A COOPERAÇÃO FAZ A FORÇA

Transcrição

A COOPERAÇÃO FAZ A FORÇA
b João Paulo Koslovski
Luiz Roberto Baggio
b
A COOPERAÇÃO FAZ A FORÇA
JOÃO PAULO KOSLOVSKI E LUIZ ROBERTO BAGGIO DISCUTEM OS DESAFIOS
E OPORTUNIDADES DO COOPERATIVISMO PARANAENSE
O cooperativismo é um caso de organização de sucesso no
Paraná e representa um faturamento anual de R$ 16 bilhões.
João Paulo Koslovski e Luiz Roberto Baggio, duas importantes
personalidades da área, discutem os desafios e as
oportunidades do cooperativismo paranaense. João Paulo é
agrônomo, presidente da Ocepar e do Sescoop, autor de várias
publicações e foi vice-presidente da Organização das
Cooperativas Brasileiras. Luiz Roberto Baggio é economista,
mestre em Administração pela Esade, presidente da
Cooperativa Bom Jesus e da Cooperativa de Crédito do
Sudoeste do Paraná, e vice-presidente da Ocepar e da
Organização das Cooperativas Brasileiras.
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1 - O cooperativismo é um tipo de organização especial na
sociedade de mercado. Quais são os alicerces e as bases do
cooperativismo?
BAGGIO – O cooperativismo apresenta algumas diferenças em
relação às organizações mercantis. Funciona como um
instrumento de organização econômica da sociedade, aglutinando
solidariamente pessoas que tenham interesses comuns. O
cooperativismo aborda sete princípios, universalmente aceitos:
adesão voluntária; gestão democrática; participação econômica
dos membros; autonomia e interdependência; educação e
informação; cooperação entre cooperativas e interesse pela
comunidade. Entre esses sete princípios, se eu tivesse de
destacar um, diria que é o interesse econômico comum,
compartilhado por pessoas de uma região, que se unem para
desenvolver um negócio que ganhe escala e competitividade.
KOSLOVSKI – O fundamento principal é a união cooperativa
entre pessoas, objetivando suprir determinados serviços
demandados por essa sociedade. O alicerce do cooperativismo
é a solidariedade na somatória das economias individuais para se
viabilizar um serviço em prol do cooperado.
A cooperativa é uma
ferramenta que o
produtor tem para
conseguir o que não
consegue sozinho
(Baggio)
2 - Como o cooperativismo promove ou auxilia o desenvolvimento
econômico e social?
BAGGIO – O cooperativismo funciona como um catalisador de
negócios e de desenvolvimento. Tendo por base a união das
pessoas, promove a formação de uma empresa que seja
competitiva, eficiente e capaz de gerar resultado para seus
associados.
A cooperativa é uma ferramenta que o produtor tem para conseguir
o que não consegue sozinho. Especialmente na agricultura,
nenhum agricultor é grande o suficiente para interferir na demanda
ou na oferta e nenhuma cooperativa sozinha é grande o suficiente
para interferir na demanda, apesar de ela poder conduzir melhor
essas coisas. Como? Em primeiro lugar, pela transferência de
tecnologia. Esse é o pressuposto básico na agropecuária: aplicar
a tecnologia mais adequada àquela região e àquele perfil de
produtor. A cooperativa vai prospectar a melhor alternativa, onde
ela exista, seja dentro ou fora do país. No caso das cooperativas
industrializadas, elas vão além, ao agregar valor na produção do
cooperado, o que é difícil de se fazer sozinho. A cooperativa
também facilita o acesso ao mercado internacional. As cooperativas
ainda auxiliam na implantação de novos modelos de administração
e de gestão de pessoas, orientando o produtor a trabalhar seu
negócio como se fosse uma empresa.
KOSLOVSKI – O cooperativismo apóia aquelas pessoas que
não têm condições de individualmente enfrentar os desafios do
mercado e fazer com que o seu negócio prospere. Assim, permite
que, na somatória do individual, o negócio possa ser viabilizado.
