Camilla Ezequiel Jardim

Transcrição

Camilla Ezequiel Jardim
INDÚSTRIA, TRABALHO E ENSINO INDUSTRIAL NO PENSAMENTO DE ROBERTO
COCHRANE SIMONSEN: a presença do americanismo
Maxwel Ferreira da Silva
José Geraldo Pedrosa, Dr.
RESUMO
Este trabalho insere-se no Programa de Pós-graduação em Educação Tecnológica do
CEFET/MG. Vincula-se, de modo mais singular, ao programa de pesquisa Americanismo,
Trabalho e Educação. Investiga-se o americanismo (suas influências) no pensamento de
Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948), industrialista estrênuo, intelectual orgânico e
político brasileiro, e a confluência das suas ideias no processo de constituição do Ensino
Industrial no Brasil. Americanismo refere-se ao ethos dos Estados Unidos da América
(EUA). Enquanto conceito, possui duas grandes vertentes: uma endógena e outra exógena.
Esta diz respeito ao olhar da alteridade sobre os EUA, aquela se refere aos significados do
termo entre os próprios ianques. O que ambas têm em comum é a percepção de que os
EUA são diferentes da Europa e esta diferença, para alguns, inscreve-se em termos
civilizatórios. Neste trabalho, americanismo liga-se ao fordismo, um modo de produção que
implica um determinado modo de vida. Objetiva-se compreender a presença e relevância do
americanismo no pensamento de Roberto Cochrane Simonsen, altercando de quais modos
o americanismo influenciou sua postura em relação ao trabalho e ao Ensino Profissional no
Brasil na década de 1940. A natureza da abordagem será, sobretudo, filosófica e histórica,
enquadrando-se numa perspectiva da teoria crítica.
PALAVRAS-CHAVE: Simonsen; Americanismo; Fordismo; Ensino Industrial.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho insere-se na linha de pesquisa Ciência, Tecnologia e Trabalho:
abordagens filosóficas, históricas e sociológicas do Programa de Pós-graduação – Mestrado
em Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais –
CEFET/MG. Vincula-se, de modo mais singular, ao programa de pesquisa Americanismo,
Trabalho e Educação que é a principal ponte entre a referida linha de pesquisa e este
estudo, cujo tema é a Educação Profissional e Tecnológica no Brasil, focalizando a
Educação Profissional e, de modo particular, o Ensino Industrial que ganha maior relevância
a partir da década de 1940. Investiga-se o americanismo (suas influências) no pensamento
de Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948), industrialista estrênuo, intelectual orgânico e
político brasileiro, e a confluência das suas ideias no processo de constituição do Ensino
Industrial no Brasil.
A problemática da pesquisa gira em torno da seguinte questão: ao propor o
desenvolvimento do Brasil pela via da industrialização, e tendo como forte referencial o
fordismo, sabendo-se que, conforme Gramsci (2001), não se realiza o fordismo sem uma
mudança ontológica na sociedade, i.e., sem as condições sociais necessárias para realizálo, qual e como é a presença de princípios e práticas pertencentes ao americanismo no
pensamento de Roberto Cochrane Simonsen. Além disso, como o americanismo influenciou
sua concepção sobre o trabalho e Ensino Profissional no Brasil na década de 1940?
Objetiva-se compreender a presença e relevância do americanismo no pensamento
de Roberto Cochrane Simonsen, altercando de quais modos o americanismo influenciou sua
postura em relação ao trabalho e ao Ensino Profissional no Brasil na década de 1940. Mais
especificamente, objetiva-se identificar e examinar a presença do americanismo nas obras
selecionadas de Roberto Simonsen; analisar suas concepções sobre o trabalho e sobre o
Ensino Industrial e cotejá-las ao americanismo.
