BREVE HISTÓRICO: LIVROS E LEITURAS NO PERÍODO COLONIAL
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BREVE HISTÓRICO: LIVROS E LEITURAS NO PERÍODO COLONIAL
BREVE HISTÓRICO: LIVROS E LEITURAS NO PERÍODO COLONIAL (SÉCULO XVI – XIX) GT 7 – EDUCAÇÃO, LINGUAGENS E ARTES Andréia Souza de Lemos Chagas 1 RESUMO Este artigo tem como objetivo apresentar um breve histórico dos livros e leituras no período colonial (século XVI – XIX) e suas influências na construção do perfil do leitor deste período. Para este trabalho foram privilegiados os estudos de Araújo (1999), Nascimento e Barreto (2007). De acordo com Carvalho (2001, apud NASCIMENTO; BARRETO, 2007) o Brasil dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX foram pintados pelos historiadores consolidando uma visão de que neste período estávamos indigentes de ciência, no entanto, Araújo (1999, p. 19) afirma que “o brasileiro, se não lia tudo ou bem, ao menos lia. E lia razoavelmente vário e muito”. Este estudo utilizou a metodologia da pesquisa bibliográfica. PALAVRAS-CHAVE: Livros, leituras, período colonial. ABSTRACT This article aims to present a brief history of books and reading in the colonial period (sixteenth century - XIX) and their influence in building the profile of the reader of this period. For this work were privileged studies Araújo (1999), Birth and Barreto (2007). According to Carvalho (2001, apud BIRTH; Barreto, 2007) Brazil from the sixteenth, seventeenth, eighteenth and nineteenth centuries were painted by historians consolidating a view that this period were destitute of science, however, Araujo (1999, p. 19) states that "the Brazilian, if not all read well or at least read. And read various and very reasonably. "This study used the methodology of the literature search. KEYWORDS: Books, readings, colonial INTRODUÇÃO Este texto tem o objetivo de investigar, de forma breve, as leituras e os livros no período colonial, século XVI – XIX, e suas influências na construção do perfil do leitor deste período. Para este trabalho foram privilegiados os estudos de Araújo (1999) e 1 Formação em Psicologia pela Universidade Tiradentes (2012). Mestranda em Educação pela Universidade Tiradentes (2013-2014). Nascimento e Barreto (2007) por serem historiadores que discutem este período a partir de diferentes olhares. De acordo com Carvalho (2001, apud NASCIMENTO; BARRETO, 2007) o Brasil dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX foram pintados pelos historiadores consolidando uma visão de que neste período estávamos indigentes de ciência em função das tradições que herdamos dos jesuítas. No entanto, Araújo (1999, p. 19) afirma que “o brasileiro, se não lia tudo ou bem, ao menos lia. E lia razoavelmente vário e muito”. Sendo assim, este texto busca apresentar alguns aspectos políticos, sociais, econômicos envolvidos no desenvolvimento da instrução da educação brasileira, ressaltando a presença e circulação dos livros, e da leitura. Para este estudo utilizou-se a metodologia da pesquisa bibliográfica, que de acordo com Sulzarty (2010) é um tipo de pesquisa que levanta o conhecimento disponível na área, possibilitando um conhecimento das teorias produzidas que possam contribuir para a compreensão e/ou explicação do objeto de investigação. LIVROS E LEITURAS NO SÉCULO XVI – XIX Falar sobre as leituras do período colonial nos remete a falar do desenvolvimento da instrução pública brasileira (ARAÚJO, 1999). De acordo com Faria Filho (2000) a instrução era uma das principais estratégias civilizatórias do povo brasileiro. Segundo o autor [...] buscava-se constituir [...] as condições de possibilidade da governabilidade [...] dentre essas condições, uma das mais fundamentais seria, sem dúvida, dotar o Estado de mecanismos de atuação sobre a população [...] a instrução como um mecanismo de governo permitiria não apenas indicar os melhores caminhos [...] mas também evitaria que esse mesmo povo se desviasse do caminho traçado.” (p. 137) A obra de Araújo (1999) “O perfil do Leitor Colonial” amplia nosso olhar sobre as leituras feitas no período colonial. O autor desenvolveu uma pesquisa de campo para o desenvolvimento de uma amostragem crítica e descritiva de livros e leituras no Brasil