No Paraná, parte do sucesso do cooperativismo está alicerçada
na educação cooperativista, fruto de um conhecimento sobre
cooperativismo trazido da Europa por imigrantes, especialmente
holandeses, alemães, italianos, e enriquecido com a experiência
no Rio Grande do Sul. Essa vivência, trazida para o Oeste e
Sudoeste do Paraná, mais a experiência do cooperativismo do
café paulista, permitiu que nós criássemos no Paraná a Ocepar.
A instituição, no decorrer de seus 35 anos, tem auxiliado no
processo de desenvolvimento, promovendo o planejamento
estratégico conjunto, a implantação de infra-estrutura, de suporte
técnico e de concessão de crédito rural.
3 - No Estado do Paraná, como estão divididas as cooperativas,
em termos de segmento de produção?
BAGGIO – O Paraná é vanguarda no cooperativismo. Hoje,
55% do PIB do Paraná provêm das cooperativas, que respondem
por mais de R$ 16 bilhões de faturamento anual, envolvendo
cerca de 20% da população do Estado. O setor agropecuário é
o que mais se desenvolveu. Em segundo lugar, temos o ramo do
crédito. Nos anos 70, do século há pouco passado, o ramo de
crédito veio no vácuo do agropecuário e se desenvolveu muito
nos últimos dois anos. O Sicredi (Sistema de Crédito Cooperativo)
representa um novo modelo de crédito no Brasil, especialmente
na Região Sul, suprindo a necessidade de recursos financeiros
mais baratos que no sistema financeiro tradicional. Os demais
ramos também começam a se desenvolver, como as Unimeds,
do ramo de saúde.
KOSLOVSKI – A Ocepar congrega todos os 13 ramos de
cooperativismo que existem no Paraná: agropecuário, de
consumo, de crédito, educacional, especial, habitacional, infraestrutural (eletrificação), mineral, de produção, de saúde, de
trabalho, de transporte e turismo. No setor agropecuário, temos
duas vertentes: as que trabalham com os produtos in natura e as
cooperativas que já têm o processo de agroindustrialização. De
35 a 40% do processo de agroindustrialização do Estado passa
pelas cooperativas. Em nosso planejamento estratégico,
prevemos chegar a 55%, até 2010.
Parte do sucesso das
cooperativas do Paraná está
alicerçada na educação
cooperativista, fruto de um
conhecimento sobre
cooperativismo trazido da
Europa por imigrantes, e
enriquecido com a experiência
no Rio Grande do Sul
(Koslovski)
4 – Durante anos, o país patinou na marca de 80 milhões de
toneladas de grãos. Porém, desde 2000, rompemos essa barreira
e atingimos a casa das 120 milhões de toneladas. Qual deverá
ser a futura política de investimentos das cooperativas do Paraná?
Que áreas serão contempladas? b
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BAGGIO – No Paraná, o investimento das cooperativas, nos dois
últimos anos, foi de R$ 1,1 bilhão. Houve um investimento maciço
no setor de carnes. Esse desenvolvimento gerou um volume
recorde de exportações e um aumento no valor agregado. Tem-se
investido muito também no segmento de aves e na ampliação da
capacidade de recepção e armazenagem logística de safra. No
Brasil, há 40% de déficit de armazenagem. Do total da capacidade
de armazenagem no Paraná, as cooperativas detêm 28%.
A parceria com a Cooperativa de Pesquisa e Tecnologia (Codetec)
permite que sejam geradas cerca de 30% das variedades de
sementes de trigo e soja do Estado. Em 2003 e 2004, o Prodecop
(Programa de Desenvolvimento do Cooperativismo) aumentou a
capacidade de armazenagem, especialmente, da agroindústria.
Nós estávamos com uma frota sucateada. Com o Modern Frota,
rejuvenescemos a frota de tratores e colheitadeiras, promovendo
o avanço da tecnologia no campo.
As cooperativas do Paraná, em parceria com a Ocepar, estão
desenhando seus planejamentos estratégicos para os próximos
cinco anos, tendo como vetor a agregação de valor com a
agroindustrialização. Precisamos de R$ 3,5 bilhões. Fizemos duas
reuniões com o Ministro do Planejamento que se prontificou a
defender uma linha de financiamento para as cooperativas do
Paraná via BNDES.
