O REINO DOS ESPÍRITOS
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O REINO DOS ESPÍRITOS
O REINO DOS ESPÍRITOS DEMONOLOGIA E ANGELOGIA LUCINDA ALVES ÍNDICE INTRODUÇÃO OS BENÊ-HAELOIM Os benê-haelohim, os filhos de elohim ou filhos dos deuses encontram-se nas seguintes passagens: Gn 6:2-4; Dt 32:4-43; Jb 1:6; 2:1; 38:7; Sl 29:1; 89:7; Sb 2:18; 5:5; 18:13; Ec 4:10; Os 2:1; Dn 3:25. O texto de Gn 6:13 faz eco a uma lenda de Ugarit sobre os benê-il. A lenda atribui a origem da corrupção humana à união ilegítima de seres de um mundo superior com as filhas dos homens. Os benê-haelohim, seres pertencentes ao mundo de elohim, são dotados de um poder sobre-humano de vida. Apesar disso, Deus não permite que se sobreponham ao simples poder humano, pois permanecem «carne», isto é, do mundo mortal. Em Dt 32:8-43 faz-se referência a uma representação mitológica da divisão das nações segundo o número dos benê-haelohim. Só a tradição posterior, representada na versão grega dos LXX, identifica os benê-haeloim com os anjos. Em qualquer dos casos, o autor bíblico apresenta-os submissos ao poder de Yahu, exigindo que se prostrem diante dele. Também em Job 1:6;3:1 aparecem como seres inferiores subordinados a Yahu. Em Job 38:7 aparecem os benê-haelohim em paralelismo com as estrelas da manhã. Nos salmos 28:1 e 88:7 apresentamse-nos as aclamações dos filhos de Deus no próprio momento da criação. Encontramos no Antigo Testamento o morto designado pelo termo élohim ou deus (I Sm 28:13). Isto acontece associado à consulta dos mortos proibida por Deus. O profeta Isaías combate os que dizem: «Consultai os que têm espíritos familiares e os feiticeiros...: Porventura um povo não consultará os seus élohim, os mortos para favorecer os vivos?»(Is 8:19). A alma do defunto era concebida como élohim de uma categoria inferior ao élohim Deus, no entanto, eram élohim. ESPÍRITOS E DEMÓNIOS A falta de uma palavra hebraica para designar, de forma genérica, os seres ou forças maléficas obriga-nos a seguir a versão grega da Bíblia feita pelos judeus de Alexandria nos séculos II e I a.C., a conhecida versão dos LXX. Os tradutores empregaram a palavra grega daimon para traduzirem vários vocábulos hebraicos, incluindo os ídolos ou deuses das nações. Interessa-nos, portanto, ver o que está por trás desta palavra que, por sua vez, já tinha um sentido muito amplo, que fora sujeito a variações, conforme as épocas e segundo os autores que a usaram. Tanto para os hebreus como para os árabes existem por toda a parte espíritos que se manifestam nos mais diversos fenómenos. Os antigos árabes e babilónicos criam que o deserto se encontrava povoado de djinns1: os barulhos e murmúrios, sem causa aparente, que o viajante, por vezes, julga ouvir, são causados por esses espíritos, que frequentam de preferência os locais outrora habitados, bem como os cemitérios. Existem por toda a parte, e as pessoas arriscam-se a incomodá-los quando cavam um campo, constróem um poço ou edificam uma casa ou uma ponte. Aparecem frequentemente sob a forma de animais; «a zoologia islâmica é ao mesmo tempo uma demonologia»2. Esses espíritos encarnam-se sobretudo em animais selvagens, aves de rapina e, principalmente, em serpentes, lagartos e escorpiões. Por vezes apresentam-se sob a forma de seres híbridos. Devido à sua natureza semi-animal, têm o corpo coberto de pêlos. Consideram-se os causadores de toda a espécie de doenças, especialmente a loucura, e constituem um perigo para os recém casados. Estas crenças ainda se mantêm vivas nos beduínos actuais. O árabe, por exemplo, quando passa junto a uma ruína, tapa o nariz para impedir que os djinns penetrem no seu corpo. O turbilhão de areia que circula através do deserto com a forma de uma coluna movediça é considerada um djinn deslocando-se de um local para outro. Os beduínos do deserto de Tih acreditam na existência de serpentes voadoras, haiyé taiyâra3: velha fábula árabe que passara também ao Egipto, onde