Colônia e sua provável influência na produção intelectual brasileira do período, resgatando a memória cultural brasileira da quadra colonial e construindo um mapeamento cultural e literário brasileiro do Quinhentos ao Oitocentos. No século XVI, segundo Araújo (1999) a Companhia de Jesus foi reconhecida como importante na contribuição da instrução pública no Brasil, pois lançaram os alicerces a formação social e literária da Colônia. Apesar de seu interesse salvacionista, aponta Nascimento e Barreto (2007), a Companhia de Jesus contribui para a instrução pública no país e indiretamente ampliou e trouxe as primeiras leituras para o Brasil. Ainda segundo a autora, o livro Confissões da Bahia ofereceu pistas sobre a presença de escolas e livros protestantes, durante o século XVI. Araújo (1999) nos confirma que “pouco havia em matéria de livros nos primórdios da colonização portuguesa” (p.25). Segundo o autor, o Brasil de Quinhentos permaneceu na sombra, parecendo que não lia. Inicialmente o interesse português em relação ao Brasil era apenas especulativo, pois não haviam descobertos as potencialidades da terra (ouro, prata, ferro, trigo, etc), explorando, no século XVI, apenas o pau-brasil. Este cenário foi alterado somente no século XVI-XVII com o ciclo da cana-de-açúcar. A América, para os portugueses, trazia consigo a ideia de um ambiente intocado e desconhecido, habitado por selvagens ingênuos e mansos. O Brasil não era considerado algum problema para o qual os portugueses devessem voltar o olhar. Esta realidade despreocupada veio a mudar com as invasões holandesas e com os quilombolas (ARAÚJO, 1999). A América portuguesa dos primeiros séculos não tratou da formação ou desenvolvimento de qualquer processo educativo que tomasse a literatura como instrumento de transmissão cultural. Temas e recursos expressionais da literatura europeia passaram ao largo da mentalidade colonial brasileira (ARAÚJO, 1999). Sendo assim, a literatura no Brasil do século XVI ao XVIII emergiu de uma cultura literária jesuítica comprometida com a ideologia conservadora da ContraReforma. Foram os padres jesuítas da Companhia de Jesus que introduziram o alfabeto, o latim, a gramática e a literatura de fundo místico e ascético até 1757. Os jesuítas estiveram à frente do ensino e da cultura e exerceram forte influência no comportamento do leitor brasileiro. No entanto, Gilberto Freyre (1960, apud NASCIMENTO; BARRETO, 2007) aponta que em 1555, através do estabelecimento e organização do protestantismo, tiveram começo também a literatura israelita nas Américas. Para compreensão do quadro da cultura no Brasil dos dois primeiros séculos é necessário compreender a influência dos padres jesuítas (ARAÚJO, 1999, p.36). A base da leitura jesuítica assentava-se na reprodução de sentidos marcados pela ideologia da Contra-Reforma. Os primeiros livros que circularam no Brasil foram, portanto, trazidos por eles após um crivo de avaliação da relação dos mesmos com os propósitos da disciplina teológica. Além de cartilhas, livros de devoção, práticas de sermonários e catecismos teológicos, existiam clássicos, censurados pelo Index inquisitorial, como Virgílio, Cícero, Horácio, Ovídio, Sêneca, Aristóteles, Platão, Demóstenes, Homero, Hesíodo e Píndaro (ARAÚJO, 1999). Os padres jesuítas possuíam um caráter docente autoritário, permitindo serem lidos apenas os livros em latim e que fossem de acordo com os objetivos de um aprendizado mecânico. Os livros, enquanto objeto da cultura e da prática social, eram admitidos como símbolos de uma ascensão intelectual nem sempre consentida dentro do rigor axiomático dos jesuítas (ARAÚJO, 1999, p.41). A instrução jesuítica foi um instrumento da catequese e a esta serviu mais que à cultura brasileira. Não se desenvolveu a instrução pela instrução, nem o ensino como propósito e modelo de mudança intelectual, ou de elevação social da Colônia, mas o ensino contemplado pela dominação catequética. Embora abstruso e comprometido, o modelo docente dos jesuítas implantou uma corrente cultural que alargou o conceito de prática intelectual no Brasil. (ARAÚJO, 1999, 43). Oliveira (2010) aponta o papel do catecismo como um dispositivo fundamental no processo de escolarização e como