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XANGAI
J‡ÊpensouÊno
jantarÊdeÊhoje?
AÊInalca-AngolaÊj‡!
AÊInalca-AngolaÊtemÊaÊpreocupaç‹o
deÊlevarÊatŽÊsiÊprodutosÊseleccionadosÊ
daÊmaisÊaltaÊqualidade,Êseguindo
rigorososÊprocessosÊdeÊinspecç‹o,
conservaç‹oÊeÊarmazenamento.
peixe
macarr‹o
molhoÊdeÊtomate
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ViaÊSpilamberto,Ê30/cÊ-Ê41014ÊCastelvetroÊ(MO)ÊItaly
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INALCAÊAngola
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LuandaÊ-ÊAngola
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pratosÊprontos
sucosÊeÊlicores
MARCASÊCOMERCIALIZADASÊPORÊTODAÊçFRICA:
SUMÁRIO
Angola, a crise e o crescimento
Diversas instituições internacionais fazem prognósticos pessimistas
sobre o desempenho da economia angolana. A maioria dos economistas
locais desconfia. E o Governo afirma que o país vai ter um crescimento
de seis por cento, embora muitos digam que é exagerado.
João Melo, Alberto Sampaio, Pedro Kamaka e Emanuel Alvarenga
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A Cidade Velha é património mundial
A Cidade Velha entrou para a lista dos sítios considerados património mundial.
As dúvidas sobre a classificação permaneceram até ao último minuto. Mas
Cabo Verde acabou por colocar o nome na lista daUNESCO. Agora fica o
muito que há por fazer no país para valorizar a sua riqueza natural.
Gláucia Nogueira
38
O desafio da eficiência
A eficiência energética e alimentar ainda não é uma realidade nos países
em desenvolvimento. De acordo com a Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e Agricultura, só no continente africano vivem
24 milhões de pessoas em situação de subnutrição.
João Carlos
58
O Gabão depois de Omar Bango
66
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4
julho 2009 –
África21
O Presidente do Gabão faleceu a 10 de Junho, depois de 42 anos no poder.
Muitos gaboneses choraram a sua morte, até porque nunca conheceram outro
chefe de Estado. Como vai o país lidar sem o seu fundador?
Nicole Guardiola
Directora administrativa Marina Melo
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João Belisário, José Chimuco, Luís Ramiro,
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Semedo, Pepetela e Urbano Tavares Rodrigues
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e Ruth Matchabe
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AOS LEITORES
O estado da economia angolana
10 ANTENA 21
É um facto insofismável. Muitas e
repetidas vezes as previsões económicofinanceiras dos governos não
coincidem com as instâncias
internacionais, mesmo aquelas de
estatuto altamente conceituado, como
sejam, entre outras, o Fundo
Monetário Internacional, Banco
Mundial (BM), Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE) ou o Banco Africano de
Desenvolvimento (BAD). Isto, claro, quando as análises destas
organizações revêem em baixa os indicadores avançados pelos
governos.
É o que acontece com a taxa de crescimento de Angola para
2009. A discrepância entre o Governo angolano e a OCDE e o
BAD é profunda. O Executivo angolano perspectiva seis por
cento de crescimento positivo, contra um crescimento negativo
de quatro por cento prognosticado por estas duas últimas
instituições.
Qual dos cálculos é mais fiável? A estimativa negativa da
OCDE e do BAD? O optimismo do ministro angolano das
Finanças?
Uma coisa é certa. Em Angola, muitos economistas não
acreditam nos seis por cento garantidos por Severim de Morais,
mas desconfiam do pessimismo das previsões das instituições
internacionais, que consideram superficiais.
«Compramos» o estudo da Universidade Católica em
Luanda (como é referido nesta edição) que dá um crescimento
(positivo) de um a três por cento e a «ver, vamos»?
No dossiê alargado desta edição procuramos dar uma visão
do estado da economia angolana e expomos diferentes análises e
opiniões, por vezes adversas entre si.
As polémicas sobre as novas políticas monetárias angolanas
decorrem depois da discussão do Orçamento Geral do Estado
agora revisto pela obrigatoriedade do decréscimo de 6,6% da
produção do petróleo, o principal gerador de receitas do país.
Mas sejam quais forem os reais índices no curto prazo,
Angola continua a suscitar um corrupio de governantes e
homens de negócios das grandes potências económicas. Apenas
no mês de Junho visitaram-na representantes de quase todos os
membros do G8.
31 A CRÓNICA DE PEPETELA
Governo africano?
32 BRASIL, Alfredo Prado
Os encantos da Petrobras
35 A CRÓNICA DE LUÍZ RUFFATO
Uma silenciosa revolução na floresta
36 CABO VERDE, Natacha Mosso
Habitação para todos é objectivo
43 A CRÓNICA DE GERMANO ALMEIDA
Fidalgo de braguilha
44 GUINÉ-BISSAU, Luntam Cuiaté
Bacai Sanhá e Kumba Yalá na segunda volta das eleições
47 A CRÓNICA DE ODETE COSTA SEMEDO
Assim senti Ombela? Uluai, chuva e palavra
48 SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE, Juvenal Rodrigues
O balanço de um ano de governação
51 A CRÓNICA DE CONCEIÇÃO LIMA
Alda Espírito Santo
52 AMÉRICA LATINA, Manrique S. Gaudin
Cuba, OEA e a criação de um novo organismo
55 ECONOMIA, Jonuel Gonçalves
Da crise aos riscos de «tudo como dantes»
62 ELEIÇÕES EUROPEIAS, António Melo
A humilhação da esquerda, a vitória dos conservadores
71 ÁGUAS CORRENTES, Corsino Tolentino
O voto da decência
73 ENSAIO, Alves da Rocha
O «Fundo Soberano» da Finlândia
77 CRÓNICA DA TERRA, Fernando Pacheco
O futuro da agricultura angolana
e o conhecimento científico
80 INSUMOS
84 LIVRO DO MÊS, Rodrigues Vaz
Uma biografia exemplar de Óscar Ribas
86 CULTS
90 LIVROS, CD E VÍDEO, Miguel Correia
94 MEMÓRIA, António Melo
Ricardo Rangel (1924-2009)
96 ÚLTIMA PÁGINA, João Melo
A construção da democracia
ILUSTRAÇÃO DA CAPA, Cristina Sampaio
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06 ENTREVISTA CATARINA FURTADO,
Guiomar Belo Marques
Embaixadora da Boa Vontade pede urgência na ajuda
Carlos Pinto Santos
África21– julho 2009
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ENTREVISTA
Isto é mesmo uma urgência!
