Dois fatos refutam este
ponto de vista: 1) a consciência e 2) a memória; porque a consciência é o
conhecimento do eu ao lado do conhecimento dos seus pensamentos e a
memória é o conhecimento do eu ao lado do conhecimento do passado dela.
Os fenômenos são “fatos, distintos da sua base, princípio, ou lei”; “não se
percebem os fenômenos nem as qualidades, como tais, mas os objetos, as
percepções, ou os seres; e é por um pensamento posterior ou por um reflexo
que estes se ligam como qualidades e são tidos como substâncias”.
Os fe n ô m e n o s p o de m s e r in te rio re s , /'.e., p e n s a m e n to s ; n e ste caso, o
nú m en o é a m e n te cu ja s m a n ife sta çõ e s sã o os p e n sa m e n to s. P or o u tro lado,
os fe n ô m e n o s po de m se r e xte rio re s, e.g., a cor, a du reza , a form a, o ta m a ­
nho; ne ste caso, o n ú m en o é a m atéria, c u ja s q u a lid a d e s são as m a n ife sta ­
çõe s. M as as qu a lid a d e s, q u e r m entais, q u e r m a te ria is, im p lica m a existê n cia
de um a su b s tâ n c ia a que p e rte n ce m ; não se p o d e co n c e b ê -la s com o um a
e xistê n cia a p a rte da su b stâ n cia , m ais do que co m o um la do su p e rio r de um a
tá b u a a ssim co m o não se p o d e co n c e b ê -la s co m o e x is te n te s sem um lado
inferior; ver M artineau, Types of Ethical Theory, 1 .4 5 5 ,4 5 6 - “A s u p o siçã o de
C om te de que a m en te não p o de c o n h e c e r a si m e sm a ou os seu s estados
o p õ e -se à de K ant, de q u e a m e n te n a d a p o d e c o n h e c e r a não s e r a si m e s­
ma. ... É e xa ta m e n te p o rqu e to d o o co n h e c im e n to ve m dos re la cio n a m e n to s
q u e ele não ve m e nem p o d e v ir só dos fe n ô m e n o s. O a b so lu to não pode se
co n h e cid o p er se po rqu e, ao s e r co n h e cid o , ele se re la c io n a ria ipso facto e
não m ais se ria ab soluto. M as nem o e le m e n to fe n o m e n a l po de s e r co n h e cid o
per se, i. e., com o fe n o m e n a l, se m a c o g n iç ã o sim u ltâ n e a do que é o não
fen o m e n a l” . M cCosh, Intuitions, 138-154, e sta belece as c ara te rísticas das s u b s­
tân cias com o 1) ser, 2) poder, 3) perm anecer. Diman, Theistic Argument, 337,363
- “A te o ria que re je ita D eus, re je ita o m un do e x te rio r e a e xistê n cia da a lm a ” .
C o n h e ce m o s alg o além dos fe n ô m e n o s, a saber, lei, cau sa, fo rça , - ou não
p o d e m o s te r ciê ncia .
B) Porque só podem os conhecer o que tem analogia com a nossa natureza
ou experiência.
Respondemos: d) P ara o conhecim ento não é essencial que haja sem e­
lhança de natureza entre conhecedor e conhecido. C onhecem os tanto pela
diferença com o pela sem elhança, b) N ossa experiência passada, apesar de
T e o l o g i a S is t e m á t i c a
29
facilitar grandem ente novas aquisições, não é a m edida do nosso conhecim ent : possível. Se assim fosse, seria inexplicável o prim eiro ato de conhecim ento
e toda a revelação dos m ais elevados caracteres até os m enores seria excluída
assim com o todo o progresso no conhecim ento que ultrapassa o nosso presen­
te conhecim ento, c) M esm o que o conhecim ento dependesse da sem elhança
entre a natureza e a experiência, poderíam os conhecer Deus, visto que somos
feitos à sua im agem e há importantes analogias entre a natureza divina e a nossa.
a) O dito de Empédocles, “Similia similibus percipiuntur”, deve ser suple­
mentado por um outro: “Similia dissimilibus percipiuntur”. Mas conhecer é dis­
tinguir, e deve haver um contraste entre os objetos a fim de nos despertar a
atenção. Deus conhece o pecado, embora este seja a antítese do seu santo
ser. O eu conhece o não-eu. Não podemos conhecer até mesmo o eu sem
considerá-lo objetivamente, distinguindo-o dos seus pensamentos e considerando-o como um outro.
b) Versus H e rb e rt Spencer, First Principies, 79-82 - “Conhecimento é o
reconhecimento e a classificação”. Mas retrucamos que é necessário perce­
ber primeiro uma coisa para reconhecê-la, ou compará-la com outra; e isto é
verdade, tanto a respeito da primeira sensação como da última e as mais
definidas formas de conhecimento; na verdade, não há nenhuma sensação
que não envolva, como complemento, ao menos uma percepção incipiente.
c) P o r te r, Human Intellect, 486 - “A indução só é possível baseada na
suposição de que o intelecto do homem é um reflexo do divino, ou que o
homem é feito à imagem de Deus”. Note, contudo, que o homem é feito à
imagem de Deus, e não Deus à imagem do homem. A pintura é a imagem
paisagística, não o contrário a paisagem, a imagem da pintura; porque há
muito na imagem que não tem nada que corresponda a ela na pintura.
A idolatria perversamente faz Deus à imagem do homem e deifica as fraque­
zas das impurezas do homem. A Trindade em Deus pode não ter a exata
contrapartida na atual constituição do homem, embora possa descortinar-nos
o objetivo do desenvolvimento futuro do homem e o sentido da crescente
diferenciação das forças do homem. G o re , Incarnation, 116 - “S e o antropomorfismo aplicado a Deus é falso, ainda o teomorfismo aplicado ao homem é
verdadeiro; o homem é feito à imagem de Deus, e as suas qualidades não são,
a medida das divinas, mas a contrapartida destas e a verdadeira expressão”.
C)
Porque conhecem os apenas aquilo que podem os conceber, no sentido
de form ar um a im agem m ental adequada.
Respondemos: d) É verdade que conhecem os só aquilo que podem os con­
ceber se pelo term o “conceber” significam os nossa distinção entre o pensa­
m ento do objeto conhecido e os dem ais objetos. M as b) a objeção confunde
concepção com o que é m eram ente seu acessório ocasional e auxílio, a saber,
o quadro que a im aginação faz do objeto. N este sentido, não é teste final da
verdade, c) Torna-se claro que a form ação de um a im agem m ental não é
30
A ugustus H opkins Strong
essencial à concepção ou ao conhecim ento, quando lem bram os que, de fato,
tanto concebem os com o conhecem os m uitas coisas de que não podem os for­
m ar im agem m ental seja ela qual for e que em nada corresponde à realidade;
por exem plo: força, causa, lei, espaço, nossas próprias m entes. Assim pode­
m os conhecer D eus apesar de que não podem os form ar im agem m ental ade­
quada a respeito dele.
A objeção aqui refutada se expressa mais claramente nas palavras de
25-36, 98 - “A realidade subjacente às apa­
rências é total e permanentemente inconcebível por nós”. M ansel, Prolegomena Logica, 77,78 (cf.. 26) sugere que a fonte deste erro encontra-se num
ponto de vista falho da natureza do conceito: “A primeira caraterística distinti­
va de um conceito, a saber, que não pode por si mesmo ser descrito no sen­
tido e na imaginação”. P o r te r, Human Intellect, 392 (vertb. 429,656) - “Con­
ceito não é uma imagem mental” - só a percepção o é. Lotze: “De um modo
geral não se representa a cor através de qualquer imagem; ela não se apre­
senta nem verde nem vermelha, mas não tem qualquer caraterização”. O cava­
lo, genericamente, não tem uma cor particular, embora individualmente pos­
sa ser preto, branco ou baio. S ir W illia m H a m ilto n fala das “noções de
inteligência impossíveis de ser representadas em pintura”.
M artineau, Religion and Materialism, 39,40 - “Esta doutrina da Nesciência
encontra-se na mesma relação com o poder causai, quer você a construa
com o Poder Material, quer com a Atuação Divina. Nem pode ser observada',
deve-se aceitar um ou outro. S e você admite para a categoria do conheci­
mento o que se aprende a partir da observação, seja particular, seja genera­
lizada, então se trata de uma Força desconhecida; se você amplia a palavra
ao que é importado pelo próprio intelecto em nossos atos cognitivos, para
torná-los assim, então se conhece Deus”. A matéria, o éter, a energia, o pro­
toplasma, o organismo, a vida, - nenhum deles pode ser retratado para a
imaginação; contudo, o S r. Spencer os trata como objetos da Ciência. S e não
são inescrutáveis, por que ele considera inescrutável a Força que dá unidade
a todas estas coisas?
N a ve rd a d e , H e rb e rt S pencer não é co e re n te c o n s ig o m esm o , pois, em
H e rb e rt Spencer, First Principies,
diversas partes dos seus escritos, ele cha m a Realidade inescrutável dos fenô­
m en os a E xistê n cia A b so lu ta , P o d e r e C a u s a unas, ete rn a s, u b íqua s, in fin i­
tas, últim as. “ P a re ce ” , diz o P adre D a lg a irn s, “que se co n h e ce m uita coisa do
D e s c o n h e c id o ” . Chadwick, Unitaríanism , 75 - “A p o b re e x p re ssã o ‘D e sco n h e ­
c id o ’ to rn a -se , d e p o is das re p e tid a s d e s ig n a ç õ e s de Spencer, tão rica com o
to d o o co n h e c im e n to s a lv a d o r de C re so ” . M atheson: “S a b e r qu e n a da sa b e ­
m os já s ig n ific a te r c h e g a d o a um fa to do c o n h e c im e n to ” . S e o S r. Spencer
p re te nd ia e xclu ir Deus do reino do C o nh ecim e nto, d e v ia prim eiro tê-lo excluído
do reino da E xistên cia ; po rq u e a d m itir que ele é, já é a d m itir que nós não
p o d e m o s co n h e cê -lo , m as, na verd ad e, em ce rto po n to , nós o co n h e ce m o s.
D)
Porque podem os conhecer, na verdade, só o que conhecem os no todo,
não em parte.
T e o l o g i a S is t e m á t ic a
31
Respondem os: a) A objeção co n fu n d e co n h ecim en to parcial com o
conhecim ento de um a parte. C onhecem os a m ente em parte, m as não conhe­
cem os um a parte da m ente, b) Se a objeção fosse válida, nenhum conhecim en­
to real de qualquer coisa seria possível, visto que não conhecem os um a só
coisa em todas as suas relações. C oncluím os que, em bora Deus não seja for­
m ado de partes, podem os ainda ter um conhecim ento parcial dele e tal conhe­
cim ento, em bora não exaustivo, pode ser real e adequado aos propósitos da
ciência.
a) A objeção mencionada no texto é estimulada por M ansel, Limits of
Religious Thought, 97, 98 e é M artineau, Essays, 1.291 quem a responde.
A mente não existe no espaço e não tem partes: não podemos falar do seu
quadrante sudoeste, nem podemos dividi-la em metades. Contudo, encontra­
mos o material para a ciência mental no conhecimento parcial da mente.
Assim, conquanto não sejamos “geógrafos da natureza divina” ( B o w n e , Review
of Spencer, 72), podemos dizer com Paulo, não que “agora conhecemos uma
parte de Deus”, mas que “agora conheço [Deus] em parte” (1 Co. 13.12).
Podemos conhecer verdadeiramente o que não conhecemos exaustivamen­
te; ver Ef. 3 . 1 9 - “conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento”.
Não me entendo perfeitamente, contudo me conheço em parte; assim posso
conhecer a Deus, apesar de não entendê-lo perfeitamente.
b) O mesmo argumento que prova que Deus é incognoscível prova tam­
bém que também o mundo o é. Visto que todas partículas da matéria atraemse mutuamente, nenhuma delas pode ser explicada exaustivamente sem
levar em conta as demais. Thomas C a rly le : “É um fato matemático que o lan­
çamento desta pedra da minha mão altera o centro de gravidade do universo”.
Tennyson, Higher Pantheism: “Flor na parede rachada, eu a arranco das
rachaduras; / Segure-se aqui, raiz e tudo, na minha mão, ó florzinha, porém
não posso entender / O que é você, raiz e tudo, e em tudo, / Devo conhecer
o que Deus é e o que é o homem”. Schurman, Agnosticism, 119 - “Mesmo
parcial como é, esta visão do elemento divino transfigura a vida do homem
sobre a terra”. P fle id e re r, Philos. Religion, 1.1 67 - “O agnosticismo de cora­
ção fraco é pior que o arrogante e titânico gnosticismo contra o qual ele pro­
testa”.
E)
Porque todos os predicados de Deus são negativos e, por isso, não for­
necem conhecim ento real. R espondem os: a ) Os predicados derivados da nos­
sa consciência, tais com o, espírito, am or e santidade são positivos, b) Os ter­
m os “infinito” e “absoluto” , contudo, expressam não m eram ente um a idéia
negativa, mas positiva, - a idéia, naquele caso, da ausência total de limite, a
idéia de que o objeto assim descrito continua e continua sem pre; a idéia, neste
caso, de inteira auto-suficiência. Porque os predicados de Deus, portanto, não são
m eram ente negativos, o argum ento acim a m encionado não fornece nenhum a
razão válida por que não podem os conhecê-lo.
32
A ugustus H opkins Strong
Versus S ir W illiam Ham ilton, Metaphysics, 530 - “O absoluto e o infinito
podem ser concebidos somente com a negação do objeto do pensamento;
a saber, de qualquer modo não temos em outras palavras nenhuma a con­
cepção do absoluto e do infinito”. Ham ilton aqui confunde o infinito, ou ausên­
cia de todos limites, com o indefinido, ou a ausência de todos limites conheci­
dos. Per contra, ver C a ld e rw o o d , Moral Philosophy, 248, e Philosophy of the
Infinite, 272 - “A negação de uma coisa só é possível através da afirmação de
outra”. P o r te r , Human Intellect, 652 - S e os moradores da Ilha de Sandwich,
por falta de nome, tinham chamado o boi de não porco (not-hog), o emprego
de um nome negativo não autoriza necessariamente a inferência de falta de
concepções definidas ou conhecimento positivo”. Deste modo com o infinito,
ou não finito, o incondicionado ou não condicionado, o independente, ou não
dependente, - estes nomes não implicam que não podemos conceber e
conhecer como algo positivo. Spencer, First Principies, 92 - “O nosso conhe­
cimento do Absoluto, embora indefinido, não é negativo, mas positivo”.
Schurman, Agnosticism, 1 00, fala da “farsa da nesciência atribuindo à onisciência os limites da ciência”. “O agnóstico”, diz ele, “erige o quadro invisível
de um Grand Être, sem forma e sem cor, separado de modo absoluto do
homem e do mundo - branco interiormente e vazio por fora - com sua exis­
tência indistinguível da sua não existência e, curvando-se diante da criação
idólatra, derrama a sua alma em lamentações sobre a incognoscibilidade de
tal mistério e pavorosa ausência de identidade. ... A verdade é que se desco­
nhece a abstração agnóstica da Deidade, porque tal abstração é irreal”. Ver
M cC osh, Intuitions, 194, nota; M iv a rt, Lessons from Nature, 363. Deus não é
necessariamente infinito em todos aspectos. Ele só é infinito em toda a exce­
lência. Um plano ilimitado em um aspecto de comprimento pode ser limitado
em outro aspecto, como, por exemplo, a respiração. A nossa doutrina aqui
não é, por isso, inconsistente com o que se segue de imediato.
F)
Porque conhecer é lim itar ou definir. P or isso o A bsoluto com o ilim ita­
do e o Infinito com o indefinido não pode ser conhecido. R espondem os:
a) D eus é absoluto, não com o existindo sem nenhum a relação, mas com o exis­
tindo sem nenhum a relação necessária; e b ) D eus é infinito, não excluindo
toda a coexistência do finito com ele m esm o, m as com o a base do finito, e
assim , não algem ado por ele. c) Deus, na verdade, está lim itado pela im utabi­
lidade de seus atributos e distinções pessoais bem com o pela auto-escolha das
suas relações com o universo que ele criou e com a hum anidade na pessoa de
Cristo. Portanto, Deus se lim ita e se define no sentido de tornar possível o
conhecim ento dele.
Versus M ansel, Limitations ofReiigious Thought, 75-84, 93-95; cf. Spinoza:
“Omnis determinatio est negatio"; por isso definir Deus é negá-lo. Responde­
mos, entretanto, que a perfeição é inseparável da limitação. O ser humano
pode ser um outro além do que é: com Deus não acontece isso, ao menos
interiormente. Mas tal limitação inerente em seus imutáveis atributos e distin­
T e o l o g i a S is t e m á t i c a
33
ções pessoais, é a perfeição de Deus. Exteriormente, todas limitações sobre
Deus são auto-limitações e, portanto consistentes com a sua perfeição. Esse
Deus não deve ser capaz de limitar-se na criação e a redenção tornaria todo
o seu sacrifício impossível e o sujeitaria à maior das limitações. Pelo exposto
podemos dizer que 1. A perfeição de Deus envolve sua limitação a) a pessoalidade, b) à Trindade, c) à retidão; 2. A revelação de Deus envolve sua autolimitação a) no decreto, b) na criação, c) na preservação, d) no governo, e) na
educação do mundo; 3. A redenção envolve sua infinita auto-limitação a) na
pessoa e b) na obra de Jesus Cristo.
Bowne, Philos. of Creation, 135 - “O infinito não é o todo quantitativo; o
absoluto não é o não relacionado ... Tanto o absoluto como o infinito signifi­
cam apenas a base independente das coisas”. J u liu s M ü lle r , Doct. of Siri,
Introd..., 10 - “A religião tem a ver não com um Objeto que deve ser por si
mesmo conhecido porque da sua própria existência é contingente em
ser conhecido, mas com o Objeto com que nos relacionamos, na verdade,
submissos, na dependência dele e no aguardo da sua manifestação”. James
M artineau, Study of Religion, 1.346 - “Não devemos confundir o infinito com o
total. ... A abnegação própria da infinitude é tão somente a forma de autoafirmação e a única em que ela pode revelar-se. ... Embora o pensamento
onisciente seja instantâneo, embora certa a força onipotente, sua execução
tem de ser distribuída no tempo e deve ter uma ordem de passos sucessivos;
em outros termos, o eterno pode tornar-se temporal e o infinito falar articuladamente no finito”.
A pessoalidade perfeita exclui não a determinação própria, mas a que
vem de fora através de um outro. As auto-limitações de Deus são as do amor
e, consequentemente, as evidências da sua perfeição. São sinais não de fra­
queza, mas de poder. Deus limitou-se ao método da evolução desenvolven­
do-se gradualmente na natureza e na história. O governo dos pecadores por
um Deus santo envolve constante auto-repressão. A educação da raça é um
longo processo de abnegação divina. H e rd e r: “As limitações do aluno são
também as do mestre”. Na inspiração, Deus se limita através do elemento
humano por quem ele opera. Sobretudo, na pessoa e obra de Cristo, temos
infinita auto-limitação: A infinitude se estreita até na encarnação e a santida­
de suporta as agonias da Cruz. As promessas de Deus são também autolimitações. Deste modo tanto a natureza como a graça são restrições impos­
tas a si mesmo por Deus e são os recursos através dos quais ele se revela.
G)
Porque todo o conhecim ento é relativo ao agente conhecedor; isto é, o
que conhecem os, conhecem os, não com o é objetivam ente, m as só no que se
relaciona com nossos sentidos e faculdades. R espondem os: d) Adm itim os que
podem os conhecer só o que se relaciona com as nossas faculdades. M as isto
som ente eqüivale a dizer que conhecem os só aquilo que vem ao nosso contato
m ental, isto é, conhecem os apenas o que conhecem os. M as b) negam os que
conhecem os aquilo que vem ao nosso contato m ental com o outra coisa além
do que é. Até onde conhecem os, conhecem os com o é. Em outras palavras, as
leis do nosso conhecim ento não são m eram ente arbitrárias e regulativas, mas
34
A ugustus H opkins Strong
correspondem à natureza das coisas. C oncluím os que, em teologia, tem os a
garantia de adm itir que as leis do nosso pensam ento são as leis do pensam ento
de Deus e que os resultados do pensam ento norm alm ente conduzido em rela­
ção a Deus correspondem à realidade objetiva.
Versus S ir W illiam Hamilton, Metaph., 96-116 e H e rb e rt Spencer, First Prin­
cipies, 68-97. Esta doutrina da relatividade deriva de Kant, que, na Crítica da
Razão Pura, sustenta que os juízos a priori são somente “reguladores”. Res­
pondemos, entretanto, que, quando se acha que as crenças primitivas são
apenas reguladoras, elas deixam de regulamentar. As formas de pensamento
são também fatos da natureza. Diferentemente do vidro de um caleidoscópio,
a mente não fornece as formas; ela reconhece que estas têm existência exte­
rior a ela mesma. A mente lê as suas idéias não rumo ao interior da natureza,
mas nela. Nossas intuições não são lentes verdes que fazem o mundo todo
parecer verde: são lentes de um microscópio, que nos capacitam a ver o que
é objetivamente real (Royce, Spirit of Mod. Philos., 125). K a n t chamava o
nosso entendimento de “legislador da natureza”. Mas isto é verdade, só como
descobridor das suas leis, não como seu criador. A razão humana impõe as
suas leis e formas sobre o universo; mas, fazendo isso, ela interpreta o senti­
do real dele.
Ladd, Philos. of Knowledge: “Todo juízo implica uma verdade objetiva
segundo a qual julgamos e que constitui o padrão e com a qual temos algo
em comum, /.e., as nossas mentes são parte de uma mente infinita e eterna”.
Aforismo francês: “Quando você está certo, você está mais certo do que pen­
sa estar”. Deus não nos põe em permanente confusão intelectual. Foi debalde que K a n t escreveu “trânsito não impedido” sobre a razão em seu mais
elevado exercício. M artineau, Study of Religion, 1.13 5 ,13 6 - “Bem ao contrá­
rio da suposição de K a n t de que a mente nada pode conhecer além de si
mesma, podemos estabelecer a suposição de Comte, igualmente sem garan­
tia, de que a mente não pode conhecer-se a si mesma ou os seus estados.
Não podemos ter filosofia sem suposições. Você dogmatiza se diz que as
formas correspondem à realidade; mas igualmente você dogmatiza se diz
que não correspondem. ... 79 - Que as nossas faculdades cognitivas corres­
pondem às coisas tais quais são, é muito menos surpreendente do que se
elas correspondem às coisas que não são". W. T. H a rris , in Journ. Spec.
Philos., 1.22, expõe as contradições próprias de Spencer: “Todo o conheci­
mento não é absoluto, mas relativo; nosso conhecimento deste fato, entretan­
to, não é relativo, mas absoluto”.
R its c h l, Justification and Reconciliation, 3.16-21, estabelece limites, com
uma correta afirmação da natureza do conhecimento, e adere à doutrina de
L o tze, distinta da de K a n t. A declaração de R its c h l pode resumir-se da
seguinte maneira: Tratamos, não do Deus abstrato da metafísica, mas do
Deus que a si mesmo se limitou e se revela em Cristo. Não conhecemos ou
as coisas, ou Deus independentemente dos seus fenômenos ou manifesta­
ções, como imaginava P la tã o ; não conhecemos os fenômenos ou manifesta­
ções sozinhos, sem conhecer as coisas ou Deus, como supunha K ant; mas,
na verdade, conhecemos tanto as coisas como Deus nos fenômenos e mani-
T e o l o g ia S i s t e m á t i c a
35
'estações, como ensinava L o tz e . Não sustentamos a união mística com Deus,
:endo como retaguarda toda a experiência religiosa, como ensina o Pietismo;
a alma está sempre e somente em atividade e a religião é a atividade do
espírito humano no qual o sentimento, o conhecimento e a vontade combi­
nam-se numa ordem inteligível”.
Porém o Dr. C. M. M e a d , Ritschl’s Place in the History of Doctrine, bem
~iostra que R i t s c h l não seguiu L o tz e . Seus “juízos de valor” são apenas uma
aplicação do princípio “regulador” de K a n t à teologia. Ele sustenta que pode­
mos conhecer as coisas não como são em si mesmas, mas só como se nos
apresentam. Retrucamos que, o que as coisas são para nós depende do que
são em si mesmas. R i t s c h l considera as doutrinas da preexistência de Cristo,
divindade e expiação como intromissões da metafísica na teologia, matéria a
respeito da qual não podemos conhecer e com a qual nada temos a ver. Não
há propiciação ou união mística com Cristo; e Cristo é o nosso exemplo, mas
não o nosso Salvador expiador. R i t s c h l faz bem em reconhecer que o amor
em nós dá olhos à mente e nos capacita a ver a beleza de Cristo e sua verda­
de. Mas o nosso juízo não é, como ele defende, um juízo de valor meramente
subjetivo, - é uma entrada em contato com o fato objetivo.
3. Xa revelação do próprio Deus
Com o neste lugar não tentam os apresentar um a prova positiva da existên­
cia de D eus ou da capacidade que o hom em tem de conhecer a D eus, assim
não tentam os, por ora, provar que D eus entrou em contato com a m ente hum a­
n a através da revelação. Daqui para frente considerarem os as bases desta crença.
P or ora, nosso alvo é sim plesm ente m ostrar que, adm itindo o fato da revela­
ção, é possível um a teologia científica. Isto tem sido negado nas seguintes
bases:
A)
Que a revelação, com o um processo de to m ar conhecido, é necessaria­
m ente interior e subjetiva - quer seja um m odo de inteligência, quer um des­
pertar das forças cognitivas - e, por isso, não pode fornecer nenhum fato obje­
tivo que constitua m aterial próprio para ciência.
M o r e l l , Philos. fíeligion, 12 8 -13 1,14 3 - “A Bíblia não pode com a estrita
exatidão da língua, ser chamada de revelação, visto que uma revelação sem­
pre implica um verdadeiro processo de inteligência em uma mente viva”.
F. W. N ew m a n, Phases of Faith, 152 - “Nada conhecemos do nosso Deus
moral e espiritual exteriormente - sempre interiormente”. T h e o d o r e P a r k e r :
“A revelação verbal nunca pode comunicar uma simples idéia como a de Deus,
da Justiça, do Amor, da Religião”. Jam es M a rtin e a u , Seat ofAuthority in Religion:
“Tantas mentes quantas existem conhecem a Deus ao primeiro contato, tem
havido tantos atos reveladores e tantos quantos o conhecem indiretamente
são estranhos à revelação”; assim, admitindo que a revelação exterior seja
impossível, M a r tin e a u sujeita todas provas de tal revelação à desleal crítica
destrutiva. P f l e i d e r e r , Philos. Religion, 1 .1 8 5 - “Como toda revelação é origi-
Augustus H opkins Strong
36
nariamente uma experiência de vida interna, o aparecimento da verdade reli­
giosa no coração, nenhum evento pode pertencer de si mesmo à revelação,
independente de ser natural ou sobrenaturalmente ocasionado”. P r o f . G e o r g e
M . F o r b e s : “Nada nos pode ser revelado que não se prenda à nossa razão.
Segue-se que, na medida em que a razão age normalmente, ela é uma parte
da revelação”. R itc h ie , Darwin and Hegel, 30 - “A revelação de Deus é o
desenvolvimento da sua idéia”.
E m resposta a esta objeção, apresentada principalm ente pelos idealistas na
filosofia:
d) A dm itim os que a revelação, para ser eficaz, deve ser o m eio de induzir a
um novo m odo de inteligência, ou, em outras palavras, deve ser entendida.
A dm itim os que este entendim ento das coisas divinas é im possível sem um
despertar das forças cognitivas do hom em . A lém disso, admitimos que a revela­
ção, quando originariam ente transm itida, via de regra era interior e subjetiva.
M a th e s o n , Moments on the Mount, 51-53, sobre Gl. 1.16 - “revelar o seu
Filho em mim”; “A revelação no caminho de Damasco não teria iluminado
Paulo se não fosse somente uma visão dos seus olhos. Nada pode ser reve­
lado para nós que não tenha sido revelado dentro de nós. O olho não vê a
beleza da paisagem, nem o ouvido ouve a beleza da música. Do mesmo
modo a carne e o sangue não nos revelam Cristo. Sem o ensino do Espírito,
os fatos exteriores serão somente como as letras de um livro para uma crian­
ça que não sabe ler”. Podemos dizer com C h a n n in g : “Estou mais certo de que
minha natureza racional vem de Deus mais do que qualquer livro que expres­
se a sua vontade”.
b)
M as negam os que a revelação exterior é, por isso, inútil e im possível.
M esm o que as idéias religiosas surgissem totalm ente de dentro, um a revelação
externa podia despertar os poderes dorm entes da m ente. Contudo, as idéias
não surgem totalm ente de dentro. A revelação exterior pode transm iti-las.
O hom em pode revelar-se através de com unicação exterior e, se Deus tem
poder igual ao do hom em , pode revelar-se de igual m aneira.
Eclipse of Faith, indaga assinaladamente: “S e a
S ra . M o r e ll e a
ensinam através de um livro, não pode Deus fazer o mesmo?”
L o tz e , Microcosm, 2.660 (livro 9, cap. 4), fala da revelação “contida em algum
ato divino, da ocorrência histórica ou repetido continuamente no coração do
homem”. Mas, na verdade, não há nenhuma alternativa aqui; a força do credo
cristão é que a revelação de Deus é tanto exterior quanto interior. R a in y , Criti­
cai Review, 1.1-21, diz com precisão que, sem garantia, M a r tin e a u isola da
alma do indivíduo a testemunha de Deus. As necessidades interiores preci­
sam ser combinadas com as exteriores a fim de assegurar que não se trata
de um capricho da imaginação. É necessário distinguirmos as revelações de
R o g e rs ,
S r a . N ew m an
T e o l o g ia S i s t e m á t ic a
37
Deus das nossas fantasias. Daí, antes de dar-nos o padrão interior, Deus, via
se regra, nos dá o exterior, através do qual testamos nossas impressões.
Somos finitos e pecadores e necessitamos de autoridade. A revelação exterior
recomenda-se como tendo autoridade sobre o coração que reconhece as suas
necessidades espirituais. A autoridade exterior evoca o testemunho interior e
ihe dá maior clareza, mas só a revelação histórica fornece prova inconteste
de que Deus é amor e nos dá a segurança de que os nossos anseios para
com Deus não são vãos.
c) P or isso a revelação de Deus pode ser e, com o verem os daqui em diante,
é. em grande parte, um a revelação exterior em obras e palavras. O universo é
um a revelação de D eus; as obras de D eus na natureza precedem as suas pala­
vras na história. C ontudo, reivindicam os que, em m uitos casos em que se
com unicou a verdade originariam ente de form a interior, o m esm o Espírito
que a com unicou efetuou seu registro exterior, de m odo que a revelação inte­
rior pôde ser transm itida a outros além dos que prim eiro a receberam .
Não devemos limitar a revelação às Escrituras. O Verbo eterno antedatou
a palavra escrita e, através do Verbo eterno, Deus se fez conhecido na natu­
reza e na história. A revelação exterior precede e condiciona a interior.
No tempo certo a terra aparece antes do homem e a sensação antes da per­
cepção. A ação expressa melhor o caráter e a revelação histórica ocorre mais
pelos fatos do que pelas palavras. D o r n e r , Hist. Prot. Theol., 1.231-264 “O Verbo não está apenas nas Escrituras. Toda a criação o revela. Na nature­
za Deus mostra o seu poder; na encarnação a sua graça e verdade. A Escri­
tura dá testemunho delas, mas não é a Palavra essencial. Na verdade, a
Escritura a apreendeu e apropriou quando, nela e através dela vemos o Cris­
to vivo e presente. Ela não só confina a si os homens, mas aponta para Cristo
de quem testifica. Cristo é a autoridade. Nas Escrituras ele nos aponta para si
mesmo e demanda a nossa fé nele. Uma vez gerada esta fé, ela não nos leva
a uma nova apropriação da Escritura, mas à uma nova crítica a respeito dela.
Cada vez mais encontramos Cristo na Escritura e ainda julgamo-la cada vez
mais segundo o padrão que há em Cristo”.
N ew m a n S m ith , Christian Ethics , 71-82: “Há somente uma autoridade-Cris­
to. Seu Espírito opera de muitas maneiras, mas principalmente de duas: pri­
meiro, a inspiração das Escrituras e segundo, a condução da igreja rumo à
verdade. Esta não deve isolar-se ou separar-se daquela. A Escritura é a lei da
consciência cristã, e a consciência cristã no tempo faz a lei voltar-se para a
Escritura - interpretando-a, criticando-a, verificando-a. A palavra e o espírito
respondem um ao outro. A Escritura e a fé são coordenadas. O protestantis­
mo tem exagerado a primeira; o romanismo a segunda. M a r tin e a u deixa de
captar a coordenação entre a Escritura e a fé.”
d) Com este registro exterior tam bém verem os que ocorre sob adequadas
condições a influência especial do Espírito de D eus, de m odo a despertar os
38
A ugustus H opkins Strong
poderes cognitivos que o registro exterior reproduz em nossas mentes as idéias
de que as m entes dos escritores estavam divinam ente cheias.
Podemos ilustrar a necessidade da revelação interna a partir da egiptologia, que é impossível até onde a revelação externa nos hieróglifos não é inter­
pretada; a partir do tique-taque do relógio no escuro compartimento, onde só
a vela acesa capacita-nos a narrar o tempo; a partir da paisagem espalhada
em volta do Rigi na Suíça, invisível até que os primeiros raios do sol toquem
os nevosos picos da montanha. A revelação exterior (çavépcoaiç, Rm. 1.19,20)
deve ser suplementada pela interior (à7toKáXtn(/iç 1 Co. 2.10,12). Cristo é o
órgão da revelação exterior, o Espírito Santo da interior. Em Cristo (2 Co. 1.20)
estão o “sim” e “o Amém” - a certeza objetiva e a subjetiva, a realidade e a
realização.
A certeza objetiva deve tornar-se subjetiva para a teologia científica. Antes
da conversão temos a primeira, a verdade exterior de Cristo; só na conversão
e depois dela passamos a ter a segunda, “Cristo formado em nós” (Gl. 4.19).
Temos a revelação objetiva no Sinai (Ex. 20.22); a revelação subjetiva no
conhecimento que Eliseu teve de Geazi (2 Re. 5.26). Jam es R u s s e l L o w e ll,
Winter Evening Hymn to my Fire: “Por isso, contigo gosto de ler os nossos
bravos poetas antigos: ao teu toque como despertas a Vida nas palavras
secas! Como a correnteza retrocede as sombras do Tempo! e como os lam­
peja ainda pela sua m assa morta o verso incandescente, Como quando
sobre a bigorna do cérebro lança o brilho, ciclopicamente produzido Através
dos velozes malhos latejantes do pensamento do poeta!”
é) As revelações interiores assim registradas e as exteriores assim interpre­
tadas fornecem am bas fatos objetivos que podem servir com o m aterial pró­
prio para a ciência. A pesar de que a revelação, em seu m ais am plo sentido
pode incluir e, constituindo a base da possibilidade da teologia na verdade
inclui, tanto o discernim ento com o a ilum inação, tam bém pode ser em pregada
para denotar sim plesm ente um a provisão dos recursos exteriores do conheci­
m ento e a teologia tem que ver com as revelações interiores só na m edida em
que se expressam neste padrão objetivo ou que concordam com elas.
Já sugerimos aqui o vasto escopo e ainda as insuperáveis limitações da
teologia. Em qualquer lugar em que Deus se revela, quer na natureza, na
história, na consciência, ou na Escritura, a teologia pode encontrar material
para a sua estrutura. Porque Cristo não é somente o Filho de Deus encarna­
do, mas também o Verbo eterno, o único Revelador de Deus, não existe teo­
logia alguma separada de Cristo e toda ela é teologia cristã. A natureza e a
história são apenas mais sóbrios e generalizados descortinos do Ser divino,
de que a Cruz é o clímax e a chave. Deus não tem a intenção de ocultar-se.
Ele quer ser conhecido. Ele se revela em todos os tempos tão plenamente
como a capacidade das suas criaturas o permitem. O intelecto infantil não
pode entender a infinitude de Deus, nem a disposição perversa entender a
T e o l o g ia S i s t e m á t i c a
39
desinteresseira afeição de Deus. Apesar do que, toda a verdade está em
Cristo e está ao dispor do descobrimento pela mente e pelo coração preparados.
O Infinito, em qualquer lugar em que não se revela, sem dúvida é desco"necido do finito. Mas o Infinito, onde quer que se revela, é conhecido. Isto
sugere o sentido das seguintes declarações: Jo. 1 . 1 8 - “Deus nunca foi visto
por alguém. O Filho Unigênito, que está no seio do Pai, este o fez conhecer”;
14.9 - “Quem me vê a mim vê o Pai”; 1 Tm. 6 .16 - “a quem nenhum dos
homens viu, nem pode ver”. É por isso que nós aprovamos a definição de
K a f t a n , Dogmatik, 1 - “A Dogmática é a ciência da verdade cristã crida e
reconhecida na igreja baseada na revelação divina” - até onde ela limita o
escopo da teologia à verdade revelada por Deus e apreendida pela fé. Porém
a teologia pressupõe tanto a revelação externa de Deus, como a interna e
estas, como veremos, incluem a natureza, a história, a consciência e a Escri­
tura.
B)
Que m uitas das verdades assim reveladas são dem asiadam ente indefini­
das para constituir m atéria para ciência porque pertencem à. região dos senti­
m entos, porque estão além do nosso pleno entendim ento, ou porque são destiraídas de um arranjo ordenado.
Respondemos:
d)
A teologia tem que ver com os sentim entos subjetivos só naquilo em que
ro d em ser definidos e apresentados com o efeitos da verdade objetiva na m en­
te. Elas não são m ais obscuras que os fatos da m oral e da psicologia e a m esm a
objeção que excluiria tais sentim entos da teologia tornaria im possíveis estas
ciências.
Ver J a c o b i e S c h le ie r m a c h e r , que consideram a teologia como mero relato
dos sentimentos dos devotos cristãos, em cuja base encontram-se fatos his­
tóricos objetivos, matéria de relativa indiferença (H a g e n b a c h , Hist. Doctrine,
2.401-403). Por isso S c h le ie r m a c h e r chamou seu sistema de teologia “Der
Chrístliche Glaube”, e muitos, a partir da sua época, passaram a chamar os
seus respectivos sistemas pelo nome “Glaubenslehre”. Os “juízos de valor”
de R it s c h l, de igual modo, fazem da teologia uma ciência simplesmente subjeti­
va, se é que se pode ter ciência subjetiva. K a f t a n vai além de R it s c h l , admitin­
do que conhecemos, não só os sentimentos cristãos, mas também os seus
fatos. A teologia é a ciência de Deus e não somente da fé. Em aliança com o
ponto de vista já mencionado encontra-se o de F e u e r b a c h , para quem a reli­
gião é matéria de fantasia subjetiva; e o de T y n d a l l , que remete a teologia à
região da aspiração e do sentimento vago, mas o exclui do reino da ciência.
b) Os fatos da revelação que estão além do nosso pleno entendim ento
podem , com o a hipótese nebular na astronom ia, a teoria atôm ica na química,
ou a teoria da evolução na biologia, fornecer um princípio de união entre as
40
Augustus H opkins Strong
grandes classes de outros fatos irreconciliáveis. Podem os definir nossos con­
ceitos de Deus e m esm o da Trindade ao m enos o suficiente para distingui-los
de outros conceitos; e qualquer que seja a dificuldade que possa em baraçar a
linguagem só m ostra a im portância de tentá-lo e o valor de um sucesso próximo.
H orace B ushnell : “A Teologia nunca pode ser uma ciência em vista da
debilidade da linguagem”. Porém este princípio tornaria vaga tanto a ciência
ética quanto a política. F isher , Nat. and Meth. of Revelation, 145 - “Hume e
Gibbon fazem referência à fé como algo demasiado sagrado para apoiar-se
em provas. Assim as crenças religiosas são feitas para enforcar, suspenso,
sem qualquer apoio. Mas o fundamento destas crenças não é menos sólido
para a razão que os testes empíricos inaplicáveis a elas. Os dados nos quais
se apoiam são reais e, com razão, tiram-se inferências a partir dos dados”.
H odgson , na verdade, destila descontentamento em todo o método intuitivo
ao dizer: “Qualquer coisa que você ignora totalmente, afirma ser a explicação
de todas as outras coisas!” Contudo, é provável qúe admita começar suas
investigações a partir da sua própria existência. Não compreendemos inte­
gralmente a doutrina da Trindade e aceitamo-la, a princípio, apoiados no tes­
temunho da Escritura; a sua prova completa encontra-se no fato de que cada
uma das sucessivas doutrinas da teologia liga-se a ela e com ela permanece
ou cai. A Trindade é racional porque explica a experiência e a doutrina cristãs.
c) M esm o que não houvesse um arranjo ordenado destes fatos, quer na
natureza quer na Escritura, um a cuidadosa sistem atização delas pela m ente
hum ana não se provaria im possível, a não ser que se adm itisse um princípio
que m ostrasse tam bém a im possibilidade de toda a ciência física. A astrono­
m ia e a geologia se constróem reunindo m últiplos fatos que, à prim eira vista,
parecem não ter nenhum a ordem. O m esm o tam bém ocorre com a teologia.
Contudo, apesar de a revelação não nos apresentar um sistem a dogm ático pron­
to, este não está só im plicitam ente contido nisso, m as partes do sistem a se
operam nas epístolas do Novo Testamento, com o por exemplo, em Rm. 5.12-19;
1 Co. 15.3,4; 8.6; 1 Tm. 3.16; Hb. 6.1,2.
Podemos ilustrar a construção da teologia a partir de um mapa dissecado,
do qual um pai reúne duas peças, deixando ao filho a tarefa de reunir as
restantes. Ou podemos ilustrar a partir do universo físico, que, sem pensar,
revela pouco da sua ordem. “A natureza não tem cercas”. Parece que uma
coisa desliza para a outra. A preocupação do homem é distinguir, classificar e
combinar. Orígenes: “Deus nos dá a verdade em simples laçadas, que pode­
mos tecer em uma textura acabada”. A ndrew F uller diz que as doutrinas da
teologia “estão unidas como encadeamento de projéteis, de tal modo que, se
um entra no coração os demais seguem o mesmo caminho”. G eorge H erbert:
“Ah! se eu pudesse combinar todas as tuas luzes, e a configuração da sua
glória; vendo não apenas como brilha cada verso, Mas toda a constelação da
história”!
T e o l o g ia S i s t e m á t ic a
41
A Escritura sugere possibilidades de combinação, em Rm. 5.12-19, com
seu agrupamento de fatos sobre o pecado e a salvação em torno de duas
pessoas: Adão e Cristo; em Rm. 4.24,25, ligando a ressurreição de Cristo à
ro ssa justificação; em 1 Co. 8.6, indicando as relações entre o Pai e Cristo;
em 1 Tm. 3.16, resumindo de forma poética os fatos da redenção; em
-ò . 6.1,2 afirmando os primeiros princípios da fé cristã. O fornecimento de
fatos concretos da teologia por Deus, os quais nós mesmos deixamos de
sistematizar, está em plena concordância com o seu método processual rela­
tivo ao desenvolvimento de outras ciências.
IV. NECESSIDADE DA TEOLOGIA
E sta necessidade baseia-se:
1. No instinto organizador da mente humana
E ste princípio organizador faz parte da nossa constituição. A m ente não
pode co ntinuar suportando a confusão ou aparente contradição nos fatos
conhecidos. A tendência de harm onizar e unificar seu conhecim ento aparece
tão logo a m ente com eça a refletir; na proporção exata dos dotes e cultura é
im pulsionada a sistem atizar e form ular o desenvolvim ento. Isto é verdade em
todos os departam entos da pesquisa hum ana, m as particularm ente no nosso
conhecim ento de Deus. Porque a verdade relativa a Deus é a m ais im portante
de todas, a teologia vai ao encontro da m ais profunda necessidade da natureza
racional do hom em . Se todos sistem as teológicos existentes fossem hoje des­
truídos, novos sistem as surgiriam am anhã. Tão inevitável é a operação desta
lei que os que m ais desacreditam a teologia m ostram que eles têm feito um a
teologia para si m esm os e com freqüência m uito m agra e disparatada. A hos­
tilidade à teologia, onde não origina tem ores equivocados na corrupção da
verdade de Deus, ou na estrutura naturalm ente ilógica do pensam ento, fre­
qüentem ente procede da licenciosidade da especulação que não pode tolerar o
com edim ento de um sistem a escriturístico com pleto.
P residente E. G. R obinson : “Todo homem tem tanto de teologia quanto
possa comportar”. Consciente ou inconscientemente, filosofamos, tão natu­
ralmente quanto falamos. “S e moquer de Ia philosophie c’est vraiment philosopher”. G ore , Incarnation, 2 1 - 0 cristianismo tornou-se metafísico, só por­
que o homem é racional. Esta racionalidade significa que ele deve tentar ‘dar
conta das coisas’, no dizer de P latão , ‘porque ele é homem, e não somente
porque ele é grego’”. Freqüentemente os homens denunciam a teologia siste­
mática ao mesmo tempo em que enobrecem a ciência da matéria. Será que
Deus deixou os fatos relativos a si mesmo num estado de tal modo não rela­
cionados que o homem não pode coordená-los? Todas as outras ciências só
42
Augustus H opkins Strong
têm valor na medida em que elas contêm ou promovem o conhecimento de
Deus. S e é louvável classificar os besouros, pode-se permitir raciocinar a
respeito de Deus e da alma. Ao falar de S c h e l l in g , R o y c e , Spirít of Modem
Philosophy, 173, satiricamente nos exorta: “Confiai no vosso gênio; segui o
vosso nobre coração; mudai a vossa doutrina sempre que o vosso coração
mude, e mudai-o freqüentemente, - como acontece com o credo dos român­
ticos”. R it c h ie , Darwin and Hegel, 3 - “Exatamente aquelas pessoas que
negam a metafísica são às vezes mais capazes de ser infectadas pela doen­
ça que professam detestar - e não sabem quando isto ocorreu”.
2. Na relação da verdade sistemática com o desenvolvimento do caráter
A verdade integralm ente digerida é essencial ao desenvolvim ento do cará­
ter cristão no indivíduo e na igreja. Todo o conhecim ento de D eus influi no
caráter, porém principalm ente de todo o conhecim ento dos fatos espirituais
em seus relacionam entos. A teologia não pode, com o m uitas vezes se tem
objetado, m ortificar os sentim entos religiosos, visto que só tira de suas fontes
e estab elece conexão racional de um as p ara com as outras verdades que
m elhor se prestam a alim entar os sentim entos religiosos. Por outro lado, os
m ais fortes cristãos são os que têm a m ais firm e segurança nas grandes doutri­
nas do cristianism o; as épocas heróicas da igreja são as que têm m ais consis­
tente testem unho delas; a piedade que pode ser ferida pela sua sistem ática
exibição deve ser fraca, ou m ística, ou equívoca.
Para a conversão é necessário algum conhecimento - pelo menos do
pecado e de um Salvador; a união destas duas grandes verdades é o começo
da teologia. Todo o subseqüente desenvolvimento do caráter está condicio­
nado à evolução do conhecimento. Cl. 1.10 - a\)Çavó|ievoi xfl èTciyvcoaei toá)
0Eoá) [omitir èv] = crescendo através do conhecimento de Deus”; o dativo ins­
trumental representa o conhecimento de Deus como o orvalho ou a chuva
que alimenta o desenvolvimento da planta; cf. 2 Pe. 3.18 - “crescei na graça
e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesu s Cristo”. Para os textos
que representam a verdade como alimento ver Jr. 3.15 “vos apascentem com
conhecimento e inteligência”; Mt. 4.4 - “Não só de pão viverá o homem, mas
de toda palavra que procede da boca de Deus”; 1 Co. 3.1,2 - “como crianças
em Cristo ... leite vos dei a beber, não vos dei alimento sólido”; Hb. 5.14 - “o
mantimento sólido é para os perfeitos”. O caráter cristão apoia-se na verdade
cristã como alicerce; ver 1 Co. 3 .10 -15 - “pus eu ... um fundamento e outro
edifica sobre ele”.
A ignorância é a mãe da superstição, não da devoção. T a l b o t W. C h a m b e r s :
- “A doutrina sem o dever é uma árvore sem frutos; o dever sem a doutrina é
uma árvore sem raízes”. A moralidade cristã é um fruto que cresce só a partir
da árvore da doutrina cristã. Não podemos por muito tempo guardar os frutos
da fé depois de cortarmos a árvore na qual eles cresceram. B a l f o u r , Found.
of Belief, 82 - “A virtude naturalista é parasitária e, quando o hospedeiro
T e o l o o ia S i s t e m á t ic a
43
perece, o parasita perece também. A virtude sem a religião também morre­
rá”. K id d , Social Evolution, 2 1 4 - Porque o fruto sobrevive por algum tempo
quando removido da árvore, e mesmo maduro e saboreável diremos que é
independe da árvore?” As doze maneiras pelas quais os frutos da árvoredo-natal só se prendem é que eles nunca crescem lá, e nunca reproduzem
a sua espécie. A maçã murcha incha num recipiente vazio, mas voltará outra
vez à sua forma mirrada primitiva; o mesmo ocorre com a retidão própria
dos que se retiram da atmosfera de Cristo e não têm o ideal divino com o
qual se comparam. W. M. L is l e : “É um equfvoco e um desastre do mundo
cristão procurar os efeitos ao invés das causas”. G e o r g e G o r d o n , Christ of
To-day, 28 - “Sem o Cristo histórico e o amor pessoal por esse Cristo, a
grande teologia atual se reduzirá a um sonho, incapaz de despertar a igreja
do seu sono”.
3. Na importância dos pontos de vista definidos e justos da doutrina cristã
para o pregador
A sua principal qualificação intelectual deve ser o poder de conceber clara
e com preensivam ente e expressar precisa e poderosam ente a verdade. Ele pode
ser o agente do E spírito S anto n a conversão e santificação dos hom ens
só quando pode brandir “a espada do E spírito, que é a palavra de D eus”
(Ef. 6.17), ou, em outra linguagem , só quando pode im prim ir a verdade nas
m entes e consciências de seus ouvintes. Sem dúvida, nada m ais anula seus
esforços do que a confusão e inconsistência na apresentação da doutrina. Seu
objetivo é substituir as concepções obscuras e errôneas entre os seus ouvintes
pelas corretas e vividas. E le não pode fazer isto sem conhecer os fatos relati­
vos a Deus e suas relações - em resum o, conhecê-los com o partes de um
sistem a. C om esta verdade ele se investe de confiança. M utilar a doutrina ou
interpretá-la falsam ente não é só um pecado contra o seu Revelador, - pode
levar à ruína as alm as dos hom ens. A m elhor salvaguarda contra tal m utilação
ou falsa interpretação é o estudo diligente das várias doutrinas da fé nas interrelações e especialm ente nas relações com o tem a central da teologia, a pes­
soa e obra de Jesus Cristo.
Quanto mais refinada e refletida for a época mais requer razões para sen­
tir a Imaginação exercida na poesia e na eloqüência e, como na política ou na
guerra, não é menos forte do que antigamente, - só é mais racional. Note o
progresso vindo do “Buncombe” (N .T r a d linguagem desarrazoada e não sin­
cera), na oratória legislativa e forense, no discurso sensível e lógico. B a s s â n io ,
no Mercador de Veneza de S h a k e s p e a r e , - “Graciano profere uma porção infi­
nita de nulidades. ... Seus raciocínios são como dois grãos de trigo perdidos
em dois alqueires de palha”. O mesmo ocorre na oratória de púlpito: não
bastam simples citação da Bíblia e férvido apelo. O mesmo ocorre com um
uivante daroês (N.Trad.: religioso muçulmano), a comprazer-se na jactanciosa
44
Augustus H opkins Strong
declamação. O pensamento é a matéria prima da pregação. Pode aparecer o
sentimento, desde que com a finalidade exclusiva de conduzir os homens
“para conhecerem a verdade” (2 Tm. 2.25). O pregador deve fornecer a base
do sentimento, produzindo a convicção inteligente. Ele deve instruir mais que
comover. S e o objetivo primordial do pregador é o conhecer Deus e, a seguir,
tornar Deus conhecido, o estudo da teologia é absolutamente necessário ao
seu sucesso.
C o m o po de o m é d ico e x e rc e r a m e d ic in a se m e s tu d a r fis io lo g ia , ou o
a d vo g a d o e x e rc e r o d ire ito sem e s tu d a r ju ris p ru d ê n c ia ? P r o f. B l a c k ie : “ Bem
se p o d e e s p e ra r de um m e stre em e sg rim a fa z e r-s e um g ra nd e patriota, do
m esm o m od o que de um sim p le s retórico, um g ra n d e o ra d o r” . O pre g a d o r
n e ce ssita de co n h e c e r d o u trin a p a ra não se to rn a r um sim p le s realejo, to c a n ­
do sem p re, se m p re as m esm a s m úsicas. John H e nry Newman: “O fa lso p re g a ­
d o r te m de dize r a lg u m a coisa; o v e rd a d e iro p re g a d o r tem a lg u m a co isa para
d iz e r” . Spurgeon, Autobiography, 1.167 - “ M u d a n ça co n sta n te de cred o s ig n i­
fica , sem dú vid a, e sta r pe rdido. S e se tiv e r q u e a rra n c a r um a á rvo re du as ou
trê s veze s p o r ano, não h a ve rá n e ce ssid a d e de um arm a zé m m uito gra nd e
p a ra g u a rd a r as m açãs. Q u a n d o se m u d a m u ito de p rin cíp io s do utrin ário s,
não se e sp e re a pro d u çã o de m uito s f r u t o s . ... N u n ca te re m o s g ra nd es p re g a ­
do res en q u a n to não tiv e rm o s g ra n d e s te ó lo g o s . N ão espere, de estu d a n te s
su p e rficia is, g ra n d e s p re g a d o re s que co n v e n ç a m a lm a s ” . P eq ue na s d iv e r­
g ê n cia s da d o u trin a c o rre ta d a n o s s a p a rte p o d e m s e r d a n o sa m e n te e x a g e ­
rad as n a q u e le s que nos su ce d e re m . 2 T m . 2.2 - “E o que de mim, entre
m uita s te ste m u n h a s, ou viste , c o n fia -o a h o m e n s fiéis, que se ja m id ô n e o s para
ta m b é m e n sin a re m os o u tro s ” .
4. Na íntima conexão entre a doutrina correta e o firm e e agressivo poder
da igreja
A segurança e o progresso da igreja dependem do “padrão das sãs pala­
v ras” (2 Tm. 1.13), e de ser “co lu n a e esteio da verdade” (1 Tm. 3.15).
O entendim ento defeituoso da verdade, m ais cedo ou m ais tarde, resulta em
falhas de organização, de operação e de vida. A com preensão integral da ver­
dade cristã com o um sistem a organizado fornece, por outro lado, não só uma
incalculável defesa contra a heresia e a im oralidade, m as tam bém indispensá­
vel estím ulo e instrum ento no agressivo labor da conversão do mundo.
Os credos da cristandade não se originaram de uma simples curiosidade
especulativa e de minuciosos artifícios lógicos. São afirmações da doutrina
em que a igreja atacada e em perigo procurou expressar a verdade que cons­
titui a sua própria vida. Os que zombam dos credos primitivos têm uma redu­
zida concepção do ápice intelectual e da seriedade moral que contribuiu para
a sua feitura. Os credos do terceiro e quarto séculos incorporam os resulta­
dos das controvérsias que esgotaram as possibilidades de heresia relativas à
Trindade e à pessoa de Cristo e que fixaram barreiras contra a falsa doutrina
do fim dos tempos. M ahafi: “O que converteu o mundo não foi o exemplo da
T e o l o g ia S i s t e m á t ic a
45
vida de Cristo, - foi o dogma da sua morte”. C o l e r id g e : “Aquele que não resis­
te, não está em lugar firme”. S r a . B r o w n in g : “A total tolerância intelectual é a
marca daqueles que não crêem em nada”. E. G. R o b in s o n , Christian Theology,
360-362 - “Doutrina é apenas um preceito no estilo de uma proposição; pre­
ceito é apenas doutrina em forma de uma ordem. ... A teologia é o jardim de
Deus; su as árvores são o seu plantio; e “avigoram -se as árvores do
Senhor” (SI. 104.16).
B o s e , Ecumenical Councils: “O credo não é católico porque um concilio de
muitos ou poucos bispos o decretou, mas porque expressa a convicção
comum de gerações inteiras de homens e mulheres que puseram em novas
formas de palavras a sua com preensão do Novo Testamento”. D o r n e r :
“Os credos são a precipitação da consciência religiosa dos homens e tempos
poderosos”. F o s t e r , Chríst. Life and Theol., 16 2 - “Freqüentemente ela
requer o choque de algum grande evento para despertar os homens para a
clara apreensão e cristalização da sua crença substancial. Tal choque ocor­
reu através da rude e grosseira doutrina de Á r io , sobre a qual chegou à con­
clusão, no Concilio de Nicéia, seguido tão rapidamente na gelada água os
cristais de gelo que às vezes se formarão quando o vaso que os contém
recebe um golpe”. B a l f o u r , Foundations of Belief, 287 - “Os credos não eram
explicações, mas negações de que as explicações arianas e gnósticas eram
suficientes e declarações de que irremediavelmente empobreciam a idéia de
Deus. Insistiam em preservar a idéia em toda a sua inexplicável plenitude”.
D e n n y , Studies in Theology, 192 - “As filosofias pagãs tentaram atrair a igreja
para os seus próprios fins, e voltar-se para uma escola. Em sua defesa pró­
pria, a igreja foi compelida a tornar-se uma espécie de escola por sua própria
conta. Ela teve de fixar seus fatos; teve de interpretar a seu modo os fatos
que os homens estavam interpretando falsamente”.
P r o f . H o w a r d O s g o o d : “O credo é como a espinha dorsal. O homem não
tem necessidade de usá-la diante de si; mas ele precisa tê-la, e que esteja
correta, ou ele será flexível se não for um cristão corcunda”. É bom lembrar
que os credos são credita, não credenda\ as afirmações históricas do que a
igreja tem crido, não prescrições infalíveis do que a igreja deve crer. G e o r g e
D a n a B o a r d m a n , The Church, 98 - “Os credos podem tornar-se celas prisio­
nais”. S c h u r m a n , Agnosticism, 151 - “Os credos são fortificações defensivas
da religião; elas deveriam ter se tornado, às vezes, artilharia contra a própria
cidadela”. T. H . G r e e n : “Dizem-nos que devemos ser leais às crenças dos
Pais. Sim, mas em que os Pais creriam hoje?” G e o r g e A. G o r d o n , Christ of
To-day, 60 - “A suposição de que Espírito Santo não se preocupa com o
desenvolvimento do pensamento teológico, nem se manifesta na evolução
intelectual da humanidade, é superlativa heresia da nossa geração.... A meta­
física de Jesus é absolutamente essencial à sua ética. ... S e o seu pensa­
mento é um sonho, seu empenho pelo homem é uma ilusão”.
5. Nas injunções diretas e indiretas da Escritura
A Escritura nos estimula ao estudo integral e abrangente da verdade (Jo. 5.39,
“exam inai as E scrituras”), à com paração e harm onização de suas diferentes
Augustus H opkins Strong
46
partes (1 Co. 2.13 - “com parando as coisas espirituais com as espirituais”), à
reunião de tudo em torno do fato central da revelação (Cl. 1.27 - “que é Cristo
em vós, esperança da glória”), à pregação na form a sadia assim com o em suas
devidas proporções (2 Tm . 4.2 “prega a palavra”). O m inistro do evangelho é
cham ado “escriba que se fez discípulo do reino do céu” (Mt. 13.52); os “pas­
tores” das igrejas devem ser ao m esm o tem po “m estres” (Ef. 4.11); o bispo
deve ser “apto para ensinar” (1 Tm. 3.2), “que m aneja bem a palavra da verda­
d e” (2 Tm . 2.15), “retendo firm e a palavra fiel, que é conform e a doutrina,
p ara que seja poderoso, tanto para exortar na sã doutrina com o para convencer
os contradizentes” (Tt. 1.9).
C o m o um m eio de in s tru ç ã o da ig re ja e de g a ra n tia do p ro g re s s o no
e n te n d im e n to da v e rd a d e cristã, é bom q u e o p a s to r p re g u e reg ularm en te ,
a ca d a m ês, um se rm ã o d o u trin á rio e e x p o n h a os p rin c ip a is a rtig o s da fé.
O tra ta m e n to da d o u trin a em ta is s e rm õ e s d e ve s e r b a s ta n te sim p le s a fim de
s e r co m p re e n síve l à in te lig ê n c ia jo ve m ; co n vé m to rn á -lo v iv id o e in te re ssa n te
a u xilia d o p o r b re ve s ilu stra çõ e s; e pelo m en os um te rç o de ca d a s e rm ã o deve
s e r d e d ica d o a a p lica çõ e s p rá tica s da d o u trin a pro p o sta , ver o se rm ã o de
J onathan E dwards so b re a Im p o rtâ n cia do C o n h e c im e n to da V erdade Divina,
in Works, 4 .1 -1 5 . O s ve rd a d e iro s se rm õ e s de E dwards , co n tu d o , não servem
de m o d e lo p a ra a p re g a çã o d o u trin á ria p a ra a no ssa g e raçã o. E les são de
fo rm a m uito e sco lá stica , de s u b s tâ n c ia m uito m e ta física ; há m uito po uco de
B íb lia e m u ito p o u c o de ilu s tra ç ã o . A p re g a ç ã o d o u trin á ria dos P u rita n o s
Ing lese s de ig ua l m od o se d irig ia q u a se s o m e n te a ad ulto s. Por ou tro lado, a
p re g a çã o do no sso S e n h o r a d a p ta v a -s e ta m b é m às cria n ça s. N enhum pa stor
se c o n s id e ra ria fiel, se p e rm itis s e aos seu s jo v e n s c re s c e re m sem a in stru ção
re g u la r do p ú lp ito no c írc u lo in te iro da d o u trin a cristã . S hakespeare , Rei Henri­
que VI, 2- parte, - “A ig n o râ n cia é a m a ld içã o de D eus; o co n h e cim e n to é a
asa com que vo a m o s ao c é u ” .
V. RELAÇÃO DA TEOLOGIA COM A RELIGIÃO
A teologia e a religião relacionam -se um a com a outra com o efeitos em
diversas esferas da m esm a causa. Com o a teologia é o efeito produzido na
esfera do pensam ento sistem ático com os fatos relativos a Deus e o universo,
assim a religião é o efeito que estes m esm os fatos produzem na esfera da vida
individual e coletiva. Com relação à palavra ‘religião’, note:
1. Derivação
a)
A derivação de religare, “lig ar novam ente” (o hom em a Deus), é negada
pela autoridade de C íc e ro e dos m elhores etim ologistas m odernos; em vista
da dificuldade, nesta hipótese, de exp licar form as tais com o religio, religens;
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
47
e pela necessidade, em tal caso de pressupor um conhecim ento m ais com pleto
do pecado e da redenção do que era com um ao m undo antigo.
b) A derivação m ais correta é relegere, “reexam inar” , “ponderar cuidado­
sam ente” . Portanto, seu sentido original é “observância reverente” (dos deveres para com os deuses).
2. Falsas Concepções
a) R eligião não é, com o declarava H egel, um tipo de conhecim ento; pois,
então, só seria um a form a incom pleta de filosofia e a m edida do conhecim en­
to em cada caso seria a m edida da piedade.
No sistema do panteísmo idealista, como o de H egel, Deus é tanto o sujei­
to como o objeto da religião. A religião é o conhecimento do próprio Deus
através da consciência humana. H egel não ignora totalmente outros elemen­
tos na religião. “O sentimento, a intuição e a fé pertencem-lhe”, diz ele, “e o
conhecimento desacompanhado é caolho”. Contudo, H egel sempre aguarda­
va o movimento do pensamento em todas formas da vida; Deus e o universo
são apenas um desenvolvimento da idéia primordial. “O que o conhecimento
precisa saber”, pergunta ele, “se Deus é incognoscível?” O conhecimento de
Deus é a vida eterna e o pensamento é também a verdadeira adoração”.
O erro de H egel está em considerar a vida como um processo do pensamen­
to, ao invés de considerá-lo como um processo da vida. Eis aqui a razão da
amargura entre H egel e S chleiermacher . H egel considera corretamente que o
sentimento deve tornar-se inteligente antes que seja verdadeiramente religio­
so, mas não reconhece a suprema importância do amor no sistema teológico.
Ele abre menos espaço para a vontade do que para as emoções, e não vê
que o conhecimento de Deus de que fala a Escritura não se limita ao intelecto,
mas compreende o homem todo, incluindo a natureza afetiva e a voluntária.
G oethe : “C o m o po de o hom em v ir a c o n h e c e r a si m esm o ? N u nca através
dos p e n sa m e n to s, m as da ação. T ente p ra tic a r o seu d e v e r e vo cê sa b e rá o
que vo cê m erece. Você não p o de to c a r um a fla u ta a p e n a s sop ra n d o , - você
p re c is a e m p re g a r os d e d o s ” . Do m e s m o m o d o n u n c a p o d e m o s c h e g a r a
co n h e c e r a D eus só a tra vé s do p e n sa m e n to . Jo. 7 . 1 7 - “Se a lg u é m q u e rfa z e r
a v o n ta d e dele, p e la m e sm a d o utrin a, c o n h e c e rá se ela é de D eus” . Os G nósticos , S tapfer , H enrique VIII, m o stra ra m que p o d e h a ve r m uito co n h e cim e n to
te o ló g ic o se m a v e rd a d e ira re ligião . A m á x im a de C hillingworth , “S o m e n te a
Bíblia, a re ligião dos p ro te s ta n te s ” , é in a d e q u a d a e im p re cisa ; p o rq u e a Bíblia
sem a fé, o am or, e a o b e d iê n c ia p o d e to rn a r-s e um fe tic h e e um a arm a dilha :
Jo. 5.39,40 - “Vós examinais as Escrituras, ... e não quereis vir a mim para
terdes vida”.
b) A religião não é, com o sustentava S ch le ie rm a c h e r, o sim ples sentim en­
to de dependência; pois tal sentim ento de dependência não é religioso, a não
ser quando exercido para Deus e acom panhado por esforço moral.
48
Augustus H opkins Strong
Na teologia alemã, S chleiermacher constitui a transição do velho racionalismo para a fé evangélica. “Como Lázaro, com a mortalha da filosofia panteísta embaraçando os seus passos”, embora com a experiência morávia da
vida de Deus na alma, ele baseou a religião nas certezas interiores do senti­
mento cristão. Mas o presidente F airbairn assinala: “A emoção é impotente a
não ser que ela fale baseada na convicção; e onde há convicção existe a
emoção que é poderosa para persuadir”. S e o cristianismo for apenas um
sentimento religioso, não há diferença alguma entre ele e as outras religiões
porque todas são produto do sentimento religioso. Mas o cristianismo se dis­
tingue das outras religiões pelas suas concepções religiosas peculiares.
A doutrina precede a vida e a doutrina cristã, não o simples sentimento reli­
gioso, é a causa do cristianismo como religião distintiva. Apesar de que a fé
começa com o sentimento, não termina aí. Vemos o demérito do sentimento
nas emoções transitórias dos que vão ao teatro e nos ocasionais fenômenos
avivaiistas.
S abatier , Philos. Relig., 27, acrescenta ao elemento passivo da depen­
dência de S chleiermacher , o elemento ativo da oração. K aftan , Dogmatik, 10 “S chleiermacher considera Deus como a Fonte do nosso ser, mas esquece
que ele também é o nosso Firri’. A comunhão e o progresso são elementos
tão importantes como a dependência; a comunhão deve anteceder o progres­
so - ela pressupõe perdão e vida. Parece que S chleiermacher não crê nem
num Deus pessoal nem na sua imortalidade pessoal; ver Life and Letters,
2.77-90; M artineau , S tudy of R eligion, 2.357. C harles H odge compara-o a uma
escada num poço - boa coisa para quem quer sair, mas não para quem quer
entrar. D orner : “A irmandade morávia era a sua mãe; a Grécia a sua pagem”.
c)
R eligião não é, com o sustentava K a n t, m oralidade ou ação m oral; pois
m oralidade é conform idade com um a lei abstrata de direito, enquanto a reli­
gião é essencialm ente relação com um a pessoa de quem a alm a recebe bênção
e a quem se entrega em am or e obediência.
K ant , Kritikderpraktischen Vernunft, Beschluss : “Conheço apenas de duas
coisas belas: o céu estrelado acima da minha cabeça e o senso do dever
dentro do meu coração”. Mas o simples senso do dever quase sempre causa
angústia. Fazemos objeção à palavra “obedecer” como um imperativo da
religião porque 1) faz da religião somente matéria da vontade; 2) a vontade
pressupõe o sentimento; 3) o amor não está sujeito à vontade; 4) faz que
Deus seja todo lei e não graça; 5) faz do cristão apenas um servo, não um
amigo; cf. Jo. 15 .15 - “Já vos não chamarei servos ... mas tenho-vos chama­
do amigos” - uma relação não de serviço mas de amor (W estcott, Bib. Com.,
in loco). A voz que fala é a voz do amor, em vez da voz da lei. Fazemos
objeção também à definição de M atthew A rnold : “Religião é a ética elevada,
iluminada, acendida pelo sentimento; é a moral tocada pela emoção". Isto
exclui o elemento receptivo na religião assim como a sua relação com o Deus
pessoal. A afirmação mais verdadeira é que a religião é a moral em direção a
Deus, como a moral é a religião em direção ao homem. B ow ne , Philos. of
Theism., 251 - “A moral que não vai além da simples consciência deve recor-
T e o l o g i a S is t e m á t i c a
49
rer à religião”; ver L otze , Philos. of Religion, 128-142. G oethe : “A atividade
desqualificada, seja de que tipo for, conduz, por fim, à bancarrota”.
3. Idéia Essencial
Religião, em sua idéia essencial, é vida em Deus, vivida no reconhecim en­
to de Deus, em com unhão com D eus e sob o controle do Espírito de Deus que
habita o hom em . Porque é vida, não pode ser descrita com o consistindo unica­
m ente no exercício de qualquer das forças do intelecto, do sentim ento e da
vontade. Com o a vida física envolve unidade e cooperação de todos os órgãos
do corpo, assim a religião, ou vida espiritual, a obra unificada de todas as
forças da alm a. P ara sentir, contudo, devem os atribuir prioridade lógica, visto
que todo o sentim ento para com D eus com unicado na regeneração é condição
para o verdadeiro conhecim ento de D eus e para o verdadeiro serviço prestado
a ele.
1/erGoDET, on the Ultimate Design of Man - “ D eus no hom em , e o hom em
em D e u s” - Princeton Review, nov. 1 880; P fleiderer , D/e Religion, 5-79, e
Religionsphilosophie, 25 5 - A religião é “S a ch e des g a n ze n G e iste sle b e n s”
(N.T.: O objetivo da vid a espiritual com o um tod o): C rane, Religion of To-morrow, 4 - “ Religião é a in fluê ncia pessoal do D eus im a n e n te ” ; S terrett, Reason
Authorityin Religion, 31 ,3 2 - “A R e lig iã o é a re la çã o re cíp ro ca ou a com u n h ã o
entre D eus e o hom em , e n volvend o 1) a revelação, 2) a fé; D r . J. W. A. S tewart :
“ R eligion is fe llo w s h ip w ith G o d ” ; P ascal : “ P ie d a d e é a s e n sib ilid a d e de Deus
para com o c o ra ç ã o ” ; R itschl , Justif. and Reconci!., 13 - “O c ristia n ism o é
um a e lip se com do is fo c o s - C risto com o R e d e n to r e C risto com o Rei, C risto
por nós e C risto em nós, re d e n çã o e m o ra lid a d e , re lig iã o e é tica ” ; K aftan ,
Dogmatik, 8 - “A re lig iã o c ris tã é 1) o reino de Deus com o a m eta a cim a do
m undo, a se r a tin g id a pelo d e s e n v o lv im e n to m oral aqui, e 2) reconciliação
com Deus p e rm itin d o a tin g ir e s ta m e ta a d e s p e ito d o s n o s s o s p e ca d o s.
A teologia cristã, uma vez estabelecida no conhecimento que o homem tem
de Deus; agora partimos para a religião, /.e., o conhecimento cristão de Deus,
que chamamos fé”.
H erbert S pencer : “Religião é uma teoria a príori do universo”; R omanes ,
Thoughts on Religion, 43, acrescenta: “que admite a personalidade inteligen­
te como a causa originadora do universo; a ciência trata do Como, o processo
fenomenal, a religião trata do Quem, a Personalidade inteligente que opera
através do processo”. H olland , Lux Mundi, 27 - “A vida natural é a vida em
Deus que ainda não chegou a tal reconhecimento” - o reconhecimento do
fato de que Deus está em todas as coisas - “contudo, não é, como tal, reli­
gioso; ... A religião é a descoberta, através do filho, de um Pai, que está em
todas as suas obras, embora distinto de todas elas”. D ewey , Psychology, 283
- “O sentimento acha a sua expressão absolutamente universal na emoção
religiosa, que é o encontro ou realização do eu em uma personalidade com­
pletamente realizada, que reúne em si a verdade, ou a unidade completa da
A ugustus H opkins Strong
50
relação de todos os objetos, beleza ou unidade completa de todos os valores
ideais, e retidão ou a unidade completa em todas as pessoas. A emoção que
acompanha a vida religiosa é aquela que acompanha a nossa atividade com­
pleta; o eu se realiza e encontra a sua verdadeira vida em Deus”. U pton ,
Hibbert Lectures, 262 - “A ética é simplesmente o discernimento que se
desenvolve na sociedade e o esforço para atualizar-se nela, o senso do rei­
nado fundamental e a identidade substancial em todos homens; conquanto a
religião seja emoção, e a devoção que assiste a realização em nossa consciên­
cia própria sobre o mais íntimo relacionamento espiritual provindo dessa uni­
dade de substância que constitui o homem o verdadeiro filho do Pai eterno”.
4. Inferências
D esta definição de religião segue-se:
a)
Que, a rigor, só há um a religião. O hom em é, na verdade, um ser reli­
gioso, que tem a capacidade desta vida divina. C ontudo, ele é realm ente reli­
gioso, só quando entra nesta relação viva com Deus. As falsas religiões são
caricaturas que os hom ens fazem do pecado, ou a im aginação que o hom em
tateia após a luz, form a da vida da alm a em Deus.
P eabody , Christianity the Religion of Nature, 18 - “S e o cristianismo for
verdadeiro, não é uma religião, mas a religião. S e o judaísmo também for
verdadeiro, não se distingue do cristianismo, mas coincide com ele, que é a
única religião com que pode relacionar-se. S e houver porções de verdade em
outros sistemas religiosos, estes não são porções de outras religiões, mas da
única que, de uma forma ou de outra se incorporaram a fábulas e falsidades”.
J ohn C aird , Fund. Ideas of Christianity , 1.25 - “Você nunca pode alcançar a
verdadeira idéia ou essência da religião somente tentando descobrir algo
comum a todas religiões; não são as inferiores que explicam as mais eleva­
das, mas, ao contrário, a mais elevada explica todas as inferiores”. G eorge
P. F isher : “O reconhecimento de alguns elementos da verdade nas religiões
étnicas não significa que o cristianismo tem defeitos que devem ser corrigi­
dos tomando de empréstimo delas; significa que as crenças étnicas têm em
fragmentos o que o cristianismo tem no seu todo. A religião comparativa não
traz para o cristianismo alguma verdade nova; ela fornece ilustrações de como
a verdade cristã vai ao encontro das necessidades humanas e aspirações e
dá uma visão completa daquilo que o mais espiritual e o mais dotado entre os
pagãos só discernem obscuramente”.
D r . P arkhurst , Sermon on Pv. 2 0 .2 7 - “O espírito do homem é a lâmpada
do Senhor” - “Uma lâmpada, mas não necessariamente iluminada; uma lâm­
pada que pode ser acesa só pelo toque de uma chama divina” = o homem
tem natural e universalmente capacidade para a religião, mas não é natural e
universalmente religioso. Todas as falsas religiões têm algum elemento de
verdade; caso contrário nunca poderiam ter obtido e conservado o apoio
sobre a humanidade. Precisamos reconhecer tais elementos de verdade ao
tratá-los. Há alguma prata em um dólar falsificado; caso contrário, não en­
T e o l o g i a S is t e m á t i c a
51
ganaria ninguém; mas o fino banho de prata sobre o chumbo não impede que
seja um dinheiro de má qualidade. C l a r k e , Chrístian Theology, 8 - “Veja os
métodos de Paulo tratar a religião pagã, em Atos 14 com o grosseiro paganis­
mo e em Atos 17 com a sua forma erudita. Ele a trata com simpatia e justiça.
A teologia cristã tem a vantagem de andar à luz da manifestação própria de
Deus em Cristo, enquanto as religiões pagãs tateiam em Deus e o adoram na
ignorância”; cf. At. 14 .15 - “e anunciamo-vos que vos convertais dessas vaidades ao Deus vivo”; 17.22,23 - “em tudo vos vejo acentuadamente religio­
sos. ... Esse que honrais não conhecendo é o que eu vos anuncio”.
M a t t h e w A r n o l d : “O cristianismo é totalmente exclusivo, porque é absolu­
tamente inclusivo. Ele não é um amálgama de religiões, mas tem em si tudo
de melhor e mais verdadeiro de outras religiões. É a luz branca que contém
todas as demais cores.”
M a t h e s o n , Messages of the Old Religions, 32 8-342 - “Cristianismo é
reconciliação. Inclui a aspiração do Egito; vê, nesta aspiração, Deus na alma
(bramanismo); reconhece o poder do mal do pecado com o Zoroastrismo;
retrocede a um início puro como a China; entrega-se à fraternidade humana
como Buda; extrai tudo do interior como o judaísmo; torna bela a vida presen­
te como a Grécia; procura o reino universal como Roma; apresenta o desen­
volvimento da vida divina como os teutões. O cristianismo é a múltipla sabe­
doria de Deus”.
Q ue o conteúdo da religião é m aior do que o da teologia. Os fatos da
religião se nivelam aos da teologia só naquilo que podem ser concebidos de
um modo definido, precisam ente expressos em linguagem e postos em relação
racional uns com os outros.
b)
Este princípio capacita-nos a definir os limites próprios de uma comunhão
religiosa. Deve ser de tal modo amplo como a própria religião. Mas é impor­
tante lembrar o que é a religião. Ela não deve ser identificada com a capaci­
dade de ser religioso. Nem podemos considerar as perversões e caricaturas
da religião como méritos da nossa comunhão. Caso contrário, poder-se-ia
requerer que tivéssemos comunhão com o culto aos demônios, com a poliga­
mia, com o banditismo e com a inquisição; porque tudo isso tem sido dignifi­
cado em nome da religião. A verdadeira religião envolve um certo conheci­
mento, embora rudimentar, do verdadeiro Deus, o Deus da justiça; algum
senso do pecado como o contraste entre o caráter humano e o padrão divino;
um certo lançamento da alma sobre a misericórdia divina e o processo divino
da salvação em lugar da justiça própria para obter o mérito e a confiança nas
obras e nas sua memórias; algum esforço prático para realizar o princípio
ético em uma vida pura e na influência sobre os outros. Sempre que aparece­
rem estas marcas da verdadeira religião, ainda que nos unitários, romanistas,
judeus ou budistas, reconhecer-se-á a demanda de comunhão. Mas atribuí­
mos também estes germes da verdadeira religião na operação da obra do
Cristo onipresente, “a luz que alumia todo homem” (Jo. 1.9), e vemos neles o
incipiente arrependimento e a fé, embora o seu objetivo ainda seja nominal­
mente desconhecido. A comunhão cristã deve ter maior base na verdade cristã
52
A ugustus H opkins Strong
aceita e a comunhão da igreja ainda maior base no reconhecimento comum
do ensino do N.T. no que se refere à igreja. A comunhão religiosa, neste
sentido mais amplo, apoia-se no fato de que “Deus não faz acepção de pes­
soas; mas que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, o teme e faz
o que é justo” (At. 10.34,35).
c) Que a religião pode distinguir-se do louvor form al, que é sim plesm ente
a expressão exterior da religião. Com o tal expressão, o louvor é “a com unhão
form al entre Deus e seu povo” . N ele Deus fala ao hom em e o hom em a Deus.
Portanto, inclui adequadam ente a leitura da E scritura e a pregação da parte de
Deus e a oração e o cântico da parte do povo.
S t e r r e t t , fíeason and Authority in Religion, 166 - “A adoração cristã é o
pronunciamento do espírito”. Porém no verdadeiro amor existe mais do que
se pode pôr numa letra amorosa e, na religião, existe mais do que se pode
expressar quer na teologia, quer na adoração. A adoração cristã é comunhão
entre Deus e o homem. Mas a comunhão não pode ser unilateral. M a d a m e de
S t a ê l , que H e in e chamava de “torvelinho em saias”, encerra um dos seus
brilhantes solilóquios, dizendo: “Que deliciosa conversa tivemos!” Podemos
achar uma ilustração melhor da natureza do culto nos diálogos de T h o m a s à
K e m p is entre o santo e o seu Salvador, na Imitação de Cristo. G o e t h e : “Contra
a grande superioridade de uma outra pessoa não há remédio senão o amor.
... Louvar um homem é pôr-se no seu nível”. S e este for o efeito do amor e
louvor ao homem, qual não deve ser o de amar e louvar a Deus! Inscrição na
Igreja em Grasmere: “Quem quer que sejas tu que entras na igreja, não a
deixes sem um louvor a Deus por ti mesmo, por aqueles que ministram, e por
aqueles que adoram neste lugar”. Tg. 1.27 - “A religião pura e imaculada
para com Deus, o Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, guardar-se da corrupção do mundo” - “religião”, epricrKeía, é cuitus
exterior, e significa “o serviço exterior, o garbo externo, o próprio ritual do
cristianismo, é vida de pureza, amor e devoção própria. O escritor não diz
qual pode ser a sua verdadeira essência, o recôndito do seu espírito, mas
deixa que se infira”.
C
a p ít u l o
II
MATERIAL DA TEOLOGIA
L FONTES DA TEOLOGIA
Em últim a análise, o próprio Deus deve ser a única fonte do conhecim ento
a respeito do seu ser e relações. Portanto, a teologia é um resum o e explicação
do conteúdo das revelações que D eus faz de si m esm o. São estas, em prim eiro
lugar, a revelação de D eus na natureza; em segundo lugar e suprem am ente a
revelação de D eus nas Escrituras.
A m b r ó s io : “ A quem creditarei maior grandeza a respeito de Deus senão ao
próprio Deus”? V o n B a a d e r : “É impossível conhecer Deus sem Deus; não há
conhecimento sem aquele que é a fonte primordial”. C. A . B r ig g s , Whither, 8 “Deus revela a verdade em diversas esferas: na natureza universal, na cons­
tituição da humanidade, na história da nossa raça, nas Escrituras Sagradas,
mas, acima de tudo, na Pessoa de Jesus Cristo, nosso Senhor”. F. H. J o h n s o n ,
W hatis Reality?, 399 - “O mestre interfere quando é necessário. A revelação
auxilia a razão e a consciência, mas não as substitui. O catolicismo,
porém, afirma que a igreja as substitui, e o protestantismo que é a Bíblia que
faz isto. A Bíblia, como a natureza, dá muitos dons gratuitos, porém, em germe.
O crescimento dos ideais éticos deve interpretar a Bíblia”. A. J . F. B e h r e n d s :
“A Bíblia é apenas um telescópio; não é o olho que vê, nem as estrelas que o
telescópio traz à vista. Você tem a preocupação e eu também de ver as estre­
las com os nossos próprios olhos”. S c h u r m a n , Agnosticism, 178 - “A Bíblia é
uma lente através da qual se vê o Deus vivo. Mas ela é inútil quando você
desvia dela os olhos”.
Só podemos conhecer a Deus na medida em que ele se revela. Conhecese o Deus imanente, mas o Deus transcendente não conhecemos como só
conhecemos uma das faces da lua, a que se volta para nós. A. H. S t r o n g ,
Christin Creation, 1 1 3 - “A palavra ‘autoridade’ deriva de auctor, augeo, ‘acres­
centar’. A autoridade acrescenta alguma coisa à verdade comunicada. O que
se acrescenta é o elemento pessoal do testemunho. Isto é necessário sem­
pre que não se pode remover a ignorância com o nosso próprio esforço, ou a
falta de vontade que resulta do nosso próprio pecado. Na religião preciso
acrescentar ao meu próprio conhecimento aquilo que Deus concede. A razão,
a consciência, a igreja, a Escritura, todas são autoridades delegadas e
A ugustus H opkins Strong
54
subordinadas; a única autoridade original e suprema é o próprio Deus revela­
do e que se fez compreendido por nós”. G o r e , Incarnation, 181 - “Toda a
legítima autoridade representa a razão de Deus, educando a razão do
homem e comunicando-se com ela. ... O homem foi feito à imagem de Deus:
ele é, na capacidade fundamental, filho de Deus, e torna-se assim de fato, e
completamente, através da união com Cristo. Por isso, na verdade de Deus,
como Cristo a apresenta a ele, pode reconhecer como sua a melhor razão, usando a bela expressão de P l a t ã o , ele pode saudá-la com a força do instinto
como alguma coisa que está aquém de si mesmo, antes que dê satisfação
intelectual dela”.
B a l f o u r , Foundations of Belief, 332-337, sustenta que não existe a razão
desassistida e, mesmo que houvesse, a religião natural não é um dos seus
produtos. Diz ele: atrás de toda a evolução da nossa própria razão, está a
Razão Suprema. “A consciência, os ideais éticos, a capacidade de admirar,
a simpatia, o arrependimento, a justa indignação, assim como o prazer no
belo e na verdade, tudo deriva de Deus”. K a f t a n , in Am. Jour. Theology,
1900.718,719, sustenta que não há outro princípio para a dogmática além da
Escritura Sagrada. Embora ele sustente que o conhecimento nunca vem dire­
tamente da Escritura, mas da fé. A ordem não é: Escritura, doutrina, fé; mas
Escritura, fé, doutrina. A Escritura não é uma autoridade direta mais do que a
igreja. A revelação se dirige a todo o homem, isto é, à vontade do homem e
reivindica obediência da parte dele. Visto que todo conhecimento cristão é
mediado através da fé, ele se apoia na obediência à autoridade da revelação
e a revelação é a manifestação própria da parte de Deus. K a f t a n devia ter
reconhecido mais plenamente que não só a Escritura, mas toda a verdade
capaz de ser conhecida, é uma revelação de Deus e que Cristo é “a luz que
alumia todo homem” (Jo. 1.9). A revelação é um todo orgânico, que começa
na natureza, mas tem seu clímax e chave no Cristo histórico que a Escritura
nos apresenta.
1. A Escritura e a natureza
P or natureza significam os aqui não som ente os fatos físicos ou os fatos
relativos às substâncias, propriedades, forças e leis do m undo m aterial, mas
tam bém os fatos espirituais ou fatos relativos à contribuição intelectual e moral
do hom em e o arranjo ordenado da sociedade e história hum anas.
Empregamos aqui a palavra “natureza” no sentido comum, incluindo o
homem. Existe um outro emprego de tal palavra mais próprio que a torna
somente um complexo de forças e seres sob a lei de causa e efeito. O Homem
só pertence à natureza, neste sentido a respeito do seu corpo, enquanto imaterial e pessoal ele é sobrenatural. A livre vontade não está sob a lei da física
e da causa mecânica. É como diz B u s h n e l l : “A natureza e o elemento sobre­
natural constituem juntos o sistema único de Deus.” D r u m m o n d , Natural Lawin
the Spiritual World, 232 - “As coisas são naturais ou sobrenaturais conforme
a posição em que se encontram. O homem é sobrenatural com relação ao
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
55
elemento mineral; Deus é sobrenatural com relação ao homem”. Em capítu­
los posteriores empregaremos o termo “natureza” em sentido mais restrito.
O emprego universal da expressão “Teologia Natural”, contudo, compele-nos
neste capítulo a valermo-nos da palavra “natureza” em seu sentido mais
amplo, incluindo o homem, apesar de fazê-lo sob protesto e explicando este
sentido mais adequado do termo.
E. G. Robinson: “ B u s h n e ll s e p a ra a n a tu re z a do s o b re n a tu ra l. A na tu re za é
um ceg o e n ca d e a m e n to de cau sas. D e us n a d a te m a v e r com ela, e xce to que
anda nela. O ho m em é so b re n a tu ra l po rq u e e stá fo ra da na tureza, te n d o o
po d e r de o rig in a r um in d e p e n d e n te e n c a d e a m e n to de c a u s a s ” . Se esta fosse
a c o n ce p çã o a d e q u a d a da na tureza , p o d e ría m o s s e r co m p e lid o s a con clu ir
com P. T. F o rs y th , Faith and Criticism., 100 - “ N ão há n e n h u m a re ve la çã o na
n a tureza. N ão p o de haver, p o rq u e não há pe rdã o. N ão p o d e m o s e sta r certos
dela. Ela é a p e n a s esté tica. Seu ideal não é a re co n cilia çã o , m as harm onia.
...pois a c o n s c iê n c ia a co m e tid a ou fo rte , não te m p a la vra ... A n a tu re za não
con tém a su a p ró p ria te le o lo g ia e p o rq u e a a lm a m ora l que recu sa se r a lim e n ­
ta d a de fa n ta sia , C risto é o s o rris o lu m in o so na te n e b ro s a fa ce do m u n d o ” .
M as isto co n fin a v irtu a lm e n te a re ve la çã o de C risto à E scritu ra ou à e n ca rn a ­
ção. C o m o ha via um a a s tro n o m ia s e m o te le scó p io , assim h a via um a te o lo g ia
antes da Bíblia. G e o rg e H a r r is , Moral Evolution, 411 - “A n a tu re za é tanto
um a e vo lu çã o co m o um a reve la ção. T ã o logo a q u e stã o Como é resp on did a,
le va n ta m -se as q u e stõ e s De onde e Porquê. A n a tu re z a é p a ra D eus o que a
fa la é p a ra o p e n sa m e n to . O títu lo do livro de H e n ry Drummond d e via te r sido:
“A Lei Espiritual no Mundo Natural”, porque a natureza é tão somente a ativi­
dade livre embora natural de Deus; o que chamamos sobrenatural é somente
a sua obra extraordinária.
à) Teologia natural - O universo é um a fonte da teologia. As Escrituras
afirm am que Deus se revelou na natureza. N ão h á apenas um testem unho
exterior da sua existência e caráter na constituição e governo do universo
(Sl. 19; At. 14.17; Rm. 1.20), m as tam bém um testem unho interno da sua
ex istên cia e caráter no coração de cada hom em (Rm. 1.17-20,32; 2.15).
A sistem ática apresentação destes fatos derivados da observação, história ou
ciência, constitui a teologia natural.
Testemunho externo: Sl. 19.1-3 - “Os céus declaram a glória de Deus”;
At. 14 .17 - “Não se deixou a si mesmo sem testemunho, beneficiando-vos lá
do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos”; Rm. 1 .2 0 - “Porque as coisas
invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua
divindade, se entendem e claramente se vêem pelas coisas que estão cria­
das”, Testemunho interno: Rm. 1 .1 9 — t ò yvcocttov to ú 9eov> = “o que de Deus
se pode conhecer neles se manifesta”. Compare o àjioKaMm-tetai do evan­
gelho no vs. 17, com o àKOKaXvmemi da ira no vs. 18 - duas revelações,
uma da ôpyri, a outra da x á p iç ; uerSHEDD, Homiletics, 1 1 . Rm. 1 .3 2 - “conhe­
cendo a justiça de Deus”; 2 .1 5 - “mostram a obra da lei escrita no seu cora­
ção”. Por isso mesmo os pagãos são “inescusáveis” (Rm. 1 .2 0 ). Há dois
56
A ugustus H opkins Strong
livros: A Natureza e a Escritura - uma escrita, a outra não: e há necessidade
de estudar ambos.
S purgeon falava de uma pessoa piedosa que, quando descia o Reno,
fechava os olhos para não ver a beleza da cena que desviaria a sua mente
dos temas espirituais. O puritano virava as costas para portulaca, dizendo
que não levaria em conta coisa alguma encantadora na terra. Mas isto é des­
prezo às obras de Deus. J. H. B arrows : “O Himalaia contém as letras em alto
relevo em que nós, crianças cegas púnhamos os dedos para ler o nome de
Deus". Desprezar as suas obras é desprezar o próprio Deus. Ele está presen­
te na natureza e fala através dela. SI. 19.1 - “Os céus declaram a glória de
Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” - verbos no presente.
A natureza não só é um livro, mas também uma voz. H utton , Essays, 2.236 “O conhecimento direto da comunhão espiritual deve ser suplementado pelo
dos processos divinos provindos do estudo da natureza. A negligência do
estudo natural dos mistérios do universo conduz a uma intromissão arrogante
e ilícita das aceitações morais e espirituais num mundo diferente. Esta é a
lição do livro de Jó”. H atck , Hibbert Lectures, 85 - “O homem, servo e intér­
prete da natureza também o é, consequentemente, do Deus vivo”. Os livros
científicos são o registro das interpretações passadas do homem relativas às
obras de Deus.
b)
Teologia Natural Suplementada - A revelação cristã é a principal fonte
d a teologia. As E scrituras declaram plenam ente que a revelação de Deus
n a natureza não supre todo o conhecim ento de que um pecador necessita
(At. 17.23; Ef. 3.9). Portanto, esta revelação é suplem entada por outra na qual
os atributos divinos e as m isericordiosas provisões só obscuram ente projeta­
das na natureza tom am -se conhecidas ao hom em . E sta últim a revelação con­
siste em um a série de eventos sobrenaturais e com unicações cujo registro é
apresentado nas Escrituras.
At. 17.23 - P aulo mostra que, embora os atenienses, na edificação do
altar a um Deus desconhecido, “reconhecessem uma existência divina além
de qualquer que os ritos comuns da sua adoração reconheciam, tal Ser ainda
lhes era desconhecido; eles não tinham uma concepção exata da sua nature­
za e suas perfeições” (H ackett, in loco). Ef. 3.9 - “o mistério que esteve oculto
em Deus” - mistério este que, no evangelho, tornou conhecida ao homem a
salvação. H egel, Philosophy of Religion, diz que o cristianismo é a única reli­
gião revelada porque o Deus cristão é o único de quem ela pode vir. Podemos
acrescentar que, como a ciência é o registro da interpretação progressiva do
homem relativa à revelação de Deus no reino natural, do mesmo modo a
Escritura é o registro da interpretação progressiva do homem sobre a revela­
ção de Deus no reino espiritual. A expressão “palavra de Deus” não indica
primordialmente um registro, - é a palavra falada, a doutrina, a verdade vitalizadora, descortinada por Cristo; Mt. 13 .19 - “Ouvindo a palavra do Reino”;
Lc. 5.1 - “ouvir a palavra de Deus”; At. 8.25 - “tendo falado a palavra
do Senhor”; 13.48,49 - “glorificavam a palavra do Senhor: ... a palavra do
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
57
Senhor se divulgava”; 1 9 .1 0 ,2 0 - “ouviram a palavra do Senhor,... a palavra do
Senhor crescia poderosamente”; 1 Co. 1.18 - “a palavra da cruz” - designan­
do não um documento, mas uma palavra não escrita; cf. Jr. 1.4 - “veio a mim
a palavra do Senhor”; Ez. 1.3 - “veio expressamente a palavra do Senhor a
Ezequiel, o sacerdote”.
c)
As E scrituras, o p a d rã o f in a l de apelo - A ciência e a E scritura lançam
luz um a sobre a outra. O m esm o Espírito divino que deu am bas revelações
ainda está presente, capacitando o crente a interpretar um a pela outra e, assim,
progressivam ente chegar ao conhecim ento da verdade. P or causa da nossa
adequação e por causa do pecado o registro total das com unicações de Deus
passadas na E scritura é m ais fidedigna fonte da teologia do que nossas con­
clusões a partir da natureza ou nossas im pressões particulares do ensino do
Espírito. A teologia, portanto, encara a própria E scritura com o sua principal
fonte de m aterial e seu padrão final de apelo.
Existe uma obra interna do Espírito divino através da qual a palavra exte­
rior tornou-se a obra interior e a sua verdade e poder manifestam-se no cora­
ção. A Escritura representa a obra do Espírito, não concedendo uma nova
verdade, mas uma iluminação da mente para que perceba a plenitude do
sentido que se encontra envolto na verdade já revelada. Cristo é “a verdade”
(Jo. 14.6); “em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e
ciência" (Cl. 2.3); Jesus diz que o Espírito Santo “há de receber do que é meu
e vo-lo há de anunciar” (Jo. 16.14). A encarnação e a cruz expressam o cora­
ção de Deus e o segredo do universo; todas as descobertas da teologia são
apenas desdobramento da verdade que estes fatos envolvem. O Espírito de
Cristo capacita-nos a comparar a natureza com a Escritura e vice-versa e
corrigir os equívocos na interpretação de um à luz do outro. Porque a igreja
como um todo através da qual entendemos o conjunto dos verdadeiros cren­
tes em toda a parte e em todos os tempos tem a promessa de ser conduzida
“em toda a verdade” (Jo. 16.13) é que podemos confiantes esperar o progres­
so da doutrina cristã.
A experiência cristã às vezes é considerada como uma fonte original de
verdade religiosa. Contudo, ela é apenas teste e prova da verdade contida
objetivamente na revelação de Deus. A palavra “experiência” deriva de experior, testar, tentar. A consciência cristã não é “norma normans”, mas “nor­
ma normata”. Como a vida, a luz nos vem através da mediação dos outros.
Embora esta vem de Deus como realmente aquela, da qual sem hesitação
dizemos: “Deus me fez”, apesar de termos pais humanos. Como através do
encanamento recebo a mesma água que se encontra armazenada nos reser­
vatórios no alto da montanha, assim nas Escrituras eu recebo a verdade que
o Espírito Santo originariamente comunicou aos profetas e apóstolos. Calvino, tnstitutes, livro I, cap. 7 - “Como a natureza tem uma manifestação imedi­
ata de Deus na consciência, uma manifestação mediata nas suas obras,
assim a revelação tem uma manifestação imediata de Deus no Espírito, e
mediata nas Escrituras”. “A natureza do homem”, diz Spurgeon, “não é uma
58
A ugustus H opkins Strong
mentira organizada, embora sua consciência interior tenha sido deformada
pelo pecado e apesar de que uma vez tenha sido um guia infalível à verdade
e ao dever o pecado a fez muito enganadora. O padrão de infalibilidade não
está na consciência do homem, mas nas Escrituras. Quando em qualquer
matéria a consciência contraria a Palavra de Deus, devemos saber que ela
não é a voz de Deus, mas do diabo”. D r . G eoge A. G ordon diz que “a história
cristã é a revelação de Cristo adicional ao conteúdo do Novo Testamento”.
Não deveríamos dizer “ilustrativa”, em vez de “adicional”?
H. H. B a w d e n : Deus é a autoridade máxima apesar de que existem autori­
dades delegadas, tais como a família, o estado, a igreja; os instintos, os sen­
timentos, a consciência; a experiência genérica da raça, as tradições, o valor
utilitário; a revelação na natureza e na Escritura. Porém a autoridade de maior
valor para os homens na moral e na religião é a verdade a respeito de Cristo
contida na literatura cristã. A verdade a respeito de Cristo, encontra-se deter­
minada 1) pela razão humana condicionada pela atitude correta dos senti­
mentos e da vontade; 2) à luz de toda a verdade derivada da natureza, inclu­
indo o homem; 3) à luz da história do cristianismo; 4) à luz da origem e
desenvolvimento das próprias Escrituras. A autoridade da razão em geral e a
da Bíblia são correlatas visto que se desenvolveram sob a providência de
Deus e esta em grande escala porém como reflexo daquela. Este ponto de
vista capacita-nos a uma concepção racional da função da Escritura na reli­
gião. Este ponto de vista capacita-nos a raciocinar sobre o que se chama
inspiração da Bíblia, natureza e extensão da inspiração, a Bíblia como ele­
mento histórico - registro do desdobramento histórico da revelação; a Bíblia
como literatura - compêndio dos princípios de vida, mais do que um livro de
regras; a Bíblia cristocêntrica - encarnação do pensamento e da vontade
divinos e no pensamento humano e na linguagem”.
d)
A teologia da Escritura não é antinatural - A pesar de term os falado que
as verdades sistem atizadas da natureza constituem a teologia natural, não
devemos inferir que a teologia escriturística é fora do natural. Porque as Escri­
turas têm o m esm o autor que a natureza, os m esm os princípios são ilustrados
em um a com o na outra. Todas doutrinas da B íblia têm sua razão na m esm a
natureza de Deus que constitui a base de todas as coisas m ateriais. O cristia­
nism o é um a dispensação suplem entar, não contradizendo ou corrigindo erros
na teologia natural, porém de m odo m ais perfeito revelando a verdade. O cris­
tianism o é o plano base no qual toda a criação é edificada - a verdade original
e eterna cuja teologia natural é apenas um a expressão parcial. Por isso a teolo­
gia da natureza e a teologia da E scritura são interdependentes. A teologia
natural não só prepara o cam inho para a teologia escriturística, m as recebe o
estím ulo e auxílio dela. A teologia natural pode agora ser um a fonte da verda­
de, que, antes que a E scritura viesse, ela não poderia fornecer.
J ohn C aird , Fund. Ideas of Chrístianity, 23 - “Não existe esta coisa que se
chama religião natural ou religião da razão distinta da revelada. O cristianis­
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
59
mo é mais profunda, compreensiva e racionalmente, mais concorde com os
mais profundos princípios da natureza e pensamento humanos que a religião
natural; ou, como podemos situá-lo, o cristianismo é a religião natural engran­
decida e feita religião revelada”. P eabody , Christianity the Religion of Nature,
preleção 2 - “Revelação é o desvendamento, o descobrimento daquilo que
antes já existia e exclui a idéia de novidade, de invenção, de criação.... A reli­
gião terrena revelada é a religião natural do céu.” Compare Ap. 13.8 - “o
Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” = a vinda de Cristo não
se fez por mudança; no verdadeiro sentido, a Cruz existiu desde a eternidade;
a expiação é a revelação de um fato eterno no ser divino.
Observe a ilustração de Platão da caverna que facilmente pode ser amea­
çada por alguém que tinha entrado com uma tocha. A natureza é uma luz
embaçada que vem da entrada da caverna; a tocha é a Escritura. K ant para
J acobi, in Jacobi’s Werke, 3.523 - “S e o evangelho não tivesse ensinado as
leis morais universais, a razão não teria adquirido tão perfeito discernimento
delas”. A lexander M c L aren : “O s pensadores não cristãos falam agora elo­
qüentemente sobre o amor de Deus e até mesmo rejeitam o evangelho em
nome de tal amor, chutando a escada pela qual subiram. Mas foi a cruz que
ensinou ao mundo o amor de Deus e independentemente da morte de Cristo
os homens podem esperar que haja um coração no centro do universo, mas
nunca estão certos dele”. O papagaio fantasia que ele ensinou os homens a
falar. Do mesmo modo o S r . S pencer fantasia que inventou a ética. Ele só
está empregando o crepúsculo depois que o sol se pôs. D orner , Hist. Prot.
Theol., 252,253 - “Na Reforma, a fé primeiro forneceu certeza científica; daí
em diante continuou a banir o ceticismo na filosofia e na ciência”.
2. A Escritura e o Racionalismo
A pesar de que as Escrituras tornam conhecido m uito do que está além do
poder da razão hum ana desauxiliada para descobrir ou com preender plena­
m ente seus ensinos, quando tom ados juntos, de m odo nenhum contradizem
um a razão condicionada em sua atividade pelo santo sentim ento e ilum inada
pelo Espírito de Deus. As Escrituras apelam para a razão, em seu am plo senti­
do, incluindo o poder da m ente de reconhecer D eus e as relações m orais - não
no sentido estrito de um sim ples raciocínio ou o exercício da faculdade pura­
m ente lógica.
A)
O ofício apropriado da razão, neste sentido am plo, é: a) Fornecer-nos as
idéias prim árias de espaço, tem po, causa, substância, desígnio, ju stiça e Deus,
que são as condições de todo o subseqüente conhecim ento, b) julgar com rela­
ção à necessidade de um a revelação especial e sobrenatural da parte do homem.
c) E xam inar as credenciais da com unicação que professam ser tal revelação
ou dos docum entos que professam registrá-la. d) Avaliar e reduzir a um siste­
m a os fatos da revelação quando estes foram achados apropriadam ente ates­
tados. é) D eduzir destes fatos suas conclusões naturais e lógicas. A ssim a
60
A ugustus H opkins Strong
própria razão prepara o cam inho para um a revelação acim a da razão e garante
um a confiança em tal revelação quando dada.
D ove , Logic of the Christian Faith, 318 - A razão termina na proposição:
“Conte com a revelação”. L eibnitz : “A revelação é o vice-rei que apresenta
logo as suas credenciais à assembléia provincial (razão) e, depois, ele mes­
mo preside”. A razão pode reconhecer a verdade depois que ela se tornou
conhecida, como por exemplo nas demonstrações da geometria, embora ela
nunca possa descobrir a verdade por si mesma, vera ilustração de C alderwood
sobre o grupo perdido nos bosques, que toma sabiamente o curso indicado
por alguém que se encontra no topo da árvore com maior visão do que a dele
(Philosophy of the Infinite, 126). O noviço faz bem em confiar seu guia na
floresta ao menos até que aprenda a reconhecer por si mesmo as marcas
chamuscadas sobe as árvores. L uthardt , Fund. Thruts, lect. viii - “A razão
nunca podia ter inventado um Deus auto-humilhante, tendo como berço uma
manjedoura e morrendo numa cruz”. L essing , Z ur Geschichte und Litterature
(A Respeito da História e da Literatura), 6 .13 4 - “Qual o sentido de uma reve­
lação que não revela nada”?
R itschl nega que as pressuposições de qualquer teologia baseada na
Bíblia como a infalível palavra de Deus por um lado, e na validade do conhe­
cimento de Deus obtido por processos científicos e filosóficos por outro. Por­
que os filósofos, cientistas e mesmo os exegetas, não concordam entre si,
ele conclui que nenhum resultado fidedigno é atingível pela razão humana.
Admitimos que a razão sem o amor cairá em muitos erros relativos a Deus e
que, por isso, a fé é, portanto, o órgão pelo qual a fé religiosa deve ser apre­
endida. Reivindicamos que a fé inclui a razão e esta na sua mais elevada
forma. A fé critica e julga os processos da ciência natural bem como o conteú­
do da Escritura. Mas ela também reconhece, anteriormente, na ciência e na
Escritura a operação do Espírito de Cristo que é a fonte e autoridade da vida
cristã. R itschl ignora as relações terrenas de Cristo e, por isso, seculariza e
deprecia a ciência e a filosofia. A fé na qual ele confia como a fonte da teolo­
gia, sem garantia, está separada da razão. Torna-se um padrão subjetivo e
arbitrário ao qual, mesmo o ensino da Escritura deve ter precedência. Sus­
tentamos um ponto de vista contrário; o de que observam-se resultados na
ciência e na filosofia e na interpretação da Escritura como um todo e que tais
resultados constituem uma revelação que tem autoridade, ver O rr , The Theology of Ritschl', D orner , Hist. Prot. Theoi., 1.233 - “A questionável razão na
razão empírica é escrava da fé, que é a verdadeira razão nascente, não con­
fiante em si mesma, mas defensora do cristianismo objetivo”.
B)
Por outro lado, o racionalism o sustenta que a razão é a fonte últim a de
toda a verdade religiosa enquanto a E scritura é a autoridade só naquilo que
suas revelações concordam com as conclusões prévias d a razão ou pode ser
dem onstrada racionalm ente. C ada form a de racionalism o, portanto, com ete
ao m enos um dos seguintes erros: d) O de confundir a razão com o simples
raciocínio, ou com o exercício da inteligência lógica, b) O de ignorar a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
61
necessidade de um sentim ento santo com o condição de toda a correta razão
nos assuntos religiosos, c) O da negação da nossa dependência das revelações
de Deus no nosso estado presente de pecado, ã) O de considerar a razão desapoiada m esm o em seu estado norm al e desapaixonado, com o capaz de desco­
brir, com preender e dem onstrar toda a verdade religiosa.
Não se deve confundir razão com raciocínio, ou simples arrazoado.
Vamos seguir a razão? Sim, mas não o arrazoado individual contra o teste­
munho dos que têm melhor informação do que nós; nem insistir na demons­
tração, na qual a evidência provável por si só é possível; nem confiar somen­
te na evidência dos sentidos quando estão em jogo as coisas espirituais.
C oleridge , respondendo aos que argumentavam que todo o conhecimento
nos vem dos sentidos, diz: “De qualquer modo devemos trazer à luz todos os
fatos como os vemos”. É isto que o cristão faz. A luz do amor revela muita
coisa que, de outra forma, seria invisível. W ordsworth , Excursion, book 5
(598) - “A razão desnuda não deve garantir o apoio da mente. A verdade
moral não é uma estrutura mecânica edificada através de regras”.
O racionalismo é a teoria matemática do conhecimento. A ética de S pinosa
é uma ilustração disso. Ela deduziria o universo a partir de um axioma.
O D r. Hodge muito erroneamente descreveu o racionalismo como “um abuso
da razão”. Mais do que isso é o uso de uma razão anormal, pervertida, inade­
quadamente condicionada; ver Hodge, Syst. Theol., 1.34,39,55, e a crítica de
M ille r, O Fetiche na Teologia. A expressão “intelecto santificado” apenas signi­
fica o intelecto acompanhado de justos sentimentos para com Deus e instru­
ídos na operação sob a influência deles. Bispo B u tle r : “Observe-se a razão,
mas não se deixe que criaturas como nós continuem a opor-se a um esque­
ma infinito a ponto de não vermos a necessidade ou utilidade de todas
as suas partes e a isto chamemos razão”. Newman Smith, Death’s Place in
Evolution, 86 - “A descrença é uma haste imersa nas trevas da terra. Afundea mais e aparecerá no raio solar do outro lado da terra”. As pessoas mais
desarrazoadas do mundo são as que dependem exclusivamente da razão, no
sentido restrito. “Quanto mais elas exaltam a razão, mais tornam o mundo
irracional”. “A galinha que choca patinhos anda com eles até à beira da água,
mas pára ali e fica assustada quando eles avançam. Do mesmo modo a
razão pára e a fé continua encontrando o seu elemento mais adequado no
invisível. A razão são os pés que se apoiam na terra sólida; a fé são as asas
que nos capacitam a voar; o homem normal é uma criatura que tem asas”.
Compare yvcòcnç (1 Tm. 6 . 2 0 - “falsamente chamada ciência”) com èmyvcocn.ç
(2 Pe. 1.2 - “conhecimento de Deus e de Jesus, nosso Senhor” = pleno
conhecimento, ou verdadeiro conhecimento).
3. A Escritura e o Misticismo
Com o o racionalism o reconhece que m uito pouca coisa vem de Deus assim
o m isticism o reconhece-a excessiva.
62
A ugustus H opkins Strong
A)
O Verdadeiro Misticismo - Vimos que há um a ilum inação das m entes
de todos os crentes pelo Espírito Santo. C ontudo, o Espírito não faz nenhum a
revelação nova da verdade já revelada por C risto na natureza e nas Escrituras.
A obra ilum inadora do Espírito é, portanto, a de abrir as m entes dos hom ens
para entender as revelações prévias de Cristo. Com o um iniciado nos mistérios
do cristianism o, cada crente verdadeiro pode ser cham ado de m ístico. O ver­
dadeiro m isticism o é o m ais alto conhecim ento e com unhão que o Espírito
Santo concede através do uso da natureza e da E scritura com o m eio subordi­
nado e principal.
“Místico” = iniciado, de núco, “fechar os olhos” - provavelmente para que a
alma possa ter a visão interior da verdade. Porém a verdade divina é um
“mistério”, não só como algo em que alguém deve iniciar-se, mas como
Ú7cep(3áA.A,o-ucya xfiç yvcooeok; (Ef. 3.19) - ultrapassando o pleno conhecimento,
mesmo para o crente; verMEYER sobre Rm. 11.25 - “Não quero, irmãos, que
ignoreis este mistério”. Os alemães têm a palavra Mystik com um sentido
favorável, Mysticismus com um sentido desfavorável, - correspondendo, res­
pectivamente, ao nosso verdadeiro e falso misticismo. O verdadeiro misticis­
mo é sugerido em João 16 .13 - “aquele Espírito da verdade ... vos guiará em
toda a verdade”; Ef. 3.9 - “dispensação do mistério”; 1 Co. 2 .10 - “Deus
no-las revelou pelo seu Espírito”. N itzsch , Syst. OfChrist. Doct, 35 - “Sempre
que a verdadeira religião revive, há um clamor contra o misticismo, /'.e., um
conhecimento mais elevado, uma comunhão, uma atividade através do Espí­
rito de Deus no coração”. Compare a acusação contra Paulo de que ele esta­
va louco, em At. 26.24,25, com a sua própria vindicação em 2 Co. 5.13 - “se
enlouquecemos, é para Deus”.
Inge, Chrístian Mysthicism, 21 - “ H a rna ck fala do misticismo como racio­
nalismo aplicado à esfera acima da razão. Ele deveria ter dito razão aplicada
à esfera acima do racionalismo. Sua doutrina fundamental é a unidade de
toda a existência. O homem pode realizar a sua individualidade apenas trans­
cendendo-a e achando-se na unidade maior do ser divino. O homem é um
microcosmo. Ele recapitula a raça, o universo, o próprio Cristo”. Ibid., 5 O misticismo é “a tentativa de realizar no pensamento e no sentimento a imanência do temporal no eterno e do eterno no temporal. Isto implica 1) que a
alma pode ver e perceber a verdade espiritual; 2) que o homem, para conhe­
cer a Deus, deve ser participante da natureza divina; 3) que, sem a santidade,
ninguém pode ver o Senhor; 4) que o verdadeiro hierofante dos mistérios de
Deus é o amor. A ‘scala perfectionis’ é a) a vida purificadora; b) a vida iluminativa; c) a vida unificadora”. Stevens, Joanninne Theol., 239,240 - “O misticis­
mo de J oão ... não é do tipo subjetivo que absorve a alma na autocontemplação e devaneio, mas objetivo e racional, que vive no mundo da realidade,
apreende a verdade divinamente revelada e baseia sua experiência nela.
É um misticismo que se alimenta, não dos seus próprios sentimentos e fanta­
sias, mas de Cristo. Envolve uma aceitação e obediência a ele. O seu mote é:
Perseverando em Cristo”. Como a pressão da força não pode dispensar o
tipo, assim o Espírito de Deus não dispensa a revelação externa de Cristo na
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
63
natureza e na Escritura. E. G. R obinson , Christian Theology, 364, - “A palavra
de Deus é uma forma ou molde ao qual o Espírito Santo nos entrega quando
nos recria”; cf. Rm. 6.17 - “obedecestes de coração à forma de doutrina a que
fostes entregues”.
B)
Falso Misticismo - O m isticism o, contudo, com o se usa com um ente o
term o, erra ao sustentar a aquisição do conhecim ento religioso pela com uni­
cação direta de Deus e da absorção passiva das atividades hum anas na divina.
Parcial ou totalm ente perde de vista a) os órgãos externos da revelação, da
natureza e das Escrituras; b) a atividade dos poderes hum anos na recepção de
todo conhecim ento religioso; c) a personalidade do hom em e, por conseqüên­
cia, a personalidade de Deus.
Em oposição ao falso misticismo, devemos lembrar que o Espírito Santo
opera através da verdade revelada exteriormente na natureza e na Escritura
(At. 14 .17 - “Não se deixou a si mesmo sem testemunho”; Rm. 1.20 - “as
suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, ... claramente se vêem”;
At. 7.51 - “vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim, vós sois como os
vossos pais”; Ef. 6.17 - “a espada do Espírito, que é a palavra de Deus”).
Através desta verdade já entregue devemos provar toda a nova comunicação
que contradiz ou vai além dela (1 Jo. 4.1 - “não creiais em todo espírito, mas
provai se os espíritos são de Deus”; Ef. 5 .10 - “aprovando o que é agradável
ao Senhor”). Através destes testes podemos por à prova o Espiritismo, o Mormonismo, Swedenborgianismo. Note a tendência mística em Francisco de
Sales, em Tomás à Kempis, em Madame Guyon, em Thomas C. Upham. Tais
escritores parecem, às vezes, defender uma abnegação insustentável da nossa
razão e vontade e uma “absorção do homem em Deus”. Mas Cristo não nos
priva da razão e da vontade; ele só nos tira a perversidade da nossa razão e
o egoísmo da nossa vontade; assim restauram-se a razão e a vontade à sua
clareza normal e força. Compare SI. 16.7 - “o Senhor me aconselhou; até o
meu coração me ensina de noite” = Deus ensina o seu povo através do exer­
cício das próprias faculdades deste.
O falso misticismo está presente, embora, às vezes, não reconhecido.
Toda expectação dos resultados sem o emprego de recursos participa dele.
M artineau , Seat of Authoríty, 288 - “A vontade preguiçosa gostaria de ter a
visão enquanto o olho que a apreende dorme”. Pregar sem preparação é
como lançarmo-nos do pináculo de um templo e depender de que Deus man­
de um anjo a amparar-nos. A Ciência Cristã confiaria em agentes sobrenatu­
rais enquanto deixa de lado os agentes naturais que Deus já providenciou;
como se aquele que está se afogando confiasse na oração, recusando-se a
agarrar na corda. Usando a Escritura “ad aperturam libri” é como guiar a ação
de alguém lançando o dado. A llen , Jonathan Edwards, 171, nota - “Tanto
C harles como J ohn W esley concordavam em aceitar o método morávio de
solucionar as dúvidas como curso de uma ação, abrindo a Bíblia ao acaso e
considerando a passagem em que o olho se fixou primeiro como uma revela­
ção da vontade de Deus sobre o assunto”; cf. W edgwood , Life of Wesley, 193;
A ugustus H opkins Strong
64
S o u th e y , Life of Wesley,
1.216. J. G. Paton, Life, 2.74 - “Após muitas orações
e lutas e lágrimas, pus-me a sós diante do Senhor e, de joelhos, lancei sorte,
com um solene apelo a Deus, e veio a resposta: ‘Volte!’”. Uma única vez ele
fez isso na sua vida, em esmagadora perplexidade, sem encontrar luz vinda
do conselho humano. “A quem quer que tenha esta fé”, diz ele, “obedeça-lhe”.
F. B. M e y e r , Chrístian Living, 18 —“É um equívoco buscar um sinal do céu;
correr de conselheiro a conselheiro; tirar sorte; ou confiar em alguma coinci­
dência fortuita. Isto não significa que Deus não possa revelar a sua vontade
^ desta forma; mas que este é um comportamento duro de um filho para com o
Pai. Há um caminho mais excelente”, - a saber, o próprio Cristo que é sabe­
doria e, quando avançamos, é certo que seremos guiados à medida em que
se der um novo passo, ou a cada palavra proferida, ou decisão tomada.
O nosso culto deve ser “um culto racional” (Rm. 12.1); a ação cega e arbitrária
é inconsistente com o espírito do cristianismo. Este tipo de ação nos torna
vítimas de temporário sentimento e presas do engano satânico. No caso de
perplexidade, aguardando a iluminação e aguardando a vontade de Deus,
freqüentemente nos tornaremos capazes de tomar uma decisão inteligente,
porque “o que não é de fé é pecado” (Rm. 14.23).
“O falso misticismo alcançou seu resultado lógico na teosofia budista. Nes­
se sistema o homem torna-se mais divino na extinção da sua própria pessoalidade. Chega-se ao Nirvana através de oito passos do ponto de vista correto,
da aspiração, da palavra, da conduta, do viver, do esforço, da mente, do êxta­
se; Nirvana é a perda da capacidade de dizer: ‘Este ser sou eu’, e ‘Isto é meu’.
Tal foi a tentativa de Hipatéia, através da sujeição própria, ao ser impelida aos
braços de Jove. G eorge E liot equivocava-se quando dizia: ‘A mulher mais
feliz não tem história’. A autonegação não é auto-anulação. O sino quebrado
não tem individualidade. Em Cristo tornamo-nos completos”. Cl. 2 .9 ,1 0 - “por­
que nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade e nele estais
perfeitos”.
R oyce , World and Individual, 2.248,249 - Impõe-se o homem espiritual;
O homem natural é abnegado. A carnalidade do eu é a raiz de todos os males;
o eu espiritual pertence ao reino mais elevado. Mas este eu espiritual jaz, a
princípio, fora da alma; ele se torna nosso somente pela graça. P latão está
certo quando faz das idéias eternas a fonte de toda a verdade e bonda­
de humanas. A sabedoria vem ao homem como o vcruç de A ristóteles” . A. H.
B radford , The Inner Light, ao fazer o ensino direto do Espírito Santo a fonte
suficiente senão a única do conhecimento religioso, parece ignorar o princípio
da evolução na religião. Deus constrói sobre o passado. A sua revelação aos
profetas e apóstolos constitui a norma e correção da nossa experiência indivi­
dual, mesmo quando a nossa experiência lança novas luzes sobre a revelação.
4. A Escritura e o Romanismo
Enquanto a história da doutrina, m ostrando a progressiva apreensão e des­
dobram ento da verdade contida na natureza e na E scritura da parte da igreja é
um a fonte subordinada da teologia, o protestantism o reconhece a Bíblia, sob
Cristo, com o a autoridade prim eira e final.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
65
O R om anism o, por outro lado, com ete o duplo erro de a) tom ar a igreja, e
não a Escritura, a fonte im ediata e suficiente do conhecim ento religioso; e
b i de fazer a relação do indivíduo com C risto depender de sua relação com a
igreja, ao invés de fazer tal relação com a igreja depender, seguir e expressar
sua relação com Cristo.
H á no Catolicismo Romano um elemento místico. As Escrituras não são
o completo e final padrão de fé e prática. Deus dá ao mundo, de tempo
em tempo, através de papas e concílios, novas comunicações da verdade.
C ipriano : “Quem não tem a igreja como sua mãe não tem Deus como seu
Pai". A gostinho : “Eu não creria na Escritura, se a autoridade da igreja também
me influenciasse”. F rancisco de Assis e I nácio de L oyola representam a pes­
soa verdadeiramente obediente como um morto, movimentando-se só quan­
do movido por seu superior; o verdadeiro cristão não tem vida própria, antes
é um instrumento cego da igreja. J ohn H enry N ewman , Tracts, Theol. andEccl.,
287 - “Os dogmas cristãos estavam na igreja desde o tempo dos apóstolos, substancialmente sempre foram o que são agora”. Mas demonstra-se que
isto não é verdade a respeito da concepção imaculada da Virgem Maria;
a respeito do tesouro dos méritos distribuídos em indulgências; da infalibilida­
de do papa (ver G ore , Incarnation, 186). Em lugar da verdadeira doutrina,
“Ubi Spiritus, ibi ecclesia”, o romanismo emprega a máxima, “Ubi ecclesia, ibi
Spiritus”. Lutero viu nisto o princípio do misticismo quando disse: “Papatus
est merus enthusiasmus”.
Em resposta ao argumento romanista de que a igreja é antes da Bíblia e
que o mesmo corpo que deu a verdade no princípio pode fazer acréscimos à
verdade, dizemos que a palavra não escrita existiu antes da igreja e possibi­
litou esta mesma igreja. A palavra de Deus existiu antes que fosse escrita e
por aquela palavra os primeiros discípulos bem como os posteriores foram
gerados (1 Pe. 1.23 - “fostes regenerados ... mediante a palavra de Deus”).
A contextura da verdade na doutrina católica romana se expressa em 1 Tm. 3.15
- “a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade” = a igreja é a proclamadora da verdade, eleita por Deus; cf. Fp. 2 .16 - “retendo a palavra da
vida”. Mas a igreja só pode proclamar a verdade edificada sobre a verdade.
Deste modo podemos dizer que a República Americana é a coluna e base da
liberdade no mundo; mas isto só é verdade desde que a República seja edifi­
cada no princípio da liberdade como seu alicerce. Quando o romanista per­
gunta: “Onde estava a sua igreja antes de L utero ?” o protestante pode retru­
car: “Onde estava o seu rosto antes de você lavá-lo? Onde estava a farinha
antes que o trigo fosse para o moinho?” L ady J ane G rey , três dias antes da
sua execução, em 12 de fevereiro de 1554, disse: “A minha fé está fundamen­
tada na palavra de Deus, não na igreja; pois, se a igreja for boa, a sua fé deve
ser testada pela palavra de Deus, e não a palavra de Deus ser testada pela
palavra da igreja, nem ainda a minha fé”.
A Igreja Romana queria manter os homens em perpétua infância - fazen­
do-os ir a ela em busca da verdade, ao invés de ir diretamente à Bíblia; “como
a mãe tola que guarda o menino em casa para que não tope o seu artelho; e
quer amá-lo mais fazendo-o permanecer sempre um bebê e assim continuar
66
A ugustus H opkins Strong
sendo a sua mãe”. M a r t e n s e n , Christian Dogmatlcs, 30 - “O romanismo está
de tal modo preocupado com a construção de um sistema de salvaguardas
que esquece a verdade do Cristo que ela quer garantir”. G e o r g e H e r b e r t :
“Que desastre pode causar-lhe qualquer lugar, Cuja casa é repugnante
enquanto ele adora a sua vassoura!” É uma doutrina meio parasita de segu­
rança sem inteligência ou espiritualidade. O romanismo diz: “O homem para a
máquina!” O protestantismo: “A máquina para o homem!” O catolicismo repri­
me a individualidade; o protestantismo devolve-a. Não obstante o princípio
romanista aparece em igrejas ditas protestantes. O catecismo publicado pela
Liga da Santa Cruz, da Igreja Anglicana, contém o seguinte: “Só ao sacerdote
a criança deve confessar seus pecados, se desejar que Deus lhes perdoe.
Sabe por quê? É porque Deus, quando na terra, deu aos seus sacerdotes, e
só a eles, o poder de perdoar pecados. Vá ao sacerdote, que é o médico da
sua alma e que cura em nome de Deus”. Mas isto contradiz Jo. 10.7 - “eu sou
a porta”; e 1 Co. 3.11 - “ninguém pode pôr outro fundamento além do que já
está posto, o qual é Jesus Cristo” = atinge-se a salvação pelo acesso imedia­
to a Cristo e não há nenhuma porta entre a alma e ele.
II. LIM ITAÇÕES DA TEOLOGIA
A pesar de a T eologia derivar seu m aterial da dúplice revelação de Deus,
ela não professa dar um exaustivo conhecim ento de Deus e de suas relações
com o universo. D epois de m ostrar que m aterial tem os, devem os m ostrar que
m aterial não temos. Já indicam os as fontes da Teologia; exam inarem os agora
suas lim itações. São elas:
1. Na finitude do entendimento humano
Isto dá surgim ento a um a classe de m istérios necessários, ou m istérios em
conexão com a infinitude e incom preensibilidade da natureza divina (Jó 11.7;
Rm. 11.33).
Jó 1 1 . 7 - “ a lcan çarás tu os ca m in h o s de Deus, ou ch e g a rá s à perfe içã o do
T odo -po de ro so?” Portanto, ca d a d o u trin a tem seu lado inexplicável. Eis aqui o
sen tido pró prio das palavras de T e r t u l ia n o : “ C e rtu m est, quia im possibile est;
quo ab surd ius eo ve riu s” ; de A nse lm o : “C re do ut in te llig a m ” ; e de A belardo:
“Q ui cred i cito, levis co rd e e st” . Drummond, Nat. Law in Spirít World. “ D e sco ­
n h e ce -se a c iê n cia sem m istério; é ab surd o um a religião sem m istério” . E. G.
Robinson: “ Um se r finito não pode ca p ta r até m esm o sua s próprias relações
com o Infinito” . H o v e y , Manual ofChrist. Theol., 7 - “ Inferir da pe rfe içã o de Deus
que to d a s as obras [natureza, hom em , in spira ção ] serã o ab soluta e im utavelm ente p e rfe ita s; in fe rir do p e rfe ito a m o r de D e us qu e não p o de h a ve r pecado
algu m ou s o frim e n to no m undo; in fe rir d a s o b e ra n ia de D eus que o hom em
não é um ag en te m oral livre; - tud o isso é p re cip itação ; são in fe rên cias a partir
da ca u sa para o e fe ito e n q u a n to se co n h e ce a ca u s a de um m odo im p e rfe ito ” .
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
67
2. No estado imperfeito da ciência natural e metafísica
Isto dá surgim ento a um a classe de m istérios acidentais, ou m istérios que
consistem na natureza aparentem ente irreconciliável das verdades que, tom a­
das separadam ente, são perfeitam ente com preensíveis.
Somos vítimas de um astigmatismo, que permite ver só um ponto da ver­
dade como se fossem dois. Vemos Deus e homem, sabedoria divina e liber­
dade humana, o natural e o sobrenatural, respectivamente, como dois fatos
desconexos, quando numa visão talvez mais profunda seria apenas uma.