método do ensino das primeiras letras. De acordo com Araújo (1999) o século XVII, no Brasil, aparece quase que desconhecido pelos historiadores, principalmente em relação à circulação de livros e formação de bibliotecas. Segundo o autor a experiência luso-espanhola também em nada pareceu ter alterado a situação de entrave à circulação de livros no Brasil. No traço específico da influência cultural holandesa não registra, no Brasil do século XVII, a circulação de obras. Araújo (1999) aponta que há ausência de outros documentos representativos, que estabeleçam respostas conclusivas sobre as tendências de leitura no século XVII. O autor aponta que deveria haver livros entre os bens coloniais do Seiscentos brasileiro, no entanto, nenhum historiador de nossa cultura teria arriscado traduzir com segurança um sentido orgânico da leitura brasileira no século XVII. Porém, os estudos de Nascimento e Barreto (2007) apontam que em 1640, a partir do trabalho de brasilianização, com a necessidade de catecismo em língua tupi, foi organizada e impresso na Holanda o livro Uma instrução simples e breve da palavra de Deus nas línguas brasiliana, holandesa e portuguesa, o qual foi distribuído no Brasil no ano seguinte. As tendências e comportamentos de leitura no Brasil, no século XVIII, “século das luzes” (OLIVEIRA, 2010), distinguem-se dos do século XVII, em quantidade e qualidade de títulos e de assuntos, de acordo com Araújo (1999), porque denuncia uma maior presença e mais franca presença de outros modelos culturais e literários. No entanto não existe ainda um leitor que se evidencie intelectualmente. Os documentos desta época indicaram um leitor apenas refletido a partir das áreas diretamente oriundas de um interesse específico de ampliação de status acadêmico ou profissional. Os livros permanecem na predominância das obras de devoção, mas já vão aparecendo, em um número considerável, os clássicos latinos, as gramáticas e dicionários, Ciências naturais e Filosofia. A Instrução Pública, no interior da reforma pombalina, é assunto que se afigura como contribuição ao conhecimento de um perfil de leitura no século XVIII. De acordo com a legislação da reforma pombalina tanto o processo de seleção dos docentes quanto às literaturas às quais os alunos e professores teriam acesso, foram dirigidas pelas instruções sancionadas pelo Estado. [...] instruções apresentam-se não somente como guia dos professores [...] mas como peça de erudição, tanto do ponto de vista pedagógico quanto linguístico e literário [...] indica os compêndios a serem usados [...] pelos estudantes e [...] consulta dos professores [...] cânone escolar ideal para o novo perfil do Estado português. (OLIVEIRA, 2010, p. 75). Com a reforma e expulsão dos jesuítas dos reinos de Portugal, conquanto não ofereça matizes precisos dos seus efeitos, certamente trouxe dissabores. No Espírito Santo a biblioteca praticamente desapareceu. A expulsão dos jesuítas, em termos da eliminação de sua base cultural e de suas livrarias, alcançou todos os domínios de Portugal. Borba de Moraes especula que, em todo o Brasil, muitos desses livros devem ter sido vendidos a preço vil, condenados a embrulhar unguentos, em virtude da sanha intervencionista do Estado pombalino. (ARAÚJO, 1999, p. 72) O século XVIII português é marcado pela singular presença e rica biografia do marquês de Pombal. Com ele nasce um movimento de ilustração não-libertária, envergonhada, mas de significativa irradiação, expressa superlativamente no Verdadeiro método de estudar, de Verney com seus desdobramentos e consequências. Verney critica a Gramática latina do padre Àlvares, praticado como método de ensino na Universidade de Coimbra, considerando danoso ao entendimento da mocidade portuguesa e prejudicial a boa educação, uma vez que, para o entendimento da gramática era necessário uma outra série de obras para explicá-la, já que a mesma era escrita em latim. (ARAÚJO, 1999) O século de Pombal veio trazer grandes alterações. O eixo da educação a serviço se desloca então da Igreja para o Estado. Curioso o perfil de Pombal enquanto leitor. Conhece-se o homem por seus livros? Se assim for, Pombal não teria nada de calculista ou maquiavélico, não se revelaria