O objeto da pesquisa é o americanismo no pensamento de Roberto Cochrane
Simonsen e a fonte para tal objeto é o conjunto selecionado de cinco obras de Roberto
Simonsen, a maioria uma compilação de discursos e conferências. São elas: O trabalho
moderno (1919); Á margem da profissão ([1932]); Ensaios sociais, políticos e econômicos
(1943); História Econômica do Brasil 1500-1820 (1944); e Evolução industrial do Brasil e
outros estudos (1973). Reserva-se à pesquisa a possibilidade de consultar outros textos do
autor, especialmente alguns discursos que não foram incorporados em livros, como
Roosevelt, discurso pronunciado no Teatro Municipal de São Paulo nas comemorações do
dia do Pan-americano, em 1945. Com exceção de História econômica do Brasil 1500-1820,
cujo interesse maior da pesquisa é examinar a concepção que Simonsen construiu sobre o
Brasil até o início do século XIX para entender suas propostas desenvolvimentistas que se
farão adiante, todas as outras obras serão lidas e examinadas com a finalidade de se
compreender como o americanismo nelas aparece, explicito ou implicitamente, e nelas
significa.
A natureza da abordagem será, sobretudo, filosófica e histórica, enquadrando-se
numa perspectiva da teoria crítica. A teoria tem um papel fundamental para a pesquisa,
sendo simultaneamente sustentáculo para as reflexões e trampolim para possíveis
inferências e descobertas e deverá, o quanto for possível, ser concomitantemente
explicativa, normativa, prática e autorreflexiva. Como a pesquisa não tem a pretensão de
apenas extrair dos textos de Simonsen o sentido, i.e., a presença do americanismo, mas
antes, visa compreender neles como o americanismo produz sentidos, como ele está
investido de significância para e por Simonsen, opta-se pela Análise do Discurso (AD) como
método para a realização da pesquisa. A delimitação do corpus de análise não seguirá
critérios empíricos, mas teóricos, o que significa dizer que ao escolher o que faz ou não
parte do corpus já se estará fazendo a seleção de propriedades discursivas. Convém
ressaltar que, conforme Orlandi (2009), a AD não se interessa pelo texto como objeto final
de sua explicação, mas como uma unidade que permite acesso ao discurso. Em outras
palavras, o texto não será fim para análise, mas meio de acesso ao discurso.
2 ROBERTO COCHRANE SIMONSEN: O “CAPITÃO DA INDÚSTRIA”
Roberto Cochrane Simonsen nasceu no Rio de Janeiro em 18 de fevereiro de 1889,
embora tivesse preferido declarar-se santista e paulista (LIMA, 1976). Proveio de famílias
britânicas, tendo ascendência aristocrática do lado materno.1 Sua mãe, Robertina Velasco
da Gama Cochrane Simonsen (1862-1942), também carioca, descendente de ilustre família
escocesa, filha do famigerado Inácio Wallace da Gama Cochrane. Seu pai, Sydney Martin
Simonsen (1850-1930), engenheiro de família inglesa tradicional que veio de Londres para o
Brasil aos 25 anos de idade, tendo se estabelecido em Santos. Roberto Simonsen foi o
segundo de cinco irmãos.
Estudou o curso primário no Colégio Tarquínio da Silva, em Santos, e realizou o
curso secundário em São Paulo, no Colégio Anglo-Brasileiro, destacando-se como primeiro
aluno (LIMA, 1976). Aos 15 anos de idade, ingressou na Escola Politécnica de São Paulo,
hoje integrante da Universidade de São Paulo, formando-se engenheiro civil em 1910, antes
de completar 21 anos, sendo na época um dos engenheiros mais jovens do Brasil.
Abstendo-se de algumas regalias, pois tinha direito a ocupar um cargo público após a
colação de grau, e mantendo o espírito de “agir criando”, Simonsen trabalhou como
engenheiro na Southern Brazilian Railway (Ferrovia do Sul do Brasil) e depois na Prefeitura
de Santos. Em 1911, casou-se com Raquel Cardoso e tiveram quatro filhos: Roberto,
Fernando, Eduardo e Victor (LIMA, 1976).
Fundou em parceria de amigos a Companhia Construtora de Santos, que se
destacou por contrapor-se ao amadorismo das empresas do ramo na época. A organização
executou projetos técnicos e modernos, pavimentou parte da cidade (de Santos) e construiu
estabelecimentos, dentre eles a Bolsa de Café e a Associação Comercial, e a Base da
Aviação Naval. Simonsen definia a si mesmo como um homem de trabalho e um técnico de
outras atividades (SIMONSEN, 1933).