A astronomia tem suas forças centrípetas e centrífugas, embora sejam indu­
bitavelmente uma só. A criança não pode segurar duas laranjas ao mesmo
tempo na sua mãozinha. Disse um pregador negro: “Você não pode carregar
duas melancias debaixo de um braço”. S h a k e s p e a r e , Antony and Cleopatra,
1 . 2 - “No infinito livro secreto da natureza, Eu, pequenino, leio”. Cooke, Credentials of Sciense, 34 - “O progresso do homem na ciência tem sido tão
constante e rapidamente acelerado que se tem obtido mais durante a vida do
ser humano que durante toda a sua história passada”. E, contudo, podemos
dizer com D’A rcy, Idealism and Theology, 248 - “A posição do homem no
universo é excêntrica. Só Deus é o centro. Só em torno dele orbita a verdade
completamente exposta. ... Há circunstâncias em que para nós o momento
adiante da verdade pode parecer retrocesso”.
3. Na inadequação da língua
Porque a língua é um m eio pelo qual se expressa e se form ula a verdade, a
invenção de um vocabulário na Teologia, com o em cada um a das outras ciên­
cias, é condição e critério de seu progresso. As Escrituras reconhecem um a
dificuldade peculiar no em prego das verdades espirituais em linguagem terre­
na (1 Co. 2.13; 2 Co. 3.6; 12.4).
1 Co. 2.13 - “não com palavras ensinadas pela sabedoria humana”; 2 Co. 3.6
- “a letra mata”; 12.4 - “palavras inefáveis”. Deus se submete a condições de
revelação; cf. Jo. 16 .12 - “Tenho ainda muita coisa que vos dizer, mas vós
não o podeis suportar agora”. Tem de ser criada a linguagem. As palavras
tem de ser tomadas do emprego comum e ser postas numa aplicação mais
ampla e sagrada de modo que “variem sob o peso do sentido” - p.ex., a
palavra “dia”, em Gn. 1, a palavra àyánri em 1 Co. 13. yerGouLD, 1 Co. 13.12
- “agora vemos como em espelho obscuramente” - metálico, cuja superfície
é obscura e cujas imagens são obscuras = Agora contemplamos a Cristo, a
verdade, apenas refletido na fala imperfeita - “mas então face a face” = ime­
diatamente, sem a intervenção de um meio imperfeito. “Tão veloz como um
túnel num banco de areia do pensamento, as pedras da linguagem devem ser
construídas em paredes e arcos, para um futuro progresso rumo à mina ilimi­
tada”.
68
A ugustus H opkins Strong
4. No nosso conhecimento incompleto das Escrituras
Porque não é a sim ples letra das Escrituras que constitui a verdade, o pro­
gresso da Teologia depende da H erm enêutica, isto é, da interpretação da Pala­
vra de Deus.
Note o progresso ao comentar, do homilético ao gramatical, ao histórico,
ao dogmático, ilustrado em S c o t t , E l l ic o t t , S t a n l e y , L ig h t f o o t . J o h n R o b in s o n :
“Na verdade estou persuadido de que o Senhor tem mais verdade ainda para
revelar a partir da sua palavra”. Uma crítica recente mostrou a necessidade
de estudar cada porção da Escritura à luz da sua origem e conexões. Tem
havido uma evolução na Escritura, tão verdadeira como na ciência natural e o
Espírito de Cristo que estava nos profetas causou um progresso desde a
expressão germinal e típica até a completa e clara. Contudo, ainda necessita­
mos de apresentar a oração do SI. 119 .18 - “Desvenda os meus olhos para
que eu veja as maravilhas da tua lei”.
5. No silêncio da revelação escrita
P ara nossa disciplina e prova, m uito se nos oculta, do que podem os com ­
preender com nossas atuais forças.
Exemplo de silêncio da Escritura sobre a vida e morte da Virgem Maria, o
aparecimento pessoal de Jesus e suas realizações no começo da sua vida, a
origem do mal, o método de expiação, o estado depois da morte. A mesma
coisa sobre questões sociais e políticas, tais como a escravidão, o tráfico de
bebida alcoólica, virtudes domésticas, corrupção dos governantes. “Jesus
estava no céu na revolta dos anjos, embora ele nos conte pouca coisa a
respeito dos anjos ou do céu. Ele não faz discurso a respeito do Éden, ou
de Adão, ou da queda do homem, ou da morte como resultado do pecado
de Adão; e pouco diz dos espíritos desencarnados, se estão perdidos ou
salvos”. Foi melhor inculcar princípios e incumbir aos seus seguidores a
sua aplicação. Seu evangelho não pretendia gratificar uma vã curiosidade.
Ele não desviaria a mente dos homens de perseguir uma coisa necessária;
cf. Lc. 13.23,24 - “Senhor, são poucos os que se salvam? E ele lhes respon­
deu: Porfiai por entrar pela porta estreita, porque eu vos digo que muitos pro­
curarão e não poderão”. O silêncio de Paulo sobre questões especulativas que
ele deve ter ponderado com absorvedor interesse é a prova da sua inspiração
divina. Cf. Jo. 13.7 - “O que eu faço não o sabes tu, agora, mas tu o saberás
depois”. A coisa mais bela no rosto é aquilo que um quadro nunca pode
expressar. Aquele que podia falar bem podia omitir bem. S t o r y : “A parte silen­
ciosa é a melhor de cada obra nobre; De todas expressões que não podem ser
expressas”. Cf. 1 Co. 2.9 - “As coisas que os olhos não viram e os ouvidos
não ouviram e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou
para os que o amam”; Dt. 29.29 - “As coisas encobertas são para o Senhor,
nosso Deus; porém as reveladas são para nós e para os nossos filhos”.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
69
6. Na fa lta de discernimento espiritual causada pelo pecado
Porque o sentim ento santo é condição do conhecim ento religioso, toda a
im perfeição m oral no cristão individualm ente, bem com o na igreja, serve como
em baraço na operação de um a Teologia com pleta.
Jo. 3.3 - “aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus”.
As eras espirituais produzem mais progresso para a teologia - é o testemu­
nho da metade do século após a Reforma e a metade do século após o gran­
de avivamento na Nova Inglaterra na época de J o n a t h a n E d w a r d s . Ueberweg,
Logic (trad. de L in d s a y ), 5 14 - “A ciência tem sofrido muita influência da von­
tade; e a veracidade do conhecimento depende da pureza da consciência.
A vontade não tem poder algum para resistir à evidência científica; mas não
se obtém evidência científica sem a lealdade contínua à vontade”. L o r d e B a c o n
declara que o homem não pode entrar no reino da ciência do mesmo modo
que não se pode entrar no reino do céu sem se tornar uma criança. D a r w in
descreve a sua própria mente como tendo se tornado uma espécie de máqui­
na de triturar as leis gerais das grandes coleções de fatos que resultam na
“atrofia da parte do cérebro de que dependem os mais elevados sabores”.
Porém é possível semelhante atrofia anormal no caso da faculdade moral e
religiosa ( u e rG o R E , incarnation, 37). O Dr. A l le n diz na sua Introd. Lecture at
Lane Theol. Seminary. “Estamos muito alegres ao vê-los na qualidade de
estudantes; mas as cadeiras dos professores estão todas ocupadas”.
m . RELAÇÕES DO M ATERIAL COM O PRO G RESSO DA TEO­
LO GIA
1. É impossível um sistema perfeito de teologia
Não tem os esperança de construir tal sistem a. Toda a ciência apenas refle­
te a presente aquisição da m ente hum ana. N enhum a ciência é com pleta ou
conclusa. A conteça o que acontecer com as ciências da natureza e do homem,
nunca se chegará a um conhecim ento exaustivo da ciência de Deus. Não pode­
m os esperar que se dem onstrem todas as doutrinas apoiados em bases racio­
nais, ou m esm o em cada caso ver o princípio de conexão entre elas. Onde não
podem os fazer isto, devem os, com o em cada um a das outras ciências, estabe­
lecer os fatos revelados em seus respectivos lugares e aguardar m ais luz, ao
invés de ignorá-las ou rejeitar qualquer um a delas porque não as podem os
entendê-las ou não podem os entender a sua relação com as outras partes do
nosso sistem a.
Três problemas insolúveis os egípcios transmitiram à nossa geração:
1) a duplicação do cubo; 2) a trissecção do ângulo; 3) a quadratura de um
70
A ugustus H opkins Strong
círculo. D r . J o h n s o n : “ O s dicionários são como vigias; o pior é melhor do que
nenhum; não se pode esperar que seja perfeitamente verdadeiro”. H o o d fala
da “Contradição” do D r . J o h n s o n , tanto “interior” quanto “exterior”. S ir W illia m
T h o m s o n (L o r d e K e l v in ) no qüinquagésimo aniversário de magistério disse:
“Uma palavra carateriza o mais árduo esforço para o avanço da ciência que
eu, persistentemente, fiz por cinqüenta e cinco anos: a palavra é falha; eu não
entendo mais de energia elétrica e magnética ou das relações entre o éter, a
eletricidade e a matéria ponderável, ou de afinidade química, do que sei e
tentei ensinar os meus alunos de filosofia natural cinqüenta anos atrás em
minha primeira sessão como professor”. A l l e n , Religious Progress, menciona
três tendências. “ A primeira delas diz: Destrua o novo! A segunda diz: Des­
trua o velho! A terceira diz: Não destrua nada! Deixe o velho gradual e silen­
ciosamente desenvolver-se rumo ao novo, como queria E r a s m o . Devemos
aceitar as contradições quer sejam intelectualmente soiucionáveis quer não.
A verdade nunca prosperou forçando alguma ‘via media’. A verdade se encon­
tra mais na união das proposições opostas, como divindade e humanidade
de Cristo e graça e liberdade. B l a n c o partiu de Roma para a infidelidade;
O r e s t e s B r o w n s o n da infidelidade para Roma; assim os irmãos J o h n H e n r y
N e w m a n e F r a n c is W. N e w m a n , e os irmãos G e o r g e H e r b e r t d e B e m e r t o n e
L o r d e H e r b e r t d e C h e r b u r y . Um queria secuiarizar o divino, o outro divinizar o
secular. Mas se um estava certo, o outro também. Adotemos ambos. Todo
progresso é uma penetração mais profunda no sentido da antiga verdade e
sua maior apropriação”.
2. Apesar de tudo isso a teologia é progressiva
É progressiva no sentido de que nosso entendim ento subjetivo dos fatos
pode e na verdade se aperfeiçoa. P orém a T eologia não é progressiva no sen­
tido de que seus fatos objetivos m udam , quer em núm ero, quer em sua nature­
za. Com M artineau podem os dizer: “A religião tem sido rejeitada com o não
sendo progressiva; sendo im perecível, tem feito correções” . A pesar de o nos­
so conhecim ento poder ser im perfeito, ainda terá grande valor. N osso sucesso
em construir um a Teologia dependerá da proporção que os fatos claram ente
expressos da Escritura têm para com as sim ples inferências e sobre o grau em
que elas são coerentes a respeito de C risto, p essoa e tem a centrais.
O progresso da teologia está na apreensão da parte do homem, não no
progresso da comunicação da parte de Deus. A originalidade na astronomia
não está na criação de novos planetas, mas na descoberta dos que nunca
foram vistos antes, ou no esclarecimento das relações entre aqueles de cuja
existência nunca se suspeitara. R o b e r t K e r r E c c l e s : “A originalidade é um
hábito de se voltar às origens - o hábito de garantir a experiência pessoal
através da sua aplicação a fatos originais. Não se trata de uma inferência a
partir de coisas novas quer da natureza, quer da Escritura, quer da consciên­
cia; em vez disso é o hábito de recorrer a fatos primitivos e garantir as expe-
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
riências pessoais que surgem do contato com tais fatos”. F is h e r , Nat. And
Meth. Of Revelation, 48 - “Os céus estrelados são agora o que eram desde a
antigüidade; não há um aumento no universo estelar, a não ser que surja
através do aumento da capacidade e emprego do telescópio”. Não podemos
imitar o ingênuo marinheiro que, quando começou a dirigir, disse que tinha
“navegado através daquela estrela”.
M a r t in e a u , Types, 1.492,493 - “A metafísica desde que seja verdadeira no
seu desempenho, é estacionária, exatamente porque trata não do que come­
ça ou do que termina, mas do que sempre é .... É absurdo louvar o movimento
porque sempre faz o caminho, enquanto zomba do espaço porque ele ainda
é o que sempre foi: como se o movimento que você prefere pudesse existir,
sem o espaço que você reprova”. N e w m a n S m it h , Christian Ethics, 45,67-70,79
- “O verdadeiro conservadorismo é o progresso que provém do passado e
cumpre o que é bom; o falso conservadorismo é uma limitadora e desespe­
rançada volta ao passado, e que trai a promessa do futuro. Jesus não veio
‘destruir a lei ou os profetas'; ele não veio ‘destruir, mas cumprir’ (Mt. 5.17)....
O último livro sobre a Ética Cristã não será escrito antes do Dia do Juízo”.
J o h n M il t o n , Areopagitica: “A verdade é comparada na Escritura a uma fonte
corrente; se as suas águas não fluírem em progressão perpétua, elas adoe­
cerão na lagoa lodacenta da conformidade e tradição. O homem pode ser um
herege na verdade”. Paulo em Rm. 2 .16 e 2 Tm. 2.8 - menciona o “meu
evangelho”. É dever de cada cristão ter seu próprio conceito sobre a verdade,
conquanto respeite os dos outros. Não esperamos novos mundos, nem neces­
sitamos de esperar novas Escrituras; mas podemos esperar progresso na
interpretação de ambos. Os fatos findam, a interpretação não.
71
C
a p ít u l o
III
MÉTODO DA TEOLOGIA
I. REQUISITOS PARA O ESTUDO DA TEOLOGIA
Os requisitos para o bem sucedido estudo da Teologia já foram em parte
indicados quando se falou das suas lim itações. E m que pese algum a repetição,
contudo, m encionam os os seguintes:
1. Uma mente disciplinada
Só essa m ente pode, com paciência, coletar os fatos, sustentar em suas
m ãos m uitos fatos de um a vez, inferir através de contínua reflexão seus prin­
cípios que estabelecem conexão, suspender u m julgam ento final até que suas
conclusões sejam verificadas pela E scritura e pela experiência.
R o b e r t B r o w n in g , Ring and Book, 175 (Pope, 228) - “ A verdade não está
em nenhum lugar, embora esteja em todos, nisto; Não em uma porção abso­
luta, apesar de evoluída pelo todo: por fim evolui dolorosamente, sustentada
por mim de modo vigoroso”. Os mestres e alunos podem dividir-se em duas
classes: 1) os que já conhecem o suficiente; 2) os que querem aprender mais
do que conhecem agora. O lema da Escola de Winchester na Inglaterra: “Disce aut discede” [N.T.: Estuda ou retira-te]. B u t c h e r , Greek Genius, 213,230 “Os sofistas fingiam que estavam comunicando educação quando somente
estavam transmitindo resultados. A r is t ó t e l e s ilustra o método deles, dando o
exemplo do sapateiro que, professando ensinar a arte de fazer sapatos indolores, põe na mão do aprendiz um grande sortimento de sapatos já prontos.
Um espirituoso francês põe na mesma classe os que supostamente tornam
popular a ciência, inteligível a metafísica e respeitável o vício. A palavra oxóA/n,
que, inicialmente, significava ‘ócio’, daí ‘discussão filosófica’, e, finalmente,
‘escola’, mostra o puro amor do aprendizado entre os gregos”. R o b e r t G.
I n g e r s o l l dizia que, em média, o clero provincial é como a terra do Potomac
na fala de T o m R a n d o l p h , quase indigna do seu estado original e transformada
totalmente assim pela cultura. L o t z e , Metaphysics, 1.16 - “o amolar constan­
te da faca é tedioso se ela não se dispõe a cortar”. “Fazer os seus deveres é
apenas uma diversão”, é a descrição que T u c íd id e s apresenta sobre o caráter
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
73
a te n ie n s e . C h it t y p e r g u n t o u a u m p a i s o b r e a s q u a lif ic a ç õ e s d a le i: “ O s e u
filh o p o d e c o m e r s e r r a g e m s e m m a n t e ig a ? ”
2. Um hábito mental intuitivo distinto de um outro simplesmente lógico
ou, confiar nas convicções prim itivas assim com o em seu processo de
raciocínio. O teólogo deve ter insight ( N.T.: discernim ento), assim com o enten­
dim ento. E le deve acostum ar-se a ponderar os fatos espirituais bem com o os
sensoriais e m ateriais; a ver estas coisas em suas relações interiores como
tam bém em suas form as exteriores; acalentar confiança na realidade e unida­
de da verdade.
V in e t, Outlines of Philosophy, 39,40 - “S e eu não sinto que o bem é bem
quem o provará a mim?” P a s c a l: “A lógica, que é uma abstração, pode abalar
tudo. Um ser puramente intelectual será irremediavelmente cético”. C a lv in o :
“Satanás é um teólogo refinado”. Algumas pessoas vêem uma mosca na
porta de um celeiro à uma milha de distância, e não vêem a porta. Z e l l e r ,
Outlines of Greek Philosophy, 93 - “ O sofista G ó r g ia s era capaz de mostrar,
metafisicamente, que nada existe; que não podemos conhecer aquilo que
existe; e que aquilo que conhecemos não se pode transmitir aos outros” (cita­
do por W e n le y , Sócrates and Christ, 28). A r i s t ó t e l e s diferia dos moderados
que pensavam ser impossível passar pelo mesmo rio duas vezes, - sustenta­
va que isto não podia ser feito nenhuma vez (cf.. W o r d s w o r t h , Prelude, 536).
D o v e , Logic o fth e Christian Faith, 1-29 e especialmente 25, dá uma demons­
tração da impossibilidade do movimento: Uma coisa não pode mover-se no
lugar onde está; não pode mover-se nos lugares onde não está; mas o lugar
onde está e os lugares onde não está são os lugares que existem; por isso
uma coisa não pode mover-se. H a z a rd , Man a Creative First Cause, 109, mostra
que o fundo de um poço não se move porque não recua tão rápido como o topo
também não avança. Uma fotografia instantânea torna a parte superior uma
mancha confusa enquanto ele se refere à parte inferior distintamente visível.
A b p . W h a te ly : O s argumentos fracos freqüentemente são confiados diante do
meu caminho; porém, embora não sejam mais substanciais, não é fácil des­
truí-los. Não se conhece proeza mais difícil do que cortar uma almofada com
uma espada”. Cf. 1 Tm. 6.20 - “oposições da falsamente chamada ciência”;
3.2 - “que o bispo seja ... sóbrio” —aáxppcov = “bem equilibrado”. A Escritura
fala da “sã [t>yiíiç = sadia] doutrina” (1 Tm. 1.10). Contraste com 1 Tm. 6.4 [vocrâv = doentia] “delira acerca de questões e contendas de palavras”.
3. Conhecimento das ciências física, mental e m oral
O m étodo para conceber e expressar a verdade da E scritura é assim afetado
por nossas noções elem entares de tais ciências e as arm as com as quais a
Teologia é atacada e defendida são tão freqüentem ente tiradas dos arsenais
que o estudante não pode perm itir-se ignorá-las.
74
Augustus H opkins Strong
G o e t h e explica sua própria grandeza através da fuga da metafísica: Mein
Kind, Ich habe es klug gemacht: Ich habe nie über’s Denken gedacht” - “Meu
filho, tenho sido sábio em nunca pensar em torno de uma coisa”; ele teria sido
mais sábio se tivesse ponderado mais profundamente nos princípios funda­
mentais da sua filosofia. Muito do sistema teológico caiu, como C a m p a n il e
em Veneza, porque os seus alicerces eram inseguros. S ir W il l ia m H a m il t o n :
“Nenhuma dificuldade levanta na teologia aquilo que antes não tinha emergi­
do na filosofia”. N. W. T a y l o r : “Dá-me um moço na metafísica e eu não terei
preocupação com ele em teologia”. P r e s id e n t e S a m s o n T a l b o t : “Amo a metafí­
sica, porque ela trata de realidades”. A máxima “Ubi tres mediei, ibi duo athei”
(Onde há três médicos, lá estão dois ateus), atesta a verdade das palavras de
G a l e n o : ã p ic rc o ç i a t p ò ç te a i <piA,óao<poç —“o melhor médico é também filósofo”.
A teologia não pode dispensar a ciência nem a ciência pode dispensar a filo­
sofia. E. G. R o b in s o n : “A ciência não invalidou qualquer verdade fundamental
da revelação, embora tenha modificado a afirmação de muitos. ... A ciência
física, sem dúvida, chocar-se-á na cabeça de alguns dos nossos deuses de
barro e quanto mais depressa melhor”. Há grande vantagem para o pregador
em dedicar-se, como o fez F r e d e r ic k W. R o b e r t s o n , a uma ciência após outra.
A química entrou na sua estrutura mental, como dizia ele, “como o ferro no
sangue”.
4. Conhecimento das línguas originais da Bíblia
Isto é necessário para capacitar-nos não só a determ inar o sentido dos ter­
m os fundam entais da Escritura, tais com o, santidade, pecado, propiciação,
justificação, m as, tam bém , a interpretar declarações da doutrina através das
suas conexões com o contexto.
Emerson d izia q ue o hom em que lê um livro nu m a lín g u a estrangeira, quando
pode le r nu m a b o a tra d u çã o , é um tolo . O D r. Behrends retruca que é tolo
qu em se s a tis fa z com o su b stitu to . E. G. Robinson: “A líng ua é um grande
org a n ism o e n e nh um e stu d o d is c ip lin a a m e n te co m o d isse cçã o de um o rg a ­
n ism o ” . C risóstom o: “ Eis a ca u sa de to d o s os m ales - o no sso d e s c o n h e c i­
m e n to das E scritu ra s” . C o ntud o, um e ru d ito m o d e rn o disse: “A B íblia é o m ais
pe rig o so de to d o s os do ns q u e D eus co n ce d e u ao h o m e m ” . É p o ssíve l a d o ra r
a le tra e n q u a n to d e ixa m o s de p e rc e b e r o esp írito . U m a in te rp re ta ç ã o bito la d a
po de c o n tra d iz e r o seu sen tido . D e p e n d e m u ito d a co n e xã o d a s exp ressõ es,
co m o p o r exe m plo, o Sià t o w o e ècp’ cp, em Rm. 5.12. O P ro f. Philip Linosley,
de P rin ceton , 1813-1853, d iz ia a o s se u s a lu n o s: “ Um dos m e lh o re s p re pa ros
p a ra a m orte é o co n h e c im e n to in te g ra l da g ra m á tic a g re g a ” . E r a s m o , na sua
ju ve n tu d e : “Q ua n d o rece bo algu m d in h e iro , a d q u iro a lg u n s livros de G rego e,
d e p o is disso, a lg u m a s ro u p a s” . A s lín g u a s m ortas, na ve rd a d e , sã o viva s livre s do p e rig o do fa lso e n te n d im e n to p ro v in d o da m u d a n ça do em prego.
A Providência divina pôs a revelação em formas fixas no Hebraico e no Gre­
go. S ir W il l ia m s H a m il t o n , Discussions, 330 - “Ser um teólogo competente é,
de fato, ser um erudito".
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
75
5. Afeição santa para com Deus
Só o coração renovado pode adequadam ente sentir sua necessidade da
revelação divina ou entender tal revelação quando concedida.
S I. 2 5 .14 - “O segredo do Senhor é para os que o temem”; Rm. 12.2 “para que experimenteis qual seja ... a vontade de Deus”; cf. SI. 36.1 “A prevaricação do ímpio fala no íntimo do seu coração”. “Não é o cérebro,
mas o coração que chega ao altíssimo”. “Aprender de cor é mais que apren­
der através da mente, ou da cabeça (N.Trad .; “de cor” é uma locução que, em
Latim, significa de coração, ou relativo ao coração, ou a partir do coração).
Toda heterodoxia (N.Trad.; falsa doutrina) é precedida da heteropraxia (N.Trad.:
falsa prática, ou comportamento). No “Peregrino”, de B u n y a n , o Fiel não atra­
vessa o Pantanal do Desânimo, como fez o Cristão; e ao atravessar por cima
da cerca, deve achar um caminho mais fácil para que o Cristão e o Esperan­
çoso entrem no Castelo da Dúvida e se entreguem nas mãos do Gigante
Desespero. “Grandes pensamentos vêm do coração”, diz V a u v e n a r g u e s .
O pregador não pode, como fazia o D r . K a n e , acender uma fogueira com
lente de gelo. A r is t ó t e l e s : “O poder de alcançar a verdade moral depende de
agirmos com justiça”. P a s c a l : “Conhecemos a verdade, não só pela razão, mas
pelo coração.... O coração tem razões que a razão desconhece”. H o b b e s : Até
mesmo os axiomas da geometria seriam questionados se as paixões huma­
nas não se preocupassem com eles”. M a c a u l a y : “ A lei da gravidade ainda
seria controvertida se ocorresse a interferência de interesses pessoais”. N o r d a u , Degeneration: “Os sistemas filosóficos somente apresentam as descul­
pas que a razão demanda para os impulsos da raça durante um dado período”.
L o r d e B a c o n : “Uma tartaruga no seu passo normal vence um corredor no seu
passo errado”. G o e t h e : “Tais são as inclinações como as opiniões.... A cabeça
só pode compreender uma obra de arte com a acessória do coração. ... Só a
lei pode dar-nos liberdade”. F ic h t e : “ N o s s o sistema de pensamento mui fre­
qüentemente é a história do coração. ... A verdade descende da consciência.
... A vontade dos homens não atende a sua razão, mas a razão é que atende
a sua vontade”. O lema de N e a n d e r era: “Pectus est quod theologum facit” “O coração é que faz o teólogo”. J o h n S t ir l in g : “Terrível é o olho que pode
dividir-se a partir de um vivo coração celestialmente humano, e ainda conser­
var sua visão introspectiva, - tal como o olho das Górgonas”. Porém acres­
centamos que esse olho não é introspectivo. E. G. R o b in s o n : “Nunca estude
Teologia com sangue frio”. W . C. W il k in s o n : “A cabeça é uma agulha magné­
tica cuja verdade aponta para um dos pólos. Mas o coração é uma massa de
ferro magnético oculta. A cabeça é atraída para o seu pólo natural, a verdade;
mas a maior parte é atraída pelo magnetismo mais próximo”.
6. A influência iluminadora do Espírito Santo
Com o som ente o Espírito sonda as coisas de Deus, só ele pode ilum inar
nossas m entes para apreendê-las.
A ugustus H opkins Strong
76
1
Co. 2 .11,12 - “ninguém sabe as coisas de Deus senão o Espírito de
Deus. Mas ... foi-nos dado o espírito que provém de Deus, para que pudésse­
mos conhecer”. C íc e r o , Natura Deorum, 66 - Nemo igitur vir magnus sine
aliquo adflato divino unquam fuit”. P r o f . B e c k d e T ü b in g e n : “Para o estudante
não há nenhum caminho privilegiado que conduz à verdade; o único é o mes­
mo do inculto; é o da regeneração e da gradual iluminação através do Espírito
Santo; sem ele, a teologia não só é uma pedra fria, como um perigoso vene­
no”. Como todas as verdades dos cálculos diferenciais e integrais estão
envoltas no mais simples axioma da matemática, do mesmo modo toda a
teologia está compreendida na declaração de que Deus é santidade e amor,
ou no proto-evangelho proferido nos portais do Éden. Entretanto, as mentes
embotadas não podem por si mesmas desenvolver os cálculos a partir do
axioma, nem os corações pecadores desenvolver a teologia a partir da pri­
meira profecia. É preciso que os mestres demonstrem os teoremas geométri­
cos, e que o Espírito Santo nos mostre que o “novo mandamento”, ilustrado
na morte de Cristo, é o único “antigo mandamento que tivestes desde o prin­
cípio" (1 Jo. 2.7). Os Princípios de Newton são uma revelação de Cristo do
mesmo modo que as Escrituras. O Espírito Santo nos capacita a penetrar no
sentido das revelações de Cristo tanto na Escritura como na natureza; a inter­
pretar uma através da outra; e assim elaborar as demonstrações e aplicações
originais da verdade; Mt. 13.52 - “Por isso, todo escriba instruído acerca do
Reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro
coisas novas e velhas”.
II. DIVISÕES DA TEOLOGIA
C om um ente a Teologia se divide em B íblica, H istórica, Sistem ática e P rá­
tica.
1.
A Teologia Bíblica tem com o alvo ordenar e classificar os fatos da reve­
lação lim itando-se às Escrituras quanto ao seu m aterial e tratando a doutrina
só na m edida em que ela se desenvolveu até o fim da era apostólica.
D e W e t t e , Biblische Theotogie\ H o f m a n n , Schriftbeweis ;
System of Christian Doctrine. Contudo, esta última tem mais de ele­
Por exemplo:
N it z s c h ,
mento filosófico do que de Teologia Bíblica. O terceiro volume de Justificação
e Reconciliação pretende ser um sistema de Teologia Bíblica; o primeiro e
segundo volumes são pouco mais do que uma introdução histórica. Mas a
metafísica, de realidade e fenomenalismo kantianos, penetra tão grandemente
na avaliação e interpretações de R it s c h l , que torna suas conclusões parciais
e racionalistas. Observe um emprego questionável do termo Teologia Bíblica
para designar a parte da teologia de uma parte da Escritura separada do
resto, como na Teologia Bíblica do Velho Testamento de S t e u d e l ; Teologia
Bíblica do Novo Testamento de S c h m id t e nas expressões comuns: Teologia
Bíblica de Cristo, ou de Paulo. Estas expressões são passíveis de objeção ao
indicar que os livros da Escritura têm uma origem humana. Aceitando a hipó­
tese de que não há uma autoria divina comum da Escritura, concebe-se a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
77
Teologia Bíblica como uma série de fragmentos correspondentes a diferentes
ensinos dos vários profetas e apóstolos e sustenta-se que a teologia de Paulo
não tem garantia e é um acréscimo incôngruo à teologia de Jesus.
2. A Teologia Histórica traça o desenvolvim ento das doutrinas bíblicas
desde o tem po dos apóstolos até os nossos dias e dá conta dos resultados deste
desenvolvim ento na vida da igreja.
O desenvolvimento doutrinário é o progressivo desenvolvimento e absor­
ção que a igreja assume da verdade explfcita e implicitamente contida na
Escritura. Ao explicar a forma da fé cristã nas declarações doutrinárias, a
Teologia Histórica é chamada História da Doutrina. Ao descrever o resultado
e acompanhamento das mudanças exteriores e interiores na vida da igreja, a
Teologia Histórica é chamada História da Igreja.
3. A Teologia Sistemática tom a o m aterial fornecido pelas Teologias B íbli­
ca e H istórica e, com este m aterial, busca edificar um todo orgânico e consis­
tente do nosso conhecim ento de D eus e de suas relações com o universo, quer
este conhecim ento seja originariam ente derivado da natureza, quer das Escri­
turas.
Por isso a Teologia Sistemática é chamada teologia propriamente dita; a
Teologia Bíblica e a Histórica são seus estágios incompletos e preparatórios.
Deve-se distinguir a Teologia Sistemática da Teologia Dogmática. No empre­
go estrito, Teologia Dogmática é a sistematização das doutrinas expressas
nos símbolos da igreja, associando a sua base às Escrituras e à apresenta­
ção, até onde possível, da sua necessidade racional. Por outro lado, a Teolo­
gia Sistemática não começa com os símbolos, mas com as Escrituras. Ela
não indaga primeiro qual a crença da igreja, mas qual a verdade de Deus
revelada na sua palavra. Examina a palavra com todos os acessórios que a
natureza e o Espírito lhe deram, utilizando a Teologia Bíblica e a Histórica não
como mestras, mas como suas servas e auxiliares. Note aqui o emprego técni­
co da palavra “símbolo”, de av>|xpSáXXco, = breve lançamento conjugado, ou
afirmação condensada da essência da doutrina cristã. Sinônimos: Confissão,
credo, consenso, declaração, formulário, cânones, artigos de fé.
O d o g m a tism o e stim u la os re su lta d o s in e vitá ve is. C o ntud o, do g m a tism o
não d e riva de “ d o g ” , com o jo v ia lm e n te s u g e re D o ug las J e r r o ld qu a n d o diz
q u e “o d o g m a tism o é o ca n in is m o na p le n itu d e do seu d e se n v o lv im e n to ” , m as
de SoKéco, pe nso , op in o. A T e olog ia D o g m á tic a te m dois p rincípios: 1) A a u to ­
rid ad e a b so lu ta dos cred os, nas d e cisõ e s da ig reja ; 2) A a p lica çã o de tais
c re d o s da ló g ica fo rm a l com o p ro p ó sito de d e m o n s tra r s u a ve rd a d e , visa nd o
ao e n te n d im e n to . Na Igreja C a tó lic a R o m an a, a a u to rid a d e d e c is iv a não se
e n co n tra na E scritura , m as na ig re ja e no d o g m a d a d o po r ela. C o n tra ria m e n ­
te, o p rin cíp io p ro te sta n te é q ue a E scritu ra d e cid e e é e la que ju lg a o dogm a.
S e g u in d o S chleierm acher, A lb e r t S ch w e itze r d e fe n d e o p e n sa m e n to de que o
78
A ugustus H opkins Strong
termo “Dogmatik” deve ser descartado como essencialmente anti-protestante
e que “Glaubenslehre” deve ocupar o seu lugar; e H arnack , Hist. Dogma, 6,
assinala que o “dogma sempre, no progresso da história, tem devorado seus
progenitores”. Conquanto seja verdadeiro que cada novo e avançado pensa­
dor na teologia tem sido contado como herege, sempre tem havido uma fé
comum “a fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd. 3) - e o estudo da Teolo­
gia Sistemática tem sido um dos principais meios de preservar esta fé no
mundo. Mt. 15 .1 3 ,1 4 - “Toda planta que o Pai celestial não plantou será
arrancada. Deixai-os; são condutores cegos”; = a verdade é plantada por Deus
e tem vida divina permanente. Os erros humanos não têm vitalidade perma­
nente e por si mesmos perecem.
4. Teologia Prática é um sistem a de verdades considerado com o um meio
de renovar e santificar o hom em ou, em outras palavras, a Teologia em sua
dissem inação e reforço.
Pertencem a este departamento da teologia a Homilética e a Teologia Pas­
toral, visto que estas são apenas apresentações científicas dos métodos cor­
retos de desdobrar a verdade cristã e de trazer aos homens e à igreja.
Às vezes se afirma que há outros departamentos da teologia não incluí­
dos nos acima mencionados. Porém eles, em sua maioria, senão todos eles,
pertencem a outras esferas da pesquisa e não podem apropriadamente ser
classificados dentro da teologia. A assim chamada Teologia moral, ou ciência
da moral cristã, ética, ou ética teológica, na verdade, é o resultado da teolo­
gia, mas não deve confundir-se com ela. A assim chamada teologia espe­
culativa, que trata a verdade como matéria de opinião, ou é extra-escriturística e assim pertence ao campo da filosofia da religião, ou é uma tentativa de
explicar a verdade já revelada e, deste modo, entra no campo da Teologia
Sistemática. “A teologia especulativa parte de alguns princípios a priori, e
deles empreende determinar o que é e o que deve ser. Deduz seu esquema
da doutrina das leis da mente ou de axiomas que supõe operar-se em sua
constituição”. Biblia Sacra, 1852.376 - “A teologia especulativa tenta mostrar
que os dogmas concordam com as leis do pensamento enquanto a filosofia
da religião tenta mostrar que as leis do pensamento concordam com os dog­
mas”. A Enciclopédia (a palavra significa “instrução em círculo”) Teológica é
uma introdução geral a todas as divisões da Teologia, juntamente com um
cômputo das relações entre elas. A Enciclopédia de H e g e l era uma tentativa
de apresentar os princípios e conexões de todas as ciências.
As relações da teologia com a ciência e a filosofia têm sido variadamente
estabelecidas, mas nenhuma melhor do que a de H. B. S mith , Faith and Philosophy, 18 - “A filosofia é um modo do conhecimento humano - não o conhe­
cimento todo, mas um modo dele - o conhecimento racional das coisas”.
A ciência pergunta: “O que conheço?” A filosofia pergunta: “O que posso
conhecer?” W illiam J ames , Psychology, 1.14 5 - “A metafísica não significa
nada senão um incomum esforço obstinado de pensar claramente”. A ristóte­
les : “A s ciências em particular são o operário que trabalha com afinco
enquanto a filosofia é o arquiteto. Os operários são escravos; existe para eles
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
um s e n h o r livre. D e ste m odo é que a filo s o fia g o v e rn a a c iê n c ia ” . C om rela­
ção à filo s o fia e à c iê n cia L orde B acon a ssin a la : “A q u e le s que têm m an ejado
o c o n h e cim e n to têm sid o ho m e n s ou o b s e rv a d o re s ou ra cio cin a d o re s a b s tra ­
tos. A q u e le s são co m o a fo rm ig a : só c o le ta m o m a te ria l e o põe em uso im e ­
diato. O s ra cio cin a d o re s a b stra to s são co m o as a ra n h a s que fa ze m as teia s
da su a p ró p ria su b stâ n cia . M as a a b e lh a a ssu m e um m eio term o: ela colhe o
seu m a te ria l das flo re s do ja rd im e do c a m p o e o tra n s fo rm a e d ig e re o que
aju n to u a tra vé s da su a p ró p ria fo rça . N ão d ife re da o b ra do filó s o fo ” . N ovalis :
“A filo s o fia po de não a s s a r n e nh um pão; m as ela p o de a p re s e n ta r-n o s Deus,
lib e rd a d e e im o rta lid a d e ” . P rof . D e W itt de P rinceton : “A ciê ncia , a filo s o fia e
a te o lo g ia são os trê s g ra n d e s m od os de o rg a n iz a r o u n ive rso em um siste m a
in te le ctu al. A c iê n c ia n u nca de sce a b a ixo das ca u sa s se cu n d á ria s; se o faz,
já não é m ais ciê n cia , - to rn a -s e filo s o fia . A filo s o fia e n c a ra o un ive rso com o
um a u n id a d e e a s u a m e ta é se m p re p ro c u ra r e n c o n tra r a fo n te e o cen tro
de sta un id a d e - o A b so lu to , a C a usa P rim eira. Tal m eta da filo s o fia é o ponto
de p a rtid a p a ra a te o lo g ia . O que a filo s o fia está lu ta n d o p a ra achar, a te o lo g ia
a firm a que já ach ou . P or isso a te o lo g ia pa rte do A b so lu to , a C a usa P rim e ira ” .
W. N. C larke , Christian Theology, 48 - A c iê n c ia e x a m in a e c la s s ific a os fatos;
a filo s o fia in qu ire os m eios esp iritu a is. A c iê n c ia p ro c u ra co n h e c e r o universo;
a filo so fia , e n te n d ê -lo ” .
B alfour , Foudantions ofBelief, 7 - “A c iê n c ia n a tural tem com o assu n to as
co is a s m a te ria is e e v e n to s . A filo s o fia é a a p re s e n ta ç ã o s is te m á tic a das
ba ses do no sso c o n h e cim e n to . A m e ta fís ic a é o no sso co n h e c im e n to sobre
as re a lid a d e s não fe n o m e n a is, /.e., D eus e a a lm a ” . K night , Essays in Philosophy , 81 - “O alvo das c iê n cia s é o c re s c im e n to do c o n h e cim e n to a tra vé s da
d e sco b e rta de leis em que to d o s fe n ô m e n o s p o d e m s e r in clu íd o s e p o r m eio
dos q u a is po de m s e r e xp lica d o s. P or o u tro lado, o alvo da filo s o fia é e xp lica r
as c iê n c ia s in clu in d o -a s e, ao m e sm o te m p o , tra n s c e n d e n d o -a s . A s u b s tâ n ­
cia e e ssê n cia são a su a e s fe ra ” . B ow ne , Theory of Thoughtand Knowledge,
3-5 - “ F ilo so fia = doutrina do conhecimento (é a m e n te p a ssiva ou a tiva no
c o n h e cim e n to ? - E p iste m o lo g ia ) + doutrina do ser (é fu n d a m e n ta l que seja
m e c â n ic a e não in te lig e n te , ou p ro p o s ic io n a l e in te lig e n te ? - M e ta física ).
Os s is te m a s de L ocke , H ume e K ant sã o p ro e m in e n te m e n te te o ria s do c o n h e ­
cim e nto; os siste m a s de S pinosa e de L eibnitz são p ro e m in e n te m e n te teo rias
do ser. H isto rica m e n te as te o ria s do s e r v ê m em p rim e iro lu g a r p o rqu e o o b je ­
tivo é o ún ico d e te rm in a n te do p e n sa m e n to refle xo. P orém o in stru m e n to da
filo s o fia é o p ró p rio p e n sa m e n to . E ntão, em p rim e iro lugar, de ve m o s estu d a r
a Lógica, ou a te o ria do pe n sa m e n to ; em s e g u n d o lugar, a E p iste m o lo g ia , ou
a te o ria do co n h e cim e n to ; em te rce iro , a M e ta física , te o ria do s e r” .
P rof . G eorge M. F orbes sobre a Nova Psicologia: “L ocke e K ant represen­
tam as duas tendências da filosofia - por um lado, a empírica, física, científi­
ca, e, por outro, a racional, metafísica, lógica. L ocke fornece a base para os
esquemas associativos de H artley , M ills e B ain ; K ant para o esquema idea­
lista de F ichte, S chelling e H egel. As duas não são contraditórias, mas complementares e os escoceses R eid e H amilton combinam ambas em reação
contra o extremo empirismo e o ceticismo de H ume . H ickok , P orter e M c C osh
representam a escola escocesa na América. É exclusivamente analítica', sua
psicologia é a das faculdades; representa a mente como um feixe de faculdades.
79
80
A ugustus H opkins Strong
A filo s o fia u n itá ria de T. H. G reen , E dward C aird , na G rã B reta nha e, na A m é ­
rica, de W. T. H arris , G eorge S. M orris e J ohn D ewey fo i um a rea ção co n tra a
p s ic o lo g ia das fa cu ld a d e s, so b a in flu ê n c ia de H egel. A se g u n d a rea ção sob a
in flu ê n cia da d o u trin a h e rb a rtia n a da a p e rc e p ç ã o {N.Trad.: = in tu içã o, fa c u l­
dade de a p re e n d e r im e d ia ta m e n te pe ia c o n s c iê n c ia e sem in te rm e d iá rio ló g i­
co, um a idéia, um a ve rd a d e ) su b stitu i a fu n ç ã o p e la fa c u ld a d e to rn a n d o tod os
p ro ce sso s fa se s da a p e rce p çã o . G. F. S tout e J. M ark B aldwin rep rese ntam
e s ta p s ic o lo g ia . U m a te rc e ira re a çã o ve m da in flu ê n c ia da c iê n c ia física.
Todas te n ta tiva s de un ifica ção releg am -se a um hades m e tafísico . N a da há a
não s e r esta d o s e p ro ce sso s. A ú n ica u n id a d e sã o as leis da su a co e xistê n cia
e su ce ssã o . Não e xiste n a d a a priori. W undt id e n tific a a a p e rce p çã o com a
v o n ta d e e c o n s id e ra -a c o m o um p rin c íp io u n itá rio . K ülpe e T itchener não
e n co n tra m um eu, ou um a von tade , ou um a alm a, m as tra ta m isto co m o in te ­
resses q u a se sem ga ra n tia . A su a p s ic o lo g ia não tem alm a. A a n tig a p sico ­
lo gia era e x c lu s iv a m e n te estática , e n q u a n to a no va dá ê n fa se ao ponto de
vista g e né tico. O c re scim e n to e d e s e n v o lv im e n to são as idéias m e stra s de
H erbert S pencer , P reyer , T racy , e S tanley H a ll . W illiam J ames é explícito,
e n q u a n to G eorge T. L add é d e scritivo . C attel , S cripture , e M ünsterberg a p li­
cam os m é to d o s de F echner e o seu órg ã o é a Psichological Review. O erro
d e le s e stá em su a a titu d e n e g a tiv is ta . A a n tig a p s ic o lo g ia é n e ce ssá ria à
su p le m e n ta çã o da nova. Tem m aior e sco po e um a sig n ifica çã o m ais prática.
III. HISTÓRIA DA TEOLOGIA SISTEMÁTICA
1.
Na Igreja do Oriente, pode-se dizer que a Teologia Sistem ática teve seu
início e fim com J oão D amasceno (700-760).
I nácio (+115 A.D. Tralles, cap. 9) d á -n o s “ a p rim e ira d e cla ra çã o de fé d is ­
tin ta co m p o sta de um a sé rie de p ro p o siçõ e s. Tal s is te m a tiz a ç ã o form ou , m ais
tarde , a base de to d o s os e s fo rç o s ” (P rof . A. H. N ewman ). O rígenes de A lexan­
dria (186-254) e scre ve u o seu nspi ’Ap%râv; A tanásio de A lexandria (300-373)
seu tra ta d o so b re a T rin d a d e e a D ivin d a d e de C risto ; e G regório de N issa na
C a pa dócia (332-398) seu Aóyoç k o c t t i x t |i : i k ò ç ó |iéyaç. H atch, Hibbert Lectures,
323, c o n s id e ra o “De Principiig' de O rígenes co m o o p rim e iro s is te m a co m p le ­
to de d o g m a ” , e c o n s id e ra O rígenes co m o “o d is c íp u lo de C lemente de A lexan­
dria , o p rim e iro g ra n d e m estre do cris tia n is m o filo s ó fic o ” . M as en q u a n to os
P ais m e n cio n a d o s p a re ce m te r c o n c e b id o o p la n o de e xp o siçã o o rd en ada
das d o u trin a s e m o stra r o seu re la c io n a m e n to de um as com as ou tras, na
ve rd a d e , foi J oão D amasceno (700-760), qu e m p rim e iro e xe cu to u ta l plano.
S eu "E k Soctiç àKpipfiç -cfjç ôp0o5ó^on nía-cecoç (T ra n sm issã o E xata da Fé O rto ­
do xa) p o d e s e r c o n s id e ra d a a m a is a n tig a o b ra de T e o lo g ia S is te m á tic a .
N eander ch a m a -a “ o m ais im p o rta n te te x to d o u trin á rio da Igreja G re g a ” . C om o
a Ig re ja G rega , em g e ra l, J oão é e s p e c u la tiv o , te o ló g ic o , s e m i-p e la g ia n o ,
sa cra m e n ta lista . O a ssim c h a m a d o C re d o d o s A p ó sto lo s, na sua fo rm a p re ­
sen te, não é a n te rio r ao s é cu lo q u in to ; ver S chaff , Creeds of Cristendom,
1.19. O S r . G ladstone s u g e re que o C re d o d o s A p ó s to lo s é um d e s e n v o lv i­
m en to da fó rm u la b a tism a l. M c G iffert , Apostles’ Creed, atrib ui à fra c a fo rm a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
81
original uma data do terceiro quartel do segundo século, e considera provável
a origem romana do seu símbolo. Foi estruturado como fórmula batismal,
mas não especificamente em oposição aos ensinos de M a r c iã o , que, naquela
época, causava muita perturbação a Roma. Contudo, H a r n a c k data o Credo
Apostólico original no ano de 150 e Z a h n em 120.
2. Na Igreja do Ocidente, (com H agenbach) p odem os distinguir três períodos:
Período do Escolasticismo, - in tro d u zid o p o r P e d ro L o m b a rd o ( 1 1 0 0 -
a)
1 1 6 0 ) , ch eg an d o ao c lím a x c o m Tom ás d e A q u in o ( 1 2 2 1 - 1 2 7 4 ) e D uns S c o tu s
12 6 5 -13 0 8 ).
E m b o ra a T e o lo g ia S is te m á tic a tiv e s s e tid o o seu co m e ço na Igreja do
O riente, seu d e se n v o lv im e n to lim ito u -se qu a se to ta lm e n te ao O cid e n te . A gos ­
tinho (353-430) e scre ve u o seu “Encheiridion ad Laurentiurri’ e a “ D e Civitate
Dei', J oão S coto E rígena (t 850), R oscelino (1092-1122) e A belardo (10791142), na su a te n ta tiv a de um a e x p lica çã o ra cio n a l da d o u trin a cris tã prefiguravam as obras dos gra nd es m estres esco lá sticos. A nselmo de C antuária (10341109), co m seu “Prosiogion de Dei Existentia" e “ Cur Deus Homo”, tem sido,
às ve z e s c h a m a d o , e m b o ra e rro n e a m e n te , o fu n d a d o r do E sco la sticism o .
A llen , Continuity of Christian Thought, a p re s e n ta a tra n s c e n d ê n c ia de Deus
com o o prin cíp io c o n tro la d o r da te o lo g ia a g o s tin ia n a e da O cide ntal. A Igreja
O rien ta l, su ste n ta ele, tin h a b a se a d o a su a te o lo g ia na im a n ê n cia de Deus.
Paine , Evolution of Trinitarism, m o stra que isto é erra do . A g o stin h o era um
teísta da linha m onista. Ele declara que “ Dei v olun ta s rerum natura e st” (N.Trad.:
a v o n ta d e de D eus é a n a tu re za d a s co isa s), e c o n s id e ra a p re se rva çã o de
D eus um a cria çã o co n tín u a . A te o lo g ia o cid e n ta l re co n h e ce a im a n ê n cia de
D eus ta n to com o a su a tra n sce n d ê n cia .
C o n tu d o , P edro L ombardo (1100-1160), o “ m a g is te r se n te n tia ru m ” , foi o
p rim e iro g ra nd e s is te m a tiz a d o r da Igreja O cid e n ta l e seu “ Libri S e n te n tia ru m
Q u a to r” foi o livro de te x to da Idade M édia. M e stre s p ro fe rira m p re le çõ e s com
base nas “ S e n te n ç a s ” (Sententia = se n te n ça , Satz, locus, ponto, a rtig o de fé),
com o fize ra m nos livro s de A ristó te le s, que fo rn e c e u ao E sco la sticism o seu
im p u ls o e d ire çã o . C a d a d o u trin a é tra ta d a na o rd e m da s q u a tro ca u sa s
de A ristóteles : m a terial, fo rm a l, e fic ie n te e fin a l. (“ C a u s a ” aqui = requisito:
1) m a té ria em que um a c o is a co n siste , p.ex. tijo lo s e arg a m a ssa ; 2) fo rm a
que assu m e, p.ex. o plan o ou pro je to ; 3) a g e n te produtor, p.ex., o con stru tor;
4) a finalidade por que foi feita, p.ex., moradia). A organização da ciência
física bem como da teológica deve-se a A r is t ó t e l e s . D a n t e o chamou “o mes­
tre dos que conhecem”. J a m e s Ten B r o e k e , Bap. Quar. fíev., jan. de 18 9 2 .1-2 6
- “O Avivamento do Aprendizado mostrou ao mundo que o verdadeiro A r is t ó ­
t e l e s era muito mais aberto que o Aristóteles escolástico - informação muito
bem-vinda à Igreja Romana”. Para a influência do Escolasticismo, compare
os métodos literários de A g o s t in h o e de C a l v in o , - aquele nos dá o seu mate­
rial em desordem, como soldados em bivaque durante a noite; este, pondo-os
em ordem como os mesmos soldados formados para a batalha.
C a n d l is h , art.: Dogmatic, In Encyl. Brit., 7.340 - “Ao lado de uma poderosa
força intelectual tem preponderância todo o material dogmático coletado, e
82
A ugustus H opkins Strong
cre scid o sem os g ra n d e s sis te m a s e s c o lá s tic o s , que tê m sido c o m p a ra d o s
com as g ra n d e s c a te d ra is g ó tic a s o b ra d a m e s m a é p o c a ” . O d o m in ica n o
T omás de A quino (1221-1274), o “ d o c to r a n g e lic u s ” , a g o s tin ia n o e rea lista , - e
o fra n c is c a n o D uns S cotus (1265-1308), “d o c to r s u b tilis ” , - e la b o ra ra m a te o ­
lo gia e sc o lá s tic a de m odo m ais co m p le to e de ixa ra m a trá s de si, em suas
Summae, g ig a n te sco s m o n u m e n to s de in d ú s tria in te le ctu a l e arg úcia. O e s c o ­
la sticism o tin h a com o alvo a p ro va e s is te m a tiz a ç ã o da s d o u trin a s da Igreja
po r m eio da filo s o fia de A ristóteles . P or fim , to rn o u -s e um ilim ita d o c h a rco de
su tile z a s e a b s tra ç õ e s e aca b o u no c e tic is m o n o m in a lis ta de G uilherme d e
O ccan (1270-1347).
b)
Período do Sim bolism o, - representado pela Teologia Luterana de F ilipe
M elanchton (1497-1560) e pela Teologia R eform ada de J oão C alvino (15091564); aquela em conexão com a Teologia A nalítica de C alixto (1585-1656)
e esta em conexão com a Teologia Federal de C occeius (1603-1669).
Teologia Luterana - Os pre g a d o re s vê m a n te s dos te ó lo g o s; L utero (14851546) e ra m ais p re g a d o r do que te ó lo g o . Mas M elanchton (1497-1560), “o
p re c e p to r da A le m a n h a ” , co m o e ra ch a m a d o , in c o rp o ra v a a te o lo g ia da Igreja
L u te ra n a em sua s “ Loci C o m m u n e s ” = p o n to s de d o u trin a co m u n s aos cre n ­
te s (p rim e ira e d iç ã o a g o s tin ia n a , d e p o is s u b s ta n c ia lm e n te a rm in ia n a ; um
d e s e n v o lv im e n to da s p re le çõ e s so b re a E p ísto la aos R om anos). Foi seg uido
de C hemnitz (1522-1586), “cla ro e p re c is o ” , o m ais c u lto dos discíp u lo s de
M elanchton . L eonhard H utter (1563-1616), c h a m a d o “ L u theru s re d iv iv u s ” e
J oão G erhard (1582-1637) se g u ira m L utero m a is do q u e M elanchton . “C in ­
q ü e n ta an os ap ós a m orte de M elanchton , L eonhard H utter , seu s u c e s s o r na
c a d e ira de te o lo g ia em W itte n b e rg , n u m a é p o c a q u a n d o se a p e la v a para
a a u to rid a d e de M elanchton , d e s tro n a v a -s e da p a re d e o retrato do grande
R e form ador, e se e sm a g a va so b os pé s na p re se n ça da a s s e m b lé ia ” (E. D.
N orris , num jo rn a l p o r oca siã o do 609 a n iv e rs á rio do S e m in á rio de Lane).
G eorge C alixto (1586-1656) se g u iu M elanchton em v e z de L utero . Ele e n si­
na va um a te o lo g ia que re co n h e cia o la d o bom ta n to na d o u trin a re fo rm a d a
com o na ro m a n ista e a isto c h a m a v a “s in c re tis m o ” . S e p a ra v a a É tica da Teo­
lo gia S is te m á tic a e a p lica va a esta o m é to d o a n a lítico de in ve stig a çã o , c o m e ­
ça n d o co m o fim , ou a c a u s a fina l, de to d a s as coisas, a sa b e r: a b e m -ave nturança. E em seu m é to d o a n a lítico ele foi s e g u id o p o r D annhauer (1603-1666),
que tra ta v a a te o lo g ia de u m a fo rm a a le g o riza n te ; C alóvio (1612-1686), “o
m ais in tra n s ig e n te d e fe n s o r da o rto d o x ia lu te ra n a e o m ais d rá stico po le m ista
co n tra C alixto ” ; Q uenstedt (1617-1688), que H ovey c h a m a “culto, ab ra n g e n te
e ló g ico ” ; e H ollaz (t 1730). A te o lo g ia lu te ra n a tin h a co m o alvo p u rific a r a
ig re ja existente, s u s te n ta n d o que a q u ilo qu e não é co n tra o e va n g e lh o é por
ele. D a va ê n fa se ao p rin cíp io m a te ria l da R e fo rm a: a ju s tific a ç ã o pe la fé; m as
co n s e rv a v a m u ito s c o s tu m e s ro m a n is ta s não p ro ib id o s e xp re s s a m e n te na
E scritura . K aftan , Am. Jour. Theol., 19 0 0 .7 16 - “ P o rq u e a filo s o fia e sco la r
m ed ie val su ste n ta v a p rin c ip a lm e n te o e m p re g o da arm a, a te o lo g ia p ro te s ­
ta n te , re p re se n ta n d o a no va fé, a c o m o d a v a -s e n e c e ssa ria m e n te ao c o n h e c i­
m en to p o r ela co n d icio n a d o , isto é, as fo rm a s e sse n c ia lm e n te c a tó lic a s ” .
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
83
Teologia Reformada - A p a la v ra ‘R e fo rm a d a ” é aqui e m p re g a d a no se n ti­
do té cn ico , d e sig n a n d o a q u e la fa s e da n o va te o lo g ia qu e se o rig in o u na S u í­
ça. O re fo rm a d o r su íç o Z w ín g lio (1484-1531), d ife rin d o de L u te ro q u an to à
Ceia do S e n h o r e q u a n to à E scritura , m ais do q u e L u te ro era ch a m a d o pelo
no m e de te ó lo g o siste m á tico . A lg u n s dos se u s e s c rito s p o d e m s e r c o n s id e ra ­
dos o co m e ço da te o lo g ia reform a da . M as c o u b e a João C alvino (1509-1564),
após a m o rte de Z w ínglio , p ô r em o rd em os p rin c íp io s d a q u e la te o lo g ia em
fo rm a siste m á tica . C alvino ca vo u ca n a is p a ra que o d ilú vio de Z w ín g lio flu ís ­
se, co m o a co n te ce u com M e la n ch to n em re la çã o a L u te ro . S eu s Institutos
(“ In stitu tio R e lig io n is C h ristia n a e ), é um a das m a io re s o b ra s de te o lo g ia (com o
obra s is te m á tic a su p e rio r à “ Lo ci” de M e la n ch to n ). C alvino foi s e g u id o por
Pedro, o M á rtir (1500-1562), Chamier (1565-1621) eTEODORO Beza (1519-1605).
B e z a levou a d o u trin a c a lv in is ta da p re d e s tin a ç ã o ao e xtre m o do su p ra la p sa ria nism o , que é m ais h íp e r-c a lv in is ta do que ca lvin ista . C occeius (1603-1669)
e, de po is dele, W itsiu s (1626-1708) fiz e ra m d a te o lo g ia o ce n tro em to rn o da
id éia dos c o n ce rto s e fu n d a ra m a te o lo g ia F ede ral. Leydecker (1642-1721)
tratou da te o lo g ia na ord em da s p e sso a s da T rin d a d e . A m ira ldo (1596-1664)
e Plaques de Saumur (1596-1632) m o d ifica ra m a d o u trin a ca lvin ista , esta a tra ­
vés d a te o ria da im p u ta çã o m e d ia ta e a q u e la a tra vé s da d e fe sa do h ipo té tico
un ive rsa lism o da g ra ça divina. T u r r e t t in (1671-1737), e scla re cid o e p o d e ro ­
so te ó lo g o cu ja o b ra a in d a hoje é livro de te x to em P rin ce to n e P ic te t (16551725), a m b os fe d e ra lis ta s m ostram a in flu ê n c ia da filo s o fia ca rte sia n a . A te o ­
lo gia re fo rm a d a tin h a co m o a lvo e d ific a r um a nova ig reja , a firm a n d o que o
que não d e riva da B íblia é co n tra ela. D a va ê n fa se ao prin cíp io fo rm a l da
R eform a: a a u to rid a d e ú n ica da E scritura .
Em geral, enquanto a linha entre católicos e protestantes na Europa corre
do Ocidente para o Oriente, a linha entre os luteranos e reformados corre do
sul para o norte; a teologia reformada flui com a corrente do Reno para o
norte a partir da Suíça para a Holanda e para a Inglaterra, na qual os trinta e
nove Artigos representam a fé reformada, conquanto o Livro de Oração da
Igreja Inglesa é substancialmente arminiano.
c)
Período da Crítica e da Especulação, - nas suas três divisões: a Racionalista, representada por S emler (1725-1791); a Transitória, por S chleiermacher (1768-1834); a E vangélica por N itzsch, M üller , T holuck e D orner.
Primeira Divisão. Teologias racionalistas: Apesar de a Reforma, em gran­
de parte, ter livrado a teologia dos laços do escolasticismo, após um cer­
to tempo vieram outras filosofias. O exagero das forças da religião natural
Leibnitzianas e Wollfianas abria o caminho para os sistemas racionalistas de
teologia. B u d d e u s (1667-1729) combatia os novos princípios, mas a teologia
de S e m l e r (1725-1791) foi edificada sobre eles e representava as Escrituras
como tendo um caráter simplesmente local e temporário. M ic h a e l is (17161784) e D o e d e r l e in (1714-1789) seguiram S e m l e r e a filosofia crítica de K a n t
(1724-1804) para quem “a revelação era problemática e a religião positiva
simplesmente um meio através do qual comunicam-se as verdades práticas,
assistiu grandemente a tendência para o racionalismo” ( H a g e n b a c h , Doctrine
84
A ugustus H opkins Strong
Hist., 2.397). A m m o n (1766-1850) e W e g s c h e id e r (1771-1848) representavam
esta filosofia. D a u b , M a r h e in e c k e e S t r a u s s (1808-1874) eram dogmáticos
hegelianos. O sistema de S t r a u s s assem elhava-se “a teologia cristã como o
cemitério assemelha-se a uma cidade”. S t o r r , (1746-1805), R e in h a r d (17531812) e K n a p p (1753-1825), empenhados em reconciliar a revelação com a
razão, no centro evangélico, porém não eram mais nem menos influenciados
pelo espírito racionalizante. Pode-se dizer que B r e t s c h n e id e r (1776-1828) e
D e W e t t e (1780-1849) tinham defendido uma base intermédia.
Segunda Divisão. Transição para uma teologia mais escriturística. H erd er
(1744-1803) e J ac o b i (1743-1819), com a sua filosofia mais espiritual, prepara­
ram o caminho para S c h l e ie r m a c h e r (1768-1834) formar a base da sua doutrina
nos fatos da experiência cristã. Os escritos de S c h l e ie r m a c h e r marcaram época
e tiveram grande influência no livramento que a Alemanha teve das armadi­
lhas do racionalismo em que ela havia caído. Agora podemos falar de uma.
Terceira Divisão - e nesta podemos mencionar os nomes de N e a n d e r e
T h o l u c k , T w e s t e n e N it z s c h , M ü l l e r e L u t h a r d t , D o r n e r e P h il ip p i , E b r a r d e
T h o m a s iu s , L a n g e e K a h n is , todos eles expoentes de uma teologia bem mais
pura e evangélica do que era comum na Alemanha de um século atrás. Con­
tudo, duas novas formas de racionalismo apareceram na Alemanha: uma
baseada na filosofia de H e g e l , que contava entre os seus seguidores S t r a u s s
e B a u r , B ie d e r m a n n , L ip s iu s e P f l e id e r e r ; a outra baseada na filosofia de K a n t
e defendida por R it s c h l e seus seguidores: H a r n a c k , H e r m a n n e K a f t a n ; aque­
la dava ênfase ao Cristo ideal e esta ao histórico; porém nenhuma delas reco­
nhecia plenamente o Cristo vivo presente em cada crente ( verJohnson’s Cyciopeedia, art. Theoiogy, de A. B . S t r o n g ).
3.
Entre os teólogos de pontos de vista diferentes da fé protestante prevalecente, podem ser m encionados os seguintes:
a) B elarmino (1542-1621), C atólico Rom ano.
A lé m de B elarmino , “ o m ais co n tro v e rtid o e s c rito r da s u a é p o ca ” (B ayle), a
Igreja C a tó lica R o m an a co n ta entre os s eu s n o tá ve is teó log os: - P etávio (15831652), c u ja te o lo g ia d o g m á tica G ibbon c h a m a de “ um a o b ra de in críve l la b o r e
a lc a n c e ” ; M elchior C anus (1523-1560), um o p o s ito r dos je s u íta s e se u s m é to ­
dos esco lá stico s; B ossuet (1627-1704), que id e a lizo u o c a to lic is m o em sua
E xpo siçã o da D o u trin a e a ta cou o p ro te s ta n tis m o na su a H istó ria das Igrejas
P ro te s ta n te s ; J ansen (1585-1638), q u e te n to u , em o p o s iç ã o a o s je s u íta s ,
re p ro d u z ir a te o lo g ia de A gostinho , e q u e co n to u no se u po d e ro so a u ditó rio
com P ascal (1623-1662). O ja n s e n is m o , no que se re fe re às d o u trin a s da
graça, m a s não ao s sa cra m e n to s, é o p ro te s ta n tis m o virtu a l d e ntro da Igreja
C a tó lica R om ana. O S im b o lism o de M oehler , as “ P re le ctio n e s T h e o lo g ic a e ”
de P e rro n e e o “ C o m p e n d iu m T h e o lo g ia e D o g m a tic a e ” de H urter são as ú lti­
m as e as e xp o siçõ e s de m a io r a p ro va çã o da D o u trin a C a tó lica R om ana.
b ) A rm ínio (1560-1609), o opositor da doutrina da predestinação.
Entre os seguidores de A r m ín io deve-se contar E p is c o p iu s (1583-1643), que
levou o arminianismo aos extremos do pelagianismo; H u g o G r o t iu s (1553-1645),
85
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
jurista e estadista, autor da teoria governamental da expiação; e
(1633-1712), o mais completo expositor da doutrina arminiana.
L im b o r c h
c) L élio S ocínio (1525-1562) e F austo S ocínio (1539-1604), líderes do
m ovim ento unitário.
As ob ras de L é lio Socínio e do seu so b rin h o , Fausto Socínio c o n stitu íra m se o in ício do u n ita rism o m od ern o. L é lio Socínio e ra p re g a d o r e re fo rm a d o r e
F austo Socínio, o teó log o; ou, co m o se e x p re s s a Baumgarten C rusius: “aq ue le
foi o fu n d a d o r do s o c ia n is m o e este o fu n d a d o r d a s e ita ” . Os seu s e scrito s
estão co le ta d o s na B ib lio th e ca F ratrum P o lo n o ru m . O C a te cism o R acoviano,
que to m o u este no m e d e vid o à c id a d e p o lo n e s a de Racow , con tém a m ais
re su m id a e xp o siçã o dos p o n to s de v is ta deles. Em 1660, a Igreja U n itá ria dos
C o ccín eo s, na P olônia, foi d e s tru íd a p o r um a p e rse g u içã o ; um a ram ificação
dela, na H ungria, co n ta com m ais de ce m co n g re g a çõ e s.
4. Teologia Britânica, representada pelos seguintes grupos;
d) Os Batistas, J ohn B unyan (1628-1688), J ohn G ill (1697-1771) e A ndrew
F uller (1754-1815).
Parte da melhor teologia britânica é batista. Entre as obras de J o h n B u n y a n ,
podemos mencionar “ Verdades Abertas do Evangelho’’, apesar de que
“O Peregrino” e a “Guerra Santa" são tratados teológicos em forma alegóri­
ca. M a c a u l a y chama M ilto n e B u n y a n de as duas mentes criativas da Inglater­
ra durante a última parte do século XVII. “O Organismo da Divindade Prática”
de J. G ill apresenta muita habilidade, apesar de que o aprendizado rabínico
do autor apresenta-se numa curiosa exegese, como na análise da palavra
“Abba” ele assinala: “Vós vedes que esta palavra que significa ‘Pai’ é lida da
mesma forma para frente ou para trás; o que sugere que Deus é o mesmo e
de qualquer modo que o vemos”. “As Cartas sobre a Divindade Sistemática”
de A n d r e w F u l l e r são um breve compêndio de teologia. Seus tratados sobre
doutrinas especiais são marcados por um sadio juízo e um claro discernimen­
to. Eles foram o mais influente fator de salvaguarda contra o antinomismo nas
igrejas evangélicas da Inglaterra. Justificam o epíteto que R o b e r t H a l l , um
dos maiores pregadores batistas, lhe deu: “sagaz”, “esclarecido”, “poderoso".
b)
Os Puritanos J ohn O wen (1616-1683), R ichard B axter (1615-1691),
J ohn Howe (1630-1705) e T homas R idgeley (1666-1734).
O wen foi o mais rígido, do mesmo modo que B axter o mais liberal dos
puritanos. A Enciclopédia Britânica assinala: “Como pensador e escritor teo­
lógico, J ohn O wen mantém o seu próprio lugar distintamente definido entre
aqueles titânicos intelectos dos quais a época era abundante. Ultrapassado
por B axter no assunto e no sentimento por H owe na imaginação e na mais
elevada filosofia, não tem rival no poder do desdobramento dos ricos sentidos
A ugustus H opkins Strong
86
da Escritura. Nos seus escritos foi pro em inentem ente o grande teólogo” . B axter
e scre ve u um “M etho du s T h e o lo g ia e ” , e u m a “T e o lo g ia C a tó lic a ” ; J ohn H owe é
c o n h e c id o p rin c ip a lm e n te p o r seu “T e m p lo V ivo ” ; T homas R idgeley p o r seu
“ C o rp o d a D iv in d a d e ” . C harles H. S purgeon n u n c a d e ix o u de e s tim u la r
os se u s e stu d a n te s a se fa m ilia riz a re m com os P u rita n o s A dams , A mbrósio ,
B owden , M anton e S ibbes .
c)
Presbiterianos escoceses T omás B oston (1676-1732), J ohn D ick (17641833) e T homas C halmers (1780-1847).
Dos presbiterianos escoceses, B oston é o mais prolífico, D ick
mo e justo, C halmers o mais fervoroso e popular.
o
mais cal­
ã) Os M etodistas J ohn W esley (1703-1791) e R ichard W atson (1781-1833).
Dos metodistas, a doutrina de J ohn W esley encontra-se presente na “ Teolo­
gia Cristã", coletada dos seus escritos pelo R ev . T hornley S mith . O maior livro
de texto metodista é “Institutos” de W atson , que sistematizou e expôs a teolo­
gia wesleyana. P ope , recente teólogo inglês, segue o arminianismo modificado
e aprimorado de W atson , enquanto W hedon e R aymond , escritores america­
nos recentes, defendem um arminianismo radical e extremo.
e) Quacres [quakers], G eorge F ox( 1624-1691) e R obert B arclay (1648-1690).
C o m o Jesu s, o p re g a d o r e reform a do r, p re ce d e u o te ó lo g o Paulo; com o
L utero , p re ce d ia M elanchton ; c o m o Z wínglio p re c e d ia C alvino ; co m o L élio
S ocínio p re ce d ia F austo S ocínio ; c o m o W esley p re c e d ia W atson ; assim Fox
p re c e d ia B arclay . B arclay e scre ve u um a “A p o lo g ia à V e rd a d e ira D ivindade
C ristã ” , que o D r . E. G. R obinson d e s c re v e c o m o “ um tra ta d o não fo rm a l de
T eolog ia S iste m á tica , p o rém a m ais hábil e x p o s iç ã o dos p o n to s de v is ta dos
Q u a c re s ” . G eorge Fox e ra reform ador, W illiam P enn o fu n d a d o r social, R obert
B arclay, o te ó lo g o dos qu acre s.
f ) C lérigos ingleses, R ic h a rd H o o k e r ( 1 5 5 3 - 1 6 0 0 ) , G i lb e r t B u r n e t ( 1 6 4 3 1 7 1 5 ) e Jo h n P e a rs o n ( 1 6 1 3 - 1 6 8 6 ) .
A igreja inglesa não produziu nenhum grande teólogo sistemático (veras
razões em D orner, Geschichte derProtest. Theologie, 470). O judicioso H ooker
ainda é o seu maior escritor teológico, apesar de que a sua obra encontra-se
apenas na “Política Eclesiástica”. O B ispo B urnet é o autor da “ Exposição dos
XXXIX Artigoé’, e a “ Exposição do Credo" do B ispo P earson . Ambos são livros
de textos ingleses comuns. Um recente “ Compêndio de Teologia Dogmática”
de L itton mostra uma tendência para a volta do arminianismo comum da Igre­
ja Anglicana para o velho agostinianismo; assim também os “Esboços da
Doutrina Cristã’ do B ispo M oule e a “Fé do Evangelho" de M ason .
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
87
5. Teologia Americana, em duas linhas:
a) O sistem a R eform ado de J onathan E dwards (1706-1758), m odificado
sucessivamente por J oseph B ellamy (1719-1790), S amuel H opkins (1721-1803),
Timothy D wight (1752-1817), N athanael E mmons (1745-1840), L eonard W oods
(1774-1854), C harles G. F inney (1792-1875), Nathanael W. T aylor (1786-1858)
e H orace B ushnell (1802-1876). O calvinism o assim m odificado, é freqüen­
temente cham ado de teologia da N ova Inglaterra, ou da N ova Escola.
J onathan E dwards , um d o s m a io re s m e ta fís ic o s e te ó lo g o s, é um id e a lista
q ue s u s te n ta que D eus é a ú n ica v e rd a d e ira ca u sa , q u e r no reino da m atéria,
q u e r no da m ente. Ele c o n s id e ra o p rin cip a l be m co m o fe lic id a d e - um a fo rm a
de se n sib ilid a d e . A virtu d e é a e s c o lh a v o lu n tá ria d e ste bem . P or isso a união
com A d ã o nos atos e e x e rc íc io s é su ficie n te . E sta v o n ta d e de D eus causou
a id e n tid a d e do s e r co m A d ã o . Isto c o n d u z iu ao s is te m a de e x e rc íc io de
H opkins e E mmons , p o r um lado, e à n e g a çã o da p a rte de B elamy e de D wight
de q u a lq u e r a trib u içã o do p e ca d o de A d ã o ou d e p ra v a ç ã o inata, p o r outro
lado - em que com a ú ltim a n e ga ção c o n c o rd a m m uito s ou tro s te ó lo g o s da
N ova In g la te rra que rejeita m o e sq u e m a de e xe rcício , com o , p.ex. S trong ,
T yler , S mally , B urton , W oods e P ark . O D r . N. W. T aylor a c re sce n ta um ele­
m en to m ais d is tin ta m e n te a rm in ia n o : o p o d e r da e s c o lh a co n trá ria - e com
este en sin o da te o lo g ia de N ew H aven, C a rlos F inney, de O berlin, s u b s ta n ­
c ia lm e n te con cord a. H orace B ushnell p ra tic a m e n te s u s te n ta o po nto de vista
s a b e lia n o da T rin d a d e , e a te o ria de u m a in flu ê n c ia m o ra l na e xp ia çã o .
A ssim , a p a rtir de ce rto s p rin c íp io s a d m itid o s p o r E dw ard s, qu e su s te n ta prin ­
c ip a lm e n te a te o lo g ia da V e lh a E scola, d e se n v o lv e u -s e a N ova Escola.
R o b e rt H a ll c h a m a v a E dw ards “ o m a io r do filh o s d o s h o m e n s ” . O D r.
Chalm ers co n s id e ra v a -o co m o “o m a io r dos te ó lo g o s ” . O D r. F airbairn diz:
“ Ele não é a p e n a s o m a io r de to d o s os p e n s a d o re s que a A m é ric a produziu,
m as ta m b é m o m ais e le va d o g ê n io e s p e c u la tiv o do sé cu lo de zoito . Em um
g ra u bem m ais eleva do que Spinoza ele era ‘um hom em in to xica do de D eus’” .
S u a noção fu n d a m e n ta l de que não há n e n h u m a ca u s a lid a d e se n ã o a divina
to rn o u -se a base de um a te o ria da n e ce ssid a d e qu e está na s m ãos dos deísta s a que ele se o p õ e e que é e stra n h a não só ao cristia n ism o , m as tam bé m
ao teísm o. E dw ards não p o d ia te r re ce b id o o seu id e a lism o de B erkeley; pode
te r-lh e sid o s u g e rid o p e lo s e s c rito s de Locke o u de N ew ton, C u d w o rth ou
D e scartes, John N o r r is o u A r t h u r C o llie r .
b) O velho C alvinism o representado por C harles Hodge, o pai, (17971878) e A . A . Hodge, o filho, (1823-1886), juntam ente com Henry B. S mith
(1815-1877), R obert J. B reckinridge (1800-1871), S amuel J. B aird e W illiam
G. T. S hedd (1820-1894). Todos estes, apesar das pequenas diferenças, sus­
tentavam pontos de vista sobre a depravação hum ana e graça divina em mais
próxim a conform idade com a doutrina de A gostinho e C alvino e por esta
razão se distinguem dos teólogos da N ova Inglaterra e seus seguidores pelo
título popular de Velha Escola.
88
A ugustus H opkins Strong
A teologia da Velha Escola, com o seu ponto de vista da predestinação,
exalta Deus; a teologia da Nova Escola, dando ênfase à livre vontade, exalta
o homem. Ainda mais importante é notar que a Velha Escola tem como dou­
trina caraterística a culpa pela depravação inata. Mas entre os que sustentam
tal ponto de vista, uns são federalistas e criacionistas e justificam a condena­
ção de todos os homens por Deus baseados em que Adão representava a
sua posteridade. Em geral são teólogos de Princeton, incluindo C harles H odge,
A. A. H odge , e os irmãos A lexander . Contudo, entre os que sustentam a dou­
trina da Velha Escola sobre a depravação inata, há outros que são traducionistas e justificam a aplicação do pecado de Adão à sua posteridade basea­
dos na união natural entre aquele e esta. O “Elohim Revelado” de B aird e o
ensaio de S hedd sobre o pecado original (Pecado como natureza e a culpa da
natureza) representam esta concepção realista do relacionamento da raça
com o seu pai. R. J. B reckenridge, R. L. D abney e J. H. T hornwell defendem o
fato da corrupção inerente e culpa, mas recusam-se a admitir qualquer razão
para isso, embora tendam para isso. H. B. S mith sustenta firmemente a teoria
da atribuição mediata.
IV. O R D E M D E T R A T A M E N T O NA T E O L O G IA S IS T E M Á T IC A
1. Vários métodos de ordenação dos tópicos de um sistema teológico
d)
O m étodo analítico de C a lix to com eça com o adm itido fim de todas
as coisas, bênçãos e daí passa para o sentido pelo qual ele é assegurado.
b ) O m étodo trinitário de L e yd eck er e M a rte n se n considera a doutrina cristã
um a m anifestação sucessiva do Pai, do F ilho e do Espírito Santo, c) O m étodo
federal de C occeius, de W itsius e de B oston trata a T eologia sob duas alian­
ças. d) O m étodo antropológico de C h a lm e rs e R o th e; aquele com eça com a
doença do hom em e passa para o rem édio; este, dividindo a sua dogm ática em
consciência do pecado e consciência da redenção, e ) O método cristológico de
H ase, Tomasius e A n d rew F u l l e r trata de Deus, do hom em , com o pressuposi­
ções da pessoa e obra de C risto. Também pode-se fa zer m enção./) do método
histórico seguido por U rsin o e adotado p ela H istória da redenção de Jon ath an
E dw ards e g) o m étodo alegórico de D an n h au er, no qual o hom em é descrito
com o um peregrino, a vid a com o um a estrada, o Espírito Santo com o um a luz,
a igreja com o um candeeiro, Deus com o o fim e o céu com o o lar; do mesmo
m odo é a G uerra Santa de B unyan e o Tem plo V ivo de Howe.
A conhecida H/st. of Redemption de J onathan E duards “era na realidade
um sistema de teologia em forma histórica. Ela “começava e terminava com a
eternidade, com todos os grandes eventos e épocas do tempo sendo visto
'sub specie eternitatis’. As três palavras - céu, terra e inferno - seriam as
cenas deste grande drama. Era para incluir os tópicos da teologia como fatores
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
89
vivos, cada um deles em seu próprio lugar", e formando um todo completo e
harmonioso; verALLEN, Jonatham Eduards, 379,380.
2. O M étodo Sintético
Q ue adotam os neste com pêndio, é o m ais com um e m ais lógico de pôr em
ordem os tópicos da teologia. Parte da causa para o efeito, ou, em pregando a
linguagem de Hagenbach (H istória da D outrina), “com eça com m ais elevado
princípio, que é D eus, e destina-se ao hom em , C risto, a redenção e, para
encerrar, o fim de todas as coisas” . E m tal form a de tratar a teologia, podem os
pôr em ordem os nossos tópicos na seguinte disposição:
I o A existência de Deus.
2o As Escrituras, um a revelação de Deus.
3o N atureza, decretos e obras de Deus.
4° O hom em , sem elhança original com D eus e subseqüente apostasia.
5° A redenção através da obra de C risto e do Espírito Santo.
6o N atureza e leis da igreja de Cristo.
T O fim do atual sistem a de coisas.
Parte II
A EXISTÊNCIA DE DEUS
C
a p ít u l o
I
ORIGEM DA NOSSA IDÉIA
DA EXISTÊNCIA DE DEUS
Deus é o Espírito infinito e perfeito em quem todas as coisas têm sua fonte,
sustento e fim .
Outras definições; C alovius : “Essentia spiritualis infinita”; E brard : “A fonte
eterna de tudo o que é temporal”; K ahnis ; “O Espírito infinito”; J ohn H owe : “Um
ser eterno, não causado, independente, necessário, que tem poder ativo, vida,
sabedoria, bondade e qualquer outra excelência na mais elevada perfeição
em si e de si mesma”; Catecismo de Westminster: “Um Espírito infinito, eter­
no, imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e ver­
dade”; A ndrew F uller : “A primeira causa e o último fim de todas as coisas”.
A existência de Deus é um a verdade prim eira; em outras palavras, o conhe­
cim ento da existência de D eus é um a intuição racional. Logicam ente precede
e condiciona toda a observação e raciocínio. C ronologicam ente, só o reflexo
sobre os fenôm enos da natureza e da m ente ocasiona seu surgim ento na cons­
ciência.
O termo intuição significa somente o conhecimento direto. L owndes (Phil.
of Primary Beliefs, 78) e M ansel (Metaphysics, 52) empregam o termo apenas
para designar o nosso conhecimento direto das substâncias, como o eu e o
corpo; P orter aplica-o, de preferência, ao nosso conhecimento das primei­
ras verdades como já foram mencionadas. H arris (Philos. Basis of Theism.,
44-151, esp. 45,46) inclui ambos. Ele divide as intuições em duas classes:
1. Presentes, como a autoconsciência (em virtude da qual percebo a existên­
cia do espírito e já entro em contato com o sobrenatural), e a percepção atra­
vés do sentido (em virtude da qual percebo a existência da matéria, ao menos
em meu próprio organismo e entro em contato com a natureza); 2. Racionais,
como espaço, tempo, substância, causa, causa final, justiça, ser absoluto.
Podemos aceitar esta nomenclatura, empregando os termos “primeiras ver­
dades” e “intuições racionais” como equivalentes uma à outra, classificando
as intuições racionais sob o título de 1) intuições de relações, como espaço e
tempo; 2) intuições de princípios, como substância, causa, causa final, justiça;
94
A ugustus H opkins Strong
e 3) intuição do S e r absoluto, Poder, Razão, Perfeição, Personalida­
de, como Deus. Sustentamos que, na ocasião em que os sentidos conhecem
a) a extensão da matéria, b) sucessão, c) qualidades, d) mudança, e) ordem,
f) ação, respectivamente, a mente conhece (a) espaço, (b) tempo, (c) subs­
tância, (d) causa, (e) desígnio, (f) obrigação, ao conhecermos nossa adequa­
ção, dependência e responsabilidade, a mente conhece diretamente a exis­
tência de uma Autoridade Infinita e Absoluta, Perfeição, Personalidade de que
depen-demos e perante a qual somos responsáveis.
B owne , Theory of Thought and Knowledge, 60 - “Quando andamos em
completa ignorância dos nossos músculos, pensamos, com freqüência, na
ignorância completa dos princípios que fundamentam e determinam o pensa­
mento. Porém como a anatomia revela que o ato aparentemente simples de
andar envolve uma atividade muscular altamente complexa, do mesmo modo
a análise revela que o ato aparentemente simples de pensar envolve um sis­
tema de princípios mentais”. D ewey , Psychology, 238,244 - “A percepção, a
memória, a imaginação, a concepção - cada uma delas é um ato de intuição.
... Cada ato concreto do conhecimento envolve uma intuição de Deus”. M artineau , Types, 1.459 - A tentativa de despojar a experiência de cada um dos
preceitos ou intuições é “como a tentativa de raspar uma bolha na pesquisa
das suas cores e seu conteúdo: in tenuem ex oculis evanuit auram”; (N.Trad
desaparece dos olhos com a suave brisa) Study, 1.19 9 - “tente com todas as
suas forças fazer algo difícil, p.ex., fechar a porta contra o furioso vento e
você reconhecerá o Eu e a Natureza - vontade causai, contra a causalidade
externa; 65 - “Como a Percepção nos dá a Vontade na forma de causalidade
contra nós no não eu, assim a Consciência nos dá a Vontade na forma de
Autoridade contra nós no não eu”; Types, 2.5 - “Na percepção, é o eu e a
natureza, na moral o eu e Deus, que frente a frente estão em antítese subje­
tiva e objetiva”; Study, 2.2,3 - “Na experiência volitiva enfrentamos a causali­
dade objetiva; na experiência moral, a autoridade objetiva, - ambas são obje­
to do conhecimento imediato, no mesmo nível de certeza que a apreensão do
mundo material exterior. Não conheço nenhuma vantagem lógica que a cren­
ça nos objetos finitos possa ostentar sobre a crença na Causa infinita e justa
de tudo”; 51 - “No reconhecimento de Deus como causa destacamos a Univer­
sidade; no reconhecimento de Deus como Autoridade, destacamos a Igreja”.
K ant declara que a idéia de liberdade é a fonte da nossa idéia de persona­
lidade; esta consiste na liberdade da alma inteira sobre o mecanismo da
natureza. L otze , Metaphysics, par. 244 - “Até onde e até quando conhece a si
mesma como idêntica à experiência interior, é, e é chamada tão somente por
esta razão, substância”. Illingworth , Personality, Human and Divine, 32 “Nossa concepção de substância não deriva do mundo físico, mas do mental.
Antes de nada, substância é aquilo que apoia nossos sentimentos mentais e
manifestações”. J ames , Will to Believe, 80 - “Como diz K ant , substância signi­
fica ‘das Beharrliche’, o persistente, aquilo que será como tem sido, porque o
ser é essencial e eterno”. Neste sentido temos uma crença intuitiva em uma
substância permanente que apoia os nossos pensamentos e vontade e a isto
chamamos alma. Mas temos também uma crença intuitiva em uma substân­
cia permanente que apoia todos fenômenos naturais e todos os eventos da
história, e este ser denominamos Deus.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
95
L PRIM EIRAS VERDADES EM GERAL
1. Sua natureza
a)
Negativamente - U m a verdade prim eira não é a) Verdade escrita antes
da consciência sobre a substância da alm a - pois tal conhecim ento passivo
im plica um ponto de vista m aterialista da alm a; b) O verdadeiro conhecim en­
to de que a alm a tem posse no nascim ento - pois não se pode provar que a
alma o tem ; c) U m a idéia, não desenvolvida no nascim ento, tem o poder de
autodesenvolvim ento independentem ente da observação e da experiência pois isto contraria todo o conhecim ento das leis do desenvolvim ento mental.
O rígenes , Adv. Celsum, 1.4 - “Os homens não seriam culpados se não
tivessem em suas mentes noções comuns de moralidade, inatas e escritas
com letras divinas”. C alvino , institutes, 1.3.3 - “Os que julgam corretamente
sempre concordarão em que há um indelével senso de divindade inscrito nas
nossas mentes”. F leming , Vocab. of Philosophy, art.: “Idéias inatas”- “Supõese que Descartes tenha pensado (e L ocke dedicou o primeiro livro dos seus
Ensaios à refutação da doutrina) que as idéias são inatas ou conatas à alma;
/'.e., o intelecto acha a si mesmo no nascimento, ou tão logo desperta para a
atividade consciente a fim de ser possuído de idéias às quais cabe-lhe ape­
nas atribuir nomes adequados, ou juízos que ele apenas precisa expressar
em proposições adequadas - /'.e., antes de qualquer experiência sobre cada
objeto”.
R oyce , Spirit o f Modem Philosophy, 77 - “Descartes ensina que, em cer­
tas famílias, a boa conduta e a queda são inatas. Contudo, naturalmente, os
filhos de tais famílias precisam ser instruídos nas boas maneiras e as crian­
ças, aprendendo a andar, parecem perfeitamente felizes por estarem livres
da queda. Do mesmo modo a geometria nos é inata, mas não vem ao nosso
conhecimento sem muito esforço”; 79 - L ocke não encontra idéias inatas.
Em resposta, ele sustenta que “as crianças, com as suas matracas, não dão
sinais de consciência de que as coisas são iguais às mesmas que são iguais
entre si”. S chopenhauer diz que “J acobi tem a banal fraqueza de tomar tudo o
que aprendeu e aprovou antes dos quinze anos como idéias inatas da mente
humana”. B ow ne , Principies of Ethics, 5 - “Ninguém questiona que a expe­
riência dos sentidos condiciona as idéias racionais e são conseqüência dela
(/'.e., da experiência); do mesmo modo ninguém duvida de que a experiência
mostra uma ordem sucessiva de manifestações. Mas o sensacionalista tem
sempre apresentado uma curiosa cegueira sobre a ambigüidade de tal fato.
Para ele, o que vem depois deve ser uma modificação daquilo que veio antes;
contudo, ela pode ser aquilo, e pode ser uma nova manifestação de uma
natureza ou lei imanente, apesar de condicionada. Afinidade química não é
gravidade, embora aquela não se manifeste até que a gravidade estabeleça
certas relações entre os elementos”.
P fleiderer , Philosophy of Religion, 1 . 1 0 3 - “Este princípio não se encontra­
va presente desde o começo na consciência do homem; pois, para produzir
Augustas H opkins Strong
96
idéias no pensamento, a razão, que no primeiro homem da raça podia ser de
tal modo pequena como nas crianças, precisa desenvolver-se claramente.
Contudo, isto não exclui o fato de que havia desde o começo o impulso racional
inconsciente que é base da formação da crença em Deus, por múltiplos que
possam ter sido os motivos que cooperam com ele”. O eu implica o mais
simples ato de conhecimento. Os sentidos nos apresentam duas coisas, p.ex.,
preto e branco; mas não posso compará-los sem estabelecer a diferença para
mim. Diferentes sensações não fazem nenhum conhecimento , sem um eu
que as reúna. U pton , Hibbert Lectures, prel. 2 - “Pode-se provar tão facilmen­
te a existência de um mundo exterior ao ser humano que não tem sentidos
para percebê-lo, como se pode provar a existência de Deus a alguém que
não tem consciência dele”.
b)
Positivamente - U m a verdade prim eira é um conhecim ento que, apesar
de desenvolvido na ocasião da observação e reflexão, não deriva nem de uma,
nem de outra; ao contrário, tem tal prioridade lógica que deve ser assum ida ou
suposta a fim de tom ar possível qualquer observação ou reflexão. Por isso,
tais verdades não são prim eiro reconhecidas na ordem do tem po; algumas
delas são adm itidas em um período um tanto tardio no desenvolvim ento da
m ente; para a grande m aioria dos hom ens elas nunca são totalm ente form ula­
das. C ontudo, constituem as suposições necessárias nas quais repousa todo o
conhecim ento, e a m ente não só tem a capacidade inata de envolvê-los tão
logo se apresentem as ocasiões adequadas, m as o seu reconhecim ento é inevi­
tável logo que a m ente com eça a contar com o seu próprio conhecim ento.
M ansel , Metaphysics, 52, 279 - “Descrever a experiência como a causa
da idéia do espaço seria tão impreciso como falar do solo em que foi planta­
do, como a causa do carvalho - embora o plantio no solo seja a condição
para que se manifeste a força do seu fruto”. C oleridge : “Vemos antes de
sabermos que temos olhos; mas uma vez tomado conhecimento disso, per­
cebemos que os olhos devem ter preexistido para capacitar-nos a ver”. C oleridge fala das primeiras verdades como “aquelas necessidades da mente
ou formas de pensamento, que, embora reveladas a nós pela experiência,
devem ter preexistido para torná-la possível”. M c C osh , Intuitions, 48,49 As instituições são “como a flor e o fruto, que estão na planta desde o seu
embrião, mas não podem ser realmente formados enquanto não tenham exis­
tido caule, ramos, e folhas”. P orter, Human Inteilect, 501, 519 - “Não se pode
conhecer algumas verdades ou assenti-las antes de tudo”. Algumas chegam
ao fim de tudo. A intuição moral freqüentemente se desenvolve tarde e às
vezes, até mesmo, por ocasião de um castigo físico. “Todo homem é tão
ocioso quanto lhe permitam as circunstâncias”. A nossa ociosidade física é
ocasional; nossa ociosidade mental é freqüente; nossa ociosidade moral é
incessante. Somos excessivamente ociosos para pensar e especialmente para
pensar em religião. Por conta dessa depravação da natureza humana deve­
mos esperar que, finalmente, a intuição para Deus se desenvolva. O homem se
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
97
esquiva do contato com Deus e de pensar em Deus. Na verdade o seu desa­
grado da intuição para Deus o leva, não raro, a negar todas as outras intuições,
mesmo as de liberdade e de justiça. Daí a moderna “psicologia sem alma”.
S churman , Agnosticism and Religion, 105-115 - “A idéia de Deus ... se
desenvolve mais tardiamente na consciência clara ... e deve ser mais tardia
porque é a unidade da diferença entre o eu e o não eu, porque estes são
pressupostos”. Mas “ela não tem menor valor em si; não atribui menos fide­
digna certeza de realidade que a consciência do eu ou a do não e u .... A cons­
ciência de Deus é o prius lógico da consciência do eu e do mundo. Mas, como
já se observou, não o (prius) cronológico; porque, conforme a profunda
observação de Aristóteles, o que vem em primeiro lugar na natureza das
coisas é a ordem do desenvolvimento final. Exatamente porque Deus é o
primeiro princípio do ser e do conhecer, ele deve ser o último a manifestar-se
e a ser conhecido. ... O finito e o infinito são conhecidos simultaneamente e é
tão impossível conhecer um sem conhecer o outro como apreender um ângulo
sem os lados que o formam”.
2. Seus critérios
São três os critérios pelos quais as verdades prim eiras devem ser testadas:
b) Sua universalidade. Isto não significa que o hom em concorda com elas
ou as entenda quando propostas em form a científica, mas que todos os homens
m anifestam um a crença prática nelas através da linguagem , das ações e das
expectações.
b) Necessidade. N ão significa que é im possível negar estas verdades, mas
que a m ente é com pelida por sua própria constituição a reconhecê-las com
base na ocorrência de condições próprias e em pregá-las em seus argumentos
para provar sua não existência.
c) Independência e prioridade lógicas. Significa que estas verdades não
podem ser resolvidas em nenhum a outra; que elas pressupõem a aquisição de
todos os outros conhecim entos e, portanto, não podem derivar de nenhum a
outra fonte que não seja um poder cognitivo da mente.
Exemplos da negação reconhecida e formal das primeiras verdades: o
positivista nega a causalidade; o idealista nega a substância; o panteísta nega
a pessoalidade; o necessitário nega a liberdade; o niilista nega a sua própria
existência. De igual modo o homem pode argumentar que não há necessida­
de de uma atmosfera; mas ainda enquanto ele argumenta, ele respira. É um
exemplo de argumento arrasador para demonstrar a liberdade da vontade.
Admito minha própria existência ao duvidar dela; pois “cogito, ergo sum”, como
o próprio Descartes insiste, na verdade, significa “cogito, scilicet sum”; H. B.
S mith : “Declaração é análise, não prova”. L add , Philosophy of Knowledge, 59
- “O cogito, no Latim bárbaro = cogitans sum: pensar é se r consciente de si
mesmo”. B entham - “A palavra deve é de impostura de autoridade e precisa
ser banida do reino da moral”. S pinoza e H egel , na verdade, negam a cons­
Augustus H opkins Strong
98
c iê n c ia p ró p ria q u a n d o fa z e m do ho m e m um fe n ô m e n o do in fin ito . R oyce
a sse m e lh a o hom em que ne ga a p e s s o a lid a d e p a ra a q u e le que sai da sua
p ró p ria ca sa e d e c la ra qu e n in g u é m m ora n e la po rq u e , qu a n d o olh a para
d e n tro da ja n e la , não vê ninguém .
O P rof . J ames , em sua Psichology, admite a realidade de um cérebro, mas
recusa-se a admitir a realidade de uma alma. Esta é essencialmente a posi­
ção do materialismo. Porém esta suposição de um cérebro é metafísica,
embora o autor reivindique estar escrevendo uma psicologia sem metafísica.
L add , Philosophy of Mind, 3 - “O materialista crê na causa própria ao explicar
a origem da mente a partir da matéria, mas, quando se lhe pede que veja na
mente a causa da mudança física, no mesmo instante ele se torna um sim­
ples fenomenalista”. R oyce , Spirit of Modem Philosophy, 400 - “Eu sei que
todos seres, desde que saibam apenas contar, acham que três e dois são
cinco. Talvez os anjos não saibam contar; mas, se eles souberem, este axio­
ma é verdadeiro também para eles. S e eu encontrasse um anjo que declaras­
se que a sua experiência ocasionalmente havia mostrado que três e dois não
são cinco, eu saberia de uma vez que tipo de anjo era ele”.
II. A E X IST Ê N C IA DE D E U S, U M A P R IM E IR A V E R D A D E
I.
Que o conhecimento da existência de Deus responde ao primeiro crité­
rio da universalidade é evidente a partir das seguintes considerações:
d)
É fato reconhecido que a grande m aioria dos hom ens na verdade tem
reconhecido a existência de um ser ou seres espirituais de quem eles supõem
depender.
Os Vedas declaram: “Há apenas um Ser - não um segundo”. M ax M üller,
Origin and Growth o f Religion, 34 - “Não se invocam os seres visíveis, sol,
lua, e estrelas, mas algo que não pode ser visto”. As tribos inferiores têm
consciência, têm medo da morte, crêem em bruxas, fazem propiciação ou
exorcizam os maus fados. Mesmo o adorador de fetiche, que chama a pedra
ou a árvore um deus, mostra que já tem a idéia de Deus. Não devemos medir
as idéias dos pagãos pela sua capacidade de expressão, nem julgar a cren­
ça da criança na existência do seu pai pelo seu sucesso ao desenhar um
quadro dele.
As raças e nações que, a princípio, parecem destituídas de tal conheci­
m ento, uniform em ente, têm sido encontradas com o possuindo-o, de modo que
nenhum a tribo de que tem os conhecim ento pode ser considerada desprovida
de um objeto de culto. Podem os adm itir que tal conhecim ento será visto como
verdadeiro m ais adiante.
b)
M offat, que relata certas tribos africanas destituídas de religião, foi corri­
gido pelo testemunho do seu genro, L ivingstone : “A existência de Deus e de
T e o l o g ia S is t e m á t j c a
uma vida íu\ura é reconhecida em toda a parte da Áírica”. Onde os homens
são os mais destituídos de qualquer conhecimento formulado de Deus, as
condições do despertar da idéia são as mais ausentes. Uma macieira pode
ser de tal modo condicionada que nunca produza maçã. “Não julgamos os
carvalhos pelo não crescimento, ou espécimens sem flores nos confins do
Círculo Ártico”. A presença de um ocasional cego, ou surdo ou mudo não
anula a definição de que o homem é uma criatura que vê, ouve e fala. B owne ,
Principies of Ethics, 154 - “Não precisamos tremer por causa da matemática,
mesmo que se encontrem algumas tribos que desconhecem a tabuada. ...
Sempre nos deparamos com a existência sub-moral e sub-racional no caso
de crianças; e, se encontrássemos isto em outra parte, não teria maior impor­
tância”.
V ítor H ugo : “Alguns homens negam o infinito; alguns também negam o
sol; são cegos”. G ladden , What is Left?, 148 - “O homem pode escapar da
sua sombra indo para o escuro; se vem para a luz, ei-la de volta. Do mesmo
modo o homem pode ser mentalmente tão indisciplinado que não reconheça
estas idéias; mas aprenda ele a utilizar a razão e reflita sobre os seus próprios
processos mentais e conhecerá que tais processos são idéias necessárias”.
c)
C orrobora esta conclusão o fato de que os indivíduos em terras pagãs ou
cristãs que professam não ter qualquer conhecim ento de um poder ou poderes
superiores a eles m anifestam indiretam ente a existência de tal idéia em suas
m entes e sua influência positiva sobre eles.
C omte diz que a ciência conduz Deus à fronteira e daí o lança fora agrade­
cendo os serviços prestados. Mas H erbert S pencer afirma a existência de
uma “Força de que não se concebe limite algum de tempo e de espaço, da
qual todos os fenômenos presentes na consciência são m anifestações”.
A intuição de Deus, embora formalmente excluída, está contida implicitamen­
te no sistema de S pencer , na forma de “irresistível crença” num Ser Absoluto,
que distingue a sua posição da de C omte ; ver H. S pencer , que diz: “Uma ver­
dade deve tornar-se sempre mais clara - uma inescrutável existência mani­
festa em toda a parte, que nem podemos encontrar e cujo princípio ou fim não
podemos conceber - aquela certeza absoluta de que estamos sempre na
presença de uma energia infinita e eterna da qual procedem todas as coisas”.
O S r. S pencer admite unidade na Realidade subjacente. F rederick H arrison ,
escarnecendo, pergunta-lhe: “Por que não dizer ‘forças’ em vez de ‘força’? ”
Enquanto H arrison nos dá um ideal moral supremo sem base metafísica,
S pencer dá-nos um princípio metafísico último sem propósito moral final.
A idéia de Deus é a síntese das duas: “São apenas luzes que partem de Ti, e
tu, ó Senhor, és mais do que elas” (T ennyson , in Memoriam).
S ó lo n fala de Deus como ó 0eóç e como tò Oeíov, e S ó fo c le s como ó ^é yaç
Oeóç. O termo para Deus é idêntico em todas línguas indo-européias e, por
isso, pertence a uma época anterior à separação daquelas línguas. Na Eneida
de V irg ílio , Mezêncio é um ateu e despreza os deuses e confia só na lança e
em seu braço direito; mas, quando lhe trazem o cadáver de seu filho, seu
100
A ugustus H opkins Strong
p rim eiro ato é le va n ta r as m ãos ao céu. H ume era cético, m as disse a F erguson,
em u m a noite e stre la d a : “A dã o, D eus e xiste ” ! V oltaire o ro u nu m a te m p e sta d e
tro v e ja n te nos A lp es. S helley e scre ve u seu no m e no livro de v isita n te s na
p o u sa d a em M o n ta n ve rt, e a cre sce n to u : “ D e m o cra ta , fila n tro p o , a te u ” ; c o n tu ­
do, ele g o s ta v a de p e n s a r num “fin o e sp írito p e n e tra n d o o u n ive rso ” ; e ta m ­
bém escre veu : “A q u e le p e rm a n e ce , m uito s m ud am e pa ssam ; a luz do Céu
b rilh a se m p re , a s o m b ra da te rra v o a ” . S trauss a d o ra o C o sm o s po rq u e “a
o rd em e a lei, a razão e a b o n d a d e ” são a su a alm a. R enan co n fia na bondade,
no d e síg n io , nos fins. C harles D arwin , Life, 1.274 - “Nas m in ha s extrem a s
flutuações, nu n ca fui ateu, no sentido de n e g a r a existência de Deus”.
d)
Este acordo entre indivíduos e nações tão am plam ente separados no
tem po e no espaço pode ser satisfatoriam ente explicado supondo que tem sua
base, não em circunstâncias acidentais, m as n a natureza do hom em com o tal.
As diversificadas e im perfeitam ente desenvolvidas idéias do suprem o ser que
prevalecem entre os hom ens são levadas em conta de m elhor form a como
falsas interpretações e perversões de um a convicção intuitiva com um a todos.
H uxley , Lay Sermons, 163 - “Há selvagens sem Deus, em qualquer senti­
do apropriado da palavra; mas não há nenhum sem espíritos”. M artineau ,
Study, 2.353, retruca com propriedade: “Ao invés de fazer outros povos voltarem-se para os espíritos e daí um apropriar-se de nós mesmos [e atribuir
outro a Deus, podemos acrescentar] por imitação, partimos do senso de con­
tinuidade pessoal, e depois atribuímos os mesmos predicativos de outros,
sob as figuras que conservam a maior parte do elemento físico e perecível”.
G rant A llen descreve as mais elevadas religiões como “um grosseiro desen­
volvimento de um fungóide”, que se reuniu em torno do culto ancestral. Mas
isto faz derivar o maior do menor. S ayce, Hibbert Lectures, 358 - “Não vejo
nenhum traço de culto ancestral na literatura babilônica que tenha sobrevivi­
do até nós” - isto parece fatal para o ponto de vista de H uxley e de A llen de
que a idéia de Deus deriva da primitiva crença do homem nos espíritos dos
mortos. C. M. T yler , in Am. Jour. Theol., jan., 18 9 9 .14 4 - “Parece impossível
deificar um morto, a não ser que haja uma consciência primitiva embrionária
anterior ao conceito de divindade”.
Renouf, Religion of Ancient Egypt, 93 - “Toda a mitologia do Egito ... gira
em torno das histórias de Rá e Osíris. ... Descobriram-se textos que identifi­
cam Osíris e Rá. ... Conhecem-se outros textos em que Rá, Osíris, Ámon e
outros deuses desaparecem, a não ser como simples nomes, e afirma-se a
unidade de Deus na mais nobre linguagem da religião monoteísta”. Estes
fatos são mais antigos que qualquer culto aos ancestrais. “Eles apontam para
uma idéia original da divindade acima da humanidade” ( ver H il l , Genetic
Philosophy, 317). Podemos acrescentar a idéia do elemento sobre-humano,
antes de considerarmos o animismo ou culto aos ancestrais em uma religião.
Tudo o que o homem primitivo via na sua natureza sugeria tal elemento
sobre-humano, especialmente a vista dos altos céus e aquilo que ele conhe­
ce de causalidade relacionado com eles.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
101
2.
Ver-se-á que o conhecimento da existência de Deus responde ao segun­
do critério da necessidade, considerando-se:
a) Q ue o homem, sob circunstâncias adequadas à m anifestação deste conhe­
cim ento, não pode deixar de reconhecer a existência de Deus. A contem pla­
ção da existência finita, inevitavelm ente sugere a idéia de um ser infinito como
seu correlato. Q uando a m ente percebe a sua finitude, dependência, responsa­
bilidade, im ediata e necessariam ente percebe a existência de um ser infinito e
incondicionado de quem ela depende e perante o qual ela é responsável.
Não podemos reconhecer o finito como tal a não ser comparando-o com
um padrão já existente - o Infinito. M ansel , Limits of Religious Thought, prel. 3
- “A constituição da nossa mente nos compele a crer na existência de um Ser
Absoluto e Infinito - crença que parece impor um complemento da nossa
consciência do relativo e do finito”. F isher , Jour. Chr. Philos., jan. 18 83.113 —
“O ego e o não ego, cada um condicionado pelo outro, pressupõe um ser não
condicionado de que eles dependem. O ser não condicionado é a pressupo­
sição de todo o nosso conhecimento”. O ser dependente percebido implica
um independente; o independente é perfeitamente autodeterminante; auto­
determinação é Personalidade infinita. J ohn W atson , in Philos. Re v., set.
1893.526 - “Não há consciência do eu sem a consciência de outros eus e de
outras coisas; não há consciência do mundo sem a consciência da Realidade
simples que ambos pressupõem”. E. C aird , Evolution of Religion, 64-68 Cada ato da consciência implica elementos primários: “a idéia do objeto, ou
do não eu; a idéia do sujeito, ou do eu; e a idéia da unidade que pressupõe a
diferença entre o eu e o não eu que agem e reagem numa relação recíproca”.
b) Que o hom em , em virtude da sua hum anidade, tem capacidade para a
religião. Tal reconhecida capacidade para a religião é prova de que a idéia de
Deus é necessária. Se a m ente, na ocasião própria, não desenvolvesse esta
idéia, não haveria nada no hom em para o que a religião pudesse apelar.
“É a sugestão do Infinito que distancia a linha do horizonte, vista acima da
terra ou do mar, muito mais do que as belezas de qualquer paisagem limitada”.
Em situações de choque e de perigo, esta intuição racional torna-se cognoscível; o homem se torna cada vez mais consciente da existência de Deus do
que da existência dos seus companheiros e instintivamente clama por auxílio
da parte de Deus. Nos mandamentos ou reprimendas de natureza moral a
alma reconhece um Legislador e Juiz de cuja voz a consciência é simples­
mente um eco. A ristóteles chamava o homem de “um animal político”; há
mais verdade na declaração de S abatier , de que “o homem é um religioso
incurável”. São B ernardo : “Noverim me, noverim te”. O. P. G iffort: “Como a
nata do leite que, em condições adequadas não sobe, não é leite, do mesmo
modo o homem que, no tempo proprio, não apresenta nenhum conhecimento
de Deus, não é homem; é bruto”. Entretanto, não se deve esperar nata de um
leite congelado. Há necessidade de condições e ambiente próprios.
Augustus H opkins Strong
102
É o reconhecimento de uma personalidade divina na natureza que consti­
tui o maior mérito e encanto da poesia de W ordsworth . Em sua obra Abadia
de Tintem, ele fala de “Uma presença que me perturba com a alegria de pen­
samentos elevados; um senso de algo muito mais profundamente mesclado
Cuja moradia é a luz dos sóis poentes e o redondo oceano e o ar vivente, e o
céu azul e, na mente do homem: Um movimento e um espírito que impele
todas as coisas pensantes, todos os objetivos de todo pensamento, e rola
através de todas as coisas”. R obert B rowning vê Deus na humanidade, como
W ordsworth vê Deus na natureza. Na sua Hohenstiel-Schwangau ele escre­
ve: “Eis a glória concebida, ou sentida ou conhecida em todos: Eu tenho uma
mente - Não minha, mas como se o fosse - porque é a dupla alegria que faz
todas as coisas por mim e eu em seu favor”. J ohn R uskin sustenta que a fonte
da beleza no mundo é a presença de Deus. Ele nos diz que, em sua juventu­
de, tinha “uma contínua percepção da santidade na natureza toda, desde as
menores às mais vastas coisas - um misto instintivo de temor e prazer, uma
indefinível comoção tal como às vezes imaginamos indicar a presença de um
espírito desencarnado”. Porém o Espírito que nós vemos é encarnado. N itzsch,
Chrístian Doctríne , par. 7 - “A não ser que a consciência inata de Deus como
uma predisposição operante preceda a educação e a cultura, nada há que
estas consigam realizar”.
Que aquele que nega a existência de Deus deve tacitam ente assum ir tal
existência em seu próprio argum ento, em pregando processos lógicos cuja vali­
dade se apoia no fato da existência de D eus. A plena prova disto se encontra
no subtítulo seguinte.
c)
“Deus sabe que eu sou ateu” - é o absurdo que dá início à desaprovação
da existência divina. C utler , Beginnings of Ethics, 22 - “Mesmo os niilistas,
cujo primeiro princípio é que Deus e o dever são grandes espantalhos a
serem abolidos, admitem que Deus e o dever existem e são impelidos pelo
senso do dever a aboli-los”. S ra . B rowning , The Cry of the Human: ‘“Não há
Deus’, diz o néscio; Porém ninguém diz: ‘Não há tristeza’; E a natureza sem­
pre clama por fé; Na amarga necessidade tomará emprestado; Olhos que o
pregador não pode ensinar Pelas sepulturas à beira do caminho levantam-se;
e os lábios dizem, ‘Deus tem piedade’, nunca dizem, ‘Louvado seja Deus”’.
D r . W. W. K een , chamado para tratar da afasia de um irlandês, disse: “Bem,
Dennis, como vai você?” “Oh! doutor, eu não posso falar!” “Mas, Dennis, você
está falando”. “Oh! doutor, há muitas palavras que eu não sei falar!” “Bem,
Dennis, vou tentar ajudá-lo. Veja se você não pode dizer: ‘cavalo’”. “Oh! que­
rido doutor, ‘cavalo’ é uma palavra que eu não sei dizer!”
3.
Pode-se m ostrar que o conhecimento da existência de Deus responde ao
terceiro critério da independência lógica e prioridade da seguinte maneira:
a)
Im plica todos outros conhecim entos com o condição e fundam entação
lógica. A validade dos m ais sim ples atos m entais, tais com o percepção senso-
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
103
rial, consciência própria e m em ória depende da aceitação de que existe um
Deus que constituiu as nossas m entes de m odo a dar-nos o conhecim ento das
coisas com o são.
P fleiderer , Philos. of Religion, 1.88 - “Não se deve encontrar a base da
ciência e do conhecimento em gerai, nem no sujeito, nem no objeto per se,
mas só no pensar divino a combinar os dois, que, como base comum das
formas de ser em todas as coisas, possibilita a correspondência entre aquele
e este, ou, em uma palavra, possibilita o conhecimento da verdade”. 91 “Pressupõe-se a crença religiosa em todo o conhecimento cientifico, como
base da sua possibilidade”. Este é o pensamento do SI. 36.9 - “Na tua luz
veremos a luz”. A. J. B alfour , Foundations of Belief, 303 - “Não se pode
provar a uniformidade da natureza a partir da experiência, pois é ela que
possibilita a prova da experiência. ... Admita-o e acharemos que os fatos se
conformam com ela. ... 309 - Só se pode estabelecer a uniformidade da natu­
reza com o auxílio desse mesmo princípio que necessariamente está com­
prometido nas tentativas de prová-lo. ... Deve haver um Deus que justifique a
nossa confiança nas idéias inatas”.
B ow ne , Theory of Thought and Knowledge, 276 - “A reflexão mostra que a
comunidade de inteligências individuais só é possível através de uma Inteli­
gência totalmente abrangente, originadora e criadora das mentes finitas”.
A ciência apoia-se no postulado de uma ordem mundial. H uxley : “O objetivo
da ciência é a descoberta da ordem racional que permeia o universo”. Esta
ordem racional pressupõe um Autor racional. D ubois , New Englander, nov.
1890.468 - “Admitimos a uniformidade e a continuidade, ou não podemos ter
ciência. Uma Vontade Criativa inteligente é uma hipótese científica genuína
[postulado?] que a analogia sugere e a experiência confirma, não contradi­
zendo a lei fundamental da uniformidade, mas explicando-a”. R itchie , Darwin
and Hegel, 18 - “A natureza como um sistema é uma suposição subjacente
às mais antigas mitologias: preenche esta concepção no objetivo da mais
tardia ciência”. R oyce , Relig. Aspect of Philosophy, 435 - “Existe uma coisa
que se chama erro; mas o erro é inconcebível a não ser que haja uma sede
da verdade, um Pensamento ou uma Mente que inclui tudo; é por isso que a
referida Mente existe”.
Só se pode confiar nos m ais com plicados processos da m ente, tais como
a indução e a dedução, supondo um a divindade pensante que fez as várias
partes do universo e os vários aspectos da verdade corresponderem -se uns aos
outros e às faculdades investigadoras do hom em .
b)
Argumentamos a partir de uma maçã para com as outras que estão na
árvore. A partir da queda de uma maçã N ewton raciocinou sobre a gravitação na lua e em todo o sistema solar. A partir da química do nosso mundo
R owland raciocinou sobre a de Sírius. Em todos esses raciocínios admite-se
um pensamento unificador e uma Divindade pensante. Este é o “emprego
científico da imaginação” de T yndall . Diz ele: “Alimentado pelo conhecimento
104
A ugustus H opkins Strong
em parte adquirido e ligado pela cooperação da razão, a imaginação é o mais
poderoso instrumento da física; descobridora”. O que T yndall chama de “ima­
ginação” é, na verdade, o discernimento relativo aos pensamentos de Deus,
o grande Pensador. O discernimento prepara o caminho para o raciocínio
lógico; não é um simples produto do raciocínio. Por esta razão G oethe chama
a imaginação “Die Vorschule des Denkens”, “a pré-escola do pensamento”.
P eabody, Christianity, the Religion of Nature, 23 - “A indução é um silogis­
mo cujo termo constante são os imutáveis atributos de Deus”. P orter , Hum.
Intellect, 492 - “A indução apoia-se na suposição, quando demanda como
base, que existe uma Divindade pessoal ou pensante”; 6 58 - “Ela não tem
sentido ou validade a não ser que admitamos que o universo é constituído de
tal modo que pressupõe um originador não condicionado, mas absoluto de
suas forças e leis”; 662 - “Analisamos os vários processos do conhecimento
em suas suposições subjacentes e achamos que a subjacente a todas é a de
uma Inteligência auto-existente que o homem não só pode, mas deve conhe­
cer para que possa conhecer outras coisas mais”. H arris , Philos. Basis of
Theism, 81 - “Os processos de pensamento reflexivo implicam que o univer­
so se fundamenta na razão e em sua manifestação”; 560 - “A existência de
um Deus pessoal é um dado necessário do conhecimento científico”.
c) N ossa crença prim itiva n a causa final ou, em outras palavras, nossa con­
vicção de que todas as coisas têm o seu fim, que o desígnio perm eia o universo,
envolve um a crença na existência de Deus. A dm itindo que há um universo,
que é um todo racional, um sistem a de relações de pensam ento, adm itim os a
existência de um pensador absoluto, de cujo pensamento o universo é expressão.
P fleiderer , Philos. of Religion, 1.81 - “Só se p o de p e n sa r no real se se
tra ta r de um p e n sa m e n to rea liza do , p re v ia m e n te e la b o ra d o , que po de repetirse. P or isso, o real, p a ra s e r o b je to do n o sso p e n sa m e n to , de ve te r sid o re a ­
lizado a p a rtir da cria ção , de um a R a zã o d iv in a e te rn a que se a p re se n ta ao
n o sso p e n sa r c o g n itiv o ” . R oyce , World and Individual, 2.41 - “A te o lo g ia u n i­
ve rsa l c o n stitu i a e s s ê n c ia de to d o s os fa to s ” . A. H. B radford , The Age of
Faith, 142 - “O s o frim e n to e a tris te z a são u n ive rsa is. Q u e r D eus p o ssa ou
não im p e d i-lo s e, p o r isso, ele nem é b e n é fico , nem am o ro so ; ou s e rá que ele
não p o de im p e d i-lo s e co n se q u e n te m e n te há a lg u m a c o isa m a io r que Deus
e, p o r isso, não há D e us? M as eis aqui o e m p re g o da razão no raciocínio
in d ivid u a l. O ra cio cín io no in d ivíd u o n e ce ssita a razão a b s o lu ta ou universal.
S e há uma razão absoluta, então o universo e a história são administrados
em harmonia com a razão; nesse caso o sofrimento e a tristeza nem podem
ser sem sentido, nem finais, porque seriam uma contradição da razão. Não é
possível no universal e absoluto aquilo que, no homem, contradiz a razão”.
d) N ossa crença prim itiva na obrigação m oral ou, em outras palavras, nos­
sa convicção de que o direito tem autoridade universal, envolve a crença na
existência de Deus. A dm itindo que o universo é um todo moral, adm itim os a
existência de um a vontade absoluta, de cuja ju stiça o universo é expressão.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
105
P fleiderer , Philos. o f Religion, 1 :88 - “A base da obrigação moral não é
encontrada nem no sujeito nem na sociedade, mas somente na vontade uni­
versal e divina que combina a ambas ... 103 - A idéia de Deus é a unidade da
verdade e do bem, ou das duas idéias mais altas que nossa razão pensa
como razão teorética, mas requer como razão prática ... Na idéia de Deus nós
encontramos a única síntese do mundo que é - o mundo da ciência e do
mundo que deve ser - o mundo da religião.” S eth , Ethical Principies, 425 “Isto não é uma demonstração matemática. A filosofia jamais é uma ciência
exata. É, pelo contrário, oferecida como o único fundamento suficiente da
vida moral ... A vida de bondade ... é uma vida baseada na convição de que
sua fonte e sua propagação estão no Eterno e no Infinito.” Como verdade e
bondade finitas só são compreensíveis à luz de algum princípio absoluto que
fornece a elas um padrão ideal, desse modo a beleza finita é inexplicável
exceto quando ali existe um padrão perfeito com o qual pode ser comparado.
A beleza é mais do que o agradável ou o útil. Proporção, ordem, harmonia,
unidade na diversidade - tudo isto são características da beleza. Todas elas,
porém, implicam um se r intelectual e espiritual, de quem elas procedem e por
quem elas podem ser medidas. Tanto a beleza física quanto a moral, em
coisas e seres finitos, são símbolos e manifestações daquele que é o autor e
amante da beleza e que é em si mesmo a infinita e absoluta beleza. A beleza
na natureza e nas artes mostra que a idéia da existência de Deus é logica­
mente independente e anterior. 1/erCousiN, The True, The Beautiful, and the
Good, 140-153; Kant, Metaphysic o f Ethics, que sustenta que a crença em
Deus é a pressuposição necessária da crença no dever.
R epetindo estes quatro pontos de outra form a - a intuição de um a razão
absoluta é d) pressuposição necessária de todos os outros conhecim entos de
m odo que não podem os conhecer a existência de qualquer coisa sem, antes de
m ais nada, adm itir que Deus existe; b) a base necessária de todo o pensam ento
lógico de modo que não podem os confiar em qualquer dos nossos processos
de raciocínio a não ser adm itindo que um a divindade pensante construiu nos­
sas m entes com relação ao universo e à verdade; c) a im plicação necessária de
nossa crença prim itiva no desígnio de m odo que podem os adm itir que todas as
coisas existem com um propósito, fazendo um a pressuposição de que existe
um Deus proponente - pode considerar o universo como um pensamento somente
postulando a existência de um P ensador absoluto; e d) o fundam ento necessá­
rio da nossa convicção de obrigação m oral de m odo que podem os crer na
autoridade universal do direito, só adm itindo que existe um Deus de justiça
que revela sua vontade tanto na consciência do indivíduo com o na moral do
universo em toda a sua extensão. N ão podem os provar que Deus é; m as pode­
mos m ostrar que, para a existência de qualquer conhecim ento, pensam ento,
razão, consciência, o hom em precisa adm itir que Deus é.
Eis o que J acobi diz a respeito do belo: “Es kann gewiesen aber nicht
bewiesen werden” - pode-se mostrar, mas não provar. B owne , Metaphysics,
A ugustus Hopkins Strong
106
nosso conhecimento objetivo a respeito do finito deve apoiar-se na
confiança ética no infinito”; 4 8 0 - “ O teísmo é o postulado absoluto de todo
conhecimento, ciência e filosofia”; “Deus é o fato mais certo do conhecimento
objetivo”. L add , Biblia Sacra, out. 1 8 7 7 .6 1 1 -6 1 6 - “Cogito ergo Deus est. Somos
constrangidos a postular um ser que não é nós mesmos e que age em favor
da racionalidade assim como da justiça”. W. T. H arris : “Até mesmo a ciência
natural é impossível, onde a filosofia ainda não ensinou que a razão fez o
mundo e que a natureza é a revelação do racional”.
472 - “O
P ascal : “A N a tu re z a c o n fu n d e o p irrô n ic o e a R a zã o co n fu n d e o d o g m á ­
tico. T e m o s u m a in c a p a c id a d e de d e m o n s tra ç ã o qu e a q u e le não p o d e v e n ­
cer; te m o s u m a c o n c e p ç ã o da v e rd a d e q u e e ste nã o p o d e p e rtu rb a r” . “ Não
e x is te n e n h u m in c ré d u lo ! Q u a lq u e r q u e diz ‘A m a n h ã ’, ‘o D e s c o n h e c id o ’, ‘o
F u tu ro ’, c o n fia qu e a F o rça s o z in h a não o u s a re p u d ia r” . J ones , Robert Brow­
ning, 3 1 4 - “ N a v e rd a d e não p o d e m o s p ro v a r D e u s c o m o um a c o n c lu s ã o de
um s ilo g is m o , p o rq u e ele é a p rim e ira h ip ó te s e de to d a s as p ro v a s ” . R obert
B rowning , Hohenstiel-Schwangau: “ Eu sei q u e ele e s tá ali, co m o eu estou
aq ui, co m a m e s m a pro va, q u e p a re c e não p ro v a r na da , e isto vai além das
fo rm a s fa m ilia re s de p ro v a ” ; P aracelsus , 2 7 - “ C o n h e c e r c o n s is te em a b rir
c a m in h o pe lo qu a l o e s p le n d o r a p ris io n a d o p o d e e s c a p a r em v e z de e fe tu a r
a e n tra d a de u m a lu z q u e se s u p õ e e s ta r do la d o de fo ra ” . T ennyson , O
S an to G raal: “ Q u e as v is õ e s da n o ite ou do d ia v e n h a m q u a n d o q u ise re m e
m u ita s ve z e s . ... N os m o m e n to s q u a n d o ele s e n te q u e não p o d e m o rre r e
não c o n h e c e n e n h u m a v is ã o de si m e sm o , e n e n h u m a de D e us nos altos,
nem d a q u e le S e r que re s s u s c ito u ” ; O A n tig o S áb io , 54 8, - “Tu não po de s
p ro v a r o In o m in á v e l, ó m eu filh o ! ne m p o d e s p ro v a r o m u n d o em q u e tu te
m ove s. T u não p o d e s p ro v a r q u e tu és só um c o rp o , nem que tu és só e s p í­
rito, nem q u e tu és a m b o s em um . Tu não p o d e s p ro v a r q u e tu és im o rta l,
não, nem a in d a qu e tu és m o rta l. O ra, m eu filh o , tu n ã o p o d e s p ro v a r que
eu, qu e fa lo c o n tig o , n ã o e sto u em c o n v e rs a c o n tig o m esm o . P o rq u e nada
que m e re ce p ro v a p o d e -s e provar, nem re je ita r: P o rta n to , sê sá b io , a p eg ate s e m p re ao la d o m ais e n s o la ra d o da d ú v id a e so b e em e s c a la d a p a ra a fé
além das fo rm a s da fé ” .
III. O U T R A S S U P O S T A S FO N T E S D A N O SSA ID É IA
N ossa prova de que a idéia da existência de Deus é um a intuição racional
não se com pletará enquanto não m ostrarm os que são insuficientes as tentati­
vas de contar, por outros m eios, a origem da idéia e requerem com o pressupo­
sição a própria intuição que elas suplantariam ou reduziriam a um a posição
secundária. R eivindicam os que isto não pode derivar de qualquer outra fonte
que não seja um a força cognitiva originária da mente.
1.
Não da revelação exterior, quer com unicada a) através das Escrituras,
quer b) através da tradição; pois, a m enos que o hom em tivesse de outra fonte
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
107
um conhecim ento prévio da existência de u m D eus a partir do qual pudesse
vir um a revelação, esta não teria nenhum a autoridade para ele.
a) H. B. S mith , Faith and Philosophy , 18 - “Uma revelação tem como certo
que aquele a quem ela se faz tem algum conhecimento de Deus, embora
possa ampliá-lo e purificá-lo”. Não podemos provar Deus a partir da autorida­
de das Escrituras e daí provar as Escrituras a partir de Deus. A própria idéia
da Escritura como revelação pressupõe a crença em um Deus que pode fazêla. N ewman S myth , New Englander, 1878.355 - Não podemos derivar do reló­
gio de sol nosso conhecimento da existência de um astro deste tipo. O relógio
de sol pressupõe o sol e não pode ser entendido sem um prévio conhecimen­
to deste. W uttke , Christian Ethics, 2 .10 3 - “A voz do ego divino não vem
primeiro à consciência do ego do indivíduo a partir de fora; ao contrário disto,
cada revelação externa pressupõe a interna; deve ecoar vindo de dentro do
homem algo ligado à revelação exterior para ser reconhecido e aceito como
divino”.
Fairbairn , Studies in Philos. of Relig. and Hist., 2 1.2 2 - “S e o homem
depende da revelação externa para a sua idéia de Deus, então ele deve ter
aquilo que, com felicidade, S chelling expressou, denominando de ‘um ateís­
mo original da consciência’. Em tal caso a religião não pode estar enraizada
na natureza do homem; ela deve ser implantada a partir de fora”. S churman ,
Beliefin God, 78 - “A revelação primitiva de Deus dotara o homem da capaci­
dade de apreender sua origem divina. Tal capacidade, como qualquer outra,
realiza-se apenas na presença de condições apropriadas”. C larke, Christian
Theology, 112 - “A revelação não pode demonstrar a existência de Deus,
porque deve admiti-la; mas manifestará sua existência e caráter aos homens
e lhes servirá como a principal fonte de certeza a respeito de Deus porque
lhes ensinará o que não poderiam conhecer por outros meios”.
b) Nem a nossa idéia de Deus vem primeiramente da tradição porque
“esta só pode perpetuar o que já foi originado” (P atton ). S e o conhecimento
assim transmitido é o de uma revelação primitiva, então, aplica-se o argu­
mento já estabelecido - que a própria revelação pressupunha naqueles que
primeiro a receberam e pressupõe naqueles a quem é transmitida algum
conhecimento de um ser de quem tal revelação poderia vir. S e o conhecimen­
to assim transmitido é somente o dos resultados dos raciocínios da raça,
então o conhecimento de Deus vem originariamente da razão - explicação
que consideraremos adiante.
Semelhantes respostas devem ser dadas a muitas explicações comuns
sobre a crença do homem em Deus. “Primus in orbe deos fecit timor” (Primei­
ro o medo na terra fez um deus); a Imaginação fez a religião; os Sacerdotes
inventaram a religião; a Religião é matéria de imitação e moda. Porém per­
guntamos ainda: O que causou o medo? Quem fez a imaginação? O que
tornou possível os sacerdotes? O que tornou natural a imitação e a moda?
Dizer que o homem adora somente porque vê outros homens adorarem é tão
absurdo como dizer que o cavalo come feno porque vê outros cavalos come­
rem-no. Deve haver na alma fome a ser satisfeita ou as coisas exteriores
nunca atrairiam o homem à adoração. Os sacerdotes nunca poderiam impor
A ugustus H opkins Strong
108
aos homens com tanta continuidade se não houvesse na natureza humana
uma crença universal em um Deus que pudesse comissionar os sacerdotes
como seus representantes. Por si mesma a imaginação requer alguma base
de realidade, que aumenta à medida que a civilização avança. O fato de que
a crença na existência de Deus amplia o apoio sobre a raça, que aumenta a
cada século, mostra que, ao invés de o medo ter causado a crença em Deus,
a verdade é que a crença em Deus causou o temor; na verdade, “o temor do
Senhor é o princípio de toda a sabedoria” (SI. 111.10).