Catarina Furtado, embaixadora da Boa Vontade
Há dez anos, foi convidada por Kofi Annan,
então secretário-geral da ONU, para assumir
uma tarefa: ser embaixadora da Boa Vontade
do Fundo das Nações Unidas para a População
(UNFPA). Desde então, não mais descansou.
Tem feito uma interpretação à letra das funções
que então assumiu, na consciência profunda
de que cada vida possui um valor primordial.
Guiomar Belo Marques
África21. O trabalho de embaixadora
tem sido desenvolvido, fundamentalmente, em países de expressão portuguesa. Foi uma opção própria?
CATARINA FURTADO. Tem sido
uma opção minha. Os embaixadores da
Boa Vontade das Nações Unidas existem
por serem pessoas supostamente envolvidas, conhecidas do público e para servirem de porta-vozes nos países em desenvolvimento. Eu sou a única embaixadora
de língua portuguesa da UNFPA. Quando me convidaram, disse que gostava
muito de trabalhar junto daqueles com
os quais temos afinidades históricas e linguísticas. Além do mais, parte dos meus
programas passa na RTP-África e, por
isso, quem tem o poder conhece-me, o
que facilita muito o meu trabalho.
De quem partiu a iniciativa de angariação de fundos para a UNFPA,
numa Gala da RTP?
A RTP sempre teve a noção de que a estação pública tem de fazer este tipo de
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julho 2009 –
África21
acções, de movimentar a sociedade civil
no sentido de se envolver na ajuda às
inúmeras carências existentes. Na altura,
a Gala já estava programada e desafiei o
Nuno Santos, então director da RTP, a
alargar ao exterior, sobretudo aos países
lusófonos, o que era inédito, e consegui
convencê-lo. Para mim havia dois motivos muito importantes: dar a conhecer o
trabalho da UNFPA, pouco divulgado,
apesar de ser a maior Agência, e explicar
o que é a mortalidade materna e neonatal, o planeamento familiar, a gravidez
adolescente, a sida.
Atingiu os objectivos pretendidos?
Apresentei pequeninos filmes onde mostrava o trabalho da UNFPA e convidámos as pessoas a darem um donativo financeiro. Metade do dinheiro foi para o
Serviço de Pediatria do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa.
Conseguimos um valor recorde. Foi
mesmo muito bom. Deu para termos
250 mil euros (352 mil USD) só para o
A embaixadora da Boa Vontade em Gabú
ATÉ AO FIM DO MUNDO
UNFPA. Depois, consegui sensibilizar o
IPAD e o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, João
Gomes Cravinho, a dar outro tanto para
a cooperação portuguesa, e ficámos com
500 mil euros (704 mil USD). Às vezes
perguntam-me porque não me dedico a
Portugal, onde há tantos problemas.
Não digo que não, mas os embaixadores
existem para estes países. Aqui, uma pessoa que não tenha nada pode ir a um
Centro de Saúde, a um hospital, onde
tem tudo, porque é público. Lá não há!
Na Guiné, por exemplo, não há transfusões de sangue por não existir um banco
de sangue. Portanto, tenho urgência em
mostrar para as pessoas perceberem. Temos de ser muito mais solidários do que
aquilo que pensamos.
Como foi esse dinheiro encaminhado
para a Guiné?
A UNFPA decidiu que deveria ir para a
Guiné, por ser o país do mundo com
uma das mais elevadas taxas de mortalidade materno-neonatal, exactamente
pela falta de infra-estruturas, quer físicas,
quer de pessoas formadas, quer culturalmente, porque não há um trabalho, já
existente noutros países, nos quais há
uma sensibilização e onde as mulheres,
quando estão grávidas, recorrem aos serviços de saúde, mesmo que precários. Na
Guiné ainda está tudo no século passado.
Portanto, há um ano foi lançada a primeira pedra do bloco operatório e em
Junho último foi inaugurado.
Fui inaugurar. Já está construído o bloco operatório, em Gabú!
Como correu?
Foi super-comovente, porque o carinho
com que todas as pessoas da terra estavam a olhar para o bloco operatório fez-
me ganhar mais dez, vinte anos de vida.
Foi muito bonito. Agora estou a ver se
consigo mais. Em Mansoa, o hospital
foi construído e ajudado pela cooperação francesa; tem muito bom aspecto,
mas não tinha técnicos a trabalhar. Portanto, os 500 mil euros deram não só
para a infra-estrutura, mas também para
lá pôr material, ambulâncias, contribuir
para a formação. É um projecto para ter
continuidade.
No documentário Dar Vida sem Morrer, que foi transmitido no início do
ano, divulgava-se o projecto, mas haverá mais três.
Serão quatro, ao todo. O Antes foi o primeiro. Este próximo mostrará alguns resultados, porque houve coisas que já
melhoraram, o que tem a ver com
apoios que foram lá postos como, por
exemplo, um gerador que está a funcionar há seis meses, o que significa que já
houve mulheres que não morreram por
terem podido ser operadas, ainda que
em condições completamente arcaicas.
Fizeram-se cesarianas ali, salvaram-se
pessoas ali, por causa do gerador.
A segunda série de Príncipes do Nada
terá a mesma linha da primeira?
Claro. No fundo, pretendo homenagear
as pessoas que trabalham nas ONG,
muitas delas voluntárias, outras quase
voluntárias. Mas esta terá por subtítulo
Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Quero dá-los a conhecer melhor,
porque as pessoas ainda não perceberam
muito bem o que é isto que os Estados
assinaram e é suposto atingirmos até
2015.