1
O nome Cochrane está associado ao aristocrata britânico Thomas Alexander Cochrane, nascido em
Annsfield, na Escócia, em 14 de dezembro de 1775, filho do conde de Dundonald, nono do nome.
Lord Cochrane teve uma importante participação na história do Brasil, especialmente no processo de
independência; e sua atuação foi marcante em solo baiano. Foi o primeiro Almirante da Marinha
Imperial brasileira (PINHO, [s.d.]) e protagonista das guerras de independência de vários países
latino-americanos. Faleceu em 1860, aos 85 anos. A tradição da família de Simonsen liga seu nome
(Cochrane) ao do famigerado almirante (GIORDANO, 2012).
A economista Rosa Maria Vieira (apud MARINGONI, 2010) dividiu a vida pública de
Simonsen em três fases. A primeira compreende o período de 1918 a 1927 e foi marcada
pelo interesse em racionalizar a produção, sobretudo agrária, e de detectar os gargalos do
Brasil.2 Na segunda fase, de 1928 a 1939, foi um dos fundadores do CIESP – Centro das
Indústrias do Estado de São Paulo, em 1928; da ELSP – Escola Livre de Sociologia e
Política de São Paulo (atual Fundação Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo),
em 19333; e iniciou sua carreira parlamentar.4 Por fim, no período que vai de 1940 até sua
morte, em 1948, formulou com mais maturidade suas ideias sobre a indústria, sobre a
economia e sobre o desenvolvimento nacional.5 Seu nome está associado à criação do
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, em 1942; e do SESI – Serviço Social
da Indústria, em 1946. A justificativa de Simonsen para a criação dessas instituições,
especialmente as que visavam formação profissional, era proporcionar fundamentos para a
“nova mentalidade”, qualificando-a a responder com propriedade os desafios da sociedade
moderna erigida sobre os pilares da ciência e da técnica (TENCA, 1987). Ao fundar a ELSP,
Simonsen, em companhia de outros patrícios, instituiu uma escola para as elites dirigentes.
Já o SENAI estava destinado à formação da mão de obra da indústria.
Conforme Fonseca (1952) e Giordano (2012), Simonsen foi membro do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo, Santos e Rio de Janeiro; da Academia Paulistana de
Letras; da Sociedade Capistrano de Abreu do Rio de Janeiro; da Academia Portuguesa de
História de Lisboa; do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro; do Conselho Consultivo do
Instituto Brasileiro de Pesquisas Econômicas (Rio de Janeiro); consultor técnico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística; presidente do Conselho de Economia da Confederação
Nacional da Indústria; membro do Instituto de Engenharia de São Paulo; do Conselho
2
Em 1919, foi designado membro da Missão Comercial Brasileira à Inglaterra e representante no
Congresso Internacional dos Industriais de Algodão ocorrido na França. Também integrou a comitiva
na Conferência Internacional do Trabalho realizada nos EUA. Embora já tivesse uma vida pública
notável, foi com a construção de quartéis (obra encomendada pelo Ministro da Guerra do governo de
Epitácio Pessoa, Pandiá Calógeras), obra que se estendeu a vinte e seis cidades e nove estados,
que Simonsen atingiu o ponto culminante de sua atividade como engenheiro civil (CARONE, 1971).
Notável e pioneira foi sua gestão administrativa e sua aplicação dos conceitos científicos advindos do
taylorismo e fordismo. Simonsen foi diretor da Companhia Nacional de Artefatos de Cobre (19261928) e presidente da Companhia Nacional de Borracha (1926-1927).
3
Simonsen não foi autor do projeto da escola, mas foi porta-voz dos fundadores. Fez parte do grupo
que elaborou o primeiro projeto pedagógico e lecionou na ELSP, o que não o torna um acadêmico.
Segundo Maza (2004), foi de Simonsen a sugestão acatada de contratar professores americanos,
assim como foi dele a visão única da identidade da ELSP.