2.
N ão da experiência, quer esta signifique a) percepção sensorial e refle­
xão do indivíduo (L ocke), b) os resultados acum ulados das sensações e asso­
ciações das gerações passadas da raça (H erbert S pencer), quer c) o real con­
tato da nossa natureza sensitiva com Deus, realidade supra-sensível, através
do sentim ento religioso (N ewman S myth).
A prim eira form a desta teoria é inconsistente com o fato de que a idéia de
D eus não é a idéia de um objeto sensível ou m aterial, nem um a com binação de
tais idéias. Porque o espiritual e o infinito são opostos diretos do m aterial e
finito, nenhum a experiência destes pode contar com a nossa idéia daqueles.
Com L ocke (Essay on Hum. Understanding, 2.1.4), experiência é recepti­
vidade passiva das idéias pela sensação e pela reflexão. A teoria da “tábula
rasa” de L ocke confunde a ocasião das nossas idéias primitivas com a causa
destas. Para a sua afirmação: “Nihil est in intellectu nisi quod ante fuerit
in sensu” (N.Trad.: Nada há no intelecto, que não esteja anteriormente no
sentido), L eibnitz responde: “Nisi intellectus ipse” (N.Trad.: a não ser o próprio
intelecto). Às vezes a consciência é chamada a fonte do nosso conhecimento
de Deus. Mas a consciência, como um simples conhecimento acessório de
nós mesmos, ou dos nossos estados, não é propriamente a fonte de qualquer
outro conhecimento. O alemão Gottesbewusstsein = não a “consciência de
Deus”, mas o “conhecimento de Deus”; Bewusstsein aqui = não um “comciência”, mas o “ser-ciência”.
F raser , Locke, 143-14 7 - As sensações são os tijolos e a associação a
argamassa, do edifício mental. B owne , Theory of Thought and Knowtedge, 47
- “Desenvolver a linguagem permitindo que os sons se associem e evoluam o
sentido por si mesmos? Contudo este é o exato paralelo da filosofia cujo
objetivo é edificar a inteligência a partir da sensação. ... 52 - “Aquele que não
sabe ler debalde olha para o sentido de uma página impressa e debalde pro­
cura auxiliar a sua deficiência utilizando óculos fortes”. Contudo, mesmo que
a idéia de Deus fosse um produto da experiência, não teríamos a garantia de
rejeitá-la como irracional. verBROOKS, Foundations ofZoology, 132 - “Não há
nenhum antagonismo entre os que atribuem o conhecimento à experiência e
os que o atribuem à nossa razão inata; entre os que atribuem o desenvolvi­
mento do germe a condições mecânicas e os que o atribuem à potencialidade
inerente do próprio germe; entre os que sustentam que toda a natureza esta­
va latente no vapor cósmico e os que crêem que tudo na natureza tem uma
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
109
intenção imediata e predeterminada”. Todos estes podem ser métodos do
Deus imanente.
A segunda form a da teoria está aberta à objeção de que m esm o a prim eira
experiência do prim eiro hom em do m esm o m odo que a últim a experiência do
hom em pressupõe tal intuição assim com o outras intuições e portanto não
podem ser a sua causa. C ontudo, m esm o que esta teoria da origem fosse corre­
ta, ainda assim seria im possível pensar no objeto da intuição com o se não
existisse, ainda representaria para nós a m ais elevada m edida de certificação
atualm ente ao alcance do hom em . Se a evolução das idéias destina-se à verda­
de ao invés da falsidade, é a parte da sabedoria que age sobre a hipótese de que
a nossa prim itiva crença é verdadeira.
M artineau , Study, 2.26 - “A natureza tanto é digna de confiança em seus
processos, como em suas dádivas”. B ow ne , Examination o f Spencer, 163,164
- “Devemos nós buscar a verdade nas mentes dos macacos pré-humanos,
ou nas cegas excitações de qualquer massa primitiva? Nesse caso podemos,
na verdade, pôr de lado toda a nossa ciência, mas, juntamente com ela, pôr
de lado a grande doutrina da evolução. A filosofia-experiência não pode esca­
par a esta doutrina; ou os pronunciamentos positivos da consciência da nos­
sa natureza devem ser aceitos como se apresentam ou toda a verdade deve
ser declarada impossível”.
C harles D arwin , em uma carta escrita um ano antes da sua morte, referindo-se às suas dúvidas quanto à existência de Deus, pergunta: “Podemos nós
confiar nas convicções da mente de um macaco?” Podemos responder: “Pode­
mos confiar nas conclusões de alguém que outrora foi bebê”? B owne , Ethics,
3 - “A gênese e emergência de uma idéia são uma coisa; sua validade é bem
outra. O valor lógico da química não pode ser decidido recitando princípios da
alquimia; e o valor lógico da astronomia independe do fato de que ela come­
çou com a astrologia. ... 11 - Mesmo que o homem viesse do macaco, não
teríamos necessidade de tremer pela validade da sua tabela de multiplicação
ou da Regra Áurea. S e temos discernimento moral, não importa como o
adquirimos; e se não temos tal discernimento, não há auxílio algum para qual­
quer teoria psicológica. ... 159 - Não devemos apelar para os selvagens e
bebês a fim de encontrar o que é natural para a mente hum ana.... No caso de
qualquer coisa que está sob a lei do desenvolvimento podemos achar a sua
verdadeira natureza, não retrocedendo às suas rudes origens, mas estudan­
do o resultado acabado”. D owson , Mod. Ideas of Evolution, 13 - “S e a idéia de
Deus for o fantasma de um cérebro símio, podemos confiar na razão ou cons­
ciência em qualquer outra matéria? Não podem a ciência e a filosofia por si
mesmas ser semelhantes a fantasias, envoltas por mero acaso ou pelo ele­
mento desarrazoado?” Mesmo que o homem viesse do macaco, não há como
explicar suas idéias através das dele: “O homem é o homem porque o é”.
Devemos julgar os princípios pelos fins, não os fins pelos princípios.
O importante não é como ocorre o desenvolvimento do olho nem como era
imperfeito o sentido da visão, já que o olho agora nos dá a informação correta
110
A ugustus H opkins Strong
dos objetos exteriores. Do mesmo modo não importa como se originaram as
intuições de justiça e de Deus, visto que agora elas nos dão o conhecimento
da verdade objetiva. Temos que admitir como certo que a evolução das idéias
não vêm a partir do sentido para o não sentido. C. H. L ewes , Study of Psychology, 122 - “Podemos entender a ameba e o pólipo só através da luz refletida
do estudo do homem”. S eth , Ethical Principies, 429 - “O carvalho explica o
fruto até de modo mais veraz que o oposto”. S idgwick : “Ninguém apela do
senso de belo do artista para o da criança”. Os maiores matemáticos não são
menos verdadeiros porque podem ser apreendidos só pelo exercício do inte­
lecto. Não se atribui nenhuma importância estranha ao que se sentiu ou se
pensou em primeiro lugar". R obert B rowning , Paracelsus : “O homem, tendo
descoberto, imprime para sempre a sua presença a todas as coisas inertes.
... Um refluxo suplementar da'luz ilustra todos os graus inferiores, explica
cada passo anterior no círculo”. O homem, com as suas mais elevadas idéias,
mostra o sentido e conteúdo de tudo o que se destina a ele. Ele é o último
degrau na subida da escada e, a partir deste mais elevado produto e de suas
idéias, podemos inferir quem é o seu Criador.
B ixby , Crisis in Morais, 162,245 - “A evolução dá ao homem apenas tama­
nha altura que ele pode ao menos discernir as estrelas da verdade moral que
outrora estiveram abaixo do horizonte. Isto é muito diferente de dizer-se que
as verdades morais são apenas produtos transmitidos da experiência da uti­
lidade. ... O germe da idéia de Deus como da idéia de direito devem ter esta­
do no homem logo que ele se tornou homem; ganhando do bruto, ela o tornou
um homem. A razão não é apenas um registro dos fenômenos físicos e da
experiência de prazer e de dor: é também criativa. Discerne a unidade das
coisas e a supremacia de Deus”. S ir C harles L yell : “A presunção é enorme
porque todas as nossas faculdades, embora sujeitas a errar, são verdadeiras
na essência e apontam para os reais objetivos. A faculdade religiosa no
homem é, de todas, uma das mais fortes. Existiu nas mais primitivas eras e,
ao invés de desgastar-se ante o avanço da civilização, torna-se cada vez
mais forte e hoje é mais desenvolvida entre as mais elevadas raças do que
jamais fora antes. Penso confiar seguramente que ela aponta para uma gran­
de verdade”. F isher , Nat. and Meth. o f Rev., 137, cita A gostinho : “Securus
judicat orbis terrarum” (N.Trad.: O universo seguro julga as terras), e diz-nos
que se admite ser o intelecto um órgão do conhecimento, embora possa ter
evoluído. Mas, se o intelecto é digno de confiança, também a natureza o é.
G eorge A. G ordon , The Christ of To-day, 103 - “Para H erbert S pencer , a his­
tória humana é apenas um incidente da história natural e suprema é a força.
Para o cristianismo a natureza é tão somente o começo e o homem a sua
consumação. O que é que dá a mais elevada revelação da vida da árvore: a
semente, ou o fruto?”
A terceira parte da teoria parece fazer Deus um objeto sensorial a reverter
a apropriada ordem do conhecim ento e sentim ento, a ignorar o fato de que em
todo o sentim ento há pelo m enos algum conhecim ento de um objeto e a esque­
cer que a validade deste m esm o sentim ento só pode ser m antida adm itindo
anteriorm ente a existência de um a divindade racional.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
111
N ewman S myth diz-nos que o sentimento vem em primeiro lugar; a idéia
em segundo. Não se negam as idéias intuitivas, mas declara-se que são
reflexos diretos dos sentimentos no pensamento. São elas a percepção ime­
diata daquilo que ele sente que existe. Considera-se idealista o conhecimen­
to direto de Deus pela intuição; considera-se que, chegar-se a Deus por infe­
rência, é uma tendência racionalista.
Admitimos que, mesmo no caso dos impenitentes, grande perigo, grande
regozijo, grande pecado freqüentemente transformam a intuição racional de
Deus em intuição perceptível aos sentidos. Contudo, não se pode afirmar que
a intuição perceptível aos sentidos seja comum a todos os homens. Não for­
nece fundamento ou explicação de uma capacidade universal para a religião.
Sem a intuição racional, não seria possível a intuição perceptível aos senti­
dos, visto que é só o racional que capacita o homem a receber e a interpretar
o elemento perceptível aos sentidos. A própria confiança que depositamos no
sentimento pressupõe uma crença intuitiva em um Deus verdadeiro e bom.
Em 1869 T ennyson dizia: “Sim, é verdade que há momentos quando a carne
nada é para mim; quando eu sei e sinto que a carne é a visão; Deus e o
elemento espiritual são o elemento real; ele me pertence mais do que as
minhas mãos e pés. Você pode dizer-me que as minhas mãos e os meus pés
são apenas símbolos imaginários da minha existência; posso até crer em
você; mas você nunca, nunca pode convencer-me de que o eu não é uma
Realidade eterna e de que o espiritual não é a minha parte real e verdadeira”.
3. Não do raciocínio, porque:
A verdadeira aparição deste conhecim ento na grande m aioria das m en­
tes não resulta de qualquer processo consciente de raciocínio. Por outro lado,
com base na ocorrência de condições próprias, ele lam peja sobre a alm a a
rapidez e força de um a revelação im ediata.
b) O poder da fé do hom em na existência de D eus não é proporcional ao
poder da faculdade de raciocinar. Por outro lado, o hom em de m aior poder
lógico é freqüentem ente um inveterado cético, enquanto o de fé não oscilante
está entre os que não podem m esm o entender os argum entos da existência de
Deus.
d)
c) Há mais neste conhecimento que o raciocínio jamais poderia ter forne­
cido. O hom em não lim ita a sua crença em D eus às conclusões do argumento.
Os argum entos da existência divina, valiosos para os propósitos a serem m os­
trados daqui para frente, não bastam por si m esm os para garantir nossa con­
vicção de que existe um ser infinito e absoluto. A parecerá apoiado no exame
que um argum ento a priori só é capaz de provar um a proposição abstrata e
ideal, m as nunca pode conduzir-nos à existência de um S er real. Parece que os
argumentos aposteriori da existência m eram ente finita, nunca podem dem ons­
trar a existência do infinito. Nas palavras de S ir W m . Hamilton - “Uma demons­
tração do absoluto a partir do relativo é logicam ente absurda com o em tal
112
A ugustus H opkins Strong
silogism o podem os colecionar n a conclusão o que não está distribuído nas
prem issas” - em resum o, a partir das prem issas finitas não podem os tirar con­
clusão infinita.
S ir W m . H amilton : "Saindo do particular, admitimos que não é possível, em
nossas mais elevadas generalizações, transcendermos o finito”. E. G. R obinson : “A mente humana revela maior provisão do que jamais contiveram os
grandes reservatórios”. Existe mais na idéia de Deus do que poderia ter esco­
ado de um tão pequeno funil como é o raciocínio humano. Uma simples pala­
vra, uma nota acidental, ou uma atitude de oração sugere a idéia a uma crian­
ça. H elen K eller contou a P hillips B rooks que ela sempre soubera que há
um Deus, mas não o conhecia pelo nome. L add , Philosophy of Mind, 119 —
“ H á uma tola suposição de que nada se pode conhecer ao certo a não ser que
seja alcançado como resultado de um processo silogístico, ou que, quanto
mais complicado e sutil for tal processo, mais certa é a conclusão. O conheci­
mento por inferência sempre depende da certeza superior do conhecimento
imediato”. G eorge D uncan , in Memorial ofN oah Porter, 246 - “Toda a dedução
apoia-se num prévio processo de indução, ou nas intuições de tempo e espa­
ço que envolvem Infinito e Absoluto”.
d)
N em os hom ens chegam ao conhecim ento da existência de Deus por
inferência; pois a inferência é silogism o condensado e, com o form a de racio­
cínio, está igualm ente aberto à objeção já m encionada. Vimos, contudo, que
todo processo lógico se baseia na aceitação da existência de Deus. Evidente­
m ente o que se pressupõe em todo raciocínio não pode ser provado pela razão.
Referimo-nos, naturalmente, à inferência, mediata, porque na imediata
(p.ex., “Todos os governantes são justos; logo, nenhum dos governantes
injustos governa bem”) não há nenhum raciocínio e nem progresso no pensa­
mento. A inferência mediata é raciocínio - é silogismo condensado; e o que é
muito condensado pode ampliar-se em forma lógica regular. Inferência dedu­
tiva: “O negro é uma criatura como eu; logo aquele que bate no negro é uma
criatura como eu”. Inferência indutiva: “O primeiro dedo fica antes do segun­
do; logo fica antes do terceiro”.
F lint , Theism, 77 e H erbert , Mod. Realism Examed, chegariam ao conhe­
cimento da existência de Deus pela inferência. Esta declara que Deus é indemonstrável, mas, quanto à sua existência, infere-se como a dos nossos
semelhantes. Replicamos, porém, que, neste último caso, só inferimos o fini­
to a partir do finito, mas, no caso de Deus, infere-se o infinito a partir do finito.
Contudo, este processo de raciocínio pressupõe a existência de Deus como
Razão absoluta, pelo processo já demonstrado.
Substancialmente, H. B. S mith, Introd. to Chr. Theol., 84-133, e D iman, Theistic
Argument, 316,364, ambos cometem o mesmo erro dos que admitem um ele­
mento intuitivo, mas empregam-no só para suprir a insuficiência do raciocí­
nio. Consideram que a intuição nos fornece apenas uma idéia abstrata, que
não contém em si nenhuma prova da existência de um verdadeiro ser que
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
113
corresponde à idéia e que só chegamos ao ser real pela inferência dos fatos
da nossa natureza espiritual e do nosso mundo exterior. Replicamos, entre­
tanto, com as palavras de M c C osh , que “as intuições, em primeiro lugar, dirigem-se individualmente aos objetos”. Não conhecemos o infinito no abstrato,
mas o espaço e o tempo infinitos, e o Deus infinito.
S churman , Belief in God, 43 - “Sou incapaz de atribuir à nossa crença em
Deus uma certeza mais elevada que aquela que possuímos através da hipó­
tese da ciência ... 57 - A abordagem mais próxima que a ciência faz à nossa
hipótese da existência de Deus encontra-se na afirmação da universalidade
da lei ... baseada na convicção da unidade e na conexão sistemática de toda
a realidade ... 64 - Só se pode encontrar esta unidade no espírito autoconsciente”. O defeito deste raciocínio é que ele não nos dá nenhum elemento
necessário ou absoluto. Exemplos de hipóteses são a nebulosa na astrono­
mia, a lei da gravitação, a teoria atômica da química, o princípio da evolução.
Nenhuma destas é logicamente independente ou tem prioridade. Cada uma
delas é provisória e cada uma pode ser ultrapassada por nova descoberta.
Não é o caso da idéia de Deus. Todas as outras pressupõem esta idéia como
condição de cada processo mental e garantia da sua validade.
IV. CO N TEÚD O D E ST A IN T U IÇ Ã O
1.
N este conhecim ento fundam ental de que D eus é, necessariam ente está
im plicado que, em certa extensão, o hom em conhece intuitivam ente o que
D eus é, a saber, a) a R azão na qual se baseiam os processos m entais; tí) um a
Força superior de que o hom em depende; c) um a Perfeição que im põe a lei
sobre a natureza m oral; d) um a P ersonalidade que pode ser reconhecida na
oração e no louvor.
Sustentar que tem os um a intuição racional de Deus de m odo nenhum impli­
ca que é im possível um a intuição presente de Deus. Tal intuição presente tal­
vez fosse característica do hom em decaído; às vezes pertence ao cristão; será
um a bênção do céu (M t. 5.8 - “os lim pos de coração verão a D eus” ; Ap. 22.4
- “verão a sua face”). As experiências dos hom ens de apreenderem Deus face
a face, em perigo ou senso de culpa, dão algum a razão para crer que um
conhecim ento de D eus pela sua presença é condição norm al da hum anidade.
M as com o esta intuição da presença de D eus não está no nosso estado univer­
sal atual, reivindicam os aqui som ente que todo o hom em tem um a intuição
racional de Deus.
C onvém lembrar, contudo, que a perda do am or a Deus obscureceu até
m esm o a intuição racional, de m odo que a revelação da natureza nas Escritu­
ras necessita de ser despertada, confirm ada e aum entada e a obra do Espírito
de Cristo no sentido de tom ar conhecida pela am izade e com unhão. Assim,
a partir do conhecim ento a respeito de D eus, conhecem os Deus (Jo. 17.3 -
114
A ugustus H opkins Strong
“A vida eterna é esta, que te conheçam a ti” ; 2 Tm. 1.12 - “Eu sei em quem
tenho crido”).
P latão dizia que a substância não pode ser nenhum cm oi5ev sem algo à
oTSev. H arris , Philosophical Basis of Theism, 208 - “Através da intuição racio­
nai o homem sabe que o Ser absoluto existe ; seu conhecimento daquilo que
é progressivo, como progressivo é o conhecimento do homem e da natureza”.
H utto n , Essays : “Uma presença assom brosa assusta o homem atrás e
adiante. É um mal a que ele não pode escapar. Dá novos sentidos aos seus
pensamentos e novo terror aos seus pecados. Torna-se intolerável. O homem
é levado a estabelecer um ídolo esculpido segundo a sua própria natureza,
que tomará o seu lugar - um Deus não moral que não perturbará o seu sonho
de descansar. É uma Vida e uma vontade justa, não uma simples idéia de
justiça que importuna tanto os homens”. P orter , Hum. Int., 661 - “O Absoluto
é um Agente pensante”. A intuição não se desenvolve na certeza; o que se
desenvolve é a ansiedade por aplicá-la e o poder de expressá-la. A intuição
não é complexa; complexo é o Ser intuitivamente conhecido.
O conhecimento de uma pessoa torna-se conhecimento pessoal através
da verdadeira comunicação ou revelação. Em primeiro lugar vem o conheci­
mento intuitivo de Deus, o qual todo homem possui - a suposição de que
existe uma Razão, uma Força, uma Perfeição, uma Pessoalidade que torna
correto o pensamento e possível a ação. Em segundo lugar, vem o conheci­
mento do ser de Deus e os atributos que a natureza e a Escritura fornecem.
Em terceiro lugar, surge o conhecimento pessoal vindo através da experiên­
cia, derivado da verdadeira reconciliação e intercomunicação com Deus, atra­
vés de Cristo e do Espírito Santo. S tearns , Evidence of Christian Experience,
208 - “A experiência cristã verifica as reivindicações da doutrina pela experi­
mentação, transformando o conhecimento provável em conhecimento real”.
Biedermann, citado por P fleiderer , Grundriss, 18 - “Deus se revela ao espíri­
to humano, 1. como uma Base infinita, na razão; 2. como uma Norma infinita,
na consciência; 3. como uma Força infinita, na ascendência à verdade reli­
giosa, à bem-aventurança e à liberdade”.
Objetarei eu a esta experiência cristã, só porque relativamente poucos a
possuem e não estou entre eles? Porque eu não vi as luas de Júpiter, como
duvidarei do testemunho do astrônomo quanto à sua existência? A experiên­
cia cristã como a visão das luas de Júpiter, não é possível a todos. C larke,
Christian Theoiogy, 113 - “Quem tiver prova completa da realidade da bonda­
de de Deus deve submetê-la ao teste experimental. Deve tomar o bom Deus
como real e receber a confirmação que se seguirá. Quando a fé atinge Deus,
ela o encontra.... Aqueles que o encontram serão os mais sensatos e os mais
verdadeiros do seu gênero e as suas convicções estarão entre as mais segu­
ras entre os homens. ... Os que vivem em comunhão com o bom Deus cres­
cerão em bondade, e apresentarão evidência prática da sua existência além
do testemunho oral que possam dar”.
2.
As Escrituras, portanto, não tentam provar a existência de Deus, mas,
p or outro lado, tanto adm item com o declaram que o conhecim ento de Deus é
T e o l o g ia S is t e m á t i c a
U 5
universal (Rm. 1.19-21,28,32; 2.15). D eus em butiu a evidência desta verdade
fundam ental na própria natureza do hom em de m odo que em parte algum a há
ausência de testem unho a seu respeito. O pregador pode, com confiança,
seguir o exem plo da E scritura adm itindo-a. M as deve tam bém explicitam ente
declará-la com o faz a Escritura. “Pois os seus atributos invisíveis, o seu eterno
p o d er e d iv in d ad e, são c la ra m e n te v isto s d esd e a criação do m u n d o .”
(x aG o p ax ai - espiritualm ente vistos); o órgão para este propósito é a voúç
(voofyieva); m as, então - eles são “percebidos m ediante as coisas criadas”
ítoTç 7ravrijj.aGiv, Rm. 1.20).
Sobre Rm. 1.19-21, verW E iss, Biblische Theologie des Neuen Testament,
251, nota; i/ertambém os comentários de M eyer, A lford, T holuck e W ordsworth;
tò yvcootov toí3 Geou = não “o que se pode conhecer”, mas “aquilo que se
conhece” de Deus; vooúp.£va KccGopâ-coci = vêem -se claramente no que é
percebido pela razão - voo-úp.eva expressa o modo de KaGopâ-uca (M eyer);
comp. Jo. 1.9; At. 17.27; Rm. 1.28; 2.15. Sobre 1 Co. 15.34, ver C alderwood ,
Philosophy of Infinite, 466 —à y v c o a ía v 6eot> Tivèç ê x o u a i = não possuais o
conhecimento de Deus especialmente exaltado, que pertence aos crentes
em Cristo (cf. 1 Jo. 4.7 - “qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a
Deus”). Sobre Ef. 2.12, ver Pope, Theology, 1.240 - â 6 e o i èv
KÓqiep opõese a estar em Cristo, e significa mais abandonado de Deus do que negá-lo ou
ignorá-lo inteiramente.
E. G. R obinson : “A primeira afirmação da Bíblia não é que existe um Deus,
mas que ‘no princípio criou Deus os céus e a terra’ (Gn. 1.1). A crença em
Deus nunca foi e nunca pode ser o resultado de argumento lógico; doutra
forma a Bíblia nos apresentaria provas”. Muitos textos em que se confia como
provas da existência de Deus são simplesmente explicações da idéia de Deus;
p.ex., SI. 94.9,10 - “Aquele que fez o ouvido não ouvirá? E o que formou o
olho não verá? Aquele que interroga as nações não as castigará? E o que dá
ao homem o conhecimento não saberá?” P latão diz que Deus sustenta a
alma pelas raízes dela, pelo que não precisa demonstrar à alma o fato da sua
existência. M artineau , Seat of Authority, 308, diz com precisão que a Escritura
e a pregação só interpretam o que já está no coração ao qual se dirige: “Lan­
çando um sopro quente ao interior dos oráculos ocultos na invisível tinta, ele
os torna articulados e deslumbrantes como o manuscrito na parede. O divino
Vidente não tem para vós a sua revelação, mas capacita-vos a receber a
vossa própria. Esta relação mútua só é possível através da presença comum
de Deus na consciência da humanidade”. S hedd , Dogmatic Theology, 1.195220 - “A terra e o céu causam as mesmas impressões sensíveis nos órgãos
de um bruto que os causam nos deüm homem; mas o bruto nunca discerne
as ‘coisas invisíveis’ de Deus ‘tanto o seu eterno poder como a sua divinda­
de”’ (Rm. 1.20).
Nossa atividade subconsciente, até onde é normal, está sob a orientação
da Razão imanente. A sensação, antes de resultar em pensamento, tem em
si elementos locais fornecidos pela mente - não nossa, mas do infinito. Cristo
o Revelador de Deus, revela-o na vida mental de cada homem e o Espírito
116
A ugustus H opkins Strong
Santo pode ser o princípio da consciência própria no homem como também
em Deus. H arris , God the Creator, diz-nos que “o homem encontra a Razão
que é eterna e universal revelando-se no exercício da sua própria razão”.
S avage, Vida após a Morte, 268 - “Como você sabe que a sua consciência
subliminar não fere a Onisciência e apossa-se dos fatos do universo?” Contu­
do, S avage nega esta sugestão e, erroneamente, favorece a teoria do espírito.
Ver pp. 295-329 deste livro.
C. M. B arrows , Proceedings ofSoc. for Psychical Research, vol. 12, parte
30, pp. 34-36 - “Existe um agente subliminar. Que pensar se este é somente
um Ator inteligente, enchendo o universo com a sua presença, como o éter
faz com o espaço; o Inspirador comum de toda a humanidade, hábil músico,
presidindo sobre muitas flautas e teclas e tocando através de cada um, que
música se ouvirá? O eu subliminar é uma fonte universal de energia e cada
homem é um canal da correnteza. Cada eu pessoal está contido nela, e
assim cada homem se torna unido a cada ser humano. Nesta Força profunda,
o último fato atrás do qual a análise não pode ir, todos efeitos psíquicos
e físicos encontram sua origem comum”. Esta afirmativa necessita de
ser qualificada pela declaração da natureza ética do homem e personalida­
de distinta; ver nesta obra o Monismo Ético, no cap. III. Mas há aqui uma
verda-de como aquela que C oleridge procurava expressar em sua Harpa Eólia:
“E o que acontece se toda a Natureza animada for apenas harpas diversa­
mente estruturadas, que tremem no pensamento, quando por elas passa,
Plástica e vasta, uma brisa intelectual, a um só tempo a alma de cada um, e o
Deus de todos?”
D orner , System of Theology, 1.75 - “O conhecimento de Deus é a verda­
deira firmeza da nossa própria consciência. ... Visto que é só na consciência
de Deus que a mais íntima personalidade do homem vem à luz, de igual
modo, por meio do entrelaçamento da consciência de Deus e do mundo, este
mundo é visto em Deus (sub specie eternitatis), e a certeza do mundo obtém
primeiro a segurança absoluta do seu espírito”. R oyce, Spirit ofMod. Philosophy,
sinopse na N. Y. Nation: “O único fato indubitável é a existência de um eu
infinito, um Logos, ou uma mente terrena (345). Isto se torna claro, I. Porque
o idealismo mostra que as coisas reais não são nada mais, nem nada menos
que idéias, ou ‘possibilidade de experiência’; mas a mera ‘possibilidade”, como
tal, nada é e o mundo das experiências ‘possíveis’, até onde ela é real, deve
ser o mundo da experiência verdadeira para um certo eu (367). Se, então, há
um mundo real, ele tem tudo enquanto existe como ideal e mental mesmo
antes de tornar-se conhecido pela mente particular com a qual nós concebe­
mos entrar em conexão (368). II. Mas há um mundo real; pois, quando eu
penso em um objeto, quando eu me refiro a ele, não só tenho em mente uma
idéia semelhante a ele porque eu o tenho por objeto, seleciono-o, em certa
medida eu já o possuo. Então, o objeto já está presente em essência no meu
eu oculto (370). Como a verdade consiste no conhecimento de conformidade
com uma cognição do seu objeto, que, por si pode conhecer uma verdade
que inclui tanto a idéia como o objeto. Este conhecedor é o Eu Infinito (374).
Em essência sou idêntico a isso (371); é o meu eu maior (372); e só este eu
maior é (379). Inclui toda a realidade, e conhecemos outras mentes finitas,
porque estamos unidos a elas” (409).
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
É instrutiva a experiência de G eorge J ohn R omanes . Durante anos ele não
pôde reconhecer nenhuma Inteligência pessoal no controle do universo. Come­
teu quatro equívocos: 1. Esqueceu-se de que só o amor pode ver, que Deus
não se revela simplesmente ao intelecto, mas apenas ao homem como um
todo; à mente integral, que a Escritura chama “os olhos do coração” (Ef. 1.18).
Finalmente, a experiência da vida ensinou-lhe a fraqueza do mero raciocínio
e levou-o a depender mais dos sentimentos e intuições. Então, como se
poderia dizer, ele deu ao raio X do cristianismo uma oportunidade de fotogra­
far Deus na sua alma. 2. Começou pelo fim errôneo, mais com a matéria do
que com a mente, mais com as categorias de causa e efeito do que com o
certo e o errado e, deste modo, envolveu-se na ordem mecânica e tentou
interpretar o reino moral através dela. Resultado: em vez de reconhecer a
liberdade, a responsabilidade, o pecado, a culpa, descartou-os como preten­
sos. Porém o estudo da consciência e da vontade o puseram no caminho
certo. Ele aprendeu a levar em conta o que ele encontrava, em vez de voltarse para alguma coisa mais e, desta forma, veio a interpretar a natureza pelo
espírito em vez de interpretar o espírito pela natureza. 3. Tomou as partes
pelo cosmos, em vez de considerá-lo como um todo. Seu antigo pensamento
insistia em encontrar uma determinação em cada parte em separado, ou em
nenhuma parte. Porém, ao chegar à maior maturidade reconheceu que seria
sábio e razoável tratá-lo como um todo ordenado. Entendendo que isto é um
universo, não conseguiu desembaraçar-se da idéia de uma Mente organiza­
dora. Passou a ver que o Universo, como um pensamento, implica a existên­
cia de um Pensador. 4. Fantasiou que a natureza exclui Deus, em vez de
saber que ela é o único método de operação de Deus. Quando aprendeu
como se fez uma determinada coisa, a princípio concluiu que Deus e nature­
za não são mutuamente exclusivos. Deste modo, passou a não ver dificulda­
de até mesmo na aceitação dos milagres e da inspiração; porque o Deus que
está no homem e de cuja mente e vontade a natureza é apenas a expressão,
pode revelar-se, se necessário, de formas especiais. Portanto, G eorges J ohn
R omanes voltou a orar, voltou a Cristo, e voltou à igreja.
117
C
a p ít u l o
II
EVIDÊNCIAS CORROBORATIVAS
DA EXISTÊNCIA DE DEUS
E m bora o conhecim ento da existência de D eus seja intuitivo, pode ser
explicado e confirm ado por argum entos tirados do próprio universo e das idéias
abstratas da m ente hum ana.
Nota 1. Tais argum entos são prováveis, m as não dem onstrativos. Por esta
razão eles se suplem entam um ao outro e constituem -se um a série cum ulativa
de evidências em sua natureza. Em bora tom ados de um a form a isolada, nenhum
deles pode ser considerado absolutam ente decisivo, juntos fornecem um a corroboração de nossa convicção prim itiva da existência de Deus, que é de gran­
de valor prático e em si m esm os suficientes para aglutinar a ação m oral do
homem.
B u t l e r , Analogy, Introd., Bohn’s ed., 72 —A evidência provável admite graus
desde a mais elevada certeza moral até a mais baixa presunção. Contudo a
probabilidade é o guia da vida. Em matéria de moral e religião, não vamos
esperar uma evidência matemática ou demonstrativa, mas apenas a provável
e a mais leve preponderância de tal evidência pode ser suficiente para cegar
a nossa ação moral. A verdade da nossa religião como a verdade das maté­
rias comuns, deve ser julgada pela total evidência global; porque, ao acres­
centarem-se as supostas provas, não só aumentam a evidência, mas multiplicam-na. D o v e , Logic of Christian Faith, 24 - O valor dos argumentos, tomados
englobadamente, é muito maior do que o de qualquer um isolado. Ilustração
da água, do ar e do alimento juntos, não separadamente, sustentando a vida;
o valor de 1000 de libras não está no papel, na estampa, na escrita, na assi­
natura, tomadas separadamente. Um feixe de varas não pode ser quebrado,
apesar de que cada vara do feixe o pode separadamente. A resistência do
feixe é a força do todo. L o r d B a c o n , Essay on Atheism: “Uma mirrada filosofia
inclina a mente do homem para o ateísmo, mas o seu aprofundamento apro­
xima a mente humana da religião. Por algum tempo a mente do homem res­
peita algumas causas secundárias separadas, pode às vezes apoiar-se nelas
e não ir mais adiante, porém, quando olha para o encadeamento delas confe­
deradas e unidas, sente-se necessidade de voar para a Providência e para
Divindade”. M u r p h y , S cientific Bases of Faith, 22 1-22 3 - “A prova de um Deus
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
119
e de um mundo espiritual que nos deve satisfazer consiste em numerosas
linhas de prova divergentes e convergentes”.
No caso em que só se alcança a evidência circunstancial, muitas linhas da
prova convergem e embora nenhuma das linhas alcance a marca, a conclusão
para a qual todas apontam torna-se a única racional. Duvidar de que haja uma
Londres, ou de que houve um Napoleão, seria indicar insanidade; contudo, só
a evidência provável demonstra a existência de Londres e de Napoleão. Não
há nenhuma eficácia coativa no argumento da existência de Deus; mas o mes­
mo se pode dizer de todo o raciocínio não demonstrativo. É possível outra
interpretação dos fatos, mas nenhuma outra é tão satisfatória como a de que
Deus é; ver F isher , Nature and Method o f Revelation, 129. P rof . R ogers :
“S e nos negócios práticos fomos levados a hesitar em agir até que tivésse­
mos demonstrada a certeza absoluta, nunca deveríamos começar a nos mover”.
Por esta razão um velho oficial indiano aconselhou um jovem juiz a “dar sem­
pre o seu veredicto, mas sempre evitar de apresentar os seus fundamentos.
B owne , Philos. of Theism , 11-14 - “Ao invés de duvidar de cada coisa que
oferece condições para tal, melhor é não duvidar de nada até que sejamos
compelidos a isso. ... Na sociedade, é melhor admitirmos que os homens são
verdadeiros, e só duvidarmos quando houver razão especial, do que admitir­
mos que todos homens são mentirosos e crermos só quando a isso formos
compelidos. Por isso, em todas as nossas investigações progredimos mais
se admitirmos a veracidade do universo e da nossa própria natureza do que
duvidarmos de ambos. ... O primeiro método parece mais rigoroso, mas só
pode ser aplicado à matemática, que é ciência puramente subjetiva. Quan­
do tratamos da realidade, o método aproxima o pensamento de uma pausa.
... A lei que a lógica estabelece é: Não se pode crer em nada que não seja
provado. A lei que a mente na verdade segue é: O que quer que a mente
demande para a satisfação de seus interesses subjetivos e tendências podese admitir como real na ausência de uma refutação positiva”.
Nota 2. U m a consideração destes argum entos pode tam bém servir para
explicar o conteúdo de um a intuição que reconstituiu o elem ento obscuro e
apenas sem iconsciente por falta de reflexão. N a verdade, os argum entos são
esforços da m ente que já tem um a convicção da existência de Deus de dar a si
m esm a um relato final de sua crença. U m a exata apreciação do seu valor lógi­
co e de sua relação com a intuição que buscam expressar de form a silogística
é essencial para qualquer adequada refutação ao raciocínio ateísta e panteísta.
D iman , Theistic Argument, 363 - “Não tenho reivindicado que a existência
até mesmo deste Ser se pode demonstrar como podemos fazer com as ver­
dades abstratas da ciência. Tenho só reivindicado que o universo, como um
grande fato, demanda uma explicação racional e que a mais racional que se
pode dar é a concepção fornecida de um tal Ser. A razão apoia-se nesta
conclusão e recusa apoiar-se em qualquer outra”. R ückert: “Wer Gott nicht
fühlt in sich und allen Lebens-kreisen, dem werdet ihr nicht ihn beweisen mit
Beweisen”. H arris , Philos. Basis of Theism, 3 0 7 - “A teologia depende da
120
A ugustus H opkins Strong
ciência noética (que se origina no intelecto) e empírica para dar a ocasião a
que surja a idéia do Ser Absoluto e fornecer o conteúdo à idéia”. A ndrew
F uller , Part ofSyst. of Divin., 4.283, questiona “se a argumentação em favor
da existência de Deus não criou mais céticos do que crentes”. Até onde isto é
verdade, deve-se a um exagero nos argumentos e uma exagerada noção do
que se deve esperar deles.
“Evidências do cristianismo?” diz C oleridge , “estou cansado dessa pala­
vra”. Quanto mais o cristianismo foi provado, menos se creu nele. O avivamento religioso sob W hitefield e W esley fizeram o que todos os apologistas
do século dezoito não conseguiram; ele despertou as intuições do homem
para a vida, e praticamente as fez reconhecer Deus. M artineau , Types, 2.231
- O homem pode “dobrar os joelhos diante do Zeitgeist (espírito do tempo),
enquanto dá as costas para o consenso de todas as eras”; Seat of Authority,
312 - “Nosso raciocínio nos leva a explicitar o teísmo porque parte do teísmo
implícito”. Illingworth , Div. And Hum. Personality, 81 - “As provas são tenta­
tivas de dar conta e explicar e justificar algo que já existe; decompor um ele­
vado complexo através de um juízo imediato em seus elementos constituin­
tes, nenhum dos quais, quando isolado, pode ter a plenitude ou ação conjunta
da convicção original como um todo.”
B owne , Philos. of Theism, 31,32 - A demonstração é o único paliativo para
socorrer na ignorância do insight. ... Quando chegamos ao argumento em
que se destina a natureza toda, o argumento parece ser fraco ou forte confor­
me a natureza é débil ou plenamente desenvolvida. O argumento moral em
favor do teísmo não pode parecer forte a alguém que não tem consciência.
O argumento a partir dos interesses cognitivos esvaziará quando não há
nenhum interesse desse tipo. As pequenas almas acharão muito pouco que
exige explicação ou que desperta surpresa e estarão satisfeitos com um pon­
to de vista correspondentemente pequeno da vida e da existência. Em tal
caso não podemos esperar um acordo universal. Só podemos proclamar a fé
que está em nós na esperança de que esta proclamação não possa existir
sem alguma resposta em outras mentes e corações. ... Só temos prová­
vel evidência da conformidade da natureza ou do sentimento dos amigos.
Também não podemos provar através da lógica. As mais profundas con­
vicções não são as certezas da lógica, mas as da vida”.
Nota 3. Os argum entos da existência divina podem ser reduzidos a quatro:
I) C osm ológico; II) Teleológico; III) A ntropológico; IV) Ontológico. Exam i­
ná-los-em os em sua ordem , procurando determ inar as precisas conclusões a
que respectivam ente conduzem e, então, certificar de que m aneira os quatro
podem ser com binados.
I. ARGUMENTO COSMOLÓGICO
N ão se trata de um argum ento do efeito para a causa; pois a proposição de
que cada efeito deve ter um a causa é sim plesm ente idêntico e apenas significa
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
121
que o evento causado deve ter um a causa. Ao invés disso é um argum ento da
existência com eçada para um a causa suficiente de tal com eço e pode ser pre: s im ente estabelecido da seguinte m aneira:
Tudo o que com eça, quer substância, quer fenôm eno, deve sua existência a
ig u m a causa produtiva. O universo, pelo m enos no que se refere à sua form a
presente, é algo com eçado e deve sua existência a u m a causa que corresponde
à sua produção. Tal causa deve ser indefinidam ente grande.
Convém notar que este argumento move-se no reino da natureza. A partir
da constituição do homem e início neste planeta ele é considerado sob um
outro título (ver Argumento Antropológico). Não só a observação pessoal,
mas o testemunho da geologia garante-nos que a presente forma do universo
não é eterna no passado, mas teve um início. Freqüentemente L ocke , C larke
e R obert H all têm reivindicado que este argumento é suficiente para conduzir
a mente a uma Primeira Causa Eterna e Infinita. Por esta razão prosseguimos
mencionando
1. Defeitos do Argumento Cosmológico
d) É im possível m ostrar que o universo, no que tange à sua substância, teve
um com eço. A lei da causalidade declara, não que cada coisa tem um a causa pois, então, o próprio Deus teria um a causa - porém , ao invés disto, que cada
coisa iniciada, ou em outras palavras, que cada evento ou m udança tem um a
causa.
H ume , Phil. Works 2.411 sg., declara, com razão, que nós nunca vimos um
mundo feito. Muitos filósofos em terras cristãs, como M artineau , Essays, 1.206
e as opiniões prevalecentes dos tempos pré-cristãos sustentam que a maté­
ria é eterna. B owne , Metaphysics, 107 - “Para o próprio ser, a razão reflexiva
nunca exige uma causa, a menos que o ser mostre sinais de dependência.
A mudança é que primeiro ocasiona a demanda de uma causa”. M artineau ,
Types, 1.291 - “Não é a existência como tal que exige uma causa, mas o
surgimento daquilo que não existia anteriormente. A lei intelectual da causa­
lidade é a lei dos fenômenos não da entidade”.
b)
A ceitando que o universo, no que se refere aos seus fenôm enos, teve
um a causa, é im possível m ostrar que se requer qualquer outra além da que
existe em si m esm a, com o supõem os panteístas.
F lint , Theism, 6 5 - 0 argumento cosmológico por si só prova a força; e
esta sozinha não é Deus. “A inteligência deve caminhar com ela para fazer
com que o Ser possa chamar-se Deus”. D iman , Theistic Argum ent “O argu­
mento cosmológico sozinho não pode decidir se a força que causa a mudança
122
A ugustus H opkins Strong
é a mente perene auto-existente, ou a perene matéria auto-existente”. Só a
inteligência fornece base para uma resposta. No universo apenas a mente
nos capacita a inferir a mente do criador. Porém o argumento a partir da inte­
ligência não é o Cosmológico, mas o Teológico e a este pertencem todas as
provas da divindade a partir da ordem e combinação na natureza.
U pton , Hibbert Lectures, 201-296 - A ciência tem que ver com as mudan­
ças que uma porção do universo visível causa em outra porção. A filosofia e a
teologia tratam da Causa Infinita que faz existir e sustenta toda a série de
causas finitas. Acaso perguntamos nós a causa das estrelas? A ciência diz:
A nebulosa ígnea, ou um retrocesso infinito de causas. A teologia diz: Admitese; mas este retrocesso infinito demanda, para sua explicação, a crença em
Deus. Devemos tanto crer em Deus como numa infinda série de causas fini­
tas. Deus é a causa de todas as causas, a alma de todas as almas: “Centro e
alma de cada esfera, Contudo, quão perto de cada coração que ama”! Não
necessitamos somente da ciência para pensar em qualquer começo.
c) A dm itindo que o universo deva ter tido um a causa exterior a si, é im pos­
sível m ostrar que tal causa não foi causada, i.e. consiste em um a série infinita
de causas dependentes. O princípio da causalidade não requer que todas as
coisas com eçadas rem ontem a um a causa não causada; dem anda que atribua­
m os um a causa, m as não um a causa prim eira.
O m esm o o co rre com to d a a sé rie de ca u sa s. O m a te ria lis ta se se n te na
o b rig a çã o de e n co n tra r u m a ca u sa p a ra esta série, tã o logo ela tem início.
Porém a p ró p ria h ip ó te se de um a sé rie in fin ita de ca u sa s e xclu i a id éia de tal
início. U m a ca d e ia in fin ita não tem ne n h u m elo e xtre m o ( versus R obert H all );
um a s u ce ssã o sem ca u sa e e te rn a não n e ce ssita de ca u s a ( versus C larke e
L ocke ). J ulius M üller , Doctrin of Sin, 2.128, diz que o re tro ce sso até ch e g a r­
m os a um a c a u s a que não é em si m e sm a um e fe ito não pode sa tisfa ze r o
princípio causai - aq ue le que é a causa sur, Aids to Study of German Theology,
15-17 - A in d a que o un ive rso seja ete rn o, a su a n a tu re z a c o n tin g e n te e re la ­
tiv a re q u e r que p o stu le m o s um C ria d o r ete rn o. D iman , Theistic Argument, 86 “C o n q u a n to a lei de c a u s a não co n d u z lo g ic a m e n te à co n c lu s ã o de um a c a u ­
sa p rim eira , c o m p e le -n o s a a firm á -la ” . R e tru ca m o s que não é a lei da causa
que nos co m p e le a afirm á -la , po rq u e esta, c e rta m e n te “ não nos leva, pela
lógica, à c o n c lu s ã o ” . S e in fe rim o s um a ca u s a não ca u sa d a , fa ze m o -lo , não
p o r p ro ce sso lógico, m as em v irtu d e da c re n ç a in tu itiva que há em nós. A ssim
p e nsa m S ecrétan e W hewell , em Indications of a Creator, e em Hist. ofScientific Ideas, 2.321,322 - “A m e n te se re fu g ia na s u p o s iç ã o de um a C a u sa Pri­
m e ira a p a rtir de um e m p re g o in c o n s is te n te co m a s u a p ró p ria n a tu re za ” ;
in fe rim o s n e ce ssa ria m e n te um a C a u sa P rim e ira e m b o ra as ciê ncia s paleonto ló g ic a s ap en as ap o n ta m -n a , m as não nos co n d u ze m a e la ” .
d) A dm itindo que a causa do universo não foi em si m esm a causada, é
im possível m ostrar que esta causa não seja finita, com o o próprio universo.
O princípio causai requer um a causa não m aior que a suficiente para o efeito.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
123
P or isso, não p o d e m o s in fe rir um a ca u sa in fin ita a não s e r que o un ive rso
se ja in fin ito e isto im p lica em a d m itir um in fin ito p a ra p ro v a r um infinito. Porém
ne nh um nú m e ro p o d e se r in fin ito p o rq u e q u a lq u e r núm ero, em b o ra grande,
pode re ce b e r o a cré scim o de um a unid ade , o que m o stra que a n te rio rm e n te
não e ra infinito. M e sm o aqui nós v e m o s que as fo rm a s m ais a ce ita s do A rg u ­
m ento C o sm o ló g ico são o b rig a d a s a a v a lia r-s e so b re a in tu içã o do infinito
a fim de s u p le m e n ta r o p ro ce sso ló gico . Versus M artineau , Study, 1.4 18 “ E m bo ra não p o ssa m o s in fe rir d ire ta m e n te a in fin itu d e de D eus a p a rtir de
um a cria çã o lim itada , in d ire ta m e n te p o d e m o s e x c lu ir q u a lq u e r o u tra posição
reco rren do à ilim ita d a ce n a da e x is tê n c ia (e s p a ç o )” . Isto, porém , g a ra n tiria
ig u a lm e n te a no ssa c re n ç a na in fin itu d e dos no sso s s e m e lh a n te s. O u se trata
do a rg u m e n to de C larke e G illespie ( ver a b a ixo o A rg u m e n to O n tológico).
S chiller , Die Gròsse Welt, p a re ce d e fe n d e r a e x is tê n c ia do un ive rso ilim itado.
Ele mostra um espírito causado, buscando o limite da criação. Um segundo
peregrino encara-o a partir dos espaços além, com as seguintes palavras:
Steh! du segelst umsohnst, - vor dir Unendichkeit” - “Eia! em vão tu vagueias;
diante de ti, só o infinito”.
2.
O valor do Argumento Cosmológico, é, pois, tão som ente este; prova a
existência de um a causa do universo indefinidam ente grande. Q uando vamos
além disto e inquirim os se esta é um a causa do ser, ou sim plesm ente um a
causa da m udança do universo; se é um a causa independente do universo ou é
um a com ele; se é um a causa eterna ou um a causa dependente de outra; se é
inteligente ou não, infinita ou finita, una ou m últipla, este argum ento não nos
pode garantir.
II. ARGUMENTO TELEOLÓGICO
Este não é um argum ento do desígnio para o designador; pois que o desíg­
nio im plica um designador é um a proposição idêntica. Pode-se estabelecer
mais corretam ente o seguinte: A ordem e a colocação útil, perm eando um
sistem a im plicam respectivam ente inteligência e propósito com o a causa de
tal ordem e colocação. Porque a ordem e a colocação útil perm eiam o universo
deve existir um a inteligência adequada à produção dessa ordem e um a vonta­
de adequada a dirigir a colocação para fins úteis.
Etimologicamente, “argumento teleológico” = argumento destinado aos fins,
ou causas finais, isto é, “causas que, começando com um pensamento, elaboram-se em um fato como um fim, ou um resultado (P orter , Human Intelect,
592-618); a saúde, p.ex., é a causa fina! do exercício, enquanto este é a
causa daquela. Esta definição do argumento se ampliaria o bastante para
abranger a prova de uma inteligência oriunda da constituição do homem. Este,
contudo, é tratado como parte do Argumento Antropológico, que ihe sucede,
A ugustus H opkins Strong
124
e o Argumento Teleológico abrange apenas a prova de uma inteligência
determinante provinda da natureza. Por isso, Kant, Crítica da Razão Pura,
chama-o de argumento físico-teológico.
H icks, Critique of Design-Arguments, 347-389, apresenta dois argumen­
tos em vez de um: 1) o da ordem para a inteligência ao qual ele chama de
Eutaxiológico; 2) o argumento da adaptação para o propósito a que ele res­
tringe o nome Teleológico. Ele sustenta que a verdadeira teleologia não pode
provar a inteligência porque, quando fala nos “fins”, afinal de contas, deve
admitir a própria inteligência que ele procura provar; já se estabeleceu ante­
riormente que ela apenas prova o exercício intencional de uma inteligência.
“As circunstâncias, forças, ou agentes que convergem para um resultado
racional definido implicam volição - implicam que se pretende este resultado
- a volição e o fim. Esta é a premissa maior da nova teleologia”. Ele faz obje­
ção à expressão “causa final”. Na verdade, o fim não é a causa - é um motivo.
O elemento caraterístico da causa é o poder de produzir um efeito. Os fins
não têm tal poder. A vontade pode escolhê-los, ou rejeitá-los. Admitida a inte­
ligência, os fins não podem prová-la.
Concordamos com isto no ponto principal e consideramos um valioso
auxílio para o estabelecimento e compreensão do argumento. Na própria
observação da ordem, contudo, assim como no argumento a partir dela
somos obrigados a admitir a mesma inteligência que estabelece a disposição
total. Em vista disso, não vemos nenhuma objeção em fazer da Eutaxiologia a
primeira parte do Argumento Teleológico como fizemos acima.
1. Mais explicações
a)
A prem issa m aior expressa um a convicção prim itiva. Isto não é invali­
dado pelas objeções: a) de que a ordem e a colocação útil podem existir sem
propósito - pois a nossa própria constituição m ental nos com pele a negar isto
em todos os casos onde a ordem e a colocação perm eiam um sistem a; b) de
que a ordem e a colocação útil podem resultar da sim ples operação de forças e
leis físicas - pois estas m esm as forças e leis im plicam , ao invés de excluir,
um a inteligência e vontade originadoras e superintendentes.
J anet , Final Causes, 8, nega que a finalidade seja uma convicção primiti­
va como a causalidade e chama-a resultado de uma indução. Por isso ele
prossegue a partir 1) das marcas da ordem e colocação útil 2) para a finalida­
de na natureza e, a seguir, 3) para uma causa inteligente da referida finalida­
de, ou pré-conformidade com o evento futuro”. Do mesmo modo também,
D iman , Theistic Argument, 105, reivindica simplesmente que, como a mudan­
ça requer uma causa, assim a mudança ordenada requer uma causa inteli­
gente. Contudo, já mostramos que a indução e o argumento de cada gênero
pressupõem uma crença intuitiva na causa final. A natureza não a dá; mas
ela também não nos dá a causa eficiente. A mente nos dá ambas e as dá de
forma tão clara baseada na experiência como depois de um milheiro. L add :
“As coisas têm uma mente em si: também nós não podemos lembrá-las”.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
O D uque de A rgyll disse a D arwin que lhe parecia totalmente impossível atri­
buir os ajustes da natureza a qualquer outro agente que não seja a mente.
“Bem”, disse D arwin , “esta impressão freqüentemente tem-me assediado com
uma força intensa. Mas, então, outras vezes, ela me parece tudo
e a seguir
ele passou as mãos sobre os olhos, como que indicando uma visão alheia à
vista. O Darwinismo não é uma refutação dos fins da natureza, mas apenas
uma teoria particular relativa ao meio em que os fins se realizam no mundo
orgânico. Darwin começaria com um germe infinitesimal e faria todo o subse­
qüente desenvolvimento não teológico.
a) M omerie , Christianity and Evolution, 72 - “Só dentro dos estreitos limi­
tes é que se produzem, casualmente, os arranjos aparentemente propositais.
E, por isso, à medida que os sinais do propósito se desenvolvem, a suposição
da sua origem acidental diminui”. E lder , Ideas from Nature, 81,82 - “A uni­
formidade dos m árm ores de um menino m ostra que eles são produ­
to do desígnio. Quando se trata de um único pode ser acidental, mas uma
dúzia não. Do mesmo modo a uniformidade atômica indica a manufatura”.
D r . C arpenter : “O ateísta é como um homem que examina o mecanismo de
um grande moinho e, achando que todo ele é movido por um eixo que se
origina de uma parede de tijolos, infere que o eixo é a explicação suficiente
para o que ele vê e que não há nenhuma força motora atrás de si”. L ord
K elvin : “A idéia ateísta não é disparatada”. J. G. P aton , Life, 2.191 - “A perfu­
ração de um poço na ilha de Aniwa convence o chefe canibal Namakei de que
Yahweh Deus, o Invisível, existe.
b) B ow ne , Review of Herbert Spencer, 23 1-24 7 - “A lei não é uma causa ;
é um método. O homem não pode apresentar o próprio fato a ser explicado
como razão suficiente”. M artineau , Essays, 1.14 4 - “Damasco padronizado,
não feito pelo tecelão, mas pelo tear”? Dr. Stevenson: “A casa não requer
nenhum arquiteto porque é construída por especialistas em pedras e por car­
pinteiros”? J oseph C ook : “A lei natural sem Deus não é mais do que uma luva
sem mão e tudo que se faz com a mão de Deus calçada na natureza, não é a
luva que faz, mas a mão. A evolução não é uma força; é um processo; não é
uma operatória, mas um método de operação. Um livro não é escrito pelas
leis de soletração e da gramática mas de acordo com tais leis. Do mesmo
modo, as leis do calor, da eletricidade, da gravitação, da evolução não escre­
vem o livro do universo, mas este é escrito de conformidade com tais leis”.
G. F. W right , Ant. and Orig. of Hum. Race, lecture IX - “A evolução não pode
fornecer evidência que afaste da natureza o desígnio. Ela pode retrocedê-lo
a um ponto mais remoto da entrada, aumentando a nossa admiração na
força do Criador no cumprimento dos desígnios ulteriores por processos dife­
rentes”.
A evolução é o método de Deus. Ela se refere ao como, não ao por quê,
dos fenômenos e, por isso, não é inconsistente com o desígnio, porém é a
sua nova e mais elevada ilustração. H enry W ard B eecher : “ N o atacado, o
desígnio é maior do que no varejo”. F rancês P ower C obbe : “É singular o fato
de que, sempre que achamos como se faz uma coisa, nossa primeira conclu­
são parece indicar que não foi Deus quem a fez”. Porque iríamos dizer: “Quanto
maior é a lei menor é Deus”? O teísta faz referência aos fenômenos como
uma causa que se conhece por si mesma e sabe-se o que ela está fazendo;
125
126
A ugustus H opkins Strong
o ateísta faz referência a eles como uma força de que nada se conhece e não
se sabe o que ela está fazendo ( B o w n e ). G e o r g e J o h n R o m a n e s dizia que, se
Deus fosse imanente, todas as causas naturais deveriam parecer mecânicas
e não há argumento nenhum contra a origem divina que prove que se devem
a causa natural: “As causas na natureza não tornam óbvia a necessidade de
uma causa nela”. S h a l e r , Interpretation o f Nature, 47 - A evolução mostra
que a direção dos negócios está sob o controle de algo como a nossa inte­
ligência: “A evolução soletra o propósito”. C l a r k e , Christ. Theology, 105 “A moderna doutrina da evolução tem despertado a existência de inúmeros
fins dentro do universo, mas não o grande fim em favor do próprio universo”.
H u x l e y , Criquitiques and Addresses, 274,275,307 - “Os pontos de vista teleológico e mecânico do universo não são mutuamente excludentes”. S ir W illia m
H a m il t o n , Metaphysics: “A inteligência se põe em primeiro lugar na ordem da
existência. As causas finais precedem as causas eficientes”.
b) A prem issa m enor expressa um princípio operante de toda a ciência, a
saber, que todas as coisas têm o seu uso, que a ordem perm eia o universo e que
os m étodos da natureza são racionais. E vidências disto aparecem na correla­
ção dos elem entos quím icos uns com os outros; na adequação do m undo ina­
nim ado que é a base e suporte da vida; nas form as típicas e na unidade do
plano que aparece na criação orgânica; na existência e cooperação das leis
naturais; na ordem cósm ica e com pensações.
E sta prem issa m enor não é invalidada pelas seguintes objeções: d) Que
freqüentem ente entendem os m al o fim na verdade subm etido pelos eventos
naturais e objetos; pois o princípio não é que conhecem os necessariam ente o
verdadeiro fim, m as que necessariam ente crem os que há um certo fim em
cada caso da ordem e colocação sistem áticas, b) Que a ordem do universo é
m anifestam ente im perfeita; pois, se isto fosse aceito, argum entaríam os, não a
ausência da invenção, um certo tipo de razão da im perfeição, ou nas lim ita­
ções da própria inteligência inventora, ou na natureza do fim que se procura
(com o, por exem plo, a correspondência com o estado m oral e provação dos
pecadores).
As evidências de ordem e colocação útil encontram-se tanto na indefini­
damente pequena como na indefinidamente grande. As moléculas são arti­
gos manufaturados; e as compensações do sistema solar que guarnecem
aquele achatamento da órbita terrestre resultarão num arredondamento des­
sa mesma órbita, como mostra uma inteligência bem mais transcendente que
a nossa; i/e r C o o K E , Religion and Chemistry, and Credentials of Sciense, 23 “O belo é a harmonia das relações que a perfeita adequação produz; a lei é o
princípio prevalecente que sustenta essa harmonia. Por isso, tanto o belo
como a lei implicam desígnio. A partir da energia, da adequação do belo, da
ordem, do sacrifício, demonstramos o poder, a habilidade, a perfeição, a lei, e
o amor numa Inteligência Suprema. O cristianismo implica desígnio e é a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
complementação do seu argumento”. P f le id e r e r , Philos. Religion, 1 .1 6 8 - “Uma
boa definição do belo é a intencionalidade imanente, o cenário teieoiógico da
realidade ideal, o brilho da Idéia através dos fenômenos”.
B o w n e , Philos. o f Theism, 85 - “O desígnio nunca é casual. Ele é apenas
ideal e a sua realização demanda uma causa eficiente. S e o gelo não deve
afundar existe alguma estrutura molecular que faça o seu volume maior que o
de um peso igual ao da água”. J a c k s o n , Theodore Parker, 355 - “Os órgãos
rudimentares são como as letras mudas em muitas palavras: ambos teste­
munham uma história passada; e há uma inteligência na sua preservação”.
Diman, Theistic Argument: “Observamos não somente a mudança no mundo,
que é a base do Argumento Cosmológico, mas percebemos que tal mudança
age de acordo com uma regra fixa e invariável; na natureza inorgânica, na
ordem geral, ou na regularidade ; na ordem orgânica, especial ou na adapta­
ção". B o w n e , Review of H. Spencer, 113-115, 224-230: “A ciência indutiva se
apoia no postulado de que o racional e o natural são um”. K a n t : “O anatomista
deve admitir que nada no homem existe em vão”.
a) É fruto do desígnio que os rios sempre cortam grandes cidades? que as
cidades são sempre fundadas em centros de jogatina? As plantas são fei­
tas em benefício do homem e o homem em benefício dos vermes? V o l t a ir e :
“Os narizes são feitos para os óculos - vamos usá-los”! Pope: “Enquanto o
homem exclama ‘tudo existe para o meu uso’, retruca o venturoso néscio: ‘em
meu benefício’”. Não se colhem as cerejas no frio do inverno quando não têm
bom sabor e as uvas no calor do verão quando o vinho novo se transforma
em vinagre? A natureza divide os melões em seções por conveniência ao
serem saboreados pela família? A corticeira é feita para arrolhar as garrafas?
A criança a quem se perguntou por que existe sal no oceano, respondeu que
isto se deve à existência do bacalhau, confundindo a causa final com a causa
eficiente. O professor pergunta: “Que são marsupiais”? O aluno responde:
“São animais que têm bolsas”. “Para quê?”, pergunta o professor. Resposta
do aluno: “Para esconder-se dentro dela quando perseguidos”. Por que
os dias são mais longos no verão do que no inverno? Porque esta é a pro­
priedade de todos objetos naturais: alongarem-se sob a influência do calor.
Um professor da cidade de Hiena ensinava que os médicos não existem por
causa da doença, mas as doenças é que existem para que possa haver médi­
cos. K e p l e r era um quixotesco astrônomo. Discutia as reivindicações de onze
diferentes donzelas de se tornarem a sua segunda esposa e comparava os
planetas a animais correndo pelo céu. Muitas das objeções ao desígnio sur­
gem da confusão de uma parte da criação com o todo ou uma estrutura no
processo de desenvolvimento com uma estrutura completa.
b) A lp h o n s e d e C a s t il e ofendeu-se com o sistema ptolomaico e insinuou
que, se ele tivesse sido consultado na criação, teria sugerido progressos mais
valiosos. L a n g e , em sua History o f Materialism, ilustra alguns dos métodos da
natureza com milhões de barris de armas atirando em todas direções para
matar apenas uma lebre; comprando dez mil chaves ao acaso para entrar
num compartimento fechado; edificando uma cidade para obter uma casa.
Não é um exagero o gelo que cobre os pólos? O ataque à natureza de J o h n
S t u a r t M il l em sua obra póstuma, Essays on Religion, 29 - “ A natureza fere
o homem, quebra-o como se sobre uma roda o lançasse para ser devorado
127
128
Augustus H opkins Strong
pelos animais selvagens, esmaga-o com pedras como o primeiro mártir cris­
tão, mata-o de fome, congela-o com o frio, envenena-o com a rápida ou lenta
peçonha das suas exalações e centenas de outras terríveis mortes, tais como
a engenhosa crueldade jamais ultrapassada por N á b is ou por D o m ic ia n o ” .
A doutrina da evolução responde muitas destas objeções, mostrando que
a ordem e a colocação útil no sistema como um todo é necessária e adquirida
ao baixo preço pela imperfeição e sofrimento nos estágios iniciais de desenvol­
vimento. Impõe-se a pergunta: O sistema como um todo implica um desígnio?
Minha opinião é que não há nenhum valor quanto a utilidade de uma compli­
cada máquina para cujo propósito eu ignoro. S e eu me posto no começo de
uma estrada e não sei aonde ela me conduz, presumo que ela assinale um
destino mais direto. B o w n e , Philos. o f Theism, 20-22 - “Para contrabalançar
as impressões que a aparente desordem e a imoralidade operam em nós,
temos de admitir que o universo, em sua raiz, não é apenas racional e bom.
Isto é fé, mas um ato do qual depende toda a vida moral”. Metaphysics, 165 “O mesmo argumento que nega a mente na natureza nega a mente no homem”.
F is h e r , Nat. And Meth. of Re v., 2 6 4 - “Há cinqüenta anos, quando o guindaste
tocou o topo da torre da Catedral de Colônia, ainda por terminar, não havia
evidência nenhuma do desígnio da estrutura toda”? Embora aceitemos que,
enquanto não podemos com J o h n S t u a r t M il l explicar as imperfeições do
universo por quaisquer limitações da Inteligência que a planejou, não nos
dispomos a considerá-las como se pretendessem corresponder ao estado
moral e provação dos pecadores que Deus previu e proveu para a criação.
2. Defeitos do Argumento Teleológico
Estes se ligam não às prem issas, m as à conclusão que se busca tirar delas.
d) O argum ento não pode provar um Deus pessoal. A ordem e colocações
úteis do universo só podem ser os m utantes fenôm enos de um a inteligência e
vontade pessoais, com o supõe o panteísm o. A finalidade só pode ser a imanente.
Existe uma coisa que se chama finalidade imanente e inconsciente. O espí­
rito nacional, sem o propósito estabelecido, constrói a língua. A abelha traba­
lha inconscientemente para os seus fins. Estráton de Lâmpsaco considerava
o mundo como um grande animal. Neander: “A obra divina parte de dentro
para fora”. J o h n F is k e : “O argumento do relógio tem sido superado pelo da
flor”. I v e r a c h , Theism, 91 - “O efeito da evolução tem sido somente o de trans­
ferir a causa da mera influência externa operando de fora para um princípio
racional imanente”. M a r t in e a u , Study, 1.349,350 - “De modo nenhum o teísmo comprometeu a doutrina de um Deus exterior ao mundo ... nem a inteli­
gência requer, para alcançar seu objetivo, que se exteriorize”.
N e w m a n S m y t h , Place o f Death, 62-80 - “O universo existe em alguma
Inteligência toda permeável. Suponha que você possa ver um pequeno mon­
te de tijolos, fragmentos de metal, e pedaços de argamassa, formando-se
gradualmente nas paredes e estrutura interna do edifício, acrescentando-se
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
129
o material necessário à medida que a obra avança e, por fim, apresentando
em seu acabamento uma fábrica mobiliada com máquinas variadas e bem
trabalhadas. Ou uma locomotiva contendo um processo de auto-reparo para
compensar o desgaste, aumentando o seu tamanho, soltando de si, com rela­
tiva freqüência, pedaços de latão ou de ferro dotados de capacidade de
desenvolver-se passo a passo em outras locomotivas capazes de correr e
reproduzir-se, por sua vez, em novas locomotivas”. Do mesmo modo, a natu­
reza, em suas partes separadas, pode parecer mecânica, mas no seu todo
ela é racional. Weismann não “nega a força diretiva”; tal força é “a retaguarda
do mecanismo como sua causa final ... que deve ser teleológica”.
Por serem impressionantes estas evidências da inteligência no universo
como um todo e em número aumentado à luz da evolução, devemos ainda
sustentar que a natureza por si só não pode provar que esta inteligência
é pessoal. Hopkins, Miscellanies, 18-36 - “Até onde existe essa inteligência
impessoal e adaptável na criação irracional, não podemos necessariamente
inferir a partir de leis imutáveis um Deus livre e impessoal”. Ver F is h e r , Supernatural Origin of Christianity, 5 7 6-5 78. K a n t mostra que o argumento não pro­
va a inteligência independentemente da palavra ( Critique , 370). Devemos tra­
zer a mente ao mundo, se quisermos achá-la nele. Deixe o homem ausente e
a natureza não poderá ser apropriadamente interpretada: a inteligência e a
vontade na natureza podem ainda estar inconscientes. Porém, no caso do
homem, somos obrigados a ter a idéia da inteligência e da vontade na nature­
za a partir do mais elevado tipo de inteligência que conhecemos, isto é, a
dele. “Nullus in microcosmo spiritus, nullus in macrocosmo Deus” “Recebe­
mos apenas o que damos e, na nossa vida, só vive a Natureza”.
Por isso, o Argumento Teleológico necessita de ser suplementado pelo
Antropológico, isto é, da constituição mental e moral do homem. Por si só, ele
não prova a existência de um Criador. Porque a justiça pertence só à pessoalidade, este argumento não pode provar a justiça de Deus. F l in t , Theism, 6 6
- “A força e a inteligência, por si só, não se constituem Deus, embora sejam
infinitas. Um ser pode possuí-las e, se não houver justiça, pode tratar-se de
um diabo”. Vemos aqui novamente a necessidade da sua suplementação pelo
Argumento Antropológico.
b) M esm o que este argum ento pudesse provar a pessoalidade na inteligên­
cia e na vontade que originou a ordem do universo, não poderia provar ou a
unidade, ou a eternidade, ou a infinitude de D eus; a unidade - pois as coloca­
ções úteis do universo poderiam ser o resultado da unicidade do conselho, ao
invés de a unicidade da essência, na inteligência inventiva; a eternidade - pois
um dem iurgo criado talvez pudesse ter designado o universo; nem a infinitude
- porque todas as m arcas da ordem e colocação dentro da nossa observação
sim plesm ente são finitas.
D iman , Theistic Argument, 114 a firm a que to d o s os fe n ô m e n o s do universo
se de vem à m esm a fo n te - visto que tod os, de igual m odo, estã o su je ito s ao
m esm o m étod o de seq üê ncia , p.ex. gra vitaçã o - e que a e vidê ncia nos aponta
130
A ugustus H opkins Strong
irresistivelmente para alguma causa explicativa. Podemos considerar esta
afirmação somente como um pronunciamento de uma crença primitiva numa
causa primeira, não como a conclusão de uma demonstração lógica por­
que conhecemos uma parte infinitesimal do universo. Do ponto de vista de
uma Razão Absoluta, contudo, podemos cordialmente assentir com as pala­
vras de F. P. P a t t o n : “Quando consideramos a ‘correnteza da tendência’,
o ‘incognoscível de S p e n c e r ’ , o ‘mundo da vontade’ de S c h o p e n h a u e r e a ela­
borada defesa da finalidade como o produto da inteligência inconsciente de
H a r t m a n n , podemos perguntar se os teístas com a sua crença em um Deus
pessoal não estão de posse da única hipótese que pode salvar a linguagem
destes escritores da acusação de ausência de sentido e de delírio idiota”
(Journ. Christ. Philos, abr. 1883,283-307).
O mundo antigo, que tinha apenas a luz da natureza, cria em muitos deu­
ses. W illia m J a m e s , Will to Believe, 44 - “S e houver um divino Espírito do
universo, a natureza, tal como a conhecemos, possivelmente não é a última
palavra para o homem. Ou não há um espírito revelado na natureza, ou ele se
revela inadequadamente nela; e (como tem admitido as mais elevadas religi­
ões) o que chamamos de natureza visível, ou este mundo, deve ser apenas
um véu e uma aparência superficial cujo significado pleno reside num ele­
mento suplementar invisível, um outro mundo”. B o w n e , Theory of Thougth
and Knowledge, 234 - “Mas a inteligência não é em si mesma um mistério
dos mistérios? ... Sem dúvida, o intelecto é um grande mistério. ... Porém há
uma escolha neles. Alguns mistérios deixam outras coisas claras, e alguns
deixam as deixam tão obscuras e impenetráveis como sempre. Naquele caso
encontra-se o mistério da inteligência. Isto torna possível a compreensão de
todas as coisas exceto ela mesma”.
3. O valor do Argumento Teleológico é sim plesm ente este: prova a partir
de suas colocações úteis e exem plos de ordem que claram ente tivem os um
com eço, ou, em outras palavras, a partir da harm onia do universo, que existe
um a inteligência e um a vontade adequadas ao seu plano. M as este argumento
não pode garantir-nos se esta inteligência e esta vontade são pessoais ou
im pessoais, se o criador ou m oldador é um ou são m uitos, se é finito ou infini­
to, se eterno ou deve seu ser a outro, se necessário ou livre.
C ontudo, nisto dam os um passo a frente. O poder causativo que provamos
através do A rgum ento C osm ológico transform ou-se num a força inteligente e
voluntária.
J o h n S t u a r t M il l , Three Essays on Theism, 16 8-17 0 - “No presente esta­
do do nosso conhecimento, as adaptações da natureza fornecem um grande
balanço da probabilidade em favor da causa através da inteligência”. L a d d
sustenta que, sempre que um ser age sobre o seu semelhante, cada um sofre
mudanças de estado que pertencem à sua própria natureza sob certas cir­
cunstâncias. A ação de um corpo sobre o outro nunca consiste em transferir o
estado de um para o outro. Por isso não há mais dificuldade nos seres que
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
131
são díspares agirem sobre um outro do que em seres semelhantes. Não trans­
ferimos idéias para outras mentes, - apenas despertamo-las para que desen­
volvam as suas próprias. Do mesmo modo a força não é positivamente transferível. B o w n e , Philos. of Theism, 49, começa com “a concepção das coisas
que interagem segundo a lei e formam um sistema inteligível. Não se pode
construir tal sistema através do pensamento sem que se suponha que um ser
unitário é a realidade fundamental do sistema. 53 - Nenhuma passagem de
influências ou forças terá valor para cobrir a lacuna, quando as coisas são
consideradas independentes. 5 6 - 0 próprio sistema não pode explicar esta
interação porque o sistema é formado apenas dos seus membros. Neles deve
haver algum ser que é a realidade deles e de que em certo sentido são fases
e manifestações. A saber, há um monismo fundamental”. Substancialmente
este é o ponto de vista de L o t z e . F a l c k e n b e r g , Geschichte der neueren Philosophie, 454, mostra como o ponto de vista de L o t z e de que a sua suposição
da unidade monística e continuidade não explicam como a mudança de con­
dição, como a equiparação e compensação seguem a mudança de estado de
qualquer coisa. L o t z e explica esta realidade através da concepção ética de
uma Pessoa de total extensão.
m . ARGUMENTO ANTROPOLÓGICO
Este é um argum ento da condição m oral e m ental do hom em para com a
existência de um Autor, L egislador e um Fim . As vezes é cham ado de Argu­
mento M oral.
O título comum “Argumento Moral” é demasiadamente limitado, porque
parece levar em conta apenas a consciência do homem, enquanto o argu­
mento que este título tão imperfeitamente designa, na verdade, procede da
natureza intelectual do homem do mesmo modo que a moral. Ao escolher a
designação que adotamos, desejamos, contudo, resgatar do simples termo
médico “Antropologia” - um termo a que ele atribuiu uma significação muito
limitada e que, ao empregá-lo, implica que o homem é somente um animal,
para o qual a Antropologia é apenas o estudo de Ia bête humaine. A Antropo­
logia não é somente a ciência da natureza física do homem, sua origem, e
relacionamentos, mas também a que trata do seu mais elevado ser espiritual.
Por isso, em Teologia, o termo Antropologia designa a divisão da matéria que
trata da natureza espiritual e seus dotes, seu estado original e subseqüente
apostasia. Por isso, como argumento a partir da natureza mental e moral do
homem, podemos, com perfeita propriedade, chamar o presente argumento
de Antropológico.
É um argum ento com plexo e pode dividir-se em três partes.
1.
A natureza intelectual e moral do hom em deve ter tido como seu autor um
Ser intelectual e moral. Os elem entos da prova são os seguintes: a) O homem,
com o ser intelectual e m oral, teve um com eço no planeta, b) As forças m ate­
132
A ugustus H opkins Strong
riais e inconscientes não fornecem causa suficiente para a consciência, razão
e vontade livre do hom em , c) O hom em , com o um efeito, pode referir-se a
um a causa possuidora de natureza autoconsciente e moral, em outras pala­
vras, pessoalidade.
Este argumento é parte de uma aplicação dos princípios tanto do Argu­
mento Cosmológico como do Teleológico ao homem. F l in t , Theism, 74 - “Embo­
ra a causalidade não envolva o desígnio, nem o desígnio a bondade, contudo
este envolve a causalidade, e a bondade envolve tanto a causalidade como o
desígnio”. J a c o b i : “A natureza oculta Deus; o homem o revela”.
O homem é um efeito. A História das eras geológicas prova que o homem
nem sempre existiu e, mesmo que as criaturas inferiores fossem seus progenitores, seu intelecto e liberdade não são eternos a parte ante. Consideramos
o homem não como um ser físico, mas espiritual. T h o m p s o n , Christian Theism,
75 - “Toda a verdadeira causa deve ser suficiente para explicar o efeito”.
L o c k e , Essays, book 4, cap. 10 - “A inteligência que cogita não pode ser
produzida a partir da que não o faz”.
Ainda que o homem tivesse sempre existido, não precisaríamos abando­
nar o argumento. Deveríamos partir, não do começo da existência, mas do
começo dos fenômenos. Eu poderia ver Deus no mundo, do mesmo modo
que vejo o pensamento, a vontade, no meu companheiro. F u l l e r t o n , Plain
Argument for God: Eu não infiro a respeito de você, como a causa da existên­
cia do seu corpo: Reconheço que você está presente e operante através do
seu corpo. As mudanças que ele apresenta no gesto e na fala revelam uma
pessoalidade através deles. Deste modo não preciso argumentar sobre um
Ser que outrora causou a natureza e a história; reconheço um Ser presente,
exercendo sabedoria e poder, através de sinais tais que revelam pessoalida­
de no homem. A natureza é por si mesma o Relojoeiro manifestando-se no
próprio processo da feitura do relógio. Este é o sentido do nobre Epílogo à
Dramatis Personae de R o b e r t B r o w n in g , 252 - “Aquele rosto, longe de des­
vanecer-se, desenvolve-se, Ou decompõe-se, mas recompõe-se, Torna-se o
meu universo que sente e conhece”. “Esse é o Rosto de Cristo; é assim que
eu o sinto”. A natureza é expressão da mente e da vontade de Cristo, do
mesmo modo que o meu rosto o é da minha mente e da minha vonta­
de. Porém em ambos os casos, formando a retaguarda e cobrindo o rosto,
acha-se uma pessoalidade da qual este é apenas a expressão parcial e tem­
porária.
B o w n e , Philos. Theism, 1 0 4 ,1 0 7 - “Os meus companheiros agem como se
tivessem pensamento, sentimento e vontade. Assim a natureza olha como
se o pensamento, o sentimento e a vontade servissem de sua retaguarda.
S e negarmos a mente na natureza, devemos negá-la no homem. Contudo, se
não existir uma mente controladora na natureza, também não pode existir no
homem porque, se o poder básico é cego e necessário, então tudo depende
também do que é necessitado”. L e C o n t e , em Royce’s Conception o f God, 44
- “Só existe um lugar no mundo onde podemos adquirir os fenômenos físicos,
sob o véu da matéria, a saber, o nosso cérebro e nele encontramos o eu, a
pessoa. Não será razoável que, se pudermos adquiri-lo sob o véu da natureza,
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
133
do mesmo modo achemos uma Pessoa? Porém a admitir-se isto, podemos
deduzir uma Pessoa infinita e, portanto, a única Pessoalidade completa que
existe. A pessoalidade perfeita não é apenas a consciência própria, mas a
existência própria. Elas são apenas imagens imperfeitas, como se fossem
fragmentos separados da Pessoalidade infinita de Deus”.
Personalidade = consciência própria + determinação própria com vista a
fins morais. O bruto tem inteligência e vontade, mas nem tem percepção pró­
pria, nem consciência, nem vontade livre. D im a n , Theistic Argument, 91,251 “Suponha que ‘as intuições da faculdade moral sejam resultados da expe­
riência recebida da raça lentamente organizados’; ainda, tendo achado que o
universo oferece evidência de uma causa supremamente inteligente, pode­
mos crer que a natureza moral do homem oferece a mais elevada ilustração
do seu modo de operar”; 358 - “Explicaremos as formas inferiores da vontade
pelas mais elevadas, ou as mais elevadas pelas inferiores”?
2.
A natureza m oral do hom em prova a existência de um Legislador e juiz
santo. Os elem entos da prova são: d) A consciência reconhece a existência de
um a lei m oral que tem autoridade suprem a, b) Os sentim entos de abandono do
mal e tem ores do julgam ento são conseqüências das conhecidas violações desta
lei moral, c) Porque esta lei m oral não é auto-im posta e porque as am eaças de
julgam ento não são auto-executadas defendem respectivam ente a existência
de um a vontade santa que im pôs a lei e do poder punitivo que executará as
am eaças da natureza moral.
Ver, do B is p o B u t l e r , Sermons on Human Nature , in Works, Bohn’s ed,
385-414. A grande descoberta de Butler é a da consciência na constituição
moral do homem: “Se ela tivesse a mesma força que a justiça, se tivesse o
mesmo poder com que manifesta a autoridade, governaria o mundo de um
modo absoluto”. Consciência = justiça moral da alma - sem lei, sem policia­
mento, mas com juiz; ver abaixo Antrologia. D im a n , Theistic Argument, 251 “A consciência não depõe uma lei; adverte-nos da sua existência; e não só da
lei, mas do propósito - não nosso, mas dos outros, missão a ser realizada”.
Ver M u r p h y , Scientific Bases of Faith, 218, seg. Isto prova a pessoalidade do
Legislador porque os seus pronunciamentos não são abstratos, como os da
razão, mas encontram-se na natureza do mandamento; eles não estão no
modo indicativo, mas no imperativo; o mandamento diz: “farás”, ou “não farás”.
Isto convence a vontade.
H u t t o n , Essays, 1.11 - “A consciência é um Moisés ideal, e os trovões de
um Sinai invisível”; o ateu não considera a consciência como clarabóia, aber­
ta para penetrar na natureza humana uma infinita aurora vinda do alto, mas
como um arco polido ou domo, completando e refletindo todo o edifício
embaixo”. Porém a consciência não pode ser um simples reflexo e expressão
da natureza, pois ela reprime e condena-a. T u l l o c k , Theism: “Como a agulha
magnética, a consciência indica a existência de uma Força desconhecida que,
de longe, controla suas vibrações e treme diante da sua presença”. Nero passa
noites de terror vagando pelos salões da sua Casa Dourada. K a n t sustenta
134
Augustus H opkins Strong
que a fé no d e ve r re q ue r fé num D eus que d e fe n d e rá e g a la rd o a rá o d e ve r ver Crítica da Razão Pura, 359-3 87.
K ant, em su a Metafísica da Ética, re p re se n ta a ação da co n s c iê n c ia com o
“co n d u zin d o um p ro ce sso p e ra n te a c o rte ” e a cre sce n ta : “A g o ra que ele é
a cu sa d o d ian te da su a c o n s c iê n c ia s e ria a b su rd o im a g in a r que se ja ju s to a
p ró p ria p e sso a e x e rc e r a fu n çã o de ju iz no trib u n a l; em tal circu n stâ n cia , o
a c u sa d o r se m p re p e rd e ria a su a cau sa. P or isso a c o n s c iê n c ia de ve re p re ­
s e n ta r p a ra si se m p re um a o u tra p e sso a c o m o Juiz, a não se r que p re te nd a
e n tra r em c o n tra d iç ã o c o n s ig o m e s m a ” . Ver ta m b é m Crítica da Razão Práti­
ca, W erke, 8 .2 1 4 - “ Dever, su b lim e e p o d e ro so nom e, que na da te n s em ti
q ue atra ia ou lucre, p o rém a m ais d e s a fia d o ra s u b m issã o ; e a in d a não a m e a ­
ças d irig ir a v o n ta d e a tra vé s d a q u ilo que p o d e d e sp e rta r o te rro r na tural ou
a ve rsão , m as so m e n te d iv a g a r so b re a Lei; a Lei, que p o r si m e sm a descob re
e n tra d a na m e n te e m esm o qu a n d o nó s d e so b e d e ce m o s, co n tra a n o ssa v o n ­
ta d e co m p e le -n o s à reve rên cia, u m a Lei em c u ja p re se n ça to d a s in clin a çõ e s
se to rn a m m ais surd as, m esm o q u a n d o se to rn a m o cu lta m e n te reb eldes; que
orige m existe que se ja d ig n a de ti? O n d e po de s e n c o n tra r a raiz da tu a nobre
d e sce n d ê n cia , que o rg u lh o sa m e n te re je ita s to d o o re in a d o com as in c lin a ­
çõe s? O A rcebispo Temple re sp o n d e em su a s Bampton Lect., 58,59, “ E sta Lei
e te rn a é o p ró p rio E terno, o D eus O n ip o te n te ” . R o b e rt B r o w n in g : “ D entro de
m im o se n so de que eu te n h o um d é b ito G a ra n te -m e - Em algum lu g a r deve
h a ve r A lg ué m , p ro nto a c u m p rir o se u dever. T u d o se v o lta para o seg uinte:
O nd e há o d e ve r e xiste a c o n s e q ü e n te a ce ita çã o : p ro c u ra A q u e le que ace ita
o d e v e r” .
S alter , Ethicai Religion, c ita d a no a rtig o de P fleiderer sob re M ora lid ad e
sem R eligião, Am. Jour. Theol., 3 .2 3 7 - “A te rra e as e stre la s não cria m a lei
da g ra vid a d e a q u e elas ob ed ece m ; nem o ho m em , ou os e xé rcito s dos sere s
racion ais no u n ive rso unidos, cria m a lei do d e v e r” . A v o n ta d e e xp re ssa no
im p e ra tivo m oral é superiora n o ssa po rq u e d o u tra fo rm a não h a ve ria ordens.
C o ntud o ela é uma com a no ssa co m o a v id a de um o rg a n ism o está unida à
dos se u s m em bros. A te o n o m ia não é h e te ro n o m ia , m as a m ais e le va d a a u to ­
nom ia, a g a ra n tia d a n o ssa lib e rd a d e pe sso a l co n tra to d a a se rvid ã o hum ana.
S êneca : “ D eo p a re re lib e rta s e st” (A lib e rd a d e se p a re ce com D eus). K n i g h t ,
Essays in Philosophy, 2 72 - “ Na c o n s c iê n c ia ve m o s um ‘a lte r e g o ’, em nós
em b o ra não de nós, m as ou tra P e sso a lid a d e a p o ia n d o -n o s ” . M artineau , Types,
2 .1 0 5 - “S ó u m a p e sso a p o de te r a u to rid a d e so b re o u tra pessoa. ... Um ser
so litá rio sem n a tu re za se n síve l no un ive rso não s e n tiria ne nh um d e ve r” ; 1.26
- “ C o m o a P e rce p çã o nos dá a V o n ta d e na fo rm a de Causalidade c o n tra nós
no N o n-E g o, do m esm o m odo a C o n s c iê n c ia nos dá a V on tade na fo rm a de
Autoridade em o p o siçã o c o m p le ta a nós n e le . ... 2 .7 - “ N ão po de m os d e d u zir
os fe n ô m e n o s do ca rá te r a p a rtir de um a g e n te que n a da p o ssu i” . Hutton,
E ssays, 1.41,42 - “Q u a n d o d e s o b e d e c e m o s à co n sciê n cia , a F orça in te rna
d e ixo u de mover-nos; re tiro u -se a p e n a s p a ra o b se rva r- v ig ia r com o nos m o l­
d a m os a nós m e sm o s” . C ardeal N ewman , Apology, 3 7 7 - “Se não fo s s e pela
voz que tã o cla ra m e n te fa la à m in h a c o n s c iê n c ia e ao m eu cora ção , eu seria
um ateu ou um pa n te ísta , ou um p o lite ís ta ao e xa m in a r cu id a d o sa m e n te o
m undo”.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
135
3.
A natureza emotiva e voluntária do homem prova a existência de um ser
: _e pode fornecer em si um objeto satisfatório do sentimento humano e de um
fim que manifestará as mais elevadas atividades do homem e garantirá o seu
~_is elevado progresso.
Só um ser que possui poder, sabedoria, santidade e bondade e tudo isto
infinitamente maior do que conhecemos na terra pode atender a demanda da
alma humana. Não há dúvida de que tal ser existe. Caso contrário, não seria
suprida a maior necessidade do homem e a crença em uma mentira seria mais
produtiva virtude do que a crença na verdade.
Feuerbach ch a m a D e us “o re fle xo do p ró p rio ho m e m a rru in a d o ” ; “a c o n s ­
c iê n c ia de D e us = a c o n s c iê n c ia de si m e s m o ” ; “ a re lig iã o é um s o n h o da
alm a h u m a n a ” ; “a te o lo g ia to d a é u m a a n tro p o lo g ia ” ; “ o ho m em fe z D eus à
su a im a g e m ” . P oré m a c o n s c iê n c ia m o s tra que o h o m e m não re c o n h e c e em
D eus a p e n a s um seu s e m e lh a n te , m a s ta m b é m o seu a n ta g ô n ic o . N ão com o
G aleno: P ie d a d e = c o n s c iê n c ia + in s ta b ilid a d e ” . A s m ais re fin a d a s m en te s
são as do tip o d e b ilita d o ; ver A g o stin h o , Confessions, 1.1 - “Tu nos fize ste
para ti, e o m eu cora ção não tem repouso e n qu an to não de scan sa em ti” . Sobre
John S t u a r t M il l - “ u m a m e n te q u e não p ô d e a c h a r D eus e um a m e n te que
não p ô d e a g ir se m D e u s” . Comte, em se u s ú ltim o s dias, c o n s tru iu um o b je ­
to de a d o ra ç ã o na H u m a n id a d e U n ive rsa l e in v e n to u um ritua l que H u x l e y
c h a m a “ C a to lic is m o m inus C ris tia n is m o ” . Ver ta m b é m T y n d a l l , Belfast
Address: “S e eu não cre sse , d iz ia -m e c e rta o c a s iã o um g ra n d e ho m em , que
e xiste u m a In te lig ê n c ia no c e rn e das c o is a s , m in h a v id a na te rra s e ria in to ­
le rá v e l” .
A última linha do Peregrino de S c h i l l e r diz: “Und das Dort ist niemals Hier
(“O ali nunca está aqui”). O finito nunca satisfaz. T e n n y s o n , Tw o Voices\ “Eis a
vida de que os nossos nervos são escassos, Oh vida, não morte, por cuja
causa ofegamos; Mais vida, mais completa eu quero”. S e th , Ethical Princi­
pies, 41 9 - “Um universo moral, um S er moral absoluto, é o ambiente indis­
pensável da vida ética, sem o qual não pode atingir o desenvolvimento perfei­
to. ... Há um Deus moral, ou isto não é universo". Jam es, Will to Believe , 116 —
“Deus é o mais adequado objeto possível das mentes estruturadas como a
nossa para conceber como enganosa a raiz do universo. Qualquer coisa sem
muito de Deus não é um objeto racional, qualquer coisa mais do que Deus
não é possível, se o homem não necessita de um objeto de conhecimento,
sentimento e vontade”.
R omanes , Thoughts on Religion, 41 - “ F a la r da R e lig iã o do in cog noscíve l,
R eligião do C o sm ism o, a R e lig iã o da H u m a n id a d e , em q u e não se reco nh ece
a p e sso a lid a d e da P rim e ira C a u sa não tem se n tid o do m esm o m odo que fala r
do a m o r de um triâ n g u lo ou da ra cio n a lid a d e do e q u a d o r” . D izia-se que, no
siste m a de C omte , “d e rra m a n d o -se o vin h o da p re se n ça real, p e dia-se que
ad o rá sse m o s a ta ça v a z ia ” . “Q u e re m o s um o b je to de d e vo çã o e C omte nos
brin d a com e s p e lh o ” (M artineau ). H uxley d izia que ele a d o ra ria a se lva g e ria
dos m acacos logo que a dos p o sitivista s racion alizassem o conceito de hu m a­
136
A ugustus H opkins Strong
nidade. Trata-se apenas da humanidade ideal, seu elemento divino que pode
ser adorado. Uma vez concebido isto, não podemos nos satisfazer enquanto
isto não se realize em algum lugar ou em alguém, como em Jesus Cristo.
U p t o n , Hibbert Lectures, 265-272 - H u x l e y crê que a evolução é “um pro­
cesso lógico materializado”; que nada permanece exceto o fluxo de energia e
“a ordem racional o permeia”; Na sua primeira parte deste processo, a nature­
za, não existe moralidade nem benevolência. Mas o processo termina com a
produção do homem, que pode ser a causa daquele apenas utilizando a guer­
ra moral contra as forças naturais que o impelem. Ele deve ser benévolo e
justo. Não diremos nós, em que pese o ponto de vista do S r. H u x l e y , que isto
deixa claro em que consiste a natureza do sistema e que deve existir um Ser
benévolo e justo que a põe em ordem? M a r t in e a u , Seat of Authority, 63-68 “Embora se conheça a autoridade do mais elevado incentivo, ela não pode
ser criada; por enquanto ela está em mim e acima de mim. ... A autoridade a
que a consciência me introduz, embora emergindo na consciência, é objetiva
em todos nós e necessariamente se refere à natureza das coisas indepen­
dentemente dos acidentes da nossa constituição. Ela não depende de nós, é
independente. Todas as mentes nascidas no universo são introduzidas à pre­
sença de uma justiça real, tão certamente como numa cena de um espaço
real. A percepção revela um outro ser além de nós mesmos; a consciência
revela um mais elevado que nós mesmos”.
Contudo, livremente devemos admitir que este argumento a partir das
aspirações do homem só tem peso se supusermos que existe um Deus sábio,
verdadeiro, santo e benévolo, que constituiu as nossas mentes para que
o seu pensamento e sentimentos correspondam à verdade e a ele m es­
mo. Um ímpio poderia ter-nos constituído tal lógica que nos induziria ao erro.
Por isso, o argumento é o desenvolvimento e expressão da nossa idéia de
Deus. L u t h a r d , Fundamental Truths: “A natureza é como um documento
escrito contendo apenas consoantes. Nós é que devemos fornecer as vogais
que o decifrarão. A não ser que portemos conosco a idéia de Deus, a nature­
za mostrar-se-nos-á apenas muda”.
d) Defeitos do Argumento Antropológico', a) não pode provar um criador
do universo m aterial, b) N ão pode provar a infinitude de Deus. c) Não pode
provar a m isericórdia de Deus. Mas
b)
O valor do Argumento é que ele nos assegura da existência de um ser
pessoal, que nos dirige em ju stiç a e que é o próprio objeto do sentim ento
suprem o e serviço. M as se este Ser é o criador original de todas as coisas, ou
sim plesm ente o autor da nossa existência, quer seja ele infinito ou finito, quer
seja ele um Ser de sim ples ju stiça ou tam bém de m isericórdia, este argumento
não nos garante.
E ntre os argum entos da existência de D eus, contudo, atribuím os a este o
lugar principal, visto que ele acrescenta às idéias de poder causativo (que
derivam os do A rgum ento C osm ológico) e da inteligência criativa (que deri-
137
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
'• amos do A rgum ento Teleológico), as bem m ais am plas idéias de pessoalida­
de e justo senhorio.
S ir W il l ia m H a m il t o n ,
Works of Reid,
2 .9 7 4 , n o t a U ;
Lectures on Metaph.,
1.33 - “Os únicos argumentos válidos da existência de Deus e da imortalida­
de da alma encontram-se na natureza moral do homem”; “a teologia depende
inteiramente da psicologia, pois, com a prova da natureza moral do homem
permanece em pé ou cai a da existência de Deus”. Porém D im a n , Theistic
Argument, 244, muito apropriadamente rebate este argumento a partir da
natureza do homem como única prova da divindade: “Seria mais adequado
mostrar os atributos do S er cuja existência já tem sido provada a partir de
outras fontes”; “por isso o Argumento Antropológico depende tanto do Cosmológico e do Teleológico como estes dependem daquele”.
Contudo, o Argumento Antropológico é necessário para suplementar as
conclusões dos dois outros. Aqueles que, como H e r b e r t S p e n c e r , reconhe­
cem um Ser infinito e absoluto, Poder e Causa, podem ainda deixar de reco­
nhecer o referido ser como espiritual e pessoal somente porque não reconhe­
cem a si mesmos como tais, isto é, não reconhecem a razão, a consciência e
a livre vontade do homem. O agnosticismo na filosofia envolve-o na religião.
R. K. E c c l e s : “Todas as línguas mais avançadas escrevem as palavras ‘Deus’
e ‘ E u ’ com letra maiúscula”. C o o k , Religion and Chemistry. “Deus é amor;
mas a natureza não pode prová-lo e é para atestá-lo que o Cordeiro foi morto
desde a fundação do mundo”.
Na filosofia, tudo depende do nosso ponto de partida, quer da natureza ou
do eu, quer do elemento necessário quer do livre. Por isso, em certo sentido,
na prática devemos começar com o Argumento Antropológico e, a partir daí
empregar o Cosmológico e o Teleológico para garantir a aplicação das con­
clusões que temos tirado do homem para natureza. Como Deus está frente a
frente ao homem na Consciência e diz-lhe: “Tu”; semelhantemente o homem
está com relação a Deus na Natureza e pode dizer-lhe “Tu”. M u l f o r d , Republic
of God, 28 - “Como a pessoalidade do homem tem seu fundamento na pes­
soalidade de Deus, assim também a realização da sua própria pessoalidade
pelo homem aproxima-o mais de Deus”.
É muito comum em tais circunstâncias tratar o que se chama os Argumen­
tos Histórico e Bíblico da existência de Deus - aquele argumentando, a partir
da unidade da história, este a partir da Bíblia; tal unidade deve, em cada
caso, ter a sua causa e explicação na existência de Deus. É uma razão sufi­
ciente para não discutir estes argumentos; sem a prévia crença na existência
de Deus, ninguém verá unidade nem na história, nem na Bíblia. O pintor T u r n e r
expôs um quadro que parecia um nevoeiro e uma nuvem até que ele lhe deu
uma pincelada escarlata. Foi o que bastou para dar-lhe o verdadeiro ponto de
vista e o resto tornou-se inteligível. Deste modo, a vinda de Cristo e o seu
sangue tornaram inteligíveis tanto as Escrituras como a história humana. Ele
ostenta em seu cinto a chave de todos mistérios. Schopenhauer, que não
conhecia a Cristo, não admitia a filosofia da história. Considerava a história
um simples jogo fortuito do capricho do indivíduo. P a s c a l : “Jesus Cristo é o
centro e o objeto de todas as coisas; aquele que não o conhece ignora a
natureza e a si mesmo”.
A ugustus H opkins Strong
138
IV. ARGUMENTO ONTOLÓGICO
Este argum ento infere a existência de D eus a partir de idéias abstratas e
necessárias da m ente hum ana. A presenta-se em três formas:
1. D e
S am uel C larke
Espaço e tem po são atributos da substância ou ser. M as espaço e tempo
são, respectivam ente, infinito e eterno. Portanto, deve haver um a substância
infinita e eterna ou Ser a quem pertencem tais atributos.
G illespie apresenta o argum ento de um m odo um tanto diferente. Espaço e
tem po são m odos de existência. M as eles são respectivam ente infinitos e eter­
nos. Por isso, certam ente há um ser infinito e eterno que subsiste em tais
m odos. P orém replicam os:
Espaço e tem po nem são atributos de substância, nem m odos de existência.
Se válido, o argum ento provaria que D eus não é m ente, m as m atéria, pois não
poderia ser m ente, m as só m atéria, da qual o espaço e o tem po seriam ou
atributos ou m odos.
O Argumento Ontológico é chamado freqüentemente de argumento a priorí,
isto é, daquilo que é logicamente anterior, ou mais antigo que a experiência, a
saber, nossas idéias intuitivas. Todas as formas do Argumento Ontológico,
neste sentido, são a príori. Para o ponto de vista contrário ver C a l d e r w o o d ,
Moral Philos., 226 - “Começar, como C l a r k e , com a proposição de que ‘algo
existia desde a eternidade’, é virtualmente propor um argumento depois de
ter admitido o que falta ser provado. A forma do argumento a priorí de G il l e s p ie ,
partindo da proposição de que ‘a infinitude da extensão existe necessa­
riamente’, está sujeita à mesma objeção com a desvantagem de atribuir a
Deus uma propriedade da matéria.”
H.
B. Smith diz que B r o u g h a m interpretou mal C l a r k e : “O argumento de
C l a r k e está na sua sexta proposição e supõe a existência provada daquilo
que vem antes. Seu alvo aqui é estabelecer a infinitude e onipresença deste
Primeiro Ser. Ele não prova a existência a partir da imensidão”. Porém retru­
camos que, ele nem pode provar a infinidade de Deus a partir da imensidão
do espaço. Espaço e tempo não são substâncias nem atributos, mas rela­
ções. A doutrina de que espaço e tempo são atributos ou modos da existência
de Deus tende ao panteísmo materialista como o de Spinosa, que defende
que a “substância una e simples” (substantia una et unica) nos é conhecida
através dos dois atributos: pensamento e extensão; mente = Deus no modo
do pensamento; matéria = Deus no modo da extensão. D o v e , Logic of the
Christian Faith, 127, diz, com propriedade que um Deus extenso é um Deus
material; “espaço e tempo nem são atributos da matéria, nem da mente”;
“devemos ter a idéia moral no mundo natural não a idéia natural no mundo
moral”. H. M. S t a n l e y , on Space and Sciense, in Philos. Rev., Nov. 1898; 615
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
139
- “O e sp a ço não é ch e io de coisas, m as as c o is a s sã o esp aço sas. ... Espaço
é um a fo rm a de a p a re cim e n to d in â m ic o ” . P r o f . C. A. S t r o n g : “O m un do co m ­
posto de co n s c iê n c ia e ou tra s e x is tê n c ia s não se e n co n tra no espaço, e m b o ­
ra po ssa e s ta r em algo de que o e sp a ço é o s ím b o lo ” .
2. De Descartes
Temos a idéia de um Ser infinito e perfeito. E sta idéia não pode ser deriva­
da de coisas im perfeitas e finitas. Portanto, deve haver um Ser infinito e per:eito que é a sua causa.
Porém respondem os que este argum ento confunde a idéia de infinito com
um a idéia infinita. A idéia que o hom em tem do infinito não é infinita, mas
finita e de um efeito finito não podem os argum entar um a causa infinita.
E sta fo rm a do a rg u m e n to O n to ló g ico , co n q u a n to s e ja a priorí, b a se a d a na
idéia n e ce ssá ria da m e n te h u m a n a é, d ife re n te m e n te d a s ou tra s fo rm a s do
m esm o arg u m e n to , a posteríori, ra cio cin a n d o a p a rtir d e sta idéia, com o um
efeito, p a ra a e xistê n cia de um S e r qu e é a s u a causa. A rg u m e n to a posteríori
= d a qu ilo que é m ais ta rd io p a ra o que é m ais an tigo , isto é, do efe ito p a ra a
causa. O s A rg u m e n to s C o sm o ló g ico , T e le o ló g ico e A n tro p o ló g ic o são a posteriori. D e ste tip o é o de D e scartes; ver D e scartes, M editação, 3: H aec idea
quae in no bis est re q u irit D eum pro cau sa; D e u sq u e pro in d e e xistit” . A idéia
na m en te dos ho m en s é a im p re ssã o do no m e do tra b a lh a d o r in d e le ve lm e n te
e sta m p a d a no seu tra b a lh o - a s o m b ra p ro je ta d a na alm a h u m a n a pelo Ser
invisível de cu ja e x is tê n c ia e p re se n ça o b sc u ra m e n te ela nos inform a. B lunt,
Dict. of Theol., 739; Saisset, Pantheism , 1.54 - “ D e sca rte s re strin g e o fa to da
c o n sciê n cia , e n q u a n to Anselmo a co n c e p ç ã o a b s tra ta ” ; “O a rg u m e n to de Des­
c a rte s p o d ia se r c o n s id e ra d o um ram o do A rg u m e n to A n tro p o ló g ic o ou M oral,
pelo fa to de que este últim o p ro ce d e da co n s titu iç ã o h u m a n a e não das suas
id éia s a b s tra ta s ” .
3 . De A n s e l m o
Temos a idéia de um Ser absolutam ente perfeito. Porém a existência é um
atributo da perfeição. D eve existir um ser absolutam ente perfeito.
R espondem os que este argum ento confunde existência ideal com existên­
cia real. N ossas idéias não são a m edida da realidade externa.
A nselmo , Poslogion, 2 - “ Id q u od m a ju s co g ita ri ne qu it, non po test e sse in
in te lle ctu s o lo ” . A p re m issa m a io r aqui não é que to d a s id é ia s p e rfe itas im p li­
cam a e x is tê n c ia do ob je to que e la s re p re se n ta m , p o rq u e en tão, co m o K ant
con tra põ e, eu p o d e ria a rg u m e n ta r da m in h a id é ia p e rfe ita de um a nota de
$1 00 que eu re a lm e n te po ssuía, o que está lo ng e do fato. D este m od o eu
te n h o um a id éia p e rfe ita de um m au ser, de um ce n ta u ro , de nada, - m as não
Augustus H opkins Strong
140
se segue que o mau ser, o centauro, ou que o nada existe. O argumento é
mais exatamente da idéia do Ser absoluto e perfeito - de “que, não se pode
conceber maior do que ele”. Só pode haver um ser assim como uma só idéia
com esta mesma caraterística.
Contudo, mesmo que se entenda deste modo, não podemos argumentar
a partir desta idéia em favor da existência real de tal ser. C a s e , Physical fíealism, 173 - “Deus não é uma idéia e consequentemente não se pode inferir a
partir de simples idéias”. B o w n e , Philos. Theism, 4 3 - 0 Argumento Ontológi­
co “apenas assinala que a idéia do perfeito deve incluir a da existência; mas
nada há que mostre que a idéia autoconsistente representa uma realidade
objetiva”. Imagino a serpente do mar, o Jinn das Mil e Uma Noites, “A Antro­
pofagia e os homens cujas cabeças crescem sob os seus ombros”. O Cavalo
Alado de Uhland tinha todas as virtudes possíveis, mas faltava-lhe só uma, não tinha vida. S e cada idéia perfeita implica a realidade do seu objetivo,
pode haver cavalo com dez patas e árvores com raízes no ar.
“O argumento de Anselmo implica”, diz F is h e r , in Journ. Chríst. Philos.,
jan., 18 83.114, que a existência in Re. é um elemento constituinte do con­
ceito. Concluir-se-ia a existência do ser a partir da definição de uma pala­
vra. Esta inferência só se justifica com base no realismo filosófico”. D o v e ,
Logic o fth e Christ. Faith, 141 - “O Argumento Ontológico é a fórmula algé­
brica do universo que conduz a uma conclusão válida sobre a existência
real só quando a enchemos de objetos que conhecemos nos argumentos a
posteríori.
D o r n e r , Glaubenslehre, 1.197, dá-nos a melhor afirmativa do Argumento
Ontológico: “A razão pensa em Deus como existente. S e não fosse a razão,
não se pensaria na existência de Deus. A razão só existe quando se admite
que Deus é”. Porém, evidentemente, isto não é argumento; é uma vivida afir­
mação da suposição necessária da existência de uma Razão absoluta que
condiciona e valida a nossa.
A pesar de que esta últim a deve ser considerada a m ais perfeita form a do
A rgum ento O ntológico, é evidente que nos conduz a um a conclusão ideal, não
a um a existência real. Em com um com as duas form as anteriores do argumento,
contudo, adm ite tacitam ente, com o já existindo na m ente hum ana, aquele
conhecim ento da existência de D eus que derivaria da dem onstração lógica.
Tem valor, portanto, para m ostrar o que D eus deve ser, se é que ele existe.
M as a existência de um Ser infinitam ente grande, C ausa pessoal, C riador e
Legislador, tem sido provada nos argum entos anteriores; pois a lei da parci­
m ônia requer que apliquem os as conclusões dos três prim eiros argumentos
àquele único Ser e não a m uitos. A este Ser devem os agora atribuir a infinitu­
de e a perfeição, idéia na qual se assenta a base do A rgum ento O ntológico não porque são dem onstradam ente dele, mas porque a nossa constituição mental
não nos perm itirá pensar de outra form a. A ssim , revestindo-o de toda a perfei­
ção que a m ente hum ana pode conceber e esta na ilim itada plenitude, temos
aquele que com ju stiça cham am os Deus.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
141
M c C o s h , Div. Gov., 12, n o t a - “É neste lugar, se não nos enganamos, que
entra a idéia do infinito. Não se pode provar (como defende K a n t ) que a capa­
cidade que a mente humana tem de formar tal idéia ou, mais do que isto, sua
crença intuitiva, num Infinito que sente ser-lhe impossível formar um conceito
adequado da existência de um Ser infinito; mas estamos convencidos de que
os meios pelos quais a mente se capacita de revestir a Divindade, mostra-se
existir em outras bases, com os atributos da infinitude, isto é, de ver este ser,
poder, bondade, e todas as suas perfeições como infinitas”. E v e n F l in t , Theism,
68, que sustenta que chegamos à existência de Deus por inferência, fala das
“condições necessárias do pensamento e sentimento e aspirações inerradicáveis que nos impõem idéias da existência absoluta, infinitude e perfeição, e
nunca nos permitirão negar estas perfeições a Deus, nem atribuí-las a qual­
quer outro ser”. A crença em Deus não é a conclusão de uma demonstração,
mas a solução de um problema. C a l d e r w o o d , Moral Philosophy, 226 - “Ou se
admite a questão toda logo de início, ou não se atinge o infinito”.
C l a r k e , Christian Teoiogy, 97-114, divide a sua prova em duas partes:
I. Evidência da Existência de Deus a partir do ponto partida intelectual: Fazse a descoberta da Mente no universo, 1. inteligibilidade do universo para
conosco; 2. através da idéia da causa; 3. através da presença dos fins do
universo. II. Evidência da existência de Deus a partir do elemento religioso:
Faz-se a descoberta do bom Deus, 1. através da natureza religiosa do
homem; 2. através do grande dilema - Deus: o melhor ou o pior; 3. através da
experiência espiritual do homem especialmente no cristianismo. Deste modo,
até onde a prova do D r . C la r k e pretende ser uma afirmativa, não de uma
crença primitiva, mas de um processo lógico, devemos sustentar que ela é
defeituosa, do mesmo modo que as três formas de prova que vimos fornecer
alguma evidência corroborativa da existência de Deus. Por isso D r . C l a r k e ,
com muita propriedade, acrescenta: A religião não se produz através da pro­
va da existência de Deus e não será destruída pela sua insuficiência em algu­
mas mentes. A religião existia antes do argumento; de fato é a preciosidade
da religião que induz a buscar toda a confirmação possível da realidade de
Deus”.
As três formas de provar a existência de Deus já mencionadas - o Argu­
mento Cosmológico, o Teleológico e o Antropológico - podem ser compara­
das a três arcos de uma ponte sobre um largo e veloz rio. A ponte tem apenas
dois defeitos, mas bem sérios. O primeiro é que não se pode avançar para
ela; a extremidade da borda aquém não existe; não se pode entrar na ponte
do argumento lógico a não ser que se admita a validade dos processos lógi­
cos; esta suposição tem como certo, de início, a existência de um Deus que
induziu nossas faculdades a agirem corretamente; avançamos para a ponte,
não por um processo lógico, mas somente por um salto da intuição e admitin­
do, logo ao começo, a própria coisa que se pretende provar. O segundo defei­
to da assim chamada ponte do argumento é que, quando se caminha, nunca
se sai. Também falta a conexão com a outra margem. Todas as premissas
com que argumentamos, sendo finitas, garantem-nos apenas a extração de
uma conclusão finita. O argumento não pode atingir o Infinito e só Um merece
ser chamado Deus. Não podemos sair da nossa ponte lógica por processo
lógico, mas somente por outro salto final da intuição e admitindo mais uma
142
A ugustus H opkins Strong
vez a existência do Ser infinito que em vão temos procurado alcançar por
mero argumento. Parece haver aqui uma referência a Jó 11.7 - “Porventura
alcançarás os caminhos de Deus, ou chegarás à perfeição do Todo-poderoso?”
Com o processo lógico este é defeituoso, visto que toda lógica bem com o
toda observação para sua validade depende da pressuposta existência de Deus
e, visto que este processo particular, m esm o adm itindo a validade da lógica
em geral, não garante a conclusão de que D eus existe, exceto com base na
suposição de que nossas idéias abstratas de infinitude e de perfeição se apli­
quem tam bém ao Ser a quem o argum ento nos conduziu.
Porém , apesar de que am bos os fins da ponte lógica são totalm ente falhos,
o processo pode servir e n a verdade serve a um propósito m ais útil que o da
sim ples dem onstração, a saber, o de despertar, explicando e confirm ando um a
convicção que, apesar de a m ais fundam ental de todas, pode ter sido parcial­
m ente adorm ecida por falta de pensam ento.
M o r e l l , Philos. Fragments, 17 7,17 9 - “De fato, não podemos provar a
existência de um Deus através de um argumento lógico do mesmo modo em
que não o podemos no que tange a um mundo externo; mas também não
podemos ao menos obter tão forte convicção prática de um como do outro”.
“Chegamos a uma crença científica na existência de Deus do mesmo modo
em que o fazemos em qualquer outra verdade humana possível. Admitimo-lo ,
como uma hipótese absolutamente necessária a fim de explicar os fenôme­
nos do universo; e então as evidências de cada quadrante começam a con­
vergir para ele, até que, com o passar do tempo, o senso comum da humani­
dade, cultivada e iluminada por todo o conhecimento acumulado, pronuncie a
validade da hipótese com uma voz raramente menos decisiva e universal que
no caso das nossas mais elevadas convicções científicas”.
F is h e r , Supernat. Origin of Christianity, 572 - “Qual é, então, o propósito e
qual a força dos vários argumentos da existência de Deus? Respondemos
que tais provas são os diferentes modos em que a fé se expressa e busca
confirmação. Neles concebe-se ou define-se a fé ou o objeto desta e neles
não se encontra a corroboração arbitrária, mas a substancial e valiosa daqui­
lo que a fé extrai da própria alma. Por isso, tais provas nem são, por um lado,
suficientes para criar e sustentar a fé, nem, por outro lado, para desprezá-las
como se não tivessem valor algum. A. J. B a r r e t t : “ O s argumentos, em si
mesmos, não são tanto uma ponte, mas cabos que sustentam firmes a gran­
de ponte pênsil da intuição, através da qual atravessamos o abismo entre o
homem e Deus. Ou, conquanto não sejam uma escada pela qual podemos
alcançar o céu, são o Ossa no Pélion de cuja altura combinada podemos
divisá-lo”.
A n s e l m o : “Negligentia mihi videtur, si postquam confirmati sumus in fide
non studemus quod credimus intelligere”. B r a d l e y , Apperence and Reality.
“A metafísica é a descoberta das más razões por que cremos no instinto; mas
descobrirmo-las não é menos que um instinto”. Il l in g w o r t h , Div. and Hum.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
Personality, Lect. III - “A c re n ç a num D e us pe sso a l é ju íz o in stin tivo ju s tifi­
cad o p ro g re s s iv a m e n te p e la ra z ã o ” . K night , Essays in Philosophy, 241 “Os arg u m e n to s são m e m o ria is h istó rico s do s e s fo rç o s da raça h u m an a para
v in d ic a r a si m esm a a e x is tê n c ia de um a re a lid a d e da qual e la está c o n s c ie n ­
te, m as que não po de d e fin ir p e rfe ita m e n te ” . H. F ielding , The Hearts of Men,
313 - “Os c re d o s são a g ra m á tic a da religião . E les são p a ra a religião o que a
g ra m á tica é para a fala. As p a la vra s são a e x p re s s ã o da no ssa vo n ta d e ; a
g ra m á tica é a te o ria fo rm a d a p o s te rio rm e n te . A fa la n u nca p ro ce d e da g ra m á ­
tica, m as o co rre o co n trá rio . C o m o a fa la p ro ce d e e m ud a a p a rtir de causas
de sco n h e cid a s, a g ra m á tic a d e ve s e g u i-la ” . P ascal: “O co ra çã o te m razões
que a p ró p ria razão d e s c o n h e c e ” . F rancês P ower C obbe : “As in stitu içõ e s são
‘tu iç õ e s ’ de D e u s” .
H egel , em sua Logic, p. 3, falando da disposição relativa às provas da
existência de Deus como o único meio de produzir fé em Deus, diz: “Tal dou­
trina encontraria seu paralelo se disséssem os que comer é impossível antes
de ter adquirido o conhecimento das propriedades químicas, botânicas e
zoológicas do nosso alimento; e que devemos adiar a digestão até que tenha­
mos terminado o estudo da anatomia e da fisiologia”. É um erro supor que
não há vida religiosa sem uma teoria correta da vida. Devo recusar-me a
beber água ou a respirar o ar até que eu possa fabricá-los por mim mesmo?
Algumas coisas nos são dadas. Entre elas estão “a graça e a verdade” (Jo. 1.17;
cf. 9). Mas sempre há os que não querem receber nada de graça e insistem
em operar todo o seu conhecimento, assim como toda a salvação, através do
seu próprio processo. O pelagianismo, com a sua negação das doutrinas da
graça é apenas um desenvolvimento de um racionalismo que se recusa a
aceitar as verdades primitivas a menos que sejam demonstradas logicamen­
te. Visto que a existência da alma, do mundo, e de Deus não pode ser prova­
da por este processo, o racionalismo é levado a reduzir ou a interpretar falsa­
mente os pronunciamentos da consciência e disso resultam alguns sistemas
a serem mencionados a seguir.
143
C a p ít u l o
III
EXPLICAÇÕES ERRÔNEAS
E CONCLUSÃO
Q ualquer explicação correta do universo deve postular um conhecim ento
intuitivo da existência do m undo externo, de si m esm o, e de D eus. O desejo da
unidade científica, contudo, tem ocasionado tentativas de reduzir estes três
fatores a um e, conform e um e outro destes três, tem sido considerado com o o
princípio todo inclusivo, tem resultado em M aterialism o, Idealism o M ateria­
lista ou Panteísm o Idealista. U m sistem a que podem os designar com o M onismo É tico satisfaz m ais a contento este im pulso científico.
Podemos resumir o presente capítulo da seguinte forma: 1. Materialismo:
Universo = átomos. Resposta: Os átomos nada podem fazer sem a força e
não podem ser coisa alguma (inteligível) sem as idéias. 2. Idealismo Materia­
lista: Universo = Força + Idéias. Resposta: As Idéias pertencem à Mente e a
Força só pode ser exercida pela Vontade. 3. Panteísmo Idealista: Universo =
Mente e Vontade Imanentes e Impessoais. Resposta: O espírito no homem
mostra que o Espírito Infinito deve ser Mente e Vontade Transcendentes e
Pessoais. Destas três formas de erro somos levados a uma conclusão que
podemos denominar 4. Monismo Ético: Universo = Manifestação finita, par­
cial, graduada da Vida divina; a matéria é a autolimitação de Deus sob a lei
da necessidade; a humanidade é a autolimitação sob a lei da liberdade;
a Encarnação e a Expiação são as autolimitações de Deus sob a lei da
graça. O Monismo Metafísico, ou a doutrina de uma Substância, Princípio
ou Base do Ser, é consistente com o Dualismo Psicológico, ou a doutrina
de que a alma é, por um lado, pessoalmente distinta da matéria e, por outro,
de Deus.
I. MATERIALISMO
O M aterialism o é o m étodo de pensam ento que dá m aior prioridade à
m atéria do que à m ente nas explicações do universo. Com base neste ponto de
vista os átom os m ateriais constituem a realidade últim a e fundam ental de que
todas as coisas, quer racionais, quer irracionais, são apenas com binações e
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
145
fenôm enos. A força é considerada com o um a propriedade universal e insepa­
rável da matéria.
O elem ento de verdade no m aterialism o é a realidade do m undo externo.
Seu erro está em considerar o m undo externo com o tendo existência original e
independente e considerar a m ente com o seu produto.
O materialismo considera os átomos como tijolos com cujo universo mate­
rial é construída a casa em que moramos. S ir W il l ia m T h o m s o n ( L o r d K e lv in )
imagina que, se uma gota de água fosse aumentada ao tamanho da nossa
terra, os átomos em que ela consiste pareceriam maiores do que as bolinhas
de vidro de um menino, e ainda bem menores que as bolas de bilhar. Todas
coisas, visíveis e invisíveis, são feitas destes átomos. A mente, com todas as
suas atividades, é uma combinação ou fenômeno de átomos. “Man ist was er
iszt: ohne Phosphor kein gedanke” ( A pessoa é o que come: sem fósforo, não
há nenhum pensamento). A ética é um bilhete de passagem; e a adoração,
como o calor, é um tipo de movimento. Contudo, A g a s s iz , espirituosamente
perguntou: “Então, os pescadores são mais inteligentes que os agricultores,
porque eles comem tanto peixe e, por isso, ingerem mais fósforo”?
E evidente que muito do que se atribui aos átomos, na realidade pertence
à força. Prive da força os átomos e tudo o que sobra é extensão, que = espa­
ço = zero. Contudo, “se se estendem os átomos, estes não podem ser os
últimos, porque a extensão implica divisibilidade e aquilo que se concebe
como divisível não pode ser o último elemento filosófico. Porém, se os áto­
mos não se estendem, conseqüentemente uma infinita multiplicação e com­
binação deles não pode produzir uma substância extensa. Além do mais, não
se concebe um átomo que nem é substância extensa, nem substância pen­
sante. O último elemento real é a força, que não pode ser exercida pelo nada,
mas, como veremos doravante, só um Espírito pessoal pode exercê-la por­
que só ele possui as caraterísticas da realidade, a saber, definibilidade, uni­
dade e atividade”.
Não só a força, mas também a inteligência, deve ser atribuída aos átomos
antes de poderem explicar qualquer operação da natureza. H e r s c h e l não só
diz que “a força da gravitação parece assemelhar-se à de uma vontade uni­
versal”, mas os próprios átomos, ao reconhecerem-se uns aos outros para
combinarem-se, mostram em grande parte “a presença da mente”. L a d d ,
Introd. to Philosophy, 269 - “Um distinto astrônomo disse que cada corpo no
sistema solar comporta-se como se soubesse precisamente como deveria
fazê-lo em consonância com a sua própria natureza e com o comportamento
de cada um dos outros corpos no mesmo sistema solar. ... Cada átomo já
percorreu incontáveis milhões de milhas com incontáveis milhões de pares,
muitos dos quais requeriam importante modificação no seu modo de moverse sem jamais apartarem-se do seu passo correto ou ritmo”. J. P. C o o k e , Credentials of Science, 104, 177, sugere que há algo mais necessário do que os
átomos para explicar o universo. Deve-se admitir uma Inteligência correlata.
Por si mesmo, os átomos seriam como um montão de pregos soltos, que
necessitam de ser magnetizados para manterem-se unidos. Precisariam ser
resolvidas todas as estruturas e desaparecer todas as formas da matéria se
146
Augustus H opkins Strong
se quisesse afastar a Presença que as sustenta. O átomo, como as mônadas
de Leibnitz, é “parvus in genere deus” - “um deus pequenino na sua nature­
za” - tão somente por ser a expressão da mente e da vontade de um Deus
imanente.
P l a t ã o fala dos homens que ficam “deslumbrados quando se aproximam
de coisas materiais”. Não percebem que as próprias coisas materiais, visto
que só podem ser interpretadas em termos de espírito, devem ser na essên­
cia espirituais. O materialismo é a explicação de um mundo do qual conhece­
mos alguma coisa - o mundo da mente - através de um mundo do qual quase
nada conhecemos - o da matéria. U p t o n , Hibbert Lectures, 297, 298 - “Como
estão os átomos materiais e as moléculas cerebrais? Eles não têm existência
real a não ser como objeto do pensamento e, por isso, o próprio pensamento,
que você diz que os átomos produzem, voltam a ser a precondição da sua
própria existência”. Com isto concordam as palavras do D r . L a d d : “ O conheci­
mento da matéria envolve repetidas atividades da sensação e da reflexão, da
inferência indutiva e da dedutiva, da crença intuitiva na substância. Tudo isto
são atividades da mente. Só quando ela tem vida autoconsciente obtém-se
qualquer conhecimento do que é a matéria ou do que ela pode fa zer.... Tudo
aquilo que está sempre sujeito a estados mutantes é real. O que toca, sente,
vê é mais real do que o tocado, sentido, visto”.
H.
N. G a r d n e r , Presb. Ftev., 1885.301, 665, 666 - “A mente dá à matéria
seu principal sentido - por isso a matéria por si só nunca pode explicar o
universo”. G o r e , Incarnation, 31 - “A mente não é um produto da natureza,
mas seu constituinte necessário, considerado como um sistema ordenado
cognoscível”. F r a s e r , Philos. of Theism: “Um ato imoral deve proceder de um
agente imoral; não se conhece um efeito físico que origina sua causa física”.
A matéria orgânica ou inorgânica pressupõe uma mente; mas não é verdade
que a mente pressupõe a matéria. L e C o n t e : “S e eu pudesse remover a cober­
tura do seu cérebro, o que eu veria? Só alterações físicas. Mas quanto a você
- o que você pode perceber? A consciência, o pensamento, a emoção, a
vontade. Agora, tome o exterior da natureza, o Cosmos. De fora, o observa­
dor só vê fenômenos físicos. Mas não deve haver também neste caso - por
outro lado - fenômenos psíquicos, o Eu, a Pessoa, a Vontade”?
A impossibilidade de encontrar na matéria, considerada como simples áto­
mos, quaisquer atributos de uma causa, tem levado a um abandono geral
deste velho materialismo de D e m ó c r it o , E p ic u r o , L u c r é c io , C o n d il l a c , H o l b a c h ,
F e u e r b a c h , B ü c h n e r ; e o Idealismo Materialista tomou o seu lugar, que, ao invés
de considerar a força como uma propriedade da matéria, considera-a como
manifestação da força. Por isso, a partir desta seção, passaremos ao sistema
de forças e de idéias. Há um quarto de século, J o h n T y n d a l l , em seu discurso
de abertura como Presidente da Associação Britânica em Belfast, declarou
que, na matéria, dever-se-ia encontrar a promessa e a potência de cada for­
ma de vida. Mas, em 1898, S ir W il l ia m C r o o k e s , em seu discurso como Presi­
dente daquela mesma Associação Britânica, reverteu o apotegma e declarou
que, na vida, ele via a promessa e a potência de cada forma da matéria.
Em acréscim o ao erro geral indicado acim a objetam os a este sistem a do
seguinte modo:
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
147
1. Em conhecendo a m atéria, a m ente se ju lg a necessariam ente diferente
em gênero e em nível m ais elevado do que a m atéria que ela conhece.
1) Expomos aqui simplesmente uma convicção intuitiva. Ao usar seu
organismo físico e ao pôr a natureza exterior a seu serviço, a mente reconhe­
ce-se diferente da matéria e superiora ela. VerM ARTiNEAU, citado na Brit. Quar.,
April, 1882.173, e no artigo do P r e s id e n t e T h o m a s H il l , Bibliotheca Sacra, abril,
1852.353 - “Tudo o que, na verdade, a ação sentido-percepção dá é existên­
cia do eu consciente, flutuando no ilimitado espaço e no ilimitado tempo rodea­
do e apoiado pela ilimitada força. A matéria móvel, que inicialmente pensa­
mos ser a grande realidade, é apenas a sombra do nosso verdadeiro ser, que
é imaterial”. H a r r is , Philos. Basis of Theism, 3 17 - “Imagine um ser infinitesimal no cérebro, vigiando a ação das moléculas, mas omitindo o pensamento.
Do mesmo modo a ciência observa o universo, mas omite Deus”.
R o b e r t B r o w n in g , “ o mais sutil afirmador da alma em cântico”, faz o Papa,
em Anel e o Livro, dizer: “A mente não é matéria, nem provém da matéria,
mas do alto”. De igual modo o P r e s id e n t e F r a n c is W a y l a n d : “O que é a men­
te”? “O que é a matéria”? “Não vai ao caso”. S u l l y , The Human Mind, 2.369 “A consciência é uma realidade inteiramente distinta dos processos materiais
e, por isso, não pode ser resolvida neles. O materialismo faz o que é conheci­
do imediatamente (nossos estágios mentais) subordinado àquilo que só indi­
retamente ou por inferência se conhece (coisas exteriores). Contudo, é um
absurdo uma entidade material existente per se fora da relação com uma
mente pensante”. Como os materialistas elaboram a sua teoria, a sua assim
chamada matéria torna-se cada vez mais etérea, até, finalmente, chegar a
um estágio quando não se pode distinguir daquilo que os outros chamam de
espírito. M a r t in e a u : “A matéria que eles descrevem é tão excessivamente
inteligente, que a tudo supera, mesmo ao escrever Hamlet e ao descobrir a
sua própria evolução. Em resumo, mas ao soletrar o seu nome, ela não pare­
ce diferir apreciavelmente dos nossos velhos amigos: Mente e Deus”. A. W .
M o m e r ie , Christianity and Evolution, 54 - “Um ser consciente da sua unidade
não pode, possivelmente, ser formado de numerosos átomos inconscientes
da sua diversidade. Qualquer pessoa que pensa ser isto possível é capaz de
afirmar que meia dúzia de tolos poderiam resultar em um sábio”.
2. Visto que os atributos da m ente - d) identidade contínua, b) atividade
própria, c) não relacionam ento com o espaço - são diferentes em gênero e de
nível m ais elevado que os atributos da m atéria, é racional concluir que a m en­
te é em si m esm a diferente da m atéria em gênero e m ais elevada em nível que
esta.