Heródoto dizia ter visto os ossos desses seres maravilhosos, e a Roma. O grifo (gr. gryps, lat. gryphu), chamado em egípcio sefr ou serref, é um animal fabuloso, representado com corpo de leão, cabeça e asas de águia, orelhas de cavalo e, em lugar de crina, barbatanas de peixe. Segundo os árabes, esses djinns encontram-se por toda a parte: «cada local tem os seus habitantes (sobrenaturais)»4. É essa a razão pela qual era necessário imolar-lhes uma vítima quando alguém se pretendia instalar no seu domínio (sacrifício de inauguração); caso essa cerimónia não se realizasse, o espírito vingar-se-ia na pessoa do intruso. Entre os israelitas da época histórica temos ocasião de comprovar a existência de práticas idênticas5, o que nos leva a pensar que datavam da época em que ainda não se tinham sedentarizado. As caravanas quando atravessavam o deserto entre a Palestina e o Egipto, expunham-se aos ataques de tenebrosas serpentes aladas chamadas serâphim que significa 1A. JIRKU, Die Daemonen und ihre Abwehr im Alten Testament, pp. 37-9 2WELLHAUSEN, 3CLERMONT 4CURTIS, 5Cf. Skizzen und Vorarbeiten, 2ª ed, p. 148-159 GANNEAU, Recueil d'archéologie orrientale, IV, p. 245-319 Ursemitische Religion..., p. 265 MARCEL COHEN, Sur la définition et le nom des sirènes (Donum natalicium Schrijnen), Chartres, 1929, pp. 228-239 "ardentes" (Is 14:29; 30:6; Nm 21: 4-6; Dt 8:15). O único processo de fugir à mordedura das serpentes era fabricar uma serpente de bronze (II Rs 18:4). Esses seres híbridos não eram certamente animais vulgares, visto que nas crenças israelitas são eles que se tornaram os serafins que celebram a glória de Yahu no Templo, continuando a apresentar algumas características que denunciam a sua origem semi-animal: estão nus e possuem asas (Is 6:2-7). As estepes e os túmulos constituem a morada habitual dos demónios. De entre os locais desertos, aqueles que outrora tinham sido habitados eram considerados em Israel, tal como acontece com os árabes, como visitados pelos demónios. A região onde outrora se erguiam Sodoma e Gomorra talvez fosse designada por «Vale dos Demónios», se é que deve ler-se sêdîm em lugar de sidîm (Gn 14:3). Quem ousasse habitar nas ruínas, era certamente um ímpio (Job 15:28), menospresador dos poderes invisíveis. O único processo de impedir a vingança dos demónios consistia em imolar qualquer dos familiares. Hiél, pretendendo reconstruir Jericó, «fundou-a sobre Abiram, seu filho mais velho e ergueu as portas sobre Segoub, o mais novo» (I Rs 15:34). Este exemplo mostra que os israelitas, tal como os beduínos e os actuais felás da Síria, também praticaram sacrifícios de inauguração e de fundação. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Os sedim Antes do cativeiro da Babilónia, os livros bíblicos raramente mencionam os demónios. Existiam, no entanto, alusões ou referências explícitas a seres maléficos, com origem no ambiente semi-nómada do deserto como é o caso dos sedim. Trata-se de estranhos seres que a Bíblia menciona para lhes proibir o culto. Assim acontece em Dt 32:17, quando o autor refere que «oferecem sacrifícios aos sedim, que não são Deus, a divindades novas que os vossos pais não haviam adorado». É curioso que os gregos, ao traduzirem este texto, eliminaram o relativo, escrevendo: «ofereceram sacrifícios a demónios e não a Deus», mas, em qualquer dos casos, a palavra sedim é traduzida por demónio. Em Sl 106:37, refere-se que sacrificavam os seus filhos e as suas filhas aos sedim, identificando-os com divindades cananeias. Também em Os 12:12, texto duvidoso, se lê uma referência aos sedim. Em todos os casos, atribui-se a esses seres um significado pejorativo. A palavra sedim obriga-nos, sem dúvida, a estabelecer uma relação com os sedu da Mesopotânea, onde os textos apresentam normalmente em conjunto as duas figuras sedu e lamassu. Referimos este famoso texto acádico traduzido por Ebeling: «Que o meu deus (protector) esteja à minha direita, que a minha deusa (protectora) esteja à minha esquerda, que o sedu bom e a lamassu boa estejam junto de mim.»6 Em vários outros textos mesopotânicos, se encontram referências aos sedu e lamassu. Curiosamente lamassu surge sempre como divindade benéfica, ao passo que sedu pode ser também maléfico. 