4
Segundo Carone (1971), Simonsen foi presidente do Sindicato Nacional de Combustíveis Líquidos
(1923-1928) e tornou-se sócio da Casa Comissária Murray Simonsen Co. (Sic), uma tradição de sua
família também mantida por seu avô. Foi eleito presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo
(1933-1934) e da Confederação Industrial do Brasil (1933-1934). Pertenceu ao Conselho de
Expansão Econômica do Estado de São Paulo (1938-1941) e do Conselho Nacional de Política
Industrial e Comercial, et ultra. Participou da mobilização industrial paulista durante a revolta de
1932, foi eleito deputado constituinte (1933-1934) e deputado federal (1933-1937).
5
Foi senador da República de 1947 a 1948, ano em que veio a falecer.
consultivo do IDORT – Instituto de Organização Racional do Trabalho; vice-presidente do
Conselho Superior da ELSP; membro da American Society of Civil Engineers (de Nova
Iorque); do Inter-American Statistical Institute (de Washington); da Population Association of
America (de Washington); da National Geographic Society (de Washington); do Conselho de
Editores (Economia do Brasil) do Handbook of Latin American Studies (de Harvard, nos
EUA); da Royal Geographic Society (de Londres); e do British Institute of Philosophy (de
Londres). Faleceu no salão nobre da Academia Brasileira de Letras, em 25 de maio de
1948, quando discursava ao primeiro-ministro belga, Paul van Zeeland, em visita oficial ao
Brasil.
Sabe-se que nenhum homem pode ser desvinculado de seu tempo. Do nascimento à
morte de Simonsen, notáveis fatos e mudanças decisivas estavam ocorrendo no mundo.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, os países não industrializados, como o Brasil,
perceberam o quão eram frágeis e dependentes do comércio exterior, pois essencialmente
agrícolas. De acordo com Doellinger (1977), o Brasil fazia relativos avanços entre 1922 e
1929, importando alguns bens de capital para as indústrias têxtil e de alimentos, quando o
crack da Bolsa de Nova Iorque reduziu drasticamente o comércio mundial. O padrão-ouro e
o liberalismo comercial, pilares sustentados pela supremacia britânica, perderam a validade
já com a Segunda Guerra Mundial, o que resultou no fechamento comercial e financeiro de
muitos países (DOELLINGER, 1977).
O mundo vivia um período de desordenamento
econômico e político.
Embora coadjuvante na cena internacional, no início da década de 1930, o Brasil
vivia importantes acontecimentos internos. A República Velha com suas rígidas políticas
monetárias já não dava conta de sustentar as demandas daquele período. Contudo,
destacou Doellinger (1977) que a Revolução de 30 não apresentou uma direção clara. A
política brasileira continuou conservadora até 1937 e o que se buscou foi estabilidade
monetária. Para Oliveira (2012), a transformação da sociedade brasileira durante o governo
Vargas e os impactos da Segunda Guerra Mundial alteraram a ideia de nação que se tinha
no Brasil e o cotidiano da sociedade brasileira, notadamente nos centros em
industrialização. Segundo a autora, no final de 1930 o Brasil tinha dois modelos a imitar: a
França e os EUA. A elite culta brasileira nutria forte abjeção à cultura dos EUA, taxando-a
como bárbara.6 No entanto, após a Primeira Guerra Mundial parte dessa mesma elite
começou a questionar o paradigma europeu e inclinou seu olhar para os EUA, que,
6
Um exemplo disso é a opinião de Sérgio Buarque de Holanda (2005, p. 43), para o qual nos EUA
reinava um utilitarismo bárbaro e havia “[...] um ar infecto de corrupção que exala das classes que
governam, difícil de ser encontrado na Europa. O utilitarismo e a preocupação de ganhar dinheiro [...]
conquistaram os norte-americanos em detrimento do espírito intelectual, da moralidade política e da
própria liberdade individual”.
enquanto novidade civilizatória7, atraia para si os holofotes do mundo. Foi com a Política da
Boa Vizinhança do Governo de Roosevelt8 que começou a se estabelecer um contato
efetivo entre o Brasil e os EUA.