Hoje, 55% do PIB do Paraná
provêm das cooperativas,
que respondem por mais de
R$ 16 bilhões de faturamento
anual, envolvendo cerca de
20% da população do Estado
(Baggio)
KOSLOVSKI – Queremos aproveitar as boas condições do
mercado internacional e estimular a adoção de tecnologia por parte
dos produtores. Nas cooperativas do Paraná, temos 1.100
profissionais de nível superior atuando diretamente no campo, além
de 300 profissionais de nível técnico. O investimento, nos próximos
anos, deverá se concentrar na área de frangos, na qual o Paraná
é o primeiro do mundo, como produtor e exportador. A área de
suínos também tende a crescer. Estamos exportando queijos para
o Japão, Coréia e Chile. Com relação a sucos, temos a Corol e a
Cocamar trabalhando forte na área. Há ainda o arenito, com 2,3
milhões de hectares a serem explorados. O Iapar (Instituto
Agronômico do Paraná), com apoio da Cocamar, começou a
desenvolver pesquisa de plantio direto no arenito, com sucesso.
Hoje temos de 350 a 400 mil hectares sendo plantados com soja e
milho, em rotação com a pecuária. Isso vai melhorar o nível
tecnológico da pecuária, a exploração de grãos e a produtividade
daquela região. Teremos ainda de sofisticar a produção, agregar
valor, como na área de verduras em que a Cooperativa LAR está
produzindo vegetais supergelados.
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Nos últimos três anos, foram
treinados 180 mil pessoas no
Paraná, por meio do Sescoop.
Além do cooperado, do
empregado e do dirigente, a
família também participa de
diversos cursos (Koslovski)
5 - Com o grande crescimento da produção e aumento das vendas
externas, como tem sido o processo de profissionalização das
cooperativas?
BAGGIO – As cooperativas precisam evoluir para competir,
por isso, é importante investir em treinamentos. Fiz um curso
de agribusiness na FAE e depois um MBA. Vi que precisava
buscar o conhecimento e “misturá-lo” com o de outros
profissionais. A tendência no mundo inteiro é de profissionalizar
a gestão. Mas não basta transferir conhecimento, temos de
criar a educação cooperativista. São quatro as tendências do
cooperativismo contemporâneo: educação cooperativista,
gestão profissional do negócio, interesse pela comunidade e
intercooperação estratégica. O Sescoop (Serviço Nacional de
Aprendizagem do Cooperativismo) oferece formação para o
dirigente, o associado e o funcionário, estendendo-a à família
do cooperado.
KOSLOVSKI – A partir de 1999, o Sescoop nos possibilitou
investir no desenvolvimento das pessoas. Nos últimos três
anos, foram treinadas 180 mil pessoas no Paraná. Além do
cooperado, do empregado e do dirigente, a família também
participa de diversos cursos. Para os dirigentes, oferecemos
um curso sobre exportação, pois eles não sabiam exatamente
como funcionava essa área. A importância dessa formação
se percebe quando sabemos que as cooperativas do Paraná
foram responsáveis por 49% do total exportado pelo
cooperativismo brasileiro no último ano. Também fizemos
viagens ao exterior, levando dirigentes da área de leite que
estão exportando leite em pó, queijo, etc. Criamos uma cultura
para que eles pensem na possibilidade de exportar. Estamos
dando bolsas de estudo para MBAs, especialização e
mestrado. As ações de treinamento do Sescoop foram
fundamentais para o desenvolvimento do cooperativismo no
Paraná.
6 - Qual a importância das exportações para as cooperativas?
BAGGIO – A importância da exportação não é só agregação
de valor e faturamento em dólar, mas acesso ao mercado.
Tem-se hoje uma produção de 120 milhões de toneladas de
grãos e a tendência é crescer. O Brasil pode crescer mais
90 milhões de hectares e triplicar a produção. Onde vamos
vender? Precisamos de acesso a mercados. A Coamo e a
Cotriguaçu têm dois terminais de exportação em Paranaguá.