Este é um argumento a partir das qualidades específicas que é subjacen­
te às qualidades e as explica, a) A memória prova a identidade pessoal. Não
se trata de uma identidade de átomos materiais, porque os átomos mudam.
As moléculas que vêm não podem lembrar as que partiram. Há alguma parte
imutável no cérebro, organizado, ou não? O organizado desaparece; o desor­
148
A ugustus H opkins Strong
ganizado = a alma. b) A inércia mostra que a alma move-se a si mesma. Duas
porções são necessárias, e estas, para a ação útil, requerem o ajuste através
de uma força que não pertence à matéria. Evolução do universo é inexplicá­
vel a não ser que a matéria seja movida primeiro por alguma força exterior a
si mesma, c) As mais elevadas atividades da mente independem das condi­
ções físicas. A mente controla e domina o corpo. Ela não pára de desenvol­
ver-se mesmo quando o corpo pára de crescer. Quando o corpo se aproxima
da dissolução, a mente, com freqüência, afirma-se mais notadamente.
K a n t : “A unidade da apreensão é possível por causa da unidade transcen­
dental da autoconsciência”. Obtenho a minha idéia de unidade a partir do eu
indivisível. S t o u t , Manual of Psichology, 53 - “Até onde a matéria existe, inde­
pendentemente da presença de um sujeito cognitivo, não pode ter proprieda­
des materiais, tais como extensão, dureza, cor, peso etc. ... O mundo dos
fenômenos materiais pressupõe um sistema de atuação imaterial. Neste se
origina a consciência individual. Alguns dizem que este agente é o pensa­
mento, outros, que é a vontade". A. J. D u b o is , in Century Magazine, dez.
1894.228 - Visto que cada pensamento envolve um movimento molecular no
cérebro e este movimenta o universo inteiro, a mente é o segredo do universo
e não devemos interpretar a natureza como a expressão de um propósito
subjacente. A ciência é a mente que segue os traços desta. Não pode haver
mente sem uma antecedente. O fato de que todos os seres humanos têm os
mesmos modos mentais mostra que estes não se devem somente ao meio
ambiente. B o w n e : “As coisas agem sobre a mente e esta reage com o conhe­
cimento. O conhecimento não é uma aquisição passiva, mas uma construção
ativa”. W u n d t : “Somos compelidos a admitir que o desenvolvimento físico não
é a causa, porém é muito mais; é o efeito do desenvolvimento psíquico”.
P a u l C a r u s , Soul of Man, 52-64, define a alma como “a forma de um orga­
nismo”, e a memória como “o aspecto psíquico da preservação da forma na
substância viva”. Isto parece dar prioridade ao organismo ao invés de dá-la à
alma, sem considerar o fato de que sem a alma não se concebe o organismo.
A argila não pode ser o ancestral do oleiro, nem a pedra o ancestral do
pedreiro, nem a madeira, do carpinteiro. W. N. C l a r k e , Christian Theology, 99
- “A inteligibilidade do universo para nós é forte e evidência sempre presente
de que há uma Mente racional que invade todas as coisas e, a partir dela, o
universo recebe a sua caraterística”. À máxima “cogito, ergo sum” devemos
acrescentar a outra: “Intelligo, ergo Deus est”. P f l e id e r e r , Philos. Relig., 1 .2 7 3
- “Toda a filosofia idealística dos tempos modernos é, de fato, a elaboração e
o embasamento da convicção de que o Espírito ordena a Natureza como um
meio subserviente visando aos seus fins eternos; por isso não é, como pen­
sava o naturalismo pagão, um e todos, a última e mais elevada das coisas,
mas tem sobre si o Espírito e os fins morais, como seu Senhor e Mestre”.
A percepção pela qual as coisas são conhecidas precede-as na ordem lógica
e, por isso, não pode ser explicada através delas ou derivar delas.
3.
P o r isso, não a m atéria, mas a m ente deve ser considerada com o a enti­
dade original e independente a m enos que se possa cientificam ente dem ons­
trar esta é material na sua origem e natureza. M as são reconhecidam ente falhas
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
149
todas tentativas de explicar o psíquico a partir do físico, o orgânico a partir do
inorgânico. Q uando m uito, o que se pode reivindicar é que as m udanças psí­
quicas são sem pre acom panhadas de m udanças físicas e que o inorgânico é o
esteio do orgânico. A pesar de que se desconhece a exata conexão entre a m en­
te e o corpo, o fato de que a continuidade das m udanças físicas é insolúvel
quando da atividade psíquica to m a certo que a m ente não é um a transform a­
ção da força física. Se os fatos da sensação indicam a dependência da m ente
em relação ao corpo, os fatos da volição igualm ente indicam a dependência do
corpo em relação à m ente.
O químico pode produzir substâncias orgânicas, mas não organizadas.
A vida não pode ser produzida a partir da matéria. Mesmo nas coisas vivas só
o plano pode garantir o progresso. A multiplicação da vantagem desejada no
esquema darwiniano requer um pensamento selecionado; a saber, afinal de
contas, a seleção natural é artificial. J o h n F is k e , Destiny ofthe Creature, 109 “A fisiologia do cérebro diz-nos que, durante a vida presente, apesar de que o
pensamento e o sentimento sempre se manifestam em conexão com uma
forma peculiar da matéria, ainda não pode haver nenhuma possibilidade do
pensamento e o sentimento serem produtos da matéria. Nada pode ser mais
grosseiramente anticientífico do que a famosa nota de C a b a n is , de que o cére­
bro segrega o pensamento como o fígado segrega a bílis. Nem mesmo se
deve dizer que se processa no cérebro. O que se processa no cérebro é uma
série admiravelmente complexa de movimentos moleculares com os quais o
pensamento e o sentimento são de alguma desconhecida forma correlatos,
não como efeitos ou como causas, mas como concomitantes”.
A “harmonia preestabelecida” de L e ib n it z indica a dificuldade de definir a
relação entre a mente e a matéria. Elas são como dois relógios inteiramente
desconexos, um dos quais tem o mostrador e indica a hora através dos pon­
teiros, enquanto o outro simultaneamente indica a mesma hora por seu apa­
relho de bater as horas. Para L e ib n it z o mundo é um agregado de almas atô­
micas que conduz almas absolutamente separadas. Não há nenhuma ação
real de um sobre o outro. Tudo na mônada é o desenvolvimento de sua ativi­
dade não estimulada. Contudo, há uma harmonia entre todos eles ordenada
desde o começo pelo Criador. O desenvolvimento interno de cada mônada
ajusta-se de tal modo a todas as outras que produz a falsa impressão de que
elas são mutuamente influenciadas entre si. A teoria de L e ib n it z envolve a
completa rejeição da liberdade da vontade humana no sentido libertário. Para
escapar desta arbitrária conexão da mente e da matéria na harmonia prees­
tabelecida de L e ib n it z , S p in o z a rejeita a doutrina cartesiana das duas substân­
cias criadas por Deus e sustenta que há apenas uma substância, a saber, o
próprio Deus.
Há um fluxo aumentado de sangue para a cabeça nos tempos de ativida­
de mental. Às vezes, no calor intenso da composição literária, o sangue brota
com fartura através do cérebro. Nenhuma diminuição da atividade física acom­
panha os maiores esforços da mente, mas um maior aumento dela. “A cons­
ciência causa mudanças físicas, porém a recíproca não é verdadeira. Dizer
150
A ugustus H opkins Strong
que a mente é uma função do movimento é dizer que a mente é uma função
de si mesma, porque o movimento só existe em função da mente. É melhor
supor que os elementos físicos e psíquicos são apenas um, do mesmo modo
que o som do violino é a mesma coisa que a vibração. A volição é uma causa
na natureza porque tem atuação cerebral do seu lado anverso e inseparável.
Mas, se não há movimento sem a mente, então não pode haver universo sem
Deus”. ... 34 - Porque dentro dos limites da experiência humana só se conhe­
ce a mente associada com o cérebro, não se segue que a mente não pode
existir sem ele. A explicação de H e l m h o l t z sobre o efeito de uma das sonatas
de Beethoven no cérebro pode ser perfeitamente corrigida, mas a explicação
do efeito causado por um músico pode igualmente ser corrigida dentro da sua
categoria”.
H e r b e r t S p e n c e r , Principies of Psichology, 1. par. 56 - “Duas coisas coe­
xistem: a mente e a ação nervosa; mas não podemos imaginar de que forma
elas se relacionam”. T y n d a l l , Fragments o f Science, 120 - “É impossível pen­
sar na passagem da física do cérebro para os fatos”. S c h u r m a n , Agnosticism
and Religion, 95 - “Facilmente se crê que a metamorfose das vibrações para
as idéias conscientes é um milagre em comparação com a flutuação do ferro
(2 Re. 6.6), ou a transformação da água em vinho”. Bain, Mind and Body, 131
- Não há rompimento na continuidade física.
4.
N egando a prioridade do espírito, a teoria m aterialista não pode fornecer
nenhum a causa suficiente das m ais elevadas caraterísticas do universo exis­
tente, a saber, sua inteligência pessoal, suas idéias intuitivas, sua livre vonta­
de, seu progresso m oral, sua crença em Deus e na im ortalidade.
H e r b e r t , Modern Realism Examined. “O materialismo não tem nenhuma
evidência física da existência da consciência nos outros. Como ele declara
que os nossos semelhantes são destituídos de iivre vontade, deve declarar
também que o são de consciência; deve chamá-los, do mesmo modo que os
brutos, de puros autômatos. S e o elemento físico é tudo, nem Deus, nem o
homem existem”. Alguns dos mais antigos seguidores de Descartes costu­
mavam chutar os seus cães e bater neles, rindo enquanto eles ganiam, cha­
mando-os de “máquinas de chiar”. H u x l e y , que chama os brutos de “autôma­
tos conscientes”, crê no gradual banimento daquilo que chamamos espírito e
espontaneidade de todas as regiões do pensamento humano; trata-se ape­
nas de um efeito sem causa".
C l e r k M a x w e l l , Life, 428 - “Tenho olhado para a maior parte dos sistemas
filosóficos e nada vi que opere sem um Deus”. P r e s id e n t e E. B. A n d r e w s :
“A mente é a única coisa substantiva neste universo; tudo o mais é adjetivo.
A matéria não é primordial, mas é uma função do espírito”. T h e o d o r e P a r k e r :
“O homem é o mais elevado produto da sua própria história. O descobridor
não encontra nada de tamanha estatura e grandeza como ele mesmo; nada
tão valioso como ele. A maior estrela acha-se no pequeno terminal do teles­
cópio - ela olha, e não indaga, e nem vê”.
O materialismo faz do homem “uma comitiva sério-cômica de figuras de
cera ou de graciosos elencos de barro” (Bowne). O homem é “o mais gracioso
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
151
dos relógios”. Mas se não existisse nada a não ser a matéria, não poderia
haver materialismo porque um sistema de pensamento como este implica
consciência. M a r t in e a u , Types, prefaces, xii, xiii - “É a irresistível alegação da
consciência moral que primeiro me induziu a rebelar-me contra os limites da
concepção simplesmente científica. Tornou-se incrível para mim que nada
era possível a não ser o real”. D e w e y , Psichology, 84 - “Sem elementos ideais
o mundo seria o lar formado de quatro paredes e um teto para proteger do frio
e da chuva; a mesa, uma refeição para animais; e o túmulo, um buraco na
terra”. O m a r K h a y y á m , Rubaiat, estrofe 72 - “E aquela tigela invertida chamam
de Céu, sob o qual, engaiolados vivemos e morremos, levantamos as mãos
pedindo-lhe auxílio - porque a impotência nos impele tanto a você como a
mim”. V ít o r H u g o : “Você diz que a alma nada é a não ser o resultado das
forças corpóreas? Por que, então, a minha alma se mostra mais luminosa
quando as minhas forças corporais começam a fracassar? O inverno cobre a
minha cabeça, e a eterna primavera domina o meu coração. ... Quanto mais
me aproximo do fim, mais claramente ouço as imortais sinfonias dos mundos,
que me convidam”.
D im a n , Theistic Argument, 348 - “O materialismo nunca pode explicar o
fato de que a matéria sempre está combinada com a força. Princípios coorde­
nados? então se trata de dualismo ao invés de monismo. Força causa da
matéria? então preservamos a unidade, mas destruímos o materialismo; por­
que ligamos a matéria a uma fonte imaterial. Atrás da multiplicidade das for­
ças naturais devemos postular alguma força simples - que nada pode a não
ser a mente coordenadora”. M a r k H o p k in s resume o materialismo na Princenton Rev., nov. 1879.490, da seguinte maneira: “1. O homem, que é uma pes­
soa, é feito por uma coisa, isto é, matéria. 2. A matéria deve ser adorada
como criadora do homem, se ela deve ser alguma coisa (Rm. 1.25). 3. O homem
deve adorar a si mesmo - o seu Deus é o ventre”.
H. IDEALISMO MATERIALISTA
O idealism o propriam ente dito é o m étodo de pensam ento que considera
todo o conhecim ento com o versado só com os sentim entos da mente perceptiva.
Seu elem ento de verdade consiste no fato de que tais sentim entos da mente
perceptiva são condições do nosso conhecim ento. Seu erro está em negar que
através destes e nestes conhecem os aquilo que existe independentem ente da
nossa consciência.
O idealism o dos nossos dias é principalm ente m aterialista. D efine a m até­
ria e a m ente de igual m odo em term os de sensação e considera am bos como
lados opostos ou m anifestações sucessivas de um a força subjacente e desco­
nhecida.
O moderno idealismo subjetivo é o desenvolvimento de um princípio fun­
dado desde L o c k e . Ele deriva todo o nosso conhecimento da sensação; a
mente apenas combina as idéias que a sensação fornece, mas não dá matéria
152
A ugustus H opkins Strong
alguma propriamente sua. Berkeley sustenta que exteriormente podemos estar
certos somente das sensações; não se pode estar certo de qualquer mundo
exterior sem a mente. O idealismo de B erkeley , contudo, é objetivo; porque
ele sustenta que, conquanto as coisas não existem independentes da cons­
ciência, elas independem da nossa consciência, a saber, na mente de Deus,
que na filosofia correta toma o lugar de um mundo exterior que não tem a
mente como a causa das nossas idéias. De igual modo, K ant defende exis­
tências fora das nossas mentes embora as considere como desconhecidas e
desconhecíveis. Em oposição a estas formas de idealismo objetivo devemos
colocar o subjetivo de Hume, que sustenta que internamente também não
podemos estar certos de qualquer coisa que não sejam os fenômenos men­
tais; conhecemos pensamentos, sentimentos e vontade, mas não conhece­
mos a substância mental dentro deles, mais do que a substância material de
fora; nossas idéias são uma fieira de contas sem qualquer fieira; não neces­
sitamos de causa alguma para estas idéias, no mundo exterior, na alma, ou
em Deus. M ill , S pencer , B ain e T yndall são humistas (seguidores de) e é ao
idealismo subjetivo deles que nos opomos.
Todos eles consideram o átomo material como um simples centro de for­
ça, ou uma causa hipotética das sensações. Por isso a matéria é uma mani­
festação da força como para o velho materialismo a força era uma proprieda­
de da matéria. Mas se matéria, mente e Deus são apenas sensações, então o
corpo não é nada mais que sensações. Não há nenhum corpo com a finalida­
de de ter sensações e nenhum espírito, a não ser o humano e o divino, que as
produzam. J ohn S tuart M ill, Examination of Sir William Hamilton, 1.234-253,
faz das sensações as únicas fontes originais do conhecimento. Ele define a
matéria como “uma possibilidade permanente da sensação”, e a mente como
“uma série de sentimentos despertos para ela mesma”. Deste modo, Huxley
chama a matéria “tão somente um nome da causa desconhecida dos estados
da consciência”; apesar disso, ele também declara: “S e sou compelido a
escolher entre o materialismo de um homem como Büchner e o materialismo
de Berkeley, optarei por Berkeley”. Ele defende a prioridade da matéria e
ainda considera-a totalmente ideal. Visto que J ohn S tuart M ill, de todos os
materialistas idealistas, dá as mais precisas definições da matéria e da men­
te, tentaremos mostrar a inadequação deste modo de tratar o assunto.
Porter sustenta que a percepção original dá-nos somente os sentimentos
do nosso próprio aparelho sensorial do corpo; como causa deles adquirimos
o conhecimento da extensa exterioridade. S ir W illiam H amilton : “A sensação
própria não tem nenhum objetivo a não ser um sujeito-objeto”. Mas P orter e
H amilton sustentam que, através destas sensações conhecemos aquilo que
existe independentemente das nossas sensações. O realismo natural de
H amilton, contudo, é um exagero da verdade. B owne, Introd. To Psych. Theory,
257, 258 - “No desejo de S ir W illiam H amilton de não ter nenhum intermédio
na percepção, ele se sente forçado a sustentar que cada sensação é sentida
onde parece estar e por isso a mente ocupa o corpo inteiro. Do mesmo modo
ele foi obrigado a afirmar que o objeto da visão não é a coisa em si, mas os
raios de luz e, mesmo que o próprio objeto tivesse ao menos trazido à cons­
ciência. Assim ele chegou ao absurdo de que o verdadeiro objetivo da per­
cepção é algo de que somos totalmente inconscientes”. Seguramente não
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
podemos estar imediatamente conscientes do que está fora do nosso conhe­
cimento. J a m e s , Psychology, 1.1 1 - “Os órgãos terminais são telefones, e as
células cerebrais são os receptores que a mente ouve”.
Existe, contudo, um idealismo que não está aberto às objeções de H amilton,
às quais os filósofos modernos, em sua maioria, aderiram. É o idealismo
objetivo de L otze. Ele argumenta que nada conhecemos sobre a extensão do
mundo a não ser através do ar ou do éter, e o interpretamos como som, luz,
movimento, conforme eles afetam nossos nervos auditivos, ópticos, ou táteis.
Mas a única força que conhecemos imediatamente é a da nossa vontade;
afinal de contas não podemos entender a matéria, ou devemos entendê-la
como o produto de uma vontade comparável à nossa. As coisas são apenas
“leis concretas de ação”, ou idéias divinas a que a vontade divina deu a reali­
dade permanente. Já vimos na seção anterior que os átomos não podem
explicar o universo; eles pressupõem tanto as idéias como a força. Agora
podemos ver que tal força pressupõe a vontade e tais idéias pressupõem a
mente. Mas como se pode ainda reivindicar que esta mente não é autoconsciente e que esta vontade não é pessoal, passaremos na seção seguinte a
considerar o Panteísmo Idealista de que tais reivindicações são caraterísticas. O Idealismo Materialista, na verdade é apenas a residência em meio ao
caminho entre o Materialismo e o Panteísmo em que a lógica da inteligência
não encontra nenhum abrigo permanente.
Lotze, Outlines of Metaphysics, 1 5 2 - “Pelo exposto, a objetividade do
nosso conhecimento consiste em que não é despropositado tratá-lo como
simples aparência; mas põe diante de nós um mundo cuja coerência se orde­
na na busca da injunção da Realidade única do mundo, a profundidade do
entendimento, o Bem. Por isso, o nosso conhecimento possui mais verdade
do que se copiasse exatamente um mundo que não tem valor em si mesmo.
Embora não compreenda tudo o que é fenômeno que se apresenta à vista,
ainda entende qual é o seu sentido total; é como o espectador que compreen­
de a significação estética daquilo que ocorre no palco de um teatro e não
obteria nada de essencial se ele fosse ver ao lado o mecanismo pelo qual
alteram-se os efeitos no referido palco”. P r o f. C. A. S tro n g : “A percepção é
uma sombra lançada sobre a mente por uma coisa em si mesma”. A sombra
é o símbolo da coisa; e, como as sombras não têm alma nem vida, pode
parecer que os objetos físicos também não têm alma e são mortos, conquan­
to a realidade simbolizada nunca é a da presença de uma alma e de uma
vida. A consciência é uma realidade. A única existência que podemos conce­
ber é de natureza mental. Toda a existência em favor da consciência é, na
verdade, da consciência. A sombra do cavalo o acompanha, mas não o ajuda
a puxar a carroça. O evento cerebral é apenas o estado mental em si mesmo
considerado a partir do ponto de vista da percepção”.
A ris tó te le s : “A natureza da substância antecede ao relacionamento” = não
pode haver relacionamento sem coisas que se relacionem. Fichte: O conheci­
mento, exatamente porque é conhecimento, não é realidade; não vem em
primeiro lugar, mas em segundo". V e it c h , Knowing and Being, 2 1 6 , 2 1 7 , 2 9 2 ,
2 9 3 - “O pensamento nada pode fazer, senão como um sinônimo do Pensa­
dor. Nem o consciente finito, nem o infinito, sozinhos ou juntos, podem cons­
tituir um objeto exterior ou explicar a sua existência. Esta logicamente precede
153
154
A ugustus H opkins Strong
a sua percepção. Percepção não é criação. Não é o pensar que faz o ego,
mas o ego que faz o pensar”. S eth , Hegelianism and Personality. “Os pensa­
mentos divinos pressupõem um Ser divino. Os pensamentos de Deus não
constituem o mundo real. A força real não se encontra neles; ela está no Ser
divino, como vontade viva e ativa”. Eis aqui o erro fundamental de H egel, que
considera o universo simplesmente como uma idéia e tributa pouco pensa­
mento ao Amor e à Vontade que o constituem.
A este ponto de vista podem os apresentar as seguintes objeções:
1. Sua definição de m atéria com o um a “perm anente possibilidade de sen­
sação” contradiz nosso juízo intuitivo de que, conhecendo os fenôm enos da
m atéria, tem os o conhecim ento direto da substância com o fenôm enos subja­
centes, distintos das nossas sensações, e exteriores à mente que as experimenta.
B owne , Metaphysics, 432 - “Provavelmente pode-se desconhecer a pos­
sibilidade de um odor ou gosto ser a causa da cor amarelada de uma laranja,
a não ser para a mente que entende que dois mais dois são cinco”. M artineau ,
Study, 1.10 2 -112 - “S e as impressões exteriores são telegrafadas para o
cérebro, a inteligência deve receber a mensagem no começo assim como
liberá-la no fim. ... É o objeto exterior que dá a possibilidade, não a possibili­
dade que dá o objeto exterior. A mente não pode ser tanto a sua própria
cognita como a sua cognitio. Não se pode dispensar uma base de apoio para
os pés, ou a atmosfera para as asas”. Professor C harles A. S trong : “K ant
sustenta que as coisas em si mesmas têm como retaguarda os fenômenos
físicos bem como as coisas em si têm como retaguarda os fenômenos men­
tais; o seu pensamento é que as coisas em que formam a retaguarda da força
física são idênticas às coisas em si como retaguarda dos fenômenos men­
tais. E visto que os fenômenos mentais, nesta teoria, não são espécimes da
realidade e a realidade manifesta-se indiferentemente através delas e dos
fenômenos físicos, naturalmente ele conclui que nós não temos base para
supor que a realidade seja semelhante ou, que devemos concebê-la com
‘weder Materie noch ein denkend W esen’, ‘nem matéria nem ser pensante’,
uma teoria do desconhecível. Seria o caso também do Impensável e do Indizível!” R alph W aldo E merson era um idealista subjetivo; mas, quando chama­
do a inspecionar uma carga de madeira de um fazendeiro, disse aos seus
companheiros: “Desculpem-me por um momento, meus amigos; temos que
dar atenção a estes assuntos, como se fossem reais”.
2. Sua definição de m ente com o “um a série de sentim entos conscientes
dela m esm a” contradiz nosso juízo intuitivo de que, conhecendo os fenôm e­
nos da m ente, tem os conhecim ento direto de um a substância espiritual de que
tais fenôm enos são m anifestações, que retém sua identidade independente­
m ente de nossa consciência e que, neste conhecer, ao invés de ser o recipiente
passivo das im pressões vindas de fora sem pre age a partir de dentro através de
um a força que lhe é própria.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
155
J ames , Psichology, 1.226 - “ É co m o se o fa to p síq u ico e le m e n ta r não fosse
pensamento , ou este pensamento, ou aquele pensamento, m as o meu pen­
samento e tod o ele po ssuído . O fa to co n s c ie n te u n ive rsa l não é o de que ‘os
p e n sa m e n to s e s e n tim e n to s e x is te m ’, m as o de que ‘eu p e n s o ’, e ‘eu s in to ”’.
O P rofessor J ames é compelido a dizer isto apesar de que ele começa a sua
obra Psicologia sem insistir na existência de uma alma. H amilton , Reid, 443 -
“Acaso suporei que o pensamento subsiste por si mesmo? ou que as idéias
podem sentir prazer ou dor”? R. T. S mith , Man’s Knowledge, 44 - “Dizemos
‘minhas noções e minhas paixões’ e, quando empregamos tais expressões,
implicamos que o nosso eu central se sente algo diferente das noções
ou paixões que lhe pertencem, ou caraterizam-no durante um certo tempo”.
Lichtenberg: “Deveríamos dizer: ‘Pensa-se’; do mesmo modo que dizemos:
‘Brilha’, ou ‘Chove”. Então as faculdades são uma arma sem um general, ou
uma locomotiva sem um maquinista? Neste caso não deveríamos ter, sensa­
ções; mas ser sensações.
P rofessor C. A. S trong : “Tenho conhecimento de outras mentes. Este
conhecimento não empírico - que transcende as coisas em si não derivam da
experiência nem do raciocínio e, ao admitir que semelhantes conseqüências
(movimentos inteligentes) devem ter semelhantes antecedentes (pensamen­
tos e sentimentos) e, ao admitir também instintivamente que existe algo fora
da minha mente - isto refuta o fenomenalismo pós-kantiano. Percepção e
memória também envolvem transcendência. Em ambas eu transcendo os
limites da experiência de modo tão verdadeiro como no meu conhecimento
de outras mentes. Na memória eu reconheço um passado, distinto do presen­
te. Na percepção eu conheço uma possibilidade de outras experiências
semelhantes ao presente e isto só dá um senso de permanência e realidade.
A percepção e a memória refutam o fenomenalismo. Convém admitir as coisas
em si a fim de preencher as lacunas entre as mentes individuais e dar coerên­
cia e inteligibilidade ao universo e desta forma evitar o pluralismo. S e a maté­
ria pode influenciar e mesmo extinguir as nossas mentes, ela deve ter alguma
força de si mesma, alguma existência de si mesma. S e a consciência é
um produto evolutivo, deve ter surgido de fatos mentais mais simples. Porém
tais fatos mentais são apenas outro nome para as coisas em si mesmas. Um pro­
fundo instinto pré-racional compele-nos a reconhecê-los porque não se pode
demonstrá-los logicamente. Devemos admiti-los para dar continuidade e inte­
ligibilidade às nossas concepções do universo”.
3.
Até onde esta teoria considera a m ente com o o anverso da m atéria ou
com o um m ais tardio e m ais elevado desenvolvim ento da m atéria, m era refe­
rência tanto da m ente com o da m atéria a um a força subjacente não poupa a
teoria de quaisquer dificuldades do já m encionado m aterialism o puro; por­
que, neste caso, tam bém a força é considerada com o puram ente física e se
nega a prioridade do espírito.
H erbert S pencer , Psychology, citado por F iske , Cosmic Philosophy, 2.8 0 “A mente e a ação nervosa são faces subjetivas e objetivas da mesma coisa.
A ugustus H opkins Strong
156
Contudo ainda continuamos totalmente incapazes de ver, ou mesmo de ima­
ginar, como ambas se relacionam. A mente ainda continua a ser para nós
algo como o reinado de outras coisas”. O w en , Anatomy of Vertebrates, citado
por T albot , Bap. Quar., Jan. 18 7 1.5 - “Tudo que eu sei sobre a matéria e a
mente em si é que aquela é um centro exterior da força e esta um centro
interior”. New Engtander, set. 1883.636 - “S e o átomo for simplesmente um
centro da força e não uma coisa real em si, então ele é uma essência
supersensívei, um ser imaterial. Fazer de algo imaterial a fonte da mente cons­
ciente é fazer algo tão maravilhoso como uma alma imortal ou um Cria­
dor pessoal”. M artineau , Study, 102-130, e Relig. and Mod. Materialism, 2 5 “S e se toma a mente para construir o universo, como pode a negação da
mente constituí-lo”?
D avid H ill , Genetic Philosophy, 200,201, parece negar que o pensamento
precede a força ou que a força precede o pensamento: “Objetos, ou coisas do
mundo exterior, podem ser os elementos do processo do pensamento em um
assunto cósmico sem que eles mesmos estejam conscientes. ... Uma verda­
deira análise e uma gênese racional requerem o igual reconhecimento dos
elementos da experiência tanto objetiva quanto subjetiva sem prioridade de
tempo, separação no espaço ou ruptura do ser. Até onde as nossas mentes
podem penetrar a realidade, descoberta nas atividades do pensamento, em
qualquer lugar enfrentamos uma Razão Dinâmica”. No relato do D r. H ill
sobre a gênese do universo, contudo, vem em primeiro lugar o inconsciente e
dele parece derivar o consciente. A consciência do objeto é apenas o anverso
do objeto da consciência. Isto é, segundo assinala M artineau , Study, 1.341,
fazer o mar embarcar no navio”. Preferimos grandemente o ponto de vista de
L otze , 2.641 - “As coisas são atos do Infinito operadas só dentro das mentes
ou estados que o Infinito não experimenta em parte alguma a não ser nas
mentes. ... As coisas e os eventos são a soma das ações que o mais elevado
Princípio apresenta em todos espíritos de modo tão uniforme e coerente que,
para tais espíritos pode parecer um mundo de coisas substanciais e eficien­
tes que existem no espaço fora delas”. Os dados dos quais extraímos nossas
inferências quanto à natureza do mundo exterior mental e espiritual é mais
racional atribuir ao mundo uma realidade espiritual do que aquela de que a
nossa experiência não tem nenhum conhecimento.
4.
A té onde esta teoria sustenta a força subjacente de que a m atéria e a
m ente são m anifestações em qualquer sentido inteligentes e voluntárias, torna
necessária a suposição de que há um Ser inteligente e voluntário que exerce
tal força. As sensações e as idéias, contudo, só são explicáveis com o m anifes­
tações da M ente.
Muitos recentes pensadores cristãos como M urphy , Scientific Bases of
Faith, 13-15, 29-36, 42-52, definiriam a mente como uma função da matéria,
a matéria como função da força, a força como função da vontade e, conse­
qüentemente, o poder de um Deus onipresente e pessoal. Toda força, exceto
a da vontade livre do homem, é a vontade de Deus. Escritores como H erschel,
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
Lectures, 460; A rgyll , Reign of Law, 12 1-127; W allace , ort Nat. Selection,
363-371; M artineau , Essays, 1.63, 121, 145, 265; B ow en , Metaph. and Ethics,
146-162, são levados à sua conclusão em grande parte pelas considerações
^e que nenhuma coisa morta pode ser uma causa própria; essa vontade é a
única causa de que temos conhecimento imediato; que as forças da natureza
são inteligíveis só quando consideradas como esforços da vontade. Por isso
a matéria é o centro da força - a expressão da mente e da vontade de Deus
regular e, como se fosse, automática. As causas secundárias na natureza
são apenas atividades secundárias da grande Primeira Causa.
B owne sustenta também este ponto de vista em sua Metaphysics. Ele con­
sidera como real apenas a pessoalidade. A matéria é fenomenal, embora
seja uma atividade da vontade divina fora de nós. Por isso, o fenomenalismo
de B owne é um idealismo objetivo, altamente preferível ao de B erkeley, que,
na verdade, defende a energia de Deus, mas só dentro da alma. Este idealis­
mo de Bowne não é panteísmo, pois sustenta que, conquanto não haja causas
secundárias na natureza, o homem é uma segunda causa com uma pessoa­
lidade distinta da de Deus e elevada acima da natureza pelas forças da von­
tade livre. Contudo, R oyce , Religious Aspect of Philosophy, and The World
andthe Individual, faz a consciência do homem uma parte ou aspecto de uma
consciência universal e, assim, em vez de fazer Deus vir à consciência no
homem, faz o homem vir à consciência em Deus. Enquanto em um ponto de
vista este esquema parece poupar a pessoalidade de Deus, pode-se duvidar
que garanta igualmente a pessoalidade do homem ou abra espaço para a
liberdade, a responsabilidade, o pecado e a culpa do homem. B owne , Philos.
Theism, 175 - “A ‘razão universal’ é um termo de classe que não denota
nenhuma existência possível e que tem realidade só na existência possível
de que se abstrai”. Bowne reivindica que o finito impessoal só tem procedi­
mento de um outro quando um pensamento ou ato o tem para com o seu
sujeito. Não há nenhuma existência substancial a não ser em pessoas. Seth,
Hegelianismo e Pessoalidade: “O neokantismo erige a Deus a simples for­
ma da consciência própria em geral, isto é, confunde consciência überhaupt
(genérica) com uma consciência universal’.
Bowne , Theory of Thought and Knowledge, 3 18-34 8 - “Há na existência
algo que não seja eu mesmo? Sim. Para escapar ao solipsismo devo admitir
ao menos outras pessoas. Existe o mundo de objetos que só aparecem para
mim? Não; ele existe também para os outros, de modo que vivemos num
mundo comum. E este mundo comum consiste em algo mais do que uma
semelhança de impressões nas mentes infinitas, de modo que além dele não
há nada? Este ponto de vista não pode ser desaprovado, mas concorda tão
mal com a nossa experiência total que é praticamente impossível. Então, o
mundo das coisas é uma existência contínua de algum tipo finito independente
do pensamento e da consciência? Este ponto de vista não pode ser demons­
trado, mas é o único que não envolve dificuldades insuperáveis. O que é a
natureza e onde fica o lugar desta existência cósmica? Eis a questão entre o
Realismo e o Idealismo. O Realismo vê as coisas existirem num espaço real
e como verdadeiras entidades ontológicas. O Idealismo tanto as vê como o
espaço em que elas estão existindo só, como para úma Inteligência cósmi­
ca e independente de serem elas absurdas e corrtráditórias. As coisas inde-
157
158
A ugustus H opkins Strong
pendem do nosso conhecimento total, de uma grosseira materialidade que é
a antítese e negação da consciência”.
III. PANTEÍSMO IDEALISTA
Panteísm o é o m étodo de pensam ento que concebe o universo com o o
desenvolvim ento de um a substância inteligente e voluntária, em bora im pes­
soal, que atinge a consciência só no hom em . Portanto, identifica Deus, não
com cada objeto individualm ente no universo, m as com a totalidade das coi­
sas. O Panteísm o corrente nos nossos dias é idealista.
Os elem entos de verdade no Panteísm o são a inteligência e a voluntariedade de D eus e sua im anência no universo; seu erro está em negar a pessoalidade
e transcendência de Deus.
O panteísmo nega a existência real do finito ao mesmo tempo que priva o
infinito da sua consciência própria e liberdade. H utton , Popular Pantheism, in
Essays, 1.56-76 - “O ‘creio em Deus’ do panteísta é uma contradição. Ele diz:
‘Eu percebo o exterior diferente de mim mesmo; porém, ao refletir mais tar­
de, percebo que tal exterioridade era em si mesmo um agente percebedor’.
Assim, o objeto de adoração afinal de contas é o próprio adorador”. H arris ,
Philosophical Basis of Theism, 173 - “O homem é uma garrafa nas águas do
oceano, por pouco tempo distinguível por sua limitação dentro da garrafa,
mas perdida outra vez no oceano tão logo estes frágeis limites se quebrem”.
M artineau , Types, 1.23 - A simples imanência exclui o Teísmo; a transcen­
dência conserva-o ainda possível; 211-22 5 - O panteísmo declara que “não
existe nada a não ser Deus; ele não é apenas causa, mas efeito total; ele é
tudo em todos”. Espinosa tem sido chamado falsamente “o homem intoxicado
de Deus”. “Ao contrário, Spinoza trouxe Deus para o universo; foi Malebranche que o transfigurou em Deus”.
O bramanismo tardio é panteísta. R owland W illiam s , Christianity and
Hinduism, citado em M osley , Miracles, 284 - “No estado final a pessoalidade
desvanece. Você não aceita, diz o brâmane, o termo ‘vazio’ como descrição
adequada da natureza misteriosa da alma, mas você a apreenderá claramen­
te no estado fina! para tornar-se um pensamento, conhecimento, regozijo
invisível e intocável - o que vem a ser o próprio Deus”. F lint, Theism, 69 “Onde se deseja o fim da existência, como entre os hindus, há marcante inca­
pacidade de pensar em Deus como causa ou vontade e constante tendência
inveterada para o panteísmo”.
H egel nega a transcendência de Deus: “Deus não é um espírito além das
estrelas; ele é um espírito em todo espírito”; o que significa que Deus, o
impessoal e inconsciente Absoluto, vem apenas à consciência do homem.
S e o sistema eterno dos pensamentos abstratos fossem por si mesmos cons­
cientes, o consciente finito desapareceria; daí a alternativa: ou\não Deus />u
não homem. S tirling : “A Idéia, desta forma concebida, é um ídofo-eegofsurdo, invisível e a teoria é a mais desesperançada jamais apresentada à huma-
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
nidade”. Trata-se de uma autolatria prática, ou autodeificação. O mundo
reduz-se a um mero processo de lógica; o pensamento pensa; há pensamen­
to sem pensador. A esta doutrina de H egel podemos opor as seguintes notas
de L otze : “Não podemos fazer a mente o equivalente ao infinitivo pensar,
sentimos para que isto possa ser aquilo que pensa; a essência das coisas
não pode ser ou a existência ou a atividade; ela deve ser aquilo que existe e
aquilo que age. Pensar não significa nada se deixarmos de fora o conceito de
um sujeito distinto daquelas e de que eles procedem”. Para H egel, o Ser é o
Pensamento; para S pinosa o ser tem Pensamento + Extensão; parece que a
verdade é que o ser tem Pensamento + Vontade e pode revelar-se na exten­
são e na evolução (Criação).
Contudo, para outros filósofos, H egel se interpreta de outra forma. O P rof .
H. Jones, Mind, Jul., 1893, 2 8 9 -3 0 6 , reivindica que a Idéia fundamental de
Hegel não é o Pensamento, mas o ato de Pensar: Para ele o universo não é
um sistema de pensamentos, mas uma realidade pensante manifesta mais
completamente no homem. ... A realidade fundamental é a inteligência uni­
versal cuja operação devemos procurar detectar em todas as coisas. No fun­
do toda realidade é explicável como Espírito, ou Inteligência, pelo que a nos­
sa ontologia deve ser uma Lógica e as leis das coisas devem ser as do ato de
pensar". De igual modo, S t e r r e t t , Studies in Hegeís Philosophy of Religion,
17, cita a Lógica de Hegel, tradução para o inglês de W a lla c e , 89,91,23 6:
“A Substância de Spinoza é, como se fosse, um escuro abismo sem forma,
que devora todo conteúdo definido como totalmente nulo e, a partir dele, nada
produz que tenha subsistência positiva em si. ... Deus é Substância; contudo,
não é menos que Pessoa Absoluta”. Isto é essencial para a religião; entretan­
to, diz H egel, Spinoza nunca o percebeu: “Tudo depende da percepção da
Verdade Absoluta, não simplesmente como Substância, mas como Sujeito”.
Deus é um Espírito autoconsciente e autodeterminante. Fica excluída a
necessidade. O homem é livre e imortal. Os homens não são componentes
mecânicos de Deus, nem perdem a sua identidade, apesar de que verdadei­
ramente se acham nele. Com esta avaliação do sistema de Hegel concordam
substancialmente C airo, Erdmann e M u lfo rd . Este é o “Mais Elevado Panteís­
mo” de Tennyson.
S eth , Ethical Principies, 4 4 0 - “ H e ge l c o n c e b e a su p e rio rid a d e do seu
s is te m a ao s p in o z is m o co n s is te n te na s u b s titu iç ã o do S u je ito pe la S u b s tâ n ­
cia. O v e rd a d e iro A b so lu to de ve c o n te r relaçõ es ao in vés de ab oli-la s; o v e r­
da de iro m on ism o d e ve in clu ir o p lu ra lism o e não excluí-lo . A q u e le que, com o
a S u b s tâ n c ia de S p in o za , ou o A b s o lu to he g e lia n o , não é ca p a z de pe nsa r
nos m uitos, não p o de s e r o ve rd a d e iro U no - a u n id a d e da m u ltip licid a d e . ...
V isto que o m al existe , S chopenhauer su b s titu i o P a n lo g ism o de H egel, que
a firm a a id e n tid a d e do ra cio n a l e do real, um im p u lso ceg o da vida, p a ra a
R azão a b so lu ta ele su b stitu i um a V on ta d e irra c io n a l” - s is te m a de p e s s im is ­
m o prá tico. A lexander , Theories of \A/ill, 5 - “S p in o z a não re co n h e ce d istin çã o
en tre a v o n ta d e e a a firm a çã o ou n e g a çã Q Jn te le ctu a l” . H egel cha m a a Id e n ti­
dade ou o A b so lu to de S ch e llin g “a noite in fin ita em qu e to d a s as va ca s são
pre ta s” - um a a lusã o ao F austo de G oe th e, p a rte 2, ato 1, o n de se a c re s c e n ­
tam as p a la vra s: “e os ga tos sã o p a rd o s” . E m b o ra a p re fe rê n c ia de H egel pelo
te rm o S ujeito , em lu g a r de S u b stâ n cia , te n h a le vad o m uito s a su s te n ta r que
159
160
Augustus H opkins Strong
ele cria em uma pessoalidade de Deus distinta da do homem, sua ênfase na
Idéia, e seu relativo desprezo aos elementos do Amor e da Vontade, fica ainda
a dúvida se a sua Idéia é algo mais que a inteligência inconsciente e impes­
soal - na verdade menos materialista que a de Spinoza, contudo, abrem-se
muitas das mesmas objeções.
O bjetam os a este sistem a da seguinte m aneira:
1. Sua idéia de D eus contradiz-se a si m esm a porque ela o faz infinito,
em bora consistindo só no finito; absoluto, em bora existindo na relação neces­
sária com o universo; suprem o, em bora contendo em si um processo de autoevolução e dependência da autoconsciência do hom em ; sem autodeterm ina­
ção, contudo, a causa de tudo o que existe.
S aisset , Pantheism, 148 - “Um Deus imperfeito, embora a perfeição surja
da imperfeição”. S hedd, HistoryofDoctríne, 1 . 1 3 - “O panteísmo aplica a Deus
um princípio de desenvolvimento e imperfeição, que só pertence ao finito”.
C alderwood , Moral Philos., 245 - Seu primeiro requisito é o momento, ou o
movimento, que assume mas não explica”. Aplica-se aqui o sarcasmo de Caro:
“O vo sso D eus a in d a não foi fe ito - ele a in d a está em p ro cesso de fa b ric a ­
ç ã o ” . Ver H. B. S mith , Faith and Philosophy, 25. O p a n te ísm o é um ateísm o
p rá tico, po is o e s p írito im p e sso a l é a p e n a s u m a fo rç a ce g a e ne cessá ria.
A ngelus S ilesius : “W ir be ten ‘Es g e s c h e h ’, m ein H e rr und G ott, de in W ille ’;
Und s ie ’, Er hat nicht W ill’, - Er ist ein e w ’ge S tille ” - o que Max M üller tradu z
da se g u in te form a: “ R o ga m os, S enhor, no sso D eus: F aze a tu a sa n ta v o n ta ­
d e ’; e vê! D eus não tem vo n ta d e ; ele e stá ca lm o e tra n q ü ilo ” . A n g e lu s S ilesius
c o n s is te n te m e n te fa z D e us d e p e n d e r da c o n s c iê n c ia p ró p ria no hom em :
“Eu sei que Deus não pode viver um instante sem mim; ele deve deixar o
espírito se eu deixar de existir”. S eth , Hegelianism and Personality. “O hegelianismo destrói tanto Deus como o homem. Reduz o homem a um objeto do
Pensador universal e deixa-o sem qualquer verdadeira pessoalidade”. O pan­
teísmo é um jogo de solitário, em que Deus joga em ambos os lados.
2. A sua suposta unidade substancial não som ente carece de prova, mas
contradiz diretam ente nossos juízos intuitivos.
M artineau , Essays, 1.15 8 - “Mesmo para imanência deve haver algo em
que se pode abrigar e, para a vida, sobre o que se pode apoiar para agir”.
Muitos deles confundem harmonia entre duas e absorção em uma. “Na Escri­
tura nunca encontramos o universo chamado de to jcâv, porque isto sugere a
idéia da unidade contida em si mesma; em lugar disto temos (^m toda parte tà
Ttávta”. A Bíblia reconhece o elemento de verdade no panteísmo - Deus é
‘por todos’; também o elemento de verdade no misticismo* - Deus está ‘em
vós todos’; mas acrescenta o elemento transcendência que kmbos deixam de
reconhecer - Deus é ‘acima de todos’ (Ef. 4.6). G. D. B. PEPPÈRi-“Âquele que
é sobre todos e em todos é, contudo, distinto de todos. S e alguém é acima de
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
16 1
alguma coisa, ele não é aquela mesma coisa sobre a qual ele é. S e alguém
está em alguma coisa deve ser distinto dela. E do mesmo modo o universo
sobre o qual e no qual Deus está deve-se pensar como alguma coisa distinta
de Deus. A criação não pode ser idêntica a Deus ou uma simples forma de
Deus”. Contudo, acrescentamos que pode ser uma manifestação de Deus de
quem depende como os nossos pensamentos e atos são manifestações da
nossa mente e vontade e dependem delas embora eles não sejam a nossa
mente e a nossa vontade.
Pope escreve: “Todos são apenas partes de um estupendo todo; A eles
pertence a natureza corpórea; e Deus é a sua alm a” . Mas Case, Phisical
Realism, 193, replica: “ Não é assim. A natureza é para Deus o que as obras
são para os homens; e, como as obras dos homens não são o seu corpo,
assim também a natureza não é o corpo de Deus” . Matthew A rn o ld , on Heine’s
Grave : “O que somos nós todos senão um modo, um sim ples modo da vida
Do Ser em quem existim os Que é o único de todas as coisas em um”? Hovey,
Studies, 51 - “A Escritura reconhece o elemento de verdade no panteísmo,
mas tam bém ensina a existência de um mundo de coisas, animadas e inani­
madas, distintas de Deus. Ele representa os homens como propensos a ado­
rar a criatura em lugar do Criador. Descreve-os como pecadores dignos de
morte ... agentes morais, ... para ele, os homens são, literalm ente, partes de
Deus mais do que os filhos partes dos seus pais, com o os súditos são parte
do seu rei”. A. F. J. Behrends: “A verdadeira doutrina está entre dois extremos;
o do dualismo grosseiro, que faz Deus e o mundo duas entidades contidas
em si mesmas, e um m onismo substancial em que o universo tem apenas
uma existência fenom enal. Não se trata de nenhum a entidade da substância,
nem de divisão da divina. O universo é eternam ente dependente do produto
não sim plesm ente fabricado do Verbo divino. A criação é principalm ente um
ato espiritual” . P ro f. Forbes: “A matéria existe numa dependência subordina­
da a Deus. O corpo de Cristo é o Cristo exteriorizado, manifesto à percepção
sensível. Quando apreendo a matéria, estou apreendendo a mente e a vonta­
de de Deus. Este é o mais elevado tipo de realidade. Nem a matéria nem os
espíritos finitos são meros fenôm enos”.
3.
Não atribui nenhum a causa suficiente ao fato do universo que é do nível
mais elevado e, portanto, carece da m aior explicação, a saber, a existência de
inteligências pessoais. U m a substância que em si m esm a é inconsciente e está
sob a lei da necessidade não pode produzir seres que são autoconscientes e
:vres.
Gess, Foudations of our Faith, 36 - “O instintó animal e o espírito de uma
nação que elabora a sua linguagem, poderiarfi fornecer analogias se, como
resultado, produzissem personalidades, mas não o oposto. Tais tendências
não se originam por si mesmas; são recebidas'dajjm a fonte exterior”. Seth,
Freedom as na Ethical Postulate, 47 - “S e o homem é um 'imperium in impé­
rio’, não uma pessoa, mas apenas um aspecto ou expressão quer do univer­
so quer de Deus, então ele não pode ser livre. O homem pode ser desperso-
162
A ugustus H opkins Strong
nalizado na natureza ou em Deus. Através da concepção da nossa própria
personalidade chegamos à de Deus. Para desenvolver a nossa personalida­
de na de Deus seria necessário negar a própria grandeza divina, invalidando
a concepção através da qual se chegou a ela”. B r a d l e y , Appearance and
Reatity, 551, é ainda mais ambíguo: “A relação positiva de cada aparência
para com a Realidade é como um adjetivo; e é como a presença da realidade
perante as suas aparências em diferentes graus e com diversificados valo­
res; achamos que esta dupla verdade é o centro da filosofia”. Ele protesta
tanto contra “uma transcendência vazia” como contra um “raso panteísmo”.
A imanência hegeliana e o conhecimento, afirma ele, identificam Deus e o
homem. Porém Deus é mais do que o homem ou do que o pensamento deste.
Deus é espírito e vida - melhor entendido a partir do eu humano, com seus
pensamentos, sentimentos e vontade. É necessário que a transcendência
qualifique a imanência. “Deus não é Deus até que se torne tudo em todos e,
um Deus que é tudo em todos não é o Deus da religião. Deus é um aspecto,
e isto pode apenas significar uma aparência do Absoluto”.
4.
Portanto, contradiz as afirm ações da nossa natureza m oral e religiosa ao
negar a liberdade e responsabilidade do hom em ; fazendo Deus incluir em si
todo o mal assim com o todo o bem ; e excluindo toda oração, todo louvor e
toda esperança de im ortalidade.
A consciência é a testemunha eterna contra o panteísmo. Ela dá testemu­
nho da nossa liberdade e responsabilidade e declara que as distinções morais
não são ilusórias. R e n o u f , Hibbert Lect, 234 - “Está fora da condescendência
para com a linguagem popular que os sistemas panteístas podem reconhecer
as noções de certo e errado, de iniqüidade e pecado. S e tudo, na verdade,
emana de Deus, não pode haver pecado. E os mais capazes filósofos que
têm sido conduzidos aos pontos de vista panteístas debalde têm-se empe­
nhado em harmonizar tais pontos de vista com o que entendemos por noção
de pecado ou mal moral. A grande obra sistemática de S p in o s a intitula-se
‘Ética’; porém podemos encontrar a verdadeira ética consultando os Elemen­
tos de Euclides”. H o d g e , Sistematic Theoi., 1.299-330 - “O panteísmo é fata­
lista. Em tal teoria, dever = prazer; direito = poder; pecado = bom de se fazer.
Satanás, do mesmo modo que Gabriel, é um desenvolvimento de Deus.
Os efeitos práticos do panteísmo sobre a moral popular e a vida, onde quer
que tenha prevalecido, tanto na índia budista como na China, demonstram
sua falsidade”.
W o r d s w o r t h : “Volte os olhos para o alto céu! o industrioso sol Já corre em
meio ao seu curso; Ele não pode parar ou desviar-se; Porém nosso^ espíritos
imortais o podem”. P r e s id e n t e J o h n H . H a r r is : “Você nunca pede a opinião do
ciclone a respeito dos dez mandamentos”. B o w n e , Philos. of Theism, 245 “O panteísmo torna o homem um autômato. Mas como pode umlautômato ter
deveres”? Principies o f Ethics, 18 - “A Ética é definida como W ciência da
conduta e apoia-se nas convenções da linguagem contam com aheebertura
total do fato de que não há nenhuma ‘conduta’ neste caso. S e o homem é, na
verdade, um autômato, bem podemos falar da conduta dos ventos do mesmo
163
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
moáo que âa corvdula de um set humano; e um \ta\ado sobte os movvmenlos
planetários do sistema solar é tão verdadeiramente ético como um tratado
sobre os movimentos humanos é a ética do homem”, Porque falta um claro
reconhecimento da pessoalidade quer humana, quer divina, a Ética de H e g e l
é desprovida de todo o alimento espiritual, - sua “Rechtsphilosophie” tem
sido chamada de “repasto de fibras”. Contudo, o P r o f e s s o r J o n e s , Mind, jul.,
1893.304, diz-nos que a tarefa de H e g e l é “descobrir que concepção do prin­
cípio simples ou unidade fundamental é por si só e coaduna-se com as dife­
renças que apresenta. Ele acha que o ‘ S e i não abre espaço para diferen­
ças; elas o potencializam excessivam ente.... Ele acha, ainda, que a Realidade
só pode existir como consciência própria absoluta, como um Espírito, que é
universal e que a si mesmo se conhece em todas as coisas. Em tudo isto ele
trata não somente dos pensamentos, mas da Realidade”. Contudo, a vindicação do P r o f . J o n e s a respeito de H e g e l ainda deixa por decidir se aquele
filósofo considera a consciência própria da parte de Deus distinta da dos
seres finitos, ou se inclui somente estes.
S.
N ossa convicção intuitiva da existência de um Deus de perfeição abso­
luta com pele-nos a conceber um Deus possuído de cada um a das m ais altas
qualidades e atributos dos hom ens e, portanto, especialm ente daquilo que cons­
titui a principal dignidade do espírito hum ano, sua personalidade.
D im a n ,
Theistic Argument, 328
- “ N ã o t e m o s d ir e ito d e r e p r e s e n ta r a c a u s a
s u p r e m a c o m o in f e r io r a n ó s m e s m o s , e m b o r a o fa ç a m o s q u a n d o a d e s c r e ­
vem os com
Nature, 351
e x p r e s s õ e s d e r iv a d a s d a c a u s a f í s i c a ” . M iv a r t ,
Lessons from
- “ N ã o p o d e m o s c o n c e b e r q u a lq u e r c o is a c o m o im p e s s o a l, a in d a
q u e d e n a t u r e z a m a is e le v a d a q u e a n o s s a ; q u a lq u e r s e r q u e n ã o t e n h a
c o n h e c im e n t o e v o n t a d e d e v e s e r in d e f in id a m e n t e in f e r io r à q u e le q u e o s t e m ” .
L o t z e s u s te n ta , c o m v e r d a d e , n ã o q u e D e u s é s u p r a - p e s s o a l, m a s
infra-p e s ­
s o a l e v ê q u e s ó n o S e r in f in it o e s t á a a u t o - s u f ic iê n c ia e , p o r is s o , a p e s s o a li­
d a d e p e r fe ita . K n ig h t ,
Essays in Philosophy, 224 - “A
c a r a t e r í s t ic a r a d ic a l d a
p e s s o a lid a d e é a s o b r e v iv ê n c ia d o e u p e r m a n e n t e s o b t o d a s a s f a s e s in c o n s ­
t a n t e s o u e f ê m e r a s d a e x p e r iê n c ia ; a s a b e r , a id e n t id a d e p e s s o a l q u e e s tá
e n v o lv id a n a a f ir m a ç ã o ‘e u s o u ’ . ... É a lim it a ç ã o u m a c e s s ó r io n e c e s s á r io
Hegelianism: “Como e m n ó s h á m a is para nós mesmos
para os outros, d o m e s m o m o d o e m D e u s h á m a is p e n s a m e n t o para
ele mesmo d o q u e o p r ó p r io D e u s nos m a n if e s t a . A d o u t r in a d e H e g e l é a d a
d e s s a n o ç ã o ” ? S eth,
do que
im a n ê n c ia s e m a t r a n s c e n d ê n c ia ” . H e in r ic h H e in e fo i a lu n o e a m ig o ín t im o d e
H e g e l . D iz e le :
“Eu
e r a jo v e m e m e s e n t ia o r g u lh o s o e e r a a g r a d á v e l a m in h a
v a n g lo r ia q u a n d o e u a p r e n d ia d e H e g e l q u e o v e r d a d e ir o D e u s n ã o e r a , c o m o
c r ia a m in h a a v ó , o D e u s q u e v iv ia n o c é u , p o r é m e r a , e m v e z d is s o ,
mo aqui na terra”. J o h n
F is k e ,
Idea of God,
xvi -
“Visto
eu-mes-
q u e a n o s s a r io ç ã o d e
fo r ç a é p u r a m e n t e u m a g e n e r a liz a ç ã o d a s n o s s a s s e n s a ç õ e s s u b je t iv a s d e
r e s is t ê n c ia s u p e r a d a , d if ic ilm e n t e h á m e n o s a n t r o p o m o r f is m o n a e x p r e s s ã o
‘Poder Infinito’ d o
que em
‘Pessoa Infinita’.
D e v e m o s s im b o liz a r a
divindade
d e a lg u m a f o r m a q u e te m s e n t id o p a r a n ó s ; n ã o p o d e m o s s im b o liz á - la c o m o
164
A ugustus H opkins Strong
física; temos de simbolizá-la como psíquica. Por isso podemos dizer: Deus é
Espírito. Isto implica pessoalidade de Deus”.
6. Sua objeção à pessoalidade divina, que diante do Infinito não pode haver
na eternidade passada nenhum non-ego que invoque a autoconsciência, se
refuta considerando que m esm o a cognição do non-ego por parte do hom em
logicam ente pressupõe conhecim ento do ego, do qual o non-ego se distingue;
que, na m ente absoluta, a autoconsciência não pode ser condicionada, como
no caso da m ente finita, ao contato com o não-eu; e que, se a distinção do eu
em relação ao não-eu fosse condição essencial da autoconsciência divina, as
eternas distinções pessoais n a natureza divina ou estados eternos da mente
divina poderiam fornecer tal condição.
P f l e id e r e r , Die Fteligion, 1.16 3 ,19 0 sgt. - “A autoconsciência não é pri­
mordialmente uma distinção entre o ego e o não ego, porém, ao invés disto, é
uma distinção entre o próprio ser e ele mesmo, isto é, entre a unidade do eu
e a pluralidade do seu conteúdo. ... Antes que a alma estabeleça distinção
entre o eu e o não eu, ela deve conhecer o eu - ou não poderá perceber tal
distinção. Seu desenvolvimento tem conexão com o conhecimento do não
eu, porém isto se deve, não ao fato da pessoalidade, mas da pessoalidade
finita. O homem maduro pode viver por muito tempo com seus próprios recur­
sos. Deus não precisa de um outro, para estimular a atividade mental. A finitude é um embaraço no desenvolvimento da nossa personalidade”. L o t z e ,
Microcosm, vol. 3, cap. 4; trad. na N. Ingl. mar., 18 8 1.19 1-2 0 0 - “O espírito
finito, não tendo por si mesmo condições de existência, só pode conhecer o
ego na ocasião em que conhece o não ego. Por isso o infinito não é limitado.
Só ele tem existência independente que não é introduzida nem desenvolvida
através qualquer coisa a não ser ele mesmo, mas, numa atividade interior
sem início nem fim, sustenta-se a si mesmo”.
D o r n e r , Glaubenslehre: “Pessoalidade Absoluta = consciência perfeita do
eu e perfeito poder sobre o eu. Nós necessitamos de algo exterior para des­
pertar a nossa consciência - apesar de que a autoconsciência vem [logica­
mente] antes da consciência do mundo. É o ato da alma. S ó depois de se
distinguir o eu do próprio eu pode-se conscientemente distinguir o eu de um
outro ser”. Revista Bristish Quarteriy, jan. 1874.32, nota; jul 18 8 4 .10 8 “O ego só é pensante em relação ao não ego; mas o ego é vivente muito
tempo antes de qualquer relacionamento. S h e d d , Dogm. Theol., 1.18 5,18 6 No esquema panteísta, “Deus se distingue do mundo e, conseqüentemente,
encontra o sujeito que o objeto requer;... no esquema cristão, Deus se distin­
gue de si mesmo não a partir de algo que não seja ele mesmo”.
Sobre o panteísmo, i/erM A R TiN EA U , Study o f Reiigion, 2 .141-19 4resp . 192
- “A pessoalidade de Deus consiste na sua atuação voluntáriaxomo causa
livre numa esfera não comprometida, isto é, a que transcendei a da lei imanente. Mas também isto constitui precisamente sua infinitudé, e stendendo
sua influência depois que ela cobriu o real, sobre todo o possível, comandando
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
165
alternativas indefinidas. Embora você possa negar sua infinitude sem prejuí­
zo da sua pessoalidade, não pode negar esta sem sacrificar aquela: porque
há um modo de ação - o preferencial, o próprio que distingue os seres racio­
nais - do qual você o exclui”; 341 - “Os metafísicos que, na impaciência de
distingir, insistem em levar o mar a bordo de uma embarcação, não só a inun­
dam, o pensamento que ela defende, como abandonam uma infinitude que,
quando não penetra nenhum olho e não cochicha a nenhum ouvido, contradi­
zem-se na sua própria afirmação”.
Para o ponto de vista oposto, ver B ie d e r m a n n , Dogmatik, 638-647 - “ S ó o
homem, espírito finito, é pessoal; Deus, espírito absoluto, não o é. Contudo,
na religião as relações mútuas de intercâmbio e comunhão são sempre pes­
soais. ... Pessoalidade é o único termo adequado pelo qual podemos repre­
sentar a concepção teísta de Deus”. B r u c e , Providential Order, 76 - “Schopenhauer não nivela por cima a força cósmica à humana, mas nivela por
baixo a força de vontade à cósmica. Spinosa sustenta que o intelecto em
Deus não é mais semelhante ao do homem do que a estrela da constelação
do Cão ao cão. H a r t m a n n acrescentou o intelecto à vontade de S c h o p e n h a u e r ,
porém o intelecto é inconsciente e nada entende das distinções morais”. ...
Panteísmo = Deus consiste em todas as coisas; Teísmo = Todas as coisas
consistem em Deus, base delas, não a sua soma. O espírito no homem mos­
tra que o Espírito infinito deve ser uma Mente e uma Vontade pessoal e trans­
cendente.
IV. MONISMO ÉTICO
M onism o Ético é o m étodo de pensam ento que sustenta um a só substância,
base, ou princípio do ser, isto é, D eus, m as tam bém sustenta os fatos éticos da
transcendência de D eus assim com o sua im anência e a pessoalidade de Deus
distinta da pessoalidade do hom em , garantindo-a.
Embora não admitamos aqui a autoridade da Bíblia, reservando a nossa
prova disto à divisão seguinte sobre As Escrituras, uma Revelação de Deus,
podemos, contudo, citar passagens que mostram que a nossa doutrina não é
inconsistente com os ensinos da Escritura Sagrada. A imanência de Deus
está implicada em todas declarações da sua onipresença, como por exemplo:
SI. 139.7 sq. - “Para onde me irei do teu Espírito, ou para onde fugirei da tua
face”? Jr. 23.23,24 - “Eu sou apenas Deus de perto, diz o Senhor, e não
também Deus de longe? ... não encho os céus e a terra”? At. 17.27,28 - “não
está longe de cada um de nós; porque nele vivemos, nos movemos, existi­
mos”. A transcendência de Deus está implicada em passagens tais como:
1 Re. 8.27 - “Eis que os céus e até o céu dos céus te não poderiam conter”;
SI. 113.5 - “que habita nas alturas”; Is. 57.15 - “o Alto e crSublime que habita
na eternidade”.
j
Eis a fé que A g o s t in h o sentia: “ Ó Deus, tu nos fizeste para ti e o nosso
coração não repousa enquanto não descansar em ti. ... E^nãro poderia ser, ó
meu Deus, não poderia ser afinal de contas se tu não fosses comigo; se eu
166
A ugustus H opkins Strong
não estivesse em ti, de quem são todas as coisas, por quem são todas as
coisas, em quem são todas as coisas”. E A n s e l m o , Proslogion, faia s o b r e a
natureza divina: “É a essência do ser, o princípio da existência, de todas as
coisas. ... Sem partes, sem as diferenças, sem acidentes, sem mudanças,
pode-se dizer, em certo sentido, que só ela existe porque, comparadas a ela,
as outras coisas que aparecem não têm existência. O Espírito imutável é tudo
o que é e ela é isto sem limite de modo simples e intérmino. É a Existência
perfeita e absoluta. O resto proveio da não entidade e para lá voltará se não
for sustentada por Deus. Ela não existe por si mesma. Neste sentido só o
Criador existe; as coisas criadas não”.
1.
Enquanto o M onism o Ético abrange o elem ento de verdade contido no
Panteísm o - a verdade de que D eus está em todas as coisas e que todas as
coisas estão em D eus - considera esta unidade científica inteiram ente consis­
tente com os fatos da ética - liberdade, responsabilidade, pecado e culpa do
hom em ; em outras palavras, o M onism o M etafísico, ou a doutrina da substân­
cia, base ou princípio do ser, é qualificado pelo D ualism o psicológico, ou
doutrina de que a alm a é pessoalm ente distinta, por u m lado da m atéria e, por
outro, de Deus.
O Monismo Ético defende os fatos éticos da liberdade do homem e a trans­
cendência e pessoalidade de Deus; é o monismo da livre vontade em que a
pessoalidade tanto humana como divina, o pecado e a justiça, Deus e o mun­
do permanecem - dois em um, um em dois - em sua antítese moral bem
como em sua unidade natural. L a d d , Introd. to Philosophy. “ O dualismo é submis­
são, na história e nas salas da razão, a uma filosofia monística. ... Alguma
forma do monismo filosófico é indicada pelas pesquisas da psicofísica e pela
filosofia da mente que constrói sobre princípios alicerçados em tais pesqui­
sas. Como realidades correlatas, o corpo e a mente devem ter uma espécie
de base comum. ... Eles se completam na Realidade última; têm a sua vida
entrelaçada como expressões daquela Vida que é imanente nos dois. ... Ape­
nas alguma forma do monismo que satisfará os fatos e verdades a que tanto
o realismo como o idealismo apelam podem ocupar o lugar da filosofia verda­
deira e final.... Deste modo, o monismo deve construir seus princípios quanto
à preservação, ou pelo menos não contradizer e destruir as verdades implica­
das na distinção entre o eu e o não eu, ... entre o moralmente bom e o moral­
mente mau. Nenhuma forma de monismo que erige seu sistema sobre as
ruínas dos princípios e ideais fundamentalmente éticos pode persistentemen­
te sustentar-se”. ... Filosofia da Mente, 411 - “O dualismo deve ser diluído em
alguma solução monística última. O Ser do mundo de què todos os seres em
particular constituem-se apenas partes e devem assim concebidos como o
que nele pode ter a base de todas existências e atividades iKterrel^cionadas.
... Este Princípio é a Outra Mente Absoluta”. ?
D o r n e r , Hist. Doct. Person ofChrist, II, 3.101, 231 - “A unidade da essência
em Deus e no homem é a grande descoberta da época presente. ... A caraterística marcante de toda a Cristologia recente é o empenho em assinalar a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
167
unidade essencial, Deus e homem. Para a teologia dos nossos dias o divino
e o humano não são magnitudes mutuamente excludentes, mas conexas.
... Contudo, a fé postula uma diferença entre o mundo e Deus, entre os que a
religião procura unir. A fé não quer um relacionamento consigo mesma ou
com suas representações e pensamentos; isto seria um monólogo; a fé dese­
ja um diálogo. Por isso não combina com um monismo que reconhece só
Deus, ou só o mundo; contrapõe tal monismo como este. A dualidade é, de
fato, uma condição da verdadeira unidade vital. Mas dualidade não é dualis­
mo. Ela não tem nenhuma pretensão de opor-se à demanda pela unidade’’.
P r o f e s s o r S m a l l de Chicago: “Com raras exceções de cada lado, toda a
filosofia atual é monística em suas pretensões ontológicas; é dualística em
seus procedimentos metodológicos”. A. H. B r a d f o r d , The Age of Faith, 71 “Os homens e Deus são, em substância, os mesmos, embora não idênticos
como indivíduos”. A teologia de cinqüenta anos atrás era simplesmente indi­
vidualista e ignorava a verdade complementar da solidariedade. Do mesmo
modo pensamos a respeito dos continentes e ilhas do nosso globo separados
uns dos outros. O dissociável mar é considerado como uma barreira absoluta
entre eles. Mas se se pudesse secar o oceano, ver-se-ia que, durante todo o
tempo tinha havido conexões submarinas e a unidade escondida de todas as
terras apareceria. Do mesmo modo a individualidade dos seres humanos,
real como é, não é apenas realidade. Há o fato mais profundo da vida comum.
Mesmo os grandes picos das montanhas da personalidade são distinções
superficiais comparadas com a unidade orgânica em que elas estão arraiga­
das, em que elas se aprofundam e de que todas elas, como os vulcões, rece­
bem às vezes rápidos e transbordantes impulsos de discernimento, emoção
e energia.
2.
Em contraste com os dois erros do Panteísm o - a negação da transcen­
dência de Deus e a negação da pessoalidade de D eus - o M onism o Ético sus­
tenta que o universo, ao invés de ser um com D eus e contérm ino com Deus, é
apenas um a m anifestação finita e progressiva da Vida divina: A M atéria é a
autolim itação de D eus sob a lei da N ecessidade; a H um anidade é a autolim itação de D eus sob a lei da Liberdade; a E ncarnação e a E xpiação a autolim ita­
ção de Deus sob a lei da Graça.
O universo se relaciona com Deus/do mesmo modo que os meus pensa­
mentos se relacionam com o pensadór, que sou eu. Eu sou maior do que os
meus pensamentos e os meus pensamentos variam em valor moral. O Monis­
mo Ético remonta a um começo, enquàhtCLO^anteísmo considera o universo
coeterno com Deus. O Monismo Ético afirma a transcendência de Deus,
enquanto o panteísmo considera Deus aprisionado no universo. O Monismo
Ético afirma que o céu dos céus não podem contê-lo, mas que, contrariamen­
te, o universo tomado em seu todo, com seus elementos e forças, seus sóis e
sistemas solares são apenas um leve bafejo da boca divina ou uma gota de
orvalho caída sobre a franja das suas vestes. U p t o n , Hibbert L e c t “O Eterno
está presente em cada coisa finita e sente-se e se conhece a sua presença
168
A ugustus H opkins Strong
em cada alma racional; porém ainda não está quebrada em individualidades;
ao contrário, sempre permanece um e a mesma substância eterna, um e o
mesmo princípio unificador, presente de modo imanente e indivisível em cada
um dos que formam a incontável pluralidade dos indivíduos finitos em que
o entendimento analítico dos homens disseca o Cosmos”. J a m e s M a r t in e a u ,
abr. 1895.559 - “O que é a natureza senão a província dos comprometidos
com Deus e a habitual causalidade? E o que é o Espírito senão a província da
livre causalidade atendendo às necessidades e sentimentos dos seus filhos?
... Deus não é um arquiteto aposentado, que pode a qualquer momento ser
chamado a fazer reparos. A natureza não é por si mesma ativa e a atuação de
Deus não é intrometida”.
Muitos poetas mostram sua simpatia por esta doutrina. “Cada nova criação
vigorosa, Improvisação divina, procede do coração de Deus”. R o b e r t B r o w n in g
assevera a imanência de Deus; Hohenstiel-Schwahgau: “Eis a glória que em
tudo que se concebe Ou se sente, ou se conhece, Reconheço uma mente não a minha, mas semelhante a ela - para duplo regozijo, Faz tudo em meu
benefício e eu em seu benefício”; P o p e , The Ring and Book. “Tu, que neste
lugar a mim és representado do modo como o concebe a minha alma - Sob a
tua imensurabilidade, na minha amplitude atômica! A mente humana, o que é
senão uma lente convexa, que converge todos os pontos espalhados Colhi­
dos da imensidão do céu, Para nele reunir, seja o nosso céu pela terra,
O nosso Conhecido Desconhecido, nosso Deus revelado ao Ser humano”?
Mas B r o w n in q também afirma a transcendência de Deus; Morte no Deserto:
“O homem não é Deus, mas tem como fim servi-lo, Como um Senhor a ser
obedecido, uma causa a ser defendida, Como algo a ser lançado, algo a ser
transformado”; em Véspera de Natal, o poeta escarnece: “Importante tropeço
De acrescentar, ele, o sábio e humilde, é também um só com o Criador”.
Assim também o Alto Panteísmo de T e n n y s o n “ O sol, a lua as estrelas, os
mares, os montes, e as planícies, não são estas, Ó minha alma, a visão daque­
le que reina? As trevas são o mundo para ti; tu mesmo és o motivo; Pois não
ele, mas tu és tudo, tu, que tens o poder de sentir o ‘eu sou eu’? Fala-lhe tu,
porque ele ouve e o espírito pode encontrar-se com o espírito; Ele está mais
perto do que o sopro do que as mãos e os pés. E o ouvido do homem não
pode ouvir e nem o olho pode ver; Mas se pudéssemos ver e ouvir não seria
Ele mesmo esta visão”?
3.
A im anência de D eus, com o um a substância, base e princípio do ser, não
destrói, m as garante a individualidade e os direitos de cada porção do univer­
so de m odo que há variedade de nível e dotação. N o caso dos seres morais,
determ ina-se o grau do reconhecim ento voluntário e apropriação do divino.
Enquanto Deus é tudo, ele tam bém está em tudo; faz assim o universo um a
m anifestação graduada e progressiva de si m esm o tanto no seu am or pela reti­
dão com o na sua oposição ao m al m oral.
Tem-se acusado que esta doutrina do monismo envolve necessariamente
indiferença moral; que a presença divina em todas as coisas quebra todas as
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
distinções de nível e torna as coisas iguais umas às outras; que se legitima e
se consagra o mal do mesmo modo que o bem. Isto é verdade a respeito do
monismo panteístico, mas não o é a respeito do monismo ético; porque este
é o monismo que reconhece o fato ético da inteligência e da vontade pes­
soais tanto em Deus como no homem e, com estes, o propósito de Deus
tornar o universo uma variada manifestação de si mesmo. A adoração de
gatos, de touros e de crocodilos no antigo Egito, e a deificação da luxúria nos
templos bramânicos da índia eram expressões de um monismo não ético,
que não via em Deus atributos morais e identificava Deus com as suas mani­
festações. Como ilustração dos equívocos em que os críticos do monismo
podem cair por falta de discriminação entre o monismo que é panteísta e
o monismo que é ético, fazemos a seguinte citação de E m m a M a r ie C a il l a r d :
“As partes integrantes de Deus estão, nas premissas monísticas, enganosas,
sensualistas, assassinas, de mau humor dos maus pensadores em cada des­
crição. Seus crimes e suas paixões intrinsecamente entram na experiência
divina. O Indivíduo infinito em sua inteireza pode, na verdade, rejeitá-las, mas
estes maus indivíduos finitos não se constituem partes dele, em menor esca­
la que os rebentos de uma árvore, embora não sejam árvore e, embora a
árvore transcenda qualquer ou todas elas, apesar de que se constituem par­
tes dela. Pode aquele cuja consciência universal inclui e define toda a cons­
ciência finita ser outra coisa a não ser a responsável por todas ações e moti­
vos finitos”?
A esta acusação podemos responder com as palavras de B o w n e , The
Divine Immanence, 13 0-13 3 - “O vinho novo da imanência tem aquecido
algumas cabeças fracas a ponto de pôr todas as coisas no mesmo nível, e
considerar os homens e camundongos como se fossem de igual valor. Porém
nada há na dependência de todas as coisas relativamente a Deus que remo­
va as suas distinções valorativas. Um conversador confuso deste tipo foi
levado a dizer que ele não tinha nenhuma dificuldade quanto à noção de um
homem divino, como também cria em uma ostra divina. Outros têm utilizado a
doutrina para cancelar as diferenças morais; porque, se Deus estiver em
todas as coisas e, se todas as coisas representam a sua vontade, qualquer
coisa está certa. Mas isto é muito precipitado. Sem dúvida, mesmo a vontade
má não independe de Deus, mas vive, e se move, e existe na vontade divina
e através dela. Porém, pelo seu poder misterioso de individualidade e de
autodeterminação, a vontade má é capaz de assumir uma atitude de hostili­
dade para com a lei divina que imediatamente vindica para si através das
reações próprias.
“Tais reações não são divinas no sentido ideal ou mais elevado. Elas nada
representam daquilo que Deus deseja ou de que ele se deleita; mas são divi­
nas como coisas a serem feitas sob certas circunstâncias. No caso do bem, a
reação divina se distingue daquela que é contra o mal. Ambas são divinas por
representarem a ação de Deus, mas só a primeira o é por representar a apro­
vação e simpatia da parte de Deus. Todas as coisas prestam serviço, diz
Spinoza. As coisas boas prestam serviço e este as favorece. As coisas más
também prestam serviço de uma forma completa. Segundo J o n a t h a n E d w a r d s ,
os ímpios são úteis ‘pelo que eles representam e pelo de que dispõem’. Como
‘vasos de desonra’ eles podem revelar a majestade de Deus. Por isso nada
169
170
A ugustus H opkins Strong
há na imanência divina em sua forma defensável, que cancele as distinções
morais, ou minorem a retribuição. A reação divina contra a iniqüidade é ainda
mais solene nesta doutrina. O cerceamento de Deus é o eterno e inevitável
ambiente; e somente quando estamos em harmonia com ele é que podemos
ter paz. ... O que Deus pensa a respeito do pecado e qual a preocupação da
sua vontade pode-se claramente perceber nas conseqüências naturais que
advêm do referido pecado. ... Na própria lei temos de encarar Deus face a
face; e as conseqüências naturais têm um sentido sobrenatural”.
4.
P orque Cristo é o L ogos de Deus, o D eus im anente, Deus revelado na
N atureza, na H um anidade, na R edenção, o M onism o Ético reconhece o uni­
verso criado, sustentado, e governado pelo m esm o ser que, no curso da histó­
ria, m anifestou-se em form a hum ana e fez a expiação pelo pecado do hom em
na m orte no C alvário. O segredo do universo e a chave para os seus mistérios
encontram -se na Cruz.
Jo. 1.1-4, 14, 18 - “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e
o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram
feitas por intermédio dele; e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava
a vida e a vida era a luz dos hom ens.... E o Verbo se fez carne e habitou entre
n ó s .... Ninguém jamais viu a Deus. O Filho unigênito que está no seio do Pai,
este o fez conhecer”. Cl. 1 .1 6 ,1 7 - “porque nele foram criadas todas as coisas
que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam domi­
nações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para
ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele”.
Hb. 1.2,3 - “pelo Filho ... por quem ele também fez o mundo ... sustentando
todas as coisas pela sua palavra do seu poder”; Ef. 1.22,23 - “igreja, que é
o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos” = preenche
todas as coisas com tudo o que elas contêm de verdade, beleza e bondade;
Cl. 2.2,3,9 - “mistério de Deus - Cristo, em quem estão escondidos todos os
tesouros da sabedoria e da ciência. ... porque nele habita corporalmente a
plenitude da divindade”.
Este ponto de vista da relação do universo com Deus lança o fundamento
para uma aplicação cristã da recente doutrina filosófica. A matéria não mais é
cega e morta, mas é de natureza espiritual, não no sentido de que ela é espí­
rito, mas no sentido de que é a manifestação contínua do espírito, do mesmo
modo que os meus pensamentos são uma manifestação viva e contínua de
mim mesmo. Contudo, a matéria não consiste em idéias , pois estas, despro­
vidas de um objeto externo e de um sujeito interno, ficam suspensas no ar.
As idéias são o produto da Mente. Porém só se conhece a matéria como a
operação da força, e a força é produto da Vontade. Visto que esta força opera
de forma racional, só pode ser o produto do Espírito. O sistema de forças que
chamamos universo é o produto imediato da mente e da vontade de Deus; e,
porque Cristo é a mente e a vontade de Deus em exercício, Cristo é o Criador
e Sustentador do universo. A natureza é o Cristo onipresente, manifestando
Deus às criaturas.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
Cristo é o princípio da coesão, atração, interação não só no universo físi­
co, mas também no intelectual e no moral. Em todo o nosso conhecimento, o
conhecedor e a coisa conhecida estão “ligados por algum Ser que é a realida­
de deles”; este ser é Cristo, “luz que alumia todo homem (Jo. 1.9). Nós conhe­
cemos em Cristo, assim como “nele vivemos, nos movemos e existimos”
(At. 17.28). Como a atração gravitacional e o princípio da evolução apenas
são nomes para Cristo, do mesmo modo ele é a base do raciocínio indutivo e
o suporte da unidade moral na criação. Sou constrangido a amar o meu pró­
ximo como a mim mesmo porque ele tem em si a mesma vida que está em
mim: a vida de Deus em Cristo. O Cristo em quem toda a humanidade
é criada e em quem ela consiste, sustenta o universo moral, trazendo todo
homem para si e, conseqüentemente para Deus. Através dele Deus “reconci­
lia consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que
estão nos céus” (Cl. 1.20).
Como o Panteísmo = imanência exclusiva = Deus aprisionado, assim o
Deísmo = transcendência exclusiva = Deus banido. O Monismo Ético defende
a verdade contida em cada um destes sistemas, enquanto evita os seus
erros. Fornece a base para uma nova interpretação de muitas doutrinas teo­
lógicas e filosóficas. Ajuda-nos a entender a Trindade. S e dentro dos limites
do ser divino podem existir multidões de pessoalidades finitas, torna-se mais
fácil compreender como dentro dos mesmos limites pode haver três pessoa­
lidades eternas e infinitas; na verdade, a integração da consciência de plural
em uma consciência divina de total alcance pode encontrar analogia na inte­
gração da consciência subordinada na pessoalidade una do ser humano.
O Monismo Ético, porque é ético, abre espaço para a vontade humana e
para a sua liberdade. Conquanto o homem não pode romper o limite natural
que o une a Deus, pode romper o espiritual e introduzir na nova criação um
princípio de discórdia e mal. Amarre firme um cordão em torno do seu dedo;
você o isola em parte, diminui a sua nutrição, provoca atrofia e enfermidade.
Do mesmo modo se tem dado a cada agente pensante e moral o poder, a
espiritualidade para isolar-se de Deus conquanto naturalmente ele ainda
esteja ligado a Deus. Como a humanidade é criada em Cristo e vive só nele,
o isolamento próprio do homem consiste na sua separação. S imon, Redemption of Man, 339 - “Rejeitar Cristo não é tanto recusar tornar-se um com ele,
como é recusar continuar a ser um com ele e não deixar que ele seja a nossa
vida”. Todos os homens são naturalmente um com Cristo através do nasci­
mento físico antes de se tornarem moralmente um com ele através do nasci­
mento espiritual. Os homens podem posicionar-se contra ele e opor-se a ele
para sempre. Isto o nosso Senhor dá a entender quando nos diz que há varas
naturais de Cristo, que não “estão na videira” ou que não “produzem frutos” e
por isso “são lançadas fora”, “secam -se” e “são queimadas” (Jo. 15.4-6).
Contudo, o Monismo Ético, porque é Monismo, capacita-nos a entender o
princípio da Expiação. Embora a santidade de Deus nos constranja a punir o
pecado, o Cristo que se juntou ao pecador deve compartilhar do seu castigo.
Aquele que é a vida da humanidade deve tomar sobre o seu próprio coração
o fardo da vergonha e da pena que pertence aos seus membros. Amarre o
cordão em torno do seu dedo; não é só o dedo que sofre mas também o
coração; a vida de todo o sistema ergue-se para expulsar o mal, para desatar
171
172
A ugustus H opkins Strong
o cordão, para livrar o membro enfermo e sofredor. A humanidade está ligada
a Cristo como o dedo ao corpo. Visto que a natureza humana está entre
“todas coisas” que “subsistem” ou mantém-se unida em Cristo (Cl. 1.17), e o
pecado do homem é uma autoperversão de uma parte do próprio corpo de
Cristo, todo ele deve ser ferido pelo ferimento auto-aplicado; “convinha que
Cristo padecesse” (At. 17.3). S im o n , Redemption of Man, 321 - “S e o Logos é
o Mediador da imanência divina na criação, especialmente no homem; se os
homens são diferenciações da efluente energia divina; e se o Logos é o prin­
cípio imanente controlador de toda a diferenciação - isto é, o princípio de
toda a forma - não deve haver autoperversão de todas estas diferenciações
que reagem naquele que é o seu princípio constitutivo”? Uma explicação mais
completa das relações do Monismo Ético com outras doutrinas deve estar
reservada ao nosso tratamento da Trindade, Criação, Pecado, Expiação,
Regeneração.
Parte III
AS ESCRITURAS, UMA REVELAÇÃO
DA PARTE DE DEUS
C
a p ít u l o
I
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
I. R A Z Õ E S A P R IO R I P A R A E S P E R A R U M A R E V E L A Ç Ã O D A
PA R T E DE DEUS
1. Necessidades da natureza do hom em
A natureza intelectual e m oral do hom em , para preservar-se da constante
deterioração, e garantir seu desenvolvim ento e progresso, requer um a revela­
ção de autoridade e auxílio da verdade religiosa de um m ais elevado e mais
com pleto tipo que qualquer outro a que, em seu presente estado de pecado,
pode atingir sem o uso de forças auxiliares. A prova desta proposição é em
parte psicológica e em parte histórica.
A) Prova psicológica - a) N em a razão, nem a intuição lançam luz sobre
certas questões cuja solução é da m ais elevada im portância para nós; por exem ­
plo, Trindade, expiação, perdão, m étodo de adoração, existência pessoal após
a m orte, b) M esm o a verdade a que chegam os através dos nossos poderes
naturais necessita da confirm ação divina e autoridade quando dirige as m en­
tes e vontades pervertidas pelo pecado, c) Para quebrar esta força do pecado e
fornecer estím ulo para o esforço m oral necessitam os de um a revelação espe­
cial do aspecto m isericordioso e auxiliador da natureza divina.
a) Bremen Lectures, 72, 73; P latão, Segundo Alcibíades, 22, 23; Fedo , 85
- tó y o u Geíou tivóç Jâmblico, jtepi toí) n-uSayopiKov fkou, cap. 28. Esquilo , em
Agaménon, mostra quão completamente a razão e a intuição deixaram de
suprir o conhecimento de Deus necessário ao homem: “O renome é espalha­
fatoso”, diz ele, “e não deve perder o senso de que Deus é a maior dádiva.
... Ser louvado de modo ultrajante é grave; porque aos olhos de tal pessoa
Zeus lança a pedra fulminante. Pelo que, na verdade, eu decido por tantas
coisas e não por mais prosperidade do que a sua inveja não possa vigiar”.
Embora os deuses pudessem ter seus preferidos, eles não gostavam dos
homens como tais, mas tinham inveja deles e os odiavam. W illiam J ames , Is
Life Worth Living? Intern. Jour. Ethics, out., 18 95.10 - “Tudo o que sabemos
de bom e de belo procede da natureza, mas nada menos do que conhecemos
176
A ugustus H opkins Strong
do mal. ... Para uma mulher de baixa reputação não devemos nenhuma fideli­
dade moral. ... S e há um Espírito divino do universo, ou da natureza tal como
a conhecemos, é possível que, para o homem, não seja ela a última palavra.
Ou o Espírito não se revela na natureza, ou revela-se de forma inadequada; e
como todas as religiões elevadas tem admitido, o que chamamos de natureza
visível, ou denominamos este mundo, deve ser apenas um véu e uma apre­
sentação superficial cujo pleno sentido reside num outro mundo, ou num mundo
invisível”.
b) Versus S ócrates: O s ho m en s só fa ze m o que é ce rto se o conhecem .
P fleiderer , Philos. of Relig., 1.219 - “ Em o p o siçã o à o p in iã o de S ócra tes de
qu e a m a ld a d e a p o ia -se na ig n o râ n cia , A ristóteles já le m b ra v a o fa to de que
a p rá tica do bem nem se m p re e stá c o m b in a d a com o seu c o n h e cim e n to , p o r­
que isso ta m b é m d e p e n d e das pa ixõ es. S e a m a ld a d e c o n sistisse ap en as na
fa lta de co n h e cim e n to , e n tã o os te o ric a m e n te m ais cu lto s d e ve ria m s e r os
m elho re s, o que n ing uém se a rrisca a a firm a r” . W. S. L illy, Shibboleths: “Com
fre q ü ê n c ia s u s te n ta -s e que a ig n o râ n c ia é a raiz de to d o s os m ales. Porém só
o c o n h e cim e n to não tra n s fo rm a o caráter. E le não p o d e m in is tra r a um a m en­
te en ferm a. Não p o de c o n v e rte r a v o n ta d e m á em boa. Pode c o n d u z ir o crim e
p o r d ife re n te s ca n a is e to rn á -lo m en os fá cil de de tectar. N ão m ud a as p ro p e n ­
s o e s t ía lu r a s ü o h o m e m ou a s u a d is p o s iç ã o âe gratW icà-las a c u s ta de
ou tra s. O co n h e c im e n to fa z o ho m em bom m ais p o d e ro so p a ra o bem e o
m au m ais p o d e ro so p a ra o m al. E é só isso que ele p o d e fa z e r” . G ore , Incarnation, 174 - “ N ão d e ve m o s s u b e s tim a r o m é to d o do a rg u m e n to , p o rqu e
Je su s e P aulo o c a s io n a lm e n te o e m p re g a ra m na fo rm a so crá tica , m as d e v e ­
m os re c o n h e c e r que ele não é a ba se do s is te m a cristã o , nem o m étodo
p rim o rd ia l do c ris tia n is m o ” . M artineau , in Nineteenth Century ; 1.331, 531 e
Types, 1.112 - “ P latão diluiu a id éia do que é ce rto n a q u ilo que é bom e isto
ain d a in d istin ta m e n te se m e scla co m a do ve rd a d e iro e do b e lo ” .
c) Versus T homas P aine : “A re lig iã o n a tural e n sin a -n o s, sem q u a lq u e r p o s ­
sib ilid a d e de eq u ívo co , tu d o o que é n e ce ssá rio e a p ro p ria d o p a ra se r c o n h e ­
cido". P latão , Laws, 9.854, c, “ S ed e bo ns; m as, se não pu de rdes, su icid a iv o s ” . F arrar , Darkness and Dawn , 75 - “ P la tã o d iz qu e o ho m em nu nca
c o n h e c e rá D e us e n q u a n to ele não se tiv e r re v e la d o na a p a rê n c ia de um
ho m em s o fre d o r e que, q u a n d o tu d o e s tiv e r à b e ira da d e stru içã o , o m esm o
D eus ve ja a a fliçã o do u n ive rso e, p o n d o -se ao lem e, re sta u re -o à o rd e m ” .
P rom e te u, tip o da h u m an ida de , nu n ca s e rá lib e rta d o “ en q u a n to um deus não
d e s ç a a ele nas n e g ra s p ro fu n d e z a s do T á rta ro ” . De igual m od o, S ê n e ca
e n sin a qu e o ho m em não p o de s a lv a r-s e a si m e sm o ” . Diz ele: “V ocê acha
estra n h o que o ho m em se d irija aos d e u se s? D eus ve m aos hom ens, sim,
para dentro dos h o m e n s” . S o m o s p e ca d o re s; os p e n sa m e n to s de D eus não
são os nossos, nem os se u s ca m in h o s o são . Por isso ele deve to rn á -lo s
c o n h e c id o s a nós, e n s in a r-n o s o q u e som o s, o que é o ve rd a d e iro a m o r e o
que é do seu ag ra d o . S haler , Interpretation of Nature, 22 7 - “O in cu lca m e n to
das ve rd a d e s m ora is só p o d e e fe tu a r-s e com s u ce sso de m odo pessoal; ...
d e m a n d a in flu ê n cia da p e sso a lid a d e ; o pe so da im p re ssã o d e p e n d e da voz e
do olh o de um m e s tre ” . A saber, não só p re c is a m o s e x e rc e r a u to rid a d e , com o
ta m b é m a m a n ife sta çã o do am or.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
177
B) Prova histórica - a) O conhecim ento da verdade m oral e religiosa das
nações e épocas em que se desconhece a revelação especial é grosseira e cres­
centem ente im perfeito, b) A verdadeira condição do hom em nos tem pos précristãos e nas m odernas terras pagãs é de extrem a depravação m oral, c) Com
tal depravação há um a convicção geral de desam paro e da parte das mais
nobres naturezas um anseio e esperança de cim a.
P itágoras : “Não é fácil conhecer [os deveres], a não ser que o próprio
Deus, ou alguma pessoa que os tenha recebido dele, ou os obtenha através
dos seus recursos, os ensine aos homens”. S ócrates : “Aguardemos com
paciência, até que tenhamos a certeza do conhecimento de como devemos
nos portar para com Deus e para com o homem”. “Aguardaremos alguém,
seja Deus, seja um homem inspirado, que nos instrua sobre os nossos deve­
res e que afastemos as trevas dos nossos olhos”. Discípulo de Platão: “Faça­
mos da probabilidade a nossa jangada enquanto navegamos pela vida, a não
ser que possamos ter um meio de transporte mais seguro e garantido, como
deve ser alguma comunicação divina”. P latão pensava três coisas a respeito
de Deus: 1. que ele nasceu com uma alma racional; 2. que ele nasceu grego;
e 3. que ele viveu nos dias de Sócrates. Contudo, com todas estas vantagens
é provável que ele tivesse apenas uma jangada em que navegava por mares
estranhos ao pensamento além das suas próprias profundidades e aguarda­
va “uma mui firme palavra dos profeta s” (2 Pe. 1.19).
2. P ressuposição de um suprim ento
O que conhecem os de D eus através da natureza fornece base para a espe­
rança de que estas carências de nosso ser intelectual e m oral encontrarão um
suprim ento correspondente n a form a de u m a revelação divina especial. Argu­
m entam os isto a partir de:
a) N ossa convicção necessária da sabedoria de D eus. Tendo feito o hom em
u m ser espiritual, para fins espirituais, pode-se esperar que ele forneça os
m eios necessários para assegurar tais fins. b) Sua verdadeira, em bora incom ­
pleta, revelação já dada na natureza. V isto que D eus, n a verdade, em preendeu
tom ar-se conhecido aos hom ens, podem os esperar que ele com pletará a obra
que com eçou, c ) A conexão geral da carência e suprim ento. Quanto m ais ele­
vadas as nossas necessidades, m ais intrincados e engenhosos são, em geral,
os artifícios para ir ao seu encontro, d) A nalogias da natureza e da história.
Sinais de bondade reparadora na natureza e tolerância no providencial trato
levam -nos a esperar que, conquanto se execute a ju stiça divina, Deus pode
tom ar conhecido o cam inho da restauração dos pecadores.
a)
Houve dois estágios na fuga que o Dr. D uncan fez do panteísmo: 1. quan­
do ele primeiro creu na existência de Deus e “dançou de alegria o brig o’
178
A ugustus H opkins Strong
Dee”; e 2. quando, sob a influência de M alan , ele veio a crer que Deus devia
conhecê-lo”. Na história do velho Leitor da Aldeia, a mãe sucumbiu completa­
mente quando o seu filho parecia tornar-se cada vez mais tolo, mas as suas
lágrimas conquistaram-no e o mudaram. L aura B ridgeman era cega, surda e
muda e tinha apenas um leve sentido do paladar e do olfato. Quando sua
mãe, após longa separação, foi visitá-la em Boston, o seu coração materno
estava grandemente aflito, supondo que sua filha não viesse a reconhecê-la.
Finalmente, com um sinal que era peculiar à mãe, ela perfurou o véu da
insensibilidade, o que proporcionou um momento feliz para ambas. Do mes­
mo modo, Deus, nosso Pai, tenta revelar-se às nossas almas cegas, surdas e
mudas. A agonia da cruz é o sinal do pesar pela insensibilidade do ser huma­
no causada pelo pecado. S e ele é o Criador do ser humano, sem dúvida
procurará adequá-lo à comunhão consigo para o que foi designado.
b ) G ore , Incarnation, 52, 53 - “A natureza é o primeiro volume incomple­
to que demanda um segundo que é Cristo”, c) R. T. S m ith , Man's Knowledge
of Man and o f God, 228 - “Os mendigos não fazem os seus pedidos num
deserto onde não há quem lhes atenda. Eles têm recebido um suprimento
suficiente para manter vivo o senso de necessidade”, d) Na ordem natural
da cura das escoriações nas plantas e na soldadura dos ossos quebrados
na criação animal, na provisão de agentes medicinais para a cura de doen­
ças humanas e especialmente no adiamento da aplicação do castigo sobre
o transgressor e o espaço concedido a ele para que se arrependa, temos
algumas indicações que, se não contraditadas por outra evidência, podem
levar-nos a considerar o Deus da natureza como o da paciência e misericór­
dia. O tratado de Plutarco “De Sera Numinis Vindicta” é uma prova de que
este pensamento tinha ocorrido entre os pagãos. Na verdade, é possível
duvidar de que uma religião pagã continue a existir livremente sem algum
elemento de esperança. Contudo, este próprio adiamento na execução do
juízo divino gerou dúvida sobre a existência de um Deus que, ao mesmo
tempo é bom e justo. “A Verdade perene no patíbulo, O Erro sempre no tro­
no”, é um escândalo para o governo divino que só o sacrifício de Cristo pode
remover plenamente.
O problema também se apresenta no Velho Testamento. Em Jó 21 e nos
Salmos 17, 37, 49, 73 há respostas parciais; ver Jó 2 1.7 - “Por que razão
vivem os ímpios, envelhecem, e ainda se esforçam em poder?” 24.1 - “Visto
que do Todo-poderoso se não encobriram os tempos, por que não vêem os
seus dias os que o conhecem?” O Novo Testamento sugere a existência de
uma testemunha da bondade de Deus entre os pagãos, enquanto, ao mesmo
tempo, declara que só Cristo traz o pleno conhecimento e a salvação. Com­
pare At. 14 .17 - “contudo, não se deixou a si mesmo sem testemunho, bene­
ficiando-vos lá do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos, enchendo de
mantimento e de alegria o vosso coração”; 17.25-27 - “ele mesmo é quem dá
a vida a respiração e todas as coisas; e, de um só, fez todas as gerações de
hom ens.... para que buscassem ao Senhor, se, porventura, tateando, pudes­
sem achar”; Fim. 2.4 - “a benignidade de Deus te leva ao arrependimento”;
3.25 - “para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes
cometidos sob a paciência de Deus”; Ef. 3.9 - “e demonstrar a todos qual seja
a dispensação do mistério, que, desde os séculos, esteve oculto em Deus,
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
179
que tudo criou”; 2 Tm. 1.10 - “nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu a
morte e trouxe à luz a vida e a incorrupção, peio evangelho”.
C oncluím os esta seção sobre as razões a priori esperando um a revelação
da parte de D eus no reconhecim ento de que os fatos garantem que o grau de
expectação que cham am os esperança podem os m elhor cham ar de grau de
expectação de segurança: e isto em razão de que, enquanto a consciência dá
prova de que D eus é um D eus de santidade, não tem os, à luz da natureza, igual
evidência de que D eus é um D eus de amor. A razão ensina ao hom em que,
com o pecador, m erece condenação; m as ele não pode, só a partir da razão,
saber que Deus terá m isericórdia dele e prover-lhe salvação. Suas dúvidas só
podem ser rem ovidas pela voz do próprio D eus garantindo-lhe a “redenção ...
o perdão ... dos delitos” (Ef. 1.7) e revelando-lhe o cam inho pelo qual o per­
dão se tom ou possível.
A consciência não conhece nenhum perdão, nem Salvador. H ovey, Manual
o f Christian Theology, 9, parece-nos ir longe demais quando diz: “Mesmo o
sentimento natural e a consciência fornecem alguma diretriz para bondade e
a santidade de Deus, embora seja necessário muito mais da parte daquele
que se submete ao estudo da teologia cristã”. Admitimos que o sentimento
natural dá alguma diretriz para a bondade de Deus, mas consideramos a
consciência apenas como um reflexo da santidade de Deus e da sua aversão
ao pecado. Concordamos com A lexander M c L aren : “O amor de Deus neces­
sita de prova? Sim, como mostra o paganismo. H á deuses cheios de vícios,
deuses descuidados, deuses cruéis, deuses belos em abundância; mas onde
há um deus que ama”?
II. A S M A R C A S D A R E V E L A Ç Ã O Q U E O H O M E M PO D E E S ­
PERAR
1. Q uanto à su a substância
Podem os esperar que esta mais tardia revelação não se contraponha, mas
confirme e amplie o conhecim ento de Deus que derivam os da natureza enquan­
to rem edeia os defeitos da religião natural e lança luz sobre os seus problemas.
Isaías apela para as anteriores comunicações da verdade da parte de
Deus: Is. 8.20 - “À lei e ao testemunho! S e eles não falarem segundo esta
palavra, nunca verão a minha alva”. Malaquias segue o exemplo de Isaías;
Mq. 4.4 - “Lembrai-vos da Lei de Moisés, meu servo”. O próprio nosso
Senhor baseou seus argumentos nos primitivos pronunciamentos de Deus:
Lc. 24.27 - “Começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o
que dele se achava em todas Escrituras”.
A ugustus H opkins Strong
180
2. Quanto ao seu método
Esperam os que ele siga os m étodos de D eus no procedim ento em outras
com unicações da verdade.
B ispo B utler (Analogy , parte ii, cap. iii) nega que haja qualquer possibili­
dade de julgar a príori como se dará uma revelação divina. “Nós não somos
nenhum tipo de juizes por antecipação”, diz ele, “por cujos métodos, ou em
cuja proporção se espera que esta luz e instrução sobrenaturais nos sejam
fornecidas”. Porém o B ispo B utler, um pouco mais tarde, em sua grande obra
(parte ii, cap. iv) mostra que o plano progressivo de Deus na revelação tem
analogia com os lentos e sucessivos passos através dos quais Deus cumpre
os seus fins na natureza. Sustentamos que a revelação na natureza fornece
algumas suposições sobre a revelação da graça como, por exemplo, as que
aparecem abaixo.
L eslie S tephen , Niniteenth Century, fev. 1 8 9 1 .1 8 0 - “ B utler respondeu o
argumento dos deístas, de que o Deus do cristianismo é injusto, argumen­
tando que o Deus da natureza era igualmente injusto. J ames M ill , admitindo
a analogia, recusa-se a crer em ambos os Deuses. O D r . M artineau diz, por
semelhantes razões, que B utler ‘escreveu um dos mais terríveis argumen­
tos ao ateísmo jamais produzidos’. Do mesmo modo o argumento da ‘morte
ou da cura’ de J. H. N ewman é, em sua essência, ou que Deus não revelou
nada, ou fez revelações em algum outro lugar além da Bíblia. Seu argumento,
como o de B utler , pode ser de tal modo bem persuasivo ao ceticismo como à
crença”. A esta acusação de L eslie S tephen respondemos que ele é convin­
cente só na medida em que ignoramos o fato do pecado humano. Admitindo
este fato, o nosso mundo passa a ser de disciplina, provação e redenção
e, tanto o Deus da natureza como o Deus do cristianismo são escoimados
de toda a suspeita de injustiça. A analogia entre os métodos de Deus no
sistema cristão e os seus métodos na natureza torna-se um argumento a
favor daqueles.
d)
D o contínuo desenvolvim ento histórico; para ele que seja dado em ger­
m e às prim itivas eras e seja m ais com pletam ente desenvolvido quando a raça
estiver preparada para recebê-lo.
Exemplos de desenvolvimento contínuo na comunicação de Deus encontram-se na história geológica; no desenvolvimento das ciências; na educação
progressiva do indivíduo e da raça. Nenhuma outra religião, a não ser o cris­
tianismo, mostra “um firme progresso da visão de um Caráter infinito desdo­
brando-se em favor do homem por um período de muitos séculos”. A rthur H.
H allan , John Brown’s Rab and his Friends, 282 - “A Revelação é uma aproxi­
mação gradual do Ser irífinito com os recursos e pensamentos da humanida­
de finita”. Uma centelha pode incendiar uma cidade ou o mundo; porém o
décuplo do calor desta centelha, desde que amplamente fracionado, não
incendiará coisa alguma.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
181
b)
Do pronunciam ento a um a simples nação e a simples pessoas nessa nação
para que possa através delas ser com unicado à hum anidade.
Cada nação representa uma idéia. Como o grego tinha o gênio da liberda­
de e do belo, e o romano da organização e da lei, a nação hebréia tinha “o
gênio da religião” (R enan); contudo, esta última teria sido inútil sem o auxílio e
supervisão divinos especiais, como testemunham outras produções desta mes­
ma raça semítica, tais como Bel e o Dragão, no Velho Testamento Apócrifo;
os evangelhos do Novo Testamento Apócrifo; e, por fim, o Talmude e o Corão.
Os Apócrifos do Velho Testamento relatam que, quando Daniel foi lança­
do pela segunda vez na cova dos leões, um anjo agarrou Habacuque, pelos
cabelos, na Judéia, e o levou com uma tigela de sopa para dar a Daniel no
jantar. Sete leões e Daniel entre eles permaneceram sete dias e sete noites.
Tobias parte da casa de seu pai para garantir a sua herança e o seu cachorrinho vai junto. Nas barrancas de um grande rio um grande peixe ameaça
devorá-lo, mas ele o captura e despoja. Finalmente, retorna com sucesso à
casa do pai juntamente com o cachorrinho. Nos Evangelhos Apócrifos, Jesus
leva água em seu manto quando da quebra do seu cântaro; faz passarinhos
de barro no dia de sábado, e, repreendido, os faz voar; fere de morte um
grupo de jovens, e, a seguir, amaldiçoa seus acusadores com a cegueira;
zomba dos seus mestres e ressente-se do controle. Mais tarde, lendas
muçulmanas declaram que Maomé causou trevas ao meio-dia; depois disso,
a lua voou para ele, rodeou sete vezes a Caaba, curvou-se, entrou na sua
manga direita, cortou em duas metades; lançando-se, depois, à esquerda e a
duas metades; retirou-se para o extremo oriente e para o extremo ocidente
reuniu-as. Estes produtos da raça semítica mostram que nem a influência do
ambiente nem um gênio nativo da religião fornecem uma explicação adequa­
da das nossas Escrituras. Como a chama no altar de Elias não foi causada
por varas mortas, mas pelo fogo do céu, do mesmo modo a inspiração do
Onipotente pode explicar a única revelação do Velho e do Novo Testamentos.
Os hebreus vêem Deus na consciência. Porque a mais genuína expres­
são da sua vida “devemos ver sob a superfície, na alma, onde a adoração e a
aspiração encontram-se face a face com Deus” (G enung , Epic of the Inner
Life, 28). Mas a religião do hebreu precisava ser suplementada pela vista de
Deus na razão e na beleza do mundo. Os gregos tinham a beleza do conhe­
cimento e do senso estético. B utcher , Aspects o f the Greek Genius, 34 “Os fenícios ensinaram a escrita aos gregos, mas foram estes que escreve­
ram”. Aristóteles foi o iniciador da ciência e além da raça ariana, ninguém, a
não ser os sarracenos, jamais sentiu o impulso científico. Porém os gregos
evidenciaram o seu problema solucionando todas as quantidades desconhe­
cidas. Pensavam que nunca teriam obtido a aceitação universal e estabilida­
de se não fosse a jurisprudência e imperialismo romanos. A Inglaterra contri­
buiu com o seu governo constitucional e a América com o seu sufrágio universal
e liberdade religiosa. Um pensamento tão definido a respeito de Deus incor­
porou-se a cada nação e cada uma tem uma mensagem para a outra. At. 17.26
- Deus “fez de toda geração dos homens para habitar sobre toda a face da
terra determinando os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habi­
182
A ugustus H opkins Strong
tação”; Rm. 3.1,2 - “Qual é, logo, a vantagem do judeu? ... primeiramente as
palavras de Deus lhe forma confiadas”. A escolha da nação hebréia por Deus,
como guardadora e comunicadora da verdade religiosa, tem analogia com a
das outras nações, com relação à verdade estética, científica, e política.
H egel : “Nenhuma nação que exerceu um papel de peso e ativo na história
do mundo jamais produziu a partir do simples desenvolvimento de uma só
raça as linhas estáveis de relacionamento sangüíneo. Deve haver diferenças,
conflitos, um conjunto de forças opostas”. A consciência do hebreu, o pensa­
mento do grego, a organização do latino, a lealdade pessoal do teutônico,
devem unir-se para formar um todo perfeito. “Enquanto a igreja grega era
ortodoxa, a latina era católica; enquanto os gregos tratavam das duas vonta­
des em Cristo, os latinos tratavam da harmonia das nossas vontades para
com Deus; enquanto os latinos salvavam através de uma corporação, os teutônicos salvavam através de uma fé pessoal”. B ereton , Educational Review,
nov. 1901.3 39 - O problema da França é o das ordens religiosas; o da Ale­
manha, da construção da sociedade; o da América, do capital e trabalho”.
P fleiderer , Philos. Religion, 1.18 3 ,18 4 - “As grandes idéias nunca vieram
das massas, mas de indivíduos marcados. Contudo, quando propostas, estas
idéias despertaram nas m assas um eco que mostra que elas tinham estado
inconscientemente adormecidas nas almas dos outros”. Surgem as horas e
aparece um N ewton , que interpreta a vontade de Deus na natureza. Do mes­
mo modo, um Moisés ou um Paulo que interpretam a vontade de Deus na
moral e na religião. Os poucos grãos de trigo encontrados no punho fechado
da múmia egípcia ter-se-iam perdido totalmente se um grão tivesse sido
semeado na Europa, um outro na Ásia, outro na África e, por fim, um outro na
América; plantados juntos todos num pote de argila e o seu produto no leito
de um jardim e, mais tarde o seu produto, no campo de um agricultor, haveria
o trigo do novo Mediterrâneo suficiente para distribuir ao mundo todo. Deste
modo Deus seguiu o seu método comum concedendo a verdade religiosa
a princípio a uma única nação através da qual pôde transmitir-se à humanida­
de toda.
c)
D a preservação escrita de docum entos transm itidos por aqueles a quem
originariam ente foi com unicada.
Para o conhecimento da história do passado dependemos principalmente
dos alfabetos, dos escritos, dos livros; todas as grandes religiões do mundo
são religiões de livros; os carênios (da Birmânia) esperavam que os seus
mestres da nova religião lhes trouxessem um livro. Porém note que as falsas
religiões têm escrituras, mas não a Escritura; seus livros sagrados não têm o
princípio da unidade fornecido pela inspiração divina. H. P. S mith , Biblical Scholarship and Inspiration, 68 - “Maomé descobriu que as Escrituras dos judeus
eram a fonte da religião deles. Chamou-os ‘povo do livro’, e empenhou-se em
construir um código similar para os seus discípulos. Nele Deus é o único que
fala; o profeta conhece todo o seu conteúdo por revelação direta; seu estilo
arábico é perfeito; seu texto é incorruptível; é a autoridade absoluta na lei, na
ciência e na história”. O Corão é uma grosseira paródia humana da Bíblia;
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
183
suas exageradas pretensões sobre a divindade, sem dúvida, são a melhor
prova da sua origem puramente humana. Por outro lado, a Escritura não tem
essas reivindicações para si mesma, mas aponta Cristo como a única e final
autoridade. Neste sentido, podemos dizer como C larke, Chrístian Theology,
20 - “O cristianismo não é uma religião do livro, mas uma religião da vida.
A Bíblia não nos dá Cristo, mas Cristo no-la dá”. Ademais, é verdade que,
para o nosso conhecimento de Cristo, dependemos totalmente da Escritura.
Ao dar a sua revelação ao mundo, Deus seguiu o seu método comum de
transmitir e preservar documentos através da escrita. Contudo, recentes
investigações tornam agora provável que a expectação que os carênios
tinham de um livro foi a sobrevivência do ensino dos missionários nestorianos
que, no começo do século oitavo, penetraram os lugares mais remotos da
Ásia e deixaram no muro da cidade de Singuádu ao noroeste da China uma
tábua como monumento dos seus trabalhos.
3. Q uanto à su a certificação
Podem os esperar que esta revelação seja acom panhada da evidência de
que seu autor é o m esm o que anteriorm ente reconhecem os com o o D eus da
natureza. E sta evidência deve constituir-se a) num a m anifestação do próprio
D eus; b) no m undo exterior assim com o no interior; c) só o poder ou conheci­
m ento de Deus pode fazê-lo; e ã) com o tal não pode ser contraditado pelo mal
ou equivocado pela alm a cândida. Em resum o, podem os esperar que Deus
ateste pelos m ilagres e pela profecia a m issão e autoridade divinas daqueles a
quem ele com unica um a revelação. Tal sinal parece ser necessário, não só
para assegurar ao recipiente original que a suposta revelação não é um capricho
da sua própria im aginação, mas tam bém dar autoridade à revelação recebida
por um só indivíduo e transm itida a todos (com pare Jz. 6.17,36-40 - Gideão
pede um sinal para si; 1 Re. 18.36-38 - Elias pede um sinal para os outros).
M as para que a nossa prova positiva de um a reveiação divina possa não ser
obstada pela suspeita de que os elem entos m iraculosos e proféticos n a história
da Escritura criem um a pressuposição contra sua credibilidade convém ocuparm o-nos neste ponto do assunto geral dos m ilagres e profecia.
m . O S M IL A G R E S , U M A T E ST A D O D A R E V E L A Ç Ã O D IV IN A
1. D efinição de M ilag re
a) D efinição prelim inar
M ilagre é um evento perceptível aos sentidos, produzido com um propósi­
to religioso pela atuação im ediata de D eus; portanto, um evento que, apesar
184
A ugustus H opkins Strong
de não contrariar qualquer lei da natureza, se plenam ente conhecida, não se
explica sem a atuação direta de Deus.
E sta definição corrige várias concepções errôneas de m ilagre: - d) M ilagre
não é a suspensão ou violação de um a lei natural; porque a lei natural está em
operação na época em que ocorre o m ilagre com o anteriorm ente, b) Não é um
produto súbito de agentes naturais - sim plesm ente previstos por aquele que o
opera; é o efeito de um a vontade exterior à natureza, c) Não é um evento sem
causa; porque tem sua causa direta na volição de Deus. d) Não é um ato irra­
cional ou caprichoso de D eus; m as um ato de sabedoria realizado segundo as
leis im utáveis de seu ser de m odo que, nas m esm as circunstâncias, segue-se o
m esm o curso, é) N ão é contrário à experiência; porque não é contrário à expe­
riência de um a nova causa seguida de um novo efeito, f) N ão é m atéria de
experiência interior com o a regeneração e a ilum inação; mas um evento per­
ceptível aos sentidos e que em tudo pode servir com o prova objetiva de que o
seu operador é divinam ente com issionado com o m estre religioso.
A definição acima tem a intenção simplesmente de referir-se aos milagres
da Bíblia, ou, em outras palavras, aos eventos que professam atestar uma
revelação divina contida nas Escrituras. O Novo Testamento designa estes
eventos de uma dupla forma, focalizando-os, quer subjetivamente, produzin­
do efeitos sobre os homens, quer objetivamente, revelando o poder e a sabe­
doria de Deus. Naquele primeiro aspecto eles são chamados t é p a r a , ‘maravi­
lhas’, e enceta ‘sinais’, (João 4.48; At. 2.22). Neste segundo são chamados
Svváneiç, ‘poderes’ e epya ‘obras’ (Mt. 7.22; Jo. 14.11). VerH. B. Smith, Lect.
On Apologetics, 90-116, esp. 94 - “cnmeíov, sinal, marcando o propósito ou
objetivo, o fim moral, colocando o evento em conexão com a revelação”.
A Versão da União Bíblica uniforme e adequadamente traduz -cépaç por ‘mara­
vilha’, 5 ú v a| iiç por ‘milagre’, êpyov por ‘obra’, e arm eto v por ‘sinal’. G oethe,
Fausto: “Alies Vergángliche ist nur ein Gleichniss: Das Unzulàngliche wird
hier Ereigniss” - “Todo o transitório é uma parábola; o inatingível aparece
como um fato sólido”. Assim os milagres do Novo Testamento são parábolas
em ação; Cristo abre os olhos ao cego para mostrar que ele é a luz do mundo;
multiplica os pães para mostrar que ele é o pão da vida; ressuscita os mor­
tos para mostrar que ele levanta os homens da morte dos delitos e pecados.
UerBROADus, Com. de Mateus, Casa Publicadora Batista, 1 9 4 9 ,1 ã vol. p. 144a.
Contudo, um grande grupo de físicos cristãos, no suposto interesse
de uma lei natural demanda uma modificação desta definição de milagre.
Tal modificação é proposta por B a b b a g e , Ninth Bridgewater Treatise, cap. viii.
Ele ilustra o milagre com uma ação de uma máquina calculadora, que apre­
senta ao observador numa sucessão regular a série de unidades a partir de
um até dez milhões, mas dá um salto e mostra, não dez milhões e um, mas
cem milhões; E p h r a im P e a b o d y ilustra o milagre como um relógio de catedral
que apenas soa uma vez em cada cem anos; contudo, ambos resulta­
dos devem-se tão somente à construção original das respectivas máquinas.
B a b b a g e e P e a b o d y negam que o milagre se deve à atuação direta ou indireta
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
185
de Deus, e consideram-no pertencente a uma ordem mais elevada da nature­
za. Deus só é o autor do milagre no sentido de que, no princípio, ele instituiu
as leis da natureza e no tempo próprio providenciou o seu resultado. A favor
deste ponto de vista tem-se reivindicado que ele não dispensa a operação
divina, mas apenas a recua para a origem do sistema enquanto ainda susten­
ta que a obra de Deus é essencial, não só para sustentar o sistema, mas
também para inspirar o mestre religioso ou líder no conhecimento necessário
à predição da obra incomum do sistema. A maravilha está limitada à profecia
que pode igualmente atestar uma revelação divina.
Mas é claro que um milagre deste tipo não tem muito da ‘sinalização’
necessária se a finalidade é cumprir o seu propósito. Apresenta a grande
vantagem de que o milagre, como a princípio se define, possui uma providên­
cia muito especial como um atestado da revelação - a saber, a vantagem de
que, enquanto a providência especial fornece alguma garantia de que esta
revelação vem de Deus, o milagre dá garantia plena de que ele vem de Deus.
Visto que o homem pode por meios naturais apossar-se do conhecimento
das leis físicas, o verdadeiro milagre que Deus opera e o pretenso milagre
que só o homem opera, estão nesta teoria bem menos fácil de distinguir-se
entre si: Cortez, por exemplo, poderia enganar Montezuma predizendo um
eclipse solar. Certos milagres típicos, como a ressurreição de Lázaro, recusamse ser classificados como eventos pertencentes ao reino da natureza, no sen­
tido em que esta se emprega comumente. Contudo, o nosso Senhor parece
excluir claramente uma teoria como esta quando diz: “S e eu expulso demôni­
os pelo dedo de Deus” (Lc. 11.20); Mc. 1.41 - “Eu quero; sê limpo”. O ponto
de vista de B a b b a g e é inadequado, não só porque deixa de reconhecer qual­
quer exercício imediato da vontade no milagre, mas porque considera a natu­
reza como uma simples máquina que pode operar independentemente de
Deus - um método de concepção puramente deística. Sobre este ponto de
vista muitos dos produtos da mera lei natural poderiam ser chamados mila­
gres. Os milagres seriam apenas a manifestação ocasional de uma ordem da
natureza mais elevada, como o cometa que ocasionalmente invade o sistema
solar. W il l ia m E l d e r , Ideas from Nature: “A planta do século que vimos crescer
desde a nossa infância pode não desabrochar suas flores até que chegue­
mos à velhice, porém, não obstante, a súbita maravilha é natural”. Contudo,
se interpretarmos a natureza mais que dinamicamente, e a considerarmos
como a operação regular da vontade divina ao invés de considerarmos a ope­
ração automática de uma máquina, há muita coisa que podemos adotar neste
ponto de vista. O milagre pode ser tanto natural como sobrenatural. Podemos
sustentar com B a b b a g e que ele tem seus antecedentes naturais, enquanto, ao
mesmo tempo, sustentamos que ele é produzido pela atuação imediata de
Deus. A seguir, apresentaremos, portanto, uma definição alternativa e prefe­
rível, que, a nosso juízo, tem ambos méritos já mencionados.
b) D efinição A lternativa e preferível
M ilagre é um evento na natureza em si m esm o tão extraordinário e tão
coincidente com a profecia ou a determ inação de um m estre religioso ou um
186
A ugustus H opkins Strong
líder que garante plenam ente a convicção da parte dos que o testem unham que
D eus o operou com o desígnio de certificar que o m estre ou líder foi com issi­
onado por ele.
E sta definição tem algum as m arcantes vantagens em com paração com a
anterior: - a) R econhece a im anência de D eus e sua atuação im ediata na natu­
reza ao invés de assum ir um a antítese entre as leis da natureza e a vontade de
Deus. b) C onsidera o m ilagre sim plesm ente com o um ato extraordinário do
m esm o Deus que já está presente em todas operações naturais e que está reve­
lando nelas seu plano geral, c) Sustenta que a lei natural com o m étodo da
atividade regular de Deus de m odo nenhum exclui os esforços do seu poder
quando estes garantiriam m elhor seu propósito na criação, d) Perm ite a possi­
bilidade de que todos os m ilagres tenham suas explicações naturais e daí em
diante sejam atribuídos a causas naturais enquanto tanto os m ilagres como
suas causas naturais podem ser apenas nom es da única e m esm a vontade de
Deus. é) H arm oniza as reivindicações tanto da ciência com o da religião: da
ciência, perm itindo quaisquer possíveis ou prováveis antecedentes físicos do
m ilagre; da religião, sustentando que estes m esm os antecedentes juntam ente
com o m ilagre devem ser interpretados com o sinais da com issão especial de
D eus através daquele cujo ensino ou liderança o m ilagre se opera.
A g o s t in h o , que declara que “Dei voluntas rerum natura est” (A natureza
das coisas é a vontade de Deus), define o milagre em De Civitade Dei, 21.8 “Portentum ergo fit non contra naturam, sed contra quam est nota natura”
(Não há milagre na natureza, mas no que se observa nela). Ele diz também,
que o nascimento é mais miraculoso do que a ressurreição porque é mais
maravilhoso que algo que nunca havia começado a ser, do que qualquer coisa
que tinha sido e deixou de ser e com eçasse a ser outra vez. E. G. R o b in s o n ,,
104 - “O natural é obra de Deus. Ele o originou. Não há nenhuma separação
entre o natural e o sobrenatural. O natural é sobrenatural. Deus opera em
todas as coisas. Cada fim, embora atingido por processos mecânicos, é tão
verdadeiramente o fim de Deus como se ele o operasse através de um mila­
gre”. S h a l e r , Interpretation of Nature, 14 1, considera o milagre como algo
excepcional, embora sob o controle da lei natural; o elemento latente na natu­
reza manifestando-se subitamente; a resultante revolução da lenta acumula­
ção das forças naturais. No incêndio do Hotel Windsor o madeiramento aque­
cido e carbonizado subitamente irrompeu em chamas. A chama é bem diferente
do simples calor, mas pode ser o resultado de uma temperatura regularmente
crescente. A natureza pode ser a ação regular de Deus; o milagre, o seu
único resultado. A ação regular de Deus pode ser inteiramente livre, embora
o seu resultado extraordinário possa ser inteiramente natural. Com estas qua­
lificações e explicações podemos adotar a afirmação de B ie d e r m a n n , Dogmatik, 581-591 - “Tudo é milagre; por isso a fé enxerga Deus em toda a parte;
Nada é milagre; pelo que a ciência não enxerga Deus em lugar algum”.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
Os escritores da Bíblia nunca consideram os milagres como infrações da
lei. B p . S o u t h a m p t o n , Place o f Miracles, 18 - “O historiador ou profeta hebreu
considera os milagres apenas como a emergência na experiência sensível da
força divina que estava desde o princípio, embora de modo invisível, contro­
lando o curso da natureza”. H a stin g s’ Bible Dictionary, 4.117 - “O hebreu não
sentiria a força do milagre surgindo da noção da lei porque ele não tinha
noção de lei natural”. S I. 77.19,20 - “Pelo mar foi o teu caminho, e tuas vere­
das, pelas grandes águas e as tuas pegadas não se conheceram” = Eles e
nós não as conhecemos e por que meios precisos operou-se o livramento, ou
por que trilha se efetuou a passagem do Mar Vermelho; tudo o que sabemos
é que “Guiaste o teu povo, como a um rebanho, pela mão de Moisés e de
Arão”. J . M. W h it o n , Miracles and Supernatural Religion: “O sobrenatural está
na própria natureza, no seu próprio cerne, como a sua própria vida; não se
trata de uma força exterior interferindo no curso da natureza, mas uma força
interior vitalizando-a e operando através dela”. G r if f it h - J o n e s , Ascent through
Christ, 35 - “O milagre, ao invés de um sortílego ‘monstro’, no dizer de Emer­
son, somente testemunha o aspecto de outra forma desconhecido ou irreco­
nhecível do caráter divino”. S h e d d , Dogm. Theol, 1.533 - “Fazer o sol e Láza­
ro levantarem-se, demanda onipotência; mas a forma como a onipotência
opera em um caso difere da outra”.
Milagre é uma operação direta de Deus; porém, porque todos processos
naturais são operações imediatas de Deus, não é preciso negar o emprego
destes processos naturais, aonde quer que eles se dirijam, no milagre. Deste
modo, as maravilhas do Velho Testamento, como a destruição de Sodoma e
de Gomorra, a separação do Mar Vermelho e do Jordão, a invocação do fogo
do céu por Elias e a destruição do exército de Senaqueribe são obras de
Deus quando se considera que foram operadas pelo emprego de recursos
naturais. No Novo Testamento Cristo transformou a água em vinho, tomou
cinco filões para torná-los pães, como em dez mil vinhas hoje as torna em
mosto ao molhar a terra e em dez mil campos está transformando o carbono
em cereais. O nascimento virginal de Cristo pode ser um exemplo extremo de
partenogênese, que o P r o f e s s o r L o e b , de Chicago, demonstrou ocorrer em
outra forma de vida, além das inferiores e que ele crê ser possível em todos.
A ressurreição de Cristo pode ser uma ilustração do poder do normal e perfei­
to espírito humano tomar para si um corpo próprio e ser o tipo e profecia da
grande mudança quando deixarmos a nossa vida e a retomarmos. O cientista
pode ainda achar que a sua descrença não se refere apenas a Cristo, mas
também à ciência. Todo milagre pode ter seu lado natural, embora no momento
não sejamos capazes de discerni-lo; e ainda que isto fosse verdade, o argu­
mento cristão não se enfraqueceria nem um pouquinho porque ainda o mila­
gre evidenciaria a extraordinária obra do Deus imanente e a concessão do
seu conhecimento ao profeta ou apóstolo que se tornou seu instrumento.
Este ponto de vista do milagre torna inteiramente desnecessário e irracio­
nal o tratamento que alguns teólogos modernos fazem para harmonizar
as narrativas da Escritura. Há uma credulidade do ceticismo que minimiza
o elemento miraculoso na Bíblia e o trata como mítico ou legendário apesar
da nítida evidência de que ele pertence ao reino da história real. P f l e id e r e r ,
Philos. Relig., 1.295 - “As lendas miraculosas surgem de dois modos: em
187
188
A ugustus H opkins Strong
p a rte d a id e a liz a ç ã o do rea\ e em p a rte da re a liz a ç ã o do id ea i. ... T oda o c o r­
rê n c ia p o d e o b te r em fa v o r do ju íz o re lig io s o a s ig n ific a ç ã o de um sin al
ou p ro va do poder, da sa b e d o ria , da ju s tiç a de D eus, g o ve rn a n te do m u n ­
do. ... A s h istó ria s m ira cu lo sa s sã o re a liz a ç õ e s p o é tica s de id é ia s re lig io sa s” .
P fle id e re r c ita o a p o te g m a de G oethe: “O m ila g re é o filh o q u e rid in h o da fé ” .
F o s te r, Finality of the Christian Religion, 12 8 -1 3 8 - “ H o n ra m o s m ais as n a rra ­
tiv a s d o s m ila g re s b íb lic o s q u a n d o p ro c u ra m o s e n te n d ê -lo s co m o p o e s ia s ” .
R its c h l d e fine os m ila g re s co m o “a q u e la s o c o rrê n c ia s que têm co n e xã o com
a e x p e riê n c ia re la tiv a ao a u x ílio e s p e c ia l de D e u s” . Ele a p re s e n ta d ú vid a
s o b re a re ssu rre içã o c o rp ó re a de C risto e m u ito s da s u a esco la negam isso.
N ão p re c is a m o s in te rp re ta r a re s s u rre iç ã o de C ris to co m o s im p le s a p a ri­
çã o do seu e sp írito a o s d iscíp u lo s. G ladden, Seven Puzzling Books, 202 “ N as m ãos do ho m em p e rfe ito e e sp iritu a l as fo rça s da n a tu re za são d ó ceis e
tra ta d a s co m o se não fo s s e m no ssa s. A re s s u rre iç ã o de C risto é ap en as
um sin a l da s u p e rio rid a d e da v id a do e s p írito p e rfe ito so b re as co n d içõ e s
e xte rio re s. Ela p o de e sta r em p e rfe ito a co rd o co m a n a tu re z a ” . M y e r s , Human
Personality, 2.2 8 8 - “ Faço um a p re d iç ã o de que, co m o co n s e q ü ê n c ia da nova
e vid ê n cia , da qu i a um s é cu lo to d o s ho m en s ra zo á ve is cre rã o na re ssu rre içã o
de C ris to ” . P od em o s a c re s c e n ta r qu e o p ró p rio Je s u s a p re s e n ta in dício s de
que a o p e ra çã o de m ila g re s da qu i em d ia n te s e rá um a m a n ife sta çã o com um
e natural da no va vid a que ele co n ce d e : Jo. 14.12 - “A q u e le que crê em mim
ta m b é m fa rá as obras que eu faço e as fa rá m aiores do que estas, porque eu
vou para m eu Pai” .