dono de uma excepcional cultura. Outros inspiradores da reforma pombalina, pedagogos ou executores, quase todos vieram a ser autores populares, com livros de garantida circulação entre leitores do século XVIII no Brasil (ARAÚJO, 1999). De acordo com Oliveira (2010) as reformas de Pombal foram capazes de dar um novo rumo à educação na colônia, em termos de renovação metodológica, de conteúdo e de organização. Sem dúvida, é Verney a personagem mais polêmica e rica no complexo universo das reformas aplicadas à pedagogia portuguesa do Setecentos. Em defesa da simplicidade, da clareza, do espírito prático e não-contemplativo, a linha do pensamento verneyano era reformista stricto sensu, como aponta Araújo (1999). A última carta do Verdadeiro Método é, tacitamente, a de uma reprogramação sócio-cultural, proposta para o Reino de Portugal, compreendendo desde o ensino primário gratuito à assistência médica. O Verdadeiro Método de estudar toma a si a tarefa de anular as barreiras oficiais, de desmitificar o sistema fechado do ensino jesuíta. Um dos traços singulares que reponta do Verdadeiro método é que, para Verney, não é necessário ler muito, mas bem. Diz ele, criticando os mestres, que os autores não se devem ler correndo, como muitos fazem; mas devem-se ler e reler atentissimamente. Pois, quem não reflete como deve no que lê, tanto importa que leia Cícero, como os actos de Maria Parda, de acordo com Verney. (ARAÚJO, 1999). De acordo com Araújo (1999) no Brasil Setecentista, muitos autores foram proibidos, mas chegaram a ter regular circulação. Nascimento e Barreto (2007) aponta que foram encontrados cadernos com cópias manuscritas de autores franceses proibidos, como Rousseau, entre os Inconfidentes. Nota-se que é sintomático de que o interdito tinha gosto de descoberta e subversão. As ações e reações da reforma pombalina tiveram ressonância na vida intelectual e na atitude leitora brasileira, com influência no gosto ou no aborrecimento de livros e ideias (ARAÚJO, 1999). Nascimento e Barreto (2010) aponta que o movimento de ilustração pombalina teve um grande impacto no Brasil trazendo uma vitalidade na circulação de livros e ideias. Segundo a autora os brasileiros foram estimulados a ler em Português, enquanto o Estado fechou os olhos para as leituras dos livros franceses proibidos. Antes, durante ou depois da marcada influência da era Pombal, os brasileiros aqui desenvolveram suas leituras basicamente nos colégios, de ensino tradicional, ou nas livrarias que formavam. A tendência de predomínio da literatura religiosa ou mística toma corpo no século XVIII. A presença e envolvimento dos religiosos com as instituições de ensino e o Estado explica o grande volume de livros de natureza religiosa e mística. (ARAÚJO, 1999) O século XIX foi marcado pelo progresso de mudanças sociais, políticas e administrativas no Brasil, que se fez acompanhar, de forma progressiva, por um conjunto de mudanças nos hábitos do leitor em termos quantitativos, reiterativos e valorativos, como nos descreve Araújo (1999). A observação mais óbvia deriva da investigação das livrarias oitocentistas, que aponta que o país parece mudar, aumentando e massificando as bibliotecas. Ocorre um crescimento horizontal de títulos e de assuntos, com a variação e circularidade de livros populares desde o século XVIII. Segundo Araújo (1999), dentre as grandes mudanças advindas do progresso, o que não muda é o perfil sociológico do leitor. O qual conserva-se como um homem abastado ou de classe média, entre conservador e liberal, ainda preso ao limite da devoção religiosa e ao profissionalismo, seguramente curioso e interessado numa maior gama de interpretações do mundo à sua volta. O século XIX começa com um período conturbado em Portugal. O que parecia impossível em termos de civilização pôde afinal ser conhecido em pouco tempo no Brasil a partir da transferência da Corte para o Rio de Janeiro, em 1808, como melhoramentos sociais efetivos, modernização da malha urbana, criação de um Jardim Botânico, de uma Biblioteca, de uma Tipografia, abertura de portos às nações amigas. A sociedade se organiza, a educação se amplia e começam enfim a ceder algumas barreiras colonialistas ao nosso papel de gestores