Suposto?
Sim, porque estamos mesmo muito
aquém. Em Moçambique, por exemplo,
África21– julho 2009
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MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
a coisa mais chocante e mais visível é a
sida, que está a ser catastrófica. E não é
por falta de apoios financeiros, porque
há imensos apoios nesta área. Os retrovirais estão a ser administrados porque
há esse dinheiro. O que tem falhado é a
prevenção. E neste momento são milhões as crianças órfãs. Milhões! E os jovens que vingam, a partir dos 20 morrem. São necessárias infra-estruturas
para acolher todas aquelas crianças. Durante a viagem que fiz agora a Moçambique fui à Namaacha e acompanhei os
Médicos do Mundo, com quem assisti
ao tratamento de uma família composta
por um pai, mãe e duas filhotas. O pai
de 32 anos com sida, a mãe de 22 anos
com sida, a criança de cinco anos com
sida e ainda faltava fazer o teste à criança de nove meses. No meio de uma tabancazinha e uma hortinha, que era o
que lhes valia, uma machambazita que
tinha alfaces, uma capoeira com três ou
quatro galinhas, e estavam a assar um
rato do campo para o almoço. Quando
cheguei, a primeira coisa que vi e assinalei aos Médicos do Mundo foi a mãe a
dar de mamar ao bebé. Perguntei: «mas
como é que é isto?». Foram fazer o tratamento de retrovirais a cada um, mas não
há esclarecimento às mães para não da-
8
“
rem de mamar, porque os homens dizem logo que não. Entrevistei o pai e ele
disse-me que não tinham comida, que
não tinha para ele nem para a outra filha, e disse-me mesmo: «eu prefiro que
ela morra mais tarde do que morra agora». É constrangedor!
operadas
Adquire-se um novo olhar sobre o
Mundo?
Totalmente. Às vezes, só consigo partilhar
o que vejo com as duas pessoas com quem
vou: o Ricardo Freitas, produtor do programa, e o Hugo, que é repórter de imagem. Muitas vezes, as imagens que selecciono e o texto que escrevo não reflectem
tudo o que vi, que vivi, que senti. É tudo
tão intenso, que não consigo. Muito menos consigo contar, quando chego. Não é
por bondade, não é para as pessoas dizerem que somos bonzinhos, não! Isto é
mesmo uma urgência. Custa-me muito,
nem consigo explicar quanto, que tudo
isto seja um contraste tão grande no
Mundo. Em Moçambique, nos arredores
de Maputo, há uma ONG chamada Reencontro cujo trabalho é sobretudo dirigido para crianças e jovens órfãos da sida e
na qual trabalha uma enfermeira reformada chamada Olinda que tenta reintegrálos. Dá-lhes famílias substitutas, promove-
‑lhes a educação, a saúde, enfim, é um trabalho excepcional. São sete mil jovens
que usufruem disto que ela lhes dá com
poucas condições. E uma das coisas que
ela faz, de vez em quando, é construir
umas casinhas para as crianças que podem
viver com os irmãos mais velhos. Ela mostrou-me uma dessas casas: a irmã mais velha estava na escola, a tal que chefia a casa
com 16 anos, mas falei com a de 12 e com
um miúdo de nove. Ainda havia uma
bebé. Perguntei se ela sabia ler e disse:
«já». «Já sabes ler, Zé?», «Tou quase»…
Continuei a conversar e ele começou a
querer pedir-me qualquer coisa, baixinho:
«Sabes o que é que eu queria? Que me
ajudasses para as explicações». Ele não me
pediu comida. É comovente, também,
como a fome de aprender pode superar a
fome da comida. Outra dificuldade vai ser
explicar aos meus filhos isto tudo.
O gerador em Gabú
já funciona e assim houve
mulheres que não
morreram porque foram
”
SER SOLIDÁRIA
Prestes a completar 37 anos, Catarina Furtado é muito mais do que «a namoradinha de Portugal»,
como ficou conhecida depois de ter apresentado o programa Chuva de Estrelas, da SIC. Filha do
jornalista Joaquim Furtado e da professora de Artes Visuais Helena Furtado, conjuga na perfeição
a paixão do pai pela denúncia criteriosa com o voluntarismo de uma mãe que durante anos a fio
optou pelo Ensino Especial. Formada em Dança pelo Conservatório Nacional de Lisboa, decidiu,
quando o seu rosto e simpatia eram já largamente famosos, frequentar, durante dois anos (1995-97),
a London International School of Acting. Apresentadora e actriz, tem demonstrado, através da sua
profissão, mas também enquanto embaixadora da Boa Vontade, a inteligência, profundidade e nobreza de carácter de que é detentora e que estão muito para lá da sua inquestionável beleza física. Um verdadeiro caso raro.
julho 2009 –
África21
ACORDO UE-ÁFRICA OCIDENTAL
ASSINADO EM OUTUBRO
A União Europeia e a região da África Ocidental decidiram avançar com negociações para a
conclusão do Acordo de Parceria Económica
regional.
Em Outubro deste ano, os dois blocos assinam os instrumentos que vão corporizar o
acordo, abrangendo áreas como o comércio
de mercadorias e a cooperação para o desenvolvimento.
A Comissária do Comércio, Catherine
Ashton, e o Comissário do Desenvolvimento,
Louis Michel, encontraram-se com os presidentes das organizações regionais CEDEAO
(Comunidade Económica dos Estados da África
Ocidental) e UEMOA (União Económica e Monetária da África Ocidental), bem como com
vários ministros de países da região, tendo
ambas as partes reafirmado o seu empenho
em avançar no processo de construção de
uma parceria duradoura entre a UE e a África
Ocidental.