A c re s c e n ta m o s n u m e ro sa s o p in iõ e s a n tig a s e m o d e rn a s a resp eito dos
m ilagre s; to d a s no in te n to de m o s tra r a n e ce ssid a d e de d e fin i-lo s d e sta fo rm a
p a ra n ã o se c h o c a r co m as ju s ta s re iv in d ic a ç õ e s da c iê n c ia . A ris tó te le s :
“A n a tu re za não é c h e ia de e p isó d io s co m o um a tra g é d ia ruim ” . Shakespeare,
A ll’s Well that Ends Well, 2.3.1 - “ D izem q u e os m ila g re s já p a ssa ra m ; e
te m o s no ssas p e sso a s filo s o fa n te s que m o d e rn iza m e fa m ilia riz a m as coisas
so b re n a tu ra is e se m cau sa. P or isso é qu e d a m o s p o u c a im p o rtâ n c ia aos
te rro re s, o cu lta n d o -n o s no a p a re n te co n h e c im e n to q u a n d o d e ve ría m o s nos
s u b m e te r a um te m o r d e s c o n h e c id o ” . H ill, Genetic Philosophy, 3 3 4 - “A ciê n ­
cia b io ló g ica e a p s ic o ló g ic a u n e m -se p a ra a firm a r que c a d a e ve nto org ân ico
ou p síq u ico de ve s e r e xp lica d o nos te rm o s dos se u s a n te c e d e n te s im e dia tos
e só a ssim p o de m s e r e xp lica d o s. Por isso n ã o há n e c e s s id a d e algum a, não
há lu g a r ne nh um p a ra in te rfe rê n cia s. Se a e x is tê n c ia de D eus d e p e n d e da
e v id ê n c ia de um a in te rve n çã o e a tu a çã o s o b re n a tu ra l, a fé no ele m e n to d iv i­
no p a rece d e stru ir-se na m en te c ie n tífic a ” . T h e o d o re P a rke r: “ Em D eus não
há ca p rich o ; p o r isso não há m ila g re na n a tu re z a ” . A rm o u r, Atonement and
Law, 15 -33 - “ O m ila g re da red en ção, co m o to d o s os m ilagre s, o co rre po r
in te rve n çã o de um a fo rç a a d e q u a d a , não da su sp e n s ã o da lei. A red en ção
não é ‘a g ra n d e e x c e ç ã o ’. É a m ais c o m p le ta re ve la çã o e v in d ic a ç ã o da le i” .
G o re , L ux Mundi, 3 2 0 - “A re d e n çã o não é na tu ra l, m a s s o b re n a tu ra l - isto é,
em v is ta da fa ls a n a tu re za que o ho m em fe z p a ra si e xclu in d o D eus. C aso
co n trá rio , a o b ra da re d e n çã o é a p e n a s a re co n stru çã o da n a tu re za que Deus
p ro je to u ” . Abp. T re n ch : “O m un do da n a tu re za é um a te s te m u n h a in te gra l do
m u n d o do e sp írito , p ro ce d e n te s da m e sm a m ão, d e s e n v o lv e n d o -s e a pa rtir
da m esm a raiz e co n s titu in d o -s e p a ra a m e sm a fin a lid a d e . O s ca ra cte re s da
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
189
natureza que em toda parte encontram o olho não são uma escrita comum,
mas uma escritura sagrada; são os hieróglifos de Deus”. P a s c a l : “A natureza
é a imagem da graça”. P r e s id e n t e M a r k H o p k in s : “ O cristianismo e a razão
perfeita são idênticos”.
2. Possibilidade do Milagre
Um evento na natureza pode ser causado por u m agente nela em bora acim a
dela. Isto é evidente nas seguintes considerações:
a) As forças e leis inferiores n a natureza freqüentem ente contrapõem e
transcendem as m ais elevadas (forças e leis m ecânicas pelas quím icas e as
quím icas pelas vitais), conquanto ainda as forças e leis inferiores não são
suspensas ou aniquiladas, m as surgem em m ais elevadas, e assistem em pro­
pósitos com plem entares no que são diferentes quando deixadas ao léu do seu
destino.
J a m e s R o b e r t s o n , Early Religion o f Israel, 23 - “Acaso é impossível haver
coisas únicas no mundo? É científico afirmar que não haja”? G o r e , Incarnation , 48 - “A Evolução vê a natureza numa ordem progressiva em que há
novos departamentos, ganha vigorosos níveis, desconhece os fenômenos
anteriores. Quando apareceu a vida orgânica, o futuro não se assemelhava
ao passado. O mesmo aconteceu quando o homem apareceu. Cristo é uma
nova natureza - o Verbo criativo que se fez carne. Espera-se que, com a nova
natureza ele apresente novos fenômenos. Dele irradiará nova energia vital
controladora das forças materiais. Os milagres são os acessórios adequados
à sua pessoa”. Podemos acrescentar que, como Cristo é o Deus imanente,
ele está presente na natureza e, ao mesmo tempo, acima dela, e a sua firme
vontade é a essência de toda lei natural; transcende a todos óbices passados
dessa vontade. O Infinito não é um ser de infinda monotonia. W il l ia m E l d e r ,
Ideas from Nature, 156 - “Deus não está, sem esperança, limitado ao seu
processo, como íxion, preso à sua roda” (íxion = deus grego condenado a ser
amarrado no inferno a uma roda e a girá-la sem cessar).
b) A vontade hum ana age sobre seu organism o físico e sobre a natureza e
produz resultados que a natureza deixada ao léu do seu destino, nunca cum pri­
ria enquanto ainda não se suspende ou viola nenhum a lei da natureza. A gravitação ainda opera sobre o m achado enquanto o hom em o levanta à superfície
da água - pois o m achado ainda tem seu peso ( cf. 2 Re. 6.5-7)
Versus H u m e , Philos. Works, 4 .130 - “Milagre é violação das leis da natu­
reza”. Os apologistas cristãos com freqüência têm desnecessariamente se
embaraçado ao aceitarem a definição de H u m e . O estigma é totalmente des­
merecido. S e o homem pode manter o machado na superfície da água
enquanto a gravitação age sobre ele, não há dúvida de que Deus também
190
A ugustus H opkins Strong
pode, através da palavra do profeta, fazer o ferro flutuar enquanto a gravitação age sobre ele. Mas este último é um milagre. M a n s e l , Essay on Miracles,
em Aids to Faith, 26, 27 “Depois que a maior onda da estação fixou a pedra no
alto da praia, eu posso removê-la um pouco mais adiante sem alterar a força
do vento, ou da onda, ou do clima à distância de um continente. A. A. H o d g e :
Retirar um novo registro do órgão não o impede de funcionar nem destrói a
harmonia dos outros registros. A bomba não suspende a lei da gravitação,
nem o lançamento de uma bola no ar. Se a gravitação não agisse, a velocida­
de da bola para cima não diminuiria e a bola nunca retornaria. “A gravitação
atrai o ferro para baixo. Mas o magneto vence essa atração e traz o ferro para
cima. Contudo aqui não há suspeita ou violação das leis, mas uma harmo­
niosa obra de duas leis, cada qual na sua esfera. Não é a vida, mas a morte
que é a lei da natureza. Não obstante, os homens vivem. A vida é sobrenatu­
ral. Só uma força adicional às simples obras da natureza causam a existência
da vida. Do mesmo modo a vida espiritual emprega as leis da natureza e as
transcende” (Sunday School Times). G l a d d e n , What Is Leffí 60 - “Onde quer
que esteja o pensamento, a escolha, o amor, você encontra algo que não
está sob o domínio de uma lei rígida. São atributos da livre pessoalidade”.
W il l ia m J a m e s : “Precisamos substituir o ponto de vista pessoal da vida pelo
impessoal e mecânico. O racionalismo mecânico é a mais estreita e parcial
indução dos fatos - isto não é ciência”.
c) Em toda causalidade livre há um a atuação sem meio. O hom em age sobre
a natureza exterior através do seu organism o físico, m as, ao m ovê-lo, ele age
diretam ente sobre a m atéria. Em outras palavras, a vontade hum ana pode
valer-se de m eios só porque ela tem o poder de agir inicialm ente sem eles.
A . J. B a l f o u r , Foundations of Belief, 311 - “Não é só a Divindade que
intervém no mundo das coisas. Toda alma viva, em sua medida e grau, faz o
mesmo”. De qualquer forma, cada alma ao seu redor, age assim com relação
ao princípio do milagre. P h il l ip s B r o o k s , Life, 2.350 - “ A prática de todos fei­
tos miraculosos não é uma abolição do milagre assim como o brilho solar,
inundando o mundo, não é a extinção do sol”. G e o r g e A d a m S m it h , sobre Is.
3 3 .14 - “fogo devorador... chamas eternas”: “S e olhamos para um incêndio
através de um vidro enfumaçado, vemos prédios desmoronando, mas não
vemos fogo. Assim também a ciência vê os resultados, mas não a força que
os produz; vê a causa e o efeito, mas não vê Deus”. P. S . H e n s o n : “ A corrente
em um fio elétrico é invisível mesmo circulando uniformemente. Corte o fio e
insira um pedaço de carvão entre os dois terminais rompidos e você terá um
arco de luz que afasta a escuridão. Do mesmo modo o milagre é apenas uma
interrupção momentânea na operação das leis uniformes, o que fornece luz
por muito tempo”; ou, melhor dizendo, a mudança momentânea no método
operacional pelo qual a vontade de Deus toma nova forma de manifestação.
d ) O que a vontade hum ana, considerada com o força sobrenatural, e o que
as forças quím icas e vitais da própria natureza são visivelm ente capazes de
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
191
^nmprir não pode ser considerado com o além do poder de Deus, porquanto
rle habita e controla o universo. Se a vontade do hom em pode agir diretam en­
te sobre a m atéria em seu organism o físico, D eus pode operar im ediatam ente
5: bre o sistem a que ele criou e sustenta. E m outras palavras, se h á u m D eus, e
se ele é um ser pessoal, os m ilagres são possíveis. A im possibilidade dos
m ilagres só pode ser sustentada nos princípios do ateísm o ou do panteísm o.
Cox, Miracles , Argumento e Desafio: “É preferível o antropomorfismo ao
hilomorfismo”. N e w m a n S m y t h , Old Faiths in a New Light, cap. 1 - “Milagre não
é um súbito golpe aplicado na cara da natureza, mas o emprego desta, con­
forme a sua capacidade w\eteute, attavés das u\ais elevadas torças”. Oubq\%,
Science and Miracle, New Englander, jul., 18 8 9 .1 -3 2 - Três postulados:
1) Todas partículas do universo atraem-se reciprocamente; 2) A vontade do
homem é livre; 3) Cada volição se faz acompanhar da ação cerebral corres­
pondente. Por isso cada uma das nossas volições muda através do universo
inteiro; ver também Century Magazine, dez, 1 8 9 4 .2 2 9 - A s condições nunca
são dúplices na mesma natureza; tudo resulta da vontade, por sabermos que
pelo menos o nosso pensamento abala o universo; milagre é tão somente a
ação da vontade em condições singulares; o começo da vida, a origem da
consciência, são milagres embora estritamente naturais; a oração, e a mente
que a estrutura são condições que, na natureza, a Mente não pode ignorar.
Cf. SI. 115.3 - “o nosso Deus está nos céus e faz tudo o que lhe apraz” = sua
força onipotente e liberdade afastam todas objeções a priori sobre os mila­
gres. S e Deus não é só uma força, mas uma pessoa, então os milagres são
possíveis.
e)
Tal possibilidade dos m ilagres tom a-se duplam ente segura aos que vêem
em Cristo o D eus im anente m anifesto às criaturas. O Logos, ou a Razão divi­
na, que é o princípio de todo o desenvolvim ento e evolução, pode tornar Deus
conhecido tão som ente por m eio de sucessivas concessões novas de sua ener­
gia. Porque todo o progresso im plica em increm ento e C risto é a única fonte
da vida, toda a história da criação é testem unha da possibilidade do m ilagre.
A. H. S t r o n g , Christin Creation, 1 6 3 - 1 6 6 - “Este conceito de evolução é o
de Lotze. Esse grande filósofo cuja influência é mais poderosa do que qual­
quer outra neste pensamento, não considera o universo como um pienum ao
qual nada se pode acrescentar por meio da força. Ele considera o universo
mais como um organismo plasmável ao qual novos impulsos podem-se con­
ceder a partir daquele de cujo pensamento e vontade o universo é expressão.
Tais impulsos, uma vez concedidos, continuam no organismo e daí em diante
sujeitam-se à sua lei. Embora tais impulsos venham de dentro, não partem de
um mecanismo finito, mas do Deus imanente. “A expressão de R o b e r t B r o w n in g , 'Tudo è amor, mas tudo é lei’ ( B r o w n in g faz um jogo de palavras ‘love’
meuXos
\aswK «src\\sK\,
«srcv
p\ane\as e todas opetações da naluteza são teMeNações de um
192
A ugustus H opkins Strong
Deus pessoal e presente, mas não se deve interpretar como se Deus corres­
se em trilhas, entre as quais ele está bitolado a um mecanismo inevitável de
manifestações de poder único e surpreendente.
“O homem constrói uma casa. Ao lançar o alicerce ele emprega pedra
e argamassa, mas faz as paredes de madeira e o forro de folha-de-flandres.
Na superestrutura ele se vale de leis diferentes das que se aplicam no alicer­
ce. Há continuidade não material, mas de planejamento. O desenvolvimento
desde o porão até ao sótão requer quebras aqui e ali, e o emprego de novas
forças; de fato, sem o emprego dessas novas forças, seria impossível a evo­
lução da casa. Agora substitua o alicerce e a superestrutura por coisas vivas
como a crisálida e a borboleta; imagine a força de trabalho a partir não de
fora, mas de dentro; e você observará que a verdadeira continuidade não
exclui novos começos, mas envolve-os.”
“A evolução, então, depende do incremento de forças somadas à conti­
nuidade do plano. Há possibilidade de novas criações porque o Deus imanente não se cansa. O milagre é possível porque Deus não está muito distan­
te, mas bem próximo para atender quaisquer necessidades que o universo
moral possa requerer. São possíveis a regeneração e as respostas à oração
pelo mesmo motivo de que são elas o objetivo para o qual o universo foi
construído. Se fôssemos deístas, crendo em um Deus distante e em um uni­
verso mecânico, a evolução e o cristianismo seriam irreconciliáveis. Mas por­
que cremos em um universo dinâmico de que o Deus pessoal e vivo é a fonte
interior da energia, a evolução é apenas a base, o alicerce e o cenário do
cristianismo, a silenciosa e regular obra daquele que, na plenitude dos tem­
pos, profere a sua voz em Cristo e na Cruz”.
A afirmação do ponto de vista do próprio L otze pode encontrar-se em seu
Microcosmos, 2.479 sq. O P rofessor J ames T en B roeke interpretou-a da
seguinte forma: “Ele faz a possibilidade do milagre depender da ação e rea­
ção próximas e íntimas entre o mundo e o Absoluto pessoal, em cuja conse­
qüência os movimentos do mundo natural realizam-se só através do Absolu­
to, com a possibilidade de variação no curso geral das coisas, conforme os
fatos existentes e o propósito do divino Governante”.
3. P robabilidade dos M ilag res
A)
R econhecem os que, até onde confinam os nossa atenção à natureza, há
um a predisposição contra os m ilagres. A experiência atesta a uniform idade da
lei natural. A uniform idade geral é necessária para to m ar possível um cálculo
racional do futuro, e um a ordem própria da vida.
G. D. B. P epper : “Onde não há lei, não há ordem e não pode haver mila­
gre. O milagre pressupõe a lei e a importância atribuída aos milagres é o
reconhecimento do reino da lei. Porém a fabricação e lançamento de um navio
podem ser regidos por uma lei do mesmo modo que a navegação após o seu
lançamento. Do mesmo modo a introdução de uma ordem espiritual mais
elevada em uma ordem simplesmente natural constitui um novo e único evento”.
T e o l o g i a S is t e m á t ic a
193
Alguns apologistas cristãos têm cometido o erro de afirmar que o milagre era
anteriormente tão provável como qualquer outro evento, mas, na verdade, só a
sua improbabilidade antecedente lhe dá o valor de prova da revelação.
B)
M as negam os que esta uniform idade da natureza seja absoluta e univer­
sal. a) Não é um a verdade da razão que não pode ter nenhum a exceção, a não
ser que o todo seja m aior que as partes, b) A experiência não poderia garantir
um a crença na uniform idade universal a não ser que a experiência fosse idên­
tica ao conhecim ento absoluto e universal, c) Sabem os, ao contrário, com
base na geologia, que tem havido lapsos nesta uniform idade, tais com o a
introdução da vida vegetal, da anim al e da hum ana que não pode ser tida
senão com o m anifestação de um poder sobrenatural.
a) Compare a probabilidade de o sol levantar-se amanhã cedo, com a
certeza de que dois mais dois são quatro. H uxley , Lay Sermons, 158, com
indignação nega que há um ‘deve’ em torno da uniformidade da natureza:
“Ninguém tem o direito de dizer a priori que qualquer assim chamado evento
miraculoso é impossível”. W ard , Naturalism and Agnosticism, 1.84 - “Não há
nenhuma evidência para afirmar-se que a massa do universo é quantitativa­
mente definida e imutável”; 108, 109 - Por que se admite com tanta confiança
que uma rígida e monótona uniformidade é a única, ou a mais elevada indica­
ção da ordem, a de um Espírito eternamente vivo, acima de tudo? Como é
que depreciamos os artigos industrializados e preferimos os que apresentam
o impulso artístico, ou a adequação do caso individual, livre para dar forma
e fazer o que literalmente é manufaturado (feito à mão)? ... Tão perigoso
como os argumentos teleológicos genericamente sejam, podemos ao menos
com confiança dizer que o mundo não foi destinado a tornar fácil a ciência.
... Chamar de mecânicos os versos de um poeta, a política de um estadista, a
ponderação de um juiz, implica, como L otze assinala, notável disparate, embo­
ra isto implique, também, precisamente tais caraterísticas - exatidão e invariabilidade - em que M axwell nos mostra um sinal do elemento divino”. Sem
dúvida não devemos, então, insistir em que a sabedoria divina deve sempre
correr em sulcos, que ela deve sempre ser repetitiva, nunca deve apresentarse em atos exclusivos como na encarnação e na ressurreição.
b) S. T. C oleridge , Table Talk, 18 de dezembro de 1831 - “A luz que a
experiência nos fornece é uma lanterna na popa do navio e só brilha nas
ondas que deixamos atrás de nós”. H obbes : “A experiência nada conclui de
modo universal”. B rooks, Foundations of Zoology, 131 - “A evidência só nos
pode dizer o que aconteceu, mas nunca nos garantir que o futuro deve ser
semelhante ao passado; 132 - A prova de que toda a natureza é mecânica
não seria inconsistente com a crença de que tudo na natureza é sustentado
imediatamente pela Providência e que a minha vontade explica alguma coisa
na determinação do curso dos eventos”. R oyce , World and Individual, 2.204 “A uniformidade não é absoluta. A natureza é um reino da vida e do sentido
mais vasto e nós, seres humanos, fazemos parte dele; a sua unidade final
está na vida de Deus. O ritmo da pulsação cardíaca tem sua regularidade
194
A ugustus H opkins Strong
normal, embora sua persistência seja limitada. A natureza pode constar sim­
plesmente de hábitos da vontade livre. Cada região deste mundo universal­
mente consciente pode ser o centro de onde procede a nova vida consciente
para a comunicação com todos os mundos”. R eitor F airbairn : “Natureza é
Espírito”. Preferimos dizer: “A natureza é a manifestação do espírito, da regu­
laridade da liberdade”.
c)
Outras quebras na uniformidade da natureza são a vinda de Cristo e a
regeneração da alma humana. H arnack , W hatis Christianity, 18, sustenta que,
embora não haja nenhuma interrupção na obra da lei natural, esta não é ainda
plenamente conhecida. Conquanto não haja nenhum milagre, há uma fartura
de milagrosos. O poder da mente sobre a matéria vai além das nossas con­
cepções atuais. B ow ne , Philosophy of Theism, 2 10 - Os efeitos não são mais
conseqüências das leis do que as leis conseqüências dos efeitos = tanto as
leis como os efeitos são exercícios da vontade divina. K ing , Reconstruction in
Theology, 56 - Não devemos sustentar a uniformidade da lei, mas a sua universalidade ; porque a evolução tem estágios sucessivos e novas leis entram
e dominam o que não aparecia anteriormente. O novo e mais elevado estágio
é praticamente um milagre do ponto de vista do inferior.
C) Porque a invocação da lei m oral n a constituição e curso da natureza
m ostra que a natureza existe, não para si m esm a, m as para a contem plação e
uso dos seres m orais, é provável que o Deus da natureza produza os efeitos
além dos da lei natural, sem pre que haja fins m orais suficientem ente im por­
tantes a serem servidos por ela.
Sob a expectação da uniformidade acha-se a intuição da causa final; por
isso aquela pode ocasionar esta. Ver P orter , Human Intelect, 59 2-6 15 “As causas eficientes e as finais podem entrar em conflito e então as eficien­
tes dão lugar às finais. Eis o milagre. S hedd , Dogm. Theol., 1.534,535 “A ordem do universo não é um fim; é um meio e, como todos outros meios,
deve abrir caminho quando o fim pode ser promovido de forma melhor sem
ela. É um marco da mente fraca idolatrar a ordem e o método; apegar-se a
formas estabelecidas de negócios quando dificultam ao invés de desenvolvêlos. B alfour , Foundations o f Belief, 357 - “A estabilidade dos céus à vista de
Deus é menos importante que o desenvolvimento moral do espírito humano”.
Isto é o que prova a Encarnação. O cristão vê em sua minúscula terra a cena
da maior revelação de Deus. A superioridade do elemento espiritual sobre o
físico ajuda-nos a ver a nossa verdadeira dignidade na criação, a dirigir o
nosso corpo, a vencer os nossos pecados. O sofrimento de Cristo nos mostra
que Deus não é um espectador indiferente à dor humana. Ele se sujeita às
nossas condições ou, ao invés disso, revela-nos o eterno sofrimento de Deus
por causa do nosso pecado. A expiação capacita-nos a solucionar o proble­
ma do pecado.
D) A existência da desordem m oral conseqüente dos atos livres da vontade
hum ana, portanto, m uda a pressuposição contra os m ilagres em pressuposição
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
195
em seu favor. O não aparecim ento dos m ilagres, neste caso, seria a m aior das
m aravilhas.
S tearns , Evidence of Christian Experience, 331-335 - Deste modo, a cons­
ciência pessoal que o homem sente a respeito do pecado e acima de tudo a
sua experiência pessoal da graça regeneradora, constituirá a melhor prepa­
ração para o estudo dos milagres. “Não se pode provar o cristianismo a não
ser para uma consciência má”. Com precisão disse o moribundo V inet :
“O maior milagre que eu conheço é a minha conversão. Eu estava morto e
estou vivo; era cego e vejo; era escravo e sou liberto; era inimigo de Deus e
amo-o; a oração, a Bíblia, a comunhão dos cristãos eram para mim a fonte do
profundo ennui (tédio); agora são os prazeres do mundo que me entediam e
a piedade é a fonte de toda a minha alegria. Eis o milagre! E se Deus foi
capaz de operá-lo, nada há de que ele seja incapaz”.
Contudo os elementos físico e moral não são “como que separados por
um machado”. A natureza é apenas um estágio inferior ou uma forma imper­
feita da revelação da verdade, da santidade e do amor de Deus. Ela abre o
caminho para o milagre sugerindo, embora de forma obscura, as mesmas
caraterísticas essenciais da natureza divina. A ignorância e o pecado preci­
sam de um novo descortino. G. S. L ee, The Shadow Christ, 84 - “A coluna de
nuvem era a lâmpada noturna obscura que o Senhor conservava queimando
acima dos seus infantes para mostrar-lhes que ele estava ali. Eles não sabi­
am que a çrópria noite era Deus”. Por que temos presentes de Natal em lares
cristãos? É porque os pais não amam os seus filhos em outros tempos? Não;
mas é porque a mente se torna preguiçosa ante a generosidade meramente
regular e há necessidade de dons especiais a despertar-lhe a gratidão. Deste
modo, as nossas mentes preguiçosas e desamorosas necessitam de teste­
munhos especiais sobre a misericórdia divina. Será que só Deus silencia para
as tolas uniformidades de ação? Será que só o Pai celeste é incapaz de pro­
duzir comunicações especiais de amor? Então, por que os milagres e avivamentos da religião não são constantes e uniformes? Porque as bênçãos uni­
formes seriam consideradas simplesmente mecânicas.
E)
Com o a crença na possibilidade dos m ilagres se apoia na nossa crença
na existência de um D eus pessoal, assim a crença n a probabilidade dos m ila­
gres se apoia na nossa crença de que D eus é um ser m oral e benevolente.
A quele que não tem nenhum Deus, a não ser um Deus de ordem física consi­
derará os m ilagres com o um a im portante introm issão na referida ordem. Mas
aquele que cede ao testem unho da consciência e considera Deus com o o Deus
de santidade verá que a falta de santidade do hom em to m a a interposição
m iraculosa de Deus m ais necessária ao hom em e m ais apropriada a Deus.
N osso ponto de vista sobre os m ilagres, portanto, será determ inado pela nossa
crença em um Deus m oral, ou am oral.
F ilo , Life of Moses, 1.88, fa la n d o d o s m ila g re s d a s co d o rn ize s e da á g ua
que jo rrou da rocha, diz que “tod as estas in e sp e ra d a s e extrao rdinárias coisas
196
A ugustus H opkins Strong
são divertimentos e brinquedos de Deus”. Ele crê que há lugar para arbitrarie­
dade no procedimento divino. Contudo, a Escritura representa o milagre como
um ato extraordinário e não arbitrário. É “a sua obra, a sua estranha obra ... o
seu ato, o seu estranho ato” (Is. 28.21). O método extraordinário de Deus é
o do crescimento e desenvolvimento regulares. C hadwick , Unitarianism, 72 “A natureza é econômica. S e ela quer uma maçã, desenvolve uma folha;
se quer um ramo, desenvolve uma vértebra. Sempre formulamos um bom
pensamento a respeito da coluna vertebral; e se foi uma sugestão sadia de
Goethe, agora pensamos melhor a respeito dela”.
É prático, mas bem errôneo, admitir que o milagre requer um exercício
maior de poder do que aceitarem-se os processos comuns naturais da parte
de Deus. Porém as nossas medidas de tal poder não se aplicam a um Ser
onipotente. A questão não se prende ao poder, mas à racionalidade e ao
amor. O milagre implica uma limitação, bem como um desdobramento da parte
daquele que o opera. Por isso não se trata de um método de ação divina
comum; é adotado somente quando não bastam os regulares; freqüentemen­
te parece acompanhado de um sacrifício de sentimento da parte de Cristo
(Mt. 17 .17 - “Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco e
até quando vos sofrerei? Trazei-mo aqui”; Mc. 7.34 - “levantando os olhos ao
céu, suspirou e disse: Efatá, isto é, abre-te”; cf. Mt. 12.39 - “Uma geração má
e adúltera pede um sinal, porém não se lhe dará outro sinal, senão o do
profeta Jonas”.
F)
Do ponto de vista do m onism o ético a probabilidade do m ilagre tom a-se
ainda maior. Porque D eus não é sim plesm ente a razão intelectual, mas a razão
m oral do m undo, as perturbações na sua ordem devidas ao pecado são m atéria
que o afetam m ais profundam ente. Cristo, a vida do sistem a todo, assim com o
a hum anidade, deve sofrer; e porque tem os evidência de que ele é m isericor­
dioso e ju sto é provável que ele retificará o m al através de recurso extraordi­
nário quando não forem suficientes os recursos sim plesm ente ordinários.
Como a criação e a providência, como a inspiração e a regeneração, o
milagre é uma obra em que Deus limita-se a si mesmo, através de um novo e
peculiar exercício do seu poder, como parte de um processo de amor con­
descendente e como recurso para ensinar a humanidade sob o senso do
ambiente e o fardo do pecado o que não aprenderia de outro modo. Contudo,
a limitação própria é a própria perfeição e glória de Deus, porque sem ela
nenhum amor que a si mesmo se sacrifica seria possível [v e r p. 9 F). Por isso,
defende-se a probabilidade dos milagres não só a partir da santidade de Deus,
mas também do seu amor. O seu desejo de salvar os homens dos seus pecados
deve ser de natureza infinita. A encarnação, a expiação, a ressurreição, quan­
do se nos tomam conhecidas, recomendam-se, não só como satisfação das
nossas necessidades humanas, mas como dignas da perfeição moral de Deus.
Um argumento em favor da probabilidade do milagre pode ser tirado das
concessões deTHOMAS H. H uxley, um dos seus principais opositores modernos.
Em diferentes lugares, ele nos diz que o objetivo da ciência é “a descoberta
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
197
da ordem racional que permeia o universo!^ apesar do seu agnosticismo
declarado é um testemunho inconsciente da Razão e Vontade, base de todas
as coisas. Diz-nos, ainda, que não há necessidade alguma na uniformidade
da natureza: “Quando mudamos ‘faremos’ por ‘devemos’, introduzimos uma
idéia de necessidade que não tem nenhuma garantia nos fatos observados, e
nem de que eu posso descobri-la em parte alguma”. Ele fala da “iniqüidade
infinita que assistiu o curso da história humana”. Contudo, não tem esperan­
ça de que o homem possa salvar-se a si mesmo: “Eu gostaria de, em breve,
adorar a selvageria dos macacos”, como a concepção panteísta de humani­
dade racionalizada. Ele admite que Jesus Cristo é “o mais nobre ideal que a
humanidade jamais adorou”. Por que ele não avançou e admitiu que Jesus
Cristo com muito maior veracidade representa a Razão infinita no cerne das
coisas e que a sua pureza e amor, demonstrados através do sofrimento e da
morte tornam provável que Deus empregará extraordinários recursos em
favor do livramento do homem? É de duvidar que H u x l e y reconhecesse a sua
própria pecaminosidade pessoal tão plenamente como reconhecia a da
humanidade em geral. Fizesse ele isso, e teria desejado aceitar o milagre até
mesmo apoiado na mais leve base atribuída por Hume, a qual passaremos
doravante a mencionar.
4. O testem unho necessário p a ra p ro v a r um m ilagre
Não é m aior do que o requisito para provar a ocorrência de qualquer outro
evento incom um , m as perfeitam ente possível.
H ume, na verdade, argum entava que o m ilagre é tão contraditório a toda a
experiência hum ana que é m ais razo ável crer em qualquer som a de falso teste­
munho do que crer que um m ilagre seja possível.
A forma original do argumento pode ser encontrada em H u m e , Philosophical
Works, 4.124-150. Ver também Bíblia Sacra, out. 1867.615. O argumento
sustenta, em substância, que as coisas são impossíveis porque são imprová­
veis. Ele ridiculariza a credulidade daqueles que “comprimem os seus
punhos contra os postes E ainda insistem em ver os espíritos”, apoia o filóso­
fo alemão que declara não crer em milagre mesmo que veja com os seus
próprios olhos. O cristianismo é tão miraculoso que produz o milagre para
fazer alguém crer nele.
O argum ento é falaz porque:
a ) É acusável de petitio principi, fazendo a nossa experiência pessoal a
m edida de toda a experiência hum ana. O m esm o princípio tom aria im possível
a prova de qualquer fato novo. M esm o operando um m ilagre, Deus nunca o
poderia provar.
b) Envolve um a autocontradição porque procura derrotar a nossa fé no
testem unho hum ano acrescentando ao contrário a experiência geral dos homens
198
Augustus H opkins Strong
de que conhecem os só a partir do testem unho. Tal experiência geral, contudo,
é sim plesm ente negativa e não pode neutralizar a que é positiva a não ser
apoiada em princípios que invalidariam todo o testem unho qujalquer que seja.
c)
R equer crença em um a m aravilha m aior do que aquelas que escapariam .
Q ue a m ultidão de hom ens inteligentes e honestos se uniriam contra todos os
seus interesses na deliberada e persistente falsidade sob as circunstâncias narra­
das no registro do N ov o T estam ento, envolve u m a m udança nas seqüências da
natureza bem m ais incríveis do que os m ilagres de C risto e de seus apóstolos.
a) John S t u a r t M ill, Essays on Theism , 2 1 6 - 2 4 1 , admite que, mesmo que
tivesse ocorrido um milagre, seria impossível prová-lo. Nisto ele só repete
Hume, Miracles, 1 1 2 - “O padrão último através do qual determinamos todas
polêmicas que podem surgir derivam sempre da experiência e da observa­
ção”. Porém neste ponto a nossa experiência pessoal torna-se o padrão atra­
vés do qual se julga toda experiência humana. W hate ly, Hist. Doubts, relati­
vas a Napoleão Bonaparte, m ostra que a m esm a regra exigiria que
negássemos a existência do grande francês, porque as conquistas dele con­
trariam toda experiência e as nações civilizadas nunca tinham sido subjuga­
das anteriormente. O Periódico Londrino de 18 de junho de 1888, pela primei­
ra vez em pelo menos cem anos ou em 3 1 . 2 0 0 edições, apareceu com a data
errada e em algumas páginas lia-se 17 de junho apesar de que esse dia era
domingo. Contudo esse jornal o teria admitido em uma corte de justiça como
evidência de um casamento. A verdadeira maravilha não é a falha na expe­
riência, mas a sua continuidade sem a falha.
b) L yman A bbott : “S e o Velho Testamento contasse a história de uma bata­
lha naval entre o povo judeu e um pagão, em que todos os navios dos pagãos
fossem absolutamente destruídos e nenhum só homem entre os judeus foi
morto, todos os céticos teriam escarnecido da narrativa. Agora todos crêem
na narrativa, exceto os que moram na Espanha” (Trata-se do fato histórico da
Invencível Armada). Há pessoas que, de igual modo, recusam-se a investigar
os fenômenos do hipnotismo, segundo a vista, a clarividência e a telepatia,
declarando a priori que todas essas coisas são impossíveis. Desacredita-se a
profecia no sentido de predição. Com base no mesmo princípio, o telégrafo
sem fio poderia ser denunciado como uma impostura. O filho de Erin, acusa­
do de homicídio, defendeu-se dizendo: “Meritíssimo, eu posso trazer cinqüenta
pessoas que não me viram cometer tal ato”. A nossa fé no testemunho não
pode dever-se à experiência.
5. F o rç a E videnciai dos M ilag res
a)
Os m ilagres são os acessórios e atestados naturais das novas com unica­
ções da parte de Deus. As grandes épocas dos m ilagres - representadas por
M oisés, pelos profetas, pela prim eira e pela segunda vindas de Cristo - coin­
cidem com as grandes épocas da revelação. Os m ilagres servem para atrair a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
199
atenção para um a nova verdade e cessam quando esta nova verdade ganhou
curso e apoio.
Os milagres não estão disseminados uniformemente em todo o curso da
história. Poucos são registrados durante os 2.500 anos no período entre Adão
e Moisés. Quando o Cânon do Novo Testamento se completou e a evidência
interna da Escritura atingiu a plenitude da sua força, os atestados exteriores
através do milagre ou são afastados ou começam a desaparecer. As maravi­
lhas espirituais da regeneração permanecem e por estas o caminho tem sido
preparado pelo longo progresso desde os milagres do poder operado por
Moisés até os da graça operados por Cristo. Os milagres desapareceram
porque mais recentes e mais elevadas provas os tornaram desnecessários.
Melhores coisas do que estas estão agora em evidência. T homas F uller :
“Milagres são cueiros da igreja infante”. J ohn F oster : “Os milagres são o grande
sino do universo que convoca os homens para o sermão de Deus”. H enry
W ard B eecher : “ O s milagres são as parteiras das grandes verdades morais;
as velas acendem antes do nascer do sol, mas apagam-se após o seu apa­
recimento”. Illingworth , Lux Mundi, 2 10 - “Quando nos dizem que os mila­
gres contradizem a experiência, apontamos para a ocorrência diária do
milagre espiritual da regeneração e perguntamos: ‘Que é mais fácil? Dizer
ao paralítico: Perdoados te são os teus pecados, ou: Levanta-te e anda?’
(Mt. 9.5)”.
Os milagres e a inspiração caminham juntos; se aqueles permanecem na
igreja, esta também. A. J. G ordon , Ministry o fth e Spirít, 167 - “Os apóstolos
foram comissionados para falar por Cristo até que as Escrituras do N.T., voz
de autoridade dele, se completassem; o primeiro ser dotado de autoridade ad
interim para perdoar pecados, e o segundo com autoridade in perpetud'.
O Dr. Gordon traça uma analogia entre o carvão, que é a luz solar fossilizada,
e o Novo Testamento que é a inspiração fossilizada. S abatier , Philos. Religion, 74 - “A Bíblia está bem livre dos prodígios da mitologia oriental. Os gran­
des profetas - Isaías, Amós, Miquéias, Jeremias, João Batista, não operaram
nenhum milagre. A tentação de Jesus no deserto é uma vitória da consciên­
cia moral sobre a religião do mero prodígio físico”. T rench diz que os milagres
agrupam-se em torno da fonte do reino teocrático sob o governo de Moisés e
de Josué, e em torno da restauração desse reino sob Elias e Eliseu. No A.T.,
os milagres refutam os deuses do Egito sob Moisés, o Baal fenício sob Elias
e os deuses da Babilônia sob Daniel.
b)
Os m ilagres geralm ente certificam a verdade da doutrina não direta,
mas indiretam ente; de outra form a um novo m ilagre necessitaria acom panhar
cada nova doutrina ensinada. Os m ilagres, em prim eiro lugar e diretam ente,
certificam a com issão e autoridade divinas de um m estre religioso e, portanto,
garantem a aceitação das suas doutrinas e aceitação das ordens de Deus, quer
sejam com unicadas em intervalos, quer juntos, oralm ente ou em docum entos
escritos.
200
A ugustus H opkins Strong
As exceções do que se afirmou acima são bem poucas e ocorrem apenas
em casos que não envolvem alguma doutrina fragmentária, mas toda comis­
são e autoridade de Cristo. Jesus apeia para os seus milagres como prova da
verdade do seu ensino em M t. 9.5,6 - “Que é mais fácil? Dizer ao paralítico:
Perdoados te são os teus pecados, ou: Levanta-te e anda? Ora, para que
saibais que o Filho do Homem tem na terra autoridade para perdoar pecados
- disse então ao paralítico: Levanta-te, toma a tua cama e vai para a tua
casa”; 12.28 - “se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, é conse­
quentemente chegado a vós o Reino de Deus”. Do mesmo modo Paulo em
Rm. 1.4 diz que Jesus “foi declarado Filho de Deus em p o d er... pela ressur­
reição dos mortos”. M a ir , Chrístian Evidences, 223, cita de Natural Religion,
181 - “Conta-se que o teofilântropo Larévellière-Lépeaux confidenciou a
Talleyrand seu desapontamento com o insucesso na tentativa de trazer à voga
um tipo de cristianismo melhorado, um tipo de racionalismo benévolo, que ele
inventara para ir ao encontro dos anseios de uma era benévola. ‘Sua propa­
ganda não vingou’, disse ele. ‘O que teria acontecido’? perguntou. O ex-bispo
Talleyrand educadamente lamentou, temeu ser difícil a tarefa de descobrir
uma nova religião, e mais difícil do que imaginava, tão difícil que não tinha
condições de aconselhá-lo. ‘Ainda’, depois de alguns momentos de reflexão,
‘há um plano que você poderia pelo menos tentar: Eu recomendaria que você
fosse crucificado e ressuscitasse ao terceiro dia”.
c)
Portanto, os m ilagres, não são as únicas evidências. O poder sozinho
não prova a com issão divina. A pureza da vida e a doutrina devem acom pa­
nhar os m ilagres para garantir-nos que um m estre religioso veio da parte de
Deus. Os m ilagres e a doutrina sustentam -se um ao outro e fazem parte de um
todo. A evidência interna do sistem a cristão pode ter m aior força em certas
m entes e em certas épocas do que a evidência externa.
O aforismo de Pascal - “as doutrinas devem ser julgadas pelos milagres e
os milagres pelas doutrinas” - necessita de ser suplementado pela afirmação
de M ozley de que “um fato sobrenatural é a própria prova de uma doutrina
também sobrenatural, conquanto esta não é a própria prova de um fato
sobrenatural”. E. G. R obinson , Chrístian Theology, 107, “defende os milagres,
mas não faz deles um apoio para o Cristianismo. ... Quantidade nenhuma de
milagres pode convencer um bom homem da comissão divina de um homem
reconhecidamente mau; nem, por outro lado, qualquer tipo de poder mira­
culoso basta para silenciar as dúvidas de um ser humano de má índole.
... O milagre é uma certificação só para aquele que pode perceber o seu
sentido. ... A igreja cristã tem em si a ressurreição sobrescrita. Sua própria
existência é a prova da ressurreição. Doze homens nunca poderiam tê-la fun­
dado, se Cristo tivesse permanecido na tumba. A igreja viva é a sarça ardente
que não se consumiu”. G ore , Incarnation, 57 - “Após a ressurreição, Jesus
não apareceu aos incrédulos, mas só aos crentes, o que significa a coroação
de uma fé já existente, não a criação de uma fé que não existia”.
Chrístian Union, 11 de jul. de 1891 - “S e a antecipada ressurreição de
Joseph Smith tivesse ocorrido, nada acrescentaria à autoridade dos Mórmons”.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
201
S churman , Agnosticism and Religion, 57 - “Os milagres são apenas sinos a
chamar os povos primitivos para a igreja. Doces como a música que outrora
faziam, os ouvidos modernos os acham desagradáveis e desentoados e suas
notas dissonantes afugentam almas piedosas que, resignadas, entrariam no
templo de adoração”. Uma nova definição de milagre que reconhece sua pos­
sível classificação como ocorrências extraordinárias na natureza, embora ven­
do em toda ela a obra do Deus vivo, pode remover tal preconceito. B ispo d e
S outhampton , Place of Miracles, 53 - “Sozinhos, os milagres não podem pro­
duzir convicção. Os fariseus os atribuíam a Belzebu. Embora Jesus tivesse
feito tantos sinais, não creram. ... Embora fossem operados com tanta fre­
qüência, raramente constituíam-se um apelo para a evidência do evangelho.
Eram apenas sinais da presença de Deus no mundo. Por si só o milagre não
tem força evidenciai. O único teste distintivo dos milagres divinos em oposi­
ção aos satânicos é o caráter moral e o propósito de quem os opera; em vista
disto, por sua força na apreciação anterior, os milagres dependem do caráter
e personalidade de Cristo (79). Os mais antigos apologistas não se valiam
dos milagres. Estes não tinham valor a não ser em conexão com a profecia.”
Os milagres são a revelação de Deus não a sua prova.
C ontudo, os m ilagres cristãos não perdem o seu valor evidenciai no
correr dos tem pos. Quanto m ais elevada for a estrutura da vida e da doutrina
cristãs m aior a necessidade da sua segurança. A autoridade de Cristo com o
m estre de verdade sobrenatural apoia-se em seus m ilagres e especialm ente no
da sua ressurreição. O m ilagre a que a igreja rem onta com o a fonte da sua vida
leva consigo irresistivelm ente todos os outros m il registrados na Escritura; só
nele podem os firm ar com segurança a prova de que as Escrituras são um a
revelação de autoridade da parte de Deus.
d)
Os milagres de Cristo são simples correlatos da Encarnação - a própria
insígnia da sua realeza e divindade. Contudo, através da mera evidência
externa podemos mais facilmente provar a ressurreição do que a encarna­
ção. Em nossos argumentos para com os céticos não devemos começar com
a jumenta de Balaão, ou o peixe que engoliu Jonas, mas com a ressurreição
de Cristo; admitido isto, todos os outros milagres bíblicos parecerão apenas
preparação natural, acessórios, ou conseqüências. G. F. W right , Biblia
Sacra , 1889.707 - “As dificuldades criadas pelo caráter miraculoso do cristia­
nismo podem ser comparadas às assumidas pelo construtor quando se dese­
ja grande permanência na estrutura que foi levantada. É mais fácil lançar o
alicerce de uma estrutura temporária do que a de uma que deve resistir por
séculos”. P ressencé: “A tumba vazia de Cristo foi o berço da igreja e, se neste
fundamento da fé a igreja tem-se equivocado, afirmo que ela deve ter neces­
sidade de lançar-se junto aos restos mortais, não de um homem, mas de uma
religião”.
P residente S churman crê que a ressurreição de Cristo seja um “quadro
obsoleto de uma verdade eterna - o fato de uma vida contínua com Deus.
H arnack , Wesen des Christenthums, 102, pensa que não há nenhuma união
202
A ugustus H opkins Strong
consistente dos relatos da ressurreição de Cristo contidos nos evangelhos;
aparecem dúvidas sobre uma ressurreição literal e física; contudo, o cristia­
nismo remonta a uma fé invencível na vitória de Cristo sobre a morte. Mas por
que crer nos evangelhos quando falam da simpatia de Cristo e descrer deles
quando falam do poder miraculoso? Não temos direito de confiar na narrativa
quando nos apresentam as palavras de Cristo “Não chores” à viúva de Naim,
(Lc. 7.13), e desconfiar dela quando nos fala da ressurreição do seu filho.
As palavras “Jesus chorou" pertencem inse^aravelmente à história de que
faz parte a expressão “Lázaro, sai para fora” (Jo. 11.25,43). É improvável que
os discípulos tivessem crido num tão estupendo milagre como o da ressurrei­
ção de Cristo, se não tivessem antes visto outras manifestações do poder
miraculoso da parte dele. O próprio Cristo é o grande milagre. A sua con­
cepção como o Salvador ressurrecto e glorificado só pode ser explicada pelo
fato de que ele ressuscitou. E. G. R obinson , Theology, 109 - “A igreja atesta o
fato da ressurreição exatamente do mesmo modo que atesta a origem divina
da igreja. Como uma evidência, a ressurreição depende da existência da igreja
que a proclama”.
e)
A ressurreição do N osso Senhor Jesus Cristo - pela qual significam os a
saída do sepulcro em corpo e em espírito - é dem onstrada pela evidência
com o variada e conclusiva que nos prova qualquer fato da história antiga.
Sem ela o próprio cristianism o é inexplicável com o a falha das m odernas teo­
rias racionalistas m ostram no seu aparecim ento e progresso.
Ao discutir a evidência da ressurreição de Jesus, defrontamo-nos com
três teorias racionalistas:
I. Teoria do desmaio, de Strauss. Ele sustenta que Jesus na verdade não
morreu. O frio e as especiarias despertaram-no. Respondemos que o sangue
e a água e o testemunho do centurião (Mc. 15.45) provam que ele estava
realmente morto. A pedra removida e a força imediata de Jesus logo depois,
são inconsistentes com o desmaio e suspensa animação imediatamente
antes. Como foi preservada a sua vida? aonde ele foi? quando ele morreu? a
não morte dele implica mentira da parte dele ou da parte dos seus discípulos.
II. Teoria do espírito, de Keim. Na verdade morreu, mas apareceu apenas
o seu espírito. O espírito deu aos discípulos um sinal da sua vida contínua,
uma espécie de telegrama do céu. Porém respondemos que o telegrama não
foi verdadeiro porque afirmou que o seu corpo ressuscitou do sepulcro.
O sepulcro estava vazio e as peças de linho mostraram uma saída ordeira.
O próprio Jesus negou que fosse um espírito sem corpo: “um espírito não tem
carne nem ossos, como vedes que eu tenho (Lc. 24.39). A “sua carne viu
corrupção” (At. 2.31)? O ladrão arrependido ressuscitou dos mortos como
ele? G odet , Lectures in Defence o fth e Chrístian Faith, prel. i: Um dilema para
os que negam o fato da ressurreição de Cristo: ou o seu corpo permaneceu
nas mãos dos seus discípulos ou foi entregue aos judeus. Se os discípulos o
retivessem, seriam impostores: mas os racionalistas modernos não defen­
dem isto. S e os judeus o retiveram, por que não o apresentaram como evi­
dência contra os discípulos?
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
203
111.
Teoria da visão, de R enan. Jesus morreu e não houve nenhuma apari­
ção objetiva até mesmo do seu espírito. Maria Madalena foi vítima de alucina­
ção subjetiva contagiante. Isto ocorreu porque os judeus esperavam que o
Messias operasse milagres e que ressuscitaria dentre os mortos. Responde­
mos que os discípulos não esperavam a ressurreição de Jesus. As mulheres
não foram ao sepulcro para ver o Redentor ressuscitado, mas para embalsa­
mar um corpo morto. Tomé e os que çaminhavam para Emaús abandonaram
toda esperança. Quatrocentos anos tinham-se passado desde os dias
dos milagres; João Batista “não fez nenhum sinal” (Jo. 10.41); os saduceus
diziam “não haver ressurreição” (Mt. 22.23). Houve treze aparições diferen­
tes: 1. a Maria Madalena; 2. a outras mulheres; 3. a Pedro; 4. aos caminhan­
tes de Emaús; 5. aos doze; 6. novamente, após oito dias, aos doze; 7. junto
ao mar da Galiléia; 8. na montanha na Galiléia; 9. a quinhentas pessoas na
Galiléia; 10. a Tiago; 11. ascensão em Betânia; 12. a Estêvão; 13. a Paulo, no
caminho de Damasco. Paulo descreve o aparecimento de Cristo a ele como
algo não subjetivo, mas objetivo e implica que os aparecimentos anteriores
de Cristo aos outros também foram objetivos: “por derradeiro de todos [os
aparecimentos físicos], ... me apareceu também a mim” (1 Co. 15.8). Bruce,
Apologetics, 396 - “O interesse e intenção de Paulo em classificar ambas
juntas era nivelar a sua própria visão [de Cristo] à objetividade das cristofanias
primitivas. Ele cria que os onze, particularmente Pedro, tinham visto o Cristo
ressurrecto com os olhos do seu corpo e reivindicava para si uma visão do
mesmo tipo”. Paulo tinha uma natureza sã e forte. Visões subjetivas não trans­
formam vidas humanas; a ressurreição moldou os apóstolos; eles não cria­
ram a ressurreição. Tais aparições logo cessaram, diferentemente da lei das
alucinações, que aumentam em freqüência e intensidade. É impossível expli­
car as ordenanças, o dia do Senhor, e até o próprio cristianismo, se Jesus
não ressuscitou dentre os mortos.
A ressurreição de nosso Senhor ensina três importantes lições: 1) Mostra
que a sua obra da expiação completou-se e obteve a aprovação divina:
2) Que ele é o Senhor de tudo e que deu uma suficiente prova externa do
cristianismo; 3) Forneceu a base e penhor da nossa ressurreição e deste
modo “trouxe à luz a vida e a incorrupção” (2 Tm. 1.10). Convém lembrar que
a ressurreição foi o único sinal sobre o qual o próprio Jesu s apoiou as suas
reivindicações - “o sinal de Jonas” (Lc. 11.29); e que a ressurreição não é só
uma prova do poder de Deus, mas do poder do próprio Cristo: Jo. 10 .18 “tenho poder para a dar e para tornar a tomá-la”; 2 .19 - “Derribai este templo,
e em três dias o levantarei”. ... 21 - “ele falava do templo do seu corpo”.
6. F alsos M ilagres
P orque só um ato operado por Deus pode, com propriedade, ser cham ado
de m ilagre, segue-se que os eventos surpreendentes operados pelos espíritos
m aus ou por hom ens através do uso de agentes além do nosso conhecim ento
não têm o direito a esta designação. As Escrituras reconhecem a sua existên­
cia, m as os cham am de “prodígios de m entira” (2 Ts. 2.9).
204
A ugustus H opkins Strong
Estes falsos m ilagres em várias épocas m ostram que a crença neles é natu­
ral à raça e em algum lugar deve existir a verdade. Servem para m ostrar que
nem todas ocorrências sobrenaturais são divinas e m ostrar a necessidade de
cuidadoso exam e antes de aceitá-las com o divinas.
Os falsos m ilagres com um ente podem distinguir-se dos verdadeiros: d) pela
conduta im oral que os acom panha ou doutrina contrária à verdade já revelada
- com o no espiritism o m oderno; V) por suas características interiores de inanidade e extravagância - com o na liquefação do sangue de São Januário, ou
nos m ilagres do N ovo Testam ento A pócrifo; c) pela insuficiência de objetivos
que se propõem a prom over - com o no caso de A polônio de Tiana, ou dos
m ilagres que se dizem acom panhar a publicação das doutrinas da Im aculada
C m ceã çãa e. <ia.
«s». feAtók
- com o nos m ilagres m edievais tão raram ente atestados pelas testem unhas
contem porâneas e desinteressadas; e ) pela negação ou subestim a da prévia
revelação que Deus faz de si m esm o na natureza - m ostrada pela negligência
dos m eios com uns com o no caso da cura pela fé e da assim cham ada C iência
Cristã.
Somente o que é valioso é passível de falsificação. Os falsos milagres
pressupõem os verdadeiros. F isher , Nature and Method of Revelation, 283 “Os milagres de Jesus originaram fé, enquanto as imitações medievais vie­
ram depois que a fé já se estabelecera. Os apóstolos deram o seu testemu­
nho em face da incredulidade dos saduceus. Por causa disto estes ridiculari­
zavam e maltratavam. Não havia tempo para sonhos devotos e invenção de
romances”. Conta-se que o sangue de São Januário estava depositado numa
salva que, de um lado do vidro era grosso, enquanto do outro era fino. Sem e­
lhante milagre operou-se em Hales em Gloucestershire. Santo Albano, o pri­
meiro mártir da Bretanha depois de decepada a cabeça, levou-a em sua mão.
Na Irlanda, mostra-se o lugar onde São Patrício no século quinto dirigiu os
sapos e cobras sobre um precipício nas regiões inferiores. A lenda, contudo
só se tornou corrente alguns séculos depois que os ossos dos santos se
esmigalharam no pó de Saulo, perto de Downpatrick. Compare com a história
do livro de Tobias (6-8), que relata a expulsão de um demônio pela fumaça de
um coração queimando e o fígado de um peixe apanhado no Rio Tigre e a do
Apócrifo do Novo Testamento (I, Infância), que fala do menino Jesus expul­
sando, de Judas, Satanás na forma de um cachorro louco.
Alguns escritores modernos têm sustentado que o dom dos milagres ainda
permanece na igreja. Bengel: “A razão por que muitos milagres não se ope­
ram agora não é tanto porque a fé já se estabeleceu, mas porque reina a
incredulidade". C hristlieb : “Atualmente o maior embaraço ao mais notável
aparecimento desse miraculoso poder que circunstancialmente opera na ocultação silenciosa é a falta de fé. A incredulidade é a razão final e mais impor­
tante para o retrocesso dos milagres”. E dward I rving , Works, 5.464 - “A doen­
ça é o pecado que aparece no corpo, e o pressentimento da morte, precursora
T e o l o g i a S is t e m á t ic a
da corrupção. Ora, como Cristo veio para destruir a morte, e quer redimir o
corpo da escravidão da corrupção, se a igreja tem as primícias ou o penhor
deste poder, é porque recebe o poder sobre as enfermidades e sobre o penhor
da morte".
Em resposta aos que defendem a cura pela fé em geral devemos admitir
que a natureza é plasmável nas mãos de Deus; que ele pode operar milagres
quando e onde lhe apraz; e que ele prometeu, com certas limitações bíblicas
e racionais, estimular a oração da fé na cura de enfermidades. Mas inciinamo-nos a crer que, ultimamente, Deus responde tal oração, não através de
um milagre, mas de uma providência especial e de incentivo, fé e vontade,
agindo desta forma diretamente através do seu Espírito sobre a alma e só
indiretamente sobre o corpo. As leis da natureza são, genericamente a vonta­
de de Deus; ignorá-las e desusá-las significa presunção e desrespeito ao
próprio Deus. A promessa da Escritura quanto à fé sempre é expressa e
subentende o emprego dos recursos à disposição: devemos operar a nossa
salvação pela mesma razão que é Deus quem a opera em nós; não adianta
ao homem que está se afogando orar se ele se recusa a segurar a corda que
lhe é lançada. Os remédios e os médicos são a corda que Deus nos lança;
não podemos esperar um auxílio milagroso, enquanto negligenciarmos o
auxílio que Deus já nos deu; recusar este auxílio é praticamente negar a reve­
lação de Cristo na natureza. Por que não vivemos sem comer do mesmo
modo em que pretendemos recuperar a saúde sem tomar remédio? A fé na
alimentação é tão racional como a fé na cura. Excetuar casos de doença a
partir desta regra geral quanto ao emprego dos meios não tem nenhuma
garantia nem na razão nem na Escritura. A expiação comprou a salvação
completa e a qualquer dia a salvação será nossa. Mas a morte e a depravação ainda continuam, não como uma pena, mas como um castigo. O mesmo
acontece com a doença. Hospitais para doenças incuráveis e a morte mesmo
para os que defendem a cura pela fé mostra que eles também são compeli­
dos a reconhecer um limite à aplicação da promessa do Novo Testamento.
Com base na discussão anterior não devemos considerar a assim chama­
da Ciência Cristã nem cristã nem científica. A S r a . M a r y B a k e r G. E d d y nega a
autoridade de toda aquela parte da revelação que Deus fez ao homem na natu­
reza, e que sustenta que as leis da natureza podem ser desconsideradas com
impunidade pelos que têm apropriada fé. B i s p o L a w r e n c e de Massachusetts:
“Um dos erros da Ciência Cristã é a negligência do conhecimento acumulado,
do fundo de informação armazenado nestes séculos cristãos. Tal conheci­
mento é tão magnífica dádiva de Deus como a obtida através da revelação
direta. Ao rejeitar o conhecimento acumulado e a capacidade profissional, a
Ciência Cristã rejeita o dom de Deus”. As professadas curas da Ciência Cris­
tã são, na maioria, explicáveis pela influência da mente sobre o corpo, atra­
vés da hipnose ou da sugestão. Os distúrbios mentais podem tornar o leite
materno um veneno para o filho; a excitação mental é causa comum da indi­
gestão; a depressão mental induz a desarranjos intestinais; a mente deprimi­
da e as condições morais tornam uma pessoa suscetível à gripe, à pneumo­
nia, à febre tifóide. Lendo o relato de um acidente no qual o corpo é dilacerado
ou mutilado, sentimos a dor no mesmo lugar em nós mesmos; quando a mão
de um filho é esmagada, a da mãe, embora a certa distância incha; os stigmata
205
A ugustus H opkins Strong
206
medievais resultaram, provavelmente, da impressão contínua dos sofrimen­
tos de Cristo.
Porém os estados mentais tanto podem prejudicar como podem ajudar o
corpo. A esperança mental facilita a cura da enfermidade. O médico auxilia o
paciente inspirando-lhe esperança e coragem. A imaginação opera maravi­
lhas especialmente no caso de perturbações nos nervos. Dizem que a Ciên­
cia Cristã cura as enfermidades deste tipo. De tempo em tempo os faquires,
os mesmerianos e os impostores têm empregado estes recursos das forças
mentais subjacentes. Induzindo a expectação, inculcando coragem, desper­
tando a vontade paralisada, indiretamente têm causado mudanças físicas que
se confundem com o milagre. T ácito nos fala da cura de um cego pelo impe­
rador Vespasiano. Sem dúvida as curas têm sido operadas pelo toque real na
Inglaterra. Visto que tais maravilhas têm sido feitas pelos íridios curandeiros,
não podemos considerá-los como se tivessem qualquer caráter cristão espe­
cífico e quando, como no caso atual, vemo-lo utilizado na disseminação de
uma falsa doutrina a respeito do pecado, de Cristo, da expiação e da igreja,
devemos classificá-los como “prodígios de mentira” de que há advertência
em 2 Ts. 2.9.
IV. P R O F E C IA AT E ST AN D O U M A R E V E L A Ç Ã O D IV IN A
C onsideram os profecia no seu sentido estrito de sim ples predição, reser­
vando para um capítulo subseqüente sua consideração com o interpretação da
vontade divina em geral.
1. D efinição
Profecia é a predição de eventos futuros em virtude da com unicação direta
de Deus - predição, portanto, que, apesar de não contrariar quaisquer leis da
m ente hum ana, se plenam ente conhecidas, sem a atuação divina, não se expli­
cariam suficientem ente.
Ao discutir o assunto da profecia, enfrentamos, logo no começo, a contro­
vérsia de que não há e nunca houve, predição real de eventos futuros além
do que é possível à presciência natural. Este é o ponto de vista de K uenen ,
Prophts and Profecy in Israel. P fleiderer , Philos. Relig., 2.42, nega qualquer
predição direta. A profecia em Israel, sugere ele, é somente a consciência da
retidão de Deus proclamando os seus ideais do futuro e declarando que a
vontade de Deus é o ideal moral do bem e da lei da história do mundo, de
modo que a sorte das nações condiciona-se à atitude para com o propósito
de Deus: “O erro fundamental da apologética vulgar é que ela confunde pro­
fecia com a adivinhação dos pagãos - salvação nacional sem caráter”. W.
R obertson S mith , Encyc. Britannica, 19.821, diz-nos que a “predição porme­
norizada ocupa um lugar bem secundário nos escritos dos profetas; ou, ao
invés disto, na verdade, o que parece serem predições em pormenores são,
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
via de regra, apenas livres ilustrações poéticas de princípios históricos, que
nem receberam, nem demandaram um cumprimento exato”.
Como no caso dos milagres, nossa fé em um Deus imanente, que não é
outro senão o Logos ou o grande Cristo, dá-nos um ponto de vista a partir do
qual podemos harmonizar as controvérsias dos naturalistas e sobrenaturalistas. Profecia é um ato imediato de Deus; porém, visto que todo gênio natural
se deve também à atuação energética de Deus, não precisamos negar o
emprego dos dons naturais de profecia no homem. Os exemplos de telepatia,
de pressentimento, e de uma segunda visão que a Sociedade de Pesquisa
Psicológica demonstrou serem fatos esclarecem que a predição, na história
da revelação divina, pode ser somente uma intensificação de uma força
latente sob o impulso extraordinário do Espírito divino no mesmo grau em
todos homens. O autor de toda a grande obra da imaginaçãi criativa sabe
que uma força mais elevada do que a dele o possui. Em toda razão humana
há uma atividade natural da Razão divina ou Logos que é “a luz que alumia a
todo homem” (Jo. 1.9). Deste modo há uma atividade natural do Espírito San­
to e aquele que completa o círculo da consciência divina também completa o
da consciência humana, dá o senso do eu a cada alma, torna valiosos ao
homem tanto os dons naturais como os dons espirituais de Cristo; cf. Jo. 16.14
- “há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar”. O mesmo Espírito que
no princípio “pairava sobre a face das águas” (Gn. 1.2) também paira sobre a
humanidade e é ele que, segundo a promessa de Cristo, deve “anunciar o
que há de vir” (Jo. 16.13). O dom da profecia pode ter o seu lado natural,
como o dos milagres, embora, ao fim, possa explicar-se apenas como resul­
tado de uma obra extraordinária da qual o Espírito de Cristo que, em certo
grau, se manifesta na razão e consciência de cada homem; cf. 1 Pe. 1.11 “indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que
estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo
haviam de vir e a glória que se lhes havia de seguir”.
A. B. D avidson , em seu artigo sobre Profecia e Profetas, in Hastings’ Bible
Dictionary, 4 .12 0 ,12 1, dá pouco peso a este ponto de vista de que a profecia
se baseia no poder natural da mente humana: “Os argumentos pelos quais
G iesebrecht , Berufsgabung, 13 sgs., apoia a teoria de uma ‘faculdade do pres­
sentimento’ têm pouca força convincente. Supõe-se que esta faculdade revela-se particularmente na aproximação da morte (Gn. 28 e 49). Os contempo­
râneos das mais religiosas personagens têm atribuído a eles um dom profético.
A resposta de J ohn K nox aos que lhe creditam tal dom merece ser lida: ‘Minha
segurança não são as maravilhas de Merlin, nem ainda as tenebrosas sen­
tenças da profecia profana. Mas, em primeiro lugar, a nítida verdade da pala­
vra de Deus; em segundo lugar, a invencível justiça do eterno Deus; e, em
terceiro lugar, o curso comum das suas punições e pragas desde o começo
são a minha segurança e a minha base’”. Conquanto D avidson admita o cum­
primento de algumas das específicas predições da Escritura, a serem daqui a
pouco mencionadas, sustenta que “tais pressentimentos, até onde podemos
observar sua autenticidade, são principalmente fruto da consciência ou da
razão moral. A verdadeira profecia apoia-se em bases morais. Em toda parte
o futuro ameaçador se prende ao mal ocorrido na palavra ‘portanto’ (Mq. 3.12;
Is. 5.13; Am. 1.12)”. Sustentamos com Davidson o elemento moral na profecia,
207
208
A ugustus H opkins Strong
mas também reconhecemos uma força na humanidade normal que ele mini­
miza ou nega. Reivindicamos que a mente humana, mesmo em sua operação
comum e secular, apresenta índices ocasionais de transcendência das limita­
ções dos nossos dias. S e crermos na atividade contínua da Razão divina na
do homem, não temos necessidade alguma de duvidar da possibilidade de
uma perspicácia quanto ao futuro e esta é necessária nas grandes épocas da
história religiosa. Expositor’s Greek Testament, 2 .3 4 - “Savonarola predisse
em 1496 a tomada de Roma, o que aconteceu em 1527 e isto não só em
termos gerais, mas em pormenores. Suas palavras concretizaram-se literal­
mente quando as Igrejas de São Pedro e de São Paulo tornaram-se, como o
profeta predisse, estábulos para os cavalos dos conquistadores”.
2. R elação da p ro fe c ia com os m ilagres
Os m ilagres são certificações do processo de revelação a partir do poder
divino; a profecia é um a certificação do processo de revelação a partir do
conhecim ento divino. Só Deus pode conhecer as contingências do futuro. Podese argum entar a possibilidade e probabilidade da profecia na m esm a base que
a possibilidade e probabilidade dos m ilagres. Com o evidência da revelação
divina, contudo, a profecia possui duas vantagens sobre os m ilagres, a saber:
a) A prova, no caso da profecia, não deriva de testem unho antigo, mas está
sob as nossas vistas, b) A evidência dos m ilagres não pode tornar-se mais
forte enquanto cada novo cum prim ento se acrescenta ao argumento da profecia.
3. Requisitos na p ro fecia, considerados como E vidência da R evelação
a) O pronunciam ento deve estar distante do evento, b) N ão deve existir
coisa algum a que sugira que o evento seja simples presciência natural, c) O pro­
nunciam ento deve estar livre de am bigüidade, d ) Contudo, não deve ser muito
preciso quanto ao assegurar seu próprio cum prim ento, e) O evento predito
deve segui-la no tem po devido.
Hume: “Todas pro fe cia s são ve rd a d e iro s m ila g re s e s o m e n te assim podem
s e r a d m itid o s co m o p ro va de q u a lq u e r re v e la ç ã o ” , a) C e n te n a s de anos m e d i­
aram e n tre a lg u m a s p re d içõ e s do A.T. e o seu c u m p rim e n to , b) S ta n le y exe m ­
p lifica a s a g a c id a d e n a tural de B urke, que o c a p a cito u a p re d iz e r a R e volu ção
F rance sa. M as B urke ta m b é m p re d isse em 1793 que a F rança se ria rep artid a
co m o a P olôn ia en tre um a co n fe d e ra ç ã o de fo rç a s ho stis. C a n n in g tam bé m
p re d is s e que as co lô n ia s su l-a m e ric a n a s c re s c e ria m co m o os E stados U n i­
dos. D ’Is ra e li pre d isse que a n o ssa C o n fe d e ra ç ã o do S ul se to rn a ria um a
na ção in d e p e n d e n te . Ing ersoll pre d isse que, d e n tro de dez anos, h a ve ria um a
relaçã o de dois te a tro s p a ra ca d a ig reja , c) A m b ig ü id a d e da s p ro fe cia s ilu s­
tra d a pelo o rá cu lo de D elfos: “A tra v e s s a n d o o rio, tu de stró is um a grande
na çã o ” - o o rá c u lo não d e te rm in a se de le m e sm o ou do inim igo, d) S tra u s s
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
209
sustenta que a própria profecia do A.T. determinou os eventos ou as narrati­
vas dos evangelhos, e) C a r d a n , matemático italiano, predisse o dia e a hora
da sua própria morte e suicidou-se no exato momento para provar que a pre­
dição era verdadeira. O Senhor faz do cumprimento das suas predições a
prova da sua divindade na controvérsia com os falsos deuses: Is. 41.23 “Anunciai-nos as coisas que ainda hão de vir, para que saibamos que sois
deuses”; 42.9 - “Eis que as primeiras coisas passaram, e novas coisas eu
vos anuncio, e, antes que venham à luz, vo-las faço ouvir".
4. C araterísticas G erais da P ro fecia nas E scritu ras
à) Sua grande quantidade - ocupando grande porção da B íblia e estenden­
do-se por centenas de anos. b ) Sua natureza ética e religiosa - os eventos
futuros são considerados com o desenvolvim entos e resultados da presente ati­
tude dos hom ens para com Deus. c ) Sua unidade na diversidade - tendo como
ponto central Cristo, o verdadeiro servo de Deus e libertador do seu povo.
d) Seu verdadeiro cum prim ento quando considera m uitas das predições - con­
quanto parecendo não cum prim entos, explicam -se pela sua natureza figurati­
va e condicional.
A. B. Davidson, em Hastings’ Bible Dictionary, 4.1 25, sugere razões para o
aparente não cumprimento de algumas predições: A profecia é poética e figu­
rada; não deve haver muita pressão sobre os pormenores; eles são apenas
ornamentos da idéia. Em Is. 13 .16 - “As suas crianças serão despedaçadas
... e a mulher de cada um, violada” - o profeta dá um quadro ideal do saque
da cidade; estas coisas, na verdade não aconteceram, mas Ciro entrou na
Babilônia “em paz”. Contudo, permaneceu a verdade essencial de que a cida­
de caiu nas mãos do inimigo. A predição de Ezequiel sobre a cidade de Tiro,
Ez. 26.7-14, é reconhecida em Ez. 29.17-20 como tendo sido cumprida não
nos pormenores, mas na sua essência - o verdadeiro evento foi a quebra do
poder de Tiro por Nabucodonozor. Is. 17.1 - “Eis que Damasco será tirada e
já não será cidade, mas um montão de ruínas” - deve ser interpretado como
predizendo a extinção do seu domínio, visto que Damasco provavelmente
nunca deixou de ser cidade. A natureza condicional da profecia explica outros
aparentes casos não cumpridos. As predições freqüentemente eram amea­
ças que podiam ser revogadas pelo arrependimento. Jr. 2 6 .13 - “melhorai os
vossos caminhos ... e arrepender-se-á o Senhor do mal que falou contra vós”.
Jn. 3 .4 - “Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida.... 10 - E Deus viu as
obras deles, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrepen­
deu do mal que lhes faria e não o fez”; cf. Jr. 18.8; 26.19.
Exemplos do verdadeiro cumprimento da profecia encontram-se, segun­
do D avidson, na predição que Samuel fez de algumas coisas que acontece­
riam a Saul e que a história declara que aconteceram. Jerem ias predisse a
morte de Hananias no ano que ocorreu (Jr. 28 esp. vs. 16,17). Micaías predis­
se a derrota e morte de Acabe em Ramote-Gileade (1 Re. 22 esp. vs. 25 e
34). Isaías predisse o fracasso da coalizão do norte na sujeição de Jerusalém
210
Augustus H opkins Strong
(Is. 7); a ruína de Damasco, em dois ou três anos, e do norte de Israel diante
dos assírios (Is. 8 e 17); o insucesso de Senaqueribe no domínio de Jerusa­
lém e a dispersão do seu exército Os. 37.34-37). E, de um modo geral, inde­
pendentemente dos pormenores, as principais predições dos profetas relati­
vas a Israel e às nações verificaram-se na história, por exemplo, em Amós 1
e 2. As principais predições dos profetas referem-se à iminente queda dos
reinos de Israel e de Judá; ao que está além disso, a saber, a restauração do
reino de Deus; e quanto ao estado do povo em sua condição de felicida­
de final”. Sobre as predições do exílio e volta de Israel, ver especialmente
Am. 9.9 - “Porque eis que darei ordem e sacudirei a casa de Israel entre
todas as nações, assim como se sacode o grão no crivo, sem que caia na
terra um só grão. ... 1 4 - E removerei o cativeiro do meu povo Israel e reedificarei as cidades assoladas”. Mesmo que aceitemos a teoria da M-autoria do
livro de Isaías, ainda temos a predição da volta dos judeus da Babilônia e a
designação de Ciro como agente de Deus, em Is. 44.28 - “quem diz de Ciro:
É meu pastor e cumprirá tudo o que me apraz; dizendo também a Jerusalém:
Sê edificada; e ao tempio: Funda-te”; ver G eorge A dam S mith , Hastings’ Bible
Dictionary, 2.493. Frederico, o Grande disse ao seu capelão: “Dá-me em
uma palavra a prova da origem divina da Bíblia”; o capelão bem respondeu:
“Os judeus, Majestade”. No caso dos judeus temos ainda mesmo agora os
únicos fenômenos de um povo sem terra e uma terra sem povo, embora am­
bos estivessem previstos séculos antes deste evento.
5. P ro fecia m essiânica em g e ra l
d) Predições diretas dos eventos - com o as profecias veterotestam entárias
sobre o nascim ento, sofrim ento e subseqüente glória de Cristo, b) Profecia
geral do R eino no Velho Testam ento e seu triunfo gradual, c) Tipos históricos
em um a nação e em indivíduos - com o Jônatas e D avi. d) Prefigurações do
futuro em ritos e ordenanças - com o no sacrifício, na circuncisão, e na páscoa.
6. P rofecias especiais p ro n u n cia d a s p o r Cristo
a)
Q uanto à sua m orte e ressurreição, b) Q uanto aos eventos ocorrentes
entre a sua m orte e a destruição de Jerusalém (m ultidão de im postores; guer­
ras e rum ores de guerras; fom e e peste), c) Q uanto à destruição de Jerusalém
e a política ju d aica (Jerusalém sitiada pelos exércitos; abom inação da desola­
ção no lugar santo; fuga dos cristãos; m iséria; m assacre; dispersão), d) Q uan­
to à difusão do evangelho pelo m undo todo (a B íblia já era o livro de mais
am pla circulação no m undo).
A mais importante caraterística da profecia é o elemento messiânico; ver
Lc. 24.27 - “começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o
que dele se achava em todas Escrituras”; At. 10.43 - “a este dão testemunho
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
todos os profetas”; Ap. 19 .10 - “o testemunho de Jesus é o espírito de profe­
cia”. Os tipos pretendem ser semelhança, designação de prefigurações; p.ex:.
Jonas e Davi são tipos de Cristo. A natureza típica de Israel apoia-se no pro­
fundo fato da comunidade de vida. Como vida de Deus, o Logos é a base da
humanidade universal e interpenetra em cada parte, pelo que desta humani­
dade universal se desenvolve genericamente Israel; de Israel, como nação,
surge o Israel espiritual; de Israel espiritual, Cristo segundo a carne, - o alto
da pirâmide encontra o clímax e culminação nele. Daí as predições relativas
ao “Servo do Senhor” (Is. 42.1-7), e ao “Messias” (Is. 61.1; Jo. 1.41), cum­
prem-se em parte em Israel, mas de um modo perfeito só em Cristo. S abatier ,
Phitos. Religion, 59 - “Se, potencialmente, a humanidade não fosse em certo
sentido Emanuel, Deus conosco, nunca teria produzido do seu seio aquele
que nasceu e revelou este bendito fyome”.
No A.T., o Senhor é o Redentor do seu povo. Ele opera através de juizes,
profetas, mas ele mesmo continua sendo o Salvador; “só o elemento divino
neles é que salva”; “Ao Senhor pertence a salvação” (Jn 2.9; Rev. e At. do
Brasil). O Senhor se manifesta no reinado de Davi sob a monarquia; em Israel,
o Servo do Senhor, durante o exílio; e no Messias, ou Ungido, no período pósexílico. Devido à sua consciente identificação com o Senhor, Israel é sempre
um povo com visão avançada. Cada novo juiz, rei ou profeta é considerado
um arauto do futuro reino de justiça e paz. Tais pronunciamentos terrenos são
aguardados com arrebatadora expectação; os profetas expressam-na em ter­
mos que transcendem as possibilidades do presente; quando ela deixa de ser
plenamente realizada, a esperança messiânica simplesmente se transfere
para um futuro mais distante. Cada profecia em separado tem a sua roupa­
gem fornecida pelas circunstâncias imediatas e encontra sua ocasião em
algum evento da história contemporânea. Mas gradualmente fica evidente
que só um Rei e Salvador ideal e perfeito pode preencher os requisitos da
profecia. Só quando Cristo aparece, torna-se manifesto o real sentido das
várias predições do Velho Testamento. Então o homem é capaz de combinar
as profecias aparentemente inconsistentes de um sacerdote que é ao mes­
mo tempo um rei (SI. 110) e de um régio Messias ao mesmo tempo sofredor
(Is. 53). Não nos basta perguntar o que significa o próprio profeta ou o que
entendiam por profecia os seus ouvintes. Isto eqüivale a considerar a profe­
cia como tendo um só autor e este humano. No espírito do homem em coope­
ração com o de Cristo, o Espírito Santo (1 Pe. 1.11 - “o Espírito de Cristo que
estava neles”; 2 Pe. 1.21 - “a profecia nunca foi produzida por vontade de
homem algum; mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espí­
rito Santo”). Toda profecia tem uma dupla autoria: humana e divina; o mes­
mo Cristo que falou através dos profetas operou o cumprimento das suas
palavras.
Não é de estranhar que aquele que através dos profetas proferiu predi­
ções relativas a si mesmo tenha sido, quando encarnado, o profeta por exce­
lência (Dt. 18.15; At. 3.22 - “Porque Moisés disse: O Senhor, vosso Deus,
levantará dentre vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis”). Nas predições de Jesus encontramos a chave própria para a interpre­
tação da profecia em geral e a evidência de que, conquanto nenhuma das
três teorias - dos preteristas, dos continuístas, dos futuristas - fornece uma
211
212
A ugustus H opkins Strong
explicação exaustiva, mas cada uma tem seu elemento de verdade. Nosso
Senhor fez o cumprimento da predição da sua própria ressurreição um teste
da sua comissão divina: foi “o sinal do profeta Jonas” (Mt. 12.39). Ele prome­
teu que os seus discípulos teriam os dons da profecia: Jo. 15 .15 - “Já não vos
chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor, mas
tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho
feito conhecer; 16 .13 - “aquele Espírito da verdade ... vos anunciará o que há
de vir”. Ágabo predisse a fome e o aprisionamento de Paulo (At. 11.28; 21.10);
Paulo predisse heresias (At. 20.29,30), naufrágio (At. 2 7 .10, 21-26), “o
homem do pecado” (2 Ts. 2.3), a segunda vinda de Cristo e a ressurreição
dos santos (1 Ts. 4.15-17).
7. S ob re o duplo sentido da P ro fecia
d) C ertas profecias aparentem ente contêm um a plenitude de sentido que
não se esgota no evento a que m ais obvia e literalm ente se referem . U m a
profecia que teve um cum prim ento parcial em um tem po não distante do seu
pronunciam ento pode achar seu principal cum prim ento em um evento bem
distante. Porque os princípios da adm inistração de D eus sem pre se repetem e
am pliam a ilustração na história as profecias que já tiveram cum prim ento par­
cial podem ter ciclos inteiros ainda diante de si.
Na profecia há uma ausência de perspectiva; como nos quadros japone­
ses o próximo e o longe parecem eqüidistantes; como nos pontos de vista
diluídos, o futuro imediato se funde num futuro imensuravelmente bem dis­
tante. A vela que brilha através de uma abertura envia a sua luz através de
uma área sempre crescente; as seções de um triângulo correspondem-se
umas às outras, porém quanto mais distantes maiores se tornam que as mais
próximas. O chalé junto à montanha pode parecer um gato preto sobre um
monte de lenha, ou uma pinta na vidraça. “Uma montanha que parece estar
pouco atrás de outra encontra-se numa abordagem mais próxima quando há
um maior afastamento dela”. O pintor, ao reduzir, reúne coisas ou partes que
são relativamente distantes umas das outras. O profeta é um pintor cujas
reduções são sobrenaturais; ele parece livre da lei do espaço e do tempo e é
arrebatado para a intemporalidade de Deus, vê os eventos da história “sub
specie eternitatis”. A profecia é um esboço de um mapa. Mesmo o profeta não
pode aclarar o rascunho. A ausência de perspectiva na profecia pode explicar
o equívoco de Paulo na Carta aos Tessalonicenses, e a necessidade das
suas explicações em 1 Ts. 2.1,2. Em Is. 10 e 11, a queda do Líbano (Assíria)
está em conexão imediata com o aparecimento do ramo (Cristo); em Jr. 41.51,
a captura e completa destruição da Babilônia estão em conexão recíproca,
sem que se perceba o intervalo de mil anos entre ambas.
Contudo, exemplos de duplo sentido da profecia podem ser encontrados
em Is. 7.14-16; 9.6,7 - “uma virgem conceberá e dará à luz um filho, ... um
filho se nos deu” - comparado com Mt. 1.22,23, onde a profecia se aplica a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
213
Cristo (verM eyer in loco)', Os. 11.1 - “Do Egito chamei a meu filho” - que
originariamente se refere à chamada da nação do Egito - em Mt. 2.15 refere-se
a Cristo, que incorporou e consumou a missão de Israel; SI. 118.22,23 “A pedra que os edificadores rejeitaram tornou-se a cabeça de esquina” - que
originariamente se referia à nação judaica, conquistada, retirada e jogada
como inútil, mas divinamente destinada a um futuro de importância e grande­
za, é mencionada po/ Jesus em Mt. 21.42 como sendo ele mesmo, a verda­
deira incorporação de Israel. W illiam Arnold S tevens , em The Man of Sin,
Baptist Quar. Rev., jul. 1889. 328-360 - Como em Dn. 11.36, o grande inimigo
da fé, que “se levantará e se engrandecerá sobre todo deus”, é Antíoco Epifanes, rei da Síria, assim “o homem do pecado” descrito por Paulo em 2 Ts. 2.3
é o corrupto e ímpio judaísmo da era apostólica. Ele tinha o seu assento no
templo de Deus, mas estava sentenciado à destruição ao vir o Senhor na
queda de Jerusalém. Mas mesmo este segundo cumprimento da profecia não
exclui um outro futuro e final. Broadus em Mateus. - Em Is. 41.8 até o cap. 53,
as predições relativas ao “servo do Senhor “ fizeram uma gradual transição
de Israel até o Messias; aquele só em 41.8, e o Messias também aparece em
42.1 sg., e Israel sumindo de vista no cap. 53.
A mais notável ilustração do duplo sentido da profecia, contudo, deve ser
encontrada em Mt. 24 e 25, especialmente 24.34 e 25.31, onde a profecia de
Cristo sobre a destruição de Jerusalém passa a ser uma profecia do fim do
mundo. A damson , The Mind in Chríst, 183 - “Para ele a história é a roupa de
Deus e, por isso, uma constante repetição de posições realmente semelhan­
tes, caleidoscópicas combinações de umas poucas verdades, como os varia­
dos fatos em que elas devem ser incorporadas”. A. J. G ordon : “A profecia não
se tornou mais rapidamente em história, do que a história em profecia”. L orde
B acon : “A s profecias divinas têm elasticidade e cumprimento germinativo atra­
vés de muitos anos, embora a altura ou plenitude delas podem referir-se
a uma época”. De igual modo há uma multiplicidade de sentidos na Divina
Comédia de D ante . C. E. N orton , Inferno, xvi - “A narrativa espiritual do poeta
é tão vivida e consistente que tem toda a realidade de um relato de uma
verdadeira experiência; mas internamente e abaixo flui uma corrente de ale­
goria não menos consistente e dificilmente menos contínua que a própria
narrativa”. A. H. S trong , The Great Poets a n d ih e ir Theology, 1 1 6 - “0 próprio
Dante contou-nos que há quatro sentidos separados que ele pretende apre­
sentar na história. Há o literal, o alegórico, o moral e o analógico. No Salmo
114.1 temos as palavras: “Quando Israel saiu do Egito...”. Isto, diz o poeta,
pode ser tomado literalmente como a verdadeira libertação do antigo povo de
Deus; ou alegoricamente, como a redenção do mundo através de Cristo; ou
moralmente, como o resgate da escravidão do pecado; ou analogicamente
como a passagem tanto da alma como do corpo da vida inferior da terra para
a mais elevada vida no céu. Deste modo, a partir da Escritura, D ante ilustra o
método do seu poema”.
b)
N em sem pre o profeta estava consciente do sentido das suas profecias
(1 Pe. 11.11). B asta que suas profecias constituam um a prova da revelação
divina, se é que se podem dem onstrar correspondências entre elas e os verda-
214
A ugustus H opkins Strong
deiros eventos são tais que indicam sabedoria e propósito divinos ao transm iti-las - em outras palavras, basta que o Espírito inspirador conheça o seu sen­
tido, m esm o que o profeta inspirado não o conheça.
Não há inconsistência com este ponto de vista; ao contrário, confirma-se
que o evento próximo, e riaõ o cumprimento distante, principalmente com
freqüência, se não com exclusividade, na mente do profeta quando escreveu.
A Escritura declara que os profetas nem sempre entendiam as suas próprias
predições: 1 Pe. 1.11 - “indagando que tempo ou que ocasião de tempo o
Espírito de Cristo, que estava neles, indicava anteriormente testificando os
sofrimentos que a Cristo haviam de vir e a glória que se lhes havia de seguir”.
Emerson: “Ele mesmo da parte de Deus não podia ser livre; edificava mais do
que sabia”. K eble : “Como as criancinhas balbuciam e falam do céu, assim
são os pensamentos além dos seus pensamentos para os altos bardos”.
W estcott : Preface to Com. on Hebrews, vi - “Ninguém limitaria o ensino
das palavras do poeta ao que está bem claro em sua mente. Menos ainda
podemos supor que aquele que é inspirado para dar a mensagem de Deus a
todas as eras vê a plenitude da verdade que a vida toda serve para iluminar”.
A lexander M c L aren : “Pedro ensina que os profetas judeus predisseram os
eventos da vida de Cristo e especialmente os seus sofrimentos; que eles
agiram deste modo como órgãos do Espírito de Deus; que eram de modo tão
completo órgãos de uma voz mais elevada que não entendiam a significação
das suas próprias palavras, mas eram mais sábios do que sabiam e tinham
que sondar qual era o tempo e quais as caraterísticas das coisas estranhas
que eles prediziam; e que pela revelação aprenderam que ‘a visão é ainda
para muitos dias’ (Is. 24.22; Dn. 10.14). S e Pedro estava certo em sua con­
cepção da natureza da profecia messiânica, muitos sábios dos nossos dias
estão errados”. M atthew A rnold, Literature and Dogma: “Não podiam os ide­
ais proféticos ser sonhos poéticos e a correspondência entre eles e a vida
de Jesus, até onde é real, apenas um curioso fenômeno histórico?” B ruce,
Apologetics, 359, retruca: “Tal ceticismo só é possível àqueles que não têm fé
num Deus vivo, que realiza propósitos na história”. Isto só pode comparar-se
à descrença do materialista que considera a constituição física do universo
explicável pelo concurso fortuito dos átomos.
8. Propósito da P ro fecia - até onde não se cum priu
a)
Não capacitar-nos a m apear os porm enores do futuro; m as b) dar segu­
rança geral do poder de Deus e sabedoria previdente e a certeza de seu triunfo;
e c) fornecer, depois do cum prim ento, a prova de que D eus viu o fim desde o
com eço.
Dn. 12.8,9 - “Eu, pois, ouvi, mas não entendi; por isso, eu disse: Senhor
meu, qual será o fim dessas coisas? E ele disse: Vai, Daniel, porque estas
palavras estão fechadas e seladas até ao tempo do fim”; 2 Pe. 1.19 - a profe­
cia é “uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia esclareça” = não até
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
que os raios do dia possam dificultar os objetos de serem vistos; 20 - “nenhu­
ma profecia da Escritura é de particular interpretação” = só Deus, através do
evento, pode interpretá-la. S ír Isaac N ewton : “Deus não deu as profecias para
satisfazer a curiosidade dosjiom ens capacitando-os a entender antecipada­
mente as coisas, mas para que, depois de cumpridas, pudessem ser interpre­
tadas não pelo próprio intérprete, mas pelo evento manifesto ao mundo e
pela providência do mesmo Deus”. A lexander M c L aren : “Os grandes tratados
da Escritura nos são obscuros até que a vida os explique e, a partir daí, nos
venham com a força de uma nova revelação, como as antigas mensagens
enviadas através de uma faixa de pergaminho escrita, enrolada num bastão e
ininteligível, a não ser que o destinatário tenha um bastão correspondente
que a envolva”. A. H. S trong , The Great Poets and their Theology, 23 “Arquíloco, poeta que viveu aproximadamente em 700 d.C., fala de ‘uma afli­
tiva scytale' - a scytale era um bastão no qual se enrolava uma faixa de couro
com a finalidade de escrever em sentido oblíquo, de sorte que a mensagem
inscrita na faixa não pudesse ser lida a não ser que se enrolasse em outro
bastão do mesmo tamanho; visto que só o remetente e o destinatário possu­
íam bastões de idênticos tamanhos, a scytale atendia a finalidade de uma
mensagem cifrada”.
A profecia é como a sentença alemã: não pode ser entendida apenas ao
ler a última palavra. A. J. G ordon , Ministry of the Spirit, 48 - “A providência de
Deus é como a Bíblia hebraica; para entendê-la, devemos começar do fim
para trás”. Contudo o D r . G ordon parece afirmar que tal entendimento é pos­
sível mesmo antes do seu cumprimento: “Cristo não tinha conhecimento do
dia do fim enquanto no seu estado de humilhação; mas conhece-o agora.
Mostrou o seu conhecimento no Apocalipse e temos recebido a ‘Revelação
de Jesus Cristo a qual Deus deu para mostrar aos seus servos as coisas que
brevemente devem acontecer’ (Ap. 1.1)”. Contudo, um estudo dos múltiplos
e conflitantes pontos de vista dos assim chamados intérpretes da profecia
nos leva a preferir o ponto de vista do D r . G ordon ao de B riggs , Messianlc
Prophecies, 49 - “O primeiro advento é a solução de toda a profecia do Velho
Testamento; ... o segundo dará a chave para a profecia do Novo Testamento.
É ‘o Cordeiro, que foi morto’ (Ap. 5 .12 )... o único que abre o livro selado, que
resolve os enigmas do tempo e os símbolos da profecia”.
N itzsch : “É condição essencial da profecia que não perturbe a relação
do homem com a história”. Na medida em que se olvida este pormenor e
admite-se erroneamente que o propósito da profecia é capacitar-nos a mapear
os eventos exatos do futuro antes que aconteçam, o estudo da profecia minis­
tra uma doentia imaginação e desvia a atenção de uma dúvida cristã prática.
C alvino : “Aut insanum inveniet aut faciet”; ou, na tradução de L orde B rougham :
“O estudo da profecia, ou acha o homem louco, ou o torna tal”. Os adeptos do
segundo advento geralmente não buscam conversões. O D r. C umming adver­
tia as mulheres do seu rebanho que não deveriam estudar a profecia assim
como não deveriam negligenciar os deveres de casa. Paulo tem isto em men­
te em 2 Ts. 2.1,2 - “pela vinda de nosso Senhor Jesus Cristo ... que não vos
movais facilmente do vosso entendimento ... como se o dia do Senhor já
estivesse perto”; 3.11 - “Porque ouvimos que alguns de vós andam desorde­
nadamente”.
215
216
A ugustus H opkins Strong
9. P o d er E videnciai da P ro fecia - quando cum prida
A profecia, com o os m ilagres, não é a única evidência da com issão divina
dos escritores e ensinadoreslfo Escritura. É som ente um a certificação corroborativa que se une aos m ilagres para provar que o ensinador religioso veio de
Deus e fala com autoridade divina. Não podem os, contudo, dispensar a parcela
de evidências, pois, a não ser que a m orte e a ressurreição de Cristo sejam even­
tos previstos e preditos por ele m esm o, assim com o pelos profetas antigos,
perdem os sua principal prova de autoridade com o m estre da parte de Deus.
S tearns , Evidertce of Christian Experience, 33 8 - “A p ró p ria v id a do c ris ­
tã o é um c u m p rim e n to p ro g re s s iv o da p ro fe c ia de qu e a q u e le que a ce ita a
g ra ça de C risto n a sce rá de novo, sa n tific a d o e salvo. P or isso o cristã o pode
c re r no po d e r que D eus tem de p re d iz e r e nas v e rd a d e ira s p re d içõ e s de D e us” .
S tanley L eathes, O. T. Prophecy, xvii - “Se não tiv e rm o s a ce sso ao s o b re n a tu ­
ral, não te re m o s ace sso a D e u s” . N as n o ssa s d is c u s s õ e s so b re a profecia,
d e ve m o s le m b ra r que a n te s de fa z e r a ve rd a d e do cris tia n is m o e le v a r ou ca ir
em q u a lq u e r p a ssa g e m que te n h a sid o c o n s id e ra d a co m o p re dição, de vem o s
e sta r ce rto s de q u e a p a ssa g e m tra ta de u m a p re d içã o e não sim p le sm e n te
de um a d e scriçã o fig u ra tiv a . G ladden , Seven Puzzling Bible Books, 195 “O livro de Daniel não é um a profecia, é um a p o c a lip s e .... O autor [de tais livros]
põe as su a s p a la vra s na bo ca de a lgu m e m in e n te e s c rito r h istó rico ou tra d i­
cio na l. Isto se p o d e e x e m p lific a r com o Livro de E noque, a A ssu n çã o de M o i­
sés, B aru qu e, 1, 2 E sdras e os O rá cu lo s S ib ilin o s. A fo rm a e n ig m á tica indica
p e sso a s sem d e c la ra r-lh e s o no m e e os e v e n to s h istó rico s co m o fo rm a s de
an im a is ou com o o p e ra çã o da na tureza . ... O livro de D a nie l não p re te nd e
en sin a r-n o s histó ria . Ele não re tro ce d e ao s é c u lo se xto a.C ., m as ao s e g u n ­
do. É um tip o de co n to que os ju d e u s c h a m a va m de H a ggada. Seu alvo é
A n tío c o E pifanes, que, p o r su a s m a n ife s ta ç õ e s o c a sio n a is de m elan colia, foi
ch a m a d o E pifanes, ou A n tío co , o L o u co ” .
Qualquer que possa ser a conclusão quanto à autoria do livro de Daniel,
devemos reconhecer nele um elemento que realmente se cumpriu. Os mais
radicais intérpretes não fixam a sua data para mais tarde do que 183 a.C.
O nosso Senhor vê no livro uma referência clara a si mesmo (Mt. 2 6 .6 4 - “o
Filho do Homem assentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as
nuvens do céu”; cf. Dn. 7 .1 3; e com ênfase repete algumas predições do
profeta ainda não cumpridas (Mt. 2 4 .1 5 - ‘Quando virdes, pois, a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel; cf. Dn. 9.27; 11.31; 12.11).
Por isso o livro de Daniel deve ser tido como valioso não só por suas lições,
mas também por suas predições de Cristo e do triunfo universal do seu reino
(Dn. 2.4 5 - “do monte foi cortada uma pedra, sem mãos”).
R em ovida esta pressuposição originariam ente existente contra os m ilagres
e a profecia, podem os agora considerar as leis da evidência e determ inar as
regras a seguir no cálculo do peso do testem unho da Escritura.
217
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
V.
PR IN C ÍP IO S DE E V ID Ê N C IA H IST Ó R IC A A P L IC Á V E IS À
P R O V A DE U M A R E V E L A Ç Ã O D IV IN A .
L Quanto à evidência docum entária.
a) Os docum entos aparentem ente antigos, que não têm em sua face as mar:as de falsificação e achados na custódia própria, presum e-se que sejam genuí­
nos até que não haja evidência em contrário. Os docum entos do N ovo Testa­
mento, porque se encontram na custódia da igreja, depositária natural e legítima,
por esta regra, devem ser considerados genuínos.
O s d o c u m e n t o s c r is t ã o s n ã o f o r a m e n c o n t r a d o s , c o m o o liv r o d o M ó r m o n ,
e m u m a c a v e r n a , o u n a c u s t ó d ia d e a n jo s . M a r t in e a u ,
Seat of Authority. 322 -
“ O p r o f e t a M ó r m o n , q u e n ã o p o d e f a la r e m D e u s c o m o d ia b o p e r tin h o , e s tá
b e m d e a c o r d o c o m a h is tó r ia d e a m b o s o s m u n d o s e c o m is s io n a d o p a r a
r e c e b e r a s e g u n d a t e r r a p r o m e t id a ” . W a s h in g t o n G l a d d e n ,
Bible ?
Who Wrote the
- “ A p a r e c e u u m a n jo a S m ith e c o n t o u - lh e o n d e e n c o n t r a r ia e s te liv ro ;
f o i à c la r e ir a d e s ig n a d a e a c h o u n u m a c a ix a d e p e d r a u m v o lu m e d e s e is
p o le g a d a s d e g r o s s u r a , fo r m a d o d e f in a s p la c a s d e o u r o , d e o ito p o r s e te
p o le g a d a s u n id a s p o r t r ê s a n é is d e o u r o ; e s ta s p la c a s e r a m r e c o b e r ta s c o m
u m a e s c r it u r a n a ‘ lín g u a e g í p c ia r e f o r m a d a ’ ; c o m e s t e liv r o e s ta v a m o s ‘ U rim
e T u m im ’ , u m p a r d e ó c u lo s s o b r e n a t u r a is , a t r a v é s d o s q u a is e le fo i c a p a z d e
le r e t r a d u z ir ta l ‘ lín g u a e g í p c ia r e f o r m a d a ” ’ . S a g e b e e r ,
The Bible in Court, 113
- “ S e o liv r o R a z ã o ( u m d o s liv r o s c o n t á b e is ) d e u m a e m p r e s a s e m p r e fo i
r e c e b id o e c o n s id e r a d o c o m o u m R a z ã o , s e u v a i o r n ã o é c o n t e s t a d o d e s d e
q u e s e ja im p o s s í v e l c o n t a r c o m
o s e u g u a r d a - liv r o s p a r t ic u la r p a r a c u id a r
d e le . ... A E p ís to la a o s H e b r e u s n ã o s e r ia m e n o s v a lio s a c o m o e v id ê n c ia s e
s e p r o v a r q u e fo i e s c r it a p o r P a u lo ” .
b) As cópias de antigos docum entos, feitas pelos m ais interessados em sua
fidedignidade, presum e-se que correspondam aos originais apesar de que
estes não existem . Porque é do interesse da igreja ter cópias fiéis, a carga de
prova repousa no opositor aos docum entos cristãos.
Baseada na evidência de uma cópia dos seus próprios registros, porque
os originais se perderam, a Casa dos Lordes decidiu reivindicar a nobreza;
não há manuscrito de S ófocles mais antigo do que o décimo século, conquanto
ao menos dois manuscritos do N.T. remontam ao quarto século. F rederick
G eorge K enyon , Handbook to Textual Criticism of N. T.: “Devemos o nosso
conhecimento da maior parte das grandes obras da literatura grega e latina É squilo , S ófocles , T ucídides , H orácio , L ucrécio , T ácito e muitos mais - a
manuscritos produzidos desde 900 a 1500 anos após a morte dos seus auto­
res; enquanto do N.T. temos duas excelentes e quase completas cópias num
intervalo de 250 anos. Ademais, dos escritores clássicos temos como regra
218
Augustus H opkins Strong
só umas poucas vintenas de cópias (freqüentemente menos) uma ou duas
das quais d estacam -se como decididam ente su p eriores às dem ais;
porém, do N.T. temos mais de SÕOO cópias (além de grande número de ver­
sões) e muitas de valor distinto e intendente”. A mãe de T ischendorf chamava-o Lobgott porque o temor de que o seu bebê nasceria cego não se tornou
verdadeiro. Nenhum ser humano jamais teve uma visão tão aguda do que
ele. Ele passou a sua vida decifrando velhos manuscritos que outros olhos
não podiam ler. O manuscrito Sinaítico que ele descobriu recua-nos três
séculos do tempo dos apóstolos.
c)
Ao determ inar o fato, segundo o lapso de tem po considerável, permitese à evidência docum entária m aior peso do que a testem unha oral. N em a
m em ória, nem a tradição podem prolongar a confiança de dar relatos absolu­
tam ente corretos de fatos particulares. Os docum entos do Novo Testam ento,
portanto, são de m aior peso na evidência do que seria a tradição, m esm o que
houvesse um lapso de apenas trinta anos após a m orte dos atores nas cenas
que eles relatam .
A Igreja Católica Romana, nas suas lendas dos santos, mostra quão vivi­
da a simples tradição pode tornar-se corrompida. Abraão Lincoln foi assas­
sinado em 1865, embora sermões pregados no aniversário de nascimento
atualmente excluem-no do Unitarismo, do Universalismo e da Ortodoxia, con­
forme crê o próprio pregador.
2. Quanto ao testem unho em g e ra l
a) Q uanto aos fatos, a questão não é se é possível que o testem unho seja
falso, mas se há probabilidade de que seja verdadeiro. É estranho, portanto,
perm itir que o nosso exam e das testem unhas da Escritura seja prejudicado
pela suspeita, sim plesm ente porque a sua história é sagrada.
Não deve haver nenhum preconceito contra a verdade; a mente deve
estar aberta; deve haver aspiração normal após os sinais de comunicação da
parte de Deus. A telepatia, os quarenta dias de jejum, a partenogênese, tudo
isto pode, por antecedência, ter parecido incrível. Agora vemos que teria sido
mais racional admitir sua existência na apresentação de adequada evidência.
b) Prova-se um a proposição de fato quando se estabelece através da sua
verdade a evidência com petente e satisfatória. E vidência com petente é a natu­
reza daquilo que se adm ite estar provado. E vidência satisfatória som a de pro­
vas que via de regra satisfazem um a m ente sem preconceitos que está além da
dúvida razoável. Provam -se, contudo, os fatos escriturísticos quando estabe­
lecidos pelo tipo e grau de evidência que, em assuntos da vida com um satis-
219
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
\
fazem a m ente e a consciência de um hom em com um . Q uando tem os este tipo
e grau de evidência é irracional querer mais.
Em matéria de moral e religião a evidência competente não precisa ser
matemática nem mesmo lógica. Os casos de crime, em sua maioria, são
decididos com base na evidência circunstancial. Não determinamos a nossa
escolha dos amigos e dos companheiros através dos estritos processos de
raciocínio. O coração e a cabeça devem permitir que uma voz e uma evidên­
cia competente incluam considerações que partem das necessidades morais
da alma. Contudo, a evidência não requer demonstração. Até mesmo um leve
balanço da probabilidade, quando nada mais certo se alcança, pode ser sufi­
ciente para constituir uma prova racional e determinar a nossa ação moral.
c)
N a ausência de circunstâncias que geram suspeita deve-se presum ir que
cada testem unho é digno de crédito até que se prove o contrário; a carga de
im pedim ento de seu testem unho está no opositor. O princípio que leva os
hom ens a darem verdadeiro testem unho dos fatos é m ais forte do que aquele
que os leva a dar falso testem unho. Portanto, é injusto com pelir o cristão a
estabelecer a credibilidade de sua testem unha antes de continuar a aduzir o
testem unho deles; é igualm ente injusto perm itir o testem unho não corrobora­
do de um escritor profano para preponderar o de um escritor cristão. Os teste­
m unhos cristãos não devem ser considerados interesseiros e, portanto, não
fidedignos; porque eles fizeram os cristãos contrários aos seus interesses ter­
renos e porque eles não puderam resistir à força do testem unho. Variados rela­
tos entre eles deviam ser avaliados com o avaliam os os relatos dos escritores
profanos.
O r e la to q u e J o ã o f a z d e J e s u s d if e r e d o d o s s in ó t ic o s ; p o r é m d e s e m e ­
lh a n te m o d o e p r o v a v e lm e n t e p e la m e s m a r a z ã o , o r e la to d e P la t ã o a r e s p e i­
to d e S ó c r a t e s d ife r e d o d e X e n o f o n t e . C a d a u m v iu e d e s c r e v e u o la d o d o
s e u f o c o q u e , p o r n a t u r e z a m a is s e a d e q u a v a à c o m p r e e n s ã o ; c o m p a r e a
V e n e z a d e C a n a l e t t o c o m a d e T u r n e r ; n a q u e le o q u a d r o d e u m e x p e r ie n t e
p in to r , n e s te a v is ã o d e u m p o e t a q u e v ê o s p a lá c io s d o s d o g e s g lo r ific a d o s p e lo a r e n é v o a e d is tâ n c ia .
(Hc. 3.4);
Em
C r is t o h á u m “ e s c o n d e r ijo d a s u a f o r ç a ”
“ q u ã o p o u c o é o q u e t e m o s o u v id o d e le ” !
(Jó 26.14);
m a is d o q u e
S h a k e s p e a r e , e le é “ a m e n te m ir ió id e ” ; n ã o s e p o d e e s p e r a r q u e e v a n g e lis t a
a lg u m o c o n h e ç a o u d e s c r e v a s e n ã o “ e m p a r t e ”
C o bbe,
Life , 2.402
(1
C o.
13.12).
F rancês P ow er
- “ T o d o s n ó s , s e r e s h u m a n o s q u e s o m o s , a s s e m e lh a m o -
n o s a d ia m a n te s , q u e tê m d iv e r s a s f a c e t a s d o n o s s o c a r á te r ; e , c o m o s e m p r e
a p r e s e n t a m o s u m a d e la s a u m a p e s s o a e o u t r a a o u t r a p e s s o a , v ia d e r e g r a
h á u m v ig o r o s o la d o a s e r v is to e m u m a g e m a p a r t ic u la r m e n t e b r ilh a n t e ” .
T enney,
Coronation, 45 - “A
E. P.
v id a s e c r e t a e p o d e r o s a q u e e le [o h e r ó i d a h is t ó ­
ria ] c o n d u z ia e r a c o m o a lg u m a s c o r r e n t e s : p r o f u n d a s , la r g a s , flu e n te s , q u e ,
in v is í v e is , f lu e m
p e la s v a s t a s e e r m a s f lo r e s t a s . T ã o a m p la e v a r ia d a é a
220
A ugustus H opkins Strong
natureza deste homem que todos os cursos da vida poderiam medrar em
seus recônditos; e os seus vizinhos poderiam tocá-lo e conhecê-lo somente
do lado a que se lhes assem elhava”.
d)
U m a leve porção de testem unho, até que não seja contraditada, prepondera sobre grande som a de testem unho sim plesm ente negativo. O silêncio de
um a segunda testem unha, ou o testem unho dela, não pode contrabalançar o
testem unho positivo de um a prim eira testem unha ocular. Portanto, devemos
valorizar o silêncio dos escritores profanos a respeito dos fatos narrados na
Escritura exatam ente com o devem os valorizá-lo se os fatos sobre os quais
eles silenciam foram narrados por literatos profanos, ao invés de serem narra­
dos por escritores da Bíblia.
Os monumentos egípcios não fazem nenhuma menção da destruição de
Faraó e seu exército; mas, então, os despachos de Napoleão não mencio­
nam a derrota em Trafalgar. Na sepultura dele nos Inválidos de Paris, as
paredes têm a inscrição de nomes de uma multidão de lugares em que ocor­
reram as suas batalhas, mas Waterloo, a cena da sua grande derrota, não
está registrada. Do mesmo modo Senaqueribe, nunca se refere à destruição
do seu exército na época de Ezequias. Napoleão reuniu 450.000 homens em
Dresden para invadir a Rússia. Em Moscou a neve se incumbiu de derrotá-lo.
Em uma noite 20.000 cavalos morreram de frio. Não é sem razão que, em
Moscou, no aniversário da retirada da França, lê-se nas igrejas a exultação
do profeta pela queda de Senaqueribe. J a m e s R o b e r t s o n , Early History of Israel,
395, nota - W h a t e l y , Historie Doubts, chama a atenção para o fato de que o
principal jornal parisiense em 1814, no mesmo dia em que os exércitos alia­
dos entraram em Paris como conquistadores, não faz nenhuma menção a tal
evento. A batalha de Poitiers em 732, que efetivamente registrou a expansão
do maometismo através da Europa, nenhuma vez referiu-se a isto nos anais
monásticos da época. S ir T h o m a s B r o w n e viveu durante as guerras civis e a
Commonwealth, mas não há uma única sílaba nos seus escritos a esse res­
peito. Sale diz que os maometanos consideram a circuncisão como uma ins­
tituição divina antiga; o rito esteve em uso muitos anos antes de Maomé,
embora não seja mencionado no Corão”.
Embora admitamos que J o s e f o não faz menção a Jesus, temos um para­
lelo em T u c íd id e s , que nunca menciona S ó c r a t e s , a mais importante per­
sonagem dos vinte anos que abrangeram a sua história. Contudo W ie s e l e r ,
J a h r b u c h f ü r d ie T h e o l o g ie , 23.98, defende a genuinidade essencial da passa­
gem geralmente rejeitada sobre Jesus em J o s e f o , Antigüidades Judaicas,
18.3.3, omitindo, contudo, como interpoladas as expressões “se, com efeito,
é correto chamá-lo homem”; “este é o Cristo”; “ele apareceu redivivo ao ter­
ceiro dia conforme a profecia”; a serem genuínas, estas provariam ser Josefo
um cristão; ou, segundo os antigos relatos, não o seria. J o s e f o viveu de 34 a,
possivelmente, 114 d.C. Na verdade ele fala de Cristo; porque ele registra
(20.9.1), que A l b in o “reuniu o sinédrio de juizes e lhes apresentou o irmão de
Jesus, chamado o Cristo, cujo nome era Tiago e alguns outros ... e os livrou
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
221
de serem apedrejados”. R u s h R h e e s , Life o f Jesus of Nazareth, 22 - “Para
mencionar mais completamente Jesus seria preciso alguma aprovação da
sua vida e ensino. Isto condenaria o seu próprio povo que ele desejava fosse
recomendado à consideração dos gentios e parece que, covardemente silen­
ciou a respeito do assunto, mais notadamente àquela geração do que ele
escreve de um modo mais completo”.
“O crédito devido ao registro das testem unhas depende: prim eiro, da sua
capacidade; segundo, da sua honestidade; terceiro, do núm ero e consistência
do seu testem unho; quarto, da conform idade do seu testem unho com a expe­
riência; e quinto, da coincidência do seu testem unho com as circunstâncias
colaterais” . C onfiantes subm etem os os testem unhos a cada um dos referidos
testes.
e)
C
a ít u l o
II
PROVAS POSITIVAS DE QUE AS
ESCRITURAS SÃO A REVELAÇÃO DIVINA
I. G EN U ID A D E DOS D O C U M EN TO S C R ISTÃ O S, ou prova de que os
livros do Velho e do N ovo T estam entos foram escritos na época e pelos
hom ens ou classe de hom ens a que lhes foram atribuídos.
A presente discussão compreende a primeira parte e só esta, da doutrina
do Cânon ( kccvcóv, cana, vara; daí, regra, padrão). É importante observar que
a determinação do Cânon, ou lista dos livros da Escritura Sagrada, não é
obra da igreja como entidade organizada. Nós não recebemos estes livros
dos Pais ou dos Concílios. Recebemo-los, como os Pais e os Concílios os
receberam , porque temos evidência de que eles são s os escritos dos
homens, das classes de homens, cujos nomes eles detêm, merecem crédito,
e são inspirados. S e a epístola citada em 1 Co. 5.9 fosse descoberta e univer­
salmente julgada autêntica, podia ser alinhada às outras de Paulo e faria
parte do Cânon ainda que estivesse perdida por 1 800 anos. B r u c e , Apologetics,
321 - “De um modo abstrato o Cânon é uma Questão aberta. Ele nunca pode
ser outra coisa além dos princípios do Protestantismo que nos impedem de
aceitar como finais as decisões dos concílios eclesiásticos, quer antigos, quer
m odernos. Mas praticam ente a questão do Cânon está en ce rra d a”.
A Confissão de Westminster diz que a autoridade da Palavra de Deus “não se
apoia na evidência histórica; não se apoia na autoridade dos Concílios; não
se apoia no consenso do passado ou na excelência da matéria; mas no Espí­
rito de Deus, que testemunha aos nossos corações a respeito da sua autori­
dade divina”. C l a r k e , Christian Theology, 24 - “Para nós o valor das Escritu­
ras não depende de saberm os quem as escreveu. No A.T. metade das
passagens é de autoria incerta. Novas datas significam nova autoria. A crítica
é um dever, porque a data da autoria concede meios de interpretação.
As Escrituras são poderosas porque Deus está nelas e porque elas descre­
vem a entrada de Deus na vida do homem”.
S aintine , Picciola, 7 8 2 - “Por acaso uma fraca vara proveu o homem da
sua primeira seta, sua primeira caneta, seu primeiro instrumento musical”?
Hugh Macmillan: “A idéia dos primeiros instrumentos de corda a princípio
derivou do som da corda do arco reíesado, quando o arqueiro atirava as
setas; a lira e a harpa que discorrem a mais suave música de paz foram
inventadas por aqueles que, a princípio, ouviam o seu som inspirador no
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
223
estímulo para a batalha. Do mesmo modo não há música tão deleitável em
meio às altercações discordantes do mundo, transformando tudo em música
e harmonizando terra e céu, como quando o coração surge da melancolia da
ira e da vingança e converte o seu arco em harpa e entoa ao Senhor o cânti­
co do infinito perdão”. G e o r g e A d a m S m it h , Mod. Cristicism and Preaching
of O. 7., 5 - “A igreja nunca renunciou a sua liberdade de revisar o Cânon.
No começo, a liberdade não pode ser maior que a que vem depois. O Espírito
Santo não abandona os líderes da igreja. Os escritores apostólicos em lugar
algum definem os limites do Cânon mais do que Jesus o fez. Na verdade eles
empregaram escritos extracanônicos. Cristo e os apóstolos em lugar nenhum
impediram a igreja de crer em todos ensinos do A.T. Cristo discrimina e proí­
be a interpretação literal do seu conteúdo. Muitas interpretações apostólicas
desafiam o nosso senso de verdade. Boa parte da sua exegese era temporá­
ria e falsa. O julgamento deles é que boa parte do que está no A.T. é rudimen­
tar. Isto abre a questão do desenvolvimento na revelação e justifica a tentati­
va de fixar a ordem histórica. A crítica do N.T. a respeito do A.T. dá liberdade
para o criticismo, e a necessidade, e a sua obrigação. O criticismo do A.T. não
é, como o de Baur a respeito do N.T., resultado de um raciocínio hegeliano a
priori. A partir do tempo de Samuel temos uma história real. Os profetas não
apelam para os milagres. Há mais evangelho no livro de Jonas quando trata­
do como parábola. O A.T. é uma gradual revelação ética de Deus. Poucos
entendem que a igreja de Cristo tem a mais elevada garantia para o seu
Cânon do A.T. do que para o do N.T. O A.T. é o resultado do criticismo no mais
amplo sentido da palavra. Mas o que a igreja assim atingiu pode a qualquer
momento revisar”.
Reservamos para um ponto um tanto tardio a prova da credibilidade e a
inspiração das Escrituras. Por ora apresentamos a sua genuinidade como
apresentaríamos a de outros livros religiosos, como o Corão, ou documentos
seculares como as Catilinárias de C íc e r o . A genuinidade no sentido em que
empregamos o termo não implica necessariamente autenticidade (/.e. veraci­
dade e autoridade). Podem ser genuínos os documentos que são escritos
integralmente ou em parte por outras pessoas além daquelas cujos nomes
constam, desde que pertençam à mesma classe. A Epístola aos Hebreus,
embora não escrita por Paulo, é genuína porque procede de alguém que per­
tence à classe apostólica. A adição de Dt. 34, após a morte de Moisés, não
invalida a genuinidade do Pentateuco; nem a teoria de um mais tardio Isaías,
mesmo que fosse aceita, desaprovaria a genuinidade dessa profecia; em
ambos os casos as adições foram feitas por homens da classe profética.
1. G enuinidade dos L ivros do Novo Testamento
Não precisam os acrescentar provas da existência dos livros do N ovo Tes­
tam ento antes do terceiro século, pois possuím os m anuscritos dos que têm
pelo m enos catorze séculos e, porque no terceiro século as referências a eles
tem -se entretecido em toda a história e literatura. Portanto, com eçam os a nos­
sa prova m ostrando que estes docum entos não só existiram , m as eram geral­
m ente aceitos com o genuínos antes do fim do segundo século.
224
Augustus H opkins Strong
O rígines nasceu por volta do início de 186 A .D .; contudo, T r e g e l l e s diznos que as obras de Orígenes contêm citações abrangendo 2/3 do Novo Tes­
tamento. Hatch, Hibbert Lectures, 12 - “Os primitivos anos do cristianismo,
em certos aspectos, eram como os nossos primeiros anos de vida. ... Estes
são sempre os mais importantes para a nossa educação. Nesse período apren­
demos, a duras penas conhecemos, com esforço e luta e inocentes equívo­
cos, a empregar os nossos olhos e ouvidos, a medir a distância e a direção,
por um processo que se desenvolve através de passos inconscientes até a
certeza de que sentimos a nossa maturidade. ... Por esse processo incons­
ciente é que o pensamento cristão dos primeiros séculos adquiriu gradual­
mente a forma que encontramos quando ele emerge na humanidade do quar­
to sécuio”.
A)
Todos livros do N ovo Testam ento, com a única exceção de 2 Pedro, não
só foram recebidos com o genuínos, m as foram usados num a form a mais ou
m enos colecionada, na últim a m etade do segundo século. Estas coleções de
escritos, tão vagarosam ente transcritos e distribuídos, im plicam a longa exis­
tência continuada dos livros em separado e proíbem -nos de fixar sua origem
em data posterior à prim eira m etade do segundo século.
(a) T ertuliano (160-230) apela para o ‘N ovo T estam ento’ form ado pelos
‘E vangelhos’ e ‘A póstolos’. Ele garante a genuinidade dos quatro evange­
lhos, de Atos, de 1 Pedro, de 1 João, das 13 epístolas de Paulo e do Apocalipse;
em resum o, vinte e um dos vinte e sete livros do nosso Cânon.
S a n d a y , Bampton Lectures for 1893, confia que os três primeiros evange­
lhos assumiram a sua presente forma antes da destruição de Jerusalém. Seu
pensamento, contudo é de que o primeiro e terceiro evangelhos e provavel­
mente o segundo são de origem composta. Não foi depois de 125 A.D. que os
quatro evangelhos ganharam reconhecida e excepcional autoridade. Profes­
sores de Andover, Divinity of Jesus Chríst, 40 - “O mais antigo dos quatro
evangelhos foi escrito por volta do ano de 70. O mais primitivo, ora perdido,
que em grande parte está preservado em Lucas e Mateus, provavelmente foi
escrito poucos anos antes”.
(b) O C ânon M uratoriano no O cidente e a Peshito no O riente (com um a
data com um de cerca de 160) em seus catálogos dos escritos do Novo Testa­
m ento sim ultaneam ente com plem entam um ao outro as ligeiras deficiências, e
juntas testem unham o fato de que cada livro do nosso atual N ovo Testam ento,
a exceção de 2 Pedro foi recebido com o genuíno.
H o v e y , Manual of Christian Theology, 50 - “O fragmento no Cânon, desco­
berto por Muratori em 1738, provavelmente foi escrito em 170 A.D., em Gre­
go. Começa com as últimas letras de uma sentença que deve ter sido uma
referência a Marcos e continua a falar do Terceiro Evangelho como tendo sido
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
225
escrito pelo médico Lucas, que não viu o Senhor; a seguir, fala do Quarto
Evangelho como tendo sido escrito por João, discípulo do Senhor, a pedido
dos seus companheiros de discipulado e dos presbíteros”. B a c o n , N. T. Introduction, 50, apresenta o Cânon Muratoriano por completo; 30 - “T e ó f il o d e
A n t io q u ia (181-190) é o primeiro a mencionar um evangelho pelo nome, citan­
do Jo. 1.1 como sendo de ‘João, um daqueles que foram vasos do Espírito”.
(c) O C ânon de M arcião ( 1 4 0 ) , apesar de rejeitar todos os evangelhos
menos o de Lucas e todas epístolas m enos dez das de Paulo, m ostra, contudo,
que naquela época prim itiva “os escritos apostólicos eram considerados como
regra de doutrina original e com pleta” . M esm o M arcião , contudo, não nega a
genuinidade dos escritos que por razões doutrinárias ele rejeita.
O gnóstico M a r c iã o era inimigo de todo o judaísmo e considerava-crDeus
do A.T. uma divindade restrita, inteiramente diferente do Deus do N.T. M a r ­
c iã o era “ipso Paulo paulinior” (mais paulino do que o próprio Paulo) - na
expressão francesa “plus loyal que le roi” ou no ditado em português “mais
realista do que o rei” . Ele sustentava que o cristianismo era algo inteiramente
novo e que se opunha a tudo que apareceu antes dele. O seu Cânon consis­
tia em duas partes: o “Evangelho” (Lucas, com o seu texto truncado pela
omissão dos hebraísmos) e o Apostólicon (as epístolas de Paulo). A epístola
a Diogneto, de um autor desconhecido, e a epístola de Barnabé, participavam
do ponto de vista de M a r c iã o . O nome de Deus foi mudado de Yahweh para
Pai, Filho e Espírito Santo. O ponto de vista de M a r c iã o tinha prevalecido; o
Velho Testamento ter-se-ia perdido para a Igreja Cristã. A revelação de Deus
teria sido privada da sua prova a partir da profecia. O desenvolvimento a
partir do passado e a conduta divina da história judaica teriam sido negados.
Porém sem o Velho Testamento, como sustentava H. W. B e e c h e r , o Novo
Testamento estaria despido de um cenário; nossa principal fonte de conheci­
mento sobre os atributos naturais de Deus - poder sabedoria e verdade estariam removidos; o amor e a misericórdia revelados no Novo Testamento
pareceriam caraterísticas de um ser fraco que não podia fortalecer a lei ou
inspirar respeito. Uma árvore tem tanto fôlego sob a terra como sobre ela;
deste modo as raízes da revelação do Deus do Velho Testamento são tão
extensas e necessárias como o tronco, os ramos e as folhas do Novo Testa­
mento.
B)
Os cristãos e Pais A postólicos que viveram na prim eira m etade do
segundo século não só citam estes livros e fazem -lhes alusão, m as testificam
que eles foram escritos pelos próprios apóstolos. Portanto, som os com pelidos
a recuar bem m ais sua origem , a saber, ao prim eiro século, quando viveram os
apóstolos.
(d) Irineu ( 1 2 0 - 2 0 0 ) m enciona e cita os quatro evangelhos pelo nom e e
entre eles o evangelho segundo João: “M ais tarde, João, o discípulo do Senhor,
226
A ugustus H opkins Strong
que se reclin av a sobre o seu peito, igualm ente, publicou um evangelho,
enquanto m orava em Éfeso, na Á sia” . Irineu era discípulo e am igo de P o u carpo (80-166), que pessoalm ente conheceu o apóstolo João. O testem unho
de Irineu é virtualm ente a evidência de Policarpo, contem porâneo e am igo do
A póstolo, de que cada um dos evangelhos foi escrito pela pessoa que leva o
seu nome.
A este testemunho objeta-se que I r in e u diz que há quatro evangelhos por­
que há quatro quadrantes do mundo e quatro criaturas vivas nos querubins.
Porém respondemos que Irineu aqui não está firmando a sua própria razão
de aceitar quatro e não mais que quatro evangelhos, mas o que ele concebe
que a razão de Deus é que ordena que haja quatro. Nada nos garante nesta
suposição que ele aceitasse quatro evangelhos em qualquer çutra base além
do testemunho de que eles eram o produto de homens apostólicos.
De igual modo, C r is ó s t o m o compara os quatro evangelhos a uma carrua­
gem e quatro: Quando o Rei da Glória estiver montado nela, receberá as
aclamações triunfais de todos os povos. Do mesmo modo J e r ô n im o : Deus
cavalga no querubim e, porque há quatro querubins, deve haver quatro evan­
gelhos. Entretanto, tudo isto é um esforço primitivo na filosofia da religião e
não um esforço para demonstrar o fato histórico. L. L. P a in e , Evolution of Trinitarianism, 319-367, apresenta o ponto de vista radical da autoria do quarto
evangelho. Ele sustenta que o apóstolo João morreu no ano 70 A.D., ou logo
depois, e Irineu confundiu os dois homônimos que Papias tão claramente
distinguiu: o apóstolo João e o presbítero João. Do mesmo modo que H a r n a c k , P a in e supõe que o evangelho foi escrito por João, o presbítero, contempo­
râneo de P a p ia s . Entretanto, respondemos que o testemunho de I r in e u implica
uma longa tradição anterior. R. W. D a l e , Living Christ and Four Gospels, 145
- “Veneração religiosa tal como aquela com que Irineu considerava estes
livros é de um lento desenvolvimento. Eles devem ter ocupado um importante
lugar na igreja até onde alcança a memória humana”.
(.b ) Justin o , o M á r t i r (falecido em 148) fala das ‘m em órias (à7to|_ivr||ioveú^xata) de Jesus C risto’ e suas citações, apesar de às vezes feitas de m em ó­
ria, evidentem ente aparecem nos nossos evangelhos.
A este testemunho objeta-se: 1) J u s t in o , o M á r t ir , emprega o termo ‘memó­
rias’ em lugar de ‘evangelho’. Respondemos que em outra parte ele emprega
o termo ‘evangelhos’ e identifica as memórias com eles: Apologia, 1.66 “Os apóstolos, nas memórias compostas por eles, as quais eram chamadas
evangelhos,” /.e., não memórias, mas evangelhos, o que era propriamente o
título ou os registros escritos. Ao escrever a sua Apologia a M a r c o A u r é lio e a
M a r c o A n t o n in o , imperadores pagãos, escolheu o termo ‘memórias’, ou ‘memorabilia’, que X e n o f o n t e empregara como título da sua narrativa de Sócrates,
tão somente para evitar expressões eclesiásticas não familiares aos seus
leitores e pudesse recomendar os seus escritos aos amantes da literatura
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
227
clássica. Note que Mateus deve ser acrescentado a João, a fim de justificar
a repetida afirmação de Justino de que havia “memórias” do nosso Senhor
“escritas pelos apóstolos”, e que Marcos e Lucas foram adicionados para
justificar sua posterior afirmação de que tais memórias foram compiladas
pelos “seus apóstolos e os que os seguiram”. Em analogia ao emprego da
palavra ‘memória’ por Justino encontra-se o termo ‘domingo’, em vez de
sábado (Sabath): Apologia 1.67 - “No dia chamado ‘domingo’, todos os que
moram em cidades ou no campo reúnem-se num lugar, e lêem-se as memó­
rias dos apóstolos e os escritos dos profetas”. Eis aqui o emprego dos nossos
evangelhos nos cultos públicos, com igual autoridade às Escrituras do A.T.;
de fato, J u s t in o cita constantemente as palavras e atos da vida de Jesus a
partir da fonte escrita, empregando a palavra yéypcxtitcu.
Objeta-se ao testemunho de J u s t in o : 2) Citando as palavras vindas do céu
no batismo do Salvador, ele as faz dizer: “Meu filho, hoje te gerei”, citando,
deste modo, o SI. 2 .7 e mostrando que ele não conhecia o nosso atual evan­
gelho, Mt. 3 .1 7 . Respondemos que provavelmente isto foi um lapso de
memória perfeitamente natural numa época quando os evangelhos existiam
de uma forma tão incômoda como eram os rolos manuscritos. J u s t in o tam­
bém se refere ao Pentateuco em dois fatos que não se encontram nele;
porém não devemos, a partir disso, argumentar que ele não possuía o nosso
atual Pentateuco. As peças de T e r ê n c io são citadas por C íc e r o e H o r á c io e
não precisamos nem mais testemunhas e nem mais antigas para aceitarmos
a sua genuinidade, - embora C íc e r o e H o r á c io tivessem escrito cem anos
depois de T e r ê n c io . É injusto recusar semelhante evidência quanto aos evan­
gelhos. J u s t in o tinha um modo de combinar em um as palavras de diferentes
evangelistas - uma insinuação que T a c ia n o , seu aluno, provavelmente seguiu
ao compor o seu Diatessarão.
( c)
P a p ia s (80-164), a quem Irineu cham a ‘ouvinte de Jo ão ’, testifica que
M ateus “escreveu no dialeto hebraico os oráculos sagrados (x à X óyia)” e que
"M arcos, o intérprete de Pedro, escreveu segundo Pedro, (uoxepov riexpco)
(ou sob a direção de Pedro), um relato não sistem ático (oú t á ^ e i) ” dos even­
tos e discursos.