de um desenvolvimento nacional associado a um processo civilizatório que compreenda maior integração com ideias e culturas correntes no continente europeu, nos aponta Araújo (1999). Gilberto Freyre (2000, apud NASCIMENTO; BARRETO 2007) registra em vários trechos de seu livro Ingleses no Brasil a presença de livros e jornais em bibliotecas e casas particulares de brasileiros. Parece fora de dúvida que o Brasil oitocentista passa a ser visto e considerado como um universo mental diferente a partir da mudança política e administrativa. Desde o principio do século é notável a preocupação reinol em fazer chegar aos brasileiros uma porção considerável de livros, junto a um incentivo a produção teatral. As grandes livrarias vão se formando da segunda para a terceira década do Oitocentismo, em quantidade, variedade e importância de títulos, autores e assuntos (ARAÚJO, 1999). Ao estudar as características da educação pública em São Paulo e no Rio de Janeiro, observa-se como é rigorosamente específico o universo de leituras decorrentes das orientações pedagógicas. Em outras palavras, não havia propriamente o desenvolvimento de um gosto, mas a obediência ao senso ideológico e às decisões superiores na ordem de leituras dirigidas. O estudo de idiomas pouco se acentuou nesse período. As autoridades temiam que o estudo do Francês pudesse abrir o flanco à leitura de filósofos suspeitos. A arte da retórica era a arte da nobreza dos instintos e da inteligência. Quintiliano desponta como o autor mais representativo, tomado como principal modelo para o ensino e para uma nova visão da arte retórica (ARAÚJO, 1999). A educação pública no Brasil do início do século XIX seguia as pegadas de Verney no Verdadeiro método de estudar. Neste período a questão da instrução pública no Brasil é ainda relevante, em termos das dificuldades de extensão e adequação, pela natureza social das dificuldades e pela política de implantação pedagógica. Vários aspectos influenciaram e estimularam a leitura colonial, como por exemplo, a instalação da tipografia no Brasil, da Impressão Régia e seus previsíveis desdobramentos para uma certeira massificação do hábito leitor brasileiro nos Oitocentos. A instalação da tipografia no Brasil ofereceu uma série de questões de natureza política, cultural e econômica, validando estudos e levantamentos polêmicos até hoje (ARAÚJO, 1999). Como exemplo de questões políticas, encontramos o impedimento a Isidoro da Fonseca de dar continuidade ao seu ofício de impressor, já desempenhado em Lisboa; o que trouxe significativo atraso na cultura literária brasileira. (ARAUJO, 1999, p.173) Após o advento da Impressão Régia, outros empreendimentos tipográficos foram sendo estimulados e desenvolvendo um sólido processo editorial no Rio de Janeiro e na Bahia. Livrarias e tipografias concorriam, então, para servir aos interesses de leitura despertados naquele época. Livrarias que, em 1792, se reduziam a uma única, dispondo apenas de obras de Teologia, além de um vendedor isolado de obras de Medicina portuguesa, eram sete em 1822 (ARAÚJO, 1999). O leitor do século XIX, entretanto, não foi rigorosamente a mera reiteração de modelos exclusivos das produções saídas de um incremento tipográfico ou de uma doutrinação absolutista. Ele vestiu outras capas. Este leitor não se nutriu apenas das obras contemporâneas e nem exclui outras que o acompanharam desde a censura anterior, uma vez que existia a probabilidade de que muitos livros entraram no Brasil como peça de contrabando (ARAÚJO, 1999). Carvalho (2006a, apud NASCIMENTO; BARRETO, 2007) aponta a presença de piratas corsários franceses, ingleses e holandeses na costa brasileira, que tentaram romper o monopólio comercial ibérico. PERFIL DO LEITOR COLONIAL De acordo com Araújo (1999), embora o leitor do período colonial tenha permanecido ainda um tanto subordinado ou obediente à leitura comprometida, os inventários pesquisados autor apontaram um leitor progressivamente variado em seu gosto e em sua curiosidade, alterando-se estes sentidos em cada período da situação colonial. Segundo o autor, ideias e reflexões percorriam os livros e as cabeças dos leitores, principalmente a dos estudantes de Coimbra, os magistrados, poetas, médicos