6E. EBELING, Die akkadische Gebetserie «Handerbedund», Berlim 1953, 106 Na literatura rabínica, o termo sed (sedim) generalizou-se como designação de forças demoniacas, isto é, generalizou-se no mesmo sentido de demónios como a Bíblia os tinha entendido. Os seirim Outro caso relacionado com o meio ambiente é o dos seirim (ou se'îrîm - traduzido normalmente como «sátiros» - Is 13:21; 34:14), os velus, que dançavam nos lugares desertos onde habitavam e a quem se ofereciam sacrifícios. Em Lv 17:1-7 declara-se esse culto proibido, pois os seirim eram demónios: «nunca mais oferecerão os seus sacrifícios aos demónios, aos quais prestam cultos». Is 34:14 apresenta os seirim (= peludos), seres demoníacos a viverem nos desertos e entre ruínas, uma espécie de bodes, que parecem ter semelhanças com os «sátiros» gregos (divindades secundárias, companheiros de Dionísio, representados com os cabelos eriçados, as orelhas bicudas e dispostas na cabeça como as dos animais, dois chifres na testa e pernas de bode) e com os «faunos» romanos (divindades campestres representadas com chavelhos, pés de cabra e o corpo coberto de pêlos). Presta-se culto a esses seres, apesar da proibição, no reino do Norte na época de Jeroboão I (II Cr 11:15) e no reino de Judá no tempo de Manassés (II Rs 23:8). Os 'iyyim e os siyyim, outros habitantes do deserto (Is 13:21; 34:14; Jr 50:39 - traduzido por «feras do deserto»), deviam pertencer à mesma categoria. Demónios com nome próprio Para além destas categorias de demónios, a Bíblia designa por um nome próprio alguns seres estranhos que receberiam o nome genérico de demónios. Estão neste caso: Azazel, Asmodeu, Robetz, Lilit e Alucah. Destacamos o facto dos dois últimos nomes serem de demónios femininos. Tomamos assim conhecimento de que entre demónios pode existir diferenciação sexual. Um demónio feminino diz-se demónio súcubo. Súcubo vem do latim succubu que literalmente significa «aquele que se põe por baixo». O demónio masculino chama-se íncubo (lat. incubu). a) AZAZEL Azazel é uma palavra de etimologia duvidosa que os LXX traduziram por apopompáios, o «emissário» da Vulgata. A versão de Áquila utilizou a palavra apolélumenos «solto», enquanto a de Símaco preferiu aperhómenos, «o que vai». A duvidosa etimologia de Azazel, permitiu que se interpretasse como «deus forte», «o forte caído», «o veludo», «o deus cabra». Genesius, por seu lado, sugere, no seu famoso dicionário de hebraico, tratar-se de uma forma intensiva de azal que significaria «o aleijado». Segundo a descrição de Lv 16:7, Azazel aparece relacionado com os seirim, demónios imaginados à semelhança de bodes no deserto. Enviava-se a Azazel o bode carregado com os pecados dos israelitas, não com intuito de lhe oferecer sacrifício, mas com a intenção de lhe oferecer o que era abominável. A ideia de que os demónios, como Azazel, habitavam nos desertos era comum na Antiguidade e encontramos eco dessa crença em várias passagens tanto do Antigo como do Novo Testamento (Is 34:14; Tob 8:3; Mt 12:43; 4:1; Mc 1:13). No livro etíope de Enoque, Azazel é um dos anjos caídos. Em I Enoque 10:6-9 diz: Depois o Senhor disse a Rafael: Agarra Azazyel, ata-lhe os pés e as mãos; lança-o às trevas, e abandonao no deserto de Dudael. Faz chover sobre ele pedras pesadas e pontiagudas; envolve-o em trevas. Que lá fique para sempre, que o seu rosto seja coberto por espesso véu; e que jamais volte a ver a luz. E quando se erguer o dia do julgamento, mergulha-o no fogo. Esta descrição também associa Azazel ao deserto assim como está escrito em Levítico. b) ASMODEU Asmodeu é o espírito maléfico que surge no livro de Tobias. Tão enamorado de Sara ele era que lhe matou