A este te s te m u n h o o b je ta -se : 1) P apias não p o d ia te r tid o o nosso e v a n g e ­
lho de M ateu s, p o rq u e este é grego. R e plicam o s, ou co m B leek , que Papias
su p ô s e rro n e a m e n te que um a tra d u ç ã o h e b ra ic a qu e ele p o ssu ía de M ateu s
fo s s e o te x to origin al; ou, com W eiss , que o te xto o rig in a l de M ateu s tin h a sido
e scrito em h e bra ico, e n q u a n to o no sso te x to atu al de M a te u s é um a ve rsã o
a m p lia d a do m esm o. A P alestin a, co m o o atual pa ís de G ales, era um te rritó ­
rio b ilíng üe; M ateus, co m o T iag o, p o d ia e s c re v e r ta n to em h e b ra ico co m o em
grego. E nq ua nto B. W. B acon d a ta o e s c rito de P apias tã o ta rd io com o 145160 A.D., L ightfoot o data de 130 A.D. N e sta ú ltim a da ta P apias fa cilm e n te
p o d e ria le m b ra r as h istó ria s q u e lhe fo ra m c o n ta d a s até de 80 A.D., pe io s
ho m en s m ais jo v e n s na ép o ca q u a n d o o S e n h o r a in d a vive u, m orreu, re ssu s­
citou e a sce n d e u ao céu. A o b ra de P apias tin h a co m o títu lo Aoyícov K u piaK âv
èÇíiyricnç - “ E x p o s iç ã o dos O rá c u lo s re la tiv o s ao S e n h o r” = C o m e n tá rio s
228
Augustus H opkins Strong
sobre os Evangelhos. Dois destes evangelhos eram Mateus e Marcos. O pon­
to de vista de W eiss mencionado acima tem sido criticado apoiado no fato de
que as citações do Velho Testamento em discursos de Jesus em Mateus são
todos tirados não do hebraico, mas da Septuaginta. W e s t c o t t responde a
esta crítica sugerindo que, ao traduzir o seu evangelho hebraico para o gre­
go, Mateus substituiu a sua versão oral dos discursos de Cristo pela destes já
existentes no evangelho oral comum. Há uma base oral comum do verdadei­
ro ensino, o “depósito” - xfiv 7iapa0fiKtiv - confiado a Timóteo (1 Tm. 6.20;
2 Tm. 1.12,14), a mesma história contada muitas vezes e recebida para ser
contada da mesma forma. As narrativas de Mateus, Marcos e Lucas são ver­
sões independentes deste testemunho apostólico. Em primeiro lugar veio a
crença; em segundo lugar, o ensino oral; em terceiro os evangelhos escri­
tos. Admite-se que o nome oriental para “joio” tenha vindo do oriental zawan,
(Mt. 13.25) transliterado para o grego ÇiÇávux; o evangelho original foi escrito
em aramaico. M orison, Coment.on Mathews, é de opinião que Mateus escre­
veu originariamente em hebraico uma coleção de frases de Jesus Cristo, que
os nazarenos e ibionitas acrescentaram, em parte vindas da tradição, e em
parte da tradução do seu evangelho completo até que o resultado fosse o
assim chamado Evangelho dos Hebreus; mas que Mateus escreveu o seu
próprio evangelho em grego depois de ter escrito as frases em hebraico.
O pensamento do professor W. A. S tevens é que Papias provavelmente fez
alusão ao autógrafo original que Mateus escreveu em aramaico, mas que
depois ampliou e traduziu para o gregõr~
Ao testemunho de P apias também se objeta; 2) Marcos é o mais sistemá­
tico de todos evangelistas; apresenta os eventos como um verdadeiro analis­
ta em ordem cronológica. Respondemos que, no que concerne à ordem cro­
nológica, Marcos é sistemático; no que concerne à ordem lógica, ele é o menos
sistemático de todos os evangelistas, mostrando pouco poder de agrupamento
histórico tão discernível em Mateus. Mateus tinha como objetivo retratar uma
vida mais do que registrar uma cronologia. Ele agrupa os ensinos de Jesus
nos capítulos 5, 6 e 7; seus milagres em 8 e 9; suas orientações aos apósto­
los no capítulo 10; em 11 e 12 descreve a crescente oposição; no 13 enfrenta
esta oposição com as suas parábolas; o restante do evangelho descreve a
preparação do nosso Senhor para a morte, a sua caminhada para Jerusalém,
a consumação da sua obra na cruz e na ressurreição. Eis o verdadeiro siste­
ma, um arranjo filosófico do material, comparado com o método de Marcos
que é eminentemente o menos sistemático.
(d)
Os Pais A p ostólicos, - C lem en te d e Rom a (falecido em 101), Inácio
A n tio q u ia (m artirizado em 115), e P o lic a rp o (80-166), com panheiros e am i­
gos dos apóstolos, deixaram -nos em seus escritos m ais de um a centena de
citações dos escritos do N ovo Testamento ou alusões a eles e entre estes, está
representado cada livro , exceto as quatro epístolas m enores (2 Pedro, Judas,
2 e 3 João).
Embora simples testemunhos, devemos ter em mente que eles estão
entre os principais das igrejas da sua época e que expressam a opinião das
de
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
229
suas próprias igrejas. “Como estandartes de um exercito oculto, ou picos de
uma fileira de montanhas distantes, representam e são sustentados pelos
grupos compactos contínuos”. Num artigo de P. W. Calkins, M c C l in t o c k e a
Enciclopédia de S t r o n g , 1.315-317, citações dos Pais Apostólicos em grande
número colocam-se lado a lado com as passagens do Novo Testamento, das
quais eles fazem citações ou alusões. Um exame de tais citações e alusões
convence-nos de que estes Pais possuíam todos os principais livros do Novo
Testamento. Nash, Ethics and Revelation, 11 - “ I n á c io diz a P o l ic a r p o : ‘Os tem­
pos chamam por ti como os ventos chamam pelo piloto’. Assim os tempos
chamam pela reverente e destemida erudição na igreja”. Somos persuadidos
de que tal erudição já demonstrou a genuinidade dos documentos do N.T.
(e)
Nos evangelhos sinóticos, a ausência de toda m enção do cum prim ento
de todas profecias de Cristo a respeito da destruição de Jerusalém é evidência
de que estes evangelhos foram escritos antes da ocorrência do referido evento.
Em Atos dos A póstolos, universalm ente atribuído a Lucas, tem os um a alusão
ao ‘prim eiro tratado’, ou o evangelho do m esm o autor, que deve, portanto, ter
sido escrito antes do fim do prim eiro aprisionam ento de Paulo em R om a e
provavelm ente com o auxílio e sanção do apóstolo.
At 1.1 - “Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo o que Jesus
começou não só a fazer, mas a ensinar”. S e Atos foi escrito em 63 A.D., dois
anos após a chegada de Paulo a Roma, então o “primeiro tratado”, o evange­
lho segundo Lucas dificilmente pode datar de após o ano de 60; visto que a
destruição de Jerusalém ocorreu em 70, Mateus e Marcos devem ter publica­
do os seus evangelhos quando muito cedo, em 68, quando as multidões ain­
da estavam vivas e tinham sido testemunhas oculares dos eventos da vida de
Jesus. F is h e r , Nature and Method of Revelation, 180 - “S eja qual for a consi­
deração de uma data mais tardia [do que a tomada de Jerusalém] evitar-se-ia
ou explicar-se-ia a aparente conjunção da destruição da cidade e do templo
com a Parousia. ... Deste modo, Mateus aparece depois do começo da luta
mortal dos romanos contra os judeus, ou entre os anos de 65 e 70. O evange­
lho de Marcos ainda é o mais antigo. A linguagem das passagens relativas à
Parousia, em Lucas, é consistente com a suposição de que ele escreveu
depois da queda de Jerusalém, mas não da suposição de que foi muito mais
tarde”.
C)
N os evangelhos sinóticos, a ausência de toda m enção do cum prim ento
de todas profecias de Cristo a respeito da destruição de Jerusalém é evidência
de que estes evangelhos foram escritos antes da ocorrência do referido evento.
Em Atos dos A póstolos, universalm ente atribuído a Lucas, tem os um a alusão
ao ‘prim eiro tratado’, ou o evangelho do m esm o autor, que deve, portanto, ter
sido escrito antes do fim do prim eiro aprisionam ento de Paulo em Rom a e
provavelm ente com o auxílio e sanção do apóstolo.
A ugustus H opkins Strong
230
(d)
H á evidência de que as igrejas prim itivas tom aram todo o cuidado para
elas mesm as assegurarem -se da genuinidade destes escritos antes de aceitá-los.
Evidências das precauções são as seguintes: Paulo, em 2 Ts. 2.2, estimu­
la as igrejas a tomarem cuidado, “não vos movais facilmente do vosso enten­
dimento, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavras, quer por
epístola”; 1 Co. 5.9 - “Já vos tenho escrito que não vos associeis com os que
se prostituem”; Cl. 4.16 - “E, quando esta epístola tiver sido lida entre vós,
fazei também que o seja na igreja dos laodicenses; e a que veio de Laodicéia,
lede-a vós também”. M e l it o (169), Bispo de Sárdis, que escreveu um tratado
sobre o Apocalipse de João, foi à Palestina para certificar-se in loco sobre os
fatos relativos ao Cânon do A.T. e, como resultado dessas investigações,
excluiu os Apócrifos. R y l e , Cânon of O. T., 203 - “ M e l it o , bispo de Sárdis,
enviou a um amigo uma lista das Escrituras do A.T. que ele professava ter
obtido através de uma cuidadosa pesquisa, em viagem à Síria, no Oriente.
O seu conteúdo concorda com o Cânon hebreu, exceto na omissão de Ester”.
Serapião, bispo de Antioquia (191-213, Abbot), diz: “Recebemos Pedro e
outros apóstolos como Cristo, mas, como homens sábios, rejeitamos aqueles
escritos falsamente atribuídos a eles”. G e o g e H. F e r r is , Baptist Congress,
1899.94 - “Serapião, depois de permitir a leitura do Evangelho de Pedro em
cultos públicos, decidiu-se, finalmente, contra ele, não porque pensasse não
haver um quinto evangelho, mas porque na sua opinião ele não foi escrito por
Pedro”. T e r t u l ia n o (160-230) dá um exemplo de deposição de um presbítero
na Ásia Menor por publicar uma pretensa obra de Paulo.
0b) O estilo dos escritos do N ovo Testam ento e sua plena correspondência
a tudo o que conhecem os das terras e tem pos em que eles professam ter sido
escritos fornecem convincente prova de que eles pertencem à era apostólica.
Note a mescla de Latim e Grego, como no caso de c7ceKo-uA,á,ta>p (Mc. 6.27)
e KEv-ttipuov (Mc. 15.39) de Grego e Aramaico em jtp ao icd jip a o ia í (Mc. 6.40)
e pSéXuyiaa Tfjç èpri(a.á>aecoç (Mt. 24.15); isto dificilmente teria ocorrido após o
primeiro século. Compare os anacronismos de estilo e a descrição em “Henry
Esmond” de T h a c k e r a y , que, a despeito dos estudos especiais do autor e de
sua determinação de excluir todas as palavras e expressões que se origina­
ram no seu século, foi frustrado pelos erros históricos que M a c a u l a y , em seus
momentos mais remissos, dificilmente teria cometido. J a m e s R u s s e l l L o w e l l
disse a T h a c k e r a y que “different to” não tinha um século de existência. “Hang
it, no!” replicou T h a c k e r a y . Diante desta falha, da parte do autor de grande
habilidade literária, ao construir uma história com a pretensão de ter sido
produzida um século antes da sua época e que podia servir de teste de crítica
histórica, podemos bem considerar o sucesso dos nossos evangelhos em
foco testes tais como uma demonstração prática de que eles não foram escri­
tos depois da era apostólica, mas nela mesma.
(c)
A genuinidade do quarto evangelho é confirmada pelo fato de que T aciano
(155-170), o assírio, discípulo de Justino, repetidam ente citava-o sem nom ear
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
231
o autor e com pôs um a harm onia dos quatro evangelhos a que cham ou de Diatessarão; enquanto B asílides (130) e V alentino (150), os G nósticos, tam bém
o citam.
A o b ra cé tica in titu la d a “ R e lig iã o S o b re n a tu ra l” , p u b lic a d a em 1874, diz:
“ N ingu ém p a rece te r visto a H a rm o n ia de T a c ia n o , p ro va ve lm e n te pe la s im ­
ples razã o de que tal o b ra não e x is tia ” ; e “ não há n e n h u m a e vid ê n cia de
co n e xã o do E va n g e lh o de Taciano com os do n o sso C â n o n ” . C o ntud o, em
1876, em V en eza foi p u b lica d o em Latim o C o m e n tá rio de Efrém S írio sobre
T a c ia n o ; co m e ç a v a assim : “No p rin c íp io e ra o V erb o (Jo. 1.1). Em 1888, o
Diatessarão foi p u b lica d o em R o m a na fo rm a de u m a tra d u ç ã o a rá b ica fe ita
no sécu lo de zesse te a pa rtir da S iríaca. J. R e n d e l H a rris , na Contemp. Review,
1 8 9 3 .8 0 0 sq., diz que a re cu p e ra çã o do D ia te ssa rã o de T acia no p o sp ô s in d e ­
fin id a m e n te o fu n e ra l lite rá rio de S. Jo ã o . O s crític o s ava n ça d o s, su g e re ele,
s ã o a ssim e h a m a d o s po rq u e co rre m à fre n te dos fa to s que eles discutem .
Os evangelhos devem ter estado bem estabelecidos na igreja cristã quando
se propôs a combiná-los. S r a . A. S . L e w is , em S. S. Times, 23 jan.
1904 - os evangelhos foram traduzidos para o Siríaco antes de 160 A.D.
Segue-se que o documento grego do qual eles foram traduzidos era mais
velho ainda e, visto que um inclui o evangelho de S. João, o outro também o
inclui. H e m p h il l , Literature of the Second Century, 183-231, dá o nascimento
de Taciano por volta de 120 A.D. e a data do Diatessarão em 172 A.D.
A diferença no estilo entre o Apocalipse e o evangelho de João se deve ao
fato de que aquele foi escrito durante o exílio de João em Patmos, sob o
império de Nero em 67 ou 68 iogo depois que João deixou a Palestina e fixou
sua residência em Éfeso. Até então ele falara Aramaico e o grego lhe era
relativamente pouco familiar. O evangelho foi escrito trinta anos depois, pro­
vavelmente por volta de 67, quando o Grego tinha se tornado para ele como
se fosse a sua língua materna. Expressões e idéias que indicam uma autoria
comum entre o Apocalipse e o evangelho são as seguintes: “o Cordeiro de
Deus”, “o Verbo de Deus”, “O Verdadeiro” como um epíteto aplicado a Cristo,
T a c ia n o
“os ju d e u s ” co m o in im ig os de D eus, “ m a n á ” , “ a q u e le s que o tra s p a s s a ra m ” .
No quarto evangelho temos à^voç, em Ap. temos àpvíov, talvez melhor para
distinguir “o Cordeiro do diminutivo xò 0r|píov, “o animal”. Comuns tanto ao
evangelho como ao Ap. temos noieív, “fazer” [a verdade]; 7ceputateív, sobre a
conduta moral; àVr|9ivóç, “genuíno”; 8i\|/âv, rceivâv, os mais elevados desejos
da alma; ctktivovv èv, jioiixaíveiv, óSriyevv; também ‘vencer’, ‘testemunho’, ‘noi­
vo’, ‘Pastor’, ‘água da vida’. No Apocalipse há solecismos gramaticais: nomi­
nativo em lugar do genitivo, 1.4 - à^ó ó âv; nominativo em lugar de acusativo,
7.9 - etSov... õxXoç ko7.úç; acusativo em lugar do nominativo, 20.2 - t o v Spáicovta
ó ckpiç. Semelhantemente em Rm. 1 2.5 - tó 5é koc0’ êiç em lugar de to 5è kocS^
eva, onde xaxá perde essa regência - solecismo freqüente nos escritores
gregos tardios. Emerson lembrava Jones Very que certamente o Espírito Santo
escreve em boa gramática. O Apocalipse parece mostrar que Emerson esta­
va errado.
O autor do quarto evangelho fala de João na terceira pessoa. Mas C é s ar
fala de si mesmo do mesmo modo em seus Comentários. H a r n a c k considera
232
Augustus H opkins Strong
tanto o quarto evangelho como o Apocalipse como obra do Presbítero ou
Ancião, aquele escrito não depois de 110 A.D.; este de 93-96, mas é uma
revisão de um ou mais apocalipses judaicos. V is c h e r expôs este ponto de
vista do Apocalipse; P o r t e r sustenta substancialmente a mesma coisa em
seu artigo sobre o Livro de Apocalipse no Hastings’ Bible Dictionary, 4.239266. “É óbvia a vantagem das hipóteses de V is c h e r - H a r n a c k que coloca a
obra original na época de Nero e a edição revista e cristianizada na época de
Domiciano”. ( S a n d a y , Inspiration, 371,37 2 descarta esta hipótese que levanta
mais dificuldades do que as remove. Ele põe o Apocalipse entre a morte de
Nero e a destruição de Jerusalém por Tito). M a r t in e a u , Seat ofAuthority, 227,
apresenta objeções morais à autoridade apostólica, e considera o Apocalipse,
desde 4 .1-2 2 .5 , como um documento puramente judaico que data de
66-70, suplementado e revisado por um cristão e editado não antes de 136:
“Quão estranho é termos pensado que é possível alguém que assiste no
ministério de Jesus escrever ou editar um livro mesclando ferozes conflitos
messiânicos em que, com espada, veste ensangüentada, chama furiosa, vara
de ferro, como seus emblemas, conduz a marcha militar e esmaga o lagar da
ira de Deus até que o dilúvio de sangue chegue aos freios dos cavalos com a
especulativa cristologia do segundo século, sem uma memória da sua vida,
uma caraterística do seu olhar, uma palavra da sua voz, um retrospecto às
montanhas da Galiléia, aos tribunais de Jerusalém, a estrada rumo a Betânia
onde a sua'ímagem deve ser vista para sempre”!
Contudo, a força desta afirmativa é grandemente quebrada se considerar­
mos que o apóstolo João, em seus primeiros dias, foi um dos “Boanerges,
que significa: filhos do trovão” (Mc. 3.17), mas tornou-se nos últimos anos o
apóstolo do amor: 1 Jo. 4.7 - “Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o
amor é de Deus”. A semelhança do quarto evangelho com a epístola, esta,
sem dúvida, obra do apóstolo João, indica a mesma autoria que a do evange­
lho. T h a y e r assinala que “a descoberta do evangelho segundo Pedro afasta
meio século de discussão. Breve como é o documento recuperado, atesta
indubitavelmente todos os nossos quatro livros canônicos”. R id d l e , em Popu­
lar Com., 1.25 - “S e um falsário escreveu o quarto evangelho então Belzebu
tem estado expulsando demônios por estes dezoito séculos”.
(d)
A E pístola aos Hebreus parece ter sido aceita durante o prim eiro século
depois que fo i escrita (assim testem unham C lem en te d e Roma, Justino, o
M á r t ir , e a versão Peshito). Então, p or dois séculos especialm ente nas igrejas
de R om a e do N orte da Á fric a e pro vavelm en te porque suas características
eram inconsistentes com a tradição de um a autoria paulina, duvidava-se de
sua genuinidade (T e rtu lia n o , Cipriano, Irineu, o C anon M uratoriano). No fim
do quarto século, Jerônim o exam inou a evid ên cia e decidiu em seu favor;
A g o stin h o fez o m esm o; o terceiro C oncilio de C artago form alm ente o reco­
nheceu (3 9 7 ); desde essa época as igrejas latinas se uniram ao Oriente, rece­
bendo-a, e assim definitivam ente se rem oveu a dú vida final.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
233
A Epístola aos Hebreus, cujo estilo é tão diferente do empregado pelo
apóstolo Paulo, provavelmente foi escrita por A p o l o , judeu alexandrino,
“varão eloqüente e poderoso nas Escrituras” (At. 18.24); porém, não obstan­
te, pode ter sido escrita por sugestão e sob a direção de Pauio e, conseqüen­
temente, na essência, paulina. A. C . K e n d r ic k , no American Commentary on
Hebrews, assinala que, conquanto o estilo de Paulo seja predominantemente
dialético e só em breves momentos torna-se retórico ou poético, na Epístola
aos Hebreus predomina o estilo retórico, livre de anacolutos, sempre domina­
do pela emoção. Ele sustenta que estas caraterísticas apontam para Apolo
como o seu autor. Estabeleça também um contraste do método que Paulo
utiliza para citar o A.T.: “está escrito” (Rm. 11.8; 1 Co. 1.31; Gl. 3.10) com o de
Hebreus: “diz ele” (8.5,13), “disse” (4.4). Paulo cita o A.T. cinqüenta e sete
vezes, mas nunca deste modo. Hb. 2.3 - “a qual, começando a ser anunciada
pelo Senhor, foi-nos depois, confirmada pelos que a ouviram” - mostra que o
escritor não recebeu o evangelho de primeira mão. L u t e r o e C a l v in o viram
corretamente nisto uma prova decisiva de que Paulo não é o autor porque ele
sempre insistia no caráter primário e independente do seu evangelho. A prin­
cípio, H a r n a c k supunha que a epístola tivesse sido escrita por Barnabé aos
cristãos de Roma, 81-96 A.D. Com o passar do tempo, contudo, ele a atribui
a Priscila, mulher de Áqüila ou à autoria conjunta. A majestade da sua dicção,
contudo, parece desfavorável a este ponto de vista. W il l ia m T. C . H a n n a :
“As palavras do au tor... são comandadas grandiosamente e se movem numa
estratégia militar como um aumento de uma onda de maré”. P l u m p t r e , Introduction to N.T., 37, e no Expositorv ol. I, considera o autor da epístola o mes­
mo da Apócrifa Sabedoria de Salomão, esta composta antes, aquela depois
da conversão do escritor ao cristianismo. Talvez a nossa conclusão mais
segura seja a de Orígenes: “Só Deus sabe quem a escreveu”. Contudo, H a r ­
n a c k assinala: “Já se foi o tempo em que a nossa antiga literatura cristã,
Introd. to N.T., tinha sido considerada como um entrelaçamento de ilusões e
falsificações. A mais antiga literatura da igreja é, nos pontos essenciais e, na
maior parte dos seus pormenores, verdadeira e fidedigna”.
(e)
Q uanto a 2 Pedro, Judas e 2 e 3 João, epístolas m ais freqüentem ente
tidas com o espúrias, podem os dizer que, apesar de não term os nenhum a evi­
dência externa conclusiva anterior a 160 A.D. e, no caso de 2 Pedro, nenhum a
anterior a 230-250 A .D ., podem os argum entar em favor da sua genuinidade
não só por suas características internas do estilo literário e valor m oral, mas
tam bém pela sua aceitação geral desde o terceiro século com o verdadeiras
produções dos hom ens ou classes de hom ens que lhes dão os nom es.
F ir m il ia n o (250), bispo de Cesaréia, na Capadócia, é a primeira clara tes­
temunha de 2 Pedro. O r íg e n e s (230) cita-a, mas, ao fazê-lo, admite que a sua
genuinidade é questionada. O Concilio de Laodicéia (372) foi o primeiro
a recebê-la no Cânon. Com este mesmo reconhecimento e aceitação de
2 Pedro, compare a perda das últimas obras de A r is t ó t e l e s durante cento e
cinqüenta anos após a sua morte e o reconhecimento delas como genuínas
234
A ugustus H opkins Strong
tão logo foram recuperadas da adega da família de Neleu na Ásia; a primeira
publicação de algumas cartas de L u t e r o por D e W e t t e após o lapso de tre­
zentos anos, embora sem ocasionar dúvida quanto à sua genuinidade; ou a
ocultação do Tratado de Doutrina Cristã de Milton, entre os trastes do Diário
Oficial de Londres, de 1677 a 1823. S ir W il l ia m H a m il t o n queixava-se de que
havia tratados de C u d w o r t h , B e r k e l e y e C o l l ie r ainda não publicados e mes­
mo desconhecidos de seus editores, biógrafos e colegas de metafísica, mas
ainda do mais elevado interesse e importância. 2 Pedro provavelmente
foi remetido do Oriente pouco antes do martírio de Pedro; a distância e a
perseguição podem ter impedido a sua rápida circulação nos outros países.
S a g e b e e r , The Bible in Court, 114 - “Pode ter-se perdido o razão (livro contá­
bil) ou a sua autenticidade ao longo do tempo ser objeto de dúvida, mas, uma
vez descoberto e provado é considerado fidedigno como qualquer parte dos
res gestae (feitos ilustres)”.
Os que duvidavam da genuinidade de 2 Pedro insistiam em que a epístola
fala dos “vossos apóstolos”, do mesmo modo em que Jd. 17 sobre “os apósto­
los”, como se o escritor não se contasse entre eles. Mas 2 Pedro começa com
“Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo”, e Judas, “irmão de Tiago” (vs.
1) era irmão do nosso Senhor, mas não apóstolo. H o v e y , Introd. to N. T., xxxi “A mais antiga passagem manifestamente baseada em 2 Pedro parece estar
na assim chamada Segunda Epístola do Romano C l e m e n t e , 16.3, que agora
se sabe tratar-se de uma homilia cristã da metade do segundo século”. O r íg e ­
n e s (nascido em 186) testifica que Pedro deixou uma epístola, “e talvez uma
segunda de que se discute”. Também ele diz: “João escreveu o Apocalipse e
uma epístola de poucas linhas; e pode ser que uma segunda e uma terceira;
porque riênvfõdos admitem que sejam genuínas”. Também ele faz citação de
Tiago e de Judas acrescentando que se duvida da sua canonicidade.
H a r n a c k considera 1 Pedro, 2 Pedro, Tiago e Judas escritos respectiva­
mente por volta de 16 0 ,17 0 ,13 0 e 130, mas não pelos homens aos quais são
atribuídos - a atribuição a estes autores é adição feita mais tarde. H o r t assi­
nala: “S e alguém me perguntasse, eu diria que o balanço do argumento é
contra 2 Pedro, mas no momento em que ajo assim devo começar a pensar
que eu devo estar errado”. S a n d a y , Oracles of God, 73 nota, considera os
argumentos favoráveis a 2 Pedro não convincentes, mas o mesmo ocorre
com os argumentos contrários. Ele não pode ir além do non liquet (não evi­
dente). Ele se refere a S a l m o n , Introd. to N. T., 529-559, ed. 4, expressando o
seu ponto de vista. Porém mais tarde as conclusões de S a n d a y são mais radi­
cais. Em suas Bampton Lect. sobre a Inspiração, 348,399, diz: 2 Pedro “é
provavelmente ao menos nesta extensão uma contrapartida que aparece sob
o nome que não é o do verdadeiro autor”.
C h a s e , em Hastings’ Bible Dict. 3:806-817, diz que “a primeira peça de
certa evidência é a passagem de O r íg e n e s citada por E u s é b io , embora dificil­
mente se admite dúvida de que a Epístola fosse conhecida por C le m e n t e de
A l e x a n d r ia . ... Não encontramos nenhum traço da epístola no período quando
a tradição dos dias apostólicos ainda estava viva. ... Não é a obra do apósto­
lo, mas do segundo século ... adiantar-se sem qualquer motivo sinistro ... a
personificação do apóstolo, um artifício literário e não uma fraude religiosa ou
controvertida. A adoção de tal veredicto só pode causar perplexidade quando
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
235
a promessa do Senhor de guiar a sua igreja for considerada como total infali­
bilidade”. Contra este veredicto apresentamos a dignidade do valor espiritual
de 2 Pedro - evidência interna que, a nosso juízo, faz a balança pender para
a autoria apostólica.
(/) Sobre nenhum a outra hipótese além da sua genuinidade pode a aceita­
ção geral destas quatro epístolas, desde o terceiro século, e de todos os outros
livros do N ovo Testam ento, desde a m etade do segundo século, ser satisfato­
riam ente levada em conta. Se tivessem sido m eras coleções de lendas flutuan­
tes, não poderiam ter garantida am pla circulação com o livros sagrados pelos
quais os cristãos responderiam com o próprio sangue. Se tivessem sido forja­
dos, as igrejas, em geral, nem poderiam ter sido enganadas quanto à sua não
existência prévia, nem teriam sido induzidas unanim em ente a fingir que elas
eram antigas e genuínas. C ontudo, tanto quanto outros relatos sobre a origem
delas, inconsistentes com a sua genuinidade, agora correntes, continuam os a
exam inar m ais detidam ente os m ais im portantes destes pontos de vista.
A genuinidade do Novo Testamento como um todo ainda seria demonstrável mesmo que houvesse dúvida quanto a um ou dois dos seu livros.
Não importa
o 2- Alcibíades não foi escrito por P latão , ou P éricles por
S hakespeare . O Concilio de Cartago em 397 deu lugar no Cânon aos Apócri­
fos do A.T., mas os Reformadores os cortaram. Sobre o Apocalipse Z wínglio
diz: “Não é um livro bíblico” e L utero fala de modo desfavorável a respeito da
Epístola de Tiago. O juízo da cristandade em geral é mais fidedigno que as
impressões particulares de qualquer erudito cristão. Sustentar que os livros
do N.T. foram escritos no segundo século por outras pessoas que não são as
que levam os seus nomes não é somente uma falsidade, mas uma conspira­
ção de falsidade. Deve haver vários falsários da obra e, visto que os seus
escritos maravilhosamente concordam, deve ter havido uma conspiração
entre eles. Contudo, tais homens têm sido esquecidos, enquanto os nomes
de escritores bem mais fracos do segundo século têm sido preservados.
G. H. W r ig h t , Scientific Aspects of Chrístian Evidences, 343 - “Há na lei
civil ‘estatutos de limitações’ determinando que o reconhecimento de um fato
proposto durante um certo período será considerado como sua evidência con­
clusiva. Por exemplo: se alguém permanece na posse da terra sem ser per­
turbado durante um certo número de anos, presume-se que tenha o direito de
reivindicá-la e a ninguém é dado o direito de contestá-lo”. M a ir, Evidences, 99
- “É possível que não tenhamos um décimo da evidência de que as igrejas
primitivas aceitassem os livros do N.T. como produções genuínas dos seus
autores. Temos apenas o seu veredicto”. W ynne, em Literature o fth e Second
Century, 58 - “Aqueles que abriram mão das Escrituras são vistos por seus
companheiros cristãos como ‘traditores’, traidores, desistiram basicamente
daquilo que deveriam ter entesourado como a coisa mais preciosa da vida.
Porém todos os seus livros eram igualmente sagrados. Alguns eram essen­
ciais à fé e outros não o eram. Por isso estabeleceu-se a distinção entre os
236
A ugustus H opkins Strong
canônicos e os não canônicos. A consciência geral dos cristãos tornava-se
um registro cada vez mais distinto”. A tal registro confere-se o mais elevado
respeito e reforço à carga comprobatória sobre o opositor.
D) Teorias racionalistas quanto à origem dos evangelhos. São tentativas de
elim inar o elem ento m iraculoso dos registros do N ovo Testam ento e recons­
truir a história sagrada apoiada nos princípios do naturalism o.
C ontra elas apresentam os a objeção geral de que são anticientíficas em seu
princípio e m étodo. E xam inar os docum entos do N ovo Testam ento na suposi­
ção de que toda a história é um desenvolvim ento natural e que, portanto, os
m ilagres são im possíveis, é fazer da história m atéria não de testem unho, mas
de especulação apriori. N a verdade torna im possível toda a história de Cristo
e dos apóstolos porque as testem unhas cujo depoim ento quanto aos m ilagres é
desacreditado não pode m ais ser considerado digno de crédito no relato da
vida e doutrina de Cristo.
Há meio século, na Alemanha, era famoso “o homem que avança com o
seu machado através da espessura do arvoredo” (SI. 74.5), do mesmo modo
que entre os índios norte-americanos ele não era contado como o homem
que não podia mostrar a sua cabeleira. Os críticos felizmente escalpam-se
reciprocamente. N icoll, The Church’s One Foundation, 15 - “Como os mas­
carados no passado, os críticos céticos mandavam alguém adiante deles var­
rer com uma vassoura o palco, limpando-o para a apresentação do drama. Se
admitirmos no limiar do estudo do evangelho que tudo que se refere à nature­
za do milagre é possível, as perguntas específicas decidem-se antes que os
críticos comecem a operar a todo vapor". M atthew A rnold: “Nossa religião
popular atualmente concebe o nascimento, o ministério e a morte de Cristo
como impregnados de prodígios, transbordantes de milagres, e os milagres
não acontecem". Esta pressuposição influencia as investigações de K uenen e
de A. E. A bbott , em seu artigo na Encyciopaedia Britannica sobre os evange­
lhos. Damos atenção especial a quatro teorias baseadas nesta suposição.
I a) A teoria do M ito de S trauss (1808-1874)
Segundo este ponto de vista, os evangelhos são cristalizações das idéias
messiânicas na história que por muitas gerações encheram a cabeça dos homens
de im aginação na Palestina. O m ito é um a narrativa de que tais idéias incons­
cientem ente se revestem e cujo elem ento de engano intencional e deliberado
está ausente.
Este primitivo ponto de vista de S trauss , que se identificou com o seu
nome mudou nos últimos anos para um outro mais avançado que ampliou o
sentido da palavra ‘mito’ de modo a incluir todas as narrativas que brotam de
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
237
um a id é ia te o ló g ic a e que ad m itia m a e x is tê n c ia de ‘fra u d e s p ie d o s a s ’ nos
e va ng elh os. B aur , diz ele, p rim e iro o c o n ve n ce u de que o a u to r do quarto
e va n g e lh o tin h a não raro co m p o sto m era s fá b u la s sa b e n d o que eram fic ç õ e s ” .
O espírito animador tanto dos velhos pontos de vista como dos novos é o
mesmo. S tra u s s diz: “Sabemos com certeza o que Jesus não era e o que ele
não fez, a saber, nada de sobre-humano e sobrenatural”. Nenhum evangelho
pode reivindicar esse grau de credibilidade histórica que seria requerido para
fazer-nos abater a razão até ao ponto de crer nos milagres”. Ele chama a
ressurreição de Cristo “ein weltgeschichtlicher Humbug (um disparate históri­
co terreno)”. “S e os evangelhos realmente são documentos históricos, não
podemos excluir o milagre da vida da história de Jesu s”. Vatke, Einleitung in
A.T., 2 1 0 ,2 1 1 estabelece diferença entre mito e saga ou lenda: O critério do
puro mito é que é impossível a experiência enquanto a saga é uma tradição
de antigüidade remota; o mito tem em si só o elemento da crença, a saga tem
em si o elemento de história. S abatier, Philos. Religion, 37 - “O mito só é falso
na aparência. O Espírito divino pode valer-se das ficções da poesia do mes­
mo modo que o arrazoado da lógica. Quando o coração é puro, as veias da
fábula sempre permitem que a face da verdade brilhe. E não ocorre a infância
na maturidade e na “idade senil?”
É claro que o amor infantil pela verdade não é o espírito animador de
Strauss. Ao contrário, seu espírito é o da crítica sem remorso e da intransi­
gente hostilidade ao sobrenatural. Com muita propriedade se tem dito que ele
reuniu todas as objeções anteriores dos céticos quanto à narrativa do evan­
gelho e as arremessou em uma massa exatamente como qualquer saduceu
no tempo do julgamento de Jesus tinha posto todos os escárnios e chacotas,
todos os tapas e insultos, toda vergonha e cusparada despedida contra a
face do Redentor. Uma octogenária e santa senhora alemã sem suspeita dis­
se que “seja como for ela nunca podia estar interessada” na Leben Jesu (Vida
de Jesus) de S trauss que o seu filho cético lhe dera como leitura religiosa.
A obra é quase totalmente destrutiva. Só o último capítulo sugeria o ponto de
vista do próprio S trauss sobre o que Jesus é.
S e for verdadeiro o dito de L u te ro de que “o coração é o melhor teólogo”,
S tra u s s deve ser considerado destituído da principal qualificação para a sua
tarefa. Encyclopaedia Brítannica , 2 2 .5 9 2 - “A mente de Strauss é quase
exclusivamente analítica e crítica, sem profundidade de sentimento religioso,
ou penetração filosófica, ou simpatia histórica. Sua obra é raramente constru­
tiva e, exceto quando trata do espírito aparentado, ele fracassa como histo­
riador, biógrafo e crítico, ilustrando de modo marcante o princípio profunda­
mente verdadeiro de G oethe de que a amorosa simpatia é essencial à crítica
produtiva”. P fle id e re r, Strauss’s Life of Jesus, xix - “Strauss mostra que a
igreja forma tradições mitológicas a respeito de Jesu s por causa da fé nele
como Messias; mas ele não mostra como a igreja veio pela fé de que o Jesus
de Nazaré é o Messias”.
O bjetam os à Teoria M ito de S trauss, da seguinte m aneira:
d) O tem po entre a m orte de Cristo e a publicação dos evangelhos foi muito
curto para o desenvolvim ento e consolidação de tais histórias míticas. Os mitos,
238
A ugustus H opkins Strong
ao contrário, com o dão testem unho os hindus, os gregos, os rom anos e os
escandinavos são o lento desenvolvim ento de séculos.
b) O prim eiro século não foi um a época em que tal form ação era possível.
Ao invés de ser um a época crédula e im aginativa foi de investigação histórica
e de saduceísm o em m atéria de religião.
H o rácio , Odes 1.34 e 3.6, denuncia a negligência e a esquaiidez dos tem­
plos pagãos e Juvenal, Sátira 2.150 diz que “Esse aliquid manes et subterranea regna Nec pueri credunt”. [Nem as crianças acreditam que haja algum
manes (espírito bom) e reinos subterrâneos”]. A rnold de Rugby: “Ah, essas
idéias de homens escrevendo histórias mitológicas entre os tempos de Lívio e
uie de Paulo confundindo-os com realidades!” A pergunta cética de Pilatos, “o
que é a verdade?” (Jo. 18.38) é o que de melhor representa a época. “Já se
foi a era mitológica quando uma idéia se apresentava de forma abstrata independente da narrativa”. A seita judaica dos saduceus mostra que o espí­
rito racionalista não está confinado a gregos e romanos. A pergunta de João
Batista, (Mt. 11.3) “És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro?” e a
resposta do nosso Senhor, (11.4,5) “Ide e anunciai a João as coisas que ouvis
e vedes: os cegos vêem ... os mortos são ressuscitados”, mostram que os
judeus esperavam que o Messias operasse milagres; contudo, João 10.41 “João não fez sinal algum” não mostra nenhuma inclinação irresistível de
investir os mestres populares de poderes miraculosos.
c) Os evangelhos não podem ser um desenvolvim ento m ítico de idéias e
expectações judaicas porque, em suas principais características, eles contra­
riam diretam ente estas idéias e expectações. O casm urro e exclusivo naciona­
lism o dos judeus não podia ter feito surgir um evangelho para todas as nações,
nem as suas expectações de um m onarca tem poral podia ter conduzido à his­
tória de um M essias sofredor.
Os Apócrifos do A.T. mostram quão limitada era a visão dos judeus.
2 Esdras 6.55,56 diz que o Onipotente fez o mundo “por causa de nós”; outros
povos, embora “também originados de Adão”, “são apenas como a saliva”.
Toda a multidão deles está apenas diante do Eterno “semelhantes a uma gota
imunda que cai do casco” (C. G eikie , S. S. Times). O reino de Cristo difere
daquele que os judeus esperavam, tanto pela sua espiritualidade como pela
sua universalidade (B ruce , Apologetics , 8). Não existe nenhum impulso mis­
sionário no mundo pagão; por outro lado, para o tribal é uma blasfêmia fazer
conhecido o seu deus a um estranho (N ash , Ethics and Revelation, 106).
Os evangelhos apócrifos mostram que tipo de mitos na época do N.T. teriam
sido elaborados: Conta-se que de uma moça demoníaca Satanás saiu em
forma de um moço (B ernard , em Literature o fth e Second Century, 99-136).
d) A crença e propagação de tais m itos são inconsistentes com o que sabe­
m os dos caracteres sóbrios e das vidas auto-sacrificiais dos apóstolos.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
239
e ) A teoria m ítica não pode explicar a aceitação dos evangelhos entre os
gentios, que não tinham nada das idéias e expectações judaicas.
f) E la não pode explicar o próprio cristianism o com a sua crença na cruci­
ficação e ressurreição de Cristo e as ordenanças que com em oram estes fatos.
Como a existência da República dos Estados Unidos é prova de que hou­
ve outrora uma Revolução, do mesmo modo o cristianismo é uma prova da
morte de Cristo. A mudança do sétimo dia para o primeiro, na observância do
Sabbath (guarda do descanso) nunca poderia ter ocorrido em uma nação tão
“sabatária” se o primeiro dia da semana não tivesse sido a celebração da
verdadeira ressurreição. Do mesmo modo não se pode explicar a Páscoa
Judaica e o Dia da Proclamação da Independência, o batismo e a Ceia do
Senhor, senão como monumentos e memoriais de fatos históricos do começo
da igreja cristã.
2 a) Teoria da Tendência, de B aur ( 1 7 9 2 - 1 8 6 0 )
Sustenta que os evangelhos se originaram na m etade do segundo século e
foram escritos sob nom es supostos com o um m eio de ocultar tendências opos­
tas judaicas e gentílicas na igreja. “Estas grandes tendências nacionais acham
sua satisfação, não nos eventos correspondentes a elas, m as na elaboração das
ficções conscientes” .
B aur data o quarto evangelho de 160-17 0 A.D.; Mateus de 130; Lucas
150; Marcos de 150-160. B aur nunca indaga quem era Cristo. Ele volta a sua
atenção para os documentos. S e estes se provam anti-históricos, não há
necessidade de examinar os fatos, pois não há fatos para examinar. Ele indi­
ca a pressuposição destas investigações, quando diz: “O principal argumento
para a origem mais tardia dos evangelhos deve sempre continuar a ser esta,
que separadamente e ainda mais quando reunidos eles dão um relato da vida
de Jesus que implica impossibilidades” - /'.e., os milagres. Por isso ele queria
remover a autoria deles para bem distante do tempo de Jesus a fim de consi­
derar os milagres como invenções. B aur sustenta que em Cristo unem-se o
espírito universalista da nova religião, e a forma particularista da idéia mes­
siânica judaica; alguns dos seus discípulos dão ênfase a uma, alguns a outra;
daí o primeiro conflito, mas por fim a reconciliação. E. G. R obinson interpreta
Baur da seguinte maneira: “Paulo = Protestante; Pedro = sacramentalista;
Tiago = ético; Paulo + Pedro + Tiago = Cristianismo. A pregação protestante
deve residir mais na ética - casos de consciência - menos na mera doutrina,
como regeneração e justificação”.
B aur era estranho às necessidades da sua própria alma e, deste modo,
ao caráter real do evangelho. Um dos seus amigos e conselheiros escreveu,
após a morte dele, em termos laudatórios: “A sua natureza era inteiramen­
te objetiva. Nenhum traço de necessidade pessoal ou de luta se discerne
em conexão com as suas investigações sobre o cristianismo”. A avaliação
240
Augustus H opkins Strong
da posteridade talvez se expresse no juízo da E scola de T übingen feito
por Harnack: “O possível quadro esboçado não era o real, e a chave com
que ele tentou resolver todos os problem as não bastou para o mais simples.
... Os pontos de vista de Tübingen na verdade foram forçados a submeter-se
a modificações. A respeito do desenvolvimento da igreja no segundo século
pode-se dizer seguramente que a hipótese da Escola de Tübingen provou-se
em toda a parte inadequada, muito errônea, e hoje só é sustentada por pou­
cos eruditos”.
O bjetam os a Teoria-tendência de B aur da seguinte maneira:
a) A crítica destrutiva a que sujeita os evangelhos, se aplicada aos docum en­
tos seculares, privar-nos-ia de qualquer conhecim ento certo do passado e tor­
naria toda a história im possível.
A suposição de um artífice é em si mesm a desfavorável a um cândido
exame dos documentos. Uma perversa perspicácia pode desacreditar as evi­
dências de um oculto animus nas mais simples e ingênuas produções literárias.
b) As tendências doutrinárias antagônicas que professa achar nos vários
evangelhos são m ais satisfatoriam ente explicadas apenas com o aspectos con­
sistentes variantes do m esm o sistem a de verdade sustentado pelos apóstolos.
Baur exagera as diferenças doutrinárias e oficiais entre os principais após­
tolos. Pedro não foi sim plesm ente um cristão judaizante, mas o primeiro pre­
gador aos gentios e a sua doutrina parece ter sido subseqüentem ente influen­
ciada em grande parte pela de Paulo {ver P lumptre, sobre 1 Pedro 68-80).
Paulo não foi exclusivam ente um cristão helenizante, mas invariavelmente
dirigia o evangelho aos judeus antes de se dirigir aos gentios. Os evangelis­
tas apresentam quadros de Jesus de diferentes pontos de vista. Como o
escultor parisiense constrói o seu busto com o auxílio de uma dúzia de foto­
grafias do seu propósito, todas partindo de diferentes pontos de vista, do
mesm o modo a partir dos quatro exem plares que nos são fornecidos por
Mateus, Marcos, Lucas e João devemos construir a sólida e sim étrica vida de
Cristo. A mais profunda realidade que estabelece a reconciliação dos diferen­
tes pontos de vista possíveis é o verdadeiro Cristo histórico. M arcus Dods,
Expositor's Greek Testament, 1675 - “Não se trata de dois Cristos, mas de
um, que é a pintura dos quatro evangelhos: divergente no contorno e na fren­
te do rosto, mas recíproco com plem ento ao invés de uma contradição” .
G odet , Introd. to Gospel Collection, 272 - Mateus mostra a grandeza de
Jesu s - é o seu retrato em tamanho grande; Marcos, a sua incansável ativida­
de; Lucas, a sua benéfica compaixão; João, a sua divindade essencial.
Mateus escreveu, inicialmente a Lógia Aramaica. Esta foi traduzida para o
Grego e completada com uma narrativa do ministério de Jesus para as igre­
jas gregas fundadas por Paulo. Não foi Mateus que fez esta tradução, nem se
valeu do texto de Marcos (217-224). E. D. B urton : Mateus = cumprimento da
profecia feita no passado; Marcos = manifestação do poder presente. Mateus
)
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
241
é o argumento a partir da profecia; Marcos, a partir do milagre. Mateus, no
que se refere à profecia, causou maior impressão nos leitores judeus; Mar­
cos, como poder, mais se adaptou aos gentios. O P rof. B urton sustenta que
Marcos se baseia só nas tradições orais; Mateus, na Lógia (seu verdadeiro
evangelho) e outras notas fragmentares; enquanto Lucas tem origem mais
completa nos manuscritos e em Marcos.
c) É incrível que produções de tal poder literário e tão elevado ensino reli­
gioso com o os evangelhos teriam surgido em m eados do segundo século, ou
que teriam sido publicados sob nom es supostos para fins velados.
O ca rá te r geral da lite ra tu ra do s e g u n d o s é c u lo é ilu stra d o pelo fa n á tico
de sejo de m artírio da p a rte de Inácio, cujo v a lo r H e rm a s a trib u i ao rig or a scé ­
tico, nas in síp id a s a le g o ria s de B arn ab é, na c re n ç a na fê n ix da parte de C le­
m en te de R om a e nos a b su rd o s dos E va n g e lh o s A p ó crifo s. O au to r do quarto
e va n g e lh o e n tre os e scrito re s do s e g u n d o sé cu lo teria m sid o um a m on ta nh a
entre os m o n tícu lo s. W y n n e , Literature ofthe Second Century, 60 - “Os e s c ri­
tos a p o stó lico s e su b a p o s tó lic o s d ife re m e n tre si com o um a pe p ita de ouro
puro dife re de um b lo co de q u a rtzo com v e ia s do p re cio so m etal b rilha nd o
a tra vé s d e le ” . D o rn e r, Hist. Doct. Person Christ., 1.1.9 2 - “A o invés dos e scri­
to re s do se g u n d o sécu lo , m a rca n d o um a va n ço na era a p o stó lica , ou d e se n ­
vo lve n d o o g e rm e q u e os a p ó sto lo s lhes d e ra m , o se g u n d o sécu lo m o stra um
g ra n d e re tro ce sso ; se u s e scrito re s não fo ra m ca p a ze s de reter ou c o m p re e n ­
d e r tu d o o q u e lhes tin h a sid o d a d o ” . M artin ea u, Seat of Authority, 291 “ E scrito re s bá rba ros, não só na fala , e ru d e s na arte, m as tam b é m fre q ü e n te ­
m en te p u e ris nos co n ce ito s, a p a ix o n a d o s no te m p e ra m e n to , e cré d u lo s na
su a fé. A s lendas de Papias, as visõ e s de Hermas, a im b e cilid a d e de Irineu, a
fú ria de T e r t u u a n o , o ra n c o r e in d e lic a d e z a de J e r ô n im o , a in te m p e s tiv a in to­
le râ n cia de A go stinh o, não podem d e ix a r de a tu rd ir e re p e lir o e stu dan te ; e,
se ele se vo lta p a ra o m ais m an so H ipólito, é in tro d u z id o p o r um a ch o ca d a de
trin ta h e resias que tris te m e n te d issip a m o seu so n h o da un id a d e da ig re ja ” .
Não p o d e m o s a p lic a r aos e scrito re s do s e g u n d o s é cu lo a p e rg u n ta de Ingersoll na c o n tro v é rs ia Shakespeare-Bacon: “S e rá p o ssíve l que Bacon d e ixa ria os
m elho re s filh o s do se u cé re b ro na s o le ira da p o rta de Shakespeare e apenas
c o n s e rv a s s e em c a s a os d e fo rm a d o s ? ”
d) A teoria requer de nós que creiam os em um a anom alia m oral, a saber,
que um fiel discípulo de Cristo no segundo século pudesse ser culpado de
fabricar um a vida do m estre, e reivindicar autoridade para isto na base de que
o autor tinha sido um com panheiro de Cristo ou de seus apóstolos.
“Genial posicionamento dos religionários jesuíticos” - com mente e cora­
ção suficientes para o evangelho segundo João e que, ao mesmo tempo com
sangue frio têm a sagacidade suficiente para retirar dos seus escritos cada
traço de desenvolvimento da autoridade da igreja pertencente ao segundo
século. O recém-descoberto “Ensino dos Doze Apóstolos”, talvez datado da
242
A ugustus H opkins Strong
primeira parte do referido século, mostra que tal combinação é impossível.
As teorias críticas supõem que aquele que conheceu Cristo como homem
não podia considerá-lo como Deus. L owrie , Doctríne o f St. John, 12 - “Se S.
João escreveu, não é possível dizer que o gênio de S. Paulo impingiu à igreja
uma concepção originariamente estranha aos apóstolos”. Fairbairn bem mos­
trou que, se o cristianismo tivesse sido somente o ensino ético do Jesus
humano, teria desaparecido da terra como as seitas dos fariseus e dos saduceus; por outro lado, se a doutrina do Logos fosse somente a do Cristo divino,
teria desaparecido como as especulações de P latão e de A ristóteles ; porque
o cristianismo une a idéia do eterno Filho de Deus com a do encarnado Filho
do homem é adequado a uma religião universal e se tornou igual a ela; ver
Fairbairn , Philosophy of the Christian Religion, 4, 15 - “Sem o encanto pessoal
do Jesu s histórico, os credos ecumênicos nunca teriam sido formulados ou
tolerados e, sem a concepção metafísica de Cristo, a religião cristã há muito
teria deixado de viver. ... Não é o Jesus de Nazaré que entrou tão poderosa­
mente na história; é o Cristo deificado que se tornou objeto de crença, de
amor e de obediência como o Salvador do mundo. ... As duas partes da dou­
trina cristã combinam-se no nome ‘Jesu s Cristo’”.
e)
E sta teoria não pode dar conta da aceitação universal dos evangelhos no
fim do segundo século entre as com unidades am plam ente separadas onde a
reverência pelos escritos dos apóstolos era m arca de ortodoxia e onde as here­
sias gnósticas teriam feito novos docum entos sujeitos a suspeita e exam e
m inucioso.
A bbot , Genuineness ofthe Fourth Gospel, 52, 80, 88, 89. S e doutrina joanina do Logos fosse proposta na primeira na irietade do segundo século, teria
imediatamente garantido a rejeição daquele evangelho pelos gnósticos, que
atribuíram a criação, não ao Logos, mas aos sucessivos “eons”. Como os
gnósticos, sem hesitação, vieram a aceitar como genuíno aquilo que na sua
época tinha surgido nas igrejas? Conquanto B asílides (130) e V alentino (150),
que eram gnósticos, citam o quarto evangelho, não discutem a sua genuini­
dade nem sugerem que fosse de origem recente. B ruce , em sua Apologetics,
diz a respeito de B aur : “Ele cria na plena suficiência da teoria hegeliana do
desenvolvimento através do antagonismo. Essa tendência ele viu em toda a
parte. Qualquer coisa que se adiciona, proporcionando mais conteúdo à pes­
soa e ao ensino de Jesus do que se presta ao estágio inicial de desenvolvi­
mento, deve ser considerado espúrio. Se encontramos Jesus em qualquer
dos evangelhos reivindicando ser uma pessoa sobrenatural, tais textos
podem, com a máxima confiança, ser postos de lado como espúrios, porque
tal pensamento não pode pertencer ao estágio inicial do cristianismo”. Porém
tal concepção, sem dúvida, existiu no segundo século e antagonizava direta­
mente as especulações dos gnósticos. F. W. F arrar , sobre Hb. 1 2 - “A pala­
vra eon foi empregada mais tarde pelos gnósticos para descrever as várias
emanações pelas quais eles tentavam ao mesmo tempo ampliar e estabele­
cer uma ponte sobre o abismo entre o humano e o divino. Sobre essa lacuna
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
243
imaginária João lançou a arca da encarnação ao escrever: ‘O Verbo se fez
carne’ (Jo. 1.14)”. Um documento que contraditava tanto os ensinos gnósti­
cos não podia, no segundo século, ter sido citado por eles mesmos sem dis­
cutir a sua genuinidade se não tivesse sido há muito reconhecido nas igrejas
como obra do apóstolo João.
f)
O reconhecim ento de B aur de que as epístolas aos Rom anos, aos Gálatas e aos C oríntios foram escritas por Paulo no prim eiro século é fatal para a
sua teoria visto que estas epístolas testificam não só os m ilagres no período
em que foram escritos, m as os principais eventos da vida de Jesus e o m ilagre
da sua ressurreição com o fatos já há m uito reconhecidos na igreja cristã.
B aur , PauI der Apostei (O Apóstolo Paulo), 276 - “Nunca houve a mais leve
suspeita da não autenticidade lançada sobre estas epístolas (Gálatas, 1 e 2
Coríntios e Romanos) e elas apresentam de tal modo o caráter da origem paulina que não se concebe nenhuma base para a afirmação de dúvidas críticas
neste caso”. Ao discutir a aparição de Cristo a Paulo no caminho de Damasco,
B aur explica o elemento exterior a partir o interior: Paulo traduziu a intensa e
súbita convicção da verdade da religião cristã numa cena exterior. Porém isto
não pode explicar o som exterior que os seus companheiros ouviram.
3a) Teoria R om ance de R enan (1823-1892)
E sta teoria adm ite um a base de verdade nos evangelhos e sustenta que
todos eles pertencem ao século da m orte de Jesus. A expressão “Segundo”
M ateus, M arcos, etc., contudo, significa^só que M ateus, M arcos, etc., escre­
veram estes evangelhos em substância. R enan reivindica que os fatos da vida
de Jesus foram tão sublimados pelo entusiasm o e tão obscurecidos com a fraude
piedosa que os evangelhos na form a presente não podem ser aceitos como
genuínos; em resum o, os evangelhos devem ser considerados com o rom ances
históricos que só se fundam entam no fato.
O animus desta teoria é claramente apresentado em Renan’s Life of
Jesus, prefácio à 13 8 edição - “S e os milagres e a inspiração de certos livros
são reais, meu método é detestável. S e os milagres e a inspiração dos livros
são crenças sem realidade, meu método é bom. Porém a questão a respeito
do sobrenatural decide-se, para nós, com absoluta certeza através da sim­
ples consideração de que não há lugar para se crer em algo a respeito de que
o mundo não oferece nenhum traço experimental”. “No seu todo”, diz R enan,
“eu admito como autênticos os quatro evangelhos canônicos. Na minha opi­
nião, todos datam do primeiro século e os autores são, de um modo geral,
aqueles que lhes são atribuídos”. Ele considera Gálatas, 1 e 2 Coríntios e
Romanos “indiscutíveis e não discutidos”. Fala deles como “textos de auten­
ticidade absoluta, sinceridade completa e isentos de lendas” (Les Apôtres,
A ugustus H opkins Strong
244
xxix; Les Évangiles, xi). Entretanto, ele nega a Jesus a “sinceridade para con­
sigo mesmo”; atribui a ele “artifício inocente” e tolerância à fraude piedosa,
como, por exemplo, no caso das histórias de Lázaro e da sua própria ressur­
reição. “Não basta conceber o bem: é necessário que ele seja bem sucedido;
para cumprir isso, é preciso, pelo menos, seguir as veredas puras. ... Sua
consciência não perdeu nenhuma pureza original; sua missão o oprimia. ...
Acaso ele negligenciou a sua natureza elevada e, vítima da sua própria gran­
deza, lamentou que não tivesse permanecido como um simples artesão?”
Deste modo R e n a n “pinta mais tarde a vida de Cristo como uma miséria e
mentira, embora ele requeira de nós que nos curvemos diante deste pecador
e de seu superior, Xáquia-Múni, como semideuses” (verNicon, The Church’s
One Foundation, 62, 63). Da imaginação altamente errônea operada a res­
peito de Maria Madalena, diz ele: “Ó divino poder do amor! sagrados momen­
tos em que a paixão de alguém cujos sentidos foram enganados nos dá um
Deus ressurrecto!” Ver R e n a n , Life of Jesus, 21.
A esta Teoria-rom ance de Renan objetam os:
E la envolve um tratam ento arbitrário e parcial dos docum entos cristãos.
A reivindicação de que um escritor não só tom ou em prestado dos outros, mas
interpolou ad libitum (a seu bel-prazer), é contraditada pela concordância
essencial dos m anuscritos citados pelos Pais e agora existentes.
a)
S e g u n d o M air , Christian Evidences, 153, R enan d a ta M ateu s de 84 A .D .;
M a rco s de 76; Lu cas de 94; Jo ã o de 125. E stas d a ta s m a rca m um c o n s id e rá ­
vel recuo das p o siçõ e s que B aur assu m iu . Em seu c a p ítu lo sob re os Recen­
tes Reveses na Crítica Negativa, M air a trib u i este re su lta d o às ta rd ia s d e sco ­
b e rta s re la tiv a s à E p ís to la de B a rn a b é , a R e fu ta ç ã o de H ip ó lito a to d a s
H e resia s, as H o m ilia s C le m e n tin a s e o D ia te ssa rã o de Taciano: “ C onform e
B aur e seu s se g u id o re s im e dia tos, p o ssu ím o s m en os de um q u a rto do N.T.
p e rte n c e n d o ao p rim e iro sé cu lo . P ara H ilgenfeld , a tu a l ca b e ç a da esco la
de B au r , te m o s m e n o s de trê s q u a rto s p e rte n c e n te s ao p rim e iro sé cu lo ,
c o n q u a n to s u b s ta n c ia lm e n te a m e s m a c o is a s e p o d e d iz e r a re s p e ito de
H olzmann . S e g u n d o R enan , te m o s d is tin ta m e n te m ais de trê s qu a rto s do N.T.
in cid in d o no p rim e iro s é cu lo e, co n s e q ü e n te m e n te , d e n tro da era apostólica.
Isto indica seguramente um retrocesso bem decidido e extraordinário desde o
tempo do grande assalto de B a u r , isto é, dentro dos últimos cinqüenta anos”.
Podemos acrescentar que a outorga da autoridade dentro da era apostólica
torna nula a hipótese de Renan de que os documentos do N.T. foram amplia­
dos através de uma fraude piedosa pelo que eles não podem ser aceitos
como relatos fidedignos de tais eventos como milagres. A própria tradição
oral atingiu uma forma tão fixa que os muitos manuscritos empregados pelos
Pais estavam em substancial acordo com respeito a estes mesmos eventos e
a tradição oral no Oriente transmite-nos sem séria alteração narrativas muito
mais longas que as dos nossos evangelhos. Os Pundita Rambai podem repe­
tir, após um lapso de vinte anos, porções dos livros sagrados hindus em uma
quantidade muito grande do conteúdo do nosso Velho Testamento. Muitos
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
245
homens cultos em Atenas conheciam de cor toda a liíada e a Odisséia de
A memória bem como a reverência conservam as narrativas do evan­
gelho livres da corrupção que R e n a n supõe.
H omero.
b) A tribui a C risto e aos apóstolos u m fervor alternado de entusiasm o
rom ântico e falsa pretensão de poder m iraculoso que são inteiram ente irreconciliáveis com a m anifesta sobriedade e santidade de suas vidas e ensinos.
Se Jesus não operou m ilagres, ele foi um im postor.
Sobre Ernest Renan, His Life and the Life of Jesus, ver A. H. Strong, Christ
in Creation, 332-363, especialmente 356 - “Renan atribui a origem do cristia­
nismo à predominância de uma suscetibilidade aos sentimentos místicos na
Palestina. Para ele Cristo é a encarnação da simpatia e das lágrimas, ternos
impulsos e apaixonados ardores, cujo gênio nativo era comover os corações
dos seres humanos. Para ele, verdade ou falsidade faziam pouca diferença;
era válida qualquer coisa que confortasse o pobre ou tocasse os mais refina­
dos sentimentos da humanidade; êxtases, visões, trejeitos derretidos, eram
os segredos do seu poder. A religião era uma superstição benéfica, uma doce
ilusão - excelente como bálsamo, consolo para a multidão ignorante, que
nunca podia filosofar ainda que tentasse. Deste modo, o rio do evangelho,
como diria alguém, se volta para a fonte de homens e mulheres cujos cére­
bros destilaram choro dos seus olhos e a perfeição da espiritualidade acaba
por tornar-se um tipo de ébrio monasticismo. ... Quão diferente do forte e
santo amor de Cristo, que salva o homem aproximando-o da verdade, e que
reivindica a imitação deste tão somente porque, sem amar a Deus e a aima,
ele não tem a verdade. Deste ponto de vista, quão inexplicável é o fato de que
um puro cristianismo em toda a parte tem despertado o intelecto das nações
e que cada avivamento, como a Reforma, é seguido de poderosos saltos da
civilização para frente. Acaso foi Paulo levado por sonhos místicos e entu­
siasmo irracional? Que digam a aguda habilidade dialética das suas epístolas
e a sua profunda firmeza nos grandes assuntos da revelação! Porventura tem
a igreja de Cristo sido um grupo de choramingas sentimentalistas? Que teste­
munhe a morte heróica dos mártires em favor da verdade! Ele deve ter uma
tacanha idéia do que ele é e mais ainda de quem é o Deus que o fez e crer
que os mais nobres espíritos da raça surgiram para a grandeza através da
abnegada vontade e da razão e tornaram-se influentes em todas as eras pela
auto-resignação”.
c) D eixa de dar conta da força e progresso do evangelho com o sistem a
direto oposto ao sabor e predisposição natural dos hom ens - sistem a que substi­
tui a verdade por rom ance e a lei por im pulso.
A. H. S t r o n g , Christ in Creation, 358 - “E se mais tarde os triunfos do
cristianismo são inexplicáveis com base na teoria de Renan, como explicar o
seu fundamento? O doce campônio da Galiléia, querido pelas mulheres por
causa da sua beleza, fascinando a iletrada multidão com o seu discurso dócil
246
A ugustus H opkins Strong
e seus ideais poéticos, confortando e enchendo de esperança os pobres,
possuído de um poder sobrenatural que, a princípio, ele supõe não muito
digno de negar e, por fim, gratifica a multidão fingindo exercer, levado por
oposição a polêmicas e invectivas até que o agradável jovem rabi se torna um
obscuro gigante, e obstinado fanático, feroz revolucionário, cuja denúncia
contra os poderosos o leva à cruz, o que há dentro dele que explica a maravi­
lha moral que chamamos cristianismo e o começo do seu império no mundo?
Nem as deliciosas pastorais como as do primeiro período de Jesus, nem a
febre apocalíptica como a do segundo período, segundo o evangelho de
Renan, fornecem qualquer explicação racional para esse poderoso movimen­
to que varreu a terra e revolucionou a fé da humanidade”.
B erdoe, Browning, 47 - “S e Cristo não fosse Deus, sua vida no palco da
história do mundo não poderia ter possibilidade alguma de possuir a força
vitalizadora e compulsiva que as páginas de Renan em toda a parte descorti­
nam.” Ao esforçar-se por destruir a fé em Cristo, R enan fortaleceu-a.
Ao discutir o aparecimento de Cristo a Paulo no caminho de Damasco,
R enan explica a interiorização a partir da exteriorização, invertendo precisa­
mente a conclusão de B aur . Paulo considerou uma súbita tempestade, o cla­
rão de um relâmpago, um súbito ataque de febre oftálmica como aparição do
céu. Porém retrucamos que um perspicaz e racional observador não poderia
ter sido enganado desta forma. Nada poderia torná-lo o apóstolo aos gentios
a não ser a visão real do Cristo glorificado e a revelação simultânea da san­
tidade de Deus, o seu próprio pecado, o sacrifício do Filho de Deus, sua eficá­
cia universal, a obrigação que lhe foi imposta de proclamá-la até o fim da terra.
4a) A Teoria D esenvolvim ento de Harnack (nascido em 1851)
E sta teoria sustenta que o cristianism o é um desenvolvim ento dos germes
destituídos tanto de dogm a com o de m ilagre. Jesus era um m estre de ética e o
evangelho original é m ais claram ente representado pelo Serm ão do M onte.
A influência grega e especialm ente a da filosofia alexandrina acrescentaram a
este evangelho um elem ento teológico e sobrenatural e assim m udaram o cris­
tianism o de um a vida para um a doutrina.
H arnack data Mateus de 70-75; Marcos de 65-70; Lucas de 78-93; o quar­
to evangelho de 80-110. Ele não considera o quarto evangelho nem o Apoca­
lipse como obras do apóstolo João, mas de João, o presbítero. Faz uma
separação entre o quarto evangelho e o seu prólogo e considera este como
prefácio adicionado após a composição original a fim de capacitar o leitor
helenista a entendê-lo. “O próprio evangelho”, diz H arnack , “não contém
nenhuma idéia do Logos; ele não se desenvolveu a partir de uma idéia do
Logos, como floresceu em Alexandria; ele só está em conexão com a referida
idéia. O próprio evangelho baseia-se no Cristo histórico; este é o assunto de
todas as suas afirmações. Tal traço histórico, de modo algum pode ser dissol­
vido por qualquer tipo de especulação. A memória do que é verdadeiramente
histórico ainda é muito poderosa para admitir neste ponto quaisquer influên­
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
247
cias gnósticas. A idéia de Logos no prólogo é a do judaísmo de Alexandria, o
Logos de Filo, e deriva, por fim, da expressão ‘Filho do homem’ do livro de
Daniel. ... O quarto evangelho, que não procede do apóstolo João e não tem
essa pretensão, não pode ser empregado como fonte histórica no sentido
comum da palavra.... O autor o administra com soberana liberdade; transpõe
ocorrências e as põe a uma luz que lhes é estranha; por si só compõe os
discursos de acordo com seu próprio pensar, e ilustra elevados pensamentos
inventando situações para eles. É difícil reconhecer que uma verdadeira tra­
dição na sua obra não possa ter falhas. Contudo, para a história de Jesus,
dificilmente, em qualquer parte isso pode ser levado em conta; muito pouco
se pode tomar a partir dele e, assim mesmo, com reservas. ... Por outro lado,
ele é uma fonte de primeira linha para as respostas à questão de quais os
vivos pontos de vista da pessoa de Jesus, que luz e que calor o evangelho
trouxe ao ser”.
À Teoria-desenvolvim ento de Harnack objetam os:
a) O Serm ão do M onte não é a súm ula do evangelho, nem a sua forma
original. M arcos é o m ais original dos evangelhos, contudo, om ite o Sermão
do M onte e é proem inentem ente o evangelho do operador de m ilagres.
b) Todos os quatro evangelhos dão ênfase não à vida e ensino ético de
Cristo, mas à sua m orte e ressurreição. M ateus im plica a divindade de Cristo
quando afirm a seu conhecim ento absoluto do Pai (11.27), seu juízo universal
(25.32), sua autoridade suprem a (28.18) e sua onipresença (28.20), enquanto
a expressão “Filho do H om em ” im plica que ele tam bém é “Filho de D eus” .
Mt. 11.27 - “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai: e ninguém
conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aque­
le a quem o Filho o quiser revelar”; 25.32 - “e todas as nações serão reunidas
diante dele, e apartará uns dos outros como o pastor aparta dos bodes as
ovelhas; 2 8 .18 - “É-me dado todo o poder no céu e na terra”; 28.20 - “e eis
que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos”. Estas
palavras de Jesus no evangelho de Mateus mostra que o conceito da grande­
za de Cristo não era peculiar a João: “Eu estou” transcende ao tempo; “con­
vosco” transcende ao espaço. Jesus fala “sub specie eternitatis”; seu pronun­
ciamento eqüivale ao de João 8.58 - “antes que Abraão existisse, eu sou”, e
ao de Hb. 18.8 - “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente”.
Paulo declara em Ef. 1.23 que ele é aquele que “cumpre tudo em todos”, isto
é, onipresente.
A. H. S t r o n g , Philos. and Religion , 206 - A expressão “Filho do homem”
indica que Cristo é mais que homem: “Suponha que eu intentasse proclamarme ‘Filho do homem’. Quem não perceberia nisso uma impertinência, a não
ser que eu reivindicasse ser algo mais. ‘Filho do Homem? Mas o que de que?
Será que cada ser humano chama a si mesmo este ser?’ Quando se assume
o título de ‘Filho do homem’ por sua designação caraterística, como o fez
Jesus, está implicado que há algo estranho neste ser o Filho do homem; que
esta não é a sua condição e dignidade originais; que ser Filho do homem é
248
A ugustus H opkins Strong
uma condescendência da parte dele. Em resumo, quando Cristo chama a si
mesmo Filho do homem está implicado que ele veio de um nível mais elevado
para habitar nesta nossa humilde terra. E deste modo, quando nos pergun­
tam: ‘Que pensais vós do Cristo? de quem ele é filho?’ não devemos respon­
der simplesmente que ele é o Filho do homem, mas também Filho de Deus”.
S anday : “O Filho é assim chamado primordialmente como encarnado. Mas por­
que ele também é a essência da Encarnação necessariamente é mais do que
isso. É necessário ter as suas raízes na eternidade de Deus”. Gore, Incarnation, 65, 73 - “Cristo, o Juiz final, dos sinóticos, não está dissociado do ele­
mento divino, do Ser eterno, do quarto evangelho”.
c) A preexistência e expiação de C risto não podem ser consideradas acrés­
cim o ao evangelho original visto que acham expressão em Paulo, que escre­
veu antes dos nossos evangelistas e em suas epístolas antecipou a doutrina do
L ogos de João.
d) Podem os adm itir que a influência grega, apesar da filosofia alexandrina,
ajudou os escritores do N ovo Testam ento a discernir o que já estava presente
na vida e obra e ensino de Jesus; mas com o o m icroscópio, que descobre, mas
não cria, nada acrescenta à substância d a fé.
G ore , Incarnation, 62 - “A divindade, a encarnação, a ressurreição de
Cristo não representam uma soma à crença original dos apóstolos e de seus
primeiros discípulos, pois todas estas são reconhecidas como matéria incon­
troversa de fé nas quatro grandes epístolas de Paulo escritas numa data em
que a maior parte dos que viram o Cristo ressurrecto ainda estava viva”.
A filosofia alexandrina não é a fonte da doutrina apostólica, mas apenas a
forma como a doutrina foi apresentada, a luz lançada sobre aquela que pro­
duziu este sentido. A. H. S trong , Chríst in Creation, 146 - “Por isso, quando
nos encaminhamos para o evangelho de João, encontramos nele tão somen­
te o desdobramento da verdade que substancialmente existiu no mundo nos
últimos setenta a n o s .... S e a filosofia platonizante de Alexandria assistiu nes­
te desenvolvimento genuíno da doutrina cristã, então tal filosofia é um auxílio
providencial à inspiração. O microscópio não inventa; ele só descobre. Paulo
e João nada acrescentam à verdade de Cristo; o seu instrumental filosófico é
apenas um microscópio que aclara a visão da verdade já existente”.
P fleiderer , Philos. Religion, 1.12 6 - “A concepção metafísica do Logos,
imanente no mundo e ordenadora segundo a lei, estava cheia de conteúdo
religioso e moral. Em Jesus o princípio cósmico da natureza tornou-se um
princípio religioso de salvação”. K ilpatrick sustenta que H arnack ignora a
autoconsciência de Jesus; não interpreta racionalmente o livro de Atos quan­
do menciona o primitivo culto a Jesus na igreja antes que a filosofia grega a
tivesse influenciado; refere-se às peculiaridades intelectuais das concepções
dos escritores do N.T. nas quais Paulo insiste tão somente na fé de todo o
povo cristão como tal; esquece a idéia da união com Deus garantida através
da obra expiatória e reconciliadora do Redentor pessoal que transcende
totalmente ao pensamento grego e fornece a solução para o problema em
que a sua filosofia sem fundamento tateia.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
249
e) A pesar de que M arcos nada diz sobre o nascim ento virginal porque sua
história se lim ita ao que os apóstolos testem unharam dos feitos de Jesus,
M ateus parece dar-nos a história de José e Lucas dá a história de M aria am bas naturalm ente publicadas só depois d a ressurreição de Jesus.
f) O m aior entendim ento da doutrina depois da m orte de Cristo foi predito
pelo próprio Nosso Senhor (Jo. 16.12). O Espírito Santo deveria trazer à m em ó­
ria os seus ensinos e transm itir a todos a verdade (16.13) e os apóstolos deve­
riam continuar a obra do ensino que ele com eçou.
João 16.12,13 - “Ainda tenho muito que vos dizer, mas não o podeis supor­
tar agora. Mas, quando vier aqueie Espírito da verdade, ele vos guiará em
toda a verdade”; At. 1.1 - “Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo o
que Jesus começou não só a fazer, mas a ensinar”. A. H. S trong , Christ in
Creation, 1 4 6 - “Que o discípulo amado, depois de meio século de meditação
sobre o que tinha visto e ouvido de Deus manifesto em carne teria penetrado
mais profundamente no sentido daquela maravilhosa revelação não apenas
deixa de surpreender; é precisamente o que o próprio Jesus predisse. O nos­
so Senhor tinha muitas coisas a dizer aos seus discípulos, mas naquele tem­
po eles não estavam preparados para ouvi-las. Ele prometeu que o Espírito
Santo traria à memória deles tanto a sua própria pessoa como as suas pala­
vras e os conduziria em toda a verdade. E aí está todo o segredo do que se
chama acréscimo ao cristianismo original. Até onde elas estão contidas na
Escritura, são descobertas e desdobramentos, não especulações e inven­
ções. Não são adições, mas elucidações, não vãs imaginações, mas inter­
pretações corretas. ... Quando mais tarde a teologia, então, lança fora o
sobrenatural e o dogmático, como se não viessem de Jesus, mas das epísto­
las de Paulo e do quarto evangelho, o nosso argumento é que Paulo e João
não só são inspirados e são, com autoridade, intérpretes de Jesus, vendo
eles mesmos e fazendo-nos ver a plenitude da divindade que habita nele”.
Enquanto H arnack , a nosso juízo, erra em seu ponto de vista de que Paulo
contribuiu para os elementos do evangelho o qual ele mesmo originariamente
não possuía, mostrou-nos bem claramente muitos dos elementos que ele foi
o primeiro a reconhecer. Em sua Wesen des Christenthums, 111, ele nos con­
ta que há poucos anos um célebre teólogo protestante declarou que Paulo,
com sua teologia rabínica, era um destruidor da religião cristã. Outros o têm
considerado como fundador dessa religião. Mas a maioria o tem visto como o
apóstolo que melhor entendeu o seu Senhor e fez o máximo para continuar a
sua obra. H arnack sustenta que Paulo, logo no começo, compreendeu de um
modo definido o evangelho: 1) como uma redenção completa e uma salvação
presente - o Cristo crucificado e ressurrecto propiciando acesso a Deus
e com isso justiça e paz; 2) como algo novo que afasta da lei a religião;
3) significativo para todos e, conseqüentemente, também para os gentios, na
verdade, substituindo o judaísmo; 4) expresso não simplesmente em termos
gregos, mas também humanos, Paulo tornou o evangelho compreensível ao
mundo. O islamismo, que surgiu na Arábia, ainda é uma religião árabe.
O budismo continua a ser uma religião Hindu. O cristianismo existe em todas
250
A ugustus H opkins Strong
as terras. Paulo deu uma nova vida ao império romano e inaugurou a cultura
cristã no Ocidente. Ele transformou a religião local em universal. Contudo,
segundo H arnack , a sua influência tendia para a indevida exaltação da orga­
nização e do dogma e da inspiração do A.T. - pontos nos quais, a nosso ver,
Paulo assumiu uma base sóbria e salvou a verdade cristã para o mundo.
2. G enuinidade dos L ivros do Velho Testamento
Porque quase m etade do Velho Testam ento é de autoria anônim a e alguns
de seus livros podem ser atribuídos a caracteres históricos definidos por clas­
sificação conveniente ou personificação literária, para nós genuinidade é
honestidade de propósito e liberdade de qualquer coisa falsa ou intencional­
m ente enganosa a respeito da época ou autoria dos docum entos.
M ostram os a genuinidade dos livros do Velho Testam ento:
a) A partir do testem unho do N ovo Testam ento, no qual, a não ser seis,
citam -se ou faz-se alusão a todos os livros do Velho Testamento como genuínos.
O
N.T. mostra coincidências na linguagem com os livros Apócrifos do A.T.,
mas contém só uma citação direta deles; enquanto, exceto Juizes, Eclesiastes, Cânticos dos Cânticos, Ester, Esdras e Neemias, cada livro do cânon
hebraico é empregado ou para ilustração, ou para prova. A única citação do
Apócrifo se encontra em Jd. 14 e, com toda a probabilidade, extraída do livro
de Enoque. Embora V olkmar date este livro de 132 A.D. e, embora alguns
críticos sustentem que Judas tenha citado só a tradição primitiva da qual o
autor do livro de Enoque fez uso mais tarde, o peso da erudição moderna se
inclina para a opinião de que o mesmo livro foi escrito, quando muito de 170-70
a.C., e que é dele que Judas faz citação; S anday, Bampton Lect. on Inspiration,
95 - “S e Paulo pôde citar poetas gentios (At. 17.28; Tt. 1.12), é difícil enten­
der por que Judas não poderia fazer o mesmo com uma obra que, sem dúvi­
da, estava no mais alto padrão entre os fiéis”; enquanto Jd. 14 nos dá a única
e expressa citação de um livro Apócrifo, o mesmo livro, nos versos 6 e 9
contém alusões ao livro de Enoque e à Assunção de Moisés. Em Hb. 1.3,
temos palavras extraídas de Sabedoria 7.26; e Hb. 11.34-38 é uma reminiscência de 1 Mc.
b) A partir do testem unho das autoridades judaicas antigas e m odernas que
declaram que os m esm os livros são sagrados, e só eles, que agora com preen­
dem as nossas Escrituras do Velho Testam ento.
J osefo enumera vinte e dois destes livros “que, com justiça, gozam de
crédito”. Nossa atual Bíblia Hebraica tem vinte e quatro; separa Rute de Jui­
zes e o livro de Lamentações do de Jeremias. F ilo (20 a.C.) nunca cita um
livro Apócrifo, apesar de que ele cita quase todos os livros do A.T. G eorge
A dam S mith , Modem Criticism and Preaching, 1 - “Os fatos não apoiam a teoria
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
251
que atribui o Cânon do A.T. a uma simples decisão da igreja judaica nos dias
da sua inspiração. O desenvolvimento do Cânon do A.T. foi gradual. Virtual­
mente ele começou em 621 a.C. com a aceitação do livro de Deuteronômio
por toda a tribo de Judá e a adoção da Lei, ou os cinco primeiros livros do
A.T., com Neemias em 445 a.C. A seguir, vieram os profetas antes de 200
а.C. e os Hagiógrafos a partir de um ou dois séculos mais tarde. A definição
estrita da última divisão não estava completa no tempo de Cristo. Ele parece
dar testemunho da Lei, dos Profetas e dos Salmos; Nem Cristo, nem os seus
apóstolos fazem qualquer citação de Esdras, Neemias, Ester, Cânticos dos
Cânticos, ou Eclesiastes; este último ainda não era reconhecido por todas
escolas judaicas. Porém, conquanto Cristo seja a principal autoridade sobre
0 A.T., ele também foi o seu primeiro crítico. Ele rejeitava algumas partes da
Lei e era indiferente a muitas outras. Ampliou o sexto e o sétimo mandamen­
tos e reverteu o “olho por olho”, e a permissão do divórcio; tocou no leproso
e considerou lícitos todos os alimentos; desprezou a observância literal do
Sábado; não deixou nenhum mandamento a respeito do sacrifício, do culto
no templo, circuncisão, mas, através da instituição da Nova Aliança ab-rogou
estes sacramentos da Velha. Os apóstolos apelaram para os escritos não
canônicos”. G ladden, Seven Puzzling Bible Books, 68 -9 6 - “Surgiram dúvidas
na época do nosso Senhor quanto à canonicidade de várias partes do A.T.,
especialmente Provérbios, Eclesiastes, Cânticos dos Cânticos e Ester”.
c ) A partir do testem unho da tradução da Septuaginta, que data da prim eira
m etade do terceiro século ou de 280 a 180 a.C.
Os manuscritos da Septuaginta contêm, na verdade, os Apócrifos do A.T.,
mas os escritores destes não reconhecem a sua própria obra como perten­
cente ao nível das Escrituras, que consideram distintos de todos outros livros
(Eclesiástico, prólogo, e 48.24; tb. 24.23,27; 1 Mc. 12.9; 2 Mc. 6.23; 1 Ed. 1.28;
б.1; Br. 2.21) Assim também os antigos e modernos judeus. No prólogo ao
livro apócrifo de Eclesiástico lê-se “a Lei e os profetas e os demais livros”, o
que mostra que até 130 a.C., data provável de Eclesiástico, reconhecia-se
uma tríplice divisão dos livros judaicos sagrados. Contudo, a partir desta afir­
mação de que o avô de Jesus também escreveu, parece evidente que o autor
não concebia tais livros como se eles constituíssem um cânon completo.
1 Mc. 12.9 (80-90 a.C.) fala dos “livros sagrados que estão agora em nossas
mãos”. Hastings’ Bible Dictionary, 3.611 - “O A.T. foi o resultado de um pro­
cesso gradual que começou com a sanção do Hexateuco por Esdras e Nee­
mias e praticamente encerrou com as decisões do Concilio de Jâmnia” - Jâmnia é a antiga Jabne, 7 milhas ao sul do lado ocidental de Tiberíades, onde se
reuniu um concilio de rabinos ao mesmo tempo entre 90 e 118 A.D. Tal Con­
cilio decidiu em favor de Cântico dos Cânticos e Eclesiastes e encerrou o
cânon do A.T..
J osefo diz que a versão grega do Pentateuco que faz parte da Septuagin­
ta foi feita no reinado de Ptolomeu Filadelfo, rei do Egito, por volta de 270 ou
280 a.C., e por sua ordem. “A lenda diz que foi feita por setenta e duas pessoas
em setenta e dois dias. Contudo, críticos modernos supõem que esta versão
252
A ugustus H opkins Strong
dos vários livros é obra não de diferentes mãos, mas de épocas separadas.
É provável que, a princípio, só o Pentateuco, tivesse sido traduzido e os
demais livros gradualmente; mas crê-se que a tradução foi completada no
segundo século a.C.” (Century Dictionary in vocé). Por isso fornece importan­
te testemunha sobre a genuinidade dos nossos documentos do A.T. D river ,
Introd. to O. T. Lit., xxxi - “A opinião, freqüentemente encontrada nos livros
modernos, de que o cânon do A.T. foi encerrado por Esdras ou na sua época,
não tem nenhum fundamento na antigüidade. Tudo o que pode ser tratado
como histórico nos relatos dos trabalhos literários de Esdras limita-se à Lei”.
d) A partir das indicações de que logo depois do exílio e recuando aos
tem pos de Esdras e N eem ias (500-450 a.C.), o Pentateuco juntam ente com o
livro de Josué não só existia m as era considerado possuidor de autoridade.
2
Mc. 2 .13 -15 indica que Neemias fundou uma biblioteca e há uma tradi­
ção de que uma “Grande Sinagoga” se reuniu nessa época para determinar o
Cânon. Mas o Hastings, Dictionary, 4.644, afirma que “a Grande Sinagoga
originariamente não era uma instituição, mas uma reunião. Reuniu-se de uma
vez por todas e, tudo o que se diz a esse respeito, salvo o que lemos em
Neemias, mais tarde, é pura fábula dos judeus”. De igual modo não se deve
causar dependência da tradição de que Esdras miraculosamente restaurou
as antigas Escrituras que se perderam durante o exílio. Clemente de Alexan­
dria diz: “Visto que as Escrituras desapareceram no cativeiro de Nabucodonosor, Esdras (forma grega de Ezra) o Levita, o sacerdote, no tempo de Artaxerxes, rei dos persas, tendo sido inspirado no exercício da profecia, restaurou
novamente as Escrituras antigas por inteiro”. Porém a obra agora dividida em
1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias, menciona Dario Codomano (Ne. 12.22),
datado de 336 a.C. A máxima prova da tradição é que, cerca de 300 a.C., o
Pentateuco, em certo sentido era atribuído a Moisés.
e) A partir do testem unho do Pentateuco Sam aritano, que data do tem po de
Esdras e Neem ias (500-450 a.C.).
Os samaritanos foram trazidos de “Babel, e de Cuta, e de Ava, e de Hamate,
e de Sefarvaim (2 Re. 17.6,24,26) pelo rei da Assíria, para apossar-se
do lugar do povo de Israel que foi levado cativo para a sua própria terra.
Os colonizadores trouxeram consigo os seus deuses pagãos, e as incursões
de animais selvagens que a interrupção da lavoura ocasionou fez surgir a
crença de que o Deus de Israel se opunha a eles. Por isso foi mandado um
dos sacerdotes judeus cativos para ensinar-lhes “o costume do Deus da ter­
ra” e ele lhes ensinou como deviam temer ao Senhor (2 Re. 17.27,28). Como
resultado eles adotaram o ritual judaico, mas combinaram o culto do Senhor
com o das suas imagens de escultura (33). Quando os judeus voltaram da
Babilônia e começaram a reconstruir os muros de Jerusalém, os samaritanos
ofereceram-lhes auxílio, mas os judeus não o aceitaram (Ed. 4 e Ne. 4). Sur­
giu hostilidade entre judeus e samaritanos - que continuou não só na época
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
253
de Cristo, mas até os nossos dias. Visto que o Pentateuco Samaritano subs­
tancialmente coincide com o dos Hebreus, fornece-nos um passado definido
no que de correto existe quase em sua forma presente. Ele testemunha a
existência do nosso Pentateuco essencialmente em sua forma atual como no
tempo de Esdras e Neemias.
G reen , Higher Criticism of the Pentateuch, 44, 45 - “Depois de expulsos
pelos judeus, os samaritanos, para substanciar a sua reivindicação de proce­
derem do antigo Israel, avidamente aceitaram o Pentateuco que lhes foi trazi­
do por um renegado sacerdote”. W. R obertson S mith, Encyclopaedia Brítannica,
21.244 - “A lei sacerdotal que se baseia totalmente na prática dos sacerdotes
de Je ru sa lé m an terior ao cativeiro , red u ziu -se à form a ap ós o
exílio, e Esdras publicou-a como a lei da reconstrução do Templo de Sião.
Por isso os samaritanos devem ter derivado o seu Pentateuco dos judeus
conforme as reformas de Esdras, /.e., após 4 4 4 a.C. . Antes disso, o samaritanismo não pode ter existido formalmente em tudo, ao que sabemos; mas
houve uma comunidade pronta a aceitar o Pentateuco”.
f)
A partir da descoberta do “livro da lei” no tem plo, no ano dezoito do rei
Josias, ou em 621 a.C.
2
Re. 22.8 - “Então, o sumo sacerdote Hilquias disse ao escrivão Safã:
Achei o livro da Lei na Casa do Senhor”. 23.2 - “ O livro do concerto” foi lido
diante do povo pelo rei, que o proclamou ser a lei da terra. C urtis , Hastings’
Bible Dict., 3.596 - “O mais antigo escrito da Lei ou livro de instrução divina
de que ou de cuja ordem se tem um autêntico relato, é Deuteronômio ou sua
principal parte representada como encontrada no templo no ano 18 do rei
Josias (621 a.C.) e proclamada pelo rei como a lei da terra. Daí em diante
Israel teve a lei escrita que ao crente piedoso se determinava observasse de
dia e de noite (Js 1.8; SI. 1.2); e deste modo a Tora, como literatura sagrada,
começava em Israel. A lei tinha como objetivo a aplicação correta dos princí­
pios mosaicos”. R yle , Hastings’ Bible Dict. 1.602 - A lei do Deuteronômio
representa uma ampliação e desenvolvimento do antigo código contido em
Ex. 20-23 e precede a formulação final do rito sacerdotal que só recebeu sua
última forma no último período da revisão da estrutura do Pentateuco”.
A ndrew H arper , sobre Deuteronômio, em Expositor’s Bible: “Deuteronô­
mio não reivindica ter sido escrito por Moisés. Fala-se dele na terceira pessoa
na introdução e na estrutura histórica, conquanto as palavras de Moisés este­
jam na primeira. Nas partes onde o autor fala por si mesmo, a expressão
‘além do Jordão’ significa o ocidente do referido rio; a única exceção encontra-se em Dt. 3.8, que não pode originariamente ter sido parte da fala de
Moisés. Porém o estilo de ambas as partes é o mesmo e, se as partes que
estão na terceira pessoa são de um autor tardio, as que estão na primeira
também o são. Ambas diferem dos outros discursos de Moisés no Pentateu­
co. Pode o autor ser um escritor contemporâneo que escreve as palavras de
Moisés como João apresentou as de Jesu s? Não, porque Deuteronômio com­
preende apenas o livro da aliança, em Ex. 20-23. Ele emprega o JE, mas não
o P, com o qual o JE se acha entrelaçado. Mas o JE aparece em Josué
254
Augustus H opkins Strong
e contribui com ele um relato da morte de Josué. JE fala dos reis de Israel
(Gn. 36.31-39). Deuteronômio nitidamente pertence aos primeiros séculos do
reino, ou à metade dele”.
B acon , Genesis of Genesis, 43-49 - “A lei no Deuteronômio era tão curta
que Safã pôde lê-la em voz alta diante do rei (2 Re. 2.10) e o rei pôde lê-la
toda diante do povo (23.2); compare a leitura do Pentateuco por uma semana
inteira (Ne. 8.2-18). Foi na forma de aliança; difere por causa das maldições;
era uma expansão e modificação de uma Tora de Moisés, totalmente dentro
da legítima província do profeta, codificada a partir da forma tradicional de
pelo menos um século antes. Essa Tora existente foi atribuída a Moisés e
agora acha-se incorporada como “o livro do concerto” (Ex. 24.7). Por isso o
ano de 620 é o terminus a quo de Deuteronômio. A data do código sacerdotal
é 444 a.C”. S anday, Bampton Lectures, 1893, admite “1) a presença de um
considerável elemento no Pentateuco que, em sua presente forma, muitos
defendem ser mais antiga que o cativeiro; 2) a composição do livro de Deute­
ronômio, não faz tempo, ou não faz muito tempo antes da sua promulgação
pelo rei Josias em 621, que deste modo se torna a data pivô na história da
literatura hebraica”.
g)
A partir das referências nos profetas Oséias (743-737 a.C.) e Amós (759745) a um curso do ensino e revelação divinos estendendo-se até os dias deles.
Os. 8.12 - “Escrevi para eies as grandezas da minha lei”; afirma-se aqui
não só a existência de uma lei anterior ao profeta, mas de uma lei escrita.
Todos os críticos admitem que o livro de Oséias é uma produção genuína do
profeta, a qual data do seu oitavo século a.C. Am. 2.4 - “rejeitaram a lei do
Senhor e não guardaram os seus estatutos”; eis uma prova de que, mais de
um século antes do descobrimento de Deuteronômio no templo, Israel conhe­
cia a lei de Deus. F isher , Nature and Method of Revelation, 26,27 - “O eleva­
do plano encontrado pelos profetas não se encontrou num só limite. ... Deve
ter havido uma raiz que se estendia pela terra”. K urtz assinala que “os mais
tardios livros do A.T. seriam uma árvore sem raízes se a composição do Pen­
tateuco fosse transferida para um período mais tardio na história hebraica”.
Se à palavra ‘Pentateuco’ substituirmos as palavras ‘Livro do concerto’, con­
cordaremos com as palavras de K urtz . Há evidência suficiente de que, antes
de Oséias e Amós, Israel possuía uma lei escrita-com preendida em Ex. 20-24
- mas o Pentateuco, como o conhecemos hoje, incluindo Levítico, parece
não datar de muito antes de Jeremias, 445 AC. A lei levítica, contudo, foi tão
somente a codificação dos estatutos e costumes cuja origem é bem anterior e
que se crê ser a expansão natural dos princípios da legislação mosaica.
L eathes , Structure of O.T., 5 4 - “O zelo pela restauração do templo após o
exílio implica que bem antes ele tinha sido o centro da política nacional, que
havia um rito e uma lei antes do exílio”. Present Day Tracts, 3.52 - As institui­
ções levíticas não podiam ter sido estabelecidas por Davi. É inconcebível que
ele “pudesse ter tomado uma tribo inteira e não sobrasse nenhum traço de
tão revolucionária medida como o seqüestro das suas propriedades para fazêlos ministros religiosos”. J ames R obertson , Earty History of Israel: “A variada
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
255
literatura de 850-750 a.C. implica a existência da leitura e escrita há bom
tempo. Amós e Oséias sustentam no período pós-mosaico o mesmo esque­
ma da história que os críticos modernos declaram não ser históricos, mas
tardios. O século oitavo a.C. foi um período grandemente histórico quando
Israel teve um relato a dar de si mesmo e da sua história. Os críticos apelam
para os profetas, mas os rejeitam quando estes dizem que outros mestres
ensinaram a mesma verdade antes deles e quando declaram que a sua
nação recebeu o ensino de uma religião melhor e abriu mão dele, isto é, que
tinha havido lei muito antes daquela época. Os reis não legislaram. Os sacer­
dotes propuseram-na. Deve ter havido um sistema de leis mais antigo do que
admitem os críticos e também uma referência mais antiga ao seu culto, aos
grandes eventos que fizeram deles um povo separado”. D illman recua mais e
declara que Moisés pressupõe “um estágio preparatório da mais elevada
religião em Abraão”.
h)
A partir das repetidas declarações da E scritura de que o próprio M oisés
escreveu um a lei para o seu povo confirm adas pela evidência da atividade
literária e legislativa em outras nações bem antes dessa época.
Ex 24.4 - “Moisés escreveu todas as palavras do Senhor”; 34.27 - “Disse
mais o Senhor a Moisés: Escreve estas palavras; porque conforme o teor
destas palavras tenho feito um concerto contigo e com Israel; Nm. 33.2 “E escreveu Moisés as suas saídas, segundo as suas jornadas, conforme o
mandado do Senhor”; Dt. 3 1.9 - “E Moisés escreveu esta lei e a deu aos
sacerdotes, aos filhos de Levi, que levaram a arca do concerto do Senhor, e a
todos os anciãos de Israel”; 22 - “Assim Moisés escreveu este cântico naque­
le dia e o ensinou aos filhos de Israel”; 24-26 - “E aconteceu que, acabando
Moisés de escrever as palavras desta Lei num livro, até de todo as acabar,
deu ordem Moisés aos levitas que levassem a arca do concerto do Senhor,
dizendo: Tomai este livro da Lei e ponde-o ao lado da arca do concerto do
Senhor, vosso Deus para que ali esteja por testemunha contra ti”. É possível
que a Lei aqui mencionada seja só “o livro do concerto" (Ex. 20-24) e os
discursos de Moisés em Deuteronômio tenham sido transmitidos oralmente.
Mas o fato de que Moisés era “instruído em toda a sabedoria dos egípcios”
(At. 7.22), juntamente com o fato de que a arte de escrever já era conhecida
no Egito por muitas centenas de anos antes dele, torna mais provável que a
maior porção do Pentateuco era de sua composição.
K eyon , Hastings’ Dict., artigo: Escrita, data os Provérbios de Ptah-hotep, a
primeira composição registrada no Egito, de 3580-3586 a.C. e afirma o livre
emprego da escrita entre os habitantes sumerianos da Babilônia tão antigos
como 4000 a.C. Os estatutos de Hamurábi, rei da Babilônia, comparam-se
por extensão aos de Levítico, embora datem do tempo de Abraão, 2 200 a.C.;
na verdade, Hamurábi é agora considerado por muitos como o Anrafel de
Gn. 14.1. Contudo, tais estatutos antedatam Moisés em setecentos anos.
É interessante observar que Hamurábi professa ter recebido seus estatutos
diretamente do deus Sol de Sipar sua cidade capital. K elso , Princeton Theol.
Rev., juI., 1905.399-412 - Fatos “autenticam a data tradicional do livro do
256
A ugustus H opkins Strong
concerto, lançam a fórmula profetas e lei, restauram a veiha Lei e Profetas e
põem em perspectiva histórica a tradição de que Moisés foi o autor da legisla­
ção sinaítica”.
C om o a controvérsia com relação à genuinidade dos livros do Velho Testa­
m ento vieram com as reivindicações da m ais alta crítica em geral e do Penta­
teuco em particular reunim os notas separadas sobre estes assuntos.
A Alta Crítica em Geral. Alta Crítica não significa a critica em qualquer
sentido insidioso, do mesmo modo que a Crítica da Razão Pura de Kant tam­
bém não era um exame desfavorável ou destrutivo. É tão somente uma inves­
tigação desapaixonada da autoria, data e propósito dos livros da Escritura à
luz da sua composição, estilo, e caraterísticas internas. Como a Baixa Crítica,
a Alta é uma crítica de estrutura. Um ilustre francês descreveu a crítica literá­
ria como alguém que destrói uma boneca para obter a serragem que há den­
tro dela. Isto pode ser feito com espírito cético ou hostii e pode haver pouca
dúvida de que algumas das mais elevadas críticas do A.T. tenham iniciado os
seus estudos com predisposição contra o sobrenatural, o que tem viciado
todas as conclusões. Tais pressuposições são freqüentemente inconscien­
tes, mas nenhuma menos influente. Quando o Bispo Colenso examinou o
Pentateuco e Josué, descartou qualquer intenção de atacar a narrativa mira­
culosa como tal; é como se ele tivesse dito: “meu querido peixinho, você não
precisa ter medo de mim; eu não quero capturá-lo; eu só pretendo esgotar a
água em que você vive”. Para muitos eruditos as águas parecem muito vaga­
rosas no Hexateuco e, na verdade, em todo o A.T.
S hakespeare fez mais: incorporou muitas das velhas crônicas de P lutarco
e H olinshed e muitos contos italianos e tragédias antigas de outros escritores;
mas P éricles e T ito A ndrônico ainda são tidos como de S hakespeare . Ainda
agora falamos da “Gramática Hebraica de Gesênius”, apesar de que, das
suas vinte e sete edições, catorze foram publicadas após a sua morte. Fala­
mos do “Dicionário de Webstei", embora haja no seu todo milhares de pala­
vras e definições que W ebster nunca viu. F rancis B rown : “Um escritor moder­
no domina mais velhos registros e escreve um livro totalmente novo. O mesmo
não acontece com os historiadores orientais. O que veio por ultimo, diz R enan,
‘absorve os seus antecessores sem assimilá-los, de sorte que os mais recen­
tes têm em seus fragmentos as obras anteriores num estado rudimentar’.
O Diatessarão de T aciano é paralelo à estrutura composta dos livros do A.T.
Uma passagem desenvolve as seguintes: Mt. 21.12a, Jo. 21.12a; Mt. 21.12b;
Jo. 12.14b, 15; Mt. 21 12c, 13; Jo. 12.16; Mc. 11.16; Jo. 2.17-22; todos sucedem-se sem quebra”. G o re , L ux Mundi, 353 - “Nada há materialmente inverídico, embora haja algo acrítico a atribuir a toda a legislação, ao atribuí-la toda
a Moisés agindo sob o mando divino. Apenas uma parte da coleção dos Sal­
mos proveio de Davi e o mesmo acontece com os Provérbios de Salomão”.
Os opositores da Alta Crítica têm muito a dizer como réplica. S ayce, Early
H istoryofthe Hebrews, sustenta que os primeiros capítulos de Gênesis foram
copiados de fontes babilônicas, mas insiste em data mosaica ou pré-mosaica
da sua cópia. H ilprecht , contudo, declara que a fé monoteísta de Israel nunca
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
257
podia proceder “da babilônica montanha de deuses - do mausoléu cheio de
corrupção e de ossos humanos”. B issell, Genesis Printed in Colors, Introd., iv
- “É improvável que tantas histórias documentares existissem há tanto tempo
e que, existindo, o compilador tivesse tentado combiná-las. É estranho que o
mais antigo fosse J e que fosse empregada a palavra ‘Yahweh’ enquanto
mais tarde P empregasse ‘Elohim’, quando ‘Yahweh’ seria mais adequado ao
Código Sacerdotal.... xiii - As tábuas babilônicas contêm numa narrativa con­
tínua os mais proeminentes fatos das alegadas seções eloístas, como os
jeovistas de Gênesis e os apresentam especialmente na ordem bíblica. Várias
centenas de anos antes de Moisés o que os críticos chamam dois fosse um.
É um absurdo dizer que a unidade se deve a um redator do período do exílio
em 444 a.C. Aquele que crê que Deus se revela ao homem primitivo como um
Deus, verá na história acadiana uma corrupção politeísta da monoteísta origi­
nal”. Não devemos avaliar a antigüidade de um par de botas pelo remendo
que o sapateiro acrescentou; nem devemos avaliar a antigüidade de um livro
da Escritura pelas glosas e explicações posteriormente acrescidas pelos edi­
tores. O London Spectator assinala sobre o problema homérico: “É impossí­
vel que um poema, ou obra de arte, de primeiro nível se produza sem a mente
de um grande mestre que, a princípio, concebe o todo como um refinado
touro vivo se desenvolve a partir de salsichas de boi”. A seguir, veremos ainda
que estes pronunciamentos atribuem valor elevado à unidade do Pentateuco
e ignoram algumas evidências marcantes do seu desenvolvimento gradual e
de sua estrutura composta.
A Autoria do Pentateuco em particular. Recentes críticos, especialmente
K uenen e R obertson S mith , têm sustentado que o Pentateuco é mosaico só no
sentido de ser um agrupamento da lei tradicional em desenvolvimento gra­
dual, que foi codificado, quando muito tarde, no tempo de Ezequiel e, com o
desenvolvimento do espírito e ensino do grande legislador, recebeu por
ficção legal o nome de Moisés que lhe foi atribuído. Por isso, a verdadeira
ordem da composição é: 1) O Livro do Concerto (Ex. 20-23); 2) Deuteronô­
mio; 3) Levítico. Entre as razões atribuídas a este ponto de vista estão os
fatos: a) que Deuteronômio termina com o relato da morte de Moisés e, por
isso, não podia ter sido escrito por ele; b) que os levitas, no livro de Levítico,
são meros servos dos sacerdotes enquanto em Deuteronômio os sacerdotes
são os levitas em exercício; isto é, todos os levitas são sacerdotes; c) que os
livros de Juizes e 1 Samuel com o seu registro de sacrifícios oferecidos em
muitos lugares não apresentam nenhuma evidência de que Samuel ou a
nação de Israel tivesse qualquer conhecimento de uma lei que limitasse o
culto a um santuário local.
Em resposta tem-se argumentado 1) que Moisés pode ter escrito não em
forma autobiográfica, mas, através de um escriba (talvez Josué) e que este
pode ter completado a história em Deuteronômio com o relato da história de
Moisés; 2) que Esdras ou os profetas que lhe sucederam podem ter sujeitado
o Pentateuco a uma recensão e acrescentado notas explicativas; 3) que os
documentos de épocas anteriores podem ter sido incorporados, durante a
sua composição por Moisés, ou subseqüentemente por seus sucessores;
4) que a aparente falta de distinção entre as diferentes classes de levitas em
Deuteronômio podem ser explicadas pelo fato de que, conquanto Levítico foi
258
A ugustus H opkins Strong
escrito com pormenor exato para os sacerdotes, Deuteronômio é o registro
de um sumário geral e a orla da lei dirigido ao povo em geral e, por isso,
naturalmente menciona o clero como um todo; 5) que o silêncio do livro de
Juizes quanto ao ritual mosaico pode ser explicado pelo propósito do livro de
contar apenas a história geral e pela probabilidade de que, no tabernáculo,
observava-se um ritual que o povo em geral ignorava. Os sacrifícios em
outras partes acompanhavam apenas as manifestações divinas especiais que
tornavam o destinatário temporariamente um sacerdote. Ainda que se pro­
vasse que a lei relativa a um santuário central não fosse observada não mos­
traria a não existência da lei, nem que a violação do segundo mandamento
por Salomão prova sua ignorância do decálogo ou a negligência medieval do
N.T. pela Igreja Romana prova que o N.T. não existia. Não podemos argu­
mentar que “onde não havia transgressão não havia lei” (W atts, New Apologetic, 83 e a The Newer Cristicism).
À luz de recente pesquisa, contudo, não podemos considerar satisfatórias
estas respostas. W oods , em seu artigo sobre o Hexateuco, Hastings’ Dict.,
2.365, apresenta uma declaração moderada dos resultados da alta crítica
que se nos recomenda como mais fidedigna. Ele a chama de teoria da estratificação e sustenta que “alguns documentos mais ou menos independentes
que tratam da mesma série de eventos foram compostos em diferentes perío­
dos ou diferentes auspícios e mais tarde combinados de modo que o nosso
atual Hexateuco, que nada mais é que o Pentateuco + Josué, contém estes
vários estratos literários diferentes. ... Eis as principais bases para que se
aceite a hipótese da estratificação: 1) que as várias peças literárias, com pou­
cas exceções, encontram-se para exame para arranjo através das caraterísticas comuns em grupos relativamente pequenos; 2) que uma consecução
original da narrativa pode freqüentemente ser traçada entre o que, na sua
presente forma são os fragmentos isolados.
Pode-se entender melhor isto através da seguinte ilustração. Suponha­
mos um problema deste tipo: Dada uma colcha de retalhos, aplique o caráter
das peças originais de que foram feitos os retalhos. Notamos em primeiro
lugar que, conquanto as cores bem podem mesclar-se, embora possam for­
mar um todo bonito e completo, muitas das peças não são do mesmo mate­
rial, da mesma textura, do mesmo padrão, cor etc. Ergo (logo, portanto), elas
foram feitas de peças de estofo bem diferente. ... Mas suponhamos que mais
tarde cheguemos a descobrir que muitos dos retalhos, embora agora separa­
dos, são sem elhantes uns aos outros quanto ao material, textura, etc.,
podemos conjeturar que estes foram cortados de uma única peça. Porém
provaremos isto além de qualquer dúvida razoável, se encontrarmos diver­
sos retalhos, quando não os unirmos, de modo que o padrão de um seja a
continuação de outro; e ainda mais, se todos os de igual tipo formam, por
assim dizer, quatro grupos; cada um dos quais foi anteriormente uma peça
do estofo, embora as peças de cada um estejam em falta, porque, sem
dúvida, não se exigiu que cada qual form asse o todo. Mas estreitaremos
mais a analogia do Hexateuco se supusermos que, em certas partes, a col­
cha de retalhos que pertence, digamos, a dois destes grupos combina a tal
ponto que forme um padrão subsidiário dentro de um padrão maior da colcha
inteira; evidentemente foram costuradas umas das suas partes às outras;
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
259
podemos estreitar mais se supusermos que, além dos retalhos mais impor­
tantes, acrescentaram-se outros menores enfeites, bordados, etc. a fim de
melhorar o efeito do todo”.
Em seguida, o autor deste artigo assinala três partes do Hexateuco que
diferem essencialmente entre si. Há três códigos distintos: o do Concerto (C
= Ex. 20.22-23.33 e 24.3-8), o do Deuteronômio (D) e o Sacerdotal (P) (= do
Inglês Priest). Tais códigos relacionam-se peculiarmente com a narrativa do
Hexateuco. Por exemplo, em Gênesis, “a grande parte do livro divide-se em
grupos de maiores ou menores pedaços, em geral parágrafos ou capítulos
que se distinguem, respectivamente, pelo emprego exclusivo de Elohim ou
de Yahweh como o nosso Deus”. Chamemos tais porções de J e E. Porém
encontraremos tão estreitas afinidades entre C e JE que podemos conside­
rá-los substancialmente um. Veremos que a parte maior das narrativas,
diferentemente das leis de Êxodo e de Números pertencem a JE, enquanto,
com exceções especiais, as porções legais pertencem a P. Nos últimos
capítulos de Deuteronômio e em todo o livro de Juizes encontramos ele­
mentos do JE. Neste livro encontramos também elementos que estão em
conexão com D.
“Convém observar que não encontramos aqui e ali trechos separados no
Hexateuco, que, pelos seus caracteres, pertencem a estas três fontes, JE, D
e P, mas trechos que apresentarão freqüentemente conexão através de uma
óbvia continuidade do assunto quando reunidos a pedaços de remendos na
mencionada ilustração. Por exemplo: Selerm ossem parar Gn. 11.17-32; 12.4b,
5; 13.6a, 11b, 12e; 16.1a, 3, 15 16; 17; 19.29; 2 1.1a, 2b-5; 23; 25.7-11a passagens principalmente com outras bases atribuídas a P, obteremos um
quase contínuo e completo, apesar de muito conciso, relato da vida de Abraão”.
Podemos admitir a substancial correção do ponto de vista assim proposto.
Isto simplesmente mostra o verdadeiro método de D fazer o registro da sua
revelação. Podemos acrescentar que qualquer erudito que admita que Moi­
sés não escreveu o relato da sua morte e sepultamento no último capítulo
de Deuteronômio ou que reconheçam dois relatos diferentes da criação em
Gênesis caps. 1 e 2 já começaram uma análise do Pentateuco e aceitaram os
princípios essenciais da alta crítica.
II. CREDIBILIDADE DOS ESCRITORES DA BÍBLIA
Tentarem os provar isto apenas sobre os escritores dos evangelhos; pois, se
eles são testem unhas dignas de crédito, a credibilidade do Velho Testamento,
de que eles dão testem unho, vem com o conseqüência.
1.
Eles são testemunhas capazes ou competentes, isto é, possuem real
conhecim ento relativo aos fatos que professam , d) Tiveram oportunidade de
observar e inquirir, b) Eram hom ens sóbrios e de discernim ento e não podiam
por si m esm os ser enganados, c) As circunstâncias eram tais que os eventos de
que eles testem unhavam im pressionavam de m odo profundo as suas mentes.
260
A ugustus H opkins Strong
2. Eles são testemunhas honestas. Isto é evidente ao considerar que: a) Seu
testem unho não põe em perigo os interesses terrenos, b) A elevação m oral de
seus escritos e a sua m anifesta reverência pela verdade e pelo seu constante
inculcar relativo m ostra que eles não eram enganadores intencionais, mas
hom ens de bem . c) H á indicações m enores da honestidade destes escritores no
elem ento circunstancial de sua narrativa, na ausência de expectação de que
elas seriam questionadas na sua liberdade de toda a disposição de protegê-las
ou proteger os apóstolos de qualquer censura.
3. Os escritos dos evangelistas recíproca e simultaneamente apoiam-se.
A presentam os sua credibilidade com base no núm ero e consistência do seu
testem unho. C onquanto haja suficiente discrepância ao m ostrar que não tem
havido conluio entre eles, há concorrência bastante para tornar a falsidade
deles todos infinitam ente im provável. Q uatro pontos sob este tópico m erecem
m enção: a ) Os evangelistas são testem unhas independentes. Isto suficiente­
m ente se dem onstra nas tentativas de provar que qualquer um deles abreviou
ou transcreveu o outro, b) As discrepâncias entre eles não são nada irreconciliáveis com a verdade dos fatos registrados, mas só apresentam os fatos sob
novas luzes ou com porm enor adicional, c) O fato de que estas testem unhas
eram am igas de C risto não dim inui o valor de seu depoim ento unido, visto que
seguiram Cristo só porque estavam convencidas de que os fatos eram verda­
deiros. d) C onquanto um a testem unha dos fatos do cristianism o podia estabe­
lecer sua verdade, a evidência com binada das quatro testem unhas nos dá
garantia pela fé nos fatos do evangelho tal com o não possuím os de nenhum
outro fato na historia antiga qualquer que seja. A m esm a regra que recusa a
crença nos eventos registrados nos evangelhos “lançaria dúvida sobre qual­
quer evento na história” .
Ninguém assina ou pode assinar duas vezes precisamente do mesmo
modo. Por isso, quando duas assinaturas apostas pela mesma pessoa, são
precisamente iguais, conclui-se com segurança que uma delas é falsa. Com­
pare o testemunho combinado dos evangelistas com o dos nossos cinco sen­
tidos. “Admitamos”, diz o D r . C. E. R ider, “que as possibilidades de equívoco
sejam de um décimo, quando empregamos só os nossos olhos, um vigésimo,
quando empregamos só os nossos ouvidos, um quarenta avos só o tato; quais
serão elas, se empregarmos todos ao mesmo tempo? O verdadeiro resultado
se obtém multiplicando estas proporções. Isto resulta um para oito mil”.
4.
Conformidade do testemunho do evangelho com a experiência. Já m os­
tram os que, aceitando a realidade do pecado e a necessidade de um a atestada
revelação de Deus, os m ilagres não podem fornecer pressuposição algum a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
261
contra o testem unho dos que registram tal revelação, m as com o essencialm en­
te pertencem a tal revelação, os m ilagres podem ser provados pelo m esm o tipo
e grau de evidência com o se requer na prova de qualquer fato extraordinário.
Podemos declarar, então, que nas histórias do N ovo Testamento não há nenhum
registro de fatos não testem unhados na experiência com um - nos quais, por­
tanto, podem os crer se a evidência em outros respeitos é suficiente.
5. Coincidência deste testemunho com os fatos e circunstâncias colaterais.
Sob este tópico podem os fazer referência a ) às inúm eras correspondências
entre as narrativas dos evangelistas e a história contem porânea; b) o insucesso
de cada tentativa longe de m ostrar que a história sagrada é contraditada por
qualquer sim ples fato derivado de outras fontes; c) a infinita im probabilidade
de que esta pequena e incom pleta harm onia sem pre deve ter sido assegurada
em narrativas fictícias.
6. Conclusão a partir do argumento para a credibilidade dos escritores dos
evangelhos. Tendo sido provado que estes escritores são testem unhas dignas
de crédito, suas narrativas, incluindo os relatos dos m ilagres e profecias de
Cristo e de seus apóstolos devem ser aceitos com o verdadeiros. M as Deus não
operaria m ilagres ou revelaria o futuro para atestar reivindicações de falsos
m estres. C risto e seus apóstolos devem , portanto, ter sido o que eles reivindi­
cavam ser, m estres enviados por Deus e a sua doutrina, revelação de Deus aos
homens.
Nenhum apologista moderno apresenta o argumento para a credibilidade
do N.T. com maior clareza e força do que Paley, Evidences, caps. 8-10 “Nenhum fato histórico é mais certo do que os primitivos propagadores do
evangelho voluntariamente sujeitaram-se a viver em fadiga, perigo e sofri­
mento no prosseguimento da sua empreitada. A natureza do empreendimen­
to, o caráter das pessoas que nele se empenharam, a oposição dos seus
princípios às expectações fixadas do país em que no início os impulsiona­
vam, sua indisfarçável condenação da religião dos outros países, sua total
falta de poder, autoridade ou força tornam, no mais elevado grau, provável
que este deve ter sido o caso.
“A probabilidade aumenta quando conhecemos o destino do Fundador da
instituição, o qual foi morto por atentado e pelo que também sabemos do
cruel tratamento dos convertidos à instituição trinta anos após o seu início ambos pontos atestados pelos escritores pagãos e, uma vez admitidos, acha­
mos incrível que os primeiros emissários da religião, que exerciam seu minis­
tério entre os que tinham destruído o seu Mestre, e mais tarde entre os que
perseguiram os convertidos, sairiam impunes ou continuariam no propósito
tranqüilos e seguros.
262
A ugustus H opkins Strong
“Tal probabilidade defendida pelo testemunho estrangeiro, evolui, penso
eu, para a certeza histórica através da evidência dos nossos próprios livros,
através dos relatos de um escritor que foi companheiro de pessoas cujos
sofrimentos ele relata, pelas cartas das próprias pessoas, através de predições das perseguições atribuídas ao Fundador da religião, que as predições
não seriam inseridas nesta história, muito menos os estudos se fixariam, se
não estivessem de acordo com o evento e que, mesmo que falsamente atri­
buídas a ele, só poderiam sê-lo porque o evento as sugeria; por fim, através
de incessantes exortações ao fortalecimento e à paciência e por seriedade a
repetição e urgência sobre o assunto que deveria diferentemente ter apareci­
do se não tivesse havido naquela época alguma chamada extraordinária para
o exercício de tais virtudes. Escreveu-se, penso eu, com suficiente evidência
que, tanto os mestres quanto os convertidos à religião em conseqüência da
nova profissão seguiram um novo curso de vida e conduta.”
“A questão seguinte é para que faziam isso. Era para uma história mira­
culosa do mesmo gênero, visto que para a prova de que o Jesus de Nazaré
devia ser recebido como Messias, ou como mensageiro de Deus, eles nem
tinham, nem podiam basear-se em qualquer coisa a não ser nos milagres. ...
S e isto é assim, a religião deve ser verdadeira. Estes homens não podiam ser
enganadores. Bastava não darem testemunho para que eles pudessem ter
evitado todos estes sofrimentos e viver tranqüilamente. Homens em tais cir­
cunstâncias fingiriam ter visto o que nunca viram; afirmariam fatos de que não
tinham conhecimento algum; andariam mentindo a fim de ensinar a virtude e,
embora não só convencidos de que Cristo era um impostor, mas, tendo visto
o sucesso da sua impostura na crucificação, ainda persistiam em trazer sobre
si, por nada e, com pleno conhecimento das conseqüências, a inimizade, o
ódio, o perigo e a morte?”
Contudo, os que sustentam isto requerem que creiamos que os escritores
da Bíblia eram “vilões cujo fim não era outro senão ensinar a honestidade, e
mártires sem a mínima perspectiva de honra ou vantagem”. A impostura deve
ter um motivo. A devoção própria dos apóstolos é a mais forte evidência da
verdade, pois até mesmo Hume declara que “não podemos fazer uso de um
argumento mais convincente em prova da honestidade do que provar que as
ações atribuídas a quaisquer pessoas contrariam o curso da natureza e que
nenhum motivo humano, em tais circunstâncias, poderia induzi-los a tal con­
duta”.
III. O CARÁTER SOBRENATURAL DO ENSINO DA ESCRITURA
1. O ensino da E scritu ra em g e ra l
A) A B íblia é obra de um a mente:
a) Apesar da variedade da sua autoria e da grande separação de seus escritores
““ "“3 si no tempo, há um a unidade de assunto, espírito e objetivo em seu todo.
Começamos aqui um novo departamento das evidências cristãs. Deste
modo temos acrescentado apenas a evidência externa. Agora voltamos a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
263
nossa atenção para a evidência interna. A relação entre aquela e esta parece
ser sugerida em duas perguntas de Cristo em Mc. 8.27,29 - “Quem dizem os
homens que eu sou? ... quem dizeis que eu sou?” A unidade na variedade
apresentada na Escritura é uma das principais evidências internas. Tal unida­
de está indicada na palavra “Bíblia”, no singular. Contudo, a palavra original
era “Bíblia” no plural. O mundo passou a ver uma unidade no que outrora
eram fragmentos: os muitos “bíblia" (livros) tornaram-se uma Bíblia. Num sen­
tido a controvérsia de R. W. E merson é verdadeira: “A Bíblia não é somente
um livro”. Ela é formada de sessenta e seis, escritos por quarenta autores de
todos os níveis: pastores, pescadores, sacerdotes, estadistas, reis, compon­
do suas obras num período de dezessete séculos. Evidentemente não é pos­
sível nenhum conluio entre eles. O ceticismo tende sempre a atribuir às Escri­
turas maior variedade de autoria e data, mas tudo isto aumenta a maravilha
da unidade da Bíblia. S e é notável a unidade em meia dúzia de escritores, é
de estarrecer o mesmo fato em se tratando de quarenta. Os bem diversos
instrumentos desta orquestra executam uma música perfeita; por isso senti­
mos que eles são regidos por um maestro e compositor”. Contudo, o mesmo
Espírito que inspirou a Bíblia ensina a sua unidade. A unidade não é exterior
ou superficial, mas interior e espiritual.
b) N enhum pronunciam ento m oral ou religioso de todos estes escritores
foi contraditado ou derrotado pelos pronunciam entos dos que vieram mais
tarde, m as todos constituem um sistem a consistente.
Devemos aqui estabelecer a distinção entre a forma exterior e a substân­
cia moral e religiosa. Jesus declara em Mt. 5.21,22,27,28,33,34,38,39,43,44,
“Ouvistes o que foi dito aos antigos ... eu porém vos digo” e, à primeira vista,
parece que ele veio ab-rogar alguns dos mandamentos originais. Mas ele
também declara nesta conexão: Mt. 5 .17 ,18 - “Não penseis que vim destruir
a Lei ou os profetas; eu não vim destruir, mas cumprir. Porque, em verdade
vos digo que, até que o céu e a terra passem nem um j nem um til se omitirá
da Lei sem que tudo seja cumprido”. Os novos mandamentos de Cristo ape­
nas revelam o sentido oculto dos antigos. Ele não os cumpre na sua forma
natural, mas em seu espírito essencial. Deste modo, o N.T. completa a reve­
lação do A.T. e dá à Bíblia uma unidade perfeita. Nesta unidade a Bíblia ocupa
um lugar ímpar. Os livros religiosos hindus, persas e chineses não contêm
nenhum sistema de fé consistente. Há progresso na revelação desde os mais
antigos até os mais recentes livros da Bíblia, mas não através de sucessivos
passos de falsidade; há progresso a partir do menos para o mais claro desdo­
bramento da verdade. A verdade total, em germe, encontra-se no proto-evangelho proferido aos nossos primeiros pais (Gn. 3 .15 - a semente da mulher
esmagaria a cabeça da serpente).
c) C ada um desses escritos, quer antigos quer tardios, têm representado
idéias m orais e religiosas em grande avanço na época em que apareceram e
essas idéias ainda dirigem o mundo.
264
Augustus H opkins Strong
Todas as nossas idéias com todo o espírito progressista do cristianismo
moderno devem-se às Escrituras. As nações clássicas não tinham tais idéias
nem tal espírito a não ser quando os herdaram dos hebreus. A profecia de
V irgílio em sua quarta Écloga, sobre a vinda de uma virgem e do reino de
Saturno e a volta do período áureo era apenas o eco dos livros sibilinos e da
esperança de um Redentor com a qual os judeus fermentaram o mundo
romano todo.
d)
É im possível dar conta dessa unidade sem supor tal sugestão sobrenatu­
ral e controle que a Bíblia, enquanto em suas variadas partes escrita por agen­
tes hum anos, é ainda igualm ente a obra de um a inteligência sobre-hum ana.
Podemos contrastar as contradições e refutações que seguem simples­
mente as filosofias humanas com a harmonia entre os diferentes escritores
da Bíblia - p.ex., o idealismo hegeliano e o materialismo de Spencer. Hegel é
“um nome para jurar como também pelo qual jurar”. O D r . S tirling, Secret of
Hegel, “guarda todo o segredo para si, se é que o conhece”. Uma ocasião um
francês perguntou a H e g e l se ele não podia englobar e expressar sua filosofia
em uma sentença. “Não”, respondeu H egel, “pelo menos em francês”. S e for
verdadeira a máxima de T a lle y ra n d de que aquilo que não for inteligível não é
francês, a resposta de H e ge l está correta. H e g e l dizia a respeito dos seus
discípulos: “I
G oeschel , G abler , D aub , M arheinecke , E rdmann , sã o a ala d ire ita de H egel,
ou re p re se n ta n te s o rto d o xo s e se u s s e g u id o re s no c a m p o da te o lo g ia . H egel
é s e g u id o p o r A lexander e B radley na Ing laterra , m as c o n tra d ita d o por S eth e
S chiller . U pton , Hibbert Lectures, 279-300, d á g ra n d io so va lo r à sua p o siçã o
e in fluê ncia : Hegel é tod o p e n sa m e n to e vo n ta d e . A o ra çã o não te m nenhum
e fe ito p a ra D eus; é um fe n ô m e n o p a ra p sico ló g ico . N ão e xiste livre von tade ; o
p e ca d o h u m an o assim com o a s a n tid a d e é m a n ife sta çã o do Eterno. A e v o lu ­
ção é um fato, m as só a e vo lu çã o fa ta lista . C o n tu d o , H egel pre sto u o g ra nd e
se rviço de s u b s titu ir o co n h e c im e n to da re a lid a d e em fa v o r da relativid ad e
o p re ssiva ka n tia n a e, a tra vé s do b a n im e n to da a n tig a noção de m a té ria com o
s u b s tâ n c ia m iste rio sa in te ira m e n te d ife re n te e in co m p a tíve l com as p ro p rie ­
da de s da m ente. Ele ta m b é m pre sto u o g ra n d e se rv iç o de m o s tra r q u e as
in te ra çõ e s m a té ria e m e n te só se^exp lica m pe la p re s e n ç a do T odo A bso lu to
em ca d a parte, e m b o ra e stive sse g ra n d e m e n te e rra d o ao e x p lic a r que a idéia
da un id a d e D e u s/h o m e m além dos seu s lim ite s p ró p rio s e ao n e g a r que Deus
deu à v o n ta d e do ho m em q u a lq u e r p o d e r de se c o lo c a r em a n ta g o n ism o à
v o n ta d e do p ró p rio D eus. H egel p re sta um g ra n d e se rv iç o ao m o stra r que não
p o d e m o s co n h e c e r nem m esm o a p a rte se não c o n h e c e rm o s o tod o, m as
e rra ao ensinar, co m o T. S. G reen , qu e as re la çõ e s co n stitu e m a realid ad e
da coisa. Ele priva ta n to a e x is tê n c ia fís ic a co m o a p síq u ica do g ra u de in d i­
v id u a lid a d e ou de in d e p e n d ê n cia e s se n cia l ta n to à c iê n cia com o à religião.
N ão q u e re m o s a m era idéia, m as a su a v e rd a d e ira fo rça ; não o m ero p e n s a ­
m ento, m as a v e rd a d e ira von tade .
B) A m ente que fez a B íblia é a m esm a que fez a alma, porque a Bíblia
adapta-se divinam ente à alma:
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
265
a) M ostra com pleto conhecim ento da alma.
A Bíblia se destina a todas as partes da natureza do homem. Existem a
Lei e as Epístolas em benefício da razão do homem; os Salmos e os Evange­
lhos para os sentimentos; os Profetas e as Revelações para a sua imagina­
ção. Daí a popularidade das Escrituras. Sua variedade sustenta os homens.
A Bíblia entrelaçou-se à vida moderna. Lei, literatura, arte, tudo isso molda a
sua influência.
b) Julga a alm a - contraditando suas paixões, revelando sua culpa e hum i­
lhando seu orgulho.
Nenhum produto da mera natureza humana pode contemplá-la e conde­
ná-la. A Bíblia nos fala a partir de um nível mais elevado. As palavras da
mulher samaritana aplicam-se a todo o orbe da revelação divina; conta-nos
todas as coisas que fazemos (Jo. 4.29). Um brâmane declarou que Rm. 1,
com toda a sua descrição dos vícios pagãos, deve ter sido forjado depois que
os missionários vieram à índia.
c) Vai ao encontro das m ais profundas necessidades da alm a - através de
soluções de seus problem as, revelações do caráter de Deus, apresentações do
cam inho do perdão, consolações e prom essas de vida e de morte.
Nem S ócrates , nem S êneca realçaram a natureza, a origem e as conseqü­
ências do pecado cometido contra a santidade de Deus, nem assinalaram o
caminho do perdão e da renovação. A Bíblia nos ensina o que a natureza não
pode, isto é: a criação de Deus, a origem do mal, o método da restauração, a
certeza do estado futuro e o princípio do galardão e do castigo.
d ) C ontudo, silencia a respeito de m uitas questões para as quais os escritos
de origem puram ente hum ana buscam prover soluções.
Compare o relato da infância de Jesus com as fábulas dos Apócrifos do
N.T.: observe as raras afirmações da Escritura relativas ao futuro com as
revelações de Maomé e Swedenborg sobre o Paraíso.
e ) H á abism os infinitos e inesgotáveis alcances de sentido na Escritura,
que a diferenciam de outros livros e que nos com pelem a crer que seu autor
deve ser divino.
S ir W alter S cott , no seu leito mortal: “Traze-me o livro!” “Que livro?” dis­
se L ockhart , seu genro. “Há apenas um livro”, disse o moribundo. R eville
conclui um Ensaio na Revue des deux Mondes (1864): “Um dia começou a
perguntar numa assembléia que livro condenava o homem à prisão perpétua
266
A ugustus H opkins Strong
e a quem seria permitido levar à cela a não ser um livro. O grupo era formado
de católicos, protestantes, filósofos e até mesmo de materialistas, mas todos
concordavam em que a sua escolha recairia sobre a Bíblia”.
2. Sistem a M o ra l do Novo Testamento
G eralm ente adm ite-se a perfeição deste sistem a. Todos adm itirão que ele
ultrapassa grandem ente qualquer outro sistem a conhecido entre os homens.
E ntre suas características distintivas podem ser m encionadas:
a) Sua com preensibilidade, incluindo todos os deveres do hom em em seu
código, m esm o os geralm ente m enos com preendidos e negligenciados enquanto
não perm ite nenhum vício qualquer que seja.