Para Warde (2000), a partir de 1822, projetos começavam a circular no Brasil cujas
propostas tinham como referência os EUA. Sabe-se, por exemplo, que o modelo urbano
para a cidade de São Paulo no período de 1914 foi a cidade de Chicago. Até então, a
França nutriu os ensejos políticos e os projetos de modernidade no Brasil, tendo sido uma
forte referência; “dos brados de liberdade à sofisticação da belle époque, da moda à
organização disciplinar do ensino médio; é com Paris que a intelectualidade brasileira e os
socialmente emergentes aprendiam a adquirir lustro e tornar menos enfadonhos os seus
dias provincianos” (WARDE, 2000, p. 38). Todavia, o que não tardou a constatar-se é que
não era na França que a utopia revolucionária e modernizadora estava se realizando, mas
nos EUA.
3 AMERICANISMO É FORDISMO
Gramsci (2001) fez uma perspicaz distinção entre ação real e o espírito do gladiador,
para ser referir aos EUA em contraponto à Europa. Enquanto o espírito do gladiador
modifica apenas as palavras e os gestos, a ação real modifica em essência tanto o homem
como a realidade exterior. O espírito do gladiador é ridículo, pois apenas cria fantoches que
compõem bem o cenário que ocupam, mas quando são cortadas as cordas que os
sustentam, tornam-se inanimados. O americanismo, afirmou Gramsci (2001), é uma ação
real. Não tem muitas teorias, não se restringe à reflexão apenas, mas cria um futuro que
nasce de dentro de sua atividade objetiva. Efetua-se, sobretudo, na ação.
A América, além da sua riqueza natural, é uma nação que já nasceu livre, o que
implica dizer que “[...] não tem grandes “tradições históricas e culturais”, mas tampouco está
sufocada por esta camada de chumbo: é esta uma das principais razões [...] de sua
formidável acumulação de capitais [...]” (GRAMSCI, 2001, p. 247). A Europa, numa
expressão de Vittorio Mussolini, é stravecchia9, i.e., está carregada de um passado que ela
mesma jamais poderá negar e, ao mesmo tempo em que isso a enriquece, torna-a incapaz
de dar passos largos em direção ao novo. Para Gramsci (2001), a Europa gerou ao longo de
7
Max Lerner (1902-1992), pedagogo e jornalista nascido na Rússia e radicado nos EUA, publicou
uma coleção de quatro volumes intitulada Civilização norte-americana, em que defende os EUA como
uma notória cultura-nação-civilização, de hábitos e costumes inigualáveis (Cf. LERNER, 1960).
8
Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) foi o 32° presidente dos EUA e exerceu seus mandatos do
período que vai de 1933 a 1945.
9
“muito velha” (Cf. LOSURDO, 2010).
sua história uma massa ociosa e inútil que vive de um passado que não existe mais. Eis a
condição primeira para o americanismo: uma racional composição da demografia. Ou seja,
na América “[...] não existem classes numerosas sem uma função essencial no mundo
produtivo, isto é, classes absolutamente parasitárias” (GRAMSCI, 2001, p. 243) e a
ausência dessas classes parasitárias proporcionou uma base sadia para a indústria e para o
comércio.10
Sobre essa base sadia surgiu o fordismo que, para Gramsci (2001), é indissociável
do americanismo. O fordismo foi o grande responsável por imprimir no ianque uma segunda
natureza. Afinal, conforme lembrou Gramsci (2001, p. 266), “[...] os novos métodos de
trabalho são indissociáveis de um determinado modo de viver, de pensar e de sentir a vida;
não é possível obter êxito num campo sem obter resultados tangíveis no outro”.
Para
Gramsci (2001), o americanismo e fordismo produziram um novo homem, uma segunda
natureza humana que pode ser compreendida no sentido ontológico, como se a indústria
fosse uma entidade demiúrgica e fabricasse para si o perfil de homem de que necessitava,
forçando-o a adaptar-se ao seu meio e selecionando os mais aptos e mais fortes. Ele
reconheceu no americanismo uma nova ordem e uma nova forma de produção.
Em suma, a exogeneidade da ideia de americanismo significa uma novidade
estruturante no modus vivendi ocidental que se distingue da civilização europeia, sobretudo
em questões fundamentais como organização política, modos de produção, educação
escolar etc. Americanismo, assim como o termo americanização, sugere “[...] que os
Estados Unidos teriam criado uma civilização própria, distinta daquela dos países europeus
de onde partiram [...]” (WARDE, 2011, p. 2). Nos EUA, os raios do iluminismo
desencadearam uma coisa diferente do que proporcionaram na Europa. Americanismo ligase ao fordismo, uma vez que o fordismo, muito mais que um sistema de produção em
massa, configura um modo de vida. A expressão americanismo é genérica e comporta
outras que, no conjunto, compõem o ethos ianque.