10
julho 2009 –
África21
VIOLÊNCIA CONTRA MULHER
MOBILIZA POPULAÇÃO NA PRAIA
Ao contrário do pouco público que habitualmente se reúne por alguma causa cívica ou social, desta vez a população da Praia aderiu em grande número ao apelo
para se manifestar contra a violência e clamar por justiça, na sequência das mortes de duas irmãs, uma de 25 anos e outra de 13, assassinadas à facada, quando se encontravam em casa a dormir. O autor dos crimes, o ex-namorado da mais
velha, foi detido pouco tempo depois. Um grupo de amigos das jovens organizou
a marcha, silenciosa, a partir da casa das vítimas, no bairro da Achadinha, passando pelo centro histórico da cidade, e dirigindo-se ao Palácio do Governo, onde
terminou a concentração. Abundavam faixas e cartazes pedindo justiça e apelando contra a violência. «Entre marido e mulher, temos de meter a colher», lia-se
numa das faixas empunhadas por manifestantes – homens e mulheres.
A iniciativa recebeu o incentivo do Instituto Cabo-Verdiano para a Igualdade e
Equidade de Género (ICIEG). Este organismo governamental, segundo a sua
presidente, a socióloga Cláudia Rodrigues, presente na marcha, pretende ver alterada, até 2011, a legislação actual sobre a violência baseada no género, de forma a torná-la um crime público. Ao ver passarem os manifestantes, numa roda de
engraxadores na praça central da cidade, alguém dizia: «Não prenderam o assassino? Então já estão tomadas todas as providências, para quê marcha?». Foi também contra esse tipo de indiferença que se desfilou na Praia.
LULA CONVIDADO DE HONRA NA CIMEIRA DA UA
O Presidente brasileiro, Lula da Silva, foi o convidado de honra da 13.ª cimeira da União Africana (UA), que se realizou em Sirte, Líbia, nos três primeiros
dias deste mês e à qual África21 dará eco na sua próxima edição. O convite,
enfatizou o secretariado da UA, com sede em Addis Abeba, capital da Nigéria, é «uma homenagem à atenção especial que o presidente Lula dedicou à
África e às relações entre África e América do Sul».
O secretariado da UA quantificou este interesse mútuo, sublinhando
que com Lula da Silva na presidência brasileira, o comércio com os vários
países africanos com quem o Brasil tem relações comerciais aumentou
415% desde 2002. Salientou ainda um outro aspecto que aproxima o paíscontinente sul-americano do continente africano: o Brasil «é o país onde
vivem mais descendentes de africanos fora da África».
DR
GLÁUCIA NOGUEIRA
A ntena 21
África21– julho 2009
11
ZENAWI ANUNCIA A RETIRADA
No poder desde 1991, o primeiro-ministro etíope, Meles Zenawi,
anunciou a intenção de renunciar ao cargo e abandonar a política
activa antes das próximas eleições legislativas, previstas para
2010, e apelou aos líderes africanos da sua geração a seguir o
seu exemplo, para deixar o lugar aos mais novos. Zenawi invoca
razões de saúde e um grande cansaço como motivos da retirada,
mas a oposição etíope considera que a verdadeira razão é o desejo de evitar uma derrota política humilhante. As eleições de
1995 foram caóticas e deram lugar a violentas manifestações que
causaram dezenas de mortos, obrigando o partido no poder a rectificar os resultados e a confirmar a eleição de 176 deputados da
oposição, em vez dos 12 inicialmente anunciados. Mesmo assim,
a Coligação para a Unidade e a Democracia (que conquistou todos os mandatos da província de Addis Abeba) acusou o Governo de lhe ter roubado a vitória. Segundo a Constituição, o primeiro-ministro é quem exerce o poder. O Presidente, eleito pelo
Parlamento, tem um papel meramente protocolar.
As milícias de Al Shabab, suspeitas de pertencer à nebulosa da Al-Qaida, estão à beira de tomar o controlo de
Mogadíscio, onde os combates fizeram mais de 250 mortos em Junho e provocaram o êxodo de mais de 150 mil
civis. O Presidente Sheik Sharif Ahmed lançou a 20 de Junho um dramático apelo aos países africanos para que
enviem de emergência reforços para a força de paz da
União Africana, que dispõe apenas de 4700 homens em
vez dos 8000 prometidos. Reunidos em conclave extraordinário em Sirte, à margem da cimeira da União Africana,
os países vizinhos prometeram aumentar as ajudas à
Somália, mas até agora o único apoio efectivo veio dos
Estados Unidos que forneceram mais de 40 toneladas de
armas e munições às forças governamentais.
LUSA
DAVID T. JAFFE/LUSA
Meles Zenawi está cansado do poder
MOGADÍSCIO CERCADO
POR ISLAMISTAS RADICAIS
A capital da Somália está em ruínas
LUSOFONIA EM COIMBRA
As literaturas de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe e as suas relações com a história, política, conhecimento e poder, foram tema de um colóquio internacional realizado em meados
de Junho último em Coimbra. Organizado
pelo Centro de Estudos Sociais (CES), o
evento reuniu numa mesa redonda alguns
dos escritores daqueles países, entre os
quais os cabo-verdianos Dina Salústio e
Joaquim Arena, a guineense Odete
12
julho 2009 –
África21
Semedo e a são-tomense Conceição
Lima. Estas duas últimas poetas, cronistas da África21 desde a primeira edição.
Para a organizadora, Margarida Calafate Ribeiro, a iniciativa permitiu revisitar os grandes momentos das literaturas
de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São
Tomé e Príncipe, reflectir sobre a importância da ficção e da poesia como espaço de conhecimento; das relações da literatura com a história e a política; e das
relações da literatura com o conhecimento e o poder. Foi igualmente ocasião
para colocar em diálogo os actores principais da produção estética e crítica destas literaturas: escritores, críticos nacionais, críticos portugueses e críticos estrangeiros que trabalham sobre estas
literaturas. Em 2007, o CES realizou o I
Ciclo de Colóquios-Curso Internacionais
dedicado ao estudo das Literaturas de
Angola e Moçambique.