O budismo considera a vida familiar como pecaminosa. Muitos filósofos
antigos condenavam o suicídio. Entre os espartanos, o furto era louvável; só
quando apanhados roubando considerava-se crime. Os tempos clássicos des­
prezavam a humildade. T homas P aine dizia que o cristianismo cultivava “o
espírito de um bajulador” e J. S. Mill afirmava que Cristo ignorava os deveres
para com o estado. Contudo, Pedro estimula os cristãos a acrescentarem à
sua fé a varonilidade, a coragem, o heroísmo (2 Pe. 1.5 - “acrescentai à
vossa fé a virtude”), e Paulo declara que o estado é uma instituição de Deus
(Rm. 13.1 - “Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não
há autoridade que não venha de Deus e as autoridades foram ordenadas por
Deus”). A defesa patriótica da unidade nacional e da liberdade sempre tem o
seu principal estímulo e base nestas injunções da Escritura. E. G. R obinson :
“A ética cristã não contém nenhuma partícula de palha - é feita toda de puro
trigo”.
b) Sua espiritualidade, não aceitando nenhum a conform idade sim plesm en­
te exterior com os preceitos justos, m as julgando toda ação através dos pensa­
m entos e m otivos dos quais ela surge.
A superficialidade da moral pagã é bem ilustrada pelo tratamento do
cadáver de um sacerdote em Sã: Cobre-se o corpo com folhas douradas e
depois deixa-se apodrecer e brilhar. O paganismo divorcia a religião da ética.
As observâncias exteriores e cerimoniais tomam o lugar da pureza do cora­
ção. Por outro lado, o Sermão da Montanha pronuncia a bênção somente
sobre o estado interior da alma. SI. 51.6 - “Eis que amas a verdade no íntimo
e no oculto me fazes conhecer a sabedoria”; Mq. 6.8 - “o que é que o Senhor
pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a beneficência e andes
humildemente com teu Deus?”
c) A sim plicidade, inculcando princípios ao invés de im por regras; redu­
zindo estes princípios a um sistem a orgânico; e estabelecendo conexão deste
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
267
sistem a com a religião, resum indo todo o dever hum ano a um a ordem do am or
a D eus e ao próxim o.
O cristianismo não apresenta nenhum extenso código de regras como o
dos fariseus ou dos jesuítas. Tais códigos sucumbem sob o seu próprio peso.
As leis do estado de Nova Iorque constituem apenas uma biblioteca própria
que são de domínio exclusivo dos juristas. Conta-se que o maometano tem
registrados sessenta e cinco mil exemplos especiais em que o leitor é orien­
tado como agir corretamente. O mérito do sistema de Jesus é que todos os
requisitos se reduzem a um. Mc. 12.29-31 - ‘‘Ouve, Israel, o Senhor, nosso
Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu cora­
ção, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas
forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é;
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do
que estes”. W endt, Teaching of Jesus, 2.384,814, chama a atenção para a
unidade interior do ensino de Jesus. A doutrina de que Deus é um Pai amoro­
so aplica-se com incontestável consistência. Jesus confirmava tudo o que é
verdadeiro no A.T. e punha de lado o que é indigno. Ele não ensina tanto a
respeito de Deus e do seu reino e da comunhão ideal entre Deus e o homem.
A moralidade é a expressão necessária e natural da religião. Em Cristo, ensi­
no e vida se mesclam. Ele representa a religião que ensina.
d)
Sua praticabilidade, exem plificando seus preceitos na vida de Jesus Cris­
to; e enquanto declara a depravação e incapacidade do hom em de guardar a
lei, fornecendo m otivos para a obediência e o auxílio do Espírito Santo para
torná-la possível.
A revelação tem dois lados: A lei moral e a provisão para o cumprimento
da lei moral, que foi quebrada. Os sistemas pagãds^podem incitar reformas
temporárias e podem aterrorizar com am eaças de castigo. Mas só a graça
regeneradora de Deus pode tornar boa a árvore de tal sorte que o seu fruto
também seja bom (Mt. 12.33). Há diferença entre tocar o pêndulo do relógio e
dar corda neste: aquilo pode pô-lo temporariamente em movimento, mas isto
pode garanti-lo regular e permanente. O sistema moral do N.T. não é mera­
mente uma lei; é também graça: Jo. 1.17 - “a lei foi dada por Moisés; a graça
e a verdade vieram por Cristo”. O trato do D r. W illiam A shmore representa um
chinês num poço. Confúcio olha para o poço e diz: “S e você tivesse feito o
que eu lhe disse você nunca teria entrado aí”. Buda olha para dentro do poço
e diz: “Se você estivesse aqui em cima eu lhe mostraria o que fazer”. Deste
modo procedem tanto Confúcio quanto Buda. Jesu s salta para dentro do poço
e ajuda o pobre chinês a sair.
No Congresso de Religiões em Chicago foram propostos muitos ideais de
vida, mas nenhuma religião a não ser o cristianismo mostrou que há poder
para realizar tais ideais. Quando J oseph C ook desafiou os sacerdotes das
religiões antigas a responderem a pergunta de L ady M acbeth : “Como limpar o
vermelho desta mão direita?” os sacerdotes emudeceram. Mas o cristianismo
268
A ugustus H opkins Strong
d e c la ra que “o sa n g u e de Je su s C risto , seu Filho, nos p u rifica de tod o p e c a ­
do ” (1 Jo. 1.7). E. G. Robinson: O cristia n ism o , é d ife re n te de to d a s as ou tra s
re lig iõ e s p o rq u e 1) é u m a religião histó rica ; 2) p o rqu e to rn a a lei a b stra ta em
u m a p e sso a a s e r am a da ; 3) p o rq u e fo rn e c e um a d e m o n s tra ç ã o do a m o r de
D eus em C risto; 4) p o rq u e pro vê a e xp ia çã o do pe ca d o e o p e rdã o do p e c a ­
dor; 5) p o rq u e dá fo rç a p a ra c u m p rir a lei e s a n tific a a vida. B owne, Philos. of
Theism, 2 4 9 - “O cristia n ism o , to rn a n d o a lei m oral a e xp re ssã o da S an ta
V on tade , tiro u a q u e la lei da a b stra çã o im p e sso a l e g a ra n tiu -lh e o triu n fo final.
O s p rin cíp io s m ora is po de m s e r o que era m an tes, m as a prá tica m oral é
se m p re dife re n te . A té m esm o a te rra te m o u tra a p a rê n c ia a g o ra que tem um
céu a cim a d e la ” . F rancis P ow er Cobbe, Life, 92 - “A p ro e za do c ristia n ism o
não foi in cu lca r um a nova m o ra lid a d e , nem m esm o um a m o ra lid a d e sistemá­
tica] p a rtir da In tro d u çã o de um no vo espírito p a ra a m o ra lid a d e ; com o o p ró ­
prio C risto disse, um fe rm e n to p a ra a m a ssa in fo rm e ” .
Podemos argumentar que um sistema moral tão puro e perfeito, visto que
ultrapassa todos os poderes humanos de invenção e corre contra os sabores
e paixões naturais dos homens, deve ter tido uma origem sobrenatural, divina.
Os sistemas pagãos de moralidade, via de regra, são defeituosos por não
fornecer para a ação moral do homem nenhum exemplo, regra, motivo ou fim
suficientes. Eles não podem fazer isso porque praticamente identificam Deus
com a natureza e não conhecem a clara revelação da sua santa vontade.
O homem é abandonado ao seu próprio ser e, visto que ele não é concebido
como totalmente responsável e livre, permite-se que os baixos impulsos
assim como os elevados influam e o egoísmo não seja considerado como
pecado. Como o paganismo não reconhece a depravação, do mesmo modo
não reconhece a sua dependência da graça divina e a sua virtude é a justiça
própria. O paganismo é o vão esforço do homem para elevar-se a Deus; o
cristianismo é a descida de Deus ao homem para salvá-lo. M artineau, 1.15 ,16
chama a atenção para a diferença entre a ética psicológica do paganismo e a
do cristianismo. A ética psicológica começa com a natureza; e, achando na
natureza a regra uniforme da necessidade e a operação da cáusa e do efeito,
chega por fim ao homem e aplica-lhe a mesma regra, extinguindo deste modo
toda fé na personalidade, na liberdade, na responsabilidade, no pecado e na
culpa. A ética psicológica, ao contrário, sabiamente começa com aquilo que
melhor conhecemos, isto é, o homem; e, achando nele a livre vontade e um
propósito moral, continua a exteriorizar-se na natureza e interpreta-a como a
manifestação da mente e vontade de Deus.
“A ética psicológica é peculiar ao cristianismo. ... Outros sistemas come­
çam com a parte exterior e consideram a alma como homogênea ao univer­
so aplicando à alma o princípio da necessidade que prevalece fora dela.
... Na religião cristã, por outro lado, o interesse, o mistério do mundo concentram-se na natureza humana. ... O senso de pecado - sentimento que não
deixou traço nenhum em Atenas - envolve uma consciência de alienação
pessoal do Bem Supremo; a aspiração pela santidade dirige-se à união de
sentimento e vontade com a fonte de toda a Perfeição; o agente da transfor­
mação do homem a partir da velha alienação para a nova reconciliação é
uma Pessoa de quem os elementos divino e humano dependem; e o Espírito
santificador pelo qual eles são sustentados nas alturas mais puras da vida,
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
269
é uma viva ligação da comunhão entre a mente deles e a Alma das almas.
... Deste modo, a Natureza, para a consciência cristã, imerge no acidental e
no neutro”. Medindo-nos a nós mesmos pelos padrões humanos, alimenta­
mos o orgulho; medindo-nos a nós mesmos pelos padrões divinos, alimenta­
mos a humildade. As nações pagãs, ao identificar Deus com a natureza ou
com o homem, não são progressivas. A arquitetura plana do Partenon, com
suas linhas paralelas à terra, tipifica a religião pagã; os arcos aspirados da
catedral gótica simbolizam o cristianismo.
S terrett , Studies in Hegel, 33, diz que Hegel carateriza a religião chinesa
como a da medida, ou conduta temperada; o bramanismo, como a da Fanta­
sia, ou inebriante vida de sonhos; o budismo como o auto-envolvimento; a do
Egito, como a embrutecida relação do Enigma, simbolizado pela Esfinge; a
da Grécia, como a religião do Belo; a judaica, como a religião da Sublimidade;
e o cristianismo, como a religião absoluta da verdade e liberdade plenamente
reveladas. Em tudo isto Hegel deixa de firmar-se nos elementos da Vontade,
da Santidade, da Vida, que caraterizam o judaísmo e os distinguem de todas
outras religiões. R. H. Hutton: “O judaísmo nos ensina que a natureza deve
ser interpretada pelo nosso conhecimento de Deus, não Deus pelo conheci­
mento da Natureza”. Lyman A bbott; “O cristianismo não é uma nova vida, mas
uma nova força ; não é uma convocação para uma nova vida, mas o seu ofe­
recimento] não uma reordenação da velha lei, mas o poder de Deus para a
salvação; não o amor a Deus e ao homem, mas a mensagem do Cristo que
nos ama e nos ajudará na vida do amor”.
B eyschlag, N. T. Theology, 5,6 - “O cristianismo postula a abertura do
coração do Deus eterno para o coração do homem que vem a ele. O paganis­
mo apresenta o coração do homem desatinadamente agarrando-se à bainha
das vestes de Deus e, confundindo a Natureza, sua veste majestosa, com o
próprio Deus. Só na Bíblia o homem se fixa nas manifestações exteriores de
Deus rumo ao próprio Deus”.
E m contraste com o sistem a cristão de m oralidade, os defeitos dos siste­
m as pagãos são de tal m odo m arcantes e fundam entais que constituem um a
forte evidência corroborativa da origem divina da revelação escriturística.
Em vista do que, aduzim os alguns fatos e referências relativas aos sistemas
pagãos em particular.
1.
C O N FU C IO N ISM O . C onfúcio (Kung-fu-tse), 551-478 a.C., contemporâ­
neo de P itágoras e de B uda. S ócrates nasceu dez anos após a morte de
Confúcio. M êncio (371-278) foi discípulo de C onfúcio. M atheson, em Faiths of
the Wolrd(St. Giles Lectures), 73-108, reivindica que o confucionismofoi “uma
tentativa de substituir uma moralidade por uma teologia”. Contudo, L egge,
Present Day Tracts, 3. n- 18, mostra que isto é um equívoco. C onfúcio
somente deixou a religião onde ela se encontrava. Deus, ou o Céu, é adorado
na China, mas só pelo imperador. A religião chinesa parece uma sobrevivên­
cia do culto da família patriarcal. O pai de família era o único chefe e sacerdo­
te. Na China, embora a família se expandisse na tribo, e a tribo na nação, o
270
A ugustus H opkins Strong
pai ainda conservava a sua exclusiva autoridade e, como pai do seu povo, só
o imperador oferecia oficialmente sacrifício a Deus. Entre Deus e o povo o
abismo se ampliou tanto que se pode dizer que o referido povo praticamen­
te não tinha conhecimento de Deus, ou comunicação com ele. Dr. W. A. P.
M artin: “O confucionismo degenerou-se numa mistura de panteísmo e tor­
nou-se a adoração a uma ‘anima mundi’, sob formas diretivas da natureza
visível”.
D r . W illiam A shmore , numa carta particular: “O povo comum da China tem:
1) O culto ancestral e o culto a heróis deificados; 2) Geomancia, ou a crença
na força controladora dos elementos da natureza; mas atrás destes e anteda­
tando-os, há 3) o culto do Céu e da Terra, ou Pai e Mãe, dualismo bem antigo;
isto também pertence ao povo comum, embora uma vez por ano o imperador,
como um tipo de sumo sacerdote do seu povo, ofereça sacrifício no altar do
Céu; neste só ele atua. ‘Jo ss ’ afinal não é uma palavra chinesa. É uma forma
degenerada da palavra em Português ‘Deus’. A palavra ‘pidgin’ igualmente é
uma tentativa de dizer ‘business’ [negócio, ocupação], (big-i-ness ou bidgin).
Por isso ‘Joss-pidgin’ significa simplesmente ‘culto divino’, ou culto prestado
ao Céu e à Terra, ou aos espíritos de qualquer tipo, bons ou maus. Há muitos
deuses, uma Rainha do Céu, um Rei do Hades, Deus da Guerra, deus da
literatura, deuses das montanhas, vales correntezas, uma deusa da bexiga,
da gestação e de todos os negócios dos seus deuses. A mais elevada
expressão chinesa é ‘Céu’, ou ‘Supremo Céu’, ou ‘Céu Azul’. Esta é a indica­
ção sobrevivente de que em tempos mais remotos eles tinham conhecimento
de uma Força suprema, inteligente e pessoal que dirigia tudo”. O S r. Y ugoro
C hiba mostrou que os clássicos chineses permitiam o sacrifício por todo o
povo. Mas também é verdade que o sacrifício ao “Supremo Céu” está pratica­
mente limitado ao imperador que, como o sumo sacerdote judeu, oferece
uma vez por ano pelo seu povo.
C onfúcio nada fez para estabelecer a moralidade em base religiosa.
Na prática, as relações dos seres humanos entre si são as únicas em consi­
deração. Usufruem-se a benevolência, a retidão, a propriedade, a sabedoria,
a sinceridade, mas não se diz nenhuma palavra sobre o relacionamento do
homem para com Deus. O amor a Deus não é um mandamento - não se
pensa nisto como uma coisa possível. Embora o ser humano seja teorica­
mente uma ordenança de Deus, o homem é uma iei para si mesmo. O primei­
ro mandamento de Confúcio é o da piedade filial. Mas isto inclui a adoração
dos ancestrais mortos e há tanto exagero como sepultar da vista os deveres
relativos ao marido para com a mulher e do pai para com o filho. C onfúcio
torna um dever do filho matar o assassino do pai, assim como Moisés insiste
numa pena retaliativa com derramamento de sangue. Ele tratava os seres
invisíveis e superiores com respeito, mas mantinha-os a distância. Reconhe­
cia o “Céu” da tradição; mas ao invés de aumentar o nosso conhecimento a
seu respeito, abafava qualquer pergunta. Dr . L egge: “Tenho estado lendo
livros chineses por mais de quarenta anos e qualquer exigência do amor a
Deus, ou menção a qualquer que realmente o ame ainda está para passar
pelos meus olhos”.
E zra A bbot afirma que Confúcio deu uma regra áurea em forma tanto
positiva quanto negativa. Contudo, parece que D r . L egge, Religions of China,
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
271
1 -58, nega-o. Wu Ting F ang, outrora ministro chinês para Washington, admite
a afirmação de que Confúcio deu uma regra áurea apenas em sua civilização
agressiva, que por isso, tornou-se dominante. A regra áurea que Confúcio
deu é: “Não façais aos outros o que não quiserdes que eles vos façam”. Com­
pare isto com Isócrates : “Sede para os vossos pais o que quiserdes que os
vossos filhos sejam para vós. ... Não façais aos outros as coisas que vos
façam irar quando os outros vo-las fizerem”; H eródoto: “Aquilo que eu punir
em outro homem, eu, por mim mesmo, evitarei”; A ristóteles : “Devemos nos
portar para com os nossos amigos como queremos que eles se portem para
conosco”; Tobias 4 .1 5 - “Não faças a ninguém aquilo que detestas”; F ilo:
“O que detestas suportar, não lho faças”; Sêneca nos manda: “dá como que­
res receber”; R abino H illel: “O que quer que vos aborreça, não o façais a
outrem; eis a lei completa e o demais é explicação”. (Em espanhol: “manos
qui non dais qui esperais?”; no Brasil: “Deus lhe dê em dobro o que você me
deseja”).
B roadus, American Commentary on Matthew, 161 (O tra d u to r fa z citaçã o
da E dição em P ortu guê s, C o m e n tá rio de M a te u s, John A. B roadus, Vol. I,
1949, C a sa P u b lica d o ra B atista, p. 23 4 a ) “ D e ve n o ta r-se q u e os ditos de Con­
fúcio, Isó cra te s e dos trê s m e stre s ju d a ic o s , sã o m e ra m e n te n e ga tivos; o de
Sêneca lim ita -se a d a r e o de A r is tó te le s lim ita -se ao tra ta m e n to dos am igos.
N osso S e n h o r dá um a reg ra de açã o p o sitiva , e p a ra to d o s os ho m e n s” . Ele
e n sin a que eu esto u in cu m b id o de fa z e r aos o u tro s tu d o o que eles p o de riam
com ju s tiç a d e s e ja r que eu lhes fize sse . Por isso a reg ra áu re a re q u e r um a
su p le m e n ta çã o , p a ra m o s tra r o que os ou tro s p o d e m com ju s tiç a desejar, a
saber, em p rim e iro lu g a r a g ló ria de D e us e o b e m -e s ta r d e le s com o se g un da
e in cid e n ta l co n se q ü ê n cia . O cris tia n is m o fo rn e c e este p a d rã o divino e p e rfe i­
to; a fa lh a do co n fu c io n is m o é qu e não tem n e nh um p a d rã o m ais e le va d o que
a c o n ve n çã o hu m an a. C o n q u a n to o c o n fu c io n is m o e x c lu a o p o lite fsm o , a id o­
la tria e a d e ifica çã o do vício é um s is te m a sem p ro fu n d id a d e e tan ta liza nte,
po rq u e não re co n h e ce a co rru p çã o h e re d itá ria da n a tu re za hum ana, nem fo r­
ne ce re m é d io a lgu m p a ra o m al m o ra T a -fía o s e r as “d o u trin a s dos s á b io s” .
“O co ra çã o do h o m e m ” , diz, “é de m od o n a tural p e rfe ita m e n te íntegro e co rre ­
to ” . O p e ca d o é ap e n a s “u m a do e n ça , a s e r c u ra d a com a a u to d iscip lin a ; a
dívid a de ve s e r c a n c e la d a p e lo s ato s m e ritó rio s; re m o ve -se a ig n o râ n cia a tra ­
vé s do e stu do e da c o n te m p la ç ã o ” .
OS SISTEMAS HINDUS. O bramanismo, expresso nos Vedas, data de
a 1500 a.C. Como C aird (em Faiths of the World, St. Giles Lectures,
preleção i) mostrou que ele se originou na contemplação da força na natureza
independente da Pessoalidade moral que opera na natureza e através dela.
Na verdade, podemos dizer que todo o paganismo é uma escolha humana do
Deus amoral em lugar de um Deus moral. O bramanismo é um sistema de
panteísmo, “uma consagração falsa ou ilegítima do finito”. Todas as coisas
são manifestação de Brama. Por isso o mal é deificado do mesmo modo que
o bem. Muitos milhares de deuses são adorados como representações par­
ciais do princípio vivo que se move através de tudo. “Quantos deuses têm os
hindus” perguntava o D r . D uff à sua classe. H enry Drummond pensava que
houvesse vinte e cinco. “Vinte e ^ n c o ? ” retrucou indignado o professor; “vinte
2.
1000
272
A ugustus H opkins Strong
e cinco milhões de milhões!” Enquanto os antigos Vedas apresentam um cul­
to à natureza relativamente puro, mais tarde o bramanismo se torna o culto do
vicioso, e do vil, do não natural e do cruel. Jaganata (= Vishnu, sob seu avatar
Krishna, que significa: Senhor do Mundo. O verdadeiro centro é Krishna.
Jaganata e Puri, e as cerimônias com ele relacionadas adquirem, por vezes,
caráter licencioso; E.B.M.) e o sati (= cremação voluntária da mulher indiana
que subia à fogueira em que se incinerava o marido, para acompanhá-lo na
morte; C. A ulete in loco) não pertenciam à religião original hindu.
B ruce , Apologetics, 15 - “Na teoria, o panteísmo sempre significa, na prá­
tica, politeísmo”. Os antigos Vedas manifestam esperança no espírito; mais
tarde, o bramanismo vem a ser a religião do desapontamento. A casta se fixa
e se consagra como uma manifestação de Deus. Originariamente pretendia
expressar, em suas quatro divisões - sacerdote, soldado, agricultor, escravo
- os diferentes graus de ausência de participação terrena e a atuação interna
do elemento divino e torna-se um encadeamento de elos de ferro a impedir
toda a aspiração e progresso. A religião hindu procurava exaltar a receptivi­
dade, a unidade da existência e o repouso a partir da autodeterminação e das
suas lutas. Por isso ela atribuía aos seus deuses o mesmo caráter das forças
da natureza. Deus é a força comum do bem e do mal. Sua ética é a de indife­
rença moral. Sua caridade é a que se dirige ao pecado e a temperança que
ela deseja é a que só deixa intemperante. M ozoomdar, por exemplo, está pronto
a aceitar tudo no cristianismo, menos a sua reprovação ao pecado e deman­
da de retidão. O bramanismo degrada a mulher, mas deifica a vaca.
O budismo, começando com B uda, 600 a.C., “convoca a mente para uma
elevação acima do finito”, de que o bramanismo sucumbiu. Em certo sentido,
B uda foi um reformador. Ele protestava contra as castas e proclamava que a
verdade e amoralidade valem para todos. Por isso, o budismo, possuidor de
uma pequena parcela de verdade, apela para o coração humano e torna-se,
depois do cristianismo, a maior religião missionária. Observe, em primeiro
lugar, o seu universalismo. Entretanto, observe também que se trata de um
falso universalismo, pois ignora o individualismo e leva à estagnação e à
escravidão. Enquanto o cristianismo é uma refigrão da história, da vontade,
do otimismo, o budismo é uma religião de ilusão, de quietismo, de pessimis­
mo. Ao caraterizar o budismo como religião missionária, devemos notar, em
segundo lugar, seu elemento de altruísmo. Porém, tal altruísmo destrói o eu,
ao invés de preservá-lo. O futuro Buda, da compaixão para o famélico tigre,
permite que esta fera o devore. “Encarnado numa lebre, ele pula no fogo para
cozer-se a fim de servir de alimento a um mendigo, tendo antes disso se
abalado três vezes de sorte que nenhum dos insetos em seu pelo pereçam
com ele. Buda pretende livrar o homem não através da filosofia, nem do asce­
tismo, mas da auto-renúncia. Todo o isolamento e pessoalidade são pecado
cuja culpa, contudo, repousa não sobre o homem, mas sobre a existência
em geral.
Enquanto o bramanismo é panteísta, o budismo, em seu espírito é ateísta. Pfleiderer, Philos. fíeligion, 1.285 - “A acomia bramânica, que tinha expli­
cado o mundo como simples aparência, conduziu ao ateísmo budista”. A aco­
modação e a separação constituem um mal e o único meio de purificar e
descansar é deixar de existir. Isto é o pessimisqio essencial. A mais elevada
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
moralidade é agüentar aquilo que deve aparecer e escapar da realidade e da
existência pessoal tão logo seja possível. Daí a doutrina do Nirvana. R hys
Davis, em Hibbert Lectures, defende que o budismo primitivo identificado por
Nirvana, não é uma aniquilação, mas a extinção da vida própria e que isto se
atinge durante a presente existência mortal do homem. Porém o termo Nirva­
na agora significa, para a grande maioria dos que o empregam, a perda de
toda a pessoalidade e consciência e a absorção na vida geral do universo.
Originariamente o termo denotava só a liberdade do desejo do indivíduo e os
que entraram para o Nirvana podiam ainda sair dele. Mas mesmo em sua
forma original, procurava-se o Nirvana só a partir de um motivo egoísta.
A auto-renúncia e a absorção no todo não era o entusiasmo da benevolência;
era o refúgio do desespero. Trata-se de uma religião sem deus ou sem sacri­
fício. Ao invés da comunhão com um Deus pessoal, o budismo tem em vista
só a extinção da pessoalidade como recompensa das indizíveis eras da autoconquista solitária que se estende através de muitas transmigrações. De Buda,
na verdade se tem dito “que tudo aquilo que ele tinha para satisfazer a neces­
sidade do homem Nada era e o melhor do seu ser é Apenas o não ser”.
W ilkinson, Epic of Paul, 296 - “Ele, por seu próprio ato de morrer em todo o
tempo, Em incessante esforço de parar totalmente, Querer querendo não
querer Deseja desejando não mais desejar até que, por fim a fugitiva cami­
nhada para ser livre, emancipe Apenas tornando-se nada”. A respeito de Cristo,
com precisão, diz B ruce : “Que contraste este médico da enfermidade e Pre­
gador do perdão ao mais indigno, para B uda a religião da desesperança!”
O budismo é fatalista. Ele inculca submissão e compaixão - virtudes
meramente negativas. Mas nada entende da liberdade humana, ou do amor
ativo - virtudes positivas do cristianismo. Leva o homem a fazer concessões
aos seres humanos, mas não a ajudá-lo. Sua moralidade não gira em torno
de Deus, mas do eu. Não tem em si nenhum princípio organizador, pois não
reconhece de modo algum Deus, nem inspiração, nem alma, nem salvação,
nem imortalidade pessoal. O budismo salva o homem apenas induzindo-o a
fugir da existência. Para o hindu, a vida familiar envolve pecado. O homem
perfeito deve deixar a esposa e os filhos. Toda ã gratificação dos apetites e
paixões naturais é um mal. A salvação não se refere ao pecado, mas ao
desejo e disto o homem pode ser salvo escapando da própria vida. O cristia­
nismo sepulta o pecado, mas salva o homem; Buda salva o homem matandoo. O cristianismo simboliza a entrada do convertido na nova vida levantandoo das águas batismais; o batismo budista deve consistir numa imersão sem
emersão. A idéia fundamental do bramanismo, extinção da pessoalidade, con­
tinua a mesma no budismo; a única diferença é que o resultado é garantido
pela expiação ativa naquele e contemplação passiva neste. A virtude e o
conhecimento de que tudo na terra é uma desvanecedora centelha da luz
original liberam o homem da existência e da miséria.
P rof . G. H. P almer, de Harvard, in The Outlook, 19 jun. 1 8 9 7 - “O budismo
difere do cristianismo pelo fato de abolir a miséria abolindo o desejo; nega a
pessoalidade ao invés de afirmá-la; tem muitos deuses, mas nenhum Deus
vivo e consciente; reduz a existência em vez de alongá-la como recompensa
da retidão. O budismo não faz nenhuma provisão para a família, para a igreja,
para o estado, para a ciência e para a arte. Dá-nos uma religião escassa,
273
Augustus H opkins Strong
274
enquanto necessitamos de uma farta”. D r . E. B enjamin A ndrews: “S chopenhauer
e S pencer são apenas mestres do budismo. Eles consideram a fonte centrai
de tudo como uma força desconhecida em vez de considerá-la um Espírito
vivo e santo. Isto retira todo o impulso para uma investigação científica. Não é
preciso partirmos de uma coisa, mas de uma Pessoa”.
Para comparação do sábio da fndia, Xáquia Múni, mais freqüentemente
chamado Buda (apropriadamente “o Buda” = o iluminado; mas que, apesar
do título “Luz da Ásia” dado por E dwin A rnold, é representado não como o
purificado dos prazeres carnais antes de começar a sua obra), com Jesus
Cristo, ver Kellogg, The Light o f Asia and the L ig h to fth e World; B eal, Catena
of Buddhist Scriptures, 153 - “O Budismo declara ignorar qualquer modo de
existência pessoal compatível com a idéia de perfeição espiritual e, conse­
quentemente, ignorar Deus”; 157 - “A mais primitiva idéia do Nirvana parece
ter incluído em si não mais que o gozo de um estado de descanso como
conseqüência da extinção de todas as causas da tristeza”. O fato de que
o próprio Buda foi uma apresentação apoteótica para fornecer um objeto
de adoração mostra a impossibilidade de satisfazer o coração humano
com um sistema de ateísmo. Foi assim que o budismo transformou-se em
bramanismo.
M o n ie r
W illiams: “ M a o m é t e m m u it o m a is d ir e it o d e r e iv in d ic a r o tí t u lo d e
‘a L u z d a Á s ia ’ d o q u e B u d a . D e o n d e v e m a lu z d e B u d a ? N ã o v e m d a d e p r a v a ç ã o d o c o r a ç ã o , o u d a o r ig e m d o p e c a d o , o u d a b o n d a d e , ju s t iç a , s a n t id a ­
d e , p a t e r n id a d e d e D e u s , o u r e m é d io p a r a o p e c a d o , m a s u n ic a m e n t e d e s a ir
d o s o f r im e n t o fu g in d o d a v id a - d o u t r in a d o m e r e c im e n t o , d a a u to c o n fia n ç a ,
d o p e s s im is m o e d a a n iq u ila ç ã o d a p e s s o a lid a d e ” . C r is to , o s e r p e s s o a l, a m o ­
r o s o e s a n to , m o s t r a q u e D e u s é u m a p e s s o a d e s a n t id a d e e a m o r . R o b e r t
B r o w n in g : “ A q u e le q u e c r io u o a m o r n ã o a m a r á ? ” U n ic a m e n t e p o r q u e J e s u s é
D e u s é q u e t e m o s u m e v a n g e lh o p a r a o m u n d o . A r e iv in d ic a ç ã o d e q u e B u d a
é “ a L u z d a Á s ia ” le m b r a a d o h o m e m q u e d e c la r o u q u e a lu a v a le m a is q u e o
s o l p o r q u e e la b r ilh a n a e s c u r id ã o e n q u a n t o o s o l b r ilh a d e d ia q u a n d o n ã o h á
n e c e s s id a d e .
3.
SISTEMAS GREGOS. Pitágoras (584-504) baseia a moralidade no prin­
cípio dos números. “O bem moral é identificado com a unidade; o mal com a
multiplicidade; a virtude é a harmonia da alma e sua semelhança com Deus.
O objetivo da vida é fazer representar a bela ordem do universo. Toda a ten­
dência prática do pitagorismo é ascética e inclui um estrito controle e uma
diligente cultura”. Parece que já vemos aqui o defeito da moralidade grega
confundindo o bem com o belo e fazendo a moralidade um simples autodesenvolvimento. M ath eso n , Messages of the Old Religions'. A Grécia revela a
intensidade da hora, o valor da vida presente, a beleza do mundo atual. Sua
religião é a da bela humanidade. Antecipa o novo céu e a nova terra. Por
outro lado Roma firma-se na união, na incorporação, num reino universal.
Mas a sua religião deifica só o imperador, não a humanidade. Não é a religião
do amor, mas da força e identifica a igreja com o estado.
Sócrates (469-400) faz do conhecimento uma virtude. A moralidade con­
siste em subordinar os desejos irracionais ao conhecimento racional. Apesar
de que neste ponto elevamos o bem subjetivamente determinado como a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
m e ta d o e s f o r ç o m o r a l, a in d a n ã o t e m o s o s e n t id o a p r o p r ia d o d o p e c a d o .
O m o tiv o n ã o é o a m o r , m a s o c o n h e c im e n t o . S e o h o m e m c o n h e c e o d ir e i­
to , e le o p r a tic a . E s ta é u m a g r a n d e a lt a a v a lia ç ã o d o c o n h e c im e n t o . P a ra
S ó c r a t e s , o e n s in o é u m t ip o d e p a r t o - n ã o d e p o s it a n d o in f o r m a ç ã o n a m e n ­
te , m a s e x t r a in d o o c o n t e ú d o d o n o s s o p r ó p r io c o n h e c im e n t o . (A is to , S ó c r a ­
t e s d á o n o m e d e m a iê u t ic a = p r o f is s ã o d e p a r t e ir a . A m ã e d e le e x e r c ia ta l
p r o f is s ã o ) . L e w is M o r r i s d e s c r e v e is s o c o m o a o b r a d a v i d a d e S ó c r a t e s
d e q u e “ d ú v id a s la n ç a m f o r a d ú v id a s ” . S ó c r a t e s a c h a ju s t o f e r ir o s in im ig o s .
E le s e o r g u lh a d o lo u v o r p r ó p r io e m s e u d is c u r s o p r ó x im o à m o r te . A d v e r te
c o n t r a a p e d e r a s tia , e m b o r a t r a n s ija c o m e la . N ã o in s is te n a m e s m a p u r e z a
d a v id a f a m ilia r d e s c r it a p o r H o m e ro e m U lis s e s e P e n é lo p e . C h a r le s K in s le y ,
em
Alton Locke,
a s s in a la q u e o e s p í r it o d a t r a g é d ia g r e g a é o ‘h o m e m d o m i­
n a d o p e la c ir c u n s t â n c ia ’ . M a s o s t r á g ic o s g r e g o s , c o n q u a n t o m o s tr a s s e m o
h o m e m d e s ta f o r m a d o m in a d o , c o n t u d o a in d a o r e p r e s e n t a m in te r io r m e n te
liv r e , c o m o n o c a s o d e P r o m e te u e e s t e s e n t id o d a lib e r d a d e e r e s p o n s a b ili­
d a d e h u m a n a s a p a r e c e a té c e r t o p o n t o e m S ó c r a t e s .
Platão (43 0-3 48) s u s te n ta que a m o ra lid a d e é o p ra z e r do bem , com o o
v e rd a d e ira m e n te b e lo e q u e o c o n h e c im e n to p ro d u z v irtu d e . O be m tem
s e m e lh a n ç a com D eus; aqui te m o s vis lu m b re s de um ob je tivo e m od elo fora
do hu m an o. O corp o, com o a m atéria, s e n d o in e re n te m e n te m au, é um e m b a ­
raço p a ra a alm a; vis lu m b ra -s e aq ui a d e p ra v a ç ã o h e re d itá ria . M as P la tã o
“ red uz o m al m oral à ca te g o ria de m al n a tu ra l” . Ele d e ix a de re c o n h e c e r D eus
c o m o o cria d o r e se n h o r da m atéria; d e ix a de re c o n h e c e r a d e p ra va çã o do
ho m em d e vid a à su a p ró p ria a p o s ta s ia de D eus; d e ix a de e n co n tra r a m o ra li­
d a de na v o n ta d e d ivin a ao in vés de e n c o n trá -la na p ró p ria c o n s c iê n c ia do
ho m em . Ele nada sa b e da h u m a n id a d e co m u m e c o n s id e ra a virtu d e com o
p re rro g a tiv a de po uco s. C o m o não há p e ca d o co m u m , do m esm o m odo não
há re d e n çã o com u m . P la tã o pe n sa e n c o n tra r D e us só a tra vé s do intelecto,
qu a n d o só a co n s c iê n c ia e o c o ra çã o c o n d u z ire m a ele. E le crê nu m a lib e rd a ­
de da alm a num esta do p re e x is te n te em qu e se fa z u m a e s c o lh a en tre o bem
e o m al, m as crê que d e p o is de to m a d a a d e c is ã o a n te rio r à te rre n a , os d e s­
tin o s d e te rm in a m os atos e vid a do hom em de m odo irre ve rsíve l. A razão
c o n d u z dois cava lo s: o a p e tite e a e m o ção . P oré m o cu rso de le s já está p re ­
d e te rm in a d o . O ho m em a g e do m od o em q u e a razã o ad m in istra . T odo o
p e ca d o é ig no rância. N a da há ne sta v id a a não s e r o de te rm in ism o . M a rtineau, Types, 1 3 ,4 8 ,4 9 ,7 8 ,8 8 - P la tã o , de um m o d o ge ral, não tem um a noção
p ró p ria da re s p o n sa b ilid a d e ; ele red uz o m al m ora l à c a te g o ria do m al na tu­
ral. C om um a ún ica e xce çã o sua s id é ia s não sã o ca u sa s. A ca u sa é a m ente
e a m e n te é o Bem . O Bem é o á p ice e c o ro a das Idéias. O Bem é a m ais
e le va d a d a s Idéias e e sta Idé ia m ais e le va d a é u m a C ausa. P la tã o te m um
frá g il c o n ce ito de p e s s o a lid a d e q u e re m D eus, q u e r no hom em . E m b o ra D eus
s e ja um a pe ssoa , em q u a lq u e r se n tid o o h o m e m é um a p e sso a e a p e s s o a li­
d a de do ho m em é a a u to c o n s c iê n c ia re fle xiva . A v o n ta d e em D eus ou no
ho m em não é tão cla ra. A ju s tiç a se d ilu i no Bem . P la tã o d e fe n d e o in fa nticídio e o e xte rm ín io dos v e lh o s e de sam p araçlos.
Aristóteles (3 8 4 -3 2 2 ) d e ix a de la d o até/ m e sm o o e le m e n to de s e m e lh a n ­
ça com D e us e o m al a n te rio r ao te rre n o que P la t ã o de m od o tão ob scuro
re c o n h e c e e fa z da m o ra lid a d e o fru to d a m e ra a u to c o n s c iê n c ia racion al.
275
276
Augustus H opkins Strong
Ele a d m ite a in clin a çã o p a ra o m al, p o rém re cu sa -se a c h a m á -la de im oral.
D e fe nd e um a c e rta lib e rd a d e da v o n ta d e e re co n h e ce as te n d ê n cia s inatas
que ba ta lh a m co n tra esta lib e rd a d e , m as não sab e d iz e r co m o ta is te n d ê n ­
c ia s se o rig in a ra m , nem com o o ho m em p o d e livra r-se delas. N em tudo pode
s e r m oral; a m a io r p a rte p o de s e r im p e lid a pe lo m ed o. Ele não e n co n tra em
D eus ne nh um m otivo e o a m o r a D eus não é ta n to co m o se a ch a m en cio nad o
com o fo n te da ação m oral. O ho m em o rg u lh o so , se g u ro , e g o cê n trico e re se r­
vad o é o seu tip o ideal. A le xa n d e r, Theories of Will, 3 9 -5 4 - A ris tó te le s s u s ­
te n ta o d e se jo e a razão co m o as fo n te s da ação. C o n tu d o ele não suste nta
q u e o c o n h e cim e n to p o r si m esm o to rn a ria o ho m em virtu o so . Ele é d e te rm i­
nista. As açõ e s são livres a p e n a s no se n tid o de que d e vem s e r c a u sa d a s por
c o m p u lsã o exte rn a. V ia a e s cra vid ã o co m o ra cio n a l e ju sta . B u tch e r, Aspect
of Greek Genius, 76 - “ E nq ua nto A r is tó te le s a trib u ía ao E stad o um a p e s s o a ­
lid a d e m ais co m p le ta do que re a lm e n te po ssui, não se a p e g a à p ro fu n d e za e
se n tid o da p e sso a lid a d e do in divíd uo". A. H. S tro n g , Christ in Creation, 2 8 9 A ris tó te le s não te m n e n h u m a c o n ce p çã o de u n id a d e da raça hum ana. A sua
d o u trin a da un id ade não vai além do E stado. “ D iz que ‘o tod o vem an tes das
p a rte s ’, m as p a ra ele ‘o to d o ’ é o m u n d o p a n -h e lê n ic o , o reino un id o dos
gre go s; nu n ca p e n sa na h u m a n id a d e e a e xp re ssã o ‘g ê n e ro h u m a n o ’ nu nca
sai dos seu s lá bio s. Ele não p o de e n te n d e r a u n id a d e da raça hu m a n a po rqu e
ele na da co n h e ce a re sp e ito de C risto , seu p rin c íp io o rg a n iz a d o r” . S ob re a
c o n ce p çã o a ris to té lic a de Deus, ver James Ten B roeke, em Bap. Quar. Rev.,
ja n 1892 - R e co n h e ce -se D eus co m o p e sso a l, e m b o ra ele não se ja o Pai
vivo, am oroso, p ro v e d o r da re ve la çã o he bré ia, m as a p e n a s a R azão G rega.
À d in â m ic a em seu tra ta m e n to d a c a u s a lid a d e d ivin a A ris tó te le s s u b stitu i a
ló gica . D eus não é poder; é pe n sa m e n to .
Epicuro (342-270) considera a felicidade, sentimento subjetivo do prazer,
como o mais elevado critério da verdade e do bem. Um cálculo prudente para
o prolongado prazer é a mais elevada sabedoria. Ele leva em conta apenas
esta vida. É tolice preocupar-se com o galardão e com a mais elevada sabe­
doria. S e há deuses, estes não se preocupam com o homem. “Sob o pretexto
de atender à sua tranqüilidade, E p icuro saúda os deuses e os despede da
existência”. A morte é a separação dos átomos e a cessação eterna da cons­
ciência. As misérias desta vida se devem à imperfeição do universo fortuita­
mente construído. Quanto mais numerosas tais imerecidas misérias, maior
é o nosso direito de buscar o prazer. A le x a n d e r, Theories of the Will, 55-75 Os epicuristas sustentam que a alma é formada de átomos, mas a vontade é
livre. Os átomos da alma são isentos da lei de causa e efeito. O átomo pode
declinar ou desviar na queda universal; esta é a idéia epicurista de liberdade.
Todos os gregos céticos, embora materialistas sustentavam este indeterminismo.
Zenão, fundador da filosofia estóica (340-264), considera a virtude como o
único bem. O pensamento deve subjugar a natureza. O espírito livre é legisla­
dor de si mesmo, dependente de si mesmo e autorsuficiente. O critério da
verdade e do bem é não sentir, mas pensar. O prazer não é o fim da ação
moral, mas a sua conseqüência. Há um irreconciliável antagonismo da exis­
tência. O homem não pode reformar o mundo, mas pode aperfeiçoar-se. Por
isso o orgulho ilimitado é uma virtude. O sábio nunca se arrepende. Não há o
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
mínimo reconhecimento da corrupção morai da humanidade. Não há nenhum
ideal divino objetivo, ou vontade divina revelada. O estóico só descobre a lei
moral interior e nunca suspeita da sua própria perversão moral. Por isso ele
mostra controle próprio e justiça, mas nunca humildade e amor. Ele não
necessita de compaixão ou perdão, e não admite nada para os outros.
A virtude não é um caráter exteriormente operante, mas uma resistência pas­
siva à realidade irracional. O homem pode retratar-se a si mesmo. O estóico
é indiferente ao prazer e à dor, não porque ele crê num governo divino, ou
num amor divino para com a humanidade, mas como um orgulhoso desafio
do mundo irracional. Ele não precisa de Deus ou da redenção. Como o epicurista se dá aos prazeres do mundo, o estóico se dá à queixa dele. Em todas
aflições ele pode dizer: “A porta está aberta”. Para o epicurista o refúgio é a
intoxicação; para o estóico o refúgio é o suicídio: “Se a casa fumega, abandone-a”. W uttke, Chrístian Ethics, 1.6 2-16 1, de quem se condensam muitos
destes relatos dos sistemas gregos, descreve o epicurismo e o estoicismo
tornando igualmente subjetiva a moral, embora o epicurismo considere o
espírito como determinado pela natureza, enquanto o estoicismo considera a
natureza como determinada pelo espírito.
Os estóicos são materialistas e panteístas. Embora falem em um Deus
pessoal, fazem-no como figura de linguagem. A falsa opinião é a raiz de todo
o vício. C r ís ip o nega o que nós chamamos de liberdade de indiferença, dizen­
do que não pode haver efeito sem causa. O homem é escravo da paixão.
Os estóicos não podem explicar como um viciado pode tornar-se virtuoso.
O resultado é apatia. O homem só age segundo o caráter; esta é a doutrina
do destino. A indiferença estóica ou apatia no infortúnio não é uma proeza,
mas um covarde recuo. É no verdadeiro sofrimento do mal que o cristianismo
encontra “a alma do bem”. O ofício do infortúnio é disciplinar e purificar.
“A sombra da pessoa do sábio, projetada no vazio, chama-se Deus e, como o
sábio há muito abandonou o interesse na prática da vida, ele espera que a
sua divindade faça o mesmo”.
Os estóicos reverenciam Deus exatamente por causa da sua inatingível
majestade. O Cristianismo vê em Deus um Pai, um Redentor, um amparador
nas mínimas necessidades, um libertador do nosso pecado. Ele nos ensina a
ver em Cristo a humildade do ser divino, a afinidade com Deus, o supremo
interesse de Deus na obra das suas mãos. Cristo morreu pela menor das
suas criaturas. O reinado com Deus dignifica o homem. A individualidade que
o estoicismo perde no todo, o cristianismo torna o fim da criação. O estado
existe para desenvolvê-lo e promovê-lo. Paulo resume e infunde novo sentido
a certas expressões da filosofia estóica sobre a liberdade e realeza do sábio,
assim como João adotou e glorificou algumas expressões da filosofia alexan­
drina sobre o Verbo. O estoicismo é solitário e pessimista. Os estóicos dizem
que a melhor coisa é não nascer; depois disso a melhor coisa é morrer. Por­
que o estoicismo não tem um Deus de socorro e simpatia, sua virtude é só a
conformidade com a natureza, com o egoísmo majestoso e com a autocomplacência. Nos romanos Epíteto (89), Sêneca (+65) e Marco Aurélio (121180), o elemento religioso mais se aproxima do primeiro plano e a virtude
mais uma vez aparece como semelhança a Deus. Mas é possível que mais
tarde o estoicismo tenha sido influenciado pelo cristianismo.
277
278
A ugustus H opkins Strong
4. SISTEMAS DA ÁSIA OCIDENTAL. Zoroastro (1000 a.C.), fundador dos
parses, era dualista, ao menos quanto à explicação da existência do mal e do
bem através da presença original, em tudo, de dois lados opostos no autor.
Aqui se encontra um limite na soberania e santidade de Deus. O homem não
depende totalmente dele, nem a vontade de Deus é uma lei incondicional
para as suas criaturas. Em oposição aos sistemas indianos, a insistência de
Z o r o a s t r o na pessoalidade divina fornece uma base muito melhor para uma
moralidade vigorosa e masculinizante. Deve-se obter a virtude através de
uma luta dos seres livres contra o mal. Por outro lado, entretanto, concebe-se
este mal como devendo-se originariamente não aos próprios seres finitos,
mas a uma divindade má que guerreia contra o bem, ou a um princípio mau
na própria divindade. Por isso o fardo da culpa é transferido do homem para o
seu criador. A moralidade torna-se subjetiva e abalada. O amor próprio e o
autodesenvolvimento é que fornecem o motivo e alvo da moralidade e não o
amor a Deus ou a imitação a ele. Nenhuma paternidade ou amor se reconhe­
ce na divindade e há adoração de outras coisas além de Deus (p.ex., o fogo).
Não pode haver nenhum aprofundamento na consciência do pecado, nem
esperança de libertação divina.
O único mérito do parseísmo é que ele reconhece o conflito moral do mun­
do; seu erro é que ele conduz este conflito moral à própria natureza de Deus.
Podemos aplicar ao parseísmo as palavras da Conferência das Juntas de
Missões Estrangeiras junto aos budistas do Japão: “Todas as religiões
expressam a dependência do homem, mas só uma provê a comunhão com
Deus. Todas as religiões falam de uma verdade mais elevada, mas só uma
fala dessa verdade num amoroso Deus pessoal, que é o nosso Pai. Todas as
religiões mostram a desesperança do homem, mas só uma fala de um salva­
dor divino, que oferece ao homem o perdão do pecado e a salvação pela
morte de uma pessoa rediviva, que opera em todo aquele que nele crê, para
torná-lo santo, e justo, e puro”. M atheson, Messages of Old Religions, diz que
o Parseísmo reconhece um elemento de obstrução no próprio Deus. O mal
moral é uma realidade; mas não há nenhuma reconciliação, nem se mostra
que todas as coisas cooperam para o bem.
Maomé (570-632 A.D.), fundador do islamismo, dá-nos, no Corão, um sis­
tema que contém quatro dogmas de imoralidade fundamentais, a saber, poli­
gamia, escravidão, perseguição, e supressão do juízo privado. O maometismo é o paganismo na forma monoteísta. Seus pontos bons são a consciência
e o relacionamento com Deus. Tem prosperado porque tem pregado a unida­
de de Deus e porque é uma religião de um livro. Mas o mesmo acontece com
o judaísmo e o cristianismo. Tem se valido dos santos do Velho Testamento e
até mesmo de Jesus. Mas nega a morte de Cristo e não vê necessidade da
expiação. Não reconhece a força do pecado. A idéia de pecado, entre os
maometanos, é vazia de todo o conteúdo positivo. O pecado é tão somente
uma falha, explicada pela fraqueza e pouca visão do homem, o que é inevitá­
vel no universo fatalista ou no momento de ira não lembrado pelo Pai indul­
gente e misericordioso. Perdão é indulgência e a concepção de Deus é vazia
de qualidade de justiça. O mal só pertence ao indivíduo, não à raça. O homem
alcança o favor de Deus através das boas obras, baseadas no ensino profé­
tico. A moral não é fruto da salvação, mas um meio para obtê-la. Não há
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
279
nenhuma penitência ou humildade, mas apenas a justiça própria; e esta é
consistente com a grande sensualidade, o ilimitado divórcio e o despotismo
absoluto nos negócios de família, nos civis e religiosos. Não há conhecimen­
to da paternidade de Deus ou da fraternidade entre os homens. Em todo o
Corão não existe uma declaração como esta: “Deus amou o mundo” (Jo. 3.16).
A submissão do islame não tem a ver com o amor de Deus, mas com a
vontade arbitrária. No amor não há base para a moral. O mais elevado bem é
a felicidade sensual do indivíduo. Deus e o homem são exemplos exteriores
um do outro. Maomé é um mestre, mas não é um sacerdote. M o s l e y , Miracles,
140,141 - “Maomé não tem fé na natureza humana. Ele pensa que há duas
coisas que o homem pode e deve fazer para a glória de Deus: praticar formas
religiosas, e lutar, e nestes dois pontos ele é severo; mas na esfera da vida
prática comum, onde estão as grandes provações do homem, seu código
apresenta frouxidão desdenhosa do legislador que acomoda suas regras
ao receptor e mostra sua valorização deste pela acomodação que ele adota.
... ‘A natureza humana é fraca’, diz ele”. L o r d H o u g h t o n : O Corão é todo sabe­
doria, todo lei, todo religião, por todo o tempo. Os mortos curvam-se diante do
Deus morto. “Embora o mundo esteja girando em constante mudança e os
reinos do pensamento estejam em expansão, a letra não se expande ou se
altera, mas está rígida como a mão de um morto”. A qualquer lugar aonde o
maometismo se vai, acha-se ou se faz um deserto. F a ir b a ir n , em Contemp.
Rev., dez 1 8 8 2 .8 6 6 - “O Corão congelou o pensamento maometano; obede­
cer é abandonar o progresso”. M u ir , em Present Day Tracts, 3 . no. 1 4 “O maometismo reduz o homem ao nível da morte da depressão social, do
despotismo e do semibarbarismo. O islame é obra do homem; o cristianismo
é obra de Deus”.
3. A pessoa e o c a rá te r de Cristo
A)
A concepção da pessoa de Cristo, apresentando a divindade e hum ani­
dade indissoluvelm ente unidas e a concepção do caráter de Cristo com sua
infalibilidade e total excelência não podem ser consideradas com o hipótese,
mas com o realidades históricas.
A estilóbata do Partenon em Atenas ergue-se cerca de três polegadas em
meio a 101 pés (+ 34m), e quatro polegadas em meio a 228 pés (+ 76m) nos
flancos. No entablamento acha-se uma linha mais ou menos paraiela.
Os eixos das colunas inclinam-se para o interior^quase três polegadas numa
altura de 34 pés, dando assim um tipo de caráter piramidal à estrutura. Deste
modo, o arquiteto supera a aparente curvatura das linhas horizontais e ao
mesmo tempo aumenta a aparente altura do edifício. O desprezo da contradi­
ção desta ilusão de óptica tornou a Madeleine em Paris uma cópia rígida e
ineficaz do Partenon. O camponês galileu que por minuciosamente descre­
vesse tais particularidades do Partenon provaria, não só que o edifício era
realmente histórico, mas que na verdade o tinha visto. B r u c e , Apologetics,
343 - “Lendo as memórias dos evangelistas, você se sente como outrora
280
A ugustus H opkins Strong
alguém se sentiria numa exposição de quadros. Os seus olhos brilham quan­
do vêem o retrato de uma pessoa conhecida. Você olha para ele com intensi­
dade por um bom tempo e, a seguir, assinala ao seu companheiro: ‘Deve ser
como o original. - é como se estivesse vivo’”. T he o d o r e P arker : “E u gostaria
de ter Jesus para reproduzi-lo”.
d)
Não se pode atribuir nenhuma fonte de que os evangelistas pudessem ter
derivado tal concepção. Os avatares hindus eram apenas uniões temporárias
da divindade com a humanidade. Os gregos tinham homens feitos semideuses, mas não união entre Deus e o homem. O monoteísmo judaico achou a
pessoa de Cristo um escândalo. Os essênios em princípio se opunham mais ao
cristianismo do que os rabinistas.
Herbert Spencer, Data o f Ethics, 279 - “É impossível a coexistência entre
o homem perfeito e a sociedade imperfeita; os dois poderiam coexistir se a
conduta resultante não fornecesse o padrão ético procurado”. Devemos con­
cluir que a humanidade perfeita de Cristo é um milagre, o maior dos milagres.
Bruce, Apologetics , 346,351 - “Quando Jesu s pergunta: ‘Por que me chamas
bom?’ ele quer significar: ‘Aprende primeiro o que é bondade e não chames
homem algum de bom enquanto não estiveres seguro de que ele o merece’.
A bondade de Jesus é totalmente livre do escrúpulo religioso; distingue-se
pela humanidade; é cheia de modéstia e humildade. ... O budismo floresceu
há 2000 anos, embora pouco se conheça do seu fundador. O cristianismo
poderá perpetuar-se deste modo, mas não é o que acontece. Eu quero estar
certo de que o ideal se incorporou na vida real. Caso contrário, trata-se ape­
nas de uma poesia e a obrigação de conformar-se com ele cessa”.
b) Nenhum simples gênio humano e muito menos o gênio dos pescadores
judeus podia ter originado tal concepção. Os maus só inventam tais caracteres
com os quais eles simpatizam. Mas o caráter de Cristo condena a maldade. Tal
retrato não podia ter sido desenhado sem o auxílio sobrenatural. Mas tal auxí­
lio não seria objeto de fabricação. A concepção só pode ser explicada aceitan­
do que a pessoa e o caráter de Cristo são realidades históricas.
Conta-se que entre Pilatos e Tito 30.000 judeus foram crucificados em
torno dos muros de Jerusalém. Muitos eram jovens. O que leva alguém a ficar
fora das páginas da história? Duas são as respostas: O caráter de Jesus
é perfeito e ele é ao mesmo tempo Deus e homem. G o r e , Incarnation, 63 “S e o Cristo dos evangelhos não é verdadeiro para a história, representa um
esforço combinado da imaginação criativa sem paralelo na literatura. Mas as
caraterísticas literárias da Palestina do primeiro século tornam a hipótese de
tal esforço moralmente impossível”. Os evangelhos apócrifos mostram-nos o
que a simples imaginação é capaz de produzir. O retrato de Cristo não é uma
assertiva pueril, insana, histérica, egoística e autocontraditória e isto pode
dever-se apenas ao fato de que é a fotografia da vida real.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
281
Para uma notável exibição dos argumentos sobre o caráter de Jesus, ver
Nature and the Sobrenatural, 276-332 que menciona a originalida­
de e vastidão do plano de Cristo, apesar da sua simplicidade e adaptação
prática; seus traços morais de independência, compaixão, mansidão, sabe­
doria, zelo, humildade, paciência; a combinação de qualidades nele aparen­
temente opostas. Com toda a sua grandeza, ele foi condescendente e sim­
ples; não foi mundano, mas austero; tem sentimentos fortes, embora possuído
de si mesmo; indignou-se contra o pecado, mas compadeceu-se do pecador;
mostrou devoção ao seu trabalho, mas tranqüilidade sob a oposição; filantro­
pia universal, mas suscetibilidade nos assuntos privados; autoridade de um
Salvador e Juiz, mas a gratidão e ternura de um filho; a mais elevada devo­
ção, porém uma vida de atividade e esforço.
B u shnell ,
B) A aceitação e crença nas descrições de Cristo no Novo Testamento não
podem ser explicadas a não ser baseadas no fato de que a pessoa e caráter
descritos tem existência real.
d)
Se estas descrições fossem falsas, ainda haveria testemunhas vivas que
tinham conhecido Cristo e que as teriam contraditado, b) Não havia nenhum
motivo para induzir a aceitação de tais falsos relatos, mas todo o motivo para
o contrário, c) O sucesso de tais falsidades só poderia ser explicado com o
auxílio sobrenatural, mas Deus nunca auxiliou a falsidade. Esta pessoa e este
caráter, portanto, não devem ter sido fictícios, mas reais; e se reais, então as
palavras de Cristo são verdadeiras e o sistema de que sua pessoa e caráter são
parte é uma revelação de Deus.
“A imitação pode por pouco tempo enganar o mundo todo; mas o aumento
da operação da mentira faz nascer a verdade”. M a tth ew A rn o ld , The Better
Part. “Cristo era um homem como nós? Vejamos se nós também podemos
ser homens tais como ele foi!” Quando o espalhafatoso cético declara: “Eu não
creio que esse Jesus jamais tenha vivido!” G eorge W arren simplesmente res­
ponde: “Eu gostaria de ser como ele!” D w ig h t L. M oody foi chamado de hipó­
crita, porém o valoroso evangelista respondeu: “Bem, suponho que eu sou.
Como isto o torna melhor? Sei de algo melhor a meu respeito, mas não posso
dizer nada contra o meu Mestre”. G o e t h e : “Que a cultura do espírito progrida
sempre; que o espírito humano se amplie tanto quanto ele deseja; contudo,
eie nunca ultrapassará a altura^e a cultura do cristianismo como ele cintila e
brilha nos evangelhos”.
R e n a n , Life of Jesus: “Jesus fundou a religião absoluta, nada excluindo,
nada determinando, exceto a sua essência. O alicerce da verdadeira religião
na verdade é a obra dele. Depois dele nada restou senão desenvolver e fruti­
ficar”. E um erudito cristão assinalou: “É uma espantosa prova da direção
divina conceder aos evangelistas o que ninguém, da sua época, ou desde
então, foi capaz de retocar o quadro de Cristo sem desvalorizá-lo”. Podemos
encontrar uma ilustração disto nas palavras de C ha dw ic k , Old and New Unitarianism, 207 - “A doutrina do casamento ensinada por Jesus era ascética,
sua doutrina da pobreza era a comunitária, sua doutrina da caridade era
282
A ugustus H opkins Strong
sentimental, sua doutrina da não resistência era tai que se recomenda a Tolstoi,
mas não a muitos outros da nossa época. O exemplo de Jesus é o mesmo dos
seu s ensinos. Seguido sem reservas, não justificaria que se dissesse:
‘A esperança da raça está na sua extinção'; acabar subitamente com todas as
nossas alegrias e tristezas?” A isto podemos responder com as palavras de
H uxley , que declara que Jesus Cristo é o mais nobre ideal da natureza humana
que o ser humano ainda adora”. G o r d o n , Christ of To-Day, 179 - “A questão
não é se Cristo é suficientemente bom para representar o Ser Supremo, mas
se o Supremo Ser é suficientemente bom para ter Cristo como seu represen­
tante. J ohn S tuart M ill encara a religião cristã como o culto a Cristo, ao invés
de prestá-lo a Deus, e explica desta forma o beneffcio da sua influência”.
J ohn S tuart M ill , Essays on Religion, 254 - “A mais valiosa parte do efei­
to sobre o caráter que o cristianismo produz sustentando numa pessoa divina
um padrão de excelência e um modelo digno de imitação, é valioso mesmo
para o totalmente descrente, e que nunca mais se perde para a humanidade.
Porque é Cristo e não Deus que mantém para os que crêem um padrão de
perfeição para a humanidade. É o Deus encarnado em vez do Deus dos
judeus ou o da natureza, que, sendo idealizado, assumiu tão grande e salutar
força na mente moderna. E seja o que for retirado de nós pela crítica racional,
Cristo ainda permanece: a única figura, não mais diferente de todos os seus
antecessores do que todos os seus seguidores, mesmo os que auferiram
benefícios diretos da sua pregação pessoal. ... Quem, entre os seus discípu­
los, ou entre os seus prosélitos, foi capaz de inventar palavras atribuídas a
Jesus, ou de imaginar a vida e o caráter revelado nos evangelhos? ... A res­
peito da vida e palavras de Jesus há um selo de originalidade pessoal em
combinação com a profundidade de discernimento que, se abandonarmos a
ociosa expectação de encontrar precisão científica onde algo bem diferente
se objetivava, deve situar o profeta de Nazaré, até na valorização dos que
não crêem na sua inspiração, no primeiro nível dos homens de gênio sublime
de quem nossa espécie pode orgulhar-se. Quando este proeminente gênio
se combina com as qualidades da probabilidade ou do maior reformador moral
e mártir da missão que jamais existiu sobre a terra, não se pode dizer que a
religião fez uma escolha má ao fixar neste homem o representante ideal e
guia da humanidade; nem mesmo agora seria tranqüilo, até para um incrédu­
lo, encontrar uma tradução melhor da regra de virtude a partir do abstrato
para o concreto do que o empenho no viver que Cristo aprovaria para a nossa
vida. Quando acrescentamos a isto que, à concepção racional do cético per­
manece a possibilidade de que Cristo na verdade é ... um homem incumbido
de uma comissão especial, expressa e única da parte de Deus de conduzir à
verdade e à virtude, bem podemos concluir que as influências da religião no
caráter, que continuarão depois que a crítica racional fez o máximo contra as
evidências da religião, bem merecem ser preservadas e aquilo que lhes falta
na força direta em comparação com as da mais firme crença é muito mais
compensada pela maior verdade e retidão da moral que elas sancionam”.
4. O testemunho do próprio Cristo
Como um mensageiro de Deus e uno com Deus.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
283
Só uma personagem na história reivindicou ensinar a verdade absoluta, ser
um com Deus e atestar sua missão divina por obras tais que só Deus podia
operar.
A) Este testemunho não pode ser explicado com base na hipótese de que
Jesus era um enganador intencional: pois d) a perfeitamente consistente santi­
dade da sua vida; b) a confiança não oscilante com que ele desafiava a inves­
tigação das suas reivindicações e firmava todos sobre o resultado; c) a grande
improbabilidade de uma duradoura mentira nos declarados interesses da ver­
dade; e d) a impossibilidade de que o engano tivesse operado tal bênção ao
mundo, tudo isso mostra que Jesus não era nenhum consciente impostor.
F is h er , Essays on the Supernat. Origin of Christianity 515-538 - Cristo
sabia quão vastas eram as suas reivindicações, embora estivesse firme em
todas elas. Apesar de que outros duvidassem, ele mesmo nunca duvidou.
Perseguido até à morte ele nunca abandonou o seu testemunho consistente.
Continua a defender a humildade: Mt. 11.29 - “Eu sou manso e humilde de
coração”. Como podemos reconciliar a sua constante auto-afirmação com a
humildade? Respondemos que a auto-afirmação de Jesus é absolutamente
essencial à sua missão porque ele e a verdade são um: ele não podia afirmar
a verdade sem afirmar a si mesmo e não podia afirmar a si mesmo sem afir­
mar a verdade. Visto que ele é a verdade, é preciso que a diga por amor aos
homens e por amor à verdade e poderia ser manso e humilde de coração ao
dizê-io. Humildade não é autodepreciação, mas o julgamento de nós mesmos
segundo o padrão perfeito de Deus. A palavra ‘humildade’ deriva de ‘humus’.
É a descida do etéreo e vão auto-engrandecimento para a base sólida, solo
impermeável, do verdadeiro fato.
Deus só requer de nós humildade na medida que for consistente com a
verdade. A glorificação própria do egocêntrico é nauseante porque indica gros­
seira ignorância ou falsa interpretação do eu. Mas é preciso ser auto-afirmativo, na medida em que representam os a verdade e a justiça de Deus.
Há uma nobre auto-afirmação que é perfeitamente consistente com a humil­
dade. Jó conservou a sua integridade. A humildade de Paulo não era uma
v a ria n te ^ Urias. Quando a ocasião exigia, ele podia afirmar a sua varonilidade e os seus direitos, como em Filipos no Castelo de Antônia. Do mesmo
modo o cristão deve, com franqueza, dizer a verdade que está dentro de si.
Cada cristão tem a sua própria experiência e deve contá-la aos outros. Ao
testemunhar a verdade ele só está seguindo o exemplo de “Jesus Cristo, que
diante de Pôncio Pilatos deu o testemunho de boa confissão” (1 Tm. 6.13).
B) Nem o testemunho de Jesus a seu próprio respeito pode ser explicado
com base na hipótese de que ele enganava-se a si mesmo: pois isso indicaria
d) fraqueza e tolice somadas à insanidade positiva. Mas seu caráter e vida total
demonstram calma, dignidade, equilíbrio, insight, domínio próprio totalmen­
te inconsistentes com tal teoria. Ou indicaria b) uma ignorância de si mesmo e
284
A ugustus H opkins Strong
exagero de si mesmo que só podiam brotar da mais profunda perversão moral.
Mas a pureza absoluta da consciência, a humildade do espírito, a altruística
beneficência da sua vida mostram que esta hipótese é incrível.
R o g e r s , Superhumart Orígin o fth e Bible, - S e ele fosse um homem, exigir
que o mundo todo se curvasse diante dele seria um escárnio como o que
sentimos por algum monarca de Bedlam ostentando uma coroa de palha.
F o r e s t , The Chríst of History and of Experience, 22,76 - Cristo nunca se uniu
com os discípulos em oração. Ele subiu ao monte para orar, mas não orar
com eles: Lc. 9.18 - “estando ele orando em particular, estavam com ele os
seus discípulos”. A consciência da preexistência é precondição indispensá­
vel da demanda que ele faz nos sinóticos. A da m so n , The Mind in Chríst, 81,82
- Avaliamos o testemunho dos cristãos conforme a sua comunhão com Deus.
Devemos muito mais avaliar o testemunho de Cristo. Só aquele que, sendo
em primeiro lugar divino, também sabe que ele é divino, pode revelar as coi­
sas celestes com a nitidez e certeza que pertencem aos pronunciamentos de
Jesus. Nele temos algo bem diferente dos flashes do discernimento que nos
deixam na maior escuridão.
N as h , Ethics and Revelation, 5 - “O respeito próprio apoia-se na capaci­
dade de tornar o que se deseja ser; e, se a capacidade freqüentemente é
inferior à tarefa, as fontes do respeito próprio secam-se; os motivos da felici­
dade e da ação heróica murcham. A ciência, a arte, a generosa vida cívica e
especialmente a religião vêm em socorro do homem”, mostrando-lhe sua ver­
dadeira grandeza e o fôlego do ser em Deus. O Estado é o eu maior do indi­
víduo. A humanidade e até mesmo o universo são partes dele. É dever do
homem capacitar todos os homens a ser humanos. É possível que os homens
não só de um modo verdadeiro, mas racional façam afirmativas até mesmo
em assuntos terrenos. C hatham ao Duque de Devonshire: “Meu Senhor, creio
que posso salvar este país, e que ninguém mais pode”. L eonardo da V in c i, aos
trinta anos, ao Duque de Milão: “Posso completar todo tipo de obra de escul­
tura, em argila, mármore e em bronze; também em pintura posso executar
tudo o que demandam, do)nesmo modo que quem quer que seja”.
H o r á c io : “Exegi monumentum aere perennius” (Esculpi um monumento
mais duradouro que o bronze). S avage , Life beyond Death, 209 - Um velho
ministro famoso disse certa feita, quando um jovem e zeloso entusiasta ten­
tou entabular com ele uma conversa e, falhando, explodiu com isto: “Afinal
você não tem uma religião?” “Não tenho nenhuma de que eu deva falai” , foi a
resposta. Quando Jesus percebeu nos discípulos uma tendência para a glori­
ficação de si mesmos, argumentou com o silêncio; mas quando percebeu a
tendência de Introdospeção e inércia, ele os mandou proclamar o que ele
tinha feito por eles (Mt. 8.4; Mc. 5.19). Nunca é correto o crente proclamar-se
a si próprio; mas, se Cristo não proclamasse a si mesmo, o mundo nunca
poderia ser salvo. R ush R e e s , Life of Jesus of Nazareth, 235-237 - No ensino
de Jesus, dois tópicos ocupam um lugar de destaque: o Reino de Deus e a
sua própria pessoa. Ele procurava ser o Senhor, e não apenas o Mestre.
Contudo, o seu Reino não é de força, ou nacional, ou exterior, mas de amor
paterno e de fraternidade recíproca”.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
285
Jesus realizou alguma coisa de efeito, ou como um simples exemplo?
Não é assim. O seu batismo teve para ele um significado como de consagra­
ção de si mesmo à morte pelos pecados do mundo e a lavagem dos pés dos
discípulos foi o apropriado começo da ceia pascal e o símbolo do abandono
da glória celestial a fim de purificar-nos para as bodas do Cordeiro. T homas à
K empis: “T u não és mais santo do que és louvado e nada pior porque tu és
censurado. O que tu és, tu és, e isto nada vale para ser tratado como melhor
do que tu és à vista de Deus”. A consciência de Jesus sobre a sua ausência
absoluta de pecado e sua comunhão com Deus é o mais forte testemunho da
sua natureza divina e missão.
Se Jesus, então, não pode ser acusado de insanidade mental ou moral, seu
testemunho deve ser verdadeiro e ele mesmo deve ser um com Deus e o reve­
lador de Deus aos homens.
Nem C onfúcio, nem B uda reivindicavam ser divinos, ou órgãos da revela­
ção divina, embora ambos fossem mestres m orais e reformadores. Parece
que Z oroastro e P itágoras criam ser incumbidos de uma divina missão, embo­
ra os seus mais antigos biógrafos tenham escrito alguns séculos após a mor­
te deles. S ócrates nada reivindicava para si que estivesse além do poder dos
outros. M aomé cria que os estados extraordinários do seu corpo e da sua alma
deviam -se à ação de seres celestes; ele produziu o Corão como “uma adver­
tência a todas as criaturas” , fez uma convocação ao rei da Pérsia e ao impe­
rador de Constantinopla, assim como a outras potestades, para que aceitas­
sem a religião do Islam; contudo, lamentou, quando à morte, que não tivesse
tido a oportunidade de corrigir os equívocos do Corão e os da sua própria
vida. Se C onfúcio ou B uda, Z oroastro ou P itágoras, S ócrates ou M aomé rei­
vindicassem todo o poder no céu e na terra revelariam insanidade ou perver­
são moral. Mas isto é precisam ente o que Jesus reivindicava. Ou ele era
mental ou moralmente^insano, ou o seu testem unho é verdadeiro.
IV.
R E SU L T A D O S H IST Ó R IC O S D A P R O P A G A Ç Ã O D A D O U ­
T R IN A D A E S C R IT U R A
1.
O rápido progresso do evangelho nos primeiros séculos da nossa era
mostra a sua origem divina.
A) É uma reconhecida maravilha da história que o cristianismo teria suplan­
tado o paganismo em três séculos.
A conversão do Império Romano ao cristianismo foi a mais espantosa
revolução na fé e no culto jamais conhecida. Cinqüenta anos após a morte
de Cristo havia igrejas em todas as principais cidades do Império Romano.
Nero (37-68) encontrou (como declara T ácito) uma “ingens multituto” (grande
286
A ugustus H opkins Strong
multidão) de cristãos para perseguir. P línio escreve a T rajano (52-117) que
eies “invadiram não somente as cidades, mas as aldeias e campos de sorte
que os tempios estavam quase desertos”. T e r tulian o (160-230) escreve:
“Nós somos apenas de ontem e, contudo, temos enchido os vossos lugares,
as vossas cidades, as vossas ilhas, os vossos castelos, as vossas casas de
concilio, até os vossos campos, vossas tribos, vosso senado, vosso fórum.
Nada vos temos deixado a não ser os vossos templos”. No tempo do impera­
dor Valeriano (253-268), os cristãos constituíam-se a metade da população
de Roma. A conversão do imperador Constantino (272-337) subordinou o
império todo, apenas trezentos anos após a morte de Cristo, ao domínio do
evangelho.
B) A maravilha é maior quando consideramos os obstáculos ao progresso
do cristianismo: d) O ceticismo das classes cultas; b) o preconceito e a aversão
pelo povo simples; e c ) as perseguições realizadas pelo governo.
a) Os missionários, mesmo atualmente, acham difícil ter um ouvinte entre
as classes cultas dos pagãos. Mas o evangelho apareceu na mais iluminada
era da antigüidade - a era da literatura de Augusto'e da pesquisa histórica.
T ácito chamou a religião de Cristo “exitiabilis superstitio” - quos per flagitia
invisos vulgos Christianos appelabat” (fatal superstição - os quais, por causa
da sua infâmia, o povo chamava de cristãos). P lín io : “Nihil aliud inveni quam
superstitionem pravam immodicam”. S e o evangelho fosse falso, seus prega­
dores não se teriam aventurado nos centros da civilização e refinamento; ou
se o tivessem, seriam detectados, b) Considere o entrelaçamento das reli­
giões pagãs com todas as relações da vida. Freqüentemente os cristãos tive­
ram de enfrentar o furioso zelo e a cega ira da turba, como em Listra e Éfeso.
c) R aw linso n , em Historical Evidences, defende que as Catacumbas de Roma
compreendiam novecentas milhas de ruas e sete milhões de sepulturas den­
tro de um período de quatrocentos anos - número bem maior do que poderia
ter morrido de morte natural - e que grande multidão deles deve ter sido
massacrada por causa da sua fé. Contudo, a Enciclopédia Britânica, chama a
estimativa de Di M a r c h i, que R aw linson parece ter tomado como autoridade,
um grande exagero. Ao invés de novecentas milhas de ruas, N orthcoate apre­
senta trezentas e cinqüenta. O número de enterros seria de menos que três
milhões. As Catacumbas começam a ser desertadas no tempo de J e rô n im o .
Na época, quando os cristãos as empregavam universalmente, não chega­
riam a mais de duzentos anos. Elas não começaram em covas de areia.
Havia três tipos de tufo: 1) rochoso empregado em escavações e de consis­
tência dura para o propósito cristão; 2) arenoso, empregado em fossos de
areia, muito macios para permitirem a construção de galerias e túmulos;
3) granuiar, empregado pelos cristãos. A existência das Catacumbas deve ter
sido bem conhecida pelos pagãos. Depois do Papa Dâmaso começou uma
exagerada reverência por elas. Eram decoradas e aprimoradas. Por isso muitas
pinturas são de data posterior a 400 e testificam a política papal, não a do
cristianismo primitivo. As botijas não contêm sangue, mas o vinho da eucaris­
tia celebrada no funeral.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
287
Fisher, Nature and Method of Revelation, 256-258, chama a atenção para
a descrição de M atthew A rnold sobre as necessidades do mundo pagão, não
obstante a cegueira a respeito do verdadeiro remédio: “Naquele duro mundo
pagão o desgosto e aversão caíram; cansaço e saciada luxúria fizeram da
vida do homem um inferno. No frio salão, olhos desfigurados, jaz o nobre
romano; dirigia em furiosa aparência, através da Via Ápia; com ferocidade e
rapidez bebia e coroava de flores o seu cabelo; nem mais tranqüilo, nem mais
rápido passava as desvairadas horas”. Embora com mescla de orgulho e tris­
teza, o S r. A rnold fastidiosamente rejeita o alimento celestial. A respeito de
Cristo ele diz: “Ei-lo agora morto! Longe daqui jaz, na longínqua cidade síria
e, na sua sepultura, de olhos brilhantes, as estrelas sírias olham para baixo".
Ele vê que os milhões “têm tal necessidade de alegria cujas terras são verda­
deiras que impregnam os corações do mesmo modo como no passado quan­
do ainda eram novas”. O mundo tem necessidade de: “Uma poderosa onda
de pensamento e de alegria elevando a humanidade vigorosamente”. Mas o
poeta não vê apoio para a esperança: “Tolos! tão freqüentes aqui, a felicidade
zomba das nossas oraçpsã e acho que poderia fazer-nos temer semelhante
evento alhures, fazer-nos voar não para os sonhos, mas para o desejo mode­
rado”. Ele canta o tempo quando o cristianismo era jovem: “Ah! se eu vivesse
aqueles grandes dias, como a sua glória encheria a terra e o céu novamente
e também captaria o meu espírito arrebatador!” Mas a desolação do espírito
não traz consigo qualquer humildade de auto-estima, nem mesmo a humilda­
de que deplora a presença e a força do mal na alma e os anseios do livramen­
to. “Não necessitam de médico os sãos, mas sim os doentes” (Mt. 9.12).
C) A maravilha torna-se ainda maior quando consideramos a insuficiência
natural dos meios empregados para garantir esse progresso.
d)
Os proclamadores do evangelho eram em geral homens iletrados perten­
centes a uma nação desprezada, b) O evangelho que eles proclamavam era de
salvação pela fé em um judeu que tinha sido levado a uma morte ignominiosa.
c) O evangelho estimulava repugnância natural, rebaixando o orgulho dos
homens, tocando na raiz dos pecados deles e exigindo vida de labor e autosacrifício. d) Contudo, o evangelho era exclusivo, não admitindo nenhum
rival e declarando-se a religião universal e única.
a)
Não é mais improvável que os cristãos primitivos fizessem mais conver­
tidos do que os modernos judeus com relação aos prosélitos, em grande
número nas principais cidades da Europa e da América. C elsus chamava o
cristianismo de “religião da ralé”, b) A cruz correspondia à forca romana punição para os escravos. C ícero chama-a “servitutis extremum summumque
suplicium” (suplício extremo e supremo da escravidão), c) Havia muitas reli­
giões más; por que o brando Império Romano perseguiu só as boas? Em parte
a resposta é: A perseguição não tem origem nas classes oficiais; na realidade
procedia do povo em geral. Tácito chamava os cristãos de “abominadores da
raça humana”. Os homens reconheciam no cristianismo um inimigo de todos
288
Augustus H opkins Strong
os seus antigos motivos, ideais e objetivos. O altruísmo romperia com a velha
sociedade, porque todo esforço centrado no eu ou na vida presente era estigma­
tizado pelo evangelho como indigno, d) Não tendo credo ou princípios, o
paganismo não se preocupava com a sua propagação. “O homem deve ser
muito fraco”, dizia C elsus, “para imaginar que os gregos e bárbaros na Ásia,
Europa e Líbia nunca podem unir-se sob o mesmo sistema de religião”. Deste
modo o governo romano não permitiria religião nenhuma que não participas­
se da adoração do Estado. “Guardai-vos dos ídolos”, “nós não adoramos
outro Deus”, era a resposta do cristão. G ibbon, Hist. Decline and Fali, 1. cap.
15, menciona como causas secundárias: 1) o zelo dos judeus; 2) a doutrina
da imortalidade; 3) os poderes miraculosos; 4) as virtudes do cristianismo
primitivo; 5) o privilégio na participação do governo da igreja. Porém estas
causas eram apenas secundárias e todas seriam insuficientes se não hou­
vesse uma invencível persuasão da verdade do cristianismo. A perseguição
destrói a falsidade ao induzir seus defensores a investigar as bases da sua
crença; mas reforça e multiplica a verdade ao induzir seus defensores a ver
mais claramente os fundamentos da sua fé. Deve ter havido muitos persegui­
dores conscientes: Jo. 16.2 - “Expulsar-vos-ão das sinagogas: vem a hora
em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus”. O Decreto
do Papa Urbano II reza: “Porque não consideramos homicidas os que, casu­
almente, em seu incandescente zelo contra os excomungados, os levarem à
morte”. S. Luís, rei da França, estimulava seus oficiais: “Não discutais com os
infiéis, mas dominai os incrédulos cravando a espada até onde ela possa
penetrar”. Conta-se que a tortura na Inglaterra em certa ocasião, era empre­
gada com toda a brandura que a natureza do instrumento permitia. Isto lem­
bra a instrução de/tsaak Walton quanto ao uso da rã: “Ponha gancho atra­
vés da sua boca e da sua papada; e, ao fazer isso, use de muito amor para
com ela”.
R obert B rowning, em EasterDay, 275-288, dá-nos o propósito epitáfio de
um Mártir, inscrito na parede das Catacumbas, que fornece um valioso con­
traste com o cético e pessimista esforço de M atthew A rnold: “Nasci doente,
pobre e fraco, escravo; nenhuma miséria poderia impedir os guardadores da
pérola preciosa da inveja de César; por isso duas vezes lutei contra os ani­
mais e três vezes vi meus filhos sofrerem por causa da sua lei; à distância
sofri o abandono; houve ocasião em que eu estava para ser queimado, mas
uma certa Mão aproximou-se de mim através do fogo que havia sobre a
minha cabeça e conduziu a minha alma a Cristo, que agora vejo. Meu irmão
Sérgio escreve-me este testemunho na parede - Por mim esqueci tudo”.
Não se pode explicar o progresso de uma religião de tal modo desprovida
de atrativos e sem compromisso com a aceitação e domínio exteriores, no
período de trezentos anos, sem que se suponha a assistência de sua promulga­
ção e, portanto, que o evangelho é uma revelação da parte de Deus.
Stanley, Life and Letters, 1.527 - “Na Catedral do Kremlin, sempre que o
Metropolitano avançava do altar para dar a sua bênção, sob os seus pés
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
289
havia um tapete bordado com uma águia da antiga Roma Pagã, a indicar que
a Igreja Cristã e o império de Constantinopla alcançou sucesso e triunfou”.
2.
A influência benéfica das doutrinas e preceitos da Escritura onde quer
que tenham tido preponderância, mostra a origem divina.
A)
Sua influência na civilização em geral, garantindo um reconhecimen­
to dos princípios que o paganismo ignorava, tais como Garbett menciona:
a) a importância do indivíduo; b) a lei do amor recíproco; c) a santidade
da vida humana; d) a doutrina da santidade interior; e) a santidade do lar;
f) a monogamia e a igualdade religiosa de ambos os sexos; g) identificação da
crença e prática.
A contínua corrupção das terras pagãs mostra que esta mudança não se
deve a quaisquer leis de simples progresso natural. As confissões dos escrito­
res antigos mostram que isto não se deve à filosofia. Sua única explicação é
que o evangelho é o poder de Deus.
B r a c e , Gesta Chrísti, prefácio, vi - “Práticas e princípios implantados,
estimulados ou sustentados pelo cristianismo: As que levam em considera­
ção a personalidade do mais fraco e do mais pobre; o respeito pela mulher; o
dever de cada membro das classes privilegiadas de elevar os infortunados; a
humanidaae para com a criança, para com o prisioneiro e para com o estran­
geiro, para com o necessitado, e até mesmo para com o animal irracional; a
incessante oposição a toda forma de crueldade, opressão e escravidão; o
dever de pureza pessoal, e a santidade do matrimônio; a necessidade da
temperança; a obrigação de uma divisão mais eqüitativa do rendimento do
trabalho, e da maior cooperação entre empregadores e empregados; o direito
que cada ser humano tem de maior oportunidade de desenvolver suas facul­
dades e de todas pessoas usufruírem iguais privilégios políticos e sociais; o
princípio de que a ofensa à nação é ofensa a todos e o interesse e dever do
comércio e intercâmbio irrestrito entre todos os países; e, finalmente, uma
profunda oposição à guerra, uma determinação de limitar seus males quando
advenham e impedir o seu surgimento através da arbitragem internacional”.
M ax M üller: “O conceito de humanidade é o dom de Cristo”. G uizot, History
o f Civilization, 1. Introd., conta-nos que nos tempos antigos o indivíduo existia
em função do Estado; nos tempos modernos o Estado existe em função do
indivíduo. “O indivíduo é uma descoberta de Cristo”. Sobre as relações entre
o cristianismo e a economia política, ver A. H. S trong, Philosophy and Religion,
pp. 443-160; sobre a causa da mudança do ponto de vista considerado na
relação do indivíduo para com o Estado, verp. 207 - “O que operou a mudan­
ça? Nada a não ser a morte do Filho de Deus. Quando se viu que a menor
criança e o mais humilde escravo têm uma alma tão digna de que Cristo
deixasse o seu trono e entregasse a sua vida para salvá-lo, os valores do
mundo alteraram-se e foi então que começou a história moderna”. Luciano,
290
A ugustus H opkins Strong
satírico e humorista grego, 160 A.D., dizia a respeito dos cristãos: “Seu pri­
meiro legislador [Jesus] pôs na cabeça deles que eles são todos irmãos”.
Foi o espírito da fraternidade com um que na m aioria dos países levou à
abolição do canibalismo, do infanticídio, da queima das viúvas e à abolição
escravidão. P ríncipe B ismarck: “ Para o bem -estar social eu não peço nada a
não ser o cristianism o sem frases” - o que significa a religião de fatos mais do
que de credos (Os rom anos diziam: Res, non verba - ações, não palavras).
Na revelação histórica de Deus em Cristo só a fé tornou possíveis os feitos
cristãos. S haler, Interpretation o f Nature , 232-278 - Se A ristóteles pudesse
contem plar a sociedade dos dias atuais, pensaria no homem moderno como
uma nova espécie, saindo em sim patia aos povos distantes. Isto não pode
resultar de uma seleção natural, porque o sacrifício próprio não tem proveito
algum para o indivíduo. As em oções altruísticas devem sua existência a Deus.
A adoração a Deus fluiu sobre as em õções hum anas tornando-as mais sim ­
páticas. A utoconsciência e simpatia, entrando em conflito com as emoções
do bruto, originam o senso do pecado. É aí que com eça a guerra entre o
elemento natural e o espiritual. O am or da natureza e absorção em outros é o
verdadeiro Nirvana. A hum anidade necessita mais de educação do que de
ciência física.
H.
E. Hersey, Introd. to Browning’s Christimas Eve, 19 - “S ídney Lanier diznos que os vinte últimos séculos gastaram o melhor de sua força no desen­
volvimento da personalidade. A literatura, a educação, o governo e a religião
aprenderam a reconhecer o indivíduo como a unidade de força. B rowning vai
um passo adiante. Ele declara que tão poderosa força é a personalidade com­
pleta que ao seu próprio toque dá vida, e coragem, e potencialidade. Ele se
volta para a história em busca de inspiração para persistir na virtude e no
estímulo a um esforço sustentado e encontra ambos em Cristo”. J. P. C ooke,
Credentials of Science, 43 - A mudança do antigo filósofo para o moderno
investigador é a da auto-afirmação para a devoção de si mesmo e a grande
revolução pode ser traçada sob a influência do cristianismo e do espírito de
humildade apresentado e iaculGado poc Gristo. Lewes,, Hist. Phiios., \ A 06 A moralidade grega nunca abrangeu qualquer conceito de humanidade;
nenhum grego jamais atingiu a sublimidade de tal ponto de vista.
K idd, Social Evolution, 165,287 - Não é o intelecto que impulsiona o mun­
do dos tempos modernos; é o sentimento altruísta que se originou na cruz e
no sacrifício de Cristo. A Revolução Francesa tornou-se possível porque as
idéias humanitárias solaparam as próprias classes altas, e foi-lhes impossí­
vel a resistência eficaz. O socialismo aboliria a luta pela existência da parte
dos indivíduos. Que segurança haveria para o progresso social? Remover
todas as restrições à população garante a deterioração progressiva. Uma
comunidade não socialista vai além da socialista, onde todos os principais
desejos da vida estariam garantidos. A tendência real da sociedade é pôr
todo o povo em rivalidade, não só no que tange à igualdade política, mas às
condições de oportunidades sociais equânimes. No futuro, o Estado interferi­
rá e controlará para preservar e garantir a livre competição, não obstá-la.
O objetivo não é o socialismo ou o gerenciamento do Estado, mas a compe­
tição em que todos terão vantagens iguais. A evolução da sociedade humana
não é primordialmente intelectual, mas religiosa. As raças vencedoras são as
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
291
religiosas. Os gregos tinham mais intelecto, mas nós temos mais civilização e
progresso. Os atenienses estavam tão acima de nós como nós acima da raça
negra. Gladstone dizia que somos intelectualmente mais fracos que os medie­
vais. Quando o desenvolvimento intelectual de qualquer setor da raça na época
ultrapassa o ético, a seleção aparentemente é prejudicada, como qualquer
outro produto inadequado. A evolução está desenvolvendo a reverência com
suas qualidades aliadas: energia mental, resolução, empreendimento, apli­
cação prolongada e concentrada, com humildade e com o propósito único do
cumprimento do dever. Só a religião pode sobrepujar o egoísmo e o indivi­
dualismo e garantir o progresso social.
B)
Sua influência no caráter e felicidade do indivíduo em qualquer parte
tem sido testada na prática. Esta influência se vê d) nas transformações morais
que eles operaram - como no caso do apóstolo Paulo e pessoas em cada comu­
nidade cristã; b) nos labores altruístas para o bem-estar humano que eles con­
duziam - como no caso de W il b e r f o r c e e J u d s o n ; c ) nas esperanças que eles
inspiraram nos tempos de tristeza e morte.
Estes frutos benéficos não podem ter sua fonte em causas simplesmente
naturais independentemente da verdade e divindade das Escrituras; pois nesse
caso as crenças contrárias seriam acompanhadas pelas mesmas bênçãos. Mas
porque achamos estas bênçãos só em conexão com o ensino cristão podemos
com justiça considerar esta como a sua causa. Este ensino, então, deve ser
verdadeiro e as Escrituras devem ser uma revelação divina. Caso contrário,
Deus teria feito uma mentira ser uma grande bênção para a raça.
Os missionários morávios nas índias Ocidentais andavam seiscentas
milhas para tomar um navio, trabalhavam pela passagem e vendiam-se como
escravos a fim de obter o privilégio de pregar aos negros. ... O pai de J ohn G.
P aton era um tecelão de meias. A família toda, exceto as criancinhas, traba­
lhava desde as 6 da manhã até as 10 da noite, com uma hora para o jantar e
meia hora para o desjejum e para a ceia. Ainda a família regularmente orava
duas vezes por dia. Nesses intervalos para as refeições diárias J ohn G. P aton
empregava parte do seu tempo para estudar a gramática latina, a fim de preparar-se para a obra missionária. Quando o seu tio lhe disse que, se ele fosse
para as Novas Hébridas, os canibais poderiam devorá-lo, ele retrucou: “Daqui
a pouco o senhor vai estar morto e vai ser sepultado e eu prefiro ser devorado
pelos canibais a ser devorado pelos vermes”. Os aneitiumesi durante quinze
anos arrancavam raízes de mandioca e as vendiam para pagar as 1200 libras
exigidas para a impressão da Bíblia em sua própria língua. A assistência uni­
versal da igreja e o estudo da Bíblia fizeram das Ilhas do Mar do Sul o lugar
mais celeste da terra aos sábados.
Em 1839, vinte mil negros da Jamaica reuniram-se para iniciar uma vida
de liberdade. Em um caixão eram postos algemas e grilhões, relíquias da
estaca de tortura e o açoite. Quando o relógio soava as doze badaladas à
292
Augustus H opkins Strong
noite, um pregador clamava com grande ênfase: “O monstro está morrendo”!
e deste modo, ao fim, com a última badalada, ele clamava: “O monstro mor­
reu!”. Então todos os que estavam de joelhos levantavam-se e cantavam:
“Louvado seja Deus de quem fluem todas bênçãos!” ... “Por que fazeis isso?”
dizia o enfermo chinês que o médico estava cuidando na cama com uma
atenção que nunca ele havia recebido desde nenê. O missionário aproveitou
a oportunidade para falar-lhe do amor de Cristo. ... Quando disseram a uma
idosa mãe australiana que duas filhas missionárias na China tinham sido ambas
assassinadas por uma turba pagã, só respondeu: “Isto me faz tomar uma
decisão: agora eu é que irei à China e tentarei ensinar àquelas pobres criatu­
ras o que é o amor de Jesu s”. ... Dr- W illiam A s h m o r e : “Morra um missionário
e dez virão ao seu funeral”. Um sapateiro, ensinando meninos e meninas
abandonados, enquanto trabalhava em sua banca, causou o impulso à vida
de fé de T homas G u th r ie .
Devemos julgar as religiões não por seus ideais, mas por suas realiza­
ções. O mar K ayyám e M ozoom dar dão-nos belos pensamentos, mas aquele
não é a Pérsia, nem este é a índia. Quando a pesquisa microscópica do ceti­
cismo, que tem caçado os céus e sondado os mares para negar a existência
de um Criador, tem voltado a sua atenção para a sociedade humana e tem
achado neste planeta um lugar de dez milhas q\iadradas onde um homem
decente pode viver com decência, conforto e segurança, sustentando e edu­
cando seus filhos, livres de saques e poluição; um lugar onde a senilidade é
reverenciada, a infância é protegida, o ser humano é respeitado, a mulher é
honrada e a vida humana é tida na devida consideração - quando os céticos
puderem encontrar tal lugar com dez milhas quadradas neste globo, aonde
não chegou o evangelho de Cristo e limpou o caminho e lançou os fundamen­
tos e tornou possível a decência e a segurança, então estará em ordem que
os literatos céticos se movimentem e ventilem os seus pontos de vista. Mas
enquanto estes mesmos homens dependerem da própria religião, eles não
gozarão desse privilégio, bem podem hesitar antes de roubar ao cristão a sua
esperança e humanitarismo da sua fé no único Salvador que concedeu tal
esperança de vida eterna que torna a vida tolerável e a sociedade possível e
rouba da morte os seus terrores e da sepultura as suas agonias”.
C
a p ít u l o
III
INSPIRAÇÃO NAS ESCRITURAS
I. D E FIN IÇ Ã O DE IN S P IR A Ç Ã O
Inspiração é a influência do Espírito de Deus sobre as mentes dos escrito­
res da Bíblia que fizeram dos escritos o registro de uma revelação divina pro­
gressiva, suficiente, quando tomada no seu conjunto e interpretada pelo mes­
mo Espírito que os inspirou a dirigir cada inquiridor a Cristo e à salvação.
Observe o sentido de cada parte da definição: 1. Inspiração é uma influên­
cia do Espírito de Deus. Não é simplesmente um fenômeno da natureza, ou
um capricho psicológico, mas o efeito da operação interior do Espírito divino
pessoal. 2. Contudo, a inspiração não é uma influência sobre o corpo, mas
sobre a mente. Deus garante o seu fim, não através da comunicação exterior
ou mecânica, mas despertando os poderes racionais do homem. 3. Os escri­
tos dos homens inspirados são o registro de uma revelação. Eles não são,
por si mesmos, a revelação. 4. Tanto a revelação como o registro são pro­
gressivos. Nenhum deles é completo no seu início. 5. Os escritos bíblicos
devem ser considerados em conjunto. Deve-se ver cada uma das partes em
conexão com a que precede e com a que se segue. 6. Para conhecermos a
verdade, o mesmo Espírito Santo, que fez as revelações originais deve inter­
pretar o seu registro. 7. Assim empregados e interpretados, estes escritos
são suficientes, tanto em qualidade como em quantidade, para o seu propósi­
to religioso. Não tem por fim fornecer-nos um modelo de história ou fatos da
ciência, mas conduzir-nos a Cristo e à salvação.
d)
Por isso, a inspiração deve ser definida, não por seu método, mas por seu
resultado. E um termo geral incluindo todos estes tipos e graus de influência
do Espírito Santo que operaram nas mentes dos escritores da Bíblia a fim de
garantir a postura na forma da verdade permanente e escrita melhor adaptada
às necessidades morais e religiosas do homem.
b) A inspiração pode freqüentemente incluir a revelação, ou a comunica­
ção direta da verdade de Deus que o homem não poderia atingir por forças
desauxiliadas. Pode incluir a iluminação ou despertar as forças cognitivas do
homem para entender a verdade já revelada. A inspiração, contudo, não inclui
294
A ugustus H opkins Strong
necessariamente e sempre a revelação e a iluminação. É simplesmente a influên­
cia divina que garante a transmissão da verdade necessária ao futuro e segun­
do a natureza da verdade a ser transmitida, pode apenas ser uma inspiração de
superintendência, ou pode ser também e ao mesmo tempo uma inspiração de
iluminação ou revelação.
c ) Não se nega, mas afirma-se, que a inspiração pode qualificar pronuncia­
mento oral da verdade, ou liderança sábia e atos ousados. Os homens podem
ser inspirados a prestar serviço exterior ao reino de Deus, como nos casos de
Bezalel e Sansão; apesar de que esse serviço é prestado involuntária ou
inconscientemente como nos casos de Balaão e Ciro. Na verdade, toda a inte­
ligência humana se deve à inspiração do mesmo Espírito que criou o homem
no princípio. Preocupamo-nos agora com a inspiração no sentido de autoria
da Escritura.
Gn. 2.7 - “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou em
suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente”; Ex. 31.2,3 “Eis que tenho chamado por nome B ezalel... e o enchi do Espírito de Deus ...
e de ciência em todo artifício”; Jz. 13.24,25 - “chamou o seu nome Sansão; e
o menino cresceu, e o Senhor o abençoou. E o Espírito do Senhor o começou
a impelir”; Nm. 23.5 - “Então o Senhor pôs a palavra na boca de Balaão e
disse: Torna a Balaque e fala assim”; 2 Cr. 36.22 - “despertou o Senhor o
espírito de Ciro”; Is. 44.28 - “quem diz de Ciro: É meu pastor”; 45.5 - “eu te
cingirei, ainda que tu não me conheças”; Jó 32.8 - “há um espírito no homem,
e a inspiração do Todo-poderoso os faz entendidos”. Estas passagens mos­
tram o verdadeiro sentido de 2 Tm. 3 .16 - “Toda Escritura divinamente inspi­
rada”. A palavra eeóTtveua-coç deve ser entendida como alusão ao sopro origi­
nal da vida da parte de Deus, não como o sopro do flautista no seu instrumento.
A flauta é passiva, mas a alma do homem é ativa. A flauta produz só o que
recebe, mas o homem inspirado sob a influência divina é consciente e livre
originador do pensamento e da expressão. Embora a inspiração de que esta­
mos tratando seja somente a dos escritos da Bíblia, podemos entender
melhor este emprego restrito do termo, lembrando que todo o conhecimento
real tem em si um elemento divino e que somos possuídos da consciência
completa só quando vivemos, nos movemos e existimos em Deus. Porque
Cristo, o divino Logos ou Razão, é “a luz que alumia a todo homem” (Jo. 1.9),
uma influência especial do “Espírito de Cristo que estava neles” (1 Pe. 1.11)
racionalmente explica o fato de que “homens de Deus falaram inspirados pelo
Espírito Santo” (2 Pe. 1.21).
É possível auxiliar o nosso entendimento dos termos acima se acrescen­
tarmos exemplos de:
1) Inspiração sem revelação, como em Lucas e Atos, Lc. 1.1-3;
2) Inspiração incluindo revelação, como em Apocalipse, Ap. 1.1,11;
3) Inspiração sem iluminação, como nos profetas, 1 Pe. 1.11;
4. Inspiração incluindo iluminação, como no caso de Paulo, 1 Co. 2.12;
295
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
5. Revelação sem inspiração, como nas palavras de Deus no Sinai,
Ex. 20.1,22;
6. Iluminação sem inspiração, como nos pregadores modernos, Ef. 2.20.
Outras definições são as de P ark : “Inspiração é uma influência sobre os
escritores da Bíblia de tal sorte que todos os seus ensinos são fidedignos; de
W ilkinson : “Inspiração é o auxílio da parte de Deus de modo a preservar o
relato da revelação divina livre do erro. Auxílio a quem? Não importa desde
que se garanta o resultado. O resultado final, isto é, o registro ou relato da
revelação, deve ser imune de erro. A inspiração pode afetar um ou todos os
agentes empregados”; de H o v e y : “A inspiração é uma influência do Espírito
de Deus nas forças do homem que se preocupa em receber, em reter e
expressar a verdade religiosa - uma influência de tal modo penetrante e
poderosa que o ensino dos homens inspirados concorda com a mente de
Deus. O ensino deles não abrange toda a verdade a respeito de Deus, ou do
homem, ou o caminho da vida; mas compreende a verdade em cada assunto
em particular de acordo com a medida da fé através do mestre inspirado e
feita útil àqueles a quem se destina. Neste sentido, o ensino dos documentos
originais que compõem a nossa Bíblia podem ser declarados isentos de erro”;
de G.B. F o s t e r : “Revelação é a ação de Deus na alma do seu filho, resultan­
do na própria expressão divina: Inspiração é a ação de Deus na alma do seu
filho resultando na apreensão e apropriação da expressão divina. A revela­
ção tem prioridade lógica, mas não cronológica”; de H o rto n , Inspiration and
the Bible, 10-13 - “Por inspiração significamos exatamente as qualidades e
caraterísticas que são marcas ou notas da Bíblia ... Dizemos que a nossa
Bíblia é inspirada; com isso significamos que, através da sua leitura e estudo,
encontramos o caminho para Deus, a sua vontade para nós, e o meio de nos
conformarmos com a vontade dele”.
F a ir b a ir n , Christ in Modern Theology, 496, c o n q u a n t o n o b r e m e n t e e s t a b e ­
le c e a n a t u r a lid a d e d a r e v e la ç ã o , t e m u m c o n c e it o e r r ô n e o s o b r e a r e la ç ã o d a
in s p ir a ç ã o c o m a r e v e la ç ã o d a n d o p r io r id a d e à p r im e ir a : “ P o d e - s e d iz e r q u e a
id é ia d e u m a r e v e la ç ã o e s c r it a e n v o lv e lo g ic a m e n t e a n o ç ã o d e u m
Deus
v iv o . A fa la é p r ó p r ia d a n a t u r e z a d o E s p ír ito ; e s e , p o r n a tu r e z a , D e u s é
e s p ír ito , s e r á p r ó p r io d a s u a n a t u r e z a r e v e la r - s e a s i m e s m o . M a s s e e le f a la
a o h o m e m , s e r á a t r a v é s d e h o m e n s ; e o s q u e m e lh o r o u v e m s ã o o s m a is
p o s s u í d o s d e D e u s . T a l p o s s e c h a m a - s e ‘ in s p ir a ç ã o ’ . D e u s in s p ir a , o h o m e m
r e v e la : a r e v e la ç ã o é o m o d o o u f o r m a - p a la v r a , c a r á te r , o u in s t it u iç ã o - e m
q u e o h o m e m in c o r p o r a o q u e r e c e b e u . O s t e r m o s , e m b o r a n ã o e q u iv a le n te s ,
s ã o c o e x t e n s iv o s : u m d e n o t a o p r o c e s s o o u la d o in te r io r , o o u t r o o e x t e r io r ” .
E s ta a fir m a ç ã o , e m b o r a a p r o v a d a p o r S a n d a y ,
Inspiration, 12 4,12 5
p a re c e -
n o s q u a s e p r e c is a m e n t e r e v e r t e r o s e n t id o c o r r e t o d a s p a la v r a s . P r e f e r im o s o
p o n to d e v is t a d e E v a n s ,
Scholarship and Inspiration, 54 -
“ P r im e ir o D e u s
r e v e lo u - s e e , d e p o is , in s p ir o u h o m e n s p a r a in t e r p r e t a r e m , r e g is tr a r e m e a p li­
c a r e m e s t a r e v e la ç ã o . N a r e d e n ç ã o , a in s p ir a ç ã o é o f a t o r f o r m a l, d o m e s m o
m o d o q u e a r e v e la ç ã o é o f a t o r m a te r ia l. O s h o m e n s s ã o in s p ir a d o s , c o m o d iz
S to w e . O s p e n s a m e n t o s s ã o in s p ir a d o s , c o m o d iz o P r o f . B r ig g s . A s p a la v r a s
s ã o in s p ir a d a s , c o m o d iz H o d g e . A u r d id u r a e a t r a m a d a B í b lia é o 7 tv e % ia :
“ a s p a la v r a s q u e e u v o s d is s e s ã o e s p í r it o e v id a ” (J o .
6.63).
A s b o rd a s e s c a ­
p a m , c o m o é in e v itá v e l, p a r a o s e c u la r , m a t e r ia l e p s í q u ic o ” . P h il l ip s B r o o k s ,
296
A ugustus H opkins Strong
Life, 2.351 - “S e a verdadeira revelação de Deus está em Cristo, a Bíblia não
é propriamente uma revelação, mas uma história desta. Isto não é apenas um
fato, mas uma necessidade porque não se pode revelar uma pessoa num
livro, mas deve-se encontrar revelação, se é que isto é possível, numa pes­
soa. Por isso o centro e o cerne da Bíblia encontram-se nos evangelhos,
como a história de Jesu s”.
Alguns, como P r iestley , têm sustentado que os evangelhos são autênti­
cos, mas não inspirados. Por isso, acrescentamos às provas da genuinidade
e credibilidade da Escritura a prova da sua inspiração. C ha dw ic k , Old and
New Unitarianism, 11 - “A crença de P riestley na revelação sobrenatural é
intensa. Ele sente absoluta falta de confiança na razão como capaz de forne­
cer um conhecimento adequado aos assuntos religiosos e, ao mesmo tempo,
uma perfeita confiança na razão qualificada para o elemento negativo e
determinar o conteúdo da revelação”. Podemos reivindicar a verdade históri­
ca dos evangelhos ainda que não os chamemos de inspirados. G o r e , em Lux
Mundi, 341 - “O cristianismo traz consigo uma doutripá da inspiração das
Escrituras Sagradas, mas não se baseia nela”. W arfield e H o d g e , Inspiration,
8 - “Conquanto a inspiração das Escrituras seja verdadeira e, assim sendo,
fundamental para a sua interpretação adequada, não é, em primeiro plano,
um princípio fundamental da religião cristã”.
II. P R O V A D A IN S P IR A Ç Ã O
1.
Porque temos mostrado que Deus fez uma revelação de si mesmo ao
homem, com razão podemos presumir que ele não confiará esta revelação
totalmente à tradição e falsa interpretação humanas, mas também proverá um
registro dela essencialmente fidedigno e suficiente; em outras palavras, que o
mesmo Espírito que originariamente comunicou a verdade presidirá a sua
publicação até onde for necessário para cumprir seu propósito religioso.
Porque toda inteligência natural, como já vimos, pressupõe a habitação
de Deus no homem e, porque na Escritura a atmosfera totalmente prevalecente, com sua constante pressão e esforço para entrar em cada fresta e em
cada canto do mundo emprega-se como ilustração do impulso do onipotente
Espírito de Deus a fim de vivificar e encher de energia cada alma humana
(Gn. 2.7; Jó 32.8), podemos inferir que, a não ser para o pecado, todo homem
seria moral e espiritualmente inspirado (Nm. 11.29 - “Quisera Deus que todo
o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhes desse o seu Espírito!”;
Is. 59.2 - “as vossas iniqüidades fazem divisão entre vós e o vosso Deus”).
Vimos também que o método de Deus comunicar a sua verdade em matéria
de religião é talvez análogo ao de comunicar a verdade secular como a da
astronomia ou a da história. Há um processo originai de falar à uma nação
isoladamente e a pessoas isoladamente na mesma nação, para que através
delas se chegue à humanidade. S anday , Inspiration, 140 - “Há um ‘propósito
de Deus segundo a eleição’ (Rm. 9.11); há uma ‘eleição’ ou ‘seleção da graça’;
e o objeto dessa seleção é Israel e os que tomam o seu nome a partir do
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
297
Messias de Israei. S e a torre é edificada em alas ascendentes, os que ficam
nas alas inferiores ainda estarão em nível acima do chão e alguns podem
estar mais elevados que outros, mas a plena e desimpedida visão está reserva­
da aos que estão no topo. Eis o lugar destinado a nós se quisermos assumi-lo”.
Se seguirmos a analogia da operação de Deus em outras comunicações
do conhecimento, razoavelmente presumiremos que ele preservará o registro
de suas revelações em documentos escritos e acessíveis, transmitidos a par­
tir daqueles a quem estas revelações primeiro foram comunicadas, e esperase que tais documentos mantenham-se corretos e fidedignos a fim de cumprir
o seu propósito religioso, a saber, o fornecimento ao honesto inquiridor de um
guia rumo a Cristo e à salvação. O médico faz a sua prescrição por escrito; o
amanuense do Congresso registra os seus procedimentos; o Departamento
de Estado do nosso governo instrui os nossos embaixadores no exterior, não
oralmente, mas através de despachos. Maior ainda é a necessidade de que a
revelação seja registrada porque deve ser transmitida àg eras distantes; ela
contém longos discursos; abrange doutrinas misteriosas. O próprio Jesus não
escreveu; porque ele não é simplesmente o canal da revelação, mas a sua
mensagem. A sua despreocupação com a imediata incumbência aos apósto­
los para que escrevessem o que eles viram e ouviram seria inexplicável se
ele não esperasse que a inspiração os assistiria.
Chegamos à discussão da Inspiração com uma suposição bem diferente
da de K uenen e de W ellhausen , que escrevem no interesse do quase declara­
do naturalismo. K u e n e n , nas primeiras sentenças da sua Religião de Israel, na
verdade afirma o governo terreno de Deus. Mas S anday , Inspiration, 117, está
certo ao dizer que “K uenen conserva esta idéia bem no pano de fundo. Ele
gastou um volume inteiro de 593 páginas impressas (Prophets and Prophecy
in Israel, Londres, 1877) para provar que os profetas não foram movidos a
falar por Deus, mas os seus pronunciamentos eram deles mesmos”. O seguin­
te extrato, diz S anday , indica a posição que o D r . K uenen realmente susten­
tava: “Não nos permitimos ser privados da presença de Deus na história.
Nos sucessos e desenvolvimento das nações, e não menos claramente nos
de Israel, nós O vemos, o santo e totalmente sábio Instrutor dos seus filhos
humanos. Mas os velhos contrastes devem ser postos de lado. Quando deriva­
mos a nossa parte separada da vida religiosa de Israel diretamente provinda de
Deus e permitimos que a revelação sobrenatural ou imediata intervenha em um
só ponto, a nossa opinião do todo continua a ser incorreta e nós mesmos
vemos cá e lá a necessidade de violentar o conteúdo bem autenticado dos
documentos históricos. S ó a suposição de um desenvolvimento natural é que
explica todos os fenômenos: (K u e ne n , Prophets and Prophecy in Israel, 585).
2. Jesus, de quem já se provou não só ser testemunha digna de crédito, mas
um mensageiro de Deus, garante a inspiração do Velho Testamento citando-o
na fórmula: “Está escrito”; declarando que nem um jota nem um til dele “se
passará” e que a “Escritura não pode ser quebrada”.
Jesus cita quatro dos cinco livros de Moisés, e Salmos, Isaías, Malaquias
e Zacarias, com a fórmula “está escrito”; verMt. 4.4, 6, 7; 11.10; Mc. 14.27;
298
A ugustus H opkins Strong
Lc. 4.4-12. Esta fórmula entre os judeus indicava que a citação vinha do livro
sagrado e era divinamente inspirada. Sem dúvida Jesu s considerava o Velho
Testamento com tanta reverência como os judeus contemporâneos. Ele decla­
rou que “nem um jota nem um til se omitirá da lei (M t. 5.18). Ele disse que “a
Escritura não pode ser anulada” (Jo. 10.35) = “a autoridade normativa e judi­
cial da Escritura não pode ser desprezada; note aqui [no singular, f\ Ypacpri] a
idéia da unidade da Escritura” ( M e y e r ). Leve-se em conta que o emprego da
Escritura do A.T. pelo nosso Senhor era inteiramente livre do literalismo
supersticioso que prevalecia entre os seus contemporâneos judeus. As expres­
sões “palavra de Deus” (Jo. 10.35; Mc. 7.13), “sabedoria de Deus” (Lc. 11.49)
e “palavras de Deus” (Rm. 3.2) provavelmente designam as revelações origi­
nais de Deus e não os registros destes na Escritura; cf. 1 Sm. 9.27; 1 Cr. 17.3;
Is. 40.8; Mt. 13.19; Lc. 3.2; At. 8.25. Jesus se recusa a aceitar a lei do A.T.
sobre o sábado (Mc. 2.27), contaminação exterior (Mc. 7.15), divórcio (Mc. 10.2).
Ele “não veio destruir a lei, mas cumprir” (Mt. 5.17); embora ele cumprisse a
lei fazendo o interior do seu espírito uma vida perfeita, e não uma obediência
formal e minuciosa aos seus preceitos.
Os apóstolos citam o A.T. como um pronunciamento de Deus (Ef. 4.8 - 5tò
Xéyei sc. 0eóç). A insistência de Paulo na forma de até mesmo uma simples
palavra, como em Gl. 3.16, e o seu emprego no A.T. com o propósito alegórico,
como em Gl. 4.21-31, mostram que, no seu ponto de vista, o texto do A.T. é
sagrado. Filo, Josefo e o Talmude na sua interpretação do A.T., continuamente
caem num “estreito e infeliz literalismo”. “O N.T., na verdade, não escapa aos
métodos rabínicos, mas mesmo onde estes são mais proeminentes parece
afetar a forma muito mais do que a substância. E, através da forma temporária
e local, o escritor constantemente penetra no próprio cerne do ensino do A.T,”,
3. Jesus comissionou seus apóstolos como mestres e lhes deu promessas de
um auxílio sobrenatural do Espírito Santo em seu ensino, como a promessa
feita aos profetas do Velho Testamento.
Mt. 28 .19,20 - “Ide ... ensinando ... e eis que eu estou convosco”. Compa­
re as promessas de Moisés (Ex. 3.12), Jeremias (Jr. 1.5-8), Ezequiel (Ez. 2 e
3). Ver também Is. 44.3 e Jl 2.28 - “Derramarei o meu Espírito sobre toda a
carne”; Mt. 10.7 - “e indo, pregai”; 19 - “não vos dê cuidado como ou o que
haveis de falar”; Jo. 14.26 - “o Espírito Santo ... vos ensinará todas as coi­
sas”; 15.26,27 - “aquele Espírito da verdade ... testificará de mim; e vós tam­
bém testificareis” = o Espírito testificará em vós e através de vós; 16 .13 - “ele
vos guiará em toda a verdade” = 1) limitação - toda a verdade de Cristo, /.e.
não da filosofia e da ciência, mas da religião; 2) extensão - toda a verdade
dentro de um limitado nível, /.e., suficiência da Escritura como regra de fé e
prática ( H o v e y ); 17.8 - “porque lhes dei as palavras que tu me deste”; At. 1.4
- “determinou-lhes ... que esperassem a promessa do Pai”; Jo. 20.22 - “assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo”. Eis aqui tanto a pro­
messa como a comunicação pessoal do Espírito Santo. Compare Mt. 10.19,20
- “será ministrado o que haveis de dizer. Porque não sois vós quem falará,
mas o Espírito do vosso Pai é que fala em vós”.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
299
Aqui o testemunho de Jesus é o de Deus. Em Dt. 18 .18 se diz que Deus
porá as suas palavras na boca do grande profeta. Em Jo. 12.49,50 Jesu s diz:
“Porque eu não tenho falado de mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, ele
me deu mandamento sobre o que hei de dizer e sobre o que hei de falar. E sei
que o mandamento é a vida eterna. Portanto, o que eu falo, falo-o como o Pai
mo tem dito”. Jo. 17.7,8 - “tudo quanto me deste provém de ti; porque lhes dei
as palavras que me deste”. Jo. 8.40 - “homem que vos tem dito a verdade
que de Deus tem ouvido”.
4.
Os apóstolos reivindicam ter recebido este Espírito prometido e falar
sob a sua influência com autoridade divina, pondo seus escritos no nível das
Escrituras do Velho Testamento. Não temos só declarações diretas de que tan­
to a matéria como a forma do seu ensino eram supervisionadas pelo Espírito
Santo, mas temos evidência indireta de que este é o caso no tom da autoridade
que permeia os seus discursos e epístolas.
Afirmações: - 1 Co. 2 .10 ,13 - “Deus no-las revelou pelo Espírito ... as
quais também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as
que o Espírito Santo nos ensina”; 11.23 - “eu recebi do Senhor o que também
vos ensinei” 12.8,28 - a Xóyoç aocpíaç parece um dom peculiar aos apóstolos;
14 .3 7 ,3 8 - “as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor”;
Gl. 1.12 - “não o recebi nem aprendi de homem algum, mas pela revelação
de Jesus Cristo”; 1 Ts. 4.2,8 - “vós bem sabeis que mandamento vos temos
dado pelo Senhor Jesus ... portanto, quem rejeita isto não rejeita o homem,
mas, sim, a Deus que nos deu também seu Espírito Santo”. As passagens a
seguir põem o ensino dos apóstolos no mesmo nível da Escritura do A.T.:
1 Pe. 1 .11 ,12 - “o Espírito de Cristo, que estava neles” [pregadores do N.T.];
“pelo Espírito Santo vos pregavam o evangelho”; 2 Pe. 1.21 - Os profetas do
A.T. “falaram inspirados pelo Espírito Santo”; 3.2 - “que vos lembreis das
palavras que primeiramente foram ditas pelos santos profetas” [V. T.] e do
mandamento do Senhor e Salvador mediante os vossos apóstolos” [N.T.] 16 “torcem [as Epístolas de Paulo], e igualmente as outras Escrituras, para a sua
própria perdição”. Cf. Ex. 4.14-16; 7.1.
Implicações: 2 Tm. 5.16 - “Toda Escritura divinamente inspirada é provei­
tosa” - implicação clara da inspiração, embora não seja uma declaração dire­
ta a seu respeito = há uma Escritura divinamente inspirada. Em 1 Co. 5.3-5,
Paulo, determinando à igreja de Corinto sobre o incestuoso, é arrogante ou
inspirado. Há mais imperativos nas Epístolas que em quaisquer outros escri­
tos da mesma extensão. Observe a contínua afirmação da autoridade, como
em Gl. 1.1,2 e a declaração de que a descrença do registro é pecado e, como
em 1 Jo. 5.10,11. Jd. 3 - “fé que uma vez (cx7ia£) foi dada aos santos”.
As passagens acima citadas mostram que os homens distinguem inspira­
ção do seu próprio pensamento desauxiliado. Estes homens defendem que a
sua inspiração é a mesma que a dos profetas. Ap. 22.6 - “O Senhor, o Deus
dos santos profetas, enviou o seu anjo para mostrar aos seus servos as coi­
sas que em breve hão de acontecer” = a inspiração lhes deu o conhecimento
300
A ugustus H opkins Strong
sobrenatural do futuro. Como a inspiração no A.T. é obra do Cristo anterior à
encarnação, do mesmo modo a inspiração no N.T. é obra do Cristo que subiu
ao céu e foi glorificado pelo seu Espírito Santo. Sobre a Autoridade Relativa
dos Evangelhos, ver G erhar dt , em Am. Journ. Theol., abr. 1899, 275-294, o
qual mostra que as palavras de Jesus nos evangelhos não representam a
revelação final, mas que o ensino do Cristo ressurrecto e glorificado é visto
em Atos e nas Epístolas. Estas são obras póstumas de Cristo. P a ttison , Making
of the Sermon, 23 - “Os apóstolos, crendo-se inspirados, freqüentemente
pregavam sem textos; e o fato de que os seus sucessores não seguiam o seu
exemplo mostra que, por si mesmos, eles não faziam tal reivindicação.
A inspiração cessou e, por isso, a autoridade encontra-se no emprego das
palavras das Escrituras agora completas”.
5.
Os escritores apostólicos do Novo Testamento, diferentemente dos sábios
e poetas pagãos reconhecidamente inspirados, atestaram através de milagres
ou da profecia que eles eram inspirados por Deus e l/á razão para crer que as
produções dos que não eram apóstolos, tais como Marcos, Lucas, Hebreus,
Tiago e Judas foram recomendadas às igrejas como inspiradas, pela sanção e
autoridade apostólicas.
Os doze operaram milagres (Mt. 10.1). A expressão “sinais do meu apostolado” (2 Co. 12.12) (em grego otiixeTcc tovi ànoaTó^ot)); Rev. e Atualizada do
Br., credenciais do apostolado; K ing J a m e s , signs of an apostle [sinais de um
apóstolo] = milagres. A evidência interna confirma a tradição de que Marcos
era “intérprete de Pedro”, e que o evangelho de Lucas e o livro de Atos tive­
ram a sanção de Paulo. Visto que o propósito da outorga do Espírito devia
qualificar aqueles que seriam os mestres e fundadores da nova religião, é
razoável admitir que a promessa do Espírito feita por Cristo era válida não só
para os doze, mas para todos os que ocupavam o lugar deles e a estes não
apenas como porta-vozes, mas também aos escritores, porque para isto eles
tinham maior necessidade de direção.
A Epístola aos Hebreus, juntamente com Tiago e Judas, aparecem
enquanto alguns dos doze ainda eram vivos e continuaram inalteráveis; o fato
de que todas elas, excetuando-se, possivelmente, 2 Pedro, bem cedo foram
aceitas pelas igrejas organizadas e orientadas pelos apóstolos, é evidência
suficiente de que estes as consideravam produções inspiradas. Para evidên­
cia de que os escritores consideravam os seus livros como autoridade univer­
sal, ver 1 Co. 1.2 - “à igreja de Deus que está em Corinto ... com todos os
que, em todo lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo” etc.; 7.17
- “É o que eu ordeno em todas igrejas”; Cl. 4 .16 - “E, quando esta epístola
tiver sido lida entre vós, fazei também que o seja na igreja dos laodicenses”;
2 Pe. 3 .15 ,16 - “como também nosso amado irmão Paulo escreveu, segundo
a sabedoria que lhe foi dada”.
J o h n s o n , Sistematic Theology, 40 - “Os dons miraculosos foram concedi­
dos no Pentecostes a muitos além dos apóstolos. A profecia não era um dom
incomum durante o período apostólico”. Não há nenhuma improbabilidade
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
301
antecedente de que a inspiração se estenderia a outros além dos principais
líderes da igreja e, visto que temos exemplos expressos de tal inspiração em
pronunciamentos orais (At. 11.28; 21.9,10), parece que deve ter havido exem­
plos de inspiração em pronunciamentos escritos também. Em alguns casos
isto parece ter sido só uma inspiração de superintendência. Clemente de Ale­
xandria diz só que Pedro nem proibiu, nem estimulou Marcos em seu plano
de escrever o evangelho. Irineu conta-nos que o evangelho de Marcos foi
escrito depois da morte de Pedro. P apias diz que Marcos escreveu o que ele
lembrava ter ouvido de Pedro. Lucas não parece ter estado consciente de
qualquer auxílio miraculoso em seu escrito e seus métodos parecem ter sido
os de um historiador normal.
6.
Contudo, a principal prova da inspiração deve sempre ser encontrada
nas características internas das próprias Escrituras como as reveladas pelo
Espírito Santo ao sincero inquiridor. O testemunho do Espírito Santo combina
com o ensino da Bíblia de convencer o mais ávido leitor de que este ensino
está como um todo em toda a essência além do poder comunicador do homem
e que, portanto, deve ter sido posto por inspiração de Deus em forma perma­
nente e escrita.
F o s t e r , Christian Life and Theology, 105 - “O testemunho do Espírito é um
argumento da identidade dos efeitos - as doutrinas da experiência e as da
Bíblia - para a identidade da causa. ... A experiência da operação de Deus
prova a da Bíblia. ... Isto abrange a Bíblia como um todo, senão por inteiro.
Ela é verdadeira em tudo o que podemos testá-la. Deve-se crer muito mais se
não há nenhuma outra evidência”. Lyman A bbott , em Theology of an Evolutionist,
105, chama a Bíblia de “o registro laboratorial de um ser humano no reino
espiritual, uma história da aurora da consciência de Deus e da vida divina na
alma humana”. Isto nos parece excessivamente subjetivo. Preferimos dizer
que a Bíblia é também para nós um testemunho de Deus sobre a sua presen­
ça e obra do coração e do homem - a qual prova sua origem divina desper­
tando em nós experiências semelhantes às que ela descreve e que estão
além do que o homem pode originar.
G. P. F is h er , em Mag. Of Christ. Lit., dez. 1892.239 - “É a Bíblia infalível?
No sentido de que todas as suas afirmações estendem-se até minúcias em
matéria de história e ciência estritamente completa não é. Nem no sentido de
que toda a afirmação doutrinária e ética em todos estes livros é incapaz de
produzir correção. O todo deve formar juízo sobre as partes. A revelação é
progressiva. Há um fator humano assim como um divino. O tesouro encontrase em vasos de barro. Mas a Bíblia é infalível no sentido de que qualquer que
se rende num espírito dócil aos seus ensinos não cairá no doloroso erro em
matéria de fé e caridade. Melhor do que tudo, encontrará nela o segredo de
uma nova, santa e abençoada vida ‘escondida com Cristo em Deus’ (Cl. 3.3).
As Escrituras testemunham de Cristo. ... Através delas ele verdadeira e
adequadamente se faz conhecido a nós”. D e n n e y , Death o f Chríst, 3 1 4 “São termos correlatos a unidade da Bíblia e a sua inspiração. Se pudermos
Augustus H opkins Strong
302
discernir nela uma unidade real - e creio podermos quando virmos que ela
converge e culmina no amor divino que suporta o pecado do mundo - então
tal unidade e inspiração passam a ser uma e a mesma coisa. E ela não é
apenas inspirada como um todo; ela é o único livro inspirado. É o único livro
no mundo pelo qual Deus põe o seu selo nos nossos corações quando o
lemos na busca de uma resposta para a pergunta: Como o pecador será justo
para com Deus? ... A conclusão do nosso estudo sobre a Inspiração deve ser
a convicção de que a Bíblia nos dá um corpo doutrinário - uma ‘fé que uma
vez foi dada aos santos’ (Jd. 3)”.
III. T E O R IA S SO B R E A IN S P IR A Ç Ã O
1. Teoria da Intuição
Sustenta que a inspiração é apenas um desenvolvimento do insight (discer­
nimento) da verdade que todos homens possuem em certo grau; um modo de
inteligência em matéria de moral e religião que dá surgimento aos livros sagra­
dos, como um modo correspondente de inteligência em matéria de verdade
secular dá surgimento a grandes obras de filosofia ou arte. Tal modo de inteli­
gência é considerado como produto das próprias forças do homem, quer sem
influência divina especial, quer só através da operação de um Deus impessoal.
Esta teoria naturalmente tem conexão com os pontos de vista pelagiano
e racionalista sobre a independência do homem relativa a Deus ou às con­
cepções do homem como a maior manifestação de uma inteligência total­
mente permeável, mas inconsciente. M orell e F. W. N ewman na Inglaterra e
Parker nos Estados Unidos representam esta teoria. Ver M o rell , Philos. of
Religion, 127-179 - “A inspiração é apenas uma potência mais elevada que
cada homem possui em certo grau”. Ver também F rancis W. N ewman (irmão
de J ohn H enry N ew m an ), Phases of Faith (= fases da descrença); T heodore
P ar ker , Discourses of Religion, and Experiences as a Minister. “Deus é infini­
to; por isso ele é imanente na natureza, embora transcendente a ela; imanente em espírito, embora transcendente a ele. Ele deve preencher cada ponto
do espírito, do mesmo modo que do espaço; a matéria deve inconsciente­
mente obedecer; o homem, consciente e livre, até certo ponto pode desobe­
decer, mas obedecendo, o Deus imanente age no homem do mesmo modo
que na natureza” - citado em C h a d w ic k , Theodore Parker, 271. Daí o ponto de
vista de P arker on Inspiration: S e se cumprem as condições, a inspiração
ocorre em proporção com os dons do homem e com o emprego desses dons.
O próprio C ha dw ic k , em Old and New Unitrarism, 6 8 , diz que “as Escrituras
são inspiradas na medida em que elas estão inspirando e nada mais”.
W. C. G a n n ett , Life ofEzra Stiles Gannet, 1 9 6 - “O espiritualismo de Parker
afirmava, como grande verdade da religião, a imanência de um Deus infinita­
mente perfeito na matéria e na mente e sua atividade em ambas as esferas”.