e sacerdotes, que formavam a elite ledora, e que queriam mudanças ou aperfeiçoamentos no corpo da sociedade. A cultura literária evolui da notação superficial, de moda cultural por lazer ou ócio, para uma caudal de sentimentos, convicções e posturas ideológicas mais consequentes. A cultura assume, assim, características de um valor moral, ou ético, em função de uma necessidade prática ou tecnicista, mas de fundo intelectual e humanista. Predominava, portanto, a partir das leituras feitas pelos brasileiros no século XVI ao XIX, a partir dos documentos pesquisados por Araújo (1999), um perfil de leituras de natureza recorrente e especializada. Bibliotecas maiores vão sendo constituídas a partir do século XVIII, tanto em volume, quanto em variedade de assuntos ou diversidade de títulos. Ainda poucas são as obras pertencentes a ramos do conhecimento fora da especialização. Devocionários, livros de rezar, catecismos, manuais de missa, confessionários, livros de elevação e doutrina ascética são os mais numerosos entre os bens arrolados como livros nos inventários pesquisados. A observação mais concreta do perfil social do leitor brasileiro colonial, de acordo com Araújo (1999), é que este era abastado, e do sexo masculino. A característica marcante na tipologia dos livros coloniais, do século XVI ao XIX foi de livros na maior parte pertencentes à Teologia dogmática, à Hagiografia, à Ascética, ao Direito canônico. O perfil do leitor no século XIX apresenta-se mais eclético. Alguns autores ressaltam alguns aspectos da pesquisa de Araújo (1999) na construção do perfil do leitor e das leituras no período colonial. A questão dos estudos das bibliotecas do período colonial, do século XVI aos inícios do XIX, feita por Araújo (1999) é apontada por Villalta (2005) como sendo limitada em suas análises e sem aprofundamento na interpretação quantitativa dos dados empíricos, contudo considera a erudição do autor e a apresentação de uma enormidade de fontes. De acordo com Villalta (2005) outros estudos têm sido desenvolvidos por historiadores de uma forma mais ampla com pesquisas que privilegiam o estudo da censura, da circulação de livros e das bibliotecas coloniais, onde sobressai a preocupação em estabelecer conexões entre o universo do livro e os sistemas e movimentos políticos. Chartier (1998, p. 77) aponta que “a leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados”. Nascimento e Barreto (2007) ressalta que na construção do perfil do leitor colonial, Araújo (1999) não considerou a ação protestante no país, presente desde meados do século XVI, concomitantemente à presença dos jesuítas, quando os franceses comercializavam madeiras brasileiras com os índios tupinambás. Segundo a autora, católicos e protestantes são agentes religiosos presentes no Brasil desde a segunda metade do século XVI. CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreender uma parte do processo de desenvolvimento da educação brasileira a partir da chegada, utilização, seleção e influência dos livros no Brasil colônia, nos permite refletir sobre a importância da leitura na formação do indivíduo e na construção de uma cultura. A partir dos estudos de Araújo (1999), Nascimento e Barreto (2007), Oliveira (2010), e outros, percebemos a influência histórica dos livros na vida social. Tal compreensão instiga o pensamento de que a história é construída a partir das leituras que fazemos dos fatos e acontecimentos, tendo sempre a presença de algum interesse, seja de caráter ideológico, político, econômico ou mesmo de desconstrução ou embate a alguma ideia ou pensamento estabelecido. Isto nos faz retomar o que Chartier (1996) diz ao afirmar que os livros também “são objetos cujas formas comandam se não a imposição de um sentido ao texto que carregam ao menos os usos de que podem ser investidos e as apropriações às quais são suscetíveis” REFERÊNCIAS ARAÚJO, Jorge de Souza. Perfil do leitor colonial. Salvador: UFBA, Ilhéus: UESC, 1999. CHARTIER, Roger. Práticas de Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: UNESP, 1998. CRESWEEL, John W. Projeto de Pesquisa: Métodos qualitativos, quantitativos e misto. Porto Alegre: Artmed, 2010. 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