NÚMEROS
SAÚDE PÚBLICA EM CABO VERDE
É TEMA DE LIVRO
Políticas de Saúde em Cabo Verde na década de 19801990 -Experiência de Construção de um Sistema Nacional
de Saúde descreve e analisa a construção do sistema de
saúde pública cabo-verdiano no pós-independência. O
sistema criado naquela altura – caracterizado pela gratuidade e prioridade à saúde materno-infantil – teve grande
impacto na redução da mortalidade precoce e na elevação
da esperança de vida ao nascer, colocando Cabo Verde
entre os países pobres com melhor desempenho na melhoria das condições de saúde da população. A obra, partindo das características locais e dos aspectos estruturais e económicos que contextualizam o
período analisado, avalia o desempenho de indicadores como cobertura vacinal, nutrição, atendimento à gestante, entre outros, no sentido de apreciar as políticas de saúde adoptadas.
Editado pela Universidade de Cabo Verde, o livro resulta da tese de mestrado – defendida
na Fundação Oswaldo Cruz, Brasil – do médico especialista em saúde pública António Pedro da
Costa Delgado. Para além do seu país natal, que elegeu como tema, para além de ter sido um
actor da construção do sistema que descreve, Delgado desempenhou funções, na Guiné-Bissau
e em São Tomé e Príncipe, como funcionário da Organização Mundial de Saúde. Colocado no
Gabão, no âmbito desta organização, é actualmente responsável pelo apoio ao desenvolvimento dos sistemas de saúde dos 11 países da África Central.
ACORDO PARA PATRULHA CONJUNTA
DO ESPAÇO MARÍTIMO
DR
Cabo Verde e Grã-Bretanha vão fazer fiscalização conjunta do espaço marítimo do ar­
qui­pélago. Um acordo nesse sentido foi assinado em Junho pela ministra cabo-verdiana da Defesa, Cristina Fontes, e pelo embaixador da Grã-Bretanha em Dacar, Christopher
Trott, o que vai permitir a realização de operações de vigilância e patrulhas conjuntas de
luta contra o narcotráfico nas águas territoriais cabo-verdianas e na zona circundante do
Oceano Atlântico. O memorando prevê ainda o embarque de agentes da Guarda Costeira e da Polícia Judiciária cabo-verdianas para operações em navios da Royal Navy e
da Royal Fleet Auxiliary, os dois ramos da marinha de guerra do Reino Unido. O acordo
vai regular as missões conjuntas de fiscalização, de modo a garantir a estabilidade na
região, através de um reforço da fiscalização, vigilância e reacção a ilícitos. «Este memorando inscreve-se nesta ideia de parceria estratégica para combater os tráficos de
todo o tipo e o narcotráfico em especial», afirmou Cristina Fortes, acrescentando que o
memorando com a Grã-‑Bretanha
se inscreve no quadro da parceria
especial, na construção do pilar
Segurança e Estabilidade. O arquipélago já assinou acordos semelhantes com outros países europeus, nomeadamente a Espanha e Portugal. De igual modo,
está em preparação um acordo do
Navio patrulha da Royal Navy
género com os EUA.
1813
mil
dólares é quanto a norte-americana
Jammie Thomas-Rasset terá de pagar
à indústria discográfica por ter
partilhado ilegalmente 24 músicas
na internet
950 milhões
de dólares é a linha de crédito chinesa
disponibilizada ao Zimbabwe,
anunciou o primeiro-ministro Morgan
Tsvangirai
73 milhões
de dólares é o auxílio de emergência
ao Zimbabwe prometidos
pela Administração Obama
20
milhões
de minas terrestres existem no Iraque
segundo a Unicef, que alerta
para o milhão de crianças em perigo
110 mil
casas começarão a ser construídas
em Agosto numa parceria
público/privada em Angola,
anunciou o ministro do Urbanismo
e Ambiente, José Ferreira
40
mil
pessoas morreram no continente
africano em 2007 devido à poluição
do ar
50
dos 229 estrangeiros detidos na base
naval de Guantanamo serão julgados
nos EUA
25%
diminuiu em 2008 o conjunto
dos super-milionários, aqueles
que têm pelo menos 30, 9 milhões
de dólares disponíveis para investir,
noticia o Financial Times
1,2
dólares contribui cada habitante
britânico para as despesas
da família real
África21– julho 2009
13
PAULO CUNHA/LUSA
INTERNET DAS COISAS
A Europa prepara-se para uma nova
revolução da internet. A evolução tem
sido super-rápida. Se há 25 anos ligava pouco mais de um milhar de utilizadores, hoje, cerca de 1,5 milhões de
pessoas em todo o mundo estão ligadas entre si graças às novas tecnologias. O europeu comum possui actualmente, pelo menos, um objecto ligado
à internet, seja um computador ou um
telemóvel. Mas o número de dispositivos ligados praticamente invisíveis,
mais complexos e mais móveis, multiplicar-se-á cem ou mesmo mil vezes
nos próximos cinco a quinze anos.
A Comissão Europeia anunciou
um conjunto de 14 acções destinadas
a garantir que a Europa assuma um
papel proeminente na configuração
dessas novas redes de objectos interligados, que incluem desde livros a
automóveis, de aparelhos eléctricos a
alimentos: Em suma, a nova «internet
das coisas». O plano de acção da
União Europeia tem como objectivo
que os europeus beneficiem desta
evolução e, ao mesmo tempo, vai
procurar responder aos desafios decorrentes desta nova realidade e que
têm a ver com o respeito da vida privada, a segurança e a protecção dos
dados pessoais.
Mariano Gago espreita no telescópio por controlo remoto
EUREKA ABERTA A PAÍSES NÃO-EUROPEUS
As novas tecnologias criam pontes entre
milhares de milhões de pessoas
14
julho 2009 –
África21
TANDJA QUER FICAR NO PODER A TODO O CUSTO
O Presidente do Níger Mamadou Tandja, cujo segundo e último mandato termina em Dezembro próximo,
dissolveu o Tribunal Constitucional que, por três vezes, se opôs à sua vontade de convocar um referendo
para alterar a Constituição de forma a poder concorrer
às próximas eleições. Anteriormente e pela mesma
razão, Tanja dissolveu o Parlamento. Alegando que a
unidade e a soberania do Níger estava em perigo, o
Presidente outorgou-se poderes excepcionais, o que
equivale à proclamação do Estado de Emergência.