M artineau , Study of Religion, 2 .1 7 8 -1 8 0 - “T heodore P arker trata os resultados
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
303
regulares das faculdades humanas como um aobra imediata de Deus e con­
sidera os princípios de N ew ton como inspirados. ... Em que, então, se toma a
personalidade humana? Ele chama Deus não só de onipresente, mas de
omniativo (que age em todas esferas). É então S hakespeare por cortesia o
autor de Macbeth? ... S e isto fosse mais que retórico, seria panteísmo incon­
dicional”. Tanto a natureza como o homem são expressões da divindade em
nós, mas a nossa razão e empenho pessoais, pensa ele, não podem ser
=íribuídos a Deus. A palavra vovç não tem plural: sempre que o intelecto se
manifesta, sendo um, como a verdade é uma e a mesma, embora possa apresentar-se na consciência de muitas pessoas; verMARTiNEAu, Seat ofAuthority,
403; P alm e r , Studies in Theological Definition, 27 - “Não podemos traçar
nenhuma distinção aguda entre a mente humana descobrindo a verdade e a
mente divina concedendo a revelação”. K uenen pertence a esta escola.
Com relação a esta teoria assinalamos:
ã) Na verdade, o homem tem um certo insight da verdade e admitimos que
a inspiração o utiliza até onde pode e o faz um instrumento na descoberta e
registro de fatos da natureza ou da história.
Por exemplo: na investigação de assuntos puramente históricos, tais como
os registros de Lucas, o discernimento meramente natural pode às vezes ter
sido suficiente. Quando o caso é este, Lucas pode ter-se entregado ao exer­
cício de suas próprias faculdades, enquanto a inspiração apenas estimula e
supervisiona a obra. G eorge H a r r is , Moral Evolution, 413 - “Deus não podia
revelar-se ao homem, a não ser que primeiro ele se revelasse no homem.
S e no céu estivessem escritas as letras: ‘Deus é bom’, - as palavras não
teriam sentido, a não ser que a bondade já tivesse sido conhecida nas volições humanas. A revelação não é um impulso emocional, mas um processo
contínuo. Não é algo imposto, mas inerente. ... O gênio é inspirado; porque a
mente que percebe a verdade deve corresponder à Mente que fez todas as
coisas serem o veículo do pensamento”. S anday , Bampton Lectures on Ispiration: “Ao reivindicar a inspiração da Bíblia não excluímos a possibilidade de
outros graus inferiores ou mais parciais de inspiração em outras literaturas.
O Espírito de Deus, sem dúvida, tocou em outros corações e outras mentes ...
de tal modo a dar discernimento para a verdade, além dos que podiam reivin­
dicar a descendência de Abraão”. Filo pensava que os tradutores da LXX,
filósofos gregos, e às vezes até mesmo ele, fossem inspirados. Considera
P latão como “mais sagrado (iepráxa-toç), mas todos os homens bons são, em
diferentes graus inspirados. Contudo, Filo nunca cita como tendo autoridade
qualquer livro a não ser os Canônicos. Atribui a eles uma autoridade única em
seu gênero.
b)
Em toda a matéria de moral e religião, contudo, o insight da verdade da
parte do homem é viciado por sentimentos errôneos e, a não ser que uma
sabedoria sobrenatural o oriente, ele certamente errará e induzirá outros ao
erro.
Augustus H opkins Strong
304
1
Co. 2 .14 - “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito
de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas
se discernem espiritualmente”; 10 - “Mas Deus no-las revelou pelo seu Espí­
rito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus”.
Ver a citação de C o ler id g e , em S h a ir p , Culture and Religion , 114 - “A água
não pode subir mais alto que a sua fonte; assim também a razão humana”;
E m e r s o n , Prose Works, 1.474; 2.468 - “É curioso que nós cremos só na medi­
da do aprofundamento da nossa vida”. Por esta razão, sustentamos uma
comunicação da verdade religiosa, pelo menos às vezes, mais direta e obje­
tiva do que admitia G eorge A dam S m it h , Com. on Isaiah, 1.372 - “Para Isaías,
a inspiração não era mais nem menos que a posse de algumas fortes con­
vicções morais e religiosas, que, conforme ele sentia, deviam-se à comunica­
ção do Espírito de Deus e segundo o qual ele interpretava e ousava predizer
a história do seu povo e do mundo. O nosso estudo, apoiado na evidência da
própria Bíblia, afasta completamente esse ponto de vista da inspiração e predição como é sustentado na igreja”. S e isto significa uma negação de qual­
quer comunicação da verdade além da interior e subjetiva, nós nos opomos.
Nm. 12.6-8 - “S e entre vós houver profeta, eu, o Senhor, em visão, a ele me
farei conhecer, ou, em sonhos falarei com ele. Não é assim com meu servo
Moisés, que ele é fiel em toda a minha casa. Boca a boca falo com ele, e de
vista, não por figuras; pois, ele vê a semelhança do Senhor”.
c) A teoria em questão, sustentando como o faz que o insight natural é a
única fonte de verdade religiosa, envolve uma contradição; - se a teoria for
verdadeira, então o homem é inspirado a proferir o que um segundo é inspira­
do a pronunciar falso. Os Vedas, o Alcorão e a Bíblia não podem ser inspira­
dos por contradizerem-se um ao outro.
O s V e d a s p e r m it e m
o r o u b o e o C o r ã o e n s in a a s a lv a ç ã o p e la s o b r a s ;
e s te s n ã o p o d e m s e r in s p ir a d o s e a B íb lia ta m b é m . P a u lo n ã o p o d e s e r in s p i­
r a d o q u a n d o e s c r e v e a s s u a s e p í s t o la s e S w e d e n b o r g t a m b é m in s p ir a d o a o
r e je it á - la s . A B í b lia n ã o a d m it e q u e o s e n s in o s p a g ã o s t e n h a m
o m esm o
e n d o s s o q u e o s s e u s p r ó p r io s . E n tr e o s e s p a r t a n o s o r o u b o e r a lo u v á v e l; s ó o
s e r a p a n h a d o r o u b a n d o e r a c r im e . S o b r e a c o n s c iê n c ia r e lig io s a c o m r e la ç ã o
à p e s s o a lid a d e d e D e u s , a b o n d a d e d iv in a , a v id a f u t u r a , a u t ilid a d e d a o r a ­
ç ã o , e m t u d o o q u e a s e n h o r it a C o b b e , o S r . G r e g e o S r . P a r k e r d is c o r d a m
u m d o o u tr o , i/e rB R u c E ,
Apologetics, 143,144.
C o m M a t h e s o n p o d e m o s a d m i­
t i r q u e a id é ia m e s t r a d a in s p ir a ç ã o é “ o d e s e n v o lv im e n t o d o d iv in o a tr a v é s d a
c a p a c id a d e d o h u m a n o ” , e m b o r a a in d a n e g u e m o s q u e a in s p ir a ç ã o s e lim ita
a e s t a ilu m in a ç ã o s u b je t iv a d a s f a c u ld a d e s h u m a n a s e t a m b é m
e x c lu a d a
o p e r a ç ã o d iv in a t o d o s a q u e le s p r o n u n c ia m e n t o s p e r v e r s o s e e r r ô n e o s q u e
r e s u lta m d o p e c a d o h u m a n o .
d ) Faz a verdade moral e religiosa ser uma coisa puramente subjetiva matéria de opinião particular - não tendo nenhuma realidade objetiva inde­
pendentemente das opiniões que os homens têm dela.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
305
Neste sistema a verdade é aquilo que o homem ‘lança’; as coisas são
aquilo que o homem ‘pensa’ - As palavras representam apenas o elemento
subjetivo. “Melhor é o grego àWieeia = ‘não oculto’ (verdade objetiva)” - H arris ,
Philos. Basis of Theism, 182. S e não houver verdade absoluta, a ‘busca da
verdade’ de Lessing é a única coisa que nos resta. Mas quem buscará se não
houver verdade a ser encontrada? Até um gato sábio não caçará eternamen­
te a sua cauda. O exercício dentro dos seus limites sem dúvida é útil, mas o
gato o interrompe logo que se convence de que não consegue apanhar a sua
cauda. S ir R ichard B urton tornou-se católico romano, brârpane e maometano
sucessivamente e parecia sustentar como Hamlet que “não há nada bom ou
mau a não ser pensar em agir assim”. Este mesmo ceticismo quanto à exis­
tência da verdade objetiva aparece nas palavras: “A sua religião é boa para
você e a minha para mim”; “Um nasce agostiniano, outro pelagiano”. Ver Dix,
Pantheism, Introd., 12. R ic h te r : “Não é o objetivo, mas o curso que nos faz
felizes”.
e)
Envolve logicamente a negação de um Deus pessoal que é a verdade e
revela a verdade e assim faz o homem ser a mais elevada inteligência do uni­
verso. Isto deve explicar a inspiração através da negação da sua existência;
porque, se não há Deus pessoal, a inspiração é apenas uma figura de lingua­
gem de um fato puramente natural.
O animus desta teoria é a negação do sobrenatural. Como a negação dos
milagres, ela não pode ser sustentada apenas nas bases do ateísmo ou do
panteísmo. O ponto de vista em questão, como assinala H utton em seus
Essays, seria permitir-nos dizer que a palavra do Senhor veio a Gibbon, em
meio às ruínas do Coliseu, dizendo: “Vai escrever a história do Declínio e
Queda!” Porém H utton retruca: Tal opinião é panteísta. A inspiração é a voz
de um amigo vivo, diferentemente da de um morto, /'.e., a influência da sua
memória. O impulso interior do gênio, de S hakespeare , por exemplo, não é
apropriadamente chamado de inspiração.
2. Teoria da Iluminação
Considera a inspiração simplesmente como uma intensificação e elevação
das percepções religiosas do cristão, o mesmo em gênero, apesar de que maior
em grau, com a iluminação de cada crente pelo Espírito Santo. Sustenta não
que a Bíblia é, mas contém a palavra de Deus e que não os escritos, mas os
escritores são inspirados. A iluminação dada pelo Espírito Santo, contudo,
põe o escritor inspirado só em plena posse dos seus poderes normais, mas não
comunica a verdade objetiva além da sua capacidade de descobrir ou entender.
Esta teoria estabelece conexão com os pontos de vista arminianos da
simples cooperação com Deus. Difere da Teoria da Intuição por conter vários
306
A ugustus H opkins Strong
elementos distintivamente cristãos: 1) a influência de um Deus pessoal;
2) uma obra extraordinária do Espírito Santo; 3) o caráter cristológico das
Escrituras, formando uma revelação da qual Cristo é o centro (Ap. 19.10).
Porém, conquanto admita que os escritores da Bíblia foram “movidos pelo
Espírito Santo” (<pepó)i8voi - 2 Pe. 1.21), ignora o fato complementar de que a
própria Escritura é “inspirada por Deus” (0eÓ7tve-uaToç - 2 Tm. 3.16). O ponto
de vista de Lutero assem elha-se a este. Na França, S a b a t ie r , Philos. Religion,
90, assinala: “A inspiração profética é a piedade elevada ao quadrado” - dife­
re da piedade do homem comum só em intensidade e energia.
N a Ing laterra , C o le rid g e p ro p õ e este p o n to de y is ta em sua s C o nfissõ es
de um E sp írito In q u irid o r (O bras, 5.669) - “ o que q u e r que se a ch e em m im dá
te s te m u n h o de que p ro ce d e do E spírito S an to; na B íb lia há m ais que se acha
em m im do q u e eu te n h o e x p e rim e n ta d o nos ou tro s livro s re u n id o s” . [C h a m a ­
rem o s de in sp ira d o o “ R e p o u so d o s S a n to s ” de B a x te r en q u a n to não o c h a ­
m a re m o s os Livros da C rô n ica s? ] Ver ta m b é m F. W. R o be rtso n, Sermon /;
Life and Letters, ca rta 53, vol. 1.270; 2.14 3 -15 0 - “O outro ca m in h o , uns vinte
ou trin ta h o m e n s na h is tó ria do m u n d o tiv e ra m co m u n ic a ç ã o e sp ecial, m ira ­
cu lo sa , v in d a de D eus; so b re este ca m in h o , to d o s p o d e m tê -lo e p o r d e voto e
ávid o c u ltiv o da m en te e do c o ra çã o p o d e m tê -lo a m p lia d o de fo rm a ilim ita ­
d a ” . F re d e ric k W. H. M yers, Thoughts on the Bible and Theology, 10-20, dá
ê n fa se à id é ia de que as E scritu ra s são, nas p rim e ira s pa rte s, não m e ra m e n ­
te in a d e q u a d a s, m as p a rc ia lm e n te in v e ríd ic a s e, s u b s e q ü e n te m e n te s u p e ra ­
da s p o r re ve la çõ e s m ais com p le ta s. O p rin cip a l p e n sa m e n to é o da acomoda­
ção-, o reg istro da re ve la çã o não é n e ce s s a ria m e n te in fa lível. A l l e n , Religious
Progress , 44, c ita o Bispo T h ir lw a ll: “S e e s s e E sp írito a tra vé s do qu al cada
ho m e m fa la d e sde os te m p o s a n tig o s é v iv o e pre se n te , as su a s lições m ais
ta rd ia s bem po de m tra n s c e n d e r as m ais a n tig a s ” ; o c o lo ssa l ho m em de P as­
cal é a raça; os p rim itivo s ho m en s a p e n a s re p re s e n ta m a in fâ ncia; nós som o s
‘o s a n tig o s ’, e so m o s m ais s á b io s qu e os n o sso s pais.
L a d d , em Andover Review, jul 1885, em What is the Bible ? e em Doctrine
of Sacred Scripture, 1.759 - “Grande parte dos seus escritos (de autores nor-
te-americanos) é inspirada; 2.178,275,497 - “essa é a falsa concepção fun­
damental que identifica a Bíblia com a palavra de Deus”; 2.488 - “Inspiração
como condição subjetiva da revelação bíblica e o predicativo da palavra de
Deus é especificamente a mesma iluminadora, vivificadora, engrandecedora
e purificadora obra do Espírito Santo como a que se processa nas pessoas
pertencentes à comunidade que crê”. Por isso, o P r o f . L a d d reduz o predica­
tivo profecia e considera Is. 53, não como direta e unicamente, mas apenas
tipicamente messiânica. C l a r k e , Christian Theology, 35-44 - “Inspiração é
exaltação, é o despertar da capacidade, estímulo do poder espiritual; é a ele­
vação e aumento da capacidade de percepção, compreensão e pronuncia­
mento; e sob a influência de um pensamento, uma verdade, ou um ideal que
dominou a alma. ... A inspiração para escrever não é diferente da influência
comum de Deus sobre o seu povo. ... A desigualdade nas Escrituras é nítida.
... Ainda que estivéssemos convencidos de que algum livro deveria ser omiti­
do do Canon, nossa confiança nas Escrituras não seria, por esta razão, aba­
lada. Não foi o Cânon que fez a Escritura, mas a Escritura que fez o Canon.
A inspiração da Bíblia não prova sua excelência, mas sua excelência prova a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
307
sua inspiração. O Espírito produziu as Escrituras para auxílio da obra de Cris­
to, mas não para ocupar o seu lugar. Com Paulo a Escritura diz: ‘Não que
tenhamos domínio sobre a vossa fé, mas porque somos cooperadores do
vosso gozo; porque pela fé estais em pé’ (2 Co. 1.24)”.
E. G. R o b in s o n : “O ofício do Espírito Santo na inspiração não é diferente
daquele que é exercido em favor dos cristãos na época em que os evange­
lhos foram escritos. ... Quando os profetas dizem: ‘Assim diz o Senhor’, sim­
plesmente estão significando que eles têm autoridade divina naquilo que eles
estão pronunciando”. C a l v in E. S t o w e , History of Books of Bible, 19 - “Não
são as palavras da Bíblia que são inspiradas. Não são os pensamentos da
Bíblia que são inspirados. São os homens que escreveram a Bíblia que o
são”. T h a y e r , Changed Attitude toward the Bible, 63 - “Não foi antes do espí­
rito polêmico se tornar freqüente nas controvérsias que se seguiram à Refor­
ma que a distinção fundamental entre a palavra de Deus e o registro dessa
palavra se tornou obliterada e tornou-se corrente a pestilente tendência de
que a Bíblia é absolutamente livre de cada erro de todo tipo”. P r in c ip a l C a v e ,
em Homiletical Review, fev 1892, admitindo erros na Bíblia, embora nenhum
sério, propõe uma afirmação mediadora para esta controvérsia, a saber, que
a Revelação implica inerrância, mas que a Inspiração não. Tudo o que Deus
revela é verdadeiro, mas muita coisa se tornou inspirada sem se tornar infalível.
Com relação a esta teoria, assinalam os:
d) Inquestionavelm ente Espírito Santo ilum ina a m ente de cada um que crê
e adm itim os que pode ter havido exem plos em que a influência do Espírito na
inspiração acrescentava só a ilum inação.
Algumas aplicações e interpretações da Escritura do Velho Testamento,
como por exemplo, a aplicação de João Batista a Jesus na profecia de Isaías
(Jo. 1.29 - “Eis o Cordeiro de Deus, que tira [rodapé ‘leva’] o pecado do mun­
do”), e a interpretação de Pedro sobre as palavras de Davi (At. 2.27 - “Não
deixarás a minha alma no Hades, nem permitirás que o teu Santo veja a cor­
rupção”), podem apenas ter requerido a influência iluminadora do Espírito
Santo. Há um sentido em que podemos dizer que as Escrituras são apenas
inspiradas para aqueles que em si mesmos são inspirados. O Espírito Santo
deve mostrar-nos Cristo antes de reconhecermos a obra do mesmo Espírito
na Escritura. As doutrinas da expiação e da justificação talvez não precisas­
sem novamente ser reveladas aos escritores do Novo Testamento; a ilumina­
ção relativa às antigas revelações podem ter sido suficientes. Mas provavel­
mente o fato de que Cristo existia antes da sua encarnação e de que há
distinções pessoais em Deus, exigisse revelação. Édison diz que inspiração
é simplesmente perspiração”. O gênio tem sido definido como o “ilimitado
poder de tomar as dores”. Porém, ao invés disso - o poder de fazer esponta­
neamente e sem esforço o que o homem comum faz a duras penas. Todo o
grande gênio reconhece que este poder se deve ao influxo de um Espírito
maior que o seu próprio - o Espírito de divina sabedoria e energia. Os autores
da Escritura atribuem o seu entendimento das coisas divinas ao Espírito Santo.
308
A ugustus H opkins Strong
b) M as negam os que este foi o m étodo constante de inspiração ou que tal
influência pode explicar a revelação da nova verdade dos profetas e dos após­
tolos. A ilum inação do Espírito Santo não dá nenhum a verdade nova, mas só
um a apreensão da verdade já revelada. Q ualquer com unicação original da
verdade deve ter requerido um a obra do E spírito diferente não em grau, mas
em gênero.
As Escrituras distinguem claramente revelação, ou a comunicação de uma
nova verdade, da iluminação, ou o despertar das forças cognitivas para per­
ceber a verdade já revelada. Nenhum aumento na força dos olhos ou do
telescópio fará mais do que aclarar o ponto de vista que já está dentro do seu
nível. A iluminação não levanta o véu que oculta o que está além. Por outro
lado, a revelação é um ‘desvendamento’ - o levantamento de uma cortina, ou
o ato de trazer para dentro ou para o nosso nível o que antes estava escondi­
do. Tal operação especial de Deus é descrita em 2 Sm. 23.2,3 - “O Espírito do
Senhor falou por mim e a sua palavra esteve em minha boca. Disse o Deus de
Israel, a Rocha de Israel a mim falou”; Mt. 10.20 - “Porque não sois vós quem
falará, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós”; 1 Co. 2.9 -13 “As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao cora­
ção do homem são as coisas que Deus preparou para os que o amam, Mas
Deus no-las revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as
coisas, ainda as profundezas de Deus. Porque qual dos homens sabe as
coisas do homem, senão o espírito do homem, que está nele? Assim também
ninguém sabe as coisas de Deus senão o Espírito de Deus. Mas nós não
recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus para
que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus”.
A clarividência e a segunda visão, de que em muitos casos de imposição
e exagero parecem ser um pequeno resíduo de um fato provado, mostram
que pode haver operações extraordinárias das nossas forças naturais. Mas,
no caso do milagre, a inspiração da Escritura necessitava de uma exaltação
de tais forças naturais que só a influência do Espírito Santo pode explicar.
Parece claro que o produto é inexplicável por uma simples iluminação quan­
do nos lembramos de que a revelação às vezes excluía a iluminação quanto
ao sentido daquilo que se comunicava, porque os profetas são representados
em 1 Pe. 1.11 como “indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espí­
rito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofri­
mentos que a Cristo haviam de vir e a glória que se lhes havia de seguir”.
Visto que nenhum grau de iluminação pode explicar a predição das “coisas
que hão de vir” (Jo. 16.13), esta teoria tende à negação de qualquer revela­
ção imediata na assim chamada profecia, e a negação facilmente se estende
a qualquer revelação imediata da doutrina.
c) A sim ples ilum inação não pode resguardar os escritores da B íblia do
freqüente e aflitivo erro. A percepção espiritual do cristão é considerada sem ­
pre, em certa extensão, im perfeita e enganosa por conservar a depravação.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
309
A ssim o elem ento subjetivo predom ina nesta teoria para que não perm aneça
nenhum a certeza com relação à fidedignidade das Escrituras com o um todo.
Conquanto adm mos imperfeições nos pormenores em matéria não
essencial ao ensino moral e religioso da Escritura, reivindicamos que a Bíblia
fornece um norte suficiente rumo a Cristo e à salvação. A teoria que estamos
considerando, contudo, ao fazer da santidade a medida da inspiração, torna
até mesmo o testemunho coletivo dos autores da Escritura um guia incerto
para a verdade. Por isso assinalamos que a inspiração não é de um modo
absoluto limitada pela condição moral dos que são inspirados. No cristão, o
conhecimento pode ir além da conduta. Balaão e Caifás não eram homens
santos, contudo foram inspirados (Nm. 23.5; Jo. 11.49-52). A promessa do
Messias assegurava ao menos a fidedignidade essencial do seu testemunho
(Mt. 10.7,19,20; Jo. 14.26; 15.26,27; 16.13; 17.8). Esta teoria de que a inspira­
ção é uma comunicação da verdade totalmente subjetiva leva à rejeição prá­
tica de importantes partes da Escritura, pelo fato da rejeição de toda a Escri­
tura que pro fessa conter a verdad e além do poder de descoberta e
entendimento do homem. Note o progresso de T h o m a s A r n o l d (Sermons 2.1.5)
a M a t t h e w A r n o l d (Literature and Dogma, 134, 137). Note também a rejeição
de S w e d e n b o r g de quase metade da Bíblia (Rute, Crônicas, Esdras, Neemias,
Ester, Jó, Provérbios, Eclesiastes, Cânticos dos Cânticos e todo o Novo Tes­
tamento exceto os evangelhos e o Apocalipse), em conexão com a autorida­
de divina para esta nova revelação. “Todos os seus interlocutores ‘swedenborgam’” (R. W. Emerson).
d)
E sta teoria é logicam ente indefensável insinuando que a ilum inação
relativa à verdade pode ser concedida sem conceder a própria verdade enquanto
Deus deve prim eiro fornecer a verdade objetiva a ser percebida antes que ele
possa ilum inar a m ente para perceber o sentido da verdade.
A teoria assemelha-se aos pontos de vista de que a preservação é uma
contínua criação; conhecimento é reconhecimento; regeneração é o aumento
de luz. Para que haja preservação, deve-se primeiro criar algo que possa ser
preservado; para que haja reconhecimento, algo deve ser reconhecido ou
conhecido outra vez; para que haja aumento de luz em qualquer emprego, é
preciso que haja primeiro a capacidade de ver. De igual modo, a inspiração
não pode ser mera iluminação porque o exterior necessariamente precede o
interior, o objetivo precede o subjetivo, a verdade revelada precede a apreen­
são daquela verdade. Caso a verdade ultrapasse a capacidade humana nor­
mal de perceber ou evoluir, deve haver uma comunicação especial da parte de
Deus; a revelação deve anteceder a inspiração; a inspiração sozinha não é
revelação. Não importa se a comunicação da verdade vem de fora ou de den­
tro. Como na criação, Deus pode operar a partir de dentro, embora o novo
resultado não seja explicado como simples reprodução do passado. O olho não
pode ver apenas quando recebe e utiliza a luz externa fornecida pelo sol, ape­
sar de que também é verdade que sem o olho não adiantaria haver a luz do sol.
310
A ugustus H opkins Strong
P f l e id e r e r , Grundriss, 17-19, diz que, para Schleiermacher, revelação é o
aparecimento originaWe uma vida religiosa apropriada; a vida não deriva da
comunicação exterior, nem da invenção ou reflexão, mas de uma concessão
divina, que não pode ser considerada como uma influência meramente ins­
trutiva ao homem, mas como dotação determinando toda a sua existência
pessoal - dotação análoga às mais elevadas condições de exaltação poética
e heróica. O próprio P f l e id e r e r dá o nome de “revelação” a “cada experiência
original de que o homem se torna ciente e à qual ele se apega; verdade
supra-sensível, que não vem de concessão exterior nem de uma reflexão
proposta, mas de uma base transcendental consciente e indivisível e, deste
modo, recebida como um dom de Deus por meio da atividade da Alma huma­
na”. K a f t a n , Dogmatik, 51 sgte. - “Devemos pôr a concepção da revelação no
lugar da inspiração. A Escritura não é o registro da revelação divina. Não
propomos nenhuma doutrina nova sobre a inspiração, em lugar da velha.
Necessitamos apenas de revelação e, aqui e ali, da providência. Dá-se o
testemunho do Espírito Santo, não para inspiração, mas para revelação verdades que tocam o espírito humano e têm sido historicamente reveladas”.
A l l e n , Jonathan Edwards, 182 - Edwards sustentava que Deus dá a vida
espiritual na alma só aos seus filhos queridos e preferidos, enquanto a inspi­
ração pode ser lançada fora como se fosse aos cães e aos porcos - Balaão,
Saul, Judas. O maior privilégio dos apóstolos e profetas não é a sua inspira­
ção, mas a sua santidade. Ter graça no coração é melhor do que ser a mãe de
Cristo (Lc. 11.27,28). M a lt b ie D. B a b c o c k , em S. S. Times, 1901.590 - “O homem
que lamenta porque não se pode obter a infalibilidade na igreja, ou num guia,
ou num conjunto de padrões, não sabe quando ele se sente bem fora. Como
poderia Deus desenvolver as nossas mentes, a nossa capacidade de julga­
mento moral, se não houvesse nenhum ‘espírito para ser tentado (1 Jo. 4.1),
nem necessidade de discriminação, nem disciplina a ser seguida e desafio e
escolha? Dar a resposta correta a um problema é pôr o homem do lado da
infalibilidade relativa à resposta, mas isto eqüivale a fazê-lo um erro inefável
sobre a sua verdadeira educação. A bênção da escola da vida não está em
conhecer a resposta correta, mas em desenvolver a força por meio da luta”.
Por que J o h n H e n r y N e w m a n rendeu-se à Igreja de Roma? Porque ele
supunha que uma autoridade externa é absolutamente essencial à religião e,
quando se segue tal suposição, Roma é o único fim lógico. “O dogma”, diz
ele, “é o princípio fundamental da minha religião”. O ritualismo moderno é uma
volta à noção medieval. “O cristianismo dogmático”, diz H a r n a c k , “é Católico.
Ele necessita de uma Bíblia inerrante e de uma igreja infalível que interprete
essa Bíblia. O protestante dogmático está no mesmo campo que o católico
sacramental e infalível”. L y m a n A b b o t t : “ A nova Reforma nega a infalibilida­
de da igreja. Não há autoridade infalível. A autoridade infalível é indesejável.
... Deus nos deu algo bem melhor, a vida. ... A Bíblia é o registro da manifes­
tação gradual de Deus ao homem na experiência humana, nas leis morais e
suas aplicações e na vida daquele que é o Deus manifesto em carne”.
L e ig h t o n W il l ia m s : “Não há inspiração alguma independente da experiên­
cia. Os batistas não são sacramentais, nem estão presos a credos, mas são
cristãos por experiência” - não romanistas, nem protestantes, mas crêem
numa luz interior. “À medida em que a vida se desenvolve, ela se desperta na
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
311
consciência própria. Esta se torna a mais confiável testemunha quanto à
natureza da vida da qual ela é um desenvolvimento. Dentro dos limites da sua
própria esfera, sua autoridade é suprema. A profecia é o pronunciamento da
alma em momentos de profunda experiência religiosa. A inspiração dos auto­
res da Escritura não é uma coisa peculiar; é dada para que a inspiração pos­
sa ser perfeita naqueles que lerem os seus escritos”. Cristo é a única auto­
ridade final e revela-se de três modos: através da Escritura, da Razão, e
da Igreja. Só a Vida salva, o Caminho conduz através da Verdade à Vida.
Os batistas estão mais perto do sistema episcopal de vida do que do sistema
presbiteriano de credo. W h it o n , Gloria Patri, 136 - “O erro está em olhar para
o Pai acima do mundo ao invés de olhar para o Filho e para o Espírito dentro
do mundo como a fonte imediata da revelação. ... A revelação é o desdobra­
mento da vida e do pensamento de Deus dentro do mundo. Não se deve estar
perturbado ao achar imperfeições em qualquer obra física de Deus, como
achá-la no olho humano”.
3. Teoria do Ditado
E sta teoria sustenta que a inspiração consistiu em o Espírito Santo possuir
as m entes e corpos dos escritores da B íblia, para que eles se tom em instru­
m entos passivos ou am anuenses - a pena e não o calígrafo de Deus.
Esta teoria naturalmente tem conexão com o ponto de vista dos milagres
que os considera como suspensão ou violação da lei natural. D o r n e r , Glaubenslehre, 1.624 o chama de “ponto de vista docético de inspiração. Defende
a abolição das causas secundárias e a perfeita passividade do instrumento
humano; nega qualquer inspiração de pessoas e defende a inspiração só dos
escritos. Este exagero do elemento divino conduziu à hipótese de um sentido
divino multiforme na Escritura e, ao atribuir o sentido espiritual, um espírito
racionalista dirigiu o caminho”. Representam este ponto de vista Q u e n s t e d t ,
Theol. Didact., 1.76 - “O Espírito Santo inspirou seus amanuenses com as
expressões que eles teriam empregado, se eles tivessem sido deixados livres
para escrever como quisessem ”; Works, 2.383 - “Eles nunca falaram ou
escreveram de si mesmos uma palavra, mas proferiram sílaba por sílaba o
que o Espírito pôs nas suas bocas”; G a u s s e n , Teopneustia, 61 - “A Bíblia não
é um livro cuja feitura Deus incumbiu os homens já iluminados sob a sua
proteção; é um livro que Deus lhes ditou”; C u n n in g h a m , Theol. Lectures, 349 “A inspiração verbal das Escrituras [que ele defende] implica em geral que as
palavras da Escritura foram sugeridas ou ditadas pelo Espírito Santo, assim
como a substância da matéria, e isto não só em algumas porções das Escri­
turas, mas na sua totalidade”. Isto lembra a velha teoria de que Deus criou os
fósseis nas rochas quando nem ainda os antigos mares existiam.
S a n d a y , Bampton Lect. sobre a Inspiração, 74, cita Filo dizendo: “O profeta
não produz nada de si próprio, mas age como intérprete ao soprar para um
outro todos os seus pronunciamentos e até quando, sob a inspiração, ele
está na ignorância; sua razão, afastando do seu lugar, dominando a cidadela
A ugustus H opkins Strong
312
da alma, quartdo-o Espírito divino penetra nela e nela habita e afeta o meca­
nismo da voz, soando através dela a nítida declaração do que ele profetiza”;
em Gn. 15 .12 - “E, pondo-se o sol, um profundo sono caiu sobre Abraão” - o
sol é a luz da razão humana que se põe e dá lugar ao Espírito de Deus.
S anday, 78, também diz: “J osefo sustenta que até mesmo as narrativas histó­
ricas como as do começo do Pentateuco, que foram escritas por profetas
contemporâneos obtiveram-se graças à inspiração direta de Deus. Os judeus,
desde o seu nascimento, consideram a sua Escritura como ‘os decretos de
Deus’, aos quais eles obedecem estritamente, e em cujo favor morreriam, se
necessário”. Os rabinos diziam que “Moisés não escreveu uma palavra tirada
do seu próprio conhecimento”.
Os reformadores defendiam um ponto de vista muito mais livre do que
este. Lutero dizia: “O que não leva consigo a pessoa de Cristo não é apostó­
lico, embora Pedro ou Paulo o ensinasse. S e os nossos adversários se afas­
tarem da Escritura em oposição a Cristo, nós nos oporemos à Escritura em
favor de Cristo”. Lutero recusava a autoridade canônica dos livros que não
foram escritos ou compostos, na verdade, por apóstolos, como Marcos e
Lucas, sob a direção deles. Assim ele rejeitava do rol da autoridade canônica
os livros de Hebreus, Tiago, Judas, 2 Pedro e Apocalipse. Até Calvino duvida­
va da autoria de Pedro à segunda carta, que leva o seu nome; excluía da
Escritura o livro de Apocalipse sobre o qual ele escreveu Comentários e, do
mesmo modo ignorou a segunda e terceira epístolas de João. A teoria ditado
é posteriorà Reforma. H.P. Smith, Bib. ScholarshipandInspiration, 8 5 - “Após
o Concilio de Trento, a polêmica Católica Romana tornou-se mais acirrada.
Aquele partido empenhou-se em mostrar a necessidade da tradição e não
confiar apenas na Escritura. Isto levou os protestantes a defender a Bíblia
com mais tenacidade que antes”. A Fórmula Suíça do Consenso, em 1675,
não só chamou as Escrituras “a palavra do próprio Deus”, mas declarou a
pontuação hebraica das vogais como inspirada e alguns teólogos remon­
tam isso a Adão. J ohn O wen defendia a inspiração da pontuação das vogais.
Sobre a era que produziu a teologia dogmática protestante, Charles Beard,
Hibbert Lectures, 1883, diz: “Não conheço nenhuma época do Cristianismo a
que eu pudesse mais confiadamente assinalar na ilustração do fato de que,
onde não há teologia, há menos religião”.
Sobre este ponto de vista assinalam os:
A dm itim os que há exem plos quando as com unicações de Deus eram
proferidas em voz audível ou tom avam form a definida de palavras e que isto,
às vezes, era acom panhado da ordem de escrevê-las.
a)
Como exemplos, veja Ex. 3.4 - “bradou Deus a ele do meio da sarça e
disse: Moisés! Moisés!” 20.22 - “Vós tendes visto que eu falei convosco des­
de os céus”; cf. Hb. 12 .19 - “a voz das palavras, a qual, os que a ouviram
pediram que se lhes não falasse mais”; Nm. 7.89 - “E, quando Moisés entra­
va na tenda da congregação para falar com o Senhor, ouvia a voz que lhe
falava de cima do propiciatório, que está sobre a arca do Testemunho entre
os dois querubins; assim com ele falava”; 8.1 - “E falou o Senhor a Moisés,
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
313
dizendo”; Dn^4.31 - “Ainda estava a palavra na boca do rei, quando caiu uma
voz do céu: A ti se diz, ó rei Nabucodonosor: Passou de ti o reino”; At. 9.5 “E ele disse: Quem és, Senhor? E disse o Senhor: Eu sou Jesus a quem tu
persegues"; Ap. 19.9 - “E disse-me: Escreve: Bem-aventurados aqueles que
são chamados à ceia das bodas do Cordeiro”; 2 1.5 - “E o que estava assen­
tado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas”; cf. 1.10,11 - “e
ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta, que dizia: O que vês,
escreve-o num livro e envia-o às sete igrejas”. Do mesmo modo a voz vinda
do céu no batismo e na transfiguração de Jesus (Mt. 3.17 e 17.5 verBroadus,
nas páginas em loco).
b) A teoria em questão, contudo, apoia-se em um a indução parcial de fatos
da Escritura, sem garantia, adm itindo que tais exem plos ocasionais de ditado
direto revelam o m étodo invariável das com unicações da verdade de Deus aos
escritores da Bíblia.
Em lugar nenhum a Escritura declara que a comunicação das palavras é
universal. Em 1 Co. 2 .13 —o ò k èv SiSccktoTç àvGpcoiúvriç cocpíaç Àóyoiç, a k X èv
SiSaK T oíç itv e fy ia to ç , texto citado como prova de invariável ditado - M e y e r diz:
“aqui não há ditado; SiSaK-coiç exclui todo o elemento mecânico”. H e n d e rs o n ,
Inspiration, 333.349 - “Como a sabedoria humana não dita palavra por pala­
vra, assim também acontece com o Espírito”. Paulo reivindica para a Escritu­
ra um estilo geral de clareza que se deve à influência do Espírito. M a n ly :
“Ditado para o amanuense não é ensino”. A nossa Versão Revista (norteamericana) apropriadamente traduz o resto do verso, 1 Co. 2.13 - “combi­
nando as coisas espirituais com as obras espirituais”.
c ) N ão pode explicar o elem ento m anifestam ente hum ano nas Escrituras.
H á peculiaridades de estilo que distinguem as produções de cada escritor das
de outro e há variações nos relatos do m esm o trecho que são inconsistentes
com a teoria de um a autoria exclusivam ente divina.
Note o anacoluto de Paulo e as suas explosões de pesar e indignação
(Rm. 5.12 sq., 2 Co. 11.1 sq.) e seu desconhecimento do número preciso de
quem ele batizou (1 Co. 1.16). Um ou dois pedintes (Mt. 20.30; cf. Lc. 18.35);
“uns vinte e cinco ou trinta estádios” (Jo. 6.19); “derramado por muitos”
(Mt. 26.28 tem jtepí, Mc. e Lc. tem úitép). Ditado de palavras que imediata­
mente se perderiam por causa da transcrição imperfeita? C l a r k e , Christian
Theology, 33-37 - “Não temos obrigação nenhuma de sustentar a inerrância
completa das Escrituras. Nelas temos a completa liberdade da vida em vez
da extraordinária precisão da afirmativa ou exatidão de pormenor. Nós nos
tornamos cristãos não obstante as diferenças entre os evangelistas. As Escri­
turas são variadas, progressivas, livres. Não há autoridade na Escritura para
a aplicação da palavra ‘inspirada’ à nossa atual Bíblia como um todo e a
teologia não está escravizada à utilização desta palavra na definição das
A ugustus H opkins Strong
314
Escrituras. O cristianismo se fundamenta na história e permanecerá quer as
Escrituras sejam inspiradas quer não. S e a inspiração especial fosse total­
mente desaprovada, Cristo ainda seria o Salvador do mundo. Mas o elemento
divino nas Escrituras nunca será desaprovado”.
d)
É inconsistente com um a sábia econom ia de m eios supor que os escrito­
res da B íblia teriam ditado a eles o que eles já sabiam ou o de que eles podiam
inform ar-se com a utilização de recursos naturais.
Por que, afinal de contas, empregar testemunha ocular? Por que não ditar
os evangelhos aos gentios que viveram há milhares de anos? Deus respeita
os instrumentos que ele chamou e os usa segundo os seus dons constitucio­
nais. G e o r g e E l io t representa o Stradivarius dizendo: - S e a minha mão
enfraquecesse, eu roubaria Deus - visto que ele é o mais completo bem deixando um branco em lugar dos violinos, Deus não pode fazer os violinos
de Antônio Stradivarius, sem o Antônio. Mc. 11.3 - “o Senhor precisa dele”,
pode aplicar-se tanto ao homem como ao animal.
é) C ontradiz o que sabem os d a lei da operação de D eus n a alma. Quanto
m ais elevadas e m ais nobres as com unicações de Deus, m ais plenam ente o
hom em está de posse e uso das suas próprias faculdades. Não podem os supor
que esta m ais elevada obra do hom em sob a influência do Espírito fosse pura­
m ente m ecânica.
Jo sé recebe a comunicação através de uma visão (Mt. 1.20); Maria atra­
vés das palavras de um anjo proferidas quando estava acordando (Lc. 1.28).
Quanto mais avançado for o receptor, mais consciente é a comunicação.
Estas quatro teorias quase podiam ser chamadas de: pelagiana, arminiana,
docético, e dinâmica. S a b a t ie r , Philos. Religion, 41, 42, 87 - “No Evangelho
dos Hebreus, o Pai diz no batismo de Jesus: ‘Meu Filho, em todos os profetas
eu estava aguardando por ti, para que tu pudesses vir, e para que eu pudesse
repousar em ti. Porque tu és o meu Repouso’. A inspiração se torna cada vez
mais interior até que em Cristo seja contínua e completa. Com base no opos­
to ponto de vista docético, a mais perfeita inspiração deve ter sido a da besta
de Balaão”. S e m l e r representa o ponto de vista pelagiano ou ebionita, como
Q u e n s t e d t representa o seu docético. S e m l e r fixa o local e o tempo do conteú­
do da Escritura. Contudo, embora ele leve isto ao extremo de excluir qualquer
autoria divina, presta um bom serviço ao encaminhar o estudo da Bíblia.
4. Teoria da Dinâmica
Este ponto de vista verdadeiro, em oposição à prim eira destas teorias, sus­
ten ta que a inspiração não é sim plesm ente um fato natural, m as tam bém
sobrenatural e que é obra im ediata de um D eus pessoal na alm a do homem.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
315
E m oposição à segunda, sustenta que a inspiração pertence não só ao
hom em que escreveu a Bíblia, m as à B íblia que ele escreveu, de modo que,
tom ada em seu conjunto, constitui um registro da revelação divina confiável e
suficiente.
Em oposição à terceira teoria, sustenta que as Escrituras contém um ele­
m ento hum ano assim com o um divino, de m odo que, enquanto apresentam um
conjunto de verdades reveladas, estas são form adas em m oldes hum anos e
adaptadas à inteligência hum ana com um .
E m resum o, a inspiração nem é caracteristicam ente natural, parcial, nem
m ecânica, m as sobrenatural, plena e dinâm ica. Sob o tópico União dos EleTTitTi\üs ^òrvYno rc Wirmano n a Inspiração, agrupar-se-ao m ais explicações na
seção que se segue im ediatam ente.
S e o círculo pequeno for tomado como símbolo do elemento humano na
inspiração e o círculo grande como símbolo do divino, a Teoria da Intuição
será representada só pelo círculo pequeno; a Teoria do Ditado só pelo círculo
grande; a Teoria da Iluminação pelo círculo pequeno exterior ao grande,
tocando-o só num ponto; a Teoria Dinâmica por dois círculos concêntricos,
incluindo o pequeno no grande. Mesmo quando a inspiração é apenas a exal­
tação e intensificação das forças naturais do homem, deve ser considerada
como obra de Deus assim como do homem. Deus pode operar tanto a partir
de dentro como de fora. Como a criação e a regeneração é obra do Deus
imanente ao invés do transcendente, do mesmo modo a inspiração em geral
do íntimo da alma do homem ao invés da parte exterior. A profecia pode ser
natural à humanidade perfeita. A revelação é o desvendamento e o Raio X
nos capacita a ver através de um véu. Mas o discernimento dos autores da
Escritura para com a verdade além das suas forças mentais e morais é inex­
plicável a não ser por uma influência sobrenatural na mente deles; a saber: se
eles não forem elevados à Razão divina e dotados da sabedoria de Deus.
Conquanto proponhamos esta Teoria Dinâmica como a que melhor expli­
ca os fatos da Escritura, não a consideramos, assim como as outras, como de
importância essencial. Nenhuma teoria da inspiração é necessária à fé cristã.
A revelação precede a inspiração. Havia religião antes do Velho Testamento
e um evangelho oral antes do Novo. Deus podia revelar-se sem o registro;
podia permitir o registro sem o atestado de algo mais que o ensino religioso e
da história; apenas ela era necessária ao referido ensino religioso. Qualquer
que seja a teoria que estruturamos, resultará de uma estrita indução dos fatos
da Escritura e não um esquema a priori com o qual a Escritura deve conformar-se. A falta de muitas discussões passadas sobre o assunto supõe que
Deus deve adotar algum método particular de inspiração ou garantir uma per­
feição absoluta dos pormenores em matéria não essencial ao ensino religio­
so da Escritura. Talvez a melhor teoria da inspiração seja não ter nenhuma.
W a r f ie l d e H o d g e , Inspiration, 8 - “É importante estabelecer muitíssimas
verdades religiosas e históricas antes de entrarmos na questão da inspira­
ção; p.ex., o ser divino e o seu governo, a condição do homem decaído, o fato
316
A ugustus H opkins Strong
de um esquema redentor, a verdade geral histórica das Escrituras e a valida­
de e autoridade da revelação da vontade de Deus que elas contêm, /'.e., a
verdade geral do cristianismo e suas doutrinas. Por isso, segue-se que, con­
quanto a inspiração das Escrituras seja verdadeira e, assim sendo, é um prin­
cípio fundamental da interpretação adequada da Escritura, não é, em primei­
ra instância, um princípio fundamental da religião cristã”. W a r f ie l d , em Presb.
andRef. Rev. abr, 18 9 3 .2 0 8 - “Não achamos o sistema cristão todo na doutri­
na da inspiração. ... S e não houvesse esta coisa que se chama inspiração, o
cristianismo seria verdadeiro e todas as suas doutrinas essenciais nos seri­
am testemunhadas de uma forma digna de crédito” - nos evangelhos e na
igreja viva. F. L. P a t t o n , Inspiration, 22 - “Devo fazer uma exceção à disposi­
ção que alguns têm de arriscar as fortunas do cristianismo na doutrina da
inspiração. Não que eu concorde com qualquer um em qualquer convicção
profunda da verdade e importância da doutrina. Mas é natural ter em mente a
imensa vantagem do argumento que o cristianismo tem também a partir da
inspiração dos documentos nos quais ela se apoia”.
IV. U N IÃO D O S E LE M E N T O S D IV IN O E H U M AN O N A IN SPI­
RAÇÃO
1.
As Escrituras são igualm ente a produção de D eus e do hom em e, portan­
to, nunca devem ser consideradas com o sim plesm ente hum anas, ou sim ples­
m ente divinas.
O m istério da inspiração não consiste separadam ente em nenhum destes
term os, m as n a união dos dois. C ontudo, disto há analogias na interpenetração
dos poderes hum anos pela eficiência divina na regeneração e santificação e na
união das naturezas divina e hum ana na pessoa de Jesus Cristo.
Segundo a “lei de Dalton”, cada gás é um vácuo para cada um dos outros:
“Os gases são reciprocamente passivos e passam entre si como em vácuo”.
Cada um interpenetra no outro. Porém isto não fornece uma ilustração perfei­
ta do nosso assunto. O átomo do oxigênio e o átomo do nitrogênio, no ar
comum, permanecem lado a lado, mas não se unem. Na inspiração, os ele­
mentos humano e divino se unem. A máxima de L u t e r o “Mens humana capax
divinae” (A mente humana está contida na divina), é um dos mais importantes
princípios de uma verdadeira teologia. “Os luteranos pensam que a humani­
dade é algo feito por Deus para eie mesmo e para recebê-lo. Os reformados
pensam na divindade como sempre preservando-se de qualquer confusão
com a criatura. Eles temem o panteísmo e a idolatria” ( B is p o d e S a l is b u r y ,
citado em S w a y n e , Our Lord’s Knowlegde, xx).
S a b a t ie r , Philos. Religion, 66 - “Esse mistério inicial, a relação em nossa
consciência entre o elemento individual e o universal, entre o finito e o infinito,
entre Deus e o homem, como podemos entender a coexistência e a união
deles e como podemos sentir dúvida disso? Onde está o homem pensante
que hoje não quebrou a fina crosta da sua vida diária e não captou um vislum-
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
317
óre daqueías profundas e obscuras águas em que fíutu a a nossa consciên­
cia? Quem não sentiu dentro de si uma presença velada e uma força muito
maior do que a sua própria? Que trabalhador em uma elevada causa não
percebeu dentro da sua atividade pessoal e saudou com um sentimento de
veneração a misteriosa atividade de uma Força universal e eterna? ‘In Deo
vivimus, movemur et sumus’ (Em Deus vivemos, movemo-nos e existimos)....
Não se pode dissipar o mistério porque, sem ele, a religião não mais existiria”.
Q u a c k e n b o s , Harper's Magazine , jul. 1900.264, diz que “a sugestão hipnótica
é apenas inspiração”. A analogia da influência humana assim comunicada
pode ao menos ajudar-nos a entender um pouco da divina.
2.
Não se deve conceber esta união dos agentes divino e hum ano na inspi­
ração com o conceito e recebim ento externos.
P or outro lado, os que D eus levantou e providencialm ente qualificou para
a realização da sua obra, falaram e escreveram as palavras de Deus, quando
inspirados, não de fora, m as de dentro, não passivam ente, porém na m ais cons­
ciente posse e no m ais elevado exercício de seus próprios poderes do intelec­
to, sentim ento e vontade.
O Espírito Santo não habita no homem como a água num vaso. Podemos
ilustrar a experiência dos autores da Escritura através da experiência do pre­
gador que, sob a influência do Espírito de Deus, é levado além de si mesmo e
está consciente de uma apreensão mais nítida da verdade e da grande capa­
cidade de proferi-la do que pertencer à sua desauxiliada natureza, embora
reconheça que ele não pode ser um veículo de uma comunicação divina, mas
estar, como nunca antes, na posse e exercício de suas próprias forças.
A inspiração dos escritores da Bíblia, contudo, vai além da iluminação admi­
tida pelo pregador que os capacita a estabelecer a verdade sem erro, na
forma escrita permanente. Contudo, a inspiração é mais do que preparação
providencial. Como os milagres, a inspiração pode valer-se das forças natu­
rais, mas tais forças naturais não a explicam. Moisés, Davi, Paulo e João
foram providencialmente dotados e educados para a sua obra de produzir a
Escritura, porém isto em si não é inspiração, mas a preparação para ela.
B e y s c h l a g : “Com João, a lembrança e a exposição tornaram-se insepará­
veis”. E. G. R o b in s o n : “Os novelistas não criam personagens; eles reprodu­
zem, com modificações, o material representado à sua memória. Do mesmo
modo os apóstolos reproduziam as suas im pressões de Cristo”. Hutton,
Essays, 2.231 - “Os salmistas vacilam entre a primeira e a terceira pessoas
quando expressam os propósitos de Deus. Ao se aquecerem com a inspira­
ção espiritual eles se perdem na pessoa do Deus que os inspira e depois
voltam-se outra vez ao que eram”. S t a n l e y , Life and Letters, 1.380 - “A reve­
lação não se resolve num simples processo humano porque somos capazes
de distinguir a atuação natural através da qual ela foi comunicada”; 2.102 “Parece-me que você transfere muito as nossas noções modernas da origem
divina a estes antigos profetas e escritores e chefes. ... A nossa, ou melhor, a
moderna noção puritana da origem divina é a de uma força ou voz preterna-
318
A ugustus H opkins Strong
tural, pondo de lado os agentes secundários e separados de tais agentes por
um abismo Introdansponível. A noção bíblica oriental antiga é a de uma von­
tade suprema atuante através de tais agentes, ou melhor, inseparável deles.
Nossas noções de inspiração e comunicação divina insistem na perfeição
absoluta dos fatos, da moral, da doutrina. A noção bíblica é que a inspiração
é compatível com a fraqueza, a enfermidade, a contradição. L a d d , Philosophy
of Mind, 182 - “Na inspiração, os pensamentos, sentimentos, propósitos
organizam-se num outro Ser que não é o eu no qual eles mesmos nasceram.
Esse outro Ser está neles. Estes entram em comunhão com ele. Entretanto,
este pode ser sobrenatural, embora se empreguem os recursos psicológicos.
Inspiração exterior, afinal de contas, não é inspiração”. Contudo, esta última
sentença parece-nos um desnecessário exagero do princípio verdadeiro.
Conquanto Deus inspire originariamente a partir de dentro, ele pode também
comunicar a verdade a partir de fora.
3.
Portanto, a inspiração não rem oveu, m as investiu para o seu próprio
serviço todas as peculiaridades pessoais dos escritores com todos os seus
defeitos de cultura e estilo literário.
Toda a im perfeição não inconsistente com a verdade na com posição hum a­
na pode existir na E scritura inspirada. A B íblia é a P alavra de Deus no sentido
de que ela nos apresenta a verdade divina nas form as hum anas e é um a revela­
ção não para um a classe seleta, m as para a m ente com um . C orretam ente
entendida, esta própria hum anidade da B íblia é prova da sua divindade.
L o c k e : “Quando Deus fez o profeta, não desfez o homem”. P r o f . D a y :
“A sarça em que Deus apareceu a Moisés continuou sendo sarça, embora
ainda queimasse com o brilho e a expressão da majestade da mente de Deus”.
Os parágrafos do Corão são chamados ayat, ou “sinal”, por causa da sua
suposta elegância sobrenatural. Mas as elegantes produções literárias não
tocam o coração. A Bíblia não é simplesmente a palavra de Deus; é também
o verbo que se fez carne. O Espírito Santo oculta-se a si mesmo para poder
apresentar Cristo (Jo. 3.8); ele é conhecido apenas pelos seus efeitos - um
padrão para os pregadores, que são ministros do Espírito (2 Co. 3.6).
O m a o m e ta n o d e c la ra q u e c a d a p a la v ra do C o rã o ve io do sé tim o céu pela
a tu a çã o de G ab riel e que o seu p ró p rio p ro n u n c ia m e n to é in sp ira d o . M e lh o r é
a d o u trin a de M artineau, Seat of Authoríty, 289 - “ E m b o ra o p a d rã o seja d iv i­
no, a te ia que o su s te n ta a in d a d e ve s e r h u m a n a ” . J a c k s o n , James Martineau,
255 - “ N ão se de ve p e rm itir que a m e tá fo ra de P au lo so b re ‘esse te so u ro em
va so s de b a rro ’ (2 Co. 4.7) se ja o seu guia; não b a sta a p e n a s que o te so u ro
v e n h a do alto, m as ta m b é m , do m e sm o m odo, o e scrín io e que s e ja do cristal
ce le ste . É p re ciso s e r o reg istro divino , não só no esp írito , m as tam bé m na
le tra ” . C h a rle s H o d g e , Sistematic Theology, 1.15 7 - “Q u a n d o D eus ord en a
qu e a b o ca d a s cria n ça s louvem , elas d e ve m fa la r com o cria n ça s, ou perders e -á to d a a fo rç a ou b e le za trib u ta d a ” .
E v a n s , Bib. Scholarship and Inspiration, 16,25 - “O nve^iaa de um vento
morto nunca muda, como pensavam os antigos rabinos, em 7ive0|^a de um
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
319
espírito vivo. Os corvos que alimentaram Elias não eram mais que um pássa­
ro. Nem o homem, quando sobrenaturalmente influenciado, deixa de ser um
homem. Um homem inspirado não é Deus, nem um autômato divinamente
manipulado”; “Na Escritura pode haver tanta imperfeição como nas partes de
qua\c\uet orçjarúsmo; seó a consistente com a perfeWa adapteção de \a\ orga­
nismo ao fim a que se destina. Então, a Escritura, tomada no seu conjunto, é
uma afirmação da verdade moral e religiosa suficiente para a salvação dos
homens, ou uma regra infalível e suficiente de fé e prática”. J. S. W rig h tn o u r :
“Inspira meios para Intrododuzir o ar, como o flautista sopra o seu instrumen­
to. Como diferentes flautas têm diferentes formas, peculiaridades, o que
pareceriam ser defeitos, aqui também ocorre o mesmo; contudo, todos são
soprados pelo mesmo Espírito. O mesmo Espírito que os inspirou selecionou
os instrumentos melhores para o seu propósito, do mesmo modo que o Sal­
vador selecionou seus apóstolos. Por isso, nestes escritos, nos é dado de
forma precisa, o melhor caminho para nós: a instrução espiritual e o alimento
de que necessitamos. O alimento para o corpo não é dado na mais concen­
trada forma, porém na que mais se adapta à digestão. Do mesmo modo Deus
dá o ouro, não em moeda cunhada, mas no quartzo da mina de onde deve ser
cavado e fundido”. Os restos de A r t h u r H a lla m , em John Browrís Rabe and
his Friends, 2 7 4 - “Vejo que a Bíblia é adequada a cada parte do coração
humano. Eu sou um ser humano e creio que ele é o livro de Deus porque é o
livro do homem”.
4.
N a inspiração D eus se vale de todos m étodos corretos e norm ais da
: im posição literária.
Com o reconhecem os na literatura a função própria da história, da poesia, e
i a ficção; da profecia, da parábola e do dram a; da personificação e do provér­
bio; da alegoria e da instrução dogm ática; e m esm o do m ito e da lenda; não
podem os negar a possibilidade de D eus usar qualquer destes m étodos da ver­
dade com unicante, deixando que determ inem os em qualquer simples caso qual
iestes m étodos ele adotou.
Na inspiração, como na regeneração e na santificação, Deus opera “de
muitas maneiras” (Hb. 1.1). As Escrituras, como os livros da literatura secular,
devem ser interpretadas à luz do seu propósito. A poesia não pode ser trata­
da como a prosa, e a parábola não pode ser tratada de qualquer forma (em
Inglês “andar de quatro”), quando ela indica o caminhar ereto e o simples
contar uma história. O drama não é história, nem a personificação deve ser
considerada como uma biografia. Há um exagero retórico que apenas tem em
vista uma vivida ênfase de uma importante verdade. A alegoria é um modo
popular de fazer ilustração. Mesmo o mito e a lenda podem trazer grandes
lições de outra forma impossíveis que mentes infantis e sem instrução apre­
endam. Para julgarmos a Escritura há necessidade de um senso literário, o
que falta na crítica muito hostil.
D enney , Studies in Theology, 21 8 - “Há um estágio em que todo o conteú­
do da mente, embora não tendo capacidade para a ciência e para a história,
320
Augustus H opkins Strong
pode ser chamado mitológico. O que a crítica nos mostra, ao tratar dos capí­
tulos iniciais de Gênesis, é que Deus não menospreza o falar à mente, nem
através dela, mesmo quando num estágio inferior. Até mesmo o mito, no qual
o início da vida humana, estando além da possibilidade de pesquisa, é repre­
sentado numa linguagem infantil da raça, pode tornar-se um recurso da reve­
lação. ... Mas isso não faz do primeiro capítulo de Gênesis ciência, nem tam­
bém do terceiro capítulo história. E a autoridade nestes capítulos não é a
forma semi-científica ou semi-histórica, mas a mensagem que através deles
vem, da sabedoria e força criativas de Deus, ao coração do homem”. G o r e ,
em Lux Mundi, 356 - “Os variados tipos de atividade mental e literária desen­
volvem-se em suas diferentes linhas a partir de uma condição primitiva na
qual não se diferenciam, mas fundem-se. Podemos chamar vagamente isto
de estágio mítico da evolução mental. Mito não é falsidade; é um produto da
atividade mental, instrutivo como mais tarde qualquer outra produção, mas
carateriza-se por não ser distinta da história, da poesia e da filosofia”.
Do mesmo modo G rote chama de mitos gregos o grupo intelectual todo da
época a que pertenciam - a raiz comum de toda história, poesia, filosofia,
teologia, de que mais tarde divergiram e de que procederam. Assim, a parte
inicial de Gênesis pode pertencer à natureza do mito no qual não podemos
distinguir o germe histórico, embora não neguemos que ele exista. O Clive e
Andrea dei Sarto de R obert B row ning são essencialmente representações
corretas de caracteres históricos, embora os pormenores em cada poema
sejam imaginários.
5.
O Espírito inspirador deu as Escrituras ao m undo por um processo de
evolução gradual.
Com o, ao com unicar as verdades da ciência natural, Deus com unicou as
verdades da religião em passos sucessivos, a princípio em germe, m ais plena­
m ente tom ou o hom em capaz de com preendê-las. A educação da raça é sem e­
lhante à de um a criança. Prim eiro vêm as figuras, as lições objetivas, os ritos
externos, as predições; depois a chave destes em C risto, e sua exposição didá­
tica, nas Epístolas.
Assim tem sido “muitas vezes”, assim como “de muitas maneiras” (Hb. 1.1).
As primeiras profecias como a de Gn. 3 .15 - a semente da mulher esmagan­
do a cabeça da serpente - eram apenas fracos lampejos da aurora. O homem
tinha de elevar-se porque era capaz de receber e transmitir a comunicação
divina. Moisés, Davi, Isaías marcam sucessivos avanços no recebimento e
transparência da luz celestial. A inspiração tem-se valido de homens de vários
graus de capacidade, cultura e discernimento religioso. Como todas as ver­
dades dos cálculos estão, de forma germinal, no mais simples axioma da
matemática, do mesmo modo todas as verdades da salvação estão compre­
endidas na afirmação de que Deus é santidade e amor. Mas nem todo erudito
pode dominar o cálculo do axioma. O mestre pode ditar proposições que o
aluno não entende; ele pode demonstrar um caminho de tal modo que o aluno
participe do processo; ou, melhor ainda, ele pode estimular o aluno a operar
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
321
a demonstração por si mesmo. Parece que Deus empregou todos estes
métodos. Mas há exemplos de ditado e iluminação e a inspiração às vezes os
inclui; o método geral parece ter sido o despertar divino das forças humanas
para que o homem descubra e expresse a verdade por si mesmo.
A. F. B alfour , Foundations of Belief, 339 - “Vista do lado divino, a inspira­
ção é aquilo a que chamamos de descoberta quando vista do lado humano.
... Cada acréscimo ao conhecimento humano, quer no indivíduo, ou na comu­
nidade, quer científico, ético ou teológico, deve-se a uma cooperação entre a
alma humana que assimila, e o poder divino que inspira. Nem age, ou poderia
agir, num isolamento independente. Para a ‘razão desassistida’, é uma
ficção, e é impossível conceber-se uma pura receptividade. Mesmo o mais
vazio recipiente deve limitar a quantidade e determinar a configuração de
qualquer líquido que possa enchê-lo. ... A inspiração não se limita a qualquer
idade, ou país, ou povo”. Os antigos semitas tinham-na, como também os
grandes reformadores orientais. Não se colhem uvas dos espinheiros ou
figos dos abrolhos. Tudo o que é verdadeiro ou bom na história humana pro­
vêm de Deus.
6. A inspiração não garante a inerrância em coisas não essenciais ao prin­
cipal propósito da Escritura.
A inspiração não vai além da fidedigna transm issão dos escritores respon­
sáveis pela apresentação da verdade. Inspiração não é onisciência. É a conces­
são de vários tipos e graus de conhecim ento e auxílio, de acordo com a neces­
sidade; às vezes sugere um a nova verdade, às vezes preside a coleção do
m aterial preexistente e resguarda do erro essencial na elaboração final. Como
a inspiração não é onisciência, não é santificação com pleta. N em invoca infa­
libilidade pessoal.
Deus pode valer-se de recursos imperfeitos. A imperfeição dos olhos não
desaprova a autoria divina e, como Deus se revela na natureza e na história a
despeito das suas deficiências, assim a inspiração pode cumprir o seu propó­
sito tanto através dos escritores como dos escritos em certo sentido imperfei­
tos. Deus está, na Bíblia assim como na história dos hebreus, conduzindo o
seu povo para Cristo, mas apenas através de um desdobramento da verdade.
Os autores da Escritura não eram perfeitos. Paulo, em Antioquia, resistiu Pedro
“porque era repreensível” (Gl. 2.11). Mas Pedro diferia de Paulo, não nos
pronunciamentos públicos, nem nas palavras escritas, mas em seguir os seus
ensinos (cf.. Atos 15.6-11). Os defeitos pessoais não invalidam um embaixa­
dor, apesar de que eles podem dificultar o recebimento da sua mensagem.
O mesmo ocorre com a ignorância dos apóstolos sobre o tempo da segunda
vinda de Cristo. Só gradualmente eles vieram a entender as doutrinas cristãs;
eles não ensinavam as doutrinas todas de uma só vez; seus últimos pronun­
ciamentos suplementavam e completavam os primeiros; e todos eles forne­
ciam só aquela medida do conhecimento que Deus via necessária ao ensino
moral e religioso da humanidade. Muitas coisas ainda estão sem ser reveladas
322
A ugustus H opkins Strong
e muitas que inspiraram os homens a pronunciar, eles não entendiam plena­
mente.
P fle id ere r , Grundríss, 53, 54 - “A palavra é divina-humana no sentido de
que contém a verdade divina condicionada na forma humana, histórica e indi­
vidual. A Escritura Sagrada contém a palavra de Deus de um modo claro, e
inteiramente suficiente para gerar a fé salvadora”. F rancês P ow er C obbe , Life,
87 - “A inspiração não é uma coisa miraculosa e conseqüentemente incrível,
mas normal e concorde com o relacionamento natural entre o espírito infinito
com o finito, influxo divino da luz mental em analogia perfeita com a influência
moral que os teólogos chamam graça. Como toda alma devota e obediente
pode ter a expectativa de compartilhar da graça divina, do mesmo modo elas
têm compartilhado, como ensina P arker , na inspiração divina. E, como o rece­
bimento da graça mesmo em grande medida não nos torna impecáveis, assim
também o da inspiração não nos torna infalíveis. Podemos admitir com a S rta.
C obbe que a inspiração é consistente com a imperfeição embora admitamos
que os escritores da Bíblia têm uma autoridade mais elevada que a nossa.
7.
A Inspiração nem sem pre, ou geralm ente, envolve com unicação direta
dos escritores da B íblia com as palavras que eles escreveram .
A pesar disso, é possível pensam ento sem palavras e, na ordem da natureza,
ele precede as palavras. Os escritores da B íblia parecem ter sido tão influen­
ciados pelo Espírito Santo que perceberam e sentiram m esm o as novas verda­
des que eles deviam publicar, com o descobertas das suas próprias m entes e,
ao expressar tais verdades, perm itiu-se a ação das suas próprias m entes, com a
única exceção de que eles eram sobrenaturalm ente im unes na seleção de pala­
vras erradas e, quando necessário, proviam as corretas. Portanto, a inspiração
não é verbal, conquanto reivindiquem os que não se adm itiu nenhum a forma
de palavras tom adas em suas conexões que ensinassem o erro na Escritura.
Antes da expressão é preciso que haja algo a ser expresso, apesar de que
é possível o pensamento sem linguagem. Pode existir o conceito sem pala­
vras. O inspirador interrompe só quando a memória do falante deixa de exis­
tir. O mestre guia a mão do aluno só quando este tende a errar. O pai permite
que o filho ande sozinho, a não ser que ele corra o perigo de tropeçar. S e o
conhecimento se tornar certo, ele é tão bom como a revelação direta. Porém
sempre que a mera comunicação das idéias ou a direção rumo ao material
apropriado for suficiente para garantir o pronunciamento correto, os escrito­
res sagrados eram orientados na própria seleção das palavras. A crítica
minuciosa prova de modo cada vez mais concludente a adequação da roupa­
gem verbal dos pensamentos expressos; toda a exegese bíblica, na verdade,
baseia-se na suposição de que a sabedoria divina fez da forma exterior um
veículo fidedigno da substância interior da revelação.
W atts , New Apologetic, 40, 111 sustenta a inspiração verbal: “As garrafas
não são o vinho, mas se elas se quebrarem, o vinho derramará”; o Espírito
inspirador deu a linguagem a Pedro e aos outros no Pentecostes, pois os
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
323
apóstolos falaram em outras línguas; os santos homens do passado não só
pensavam, mas “os homens santos de Deus falaram inspirados peio Espírito
Santo” (2 Pe. 1.21). Assim também G o r d o n , Ministry o fth e Spirit, 171 - "Por
que o estudo minucioso das palavras da Escritura, produzido por todos expo­
sitores, a busca da precisa sombra do sentido verbal, sua atenção para os
mínimos detalhes da linguagem e para todo o delicado matiz do tempo, modo
e pronúncia”? Os eruditos liberais, pensa o Dr. Gordon, assim afirmam a dou­
trina que eles negam. R o t h e , Dogmatics, 238, fala de uma “língua do Espírito
Santo”. Oetinger: “É o estilo da corte celestial”. Porém B roadus , erudito quase
igualmente conservador, em seu Com. on Mathews 3 .17 diz que a diferença
entre “Este é o meu Filho amado”, e Lc. 3.22 “Tu és meu Filho amado”, nos
faz tomar cuidado em teorizar a inspiração verbal e sugere que essa hipótese
não oferece garantia. A teoria da inspiração verbal é refutada por dois fatos:
1. que as citações que o N.T. faz do A.T., em 99 casos diferem tanto do
hebraico como da LXX; 2. que as próprias palavras de Jesus são relatadas
com variações pelos diferentes evangelistas.
H elen K eller disse a P hillips B rooks que sempre ela soube que há um
Deus, mas nunca tinha conhecido o seu nome. O D r . Z. F. W estervelt , do
Instituto de Surdos-Mudos tinha sob a sua responsabilidade quatro filhos de
diferentes mães. Eram todos mudos embora não tivessem a falta da audição
e os órgãos da fala eram perfeitos. Mas as suas mães nunca os tinham ama­
do e nunca tinham conversado com eles de uma forma amorosa, que provo­
casse imitação. Os filhos ouviam fria e duramente, mas isto não os atraía.
D o m esm o m od o os v e lh o s m e m b ro s da igreja, em p a rtic u la r e nas reu niões
de o ra ção d e ve ria m e n s in a r os m ais n o vo s a falar. M as a á sp e ra e c o n te n ­
c io s a c o n v e rs a não p ro d u zirá o re su lta d o ; é p re ciso q u e s e ja um a co n ve rsa
de am or cristão. W illiam D. W itney, na M axM üller’s Science of Language, 26-31,
co m b a te o po nto de vista de M ü lle r de q u e o p e n s a m e n to e a lin g u a g e m são
id ên ticos. A re sp o sta do M a jo r B liss T a y lo r a S a n ta A nn a: “O G e n e ra l Taylor
n u nca se re n d e !” é s u b s ta n c ia lm e n te co rre ta , e m b o ra a ve rsã o das v e rd a d e i­
ras p a la vra s p ro fa n a s do g e n e ra l fo s s e d ip lo m á tic a e e u fe m ística . C a da au tor
da E scritura pro fe riu um a a n tig a v e rd a d e em n o va s fo rm a s com as qu ais sua
p ró p ria e x p e riê n c ia a reve stiu. D avi ch e g o u à su a g ra n d e z a a b a n d o n a n d o a
m era re p e tiçã o de M o isé s e fa la n d o do seu p ró p rio cora ção . P aulo ch e g o u à
su a g ra n d e z a d e s p re z a n d o o q u e lhe te ria sid o e n s in a d o e m o stra n d o em que
c o n siste , afin al de con tas, o p la n o da m is e ric ó rd ia de D eus p a ra com tod os.
A go stinh o: “S c rip tu ra est s e n su s S c rip tu ra e ” - “A E scritu ra é o que a E scritura
significa”. E ntre os e s c rito re s de te o lo g ia q u e a d m ite m a p o ssib ilid a d e de os
a u to re s da B íblia e rra re m em m a té ria não e s se n cia l ao e n sin o m oral e e sp i­
ritual e stã o L u te ro , C alvino, Cocceius, T h o lu c k , Neander, Lange, S tie r, Van
O osterze e, John Howe, R ichard B a x te r, Conybeare, A lf o r d , Mead.
8.
C ontudo, não obstante o elem ento hum ano sem pre presente, a inspira­
ção das Escrituras, totalm ente perm eável, faz destes vários escritos um todo
orgânico.
P orque a B íblia é em todas as suas partes a obra de Deus, cada parte deve
ser julgada, não isoladam ente, mas em sua conexão com cada um a das outras
324
A ugustas H opkins Strong
partes. As Escrituras não devem ser interpretadas com o tantas produções sim­
plesm ente hum anas de diferentes autores, m as tam bém com o a obra de uma
m ente divina. Coisas aparentem ente triviais devem ser explicadas a partir da
sua conexão com o todo. U m a história deve ser edificada a partir de vários
relatos da vida de Cristo. U m a doutrina deve suplem entar a outra. O Velho
T estam ento é parte de um sistem a progressivo, cujo clím ax e cuja chave
devem ser encontrados no N ovo Testam ento. O assunto central e o pensam en­
to que liga todas as partes da B íblia a cuja luz devem ser interpretados, é a
pessoa e obra de Jesus Cristo.
A Bíblia diz: “Não há Deus” (SI. 14.1); mas, então, deve-se tomar o contex­
to: “Disse o néscio no seu coração”. A expressão de Satanás “está escrito”
(Mt. 4.6) é suplementada pela de Cristo: “Também está escrito” (Mt. 4.7).
As trivialidades são como o cabelo e as unhas - eles têm o seu lugar como
par-tes de um todo. O verso que menciona a capa de Paulo em Trôade (2 Tm.
4.13) é 1) sinal de genuinidade - um embusteiro não o inventaria; 2) uma
evidência de necessidade temporal suportada para o evangelho; 3) uma indi­
cação dos limites da inspiração: mesmo Paulo devia ter livros e rolos. Cl. 2.21
- “não toques, não proves, não manuseies” - deve ser interpretado com o
contexto no v. 20 - “por que vos carregam ainda com ordenanças”? e pelo
verso 22 “segundo os preceitos e doutrinas dos homens”. H o d g e , Sistematíc
Theology , 1.16 4 - “A diferença entre o evangelho de João e o livro das Crôni­
cas é como entre o cérebro do homem e o cabelo da sua cabeça; contudo, a
vida do corpo está de modo tão verdadeiro no cabelo como no cérebro”. Como
os cupons da estrada de ferro, os textos da Escritura “não devem ser desatacados".
C ro o k e r, The N ew Bible a n d its N ew Uses, 137-144, nega inteiramente a
unidade da Bíblia. O P r o f . A. B. Davidson, de Edimburgo, diz que “Uma teolo­
gia do A.T., na verdade, é impossível, porque o A.T. não é um todo homogê­
neo”. Estas negações procedem de um conhecimento insuficiente do princí­
pio da evolução na história e doutrina do A.T. As doutrinas no começo da
Escritura são como os rios na sua fonte; não estão completamente expandi­
dos; muitos afluentes ainda virão. B ruce, Apologetics, 323 - “A literatura dos
estágios antigos da revelação devem compartilhar os defeitos da revelação
que ela registra e interpreta. ... A revelação final capacita-nos a ver os defei­
tos dos mais antigos. ... Devemos achar Cristo no A.T. como a borboleta na
lagarta e o homem, coroa do universo, na nuvem ígnea”. C ran e , Religion of
To-morrow, 224 - Cada parte deve ser modificada por outra. Nenhum verso é
verdadeiro fora do Livro, mas o Livro inteiro é verdadeiro desde que tomado
no seu conjunto. G o re , L u x Mundi, 350 - “Reconhecer a inspiração das Escri­
turas é entrarmos na escola em cada parte delas”.
9.
Q uando se reconhece plenam ente a unidade da Escritura, a Bíblia, ape­
sar das im perfeições em m atéria não essencial ao propósito religioso, fornece
orientação segura e suficiente para a verdade e para a salvação.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
325
O reconhecim ento da atuação do Espírito Santo torna racional e natural
crer na unidade orgânica da Escritura. Q uando se tom am as partes m ais anti­
gas em conexão com as m ais tardias e quando se interpreta cada parte como
um todo, desaparece a m aioria das dificuldades relativas à inspiração. Tom a­
das juntas, tendo Cristo com o clím ax e explicação, a B íblia fornece a regra de
fé cristã e prática.
A Bíblia responde a duas perguntas: “O que Deus fez para me salvar?
O que devo fazer para ser salvo? As proposições de Euclides não são invali­
dadas pelo fato de que ele cria que a terra é plana. A ética de P latão não deve
ser rejeitada por causa dos seus equívocos relativos ao sistema solar.
Do mesmo modo a autoridade religiosa independe do conhecimento mera­
mente secular. - S ir J oshua R eynolds foi um grande pintor e um grande mes­
tre da sua arte. Suas preleções sobre a pintura lançaram os princípios que
têm sido aceitos como autoridade por diversas gerações. Mas ele ilustra o
assunto a partir da história e da ciência. Era uma época quando tanto a histó­
ria como a ciência eram jovens. Em alguns assuntos sem importância, que
não afetam nem um pouco as suas conclusões, ele ocasionalmente vacila;
suas afirmações não são seguras. Por isso não é ele uma autoridade no que
tange à sua arte? - O Duque de Wellington uma vez disse que nenhum ser
humano sabia quando começou a batalha de Waterloo. Um historiador rece­
beu a história de um combatente e fixou a hora como sendo onze da manhã.
Um outro historiador teve a informação vinda de um outro combatente e fixou-a
como ao meio-dia. Podemos dizer que esta discrepância indica erro em todo
o relato e que não mais temos certeza de que ocorreu a batalha de Waterloo?
Deve-se admitir livremente tais insignificantes imperfeições, conquanto
ao mesmo tempo insistimos que a Bíblia, tomada como um todo, é incompa­
ravelmente superior a todos os outros livros e “que pode fazer-te sábio para a
salvação” (2 Tm. 3.15). H ooker , Eccl. Polity. “O que quer que se fale de Deus
ou das coisas pertencentes a ele além do que é a verdade, embora pare-ça
uma honra, é uma injúria. E como os louvores tributados aos homens
tão freqüentemente abatem e prejudicam o crédito da sua merecida aprova­
ção, assim devemos de igual modo tomar cuidado para que, ao atribuir à
Escritura mais do que ela possa ter, não causemos incredulidade mesmo
naquelas coisas que abundantemente sejam avaliadas com menos reverên­
cia”. B axter , Works, 21.3 4 9 - “Aqueles que pensam que as imperfeições
humanas dos escritores avançam mais e podem aparecer em algumas pas­
sagens de cronologias ou da história que não são parte da regra de fé e vida,
não destroem a causa cristã. Porque Deus pode capacitar os seus apóstolos
para um registro e pregação do evangelho infalíveis, mesmo nas coisas
necessárias à salvação, embora ele não os tivesse feito infalíveis em cada
variante ou circunstância, nem ainda numa vida sem defeito”.
A Bíblia, diz B eet , “contém erros possíveis em pequenos pormenores ou
alusões, mas dá-nos com absoluta certeza os grandes fatos do cristianismo
e, com base neles e só neles apoia-se a nossa fé”. E vans, Bib. Scholarship
and Inspiration, 15, 18, 65 - “Ensina que a concha é parte do cerne e os
326
A ugustus H opkins Strong
homens que acham que não podem guardar a concha jogam-na fora junta­
mente com o cerne. Esta afirmação da inspiração fez R enan , B radlaugh e
I ngersoll céticos. ... Se, na criação, Deus pode operar um resultado perfeito
através da imperfeição, por que não pode fazer o mesmo na Inspiração?
S e em Cristo Deus pode aparecer na fraqueza e ignorância humanas por que
não na palavra escrita ? ”
Por isso abrimos exceção ao ponto de vista de W atts , New Apologetic, 71
- “Adote-se a teoria dos erros históricos e dos científicos e o cristianismo
compartilhará do destino do hinduísmo. S e os seus escritores inspirados
erram quando nos dizem coisas terrenas, ninguém crerá quando falarem das
celestiais”. W atts acrescenta exemplos de Espinosa desistindo da forma
enquanto reivindica sustentar a substância e, deste modo, reduzir a revela­
ção a um fenômeno do panteísmo naturalista. Respondemos que nenhuma
teoria a priori sobre a perfeição na inspiração divina deve cegar-nos quanto à
evidência da real imperfeição da Escritura. Como na criação e em Cristo,
assim na Escritura Deus se humilha para adotar métodos humanos e imper­
feitos da sua própria revelação. Ver J onathan E dw ar ds , Diário: “Observo que
os velhos raramente têm qualquer vantagem de novas descobertas porque
eles estão à beira do caminho que utilizaram durante tanto tempo. Resolvido,
se eu viver durante anos, serei imparcial ao ouvir as razões de todas as pre­
tensas descobertas e, se racionais, recebê-las embora por muito tempo eu
tenho me valido de outro modo de pensar”.
B o w n e , The tmmanence of God, 109, 110 - “Aqueles que acham a fonte
da certeza e a sede da autoridade só nas Escrituras, ou só na igreja, ou só na
razão e na consciência, ao invés de encontrá-la na complexa e indivisível
cooperação de todos estes fatores devem ter em mente a história do pensa­
mento religioso. A mais rígida doutrina da inerrância da Escritura não tem
evitado conflitantes interpretações; e os que situam a sede da autoridade na
razão e na consciência são forçados a admitir que fora da iluminação pode
haver muito lugar para ambos. Em certo sentido, a religião do espírito é um
fato muito importante, mas, quando se coloca em oposição à religião de um
livro, a luz que está nele é capaz de tornar-se em trevas”.
10.
C onquanto a inspiração constitui a E scritura um a autoridade m ais fide­
digna que a razão individual ou os credos da igreja, a autoridade últim a é o
próprio Cristo.
C risto não construiu a E scritura para dispensar sua presença pessoal e
ensino através do seu Espírito. A E scritura é o espelho im perfeito de Cristo.
O espelho é deficiente, contudo, reflete-o e conduz a ele. A autoridade não
está no espelho, m as em Cristo e o seu Espírito capacita individualm ente o
cristão e a igreja coletivam ente a distinguir o essencial do não essencial e
assim perceber a verdade em Jesus. Julgando e interpretando desta form a a
Escritura, não som os racionalistas, porém , ao invés disso, crentes naquele que
prom eteu estar conosco todos os dias até o fim do m undo e dirigir-nos pelo
seu Espírito a toda a verdade.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
Tiago faia da lei como um espelho (Tg. 1.23-25) “como o varão que con­
templa ao espelho o seu rosto natural ... que atenta para a lei perfeita”); a lei
convence do pecado porque reflete Cristo. Paulo fala do evangelho como um
espelho (2 Co. 3.18) - “todos nós, refletindo como um espelho a glória do
Senhor”); o evangelho nos transforma porque reflete Cristo. Contudo, tanto
o evangelho como a lei são imperfeitos; são como espelhos de metal poli­
do, cuja superfície é freqüentemente opaca e cujas imagens são obscuras;
(1 Co. 13 .12 - “Porque, agora, vemos por espelho em enigma; mas, então,
veremos face a face”); mesmo os homens inspirados conheciam apenas em
parte e a profecia só em parte. A própria Escritura é a concepção e o pronun­
ciamento de uma criança, e que desaparecerá quando vier o que é perfeito, e
virmos Cristo como ele é.
A autoridade é o direito de impor crenças ou de ordenar obediência.
A autoridade única é Deus, porque ele é a verdade, a justiça e o amor. Mas
ele pode impor crenças e ordenar obediência só na medida em que ele é
conhecido. Por isso a autoridade pertence só ao Deus revelado e, porque
Cristo é o Deus revelado, ele pode dizer: “Toda autoridade me é dada no céu
e na terra” (Mt. 28.18). A autoridade final na religião é Jesus Cristo. Cada uma
das suas revelações de Deus tem autoridade. Tanto a natureza como a natu­
reza humana são tais revelações. Ele exerce a sua autoridade através das
autoridades delegadas e subordinadas, tais como os pais e o governo civil.
Estes corretamente reivindicam obediência, dentro dos limites das suas res­
pectivas esferas e reconhecem a sua relação de dependência dele. “As auto­
ridades que há foram ordenadas por Deus” (Rm. 13.1), apesar de que elas
são manifestações imperfeitas da sabedoria e justiça dele. As decisões da
corte suprema são de autoridade embora os juizes são falíveis e limitados no
estabelecimento da justiça. Autoridade não é infalibilidade quer no governo
da família, quer no do estado.
A igreja da Idade Média considerava-se possuidora da autoridade absolu­
ta. Mas a Reforma Protestante mostrou quão vãs eram as suas pretensões.
A igreja só é autoridade quando reconhece e expressa a suprema autoridade
de Cristo. Os reformados sentiram a necessidade de alguma autoridade
externa no lugar da igreja. Em substituição, eles usaram a Escritura. A expres­
são “a palavra de Deus”, que designa a verdade oralmente pronunciada ou
que afeta a mente do homem vem a significar só um livro. A suprema auto­
ridade foi atribuída só a ele. Freqüentemente usurpa-se o lugar de Cristo.
Enquanto vindicamos a apropriada autoridade da Escritura, devemos mostrar
que a sua autoridade não é imediata e absoluta, mas mediata e relativa, atra­
vés de registros humanos e imperfeitos e que necessitam de um ensino
suplementar e divino para interpretá-los. A autoridade da Escritura não inde­
pende de Cristo e nem está acima dele, mas na subordinação exclusiva a ele
e ao seu Espírito. Aquele que inspirou a Escritura deve capacitar-nos a inter­
pretá-la. Não se trata de uma doutrina do racionalismo, pois ele sustenta a
dependência absoluta da iluminação do Espírito de Cristo. Também não se
trata do misticismo que sustenta que Cristo nos ensina apenas abrindo o sen­
tido das revelações passadas. Não esperam os palavras novas na nossa
astronomia, nem novas Escrituras na nossa teologia. Esperamos, sim, que o
327
A ugustus H opkins Strong
328
mesmo Cristo que deu as Escrituras nos dê um novo discernimento para o
novo sentido e nos capacite a fazer novas aplicações aos seus ensinos.
O
direito e o dever do juízo privado com relação à Escritura não perten­
cem a nenhuma casta privilegiada, mas são liberdades inalienáveis da igreja
de Cristo e do membro da igreja individualmente. Contudo, de um outro ponto
de vista, este julgamento não é privado. Não se trata de julgamento arbitrário
ou fruto do capricho. Ele não torna a consciência cristã suprema, se por este
termo significarmos a consciência dos cristãos independente do Cristo que
neles habita. Tendo vindo a Cristo, ele nos une a si, senta-nos consigo no seu
trono, dá-nos o seu Espírito e determina que empreguemos a nossa razão ao
seu serviço. Ao julgar a Escritura, damos supremacia a Cristo, não a nós e
reconhecemo-lo como a única autoridade última e infalível em matéria de
religião. Podemos crer que a revelação total de Cristo na Escritura é uma
autoridade superior à razão do indivíduo, ou a qualquer simples afirmação da
igreja ainda que não creiamos que esta mesma autoridade da Escritura tem
sua limitação e que o próprio Cristo deve ensinar-nos qual é a sua revelação
total. Deste modo o juízo que a Escritura estimula a passar sobre as suas
próprias limitações só induz a uma final e implícita confiança no vivo e pessoal
Filho de Deus. Ele nunca pretendeu que a Escritura devesse ser um substitu­
to da sua presença e apenas o seu Espírito, que foi prometido para dirigir-nos
em toda a verdade.
Sobre a autoridade da Escritura ver A. H. S trong , Christin Creation, 113-136
- “A fonte de toda a autoridade não ó a Escritura, mas Cristo. ... Em lugar
nenhum se diz que a Escritura por si é capaz de convencer o pecador ou de
levá-lo a Deus. É uma brilhante palavra, mas é a ‘espada do Espírito’; e, a não
ser que o Espírito a use, nunca penetrará no coração. É um martelo pesado,
mas só o Espírito pode empregá-lo para despedaçar a rocha. É o tipo de
forma fechada, mas o papel nunca receberá uma impressão enquanto o
Espírito não aplicar o seu poder. Nenhum mero instrumento terá a glória que
pertence a Deus. Toda alma sente a sua inteira dependência dele. Só o Espí­
rito Santo pode fazer a palavra exterior interiorizar-se. E o Espírito Santo é o
Espírito de Cristo. Cristo entra em contato direto com a alma. Ele mesmo dá
testemunho da verdade. Ele dá testemunho da Escritura ao invés de a Escri­
tura dar testemunho dele”.
11.
A discussão anterior capacita-nos ao m enos a lançarm os três princípios
cardeais e darm os respostas a três perguntas com uns a respeito da inspiração.
Princípios: a) A m ente hum ana pode ser habitada e receber energia da par­
te de D eus enquanto ainda atinge e retém sua m ais elevada inteligência e
liberdade, b) Sendo obra do D eus uno bem com o dos hom ens em quem Deus
se m ove e habita, as Escrituras constituem u m a unidade articulada e orgânica.
c) A unidade e autoridade da E scritura com o um todo são inteiram ente consis­
tentes com sua gradual evolução e im perfeição das partes não essenciais.
Perguntas: a) A lgum a parte da E scritura não é inspirada? Resposta: Cada
parte da Escritura é inspirada em sua conexão e relação com cada um a das
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
329
outras partes, b) Há graus de inspiração? R esposta: H á graus de valor, m as não
de inspiração. C ada parte em conexão com as dem ais é plenam ente verdadeira
e plenitude não tem grau. c) Com o podem os saber que partes são de m aior
valor e qual é o seu ensino integral? R esposta: O m esm o Espírito de Cristo
que inspirou a B íblia prom ete tom ar as coisas de Cristo e, apresentando-as a
nós, conduzir-nos progressivam ente a toda a verdade.
Note o valor do Velho Testamento, revelando os atributos naturais de Deus
como base e cenário para a revelação da misericórdia no Novo Testamento.
A revelação encontra-se em muitas partes (itoVonEpmç - Hb. 1.1) assim como
de muitas maneiras. “Cada oráculo, tomado isoladamente, é parcial e incom­
pleto” (R obertson S mith , O. T. in Jewish Ch., 21). Mas a pessoa e as palavras
de Cristo resumem e completam a revelação, de modo que, em seu conjunto
e em conexão com ele, as várias partes da Escritura constituem uma infalível
e suficiente regra de fé e prática.
A influência divina sobre as mentes dos escritores pós-bíblicos, levando à
composição de alegorias tais como O Peregrino e dramas como o Macbeth
não devem ser denominadas de inspiração, mas de iluminação porque tais
escritos contêm erros assim como verdades em matéria de religião e de
moral; além disso eles não acrescentam nada de essencial ao que as Escritu­
ras nos conferem; mesmo quando expressam a verdade, já feitas conheci­
das, elas não merecem um lugar no cânon sagrado. W. H. P. Faunce : “Quão
distante está o verdadeiro Peregrino de B unyan de apresentar a experiência
cristã! Ela é inverídica: 1. No que trata do desespero do mundo. O Peregrino
tem de deixar este mundo a fim de ser salvo. A experiência moderna anseia
por fazer a vontade de Deus aqui, e salvar outros ao invés de abandoná-los.
2. Na sua agonia relativa ao pecado e ao conflito assustador. Bunyan ilustra a
experiência moderna melhor em a Cristã e seus filhos, que atravessam o Vale
da Sombra da Morte durante o dia e sem o conflito com Apoliom. 3. Na incer­
teza constante da luta do Peregrino. O Cristão entra no Castelo da Dúvida e
depara-se com o Gigante Desespero, mesmo depois de ter tido a maioria das
vitórias. Na experiência moderna, “no tempo da tarde haverá luz” - (Zc. 14.7).
4. Na constante convicção de um Cristo ausente. O Cristo de B unyan nunca
se encontra neste lado da Cidade Celestial. A Cruz diante da qual o fardo caiu
simboliza um ato sacrificial, mas não é o próprio Salvador. A experiência
moderna tem Cristo vivendo em nós e conosco sempre, e não somente um
Cristo que esperamos ver no fim da jornada”.
B eyschlag , N. T. Theol., 2.18 - Paulo declara que a sua própria profecia e
inspiração, em essência, são imperfeitas (1 Co. 13.9, 10,12; cf. 1 Co. 12.10;
1 Ts. 5.19-21). Admitido isso, justifica-se uma crítica cristã mesmo nestes
pontos de vista. Ele pode pronunciar um anátema sobre os que pregam ‘outro
evangelho’ (Gl. 1.8,9), porque no que se refere a uma simples fé, os fatos da
salvação são absolutamente certos. Mas onde o pensamento profético e dis­
curso vão além destes fatos relativos à salvação, a madeira e a palha podem
misturar-se com o ouro, a prata e as pedras preciosas edificadas sobre um
fundamento. Deste modo, ele distingue a sua modesta yvó^ti da èícvtaYTiKtipíov
330
A ugustus H opkins Strong
(1 Co. 7.25,40)”. C larke , Christian Theology, 44 - “A autoridade da Escritura
não põe limites, mas liberta. Escrevendo sobre a Escritura, Paulo diz: ‘Não
que tenhamos o domínio sobre a vossa fé, mas porque somos cooperadores
do vosso gozo; porque pela fé estais em pé’ (2 Co. 1.24)”.
C remer , em H erzog , Realencypaedia, 183-203 - “A doutrina da igreja é de
que as Escrituras são inspiradas, mas nunca a igreja determinou como isso
ocorreu”. B utler , Analogy, parte II, cap. III - “A única questão concernente à
verdade é se a revelação é real, não se atende a cada circunstância que se
espera; sobre a autoridade da Escritura, se ela é o que reivindica ser, não se
é um livro de tal tipo, e promulgado deste modo, como os fracos são capazes
de fantasiar um livro que contém a revelação divina. Por isso, nem a obscuri­
dade, nem a aparente incúria de estilo, nem as várias leituras, nem as primi­
tivas disputas sobre os autores de certas partes, nem outras semelhantes
coisas, embora tenham sido mais consideráveis do que são, podem destro­
nar a autoridade da Escritura; a não ser que os profetas, os apóstolos ou o
nosso Senhor tivessem prometido que o livro contendo a revelação divina
garantiria estas coisas”. W. R obertson S mith : “S e me perguntarem por que eu
recebo as Escrituras como a palavra de Deus e como a única regra de fé e
vida, respondo com todos os Pais da igreja Protestante: ‘Porque a Bíblia é o
único registro do amor redentor de Deus; porque só na Bíblia eu encontro
Deus trazendo o homem a Jesus Cristo e declarando a sua vontade de salvar-nos. E o registro que eu sei que é verdadeiro pelo testemunho do seu
Espírito, que está no meu coração, pelo qual eu estou certo de que nenhum
outro, além do próprio Deus é capaz de falar tais palavras à minha alma”.
O evangelho de Jesus Cristo é o ãtzaZ, Xeyó[iEvov do Onipotente.
y. OBJEÇÕES À DOUTRINA DA INSPIRAÇÃO
E m conexão com um a obra divino-hum ana com o a Bíblia, pode-se esperar
que se apresentem dificuldades por si m esm as insolúveis. Contudo, até onde
se sustenta sua inspiração pela com petente e suficiente evidência, tais dificul­
dades não podem com ju stiç a im pedir nossa p lena aceitação da doutrina,
senão com o um a desordem e m istério na natureza garantem -nos o abandono
das provas da sua autoria divina. Tais dificuldades dim inuem com o tempo;
algum as já desapareceram ; m uitas podem ser devidas à ignorância e podem
ser rem ovidas daqui em diante; as que são perm anentes podem pretender esti­
m ular a pesquisa e disciplinar a fé.
É notável que as objeções com uns à inspiração apresentam -se, não tanto
contra o ensino religioso das Escrituras, com o contra certos erros em assuntos
seculares que se supõe entrelaçados com ela. M as se se provar que na verdade
são erros, isto não derrotará necessariam ente a doutrina da inspiração; só nos
com pelirá a dar m aior lugar ao elem ento hum ano na com posição das Escritu­
ras e considerá-las m ais exclusivam ente com o um livro-texto de religião. Como
regra de fé e prática religiosas elas ainda são a infalível palavra de Deus.
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
331
A B íblia deve ser ju lg ada com o um livro cujo único alvo é livrar o hom em do
pecado e reconciliá-lo com Deus, e nestes respeitos achar-se-á um registro de
verdade substancial. Isto aparecerá m ais plenam ente se observarm os as obje­
ções um a a um a.
“As Escrituras nos são dadas não para ensinar como são os céus, mas
como ir aos céus”. Seu objetivo certamente não é ensinar ciência ou história
a não ser onde elas são essenciais ao seu propósito moral e religioso. Algu­
mas das suas doutrinas, como o nascimento virginal de Cristo e sua ressur­
reição física, são fatos históricos e alguns fatos, como o da criação, também
são doutrinas. A respeito destes tão grandes fatos, sustentamos que a inspi­
ração nos dá relatos essencialmente fidedignos sejam quais forem as imper­
feições nos pormenores. Minar a fidedignidade científica dos Vedas indianos
é minar a religião que eles ensinam. Mas isto só porque a sua doutrina é parte
essencial ao seu ensino religioso. Na Bíblia, a religião não depende da ciên­
cia física. As Escrituras têm como objetivo somente declarar o ato criativo e
senhorio do Deus pessoal. O método da sua obra pode ser descrito como
uma pintura sem afetar a sua verdade substancial. As cosmogonias indianas,
por outro lado, por serem politeístas ou panteístas, ensinam a inverdade
essencial, descrevendo a origem das coisas como devidas a uma série de
transformações sem sentido, desprovidas da base da vontade e da sabedoria.
Quando as dificuldades da Escritura referem-se à forma ao invés de à
substância de suas caraterísticas incidentais, em lugar de à principal doutri­
na, podemos dizer das suas obscuridades o que Isócrates disse da obra de
Heráclito: “O que eu entendo dela é tão excelente que posso tirar conclusões
relativas ao que não entendo”. “S e Bengel acha na Bíblia coisas tão duras
para a sua faculdade crítica, ele não acha nada tão duro para a sua faculdade
de crer”. Com J ohn S mith , que morreu em Amsterdã em 1612, podemos dizer:
“Confesso minha mudança e ainda estarei pronto a mudar para melhor”; e
com John Robinson, em seu discurso de despedida aos Padres Peregrinos:
“Estou bem persuadido de que o Senhor tem mais verdade a surgir da sua
santa palavra”.
1. E rros em m atéria de Ciência
Sobre esta objeção assinalam os:
d) Não adm itim os a existência de erro científico na Escritura. O que se
acusa com o tal apresenta-se em form as populares e im pressionantes.
A m ente com um recebe um a idéia m ais correta dos fatos não fam iliares
quando narrados em linguagem fenom enal e resum ida do que quando descri­
tos em term os abstratos e no porm enor exato da ciência.
Os escritores da Bíblia inconscientemente observam o princípio de estilo
de Herbert Spencer: A economia da atenção do leitor ou do ouvinte; quanto
mais energia se gasta na forma, menos sobra para agarrar-se à substância
A ugustus H opkins Strong
332
(Ensaios, 1-47). W e n d t, Teaching of Jesus, 1.130, apresenta o princípio do
estilo de Cristo: “Maior nitidez no menor espaço”. Por Isso a Escritura empre­
ga expressões da vida comum em lugar da terminologia científica. Deste modo
emprega-se a linguagem da aparência em Gn. 7.19 - “todos os altos montes
que havia debaixo de todo o céu foram cobertos” - isto seria a aparência,
mesmo que o dilúvio fosse local em vez de universal; em Js 10 .12 ,13 - “e o
sol se deteve” - tal seria a aparência, ainda que os raios solares fossem uma
simples refração de modo a sobrenaturalmente alongar o dia; no SI. 93.1 - “o
mundo também está firmado e não poderá vacilar” - tal é a aparência apesar
de que a terra gira em torno do eixo e se move em torno do sol. Na narrativa,
substituir para “ocaso” alguma descrição científica desviaria a atenção da
principal matéria. Seria preferível que se lesse no A.T.: “Quando a revolução
da terra em torno do seu eixo fizeram os raios do luminar sol incidir horizontal­
mente sobre a retina, Isaque saiu para orar (Gn. 24.63)”? “Le secret d’ennuyer
est de tout dire" (O segredo para enfadar está em dizer tudo). C h a rle s Dickens
em American Notes, 72, descreve o ocaso numa campina: “Aqui o declínio do
dia é bem magnífico; tinge o firmamento de um profundo vermelho e dourado
o horizonte do arco da abóbada que está acima de nós” (citado por Hovey,
Manual of Christian Theology, 97). Será que, por isso, Dickens cria que o fir­
mamento fosse uma peça sólida da obra de um construtor?
C anon D river rejeita a história bíblica da criação porque as distinções fe i­
tas pela ciência moderna não podem ser encontradas no hebraico primitivo.
No seu pensamento, o estado fluido da substância da terra devia ter sido
chamado de caos emergente”, ao invés de “águas” (Gn. 1.2). A falácia de
sustentar que a Escritura dá com pormenores todos os fatos ligados à narra­
tiva histórica induziu a muitos curiosos argumentos. O Calendário Gregoria­
no, que faz o ano começar em janeiro é contraposto por representar Eva
sendo tentada no princípio através de uma maçã, o que seria possível só se o
ano com eçasse em setembro.
b)
N ão é necessário ao ponto de vista próprio da inspiração supor que os
autores hum anos tivessem em m ente a apropriada interpretação científica dos
eventos naturais que registraram .
B asta que esteja n a m ente do Espírito inspirador. A través das concepções
relativam ente estreitas e da linguagem inadequada dos escritores bíblicos, o
Espírito da inspiração pode ter garantido a expressão da verdade em tal forma
germ inal a ser inteligível nos tem pos em que foi publicada e ainda capaz de
expansão na m edida em que a ciência avança. N o quadro m iniatural da cria­
ção no prim eiro capítulo de G ênesis e em seu poder de ajustar-se a cada pro­
gresso n a investigação científica tem os forte prova da inspiração.
A palavra “dia” em Gn. 1 é um exemplo deste modo geral da expressão.
Seria um absurdo ensinar às raças primitivas, que lidavam apenas com
números pequenos, as miríades de anos da criação. O objetivo da lição aos
filhos, com o gráfico resumido, tem em sua mente uma verdade maior do que
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
333
a elaborada e exata afirmativa apresentaria. C onant (Gn. 2.10), sobre a des­
crição do Éden e seus rios, diz: “É claro que o objetivo do autor não é uma
descrição topográfica minuciosa, mas uma concepção geral e impressionan­
te como um todo”. Embora o progresso da ciência só mostre que estes relatos
não são menores, mas maiores que do supõem aqueles que a princípio o
receberam. Nem os “shasters” hindus, nem qualquer cosmogonia pagã pode
sustentar tal comparação com os resultados da ciência. Por que mudar nos­
sas interpretações da Escritura tão freqüentemente? Resposta: Não serem
na origem mestres de ciência, mas apenas intérpretes da Escritura com as
novas luzes que temos.
Esta co n ce p çã o do a n tig o e n sin o da Escritura, e le m e n ta r e ad eq ua do à
in fâ n cia da raça, se os fa to s o re q u e re sse m , to m a ria p o ssíve l in te rp re ta r os
p rim e iro s ca p ítu lo s de G ê n e sis co m o m ito ló g ico s ou le g e n d á rio s. D eus podia
c o n d e s c e n d e r com as “fó rm u la s de ja rd im de in fâ n c ia ” . G oethe diz que “ D e ve­
m os tra ta r as cria n ça s co m o D eus nos tra ta : nós so m o s m ais fe lize s sob a
in flu ê n cia de ilusõe s in o c e n te s ” . L ongfellow : “Q u ã o be la é ju ve n tu d e ! com
que brilho ela reluz, co m su a s ilusões, a s p ira ç õ e s , son ho s! Livro dos p rin c íp i­
os, h istó ria sem fim , ca d a d o n ze la um a h e ro ín a e ca d a hom em um a m ig o !”
Podemos d e fe n d e r com G oethe e com L ongfellow , se a p e n a s exclu irm o s de
D eus o e n sin o de to d o erro e sse n cia l. As n a rra tiv a s da Escritura podem d iri­
gir-se à im a g in a çã o e, d e ste m o d o a s s u m ir a fo rm a m ito ló g ica ou legendária,
c o n q u a n to a in d a c o n te n h a m a ve rd a d e s u b s ta n c ia l que, de ne nh um outro
m odo, o ho m e m bem as a p re e n d e ra ; ver o p o e m a “ D e s e n v o lv im e n to ” de
R obert B rowning , em Asolando. Por o u tro lado, o C o rã o não d e ixa lu ga r para
a im a gin açã o, m as fix a o nú m e ro de e s tre la s e d e c la ra que o firm a m e n to é
sólido . H e n ry D ru m m ond : “A e vo lu çã o d e u -n o s u m a no va Bíblia. ... A B íblia
não é um livro que foi feito ; ela se d e s e n v o lv e u ” .
B ag e h o t diz-nos que “Um dos mais notáveis sermões do Padre Newman
de Oxford explica como a ciência ensina que a terra gira em tomo do sol e
como a Escritura ensina que o sol gira em torno da terra; e termina aconse­
lhando ao crente discreto a aceitar ambos”. Esta é uma escrituração contábil
de duas entradas. L e no r m a n t , em Contemp. Review, nov 1879 - Enquanto a
tradição do dilúvio sustenta tão considerável lugar nas memórias legendárias
de todos os ramos da raça ariana, os monumentos e textos originais do Egito,
com muitas especulações cosmogônicas, não têm fornecido, ainda que de
longe, qualquer alusão a tal cataclismo”. L e norm ant aqui erroneamente admi­
te que a linguagem da Escritura é a científica. S e se trata de linguagem de
aparência, então o dilúvio pode não ser uma catástrofe universal, mas local.
G. F. W r ig h t , Ice Age in North America, sugere que as numerosas tradições
do dilúvio podem ter tido sua origem nas enormes enchentes das geleiras
recorrentes. No sudoeste da Queensland o Departamento de Meteorologia
registrava a média padrão de 10%, 20, 35%, 10% de polegada pluvial, em
77% de polegada em quatro dias sucessivos.
c)
Pode-se dizer com segurança que a ciência ainda não m ostrou que qual­
quer passagem da E scritura bem interpretada seja in verídica.
C om relação à antigüidade da raça, podem os dizer que, devido às diferen­
ças de leitura entre a Septuaginta e o texto hebraico há lugar para dúvida se
334
A ugustus H opkins Strong
qualquer das cronologias recebidas tem a sanção da inspiração. A pesar de que
a ciência tom ou provável a existência do hom em na terra num período ante­
rior às datas designadas nestas cronologias, nenhum a afirm ação da Escritura
inspirada por isso se prova falsa.
O esquema cronológico de Usher baseado no hebraico põe a criação no
ano 4 0 0 4 a.C. Com base na LXX, H ales a situa em 5411 a.C. Os Pais segui­
ram a LXX. Mas as genealogias anteriores e posteriores ao dilúvio podem
apresentar-nos só os nomes dos “líderes e representantes”. Alguns desses
nomes parecem figurar, não como indivíduos, mas como tribos, p.ex.:
Gn. 10.16 - onde se diz que Canaã gerou ao jebuseu e ao amorreu; 29 Joctã gerou a Ofir e a Havilá. Em Gn. 10.6, lemos que Mizraim pertencia aos
filhos de Cam. Mas Mizraim é um dual, usado para designar as duas partes: o
Alto e o Baixo Egito. Por isso um filho de Cam não podia ter o nome de Mizra­
im. Em Gn. 10 .13 lê-se: “E Mizraim gerou a Ludim”. Porém Ludim é uma for­
ma de plural. A palavra significa uma nação inteira, e “gerou” não é emprega­
do no sentido literal. Assim, os versos 15 e 16 Canaã gerou ... ao jebuseu”,
uma tribo; um dos ancestrais teria sido chamado Jebus. Abraão, Isaque
e Jacó, contudo, são nomes de indivíduos, não de tribos ou nações. E. G.
R obinson : “Podemos bem seguramente remontar ao tempo de Abraão, porém,
não mais longe”. Bíblia Sacra, 1 8 9 9 .4 0 3 - “As listas em Gênesis podem não
referir-se a indivíduos, mas a famílias”.
G.
F. W r ig h t , Ant. and Origln of Human Race, Lect. II - Quando no tempo
de Davi se diz que ‘Sebuel, filho de Gérson, o filho de Moisés, era o maioral
dos tesouros’ (1 Cr. 23 .1 6 ; 26 .24), Gérson era o filho imediato de Moisés, mas
Sebuel estava separado de Gérson por muitas gerações. Assim, quando se
diz que Sete gerou a Enos quando tinha 105 anos (Gn. 5.6), entende-se que,
segundo o emprego hebraico, Enos descendia da linhagem de Sete da qual
se separava havia 105 anos e se omitiu qualquer número de ligação interme­
diária”. Parece que o texto completo se deve à sua alteração no curso dos
séculos. Na expressão “Jesus Cristo, Filho de Davi, Filho de Abraão” (Mt. 1.1)
omitem-se entre trinta e oito e quarenta gerações. Isto pode ter ocorrido em
algumas genealogias do Velho Testamento. Há espaço para uma centena de
milhar de anos, se for o caso (Conant). W . H. G r e e n , em Biblla Sacra, abr
1 8 90 .3 03 e em Independent, 18 de jun de 1891 - “As Escrituras não nos
fornecem nenhum dado para um cálculo cronológico anterior à vida de Abraão.
Os registros mosaicos não fixam, e nem pretendem fixar, a precisa data do
Dilúvio ou da Criação. ... Elas dão uma série de vidas de espécimes, com os
próprios números atribuídos, para mostrar, através de exemplos seleciona­
dos, o que foi o termo original da vida humana. Fazer deles um registro com­
pleto e contínuo e deduzir a partir deles a antigüidade da raça é empregá-los
para uma finalidade a que não se prestam”.
A comparação com a história secular também mostra que tal distância de
cem mil anos para a existência do homem sobre a terra não parece necessá­
ria. R awlinson , in Jour. Christ. Philosophy, 1 8 8 3 .3 3 9 -3 6 4 , data o começo da
monarquia caldaica de 2 4 0 0 a.C. Lenormant situa a entrada dos indianos
sanscríticos no Indostão em 2 5 0 0 a.C. Os mais antigos Vedas estão entre
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
335
1200 e 1000 a.C. (M ax M üller ). A chamada de Abraão, provavelmente em
1945 a.C. É provável que a história chinesa tenha começado em 2356 a.C.
(L e gge ). É possível que o antigo Império no Egito tenha começado em 2650
a.C. R aw linson situa o Dilúvio em 3600 a.C. e acrescenta 2000 anos entre o
dilúvio e a criação, fazendo a era do mundo 1886+ 3600+2000 = 7486. S . R.
P attis o n , em Present Day Tracts, 3. n2 13, conclui que “as deduções a partir
da história, da geologia e da Escritura garantem um termo de cerca de 8000
anos”.
A e v id ê n c ia de u m a n a tu re z a g e o ló g ic a e s ta r a cu m u la n d o , o que te n d e a
p ro va r o a d ve n to do ho m em so b re a te rra pe lo m en os há dez mil anos. Uma
ca b e ç a -d e -s e ta de co b re te m p e ra d o e n u m e ro s o s osso s hu m a n o s nas m inas
de R o cky Point, p e rto de G ilm a n, C o lo ra d o , a 400 pé s a b a ixo da su p e rfície da
terra, e n vo lto s nu m a veia de m in é rio pra te a d o . M ais de cem d ó la re s de m in é­
rio co la d o aos o sso s qu a n d o fo ra m re m o vid o s da m ina. G.F. W right , Man and
the Glacial Epoch, p re le çõ e s IV e X e na McClure's Magazine, ju n 1901 e
Bibiia Sacra, 1903.31 - “ fa lo u p rim e iro em 300 m ilh õ e s de anos co m o um a
sim p le s b a g a te la de te m p o g e o ló g ico . S eu filh o G eorge lim ita a 50 ou 100
m ilhõe s; L orde K elvin , a 24 m ilhõe s; T hompson e N ewcomb p a ra ap e n a s 10
m ilh õ e s” . S ir A rchibald G eikie , na A s s o c ia ç ã o B ritâ n ica de D o ve r em 1899,
disse que 100 m ilh õ e s de an os b a sta va m p a ra a p e q u e n a p o rção da h istó ria
da te rra que está re g istra d a na c ro s ta das roch as e stra tifica d a s.
S haler , Interpretation o f Nature, 122, considera que a vida vegetal existia
no planeta pelo menos 100 milhões de anos. W arren U pham , em Pop. Science
Monthly, dez 18 9 3 .15 3 - “Que idade tem a terra? 100 milhões de anos”.
D. G. B righton , em Forum, d e z 18 93 .4 54 , s itu a o lim ite m ín im o da existê n cia
do ho m em so b re a te rra em 50 mil anos. G. F. W right não d u vid a de que a
p re se n ça do ho m em ne ste c o n tin e n te é p ré -g la cia l, isto é, há on ze ou doze
m il anos. Ele a firm a que ho u ve um re b a ixa m e n to da Á s ia C e n tra l e do S u d e s­
te da R ú ssia d e sde o ad ve n to do ho m em e que a in d a se e n co n tra m focas
á rtica s no Lago B aical na S ib é ria . C o n q u a n to a d m ite que a civ iliz a ç ã o eg ípcia
pode re m o n ta r a 50 m il a.C ., ele su s te n ta que não m ais de 6 m il ou 7 m il anos
an te s d isto era m n e c e s s á rio s co m o p re p a ra ç ã o p a ra a histó ria . L e C onte ,
Elements ofGeology, 6 1 3 - “ O s ho m e n s vira m as g ra n d e s g e le ira s da se g u n ­
da ép o ca glacia l, m as não há e v id ê n c ia s e g u ra da s u a e x is tê n c ia an tes da
p rim e ira época. D eltas, im p le m e n to s, as pra ia s la cu stre s, as qu ed as d ’água,
in dica m ap e n a s de 7 m il a 10 m il an os. C á lc u lo s re ce n te s do P rof . P restwich ,
o m ais e m in e n te g e ó lo g o vivo da G rã B re ta n h a , te n d e a d a r-n o s o fim da
ép o ca g la cia l a b a ixo de 10 m il ou 11 m il anos.
d) M esm o que se encontrasse erro em m atéria de ciência na Escritura, não
desaprovaria a inspiração, visto que ela se preocupa com a ciência só quando
os pontos de vista científicos corretos são necessários à m oral e à religião.
Grandes prejuízos resultam da identificação da doutrina cristã com as
teorias específicas do universo. A Igreja Romana sustentava que a Escritura
ensinava a revolução do sol em torno da terra e que a fé cristã requeria a
condenação de G alileu ; J ohn W esley ensinava que o cristianismo é insepa­
336
A ugustus H opkins Strong
rável da crença na feitiçaria; os oponentes da alta crítica consideram a auto­
ria mosaica do Pentateuco “articulus stantis vel cadentis ecclesiae” (inabalá­
vel artigo ou assunto encerrado da igreja). É grande o nosso engano ao ligar­
mos a inspiração à doutrina científica. O propósito da Escritura não ensinar
ciência, mas religião e, exceto a obra criadora e preservadora de Deus no
universo, nenhuma verdade científica é essencial ao sistema de doutrina cris­
tã. A inspiração pode deixar os escritores da Bíblia de posse das idéias cien­
tíficas da sua época, apesar de que eles eram cheios do poder de declarar
corretamente tanto a verdade ética como a religiosa. O espírito justo, na ver­
dade, recebe um certo discernimento quanto ao sentido da natureza e deste
modo os escritores da Bíblia parecem estar imunes de incorporar na sua pro­
dução muitos erros científicos da sua época. Mas a inteira liberdade de tal
erro deve ser considerada como um acessório necessário da inspiração.
2. E rro s em m atéria de H istória
A esta objeção retrucam os:
a)
O que é atacado com o tal são freqüentem ente sim ples equívocos na
transcrição e não tem nenhum a força com o argum ento contra a inspiração, a
não ser que prim eiro se possa dem onstrar que os docum entos inspirados são
pelo m esm o fato de sua inspiração isentos da operação das leis que afetam a
transm issão de outros docum entos antigos.
Não temos nenhum direito de esperar que a inspiração do escritor original
será seguida de um milagre no caso de cada copista. Por que crer que haja
copistas infalíveis, assim como impressores infalíveis? Deus nos ensina a
tomar cuidado com a sua palavra e com a transmissão correta. O respeito
tem conservado as Escrituras mais livres de várias leituras do que ocorre com
os outros manuscritos antigos. Nenhuma das variações existentes põe em
perigo qualquer importante artigo de fé. Contudo, provavelmente há alguns
erros na transcrição. Em 1 Cr. 22.14, em vez de 100 mil talentos de ouro e um
milhão de talentos de prata (=3 bilhões e setecentos e cinqüenta milhões de
dólares), J osefo divide o total por dez. D r . H ow ard O s g o o d : “O escritor fran­
cês R evillout explica os números diferentes em Reis e Crônicas do mes­
mo modo em que, mais tarde ele explica as mesmas diferenças nos relatos
egípcios e assírios, pela mudança no valor do dinheiro e desvalorização do
poder aquisitivo. Ele mostra a mudança em toda a Ásia ocidental”.
Em 2 Cr. 13.3,17, onde se diz que o número de homens nos exércitos da
Palestina afirma-se que 400 mil e 800 mil e 500 mil foram mortos numa só
batalha, “algumas cópias antigas da Vulgata e traduções latinas de Josefo
registram quarenta mil, oitenta mil e cinqüenta mil”. Em 2 Cr. 17.14-19, o
exército de Josafá reúne um milhão e seiscentos mil além das guarnições das
suas fortalezas. É possível que, por erro na transcrição, estes números
tenham sido multiplicados por dez. Outra explicação, contudo, talvez mais
provável é apresentada na letra (d) abaixo. Semelhantemente, compare
1 Sm. 6.19, onde 50.070 são mortos contra 70 de Josefo; 2 Sm. 8.4 - “mil e
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
337
setecentos cavaleiros” contra 1 Cr. 18.4 - “sete mil cavaleiros”; Et 9.16 - 75
mil mortos pelos judeus contra LXX - “15 mil”. Em Mt. 27.9 temos “Jerem ias”
em lugar de “Zacarias” - C alvino admite que isto seja um erro; e, se se trata
de um erro, então foi cometido pelo primeiro copista porque ele aparece em
todos os unciais, todos manuscritos e todas as versões, exceto a Siríaca Peshita
onde ele é omitido evidentemente com apoio na autoridade do copista indivi­
dual e do tradutor. Em At. 7 .16 - “sepultura que Abraão comprara” - H ackett
considera “Abraão” como um erro em lugar de “Jacó” (compare Gn. 33.18,19).
b) Outros assim cham ados erros devem ser explicados com o um uso perm issível de núm eros redondos que não podem ser negados aos escritores
sagrados a não ser apoiados no princípio de que a precisão m atem ática é mais
im portante que a im pressão geral a ser garantida pela narrativa.
Em Nm. 25.9 menciona-se que na praga caíram 24 mil; 1 Co. 10.8 fala em
23 mil. É possível que o número esteja entre os dois. Com base em sem e­
lhante princípio, não temos nenhum escrúpulo em celebrar o Desembarque
dos Peregrinos em 22 de dez. e o nascimento de Cristo aos 25. Falamos da
batalha de Bunker Hill, embora nesse local não tenha havido nenhuma bata­
lha. Em Ex. 12.40,41, declara-se que a peregrinação dos israelitas foi de 430
anos. Contudo, Paulo, em Gl. 3.17, diz que a doação da lei através de Moisés
foi a 430 anos após a chamada de Abraão e esta ocorreu 2 15 anos antes de
Jacó e seus filhos descerem para o Egito; Paulo teria dito 645 anos em vez
de 430. F ranz D elitzs c h : “A Bíblia hebraica conta da peregrinação egípcia
(Gn. 15.13-16), mais corretamente 430 anos (Ex. 12.40); mas segundo a LXX
(Ex. 12.40) este número compreende a peregrinação em Canaã e no Egito,
de modo que 215 de peregrinação em Canaã e 215 de cativeiro no Egito.
Este tipo de cálculo não é exclusivamente helenístico; encontra-se também
no antigo Midraxe Palestino. Paulo defende isto em Gl. 3.17, fazendo, não a
imigração para o Egito, mas a aliança com Abraão o terminus a quo dos 430
anos que terminam no êxodo do Egito e na legislação”. O propósito de Paulo
não era fazer cronologia, de sorte que ele seguiu a LXX e chama o tempo
entre a promessa a Abraão e a entrega da lei a Moisés 430 anos e não os
verdadeiros 600. Se ele tivesse dado um número maior, poderia ter causado
perplexidade e discussão sobre o assunto que nada tinha a ver com a ques­
tão vital em foco. A inspiração pode ter empregado afirmações correntes
embora não precisas em assuntos que se referem à história, porque eram
recursos mais valiosos para impressionar a mente dos homens sobre a ver­
dade de modo mais importante. Em Gn. 15 .13 os 430 anos são arredondados
para 400, o que também ocorre em At. 7.6.
c ) D iversidade de relatos do m esm o evento no que não se refere a nenhum a
verdade substancial pode dever-se à pequenez d a narrativa e pode-se explicar
plenam ente se algum sim ples fato, ora não registrado, é som ente conhecido.
E xplicar estas aparentes discrepâncias não só estaria além do propósito do
A ugustus H opkins Strong
338
registro, m as destruiria um a valiosa evidência da independência dos diversos
escritores ou testem unhas.
N o ju lg a m e n t o d e S t o k e s , o j u i z f a lo u e m d u a s t e s t e m u n h a s a p a r e n t e ­
m e n te c o n f lit a n t e s , m a s n e n h u m a d e la s n e c e s s a r ia m e n t e f a ls a . S o b r e a d if e ­
à c e n a d o S e r m ã o d o M o n te (M t. 5.1;
6.17) ver S ta n le y , Sinai and Palestine, 360. Q u a n t o à e x is t ê n c ia d e u m
c e g o o u d o is (M t. 20.30 cf. L c . 18.35) y e r B u s s , Com. on Luke, 275 e G a r d in e r ,
e m Biblia Sacra ju l 18 79.5 13,5 14; J e s u s p o d e t e r c u r a d o o s c e g o s d u r a n t e a
r e n ç a e n tr e M a te u s e L u c a s q u a n t o
cf.
Lc.
e x c u r s ã o d e u m d ia p a r t in d o d e J e r ic ó e is to p o d e s e r d e s c r it o c o m o “ q u a n d o
e le s s a í r a m ” , o u “ q u a n d o e le s s e a p r o x im a r a m d e J e r ic ó ” . P r o f . M . B. R iddle :
“ Lc.
18.35
d e s c r e v e o m o v im e n t o g e r a l p a r a J e r u s a lé m e n ã o o p r e c is o p o r ­
m e n o r q u e a n t e c e d e u a o m ila g r e ; M t.
20.30
s u g e r e q u e o m ila g r e o c o r r e u
d u r a n t e u m a e x c u r s ã o a p a r t ir d a c id a d e ; L u c a s m a is t a r d e fa la d a p a r tid a
f in a l” ; C a lv in o d e f e n d e d o is e n c o n t r o s ; G o d e t d u a s c id a d e s ; s e J e s u s c u r o u
d o is c e g o s , s e m d ú v id a e le c u r o u u m e L u c a s n ã o p r e c is a v a m e n c io n a r m a is
de
u m , a in d a q u e tiv e s s e
M t.
20.30.
E m M t.
8.28,
c o n h e c im e n to
o n d e s e r e g is t r a m
de am bos;
ver
B ro a d u s s o b re
d o is d e m o n í a c o s e m G a d a r a e
L u c a s s ó u m e m G e r a s a , B r o a d u s s u p õ e q u e a a ld e ia d e G e r a s a p e r te n ç a
à
c id a d e d e G a d a r a , p o u c a s m ilh a s a o s u d o e s t e d o la g o e c it a o c a s o d e
L a fa y e tt e : E m
1824
L a f a y e t t e v is it o u o s E s ta d o s U n id o s e fo i r e c e b id o c o m
h o n r a s e p o m p a . A lg u n s h is t o r ia d o r e s m e n c io n a m
a p e n a s L a fa y e tte , m a s
o u tr o s r e la ta m a m e s m a v is it a e a s m e s m a s h o n r a s r e c e b id a s p o r d u a s p e s ­
s o a s , a s a b e r , L a fa y e tte e s e u filh o . N ã o e s ta r ã o a s d u a s n a r r a t iv a s c e r t a s ? ”
A g o s tin h o : “ L o c u tio n e s v a r ia e , s e d n o n c o n tr a r ia e ; d iv e r s a e , s e d n o n a d v e r s a e ”
( P r o n u n c ia m e n to s v á r io s , m a s n ã o c o n tr á r io s ; d iv e r s o s , m a s n ã o a d v e r s o s ) .
B artlett , em Princeton Rev., jan 1880.46,47, dá as seguintes ilustrações
modernas: Winslow’s Journal (da Plantação de Plymouth) fala de um navio
enviado “pelo Mestre Weston”. Mas B radford em sua narrativa mais breve
sobre o assunto, menciona-o como enviado “pelo Sr. Weston e uma outra
pessoa”. J ohn A da m s , em suas cartas, conta a história da filha de Otis sobre
os manuscritos do seu próprio pai. Na época ele a faz dizer: “Em um dos seus
infelizes momentos ele os entregou todos às chamas”; contudo, numa segun­
da carta, ela se apresenta dizendo que “ele passou vários dias fazendo isso”.
Um jornal diz: o Presidente Hayes assistiu ao centenário de Bennington; um
outro diz: o Presidente e a sua esposa; um terceiro: o Presidente e o seu
Gabinete. O Gabinete de Arquibaldo; um quarto: o Presidente, a Sra. Hayes e
a maioria do seu Gabinete. Arquibaldo Forbes, em seu relato de Napoleão III
em Sedan, assinala um acordo de narrativas quanto aos pontos relevantes
combinados com as “desesperançadas e confusas discrepâncias quanto aos
pormenores”, mesmo quando feitos por testemunhas oculares, inclusive ele
próprio, Bismarck e o General Sheridã que estava em terra assim como os
outros.
T hayer , Change of Attitude, 52 fala do “rude anacronismo a respeito de
Teudas” - At. 5.36 - “Porque, antes destes dias, levantou-se Teudas”. J o s e fo ,
Antiquities, 20.5.1, menciona um rebelde Teudas, mas a data e outros inci­
dentes não concordam com os de Lucas. Josefo, contudo, pode ter errado a
T e o l o g ia S is t e m á t ic a
339
data com a mesma facilidade que Lucas, ou ter feito referência a um outro
homem do mesmo nome. A inscrição na cruz é dada em Mc. 15.26, como “o
Rei dos judeus”; em Lc. 23.38, como “Este é o Rei dos judeus”; em Mt. 27.37
como “Este é Jesus o Rei dos judeus”; e em Jo. 19.19, como “Jesus Nazare­
no, Rei dos Judeus”. A inscrição inteira em hebraico, grego e latim pode ter
contido cada palavra dada pelos demais evangelistas combinados e pode ter
sido “Este é Jesus, Nazareno, o Rei dos Judeus”, e cada relato separado
pode ser inteiramente correto.
d)
Enquanto as descobertas históricas e arqueológicas em m uitas im por­
tantes particularidades sustenta a correção geral das narrativas da Escritura e
nenhum a declaração essencial do ensino m oral e religioso da Escritura foi
invalidado, a inspiração ainda é consistente com m uita im perfeição no porm e­
nor histórico e suas narrativas “não parecem estar isentas das possibilidades
de erro” .
As últimas palavras citadas são de S anday . Em suas Bampton Lectures on
Inspiration, 400, assinala que “ela pertence aos livros históricos e tem uma
lição religiosa em vez de histórias; interpreta em vez de narrar claramente o
fato. O ponto crucial é que, quanto a estes últimos, parecem isentos das pos­
sibilidades de erro”. R.V. F o s te r , Sistematic Theology, (Presbiteriano de Cumberland): Os escritores da Bíblia “não foram inspirados a fazer outra coisa
senão tomar estas afirmativas como as encontraram”. Inerrância não é estar
livre de afirmativas equívocas, mas do erro definido como aquilo que desencaminha em qualquer sentido sério ou importante”. “Quando comparamos os
relatos de 1 e 2 Crônicas com os de 1 e 2 Reis achamos naqueles um exage­
ro de números, uma supressão de material desfavorável ao propósito do
escritor e uma ênfase naquilo que é favorável que contrasta fortemente com o
método deste. Estas caraterísticas são de tal modo contínuas que a teoria
dos erros na transcrição não parece suficiente para explicar os fatos. O obje­
tivo do autor é tirar lições religiosas da história e os pormenores históricos
não têm para ele relativa importância.
H.
P. S m it h , Bib. Schorlarship and Inspiration, 108 - “A inspiração não
corrige o ponto de vista histórico do escritor das Crônicas, nem corrige o cien­
tífico, que faz da terra o centro do sistema solar. Por isso deixa-o aberto para
receber documentos e utilizá-los, os que idealizaram a história do passado e
descreveram Davi e Salomão conforme as idéias dos tempos mais tardios e
da classe sacerdotal. Omitiram-se pecados de Davi e multiplicaram-se os
números a fim de dar maior dignidade ao reino antigo”. Como os Idílios do Rei
de T ennyson apresentam um quadro mais nobre do rei Artur e um aspecto
mais definido da sua história do que os verdadeiros registros justificam,
enquanto o quadro ensina grandes lições morais e religiosas, assim o escritor
das Crônicas parece ter manipulado o seu material no interesse da religião.
Os assuntos de aritmética são de valor inferior. “Majoribus inventus est”.
E.
G. R o b in s o n : “Os números da Bíblia são caraterísticos de uma era
semibárbara. Os escritores tiveram o cuidado de conjeturar o suficiente.
340
A ugustus H opkins Strong
A tendência de tal época é exagerar sempre”. Dois selvagens de Formosa
dividem cinco peças entre si, tomando duas cada um e jogando fora uma.
As tribos inferiores podem contar só nos dedos das suas mãos: quando tam­
bém usam os artelhos, isto marca um avanço na civilização. Para a criança
moderna cem é um número tão grande como um milhão. Do mesmo modo as
Escrituras parecem empregar os números com uma ignorância infantil quan­
to ao seu significado. Centenas de milhares podem ser substituídos por deze­
nas de milhares e a substituição só parece um tributo próprio da dignidade do
sujeito. G o r e , em Lux Mundi, 353 - “Não se trata de uma perversão conscien­
te, mas de uma idealização inconsciente da história, leitura de registros pas­
sados, de um desenvolvimento ritual que mais tarde se realizaria. A inspira­
ção exclui o engano consciente, mas parece ser perfeitamente consistente
com este tipo de idealização; sempre supondo que

Documentos relacionados