sucessivamente sete maridos na noite de núpcias. Para o espantar, Tobias recorreu à fumigação, queimando o fígado de peixe pescado no rio Tigre. É de notar a diferença entre o expulsar de demónios do Novo Testamento com este método utilizado por Tobias. Este procurou usar-se de meios naturais, um cristão neo-testamentário expulsaria o demónio em nome de Yehoshua, o Mashiach, mas este poder não se encontrava à disposição do homem do Antigo Testamento. É natural que Asmodeu seja uma transliteração deficiente de Aeshma-Daeva7, um dos sete espíritos malignos, o responsável da cólera. Os hebreus preferiram ligar a palavra à raíz shamad, destruir. Assim, para eles, Asmodeu era o destruidor, o exterminador. c) ROBETZ Robetz é a palavra que se lê em Gn 4:7 a designar uma personificação do pecado que está deitado à porta para apanhar Caim. Chamou-se-lhe por isso o «demónio da porta»8. «Porventura se procederes bem, não se há-de levantar o teu semblante? e se não procederes bem, o pecado jaz cbr) à porta, e sobre ti será o seu desejo; mas sobre ele tu deves dominar.» Parece não haver dificuldade quanto à relação de Robetz com Rabitsu, demónio babilónico que ataca os homens. Esta personificação do mal permite também uma ligação com a expressão «espírito mau da parte de Yahu» que se lê por exemplo em I Sm 16:14. d) LILITE Lilite é um demónio feminino que parece nitidamente uma sobrevivência de Lilitu, divindade babilónica que tem que ver com a tempestade e as trevas. Digamos que é uma espécie de espectro noturno. Em Zc 5:5-11 surge como uma estranha figura de mulher que viaja para Babilónia numa espécie de alqueire ou cesta com asas. Isaías refere Lilite como vindo para unir-se ao seu companheiro (Is 34:14-16). Este demónio é também temido pelos assírios, desempenhando também um papel de relevo no folclore judeu: segundo parece era identificado ao «grão-duque». 7F. KONIG, Cristo y las religioses de la tierra, II, Madrid 1961, 587ss 8CH. JEAN «Le démon de la genése» in Rev. Apologétique, 63, 1936, 113-117. e) ALUCAH Alucah é também um demónio feminino e aparece em Pr 30:15. Apesar de se traduzir a palavra vulgarmente por «sanguesuga», a tradição hebraica via naquele nome a designação de um génio maléfico. Segundo a interpretação do Targum, trata-se de uma espécie de vampiro feminino que anda à espreita para sugar o sangue dos homens9. 9G. WELLHAUSEN, Reste arabischen Heidentums, Berlin 1897, 149s A SERPENTE Península Ibérica: Ofiolatria Na pré-história peninsular, é sobretudo no norte do território português e na Galiza que se encontram representações da serpente. Relaciona-se habitualmente a ofiolatria da Galiza com a tribo celta dos Sefes que teria chegado a esta região por volta de 590 a.C.. No entanto, reconhece-se que a ofiolatria é muito anterior aos Celtas no nosso território. O poeta-geógrafo Rufo Festo Avieno, na Ora Marítima, poema baseado numa obra desaparecida que era o Périplo Massaliota do séc. VI a.C., diz: «Haec (Ophiussa) dicta primum Oestryminis est locus et arva Oestrimnicis habitantibus post multa serpes effugavit incolas vacuamque gloebam nominis facit sui. 10» Schulten comenta que, nesta passagem, «Oestriminis» é um nome antiquíssimo de «Hispania», assim como «Ophiussa». Avieno diz que os «Oestriminis» foram expulsos por serpentes (sepes, lat. serpes). Existe actualmente uma interpretação dessa invasão de «serpentes» tomando-a como referência à tribo celta dos Sefes, que praticavam o culto da serpente11. A serpente na Bíblia Existem na Bíblia nove palavras para as serpentes visíveis e reais e três para as «serpentes» mitológicas, características do caos e do mar. O termo nahash aparece 31 vezes, sendo traduzida pelos LXX, em vinte e nove passagens por ófis, vocábulo grego que surge também catorze vezes no Novo Testamento. Analisaremos dois episódios de especial interesse: a serpente do Éden e a serpente do deserto. a) A serpente no Éden Vejamos, antes de mais, o texto fiel do hebraico: «A serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o senhor Deus tinha feito. Perguntou à mulher: é mesmo verdade que Deus vos disse: «vós não deveis comer de um certo fruto do jardim?» «A mulher respondeu à serpente: - Nós temos autorização para comer os frutos do jardim. Mas a respeito dos frutos da árvore que está no meio do jardim, Deus disse-nos: «vós não deveis comer dela, nem sequer tocá-la, pois se o fizerdes morrereis.» «A serpente replicou: 10A. SCHULTEN y P. BOSCH-GIMPERA, Fontes Hispaniae Antiquae, I, Barcelona, 1922, 154-155 11AFONSO DO PAÇO, art. cit., Lucerna IV, 1965, 169,170 - De maneira nenhuma, vós não morrereis. Mas Deus bem sabe que, logo que o tiverdes comido, vós vereis as coisas tal como são, sereis como ele, capazes de conhecer o bem e o mal» (Gn 3:1-5). Á serpente tentadora, segue-se a serpente condenada: «Então o Senhor Deus disse à serpente: Eu te amaldiçoo por teres feito isso. Tu és a única entre todos os animais que hás-de rastejar sobre o teu ventre e comer pó todos os dias da tua vida. Eu farei com que haja ódio entre ti e a mulher, entre os descendentes dela e os teus. Os da mulher hão-de esmagarte a cabeça, ao passo que os teus lhes morderão o calcanhar.» A serpente aqui apresentada, não é propriamente um deus concorrente a Yahu, mas é um ser poderoso, hostil a Deus e que inveja o homem. É designada por diabo, o grande dragão, satanás o sedutor do mundo (Sab 2:24; Ap 12:9; 20:2). b) A serpente do deserto «Partiram do monte Hor em direcção ao mar Vermelho, contornando a terra de Edom. Durante a caminhada, o povo, impaciente, começou a murmurar contra Deus e contra Moisés: «Porque nos fizestes sair do Egipto para morrermos neste deserto? Não há pão nem água e já estamos enfastiados deste miserável alimento.» Então Yahu mandou contra o povo serpentes venenosas que mordiam e houve mesmo muitos Israelitas que morreram. O povo foi ter com Moisés e disse: «Pecámos ao murmurar contra Yahu e contra ti; pede a Yahu que afaste de nós as serpentes.» Moisés intercedeu então pelo povo e Yahu disse a Moisés: «Faz uma serpente de bronze e põe-na sobre um poste. Todo aquele que for mordido e olhar para ela será curado». Moisés fez, pois, uma serpente de bronze e pôla num poste. E, quando alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze ficava curado.» (Nm 21:4-9) A serpente levantada por Moisés num poste tornou-se objecto de culto, pois o rei Ezequias durante o seu reinado tendo-a visto, foi obrigado a destruí-la, porque os hebreus persistiam em oferecer-lhe incenso (II Rs 18:14). Materialização de um poder mau A ideia mais remota e generalizada é a serpente como materialização de um poder mau. Esse poder é imortal. Multiplicam-se as lendas que relacionam a serpente com a mulher. O relacionar a menstruação da mulher e da sua fecundidade com a serpente é ideia bastante generalizada na Europa e em todo o Oriente. Nos meios rabínicos, crê-se que a menstruação é devida às relações de Eva com a serpente do Paraíso. SATANÁS Satan é uma palavra hebraica que significa atacar, donde se passa facilmente para o sentido básico de inimigo. Recorde-se como exemplo I Sm 29:4, onde se lê que os chefes dos filisteus pedem ao rei que não permita que David vá para a batalha, visto que ele se pode tornar «satan», isto é inimigo. Na sua caminhada histórica, o vocábulo viria a designar o acusador oficial no tribunal. Assim, no livro de Job, aparece Satan entre os filhos de Deus, tendo por ofício fiscalizar os homens. É esse mesmo Satan que vai atingir Job com a grave enfermidade (Jb 2:7s). Numa palavra tem o papel sinistro de revoltar os homens contra Deus. Em Apocalipse é identificado com a serpente tentadora do Éden e em Sab 2:24 é chamado de demónio: «Por inveja do demónio é que a morte entrou no mundo». BIBLIOGRAFIA LODS Adolphe, "Israel, das origens até meados do século VII a.C.", Editorial Início TAVARES António Augusto, "Estudos da Alta Antiguidade", Editorial Presença