A Comunidade dos Estados da África Ocidental
(CEDEAO) ameaçou tomar sanções contra o Níger se
a normalidade institucional não for restabelecida.
ISSOUF SANOGO/LUSA
RENS VAN MIERLO/LUSA
A rede de cooperação europeia em investigação científica Eureka vai alargar-se a países
não-europeus, segundo o ministro português da Ciência, Mariano Gago, no fim de um
ano de presidência portuguesa em que foram aprovados 278 novos projectos, um aumento de 11% em relação ao ano anterior, envolvendo um investimento público e privado de 38 milhões de euros (52,7 milhões de USD). Portugal, que passou a pasta da presidência à Alemanha, anunciou que a Coreia do Sul – uma das economias mais importantes da Ásia – vai passar a ser membro da rede Eureka, tendo o ministro referido que
outros países como o Brasil, Argentina, Egipto, Singapura e África do Sul também pediram para ser associados da iniciativa lançada em 1985. Apesar da expansão, Mariano
Gago rejeitou que a rede possa perder o seu carácter europeu, assegurando que nunca
haverá projectos Eureka sem parceiros europeus. A Europa, na sua perspectiva, não é
entendida como uma fortaleza fechada.
ZUELÓDROMO
SHELL ADMITE RESPONSABILIDADES NA MORTE DE SARO-WIWA
STEFAN ROUSSEAU/LUSA
Principal companhia exploradora de petróleo na Nigéria e oitavo exportador mundial, a Shell
atravessa uma fase crítica no país. Depois de 13 anos de litigância, com o caso à beira de julgamento num tribunal norte-americano, a Shell aceitou um acordo extrajudicial com os familiares dos oito mártires do povo ogoni, entre eles o escritor Ken Saro-Wiwa. A Shell concordou pagar-lhes 15,5 milhões de dólares. O conflito data do início da década de 1990, quando a etnia
ogoni, composta por meio milhão de pessoas, radicada à beira da foz do rio Níger, protestou
contra o modo como a Shell punha e dispunha na região, em detrimento dos seus interesses
seculares. A contestação incidiu sobre os atentados ambientais que a exploração petrolífera estava a produzir e que na opinião dos líderes representava um crime de lesa-natureza. O escritor nigeriano Saro-Wiwa tornou-se na face mais visível deste movimento de protesto, que ganhou o apoio da esmagadora dos ogonis e suscitou a simpatia das organizações ambientais.
Em 1994 chegaram os confrontos, com os ogonis a reclamarem serem consultados sobre as
regalias concedidas à Shell e a reclamar direito de indemnização pelos danos causados. No decorrer de um desses confrontos um dos representantes do Governo central foi morto, em circunstâncias nunca apuradas. Em todo ocaso, para Sani Abacha, o general que mandava no
país, a culpa ficou estabelecida. Tratava-se de um acto dos líderes ambientalistas ogonis. Foram presos e enforcados em 1995 (ver África21 de Junho). O pagamento da indemnização,
disse a Shell em comunicado, constituiu um «gesto humanitário» da sua parte e faz parte de um
«processo de reconciliação» com as populações locais.
“Angola vai ser um dos grandes actores
políticos e económicos do continente
africano”
THIERRY TANOH, vice-presidente
da International Finance Corporation
“É necessário dar ao Zimbabwe
uma oportunidade para a paz
e o desenvolvimento. Queremos apelar
aos líderes mundiais para que ponham
fim às sanções”
NKOANA-MASHABANE, ministra sul-africana das
Relações Exteriores
“Queremos progressos claros em certos
pontos de fricção no âmbito do acordo
político [com o Zimbabwe], por exemplo
no domínio dos média e direitos do homem”
LOUIS MICHEL, comissário europeu
da Ajuda ao Desenvolvimento
“O VIH constitui um problema nacional.
Neste momento, a tendência mostra
que a pandemia está a subir cada vez mais”
ISAÚ MENESES, presidente da comissão
parlamentar moçambicana de combate à sida
“Mesmo que se coloquem os bancos
em camisas de força, não se irá impedir
que os mercados se lancem até valores
absurdos”
EDMUND PHELPS, norte-americano,
Prémio Nobel da Economia em 2006
“O que Portugal deixou no mundo
de mais fecundo, de mais singular,
foi a língua”
ANTÓNIO PINTO RIBEIRO,
ministro português da Cultura
A viúva Maria Saro-Wiwa (à direita) numa acção de protesto diante do Centro Shell, em Londres
TIMOR-LESTE PEDE MAIS PROFESSORES
Timor-Leste quer o aumento do número de professores de português no território. O pedido foi formulado em Braga, por Kirsty Sword Gusmão, presidente da Fundação Alola, no âmbito da visita
que efectuou a Portugal em Junho. A mulher do primeiro-ministro timorense manifestou-se esperançada num possível reforço do contingente de docentes no país. «O nosso primeiro-ministro e o
ministro da Educação têm pedido o aumento do número de professores que estão no terreno mas
não sei se vai ser possível, por razões orçamentais», afirmou, certa de que serão encontradas outras soluções para dar resposta ao pedido das autoridades timorenses. É que ainda há poucas
pessoas a falarem português, e, segundo Kirsty Gusmão, é necessário formar professores, mas
também a juventude, funcionários púbicos, jornalistas e mesmo os líderes políticos.