Queremos crescer na Europa, com exportações de soja,
derivados e frango. A prospecção é feita, o estudo é
desenvolvido e as cooperativas começam a abrir contatos e
fazer contratos para iniciar, preferencialmente, com os produtos
da agroindústria processados. As commodities (produtos
agrícolas in natura e matérias-primas) são mais tranqüilas de
operar do que os produtos processados, porém, estes nos
interessam mais, por terem valor agregado.
KOSLOVSKI – Ainda não é muito grande. Do faturamento de R$
16,5 bilhões, exportamos 1 bilhão de dólares, o que representa
cerca de 20% do faturamento das cooperativas no Paraná. Há
um espaço fantástico para o crescimento. Estamos exportando
30 produtos para 70 países. A gente tem defendido que se
pulverize o máximo para que, a cada ano, se consigam mais
mercados em mais países.
7 - A agricultura é o setor que mais consome água. Mais de 70% de
toda a água retirada dos rios é utilizada na produção agropecuária.
Além disso, há ainda os problemas de desmatamento. Como as
cooperativas gerem os processos ambientais?
BAGGIO – Para nós, produtores, a terra e a água são nosso
instrumento de trabalho. As cooperativas dão grande importância a
esse assunto. Não a “pura preservação burra”, mas o
desenvolvimento sustentável tem sido o foco de atuação das
cooperativas. Há vários programas de desenvolvimento ambiental.
O corpo técnico das cooperativas orienta os produtores a utilizarem
a tecnologia com o menor impacto ambiental. Começa com o plantio
direto e vai até a proteção às nascentes e a recuperação da mata
ciliar. As cooperativas têm seus postos de recepção de embalagens
de agrotóxicos, encaminhando-as para o destino apropriado. É
bom lembrar que o projeto paranaense “Cultivando a Água Boa”
recebeu um prêmio da revista Globo Rural.
KOSLOVSKI – Na Ocepar, nós constituímos um fórum de meio
ambiente para discussão com o governo estadual e federal. A
mata ciliar é o nosso foco. A cooperativa tem obrigação e
responsabilidade não apenas com a propriedade, mas com a
sociedade, em relação à mata ciliar. A obrigatoriedade da reserva
legal é um problema, pois, em algumas propriedades, pode
inviabilizar a sobrevivência do produtor. Queremos uma legislação
que contemple o zoneamento econômico ecológico. Apenas nos
projetos das matas ciliares, conseguiremos uma reposição
florestal de 7% do Estado, pois o Paraná é cortado por muitos
rios. O meio ambiente é uma área que nos preocupa muito, mas
devemos evitar radicalismos. Precisamos ter bom senso, já que
não se deve expulsar o agricultor do campo. Entretanto, este tem
que cultivar a terra, cuidando de sua preservação.
O Brasil produz hoje 120
milhões de toneladas de grãos.
Podemos triplicar essa
produção, mas onde vamos
vender? Precisamos de acesso
a mercados (Baggio)
8 - O atual contexto, de crescente globalização, tem levado
empresas a procurarem ganhar escala, por meio de fusões. Como
as cooperativas analisam essa possibilidade?
BAGGIO E KOSLOVSKI – As cooperativas têm um trabalho bem
diferente das grandes empresas, pois 77% dos agricultores que
compõem as cooperativas são donos de menos de 50 hectares
de terra. A preocupação da cooperativa vai além de propiciar
lucros, visto que ela fornece assistência técnica e social,
treinamento, seguro, saúde. No entanto, é sabido que as
cooperativas terão de atuar em determinadas atividades, como
as relacionadas a fertilizantes. No Paraná, consumimos 1,8 milhão
de toneladas por ano e apenas a Copavel atua no setor. Nós
estamos trabalhando na constituição de uma cooperativa que
congregará 14 outras cooperativas para se produzir fertilizante.
O estatuto está pronto. As cooperativas não precisam realizar
fusões, pois podem manter sua atuação regional, ampliando as
parcerias, como a Cocamar que esmaga soja para a Coamo.
Essa interação maior das cooperativas é uma tendência, mas
não é um processo fácil. É um item que foi demandado pelas
cooperativas e que está sendo trabalhado pela Ocepar. f
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