Das mais notáveis influências que Simonsen sofreu do americanismo destacam-se o
taylorismo e, sobretudo, o fordismo.11 O taylorismo foi uma referência que nutriu sua
10
A americanização exige um determinado ambiente, uma determinada estrutura social (ou a
decidida vontade de criá-la) e um determinado tipo de Estado. O Estado é o Estado liberal, não no
sentido do livre-cambismo ou da efetiva liberdade política, mas no sentido mais fundamental da livre
iniciativa e do individualismo econômico que chega com meios próprios, como “sociedade civil”,
através do próprio desenvolvimento histórico, ao regime da concentração industrial e do monopólio.
(GRAMSCI, 2001, p. 259)
11
Conforme Harvey (1993), as tecnologias utilizadas por Ford já existiam, no entanto, seu mérito
consistiu em racionalizá-las e em organizar de forma pormenorizada a divisão de trabalho
preexistente. O famigerado tratado-manual de Frederick W. Taylor, Os Princípios da Administração
Científica – que aduzia contribuições de Frank Bunker Gilbreth, um dos fundadores do taylorismo, a
Karl Marx – já tinha sido publicado em 1911, três anos antes do marco simbólico para o início do
fordismo. Isso significa que Ford teve contato com as ideias de Taylor e, a partir delas, estabeleceu
concepção de organização da produção e do trabalho, o que significa dizer que sua
abordagem trabalhista girava em torno do princípio do homo economicus. No entanto, a
partir do final dos anos 1920, a referência ampliou-se, incorporando o fordismo, que
corresponde a uma superação do taylorismo.
A fábrica fordista introduziu os princípios da fragmentação das tarefas e
aumento do ritmo de trabalho, recorrendo a processos técnicos que
permitiam o fluxo contínuo da produção. Mas, enquanto no taylorismo sua
justificativa ideológica se resumia a uma maior produção que beneficiaria a
todos, operários, empresários e consumidor, no fordismo eram agregados
“valores sociais e morais adequados” para “internalizar o senso de disciplina
para ter um bom desempenho no novo ambiente industrial” (MAZA, 2004, p.
97).
O fordismo é um sistema de produção que define um modo de vida, i.e., fordismo
pressupõe americanismo. Se Simonsen, assim como a grande burguesia industrial paulista,
serviu-se do fordismo para efetuar o projeto de industrialização, necessariamente, foi tendo
como modelo os EUA que isso se tornou possível. Simonsen foi um industrioso12 e um
industrialista estrênuo que não se reduziu à realidade fabril; e seu audacioso projeto
desenvolvimentista tinha por objetivo moldar a sociedade sob a ótica da grande indústria
(TENCA, 1987).
A hipótese é que Simonsen não trouxe apenas o fordismo para suas empresas, mas
todo um estilo de vida necessário à sua implementação. Não apenas o operário, mas
também os dirigentes precisavam ser formados nessa nova mentalidade de produção.
Nesse sentido, as propostas de Simonsen para o ensino industrial levaram em conta
aspectos americanistas.
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automática de montagem de carros que ele mesmo organizou em Michigan, em 1913. Harvey (1993,
p. 121) destacou que o que distingue o fordismo do taylorismo é o reconhecimento de Ford de que a
produção de massa implica necessariamente num consumo de massa, “[...] um novo sistema de
reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova
estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada,
modernista e populista”.
12
Conforme o Visconde de Cairu, José da Silva Lisboa (1999, p. 43-44), “[...] é industrioso um homem
que trabalha com viveza e constantemente para ganhar a vida; e se chama preguiçoso, e inerte um
homem sem indústria. Porém mais ordinariamente se aplica aquele termo ao trabalho engenhoso,
que se executa com algum considerável grau de inteligência, para se distinguir do mero grosseiro
trabalho braçal; e, com especialidade se usa de tal nome para se exprimir o trabalho exercido nas
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