“O Ministério [português] da Cultura
tem uma verba ridícula para fazer
o que quer que seja”
JOSÉ SARAMAGO, Prémio Nobel da Literatura
“Se não encontrármos rapidamente
a maneira de travar e inverter a subida
dos preços dos alimentos haverá
[em África] um importante aumento
da fome e da mortalidade infantil”
KOFI ANNAN, Ex-secretário-geral da ONU
“Para o Brasil, África é o mercado
do futuro”
MIGUEL JORGE, ministro brasileiro do
Desenvolvimento e do Comércio Externo
África21– julho 2009
15
16
julho 2009 –
África21
LUSA
ANGOLA
Crescimento, dúvidas
e «namoros»
N
o ano 2000, a inflação angolana estava em 268 por
cento. Em oito anos, baixou para 13 por cento. Ao
mesmo tempo, Angola tornou-se um dos países de
maior crescimento do mundo. As políticas adoptadas pelo Governo para lograr a estabilidade macroeconómica e o impressionante crescimento registado nos últimos anos mereceram elogios de toda a parte. O que poucos recordam, hoje, é que essas
políticas foram estabelecidas e executadas contra os conselhos
das principais instituições económicas internacionais, como o
Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial. A propósito, um dos quadros mais reputados do país, Aguinaldo Jaime,
observou que, qualquer dia, será necessário escrever a história
das complexas e difíceis relações de Angola com as organizações
de Breton Woods.
Presentemente, essas e outras instituições voltam a fazer prognósticos pessimistas sobre o futuro da economia angolana, no contexto da actual crise global, de que nenhum país do mundo está a
salvo. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e o Banco Africano de Desenvolvimento
(BAD), por exemplo, juram que em 2009 Angola terá um crescimento negativo de seis a sete por cento (mais tarde corrigido para
menos quatro por cento).
A maioria dos economistas locais desconfia dessas previsões,
consideradas superficiais e limitadas, uma vez que as mesmas assentam exclusivamente no comportamento dos preços do petróleo
– principal produto de exportação do país – no mercado internacional. O Governo vai mais longe e assegura que, este ano, Angola
registará um crescimento positivo de seis por cento. «Os funcionários dessas organizações precisam de vir a Angola», disparou o ministro das Finanças, Severim de Morais. De notar que um estudo
da Universidade Católica confirma que o país vai crescer positivamente este ano, mas, de acordo com a referida entidade, apenas de
um a três por cento.
Nas páginas seguintes, África21 disseca as perspectivas de evolução da economia em Angola no curto prazo. Em artigos assinados
pelo nosso director e pelos nossos colaboradores nossos colaboradores Alberto Sampaio, Pedro Kamaka e Emanuel Alvarenga, reportamos a revisão do Orçamento Geral do Estado actualmente em
debate na Assembleia Nacional, as recentes e polémicas medidas
monetárias tomadas pelas autoridades (já noticiadas na nossa edição
do mês passado) e a autêntica peregrinação internacional a Luanda
de dirigentes e empresários de todos os cantos do mundo, em busca de parcerias e negócios – o que, por si só, é um sinal de que as visões pessimistas talvez não tenham muita razão de ser.
África21– juLHo 2009
17
Orçamento revisto
mantém crescimento
No dia 28 de Julho a Assembleia Nacional de Angola vai votar
o Orçamento Geral (OGE) de 2009 revisto. Apesar de um corte
de 17,5% em relação à versão aprovada pelos parlamentares
no final do ano passado, o OGE mantém uma perspectiva
de crescimento de 6,1% (contra os 11,8 % anteriores). O sector
petrolífero registará um crescimento negativo de 6,6%, mas a boa
notícia é que o sector não-petrolífero deverá crescer 14,6%.
João Melo
O
total de Receitas e Despesas
previstas pelo Governo em 2009, de
acordo com a versão revista do
OGE, é de 3986,7 mil milhões de kwanzas, o
que equivale a 50 mil milhões de dólares. A primeira versão previa um total de receitas e despesas de 5235,2 mil milhões de kwanzas, ou seja,
65 mil milhões de dólares.
A revisão em baixa do orçamento deve-se, segundo avançou o primeiro-ministro, Paulo Kassoma, na apresentação do documento aos parlamentares, a 25 de Junho, aos seguintes quatro factores: redução do valor dos activos angolanos no
estrangeiro; quebra das receitas petrolíferas e diamantíferas; redução dos fluxos financeiros do exterior; e pressão sobre as reservas cambiais do país.
Em relação aos activos angolanos no estrangeiro, e talvez contraditoriamente, o ministro das Finanças, Severim de Morais, garantiu que Angola
não fez aplicações em produtos de risco. «Logo após
o início da crise financeira, o Governo analisou os
activos do Estado no exterior e chegou à conclusão
de que não foi afectado nenhum», disse ele.
Devido a essas aparentes contradições, alguns
observadores acham necessário que as autoridades
expliquem convincentemente o que significa a
18
julho 2009 –
África21
«redução do valor dos activos angolanos no exterior» invocada como uma das razões para a revisão
do Orçamento Geral do Estado. Para muita gente, os investimentos externos do Estado angolano,
incluindo o das empresas públicas, como a Sonangol, estão envoltos em demasiado mistério.
A redução dos fluxos financeiros do exterior
deve-se ao facto de, como observou recentemente o Banco Mundial, o mercado de crédito internacional estar «praticamente parado», o que afecta todos os países. A única hipótese de contornar
a situação é o recurso às linhas de crédito bilaterais, o que as autoridades angolanas têm sido bastante competentes em conseguir.
A pressão sobre as reservas cambiais do país é
comprovada pelos números: de 31 de Dezembro
de 2008 a 15 de Maio de 2009, as reservas baixaram quase 5,5 mil milhões de dólares, passando de
18,5 mil milhões para 13 mil milhões de dólares.
Isso parece ter gerado o pânico entre as autoridades políticas e económicas, provocando uma série
de consequências, que ainda não terminaram.
A demissão do governador do Banco Nacional
de Angola, Amadeu Maurício, e as políticas monetárias restritivas adoptadas pela nova equipa económica no segundo trimestre deste ano são as conse-
LUSA
DR
quências mais visíveis dessa pressão. Mais perversos
e susceptíveis de agravar a desconfiança do mercado são os boatos e intrigas, as informações desencontradas e as decisões erráticas do Governo, diante das críticas suscitadas pelas suas medidas restritivas. Como se isso não bastasse, parece que as autoridades se preparam para cometer aquilo que numerosos economistas consideram «um revés»: retirar a autonomia do Banco Nacional de Angola.
De qualquer forma, e acima de tudo isso, a
principal razão para a necessidade de rever o orçamento foi a diminuição dramática das receitas petrolíferas e diamantíferas. No primeiro caso, o impacto é duplo: além da queda do preço, o país também teve de baixar a sua produção, por causa do seu
engajamento na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que preside actualmente.
Assim, em seis meses, as receitas petrolíferas
baixaram de 1,2 mil milhões por mês para apenas
400 milhões de dólares. Por esse motivo, o OGE
revisto foi calculado à base de 37 dólares o preço
do barril de petróleo, contra os 55 dólares aprovados em Novembro do ano passado (e muito longe dos 140 dólares alcançados em Julho de 2008).
Petróleo, défice e transparência
As autoridades reconhecem que a fixação do preço do barril de petróleo nos 37 dólares, para efeitos de elaboração do orçamento, corresponde a
uma estratégia conservadora. «Isso permite-nos
uma maior margem de gestão interna, pois o preço do petróleo é gerido no mercado internacional, o que o Governo não controla», afirmou a
ministra do Planeamento, Ana Dias Lourenço.
No momento em que este artigo é escrito, o petróleo está a ser comercializado a perto de 70 dólares, prevendo alguns analistas que o seu preço
médio, no final do ano, se venha a situar entre os
50 e os 60 dólares. Isso está ligado à questão do
défice fiscal, que o OGE revisto prevê seja de
14,7 por cento do Produto Interno Bruto (PIB).
É um número elevado, ao contrário dos últimos
anos, quando o mesmo esteve sempre perto do zero.
Conforme disse à África21 um antigo ministro das
Finanças, um preço do petróleo menos conservador
permitiria diminuir o défice previsto.
África21– julho 2009
19
OS NÚMEROS DO ORÇAMENTO
“
A educação
e a saúde
continuam
a levar a maior
fatia do OGE
revisto
”
VERSÃO INICIAL
VERSÃO REVISTA
Taxa de inflação anual
10%
12,5%
Produção petrolífera anual
739,7 milhões de barris
653,4 milhões de barris
Preço de referência do petróleo
55 USD/barril
37 USD/barril
Valor nominal do PIB
5.796 mil milhões de kwanzas
5.144,7 mil milhões de kwanzas
Taxa de crescimento do PIB
11,8%
6,1%
Taxa de crescimento do sector
petrolífero
5,9%
- 6,6%
Taxa de crescimento do sector
não-petrolífero
16,3%
14,6%
Receitas
2393,2 mil milhões de kwanzas
1615,2 mil milhões de kwanzas
As autoridades dizem que a cobertura do défice será feita mediante financiamentos internos e
externos, amortização de empréstimos concedidos, venda de activos e reservas do Tesouro. Mas
aquela fonte notou que, por exemplo, existe uma
diferença de timing entre a provisão do orçamento por parte de receitas próprias e por intermédio
de linhas de crédito, pois há sempre um hiato entre a contratação destas últimas e a sua efectiva
disponibilização. Quer dizer: a primeira é sempre
imediata e a segunda é diferida no tempo.
Outra questão que se prende com este ponto
é o que será feito do provável diferencial entre os
37 dólares adoptados como a base fixada pelas autoridades para a elaboração do OGE revisto e o
preço médio real do petróleo no final do ano. Isso
tem uma vertente económica e outra política.
O economista José Cerqueira, por exemplo, interroga-se se o Governo «continuará a gastar centenas
de milhões de dólares por semana para defender a taxa
de câmbios». A sua dúvida coincide com o ponto de
vista de outros economistas, segundo os quais não faz
muito sentido, economicamente, tentar proteger a
moeda nacional utilizando massivamente as reservas
nacionais. Para eles, a fragilidade do kwanza resulta da
inexistência de uma produção interna significativa.
Quanto ao aspecto político da questão, a oposição, sobretudo, tem tentado levantar suspeições
sistemáticas em relação à maneira como o Governo
utilizará as eventuais receitas adicionais resultantes
da exploração petrolífera. O ministro das Finanças,
Severim de Morais, esclareceu que essas receitas
20
julho 2009 –
África21
serão canalizadas para o Tesouro Nacional, a fim
de serem utilizadas quando forem necessárias.
África21 soube que o Governo criará para isso um
Fundo de Reserva do Tesouro Nacional.
De notar que o primeiro-ministro, Paulo Kassoma, assumiu perante os deputados um compromisso geral com a transparência e o rigor na execução do Orçamento Geral do Estado. Desde logo,
disse, o Governo pretende «melhorar a programação física e financeira dos investimentos públicos,
de forma a tornar o processo mais racional e eficiente». Kassoma comprometeu-se em particular a
«cumprir rigorosamente a lei no que diz respeito à
contratação, realização, controlo, acompanhamento e fiscalização das obras públicas».
Na verdade, muitos observadores locais consideram que as obras públicas são um dos escoadouros dos
recursos nacionais. Além das suspeitas de sobrefacturação e das obras mal fiscalizadas, chegam a ser noticiados casos de obras que são pagas antecipadamente e de
forma integral e jamais chegam a ser executadas. Alguns responsáveis, em especial nas províncias, têm-se
queixado disso à imprensa. Contudo, não há notícia
de nenhum suspeito que tenha sido levado a tribunal.
Outro canal por onde, alegadamente, se têm
esvaído os recursos do país são as remunerações ao
funcionalismo público, aos órgãos de defesa e segurança e aos pensionistas civis e militares. Por
isso, sabe-se também que o Governo vai recadastrar os funcionários públicos (incluindo professores e enfermeiros), agentes policiais e militares e
todos os beneficiários de pensões e assistidos pelo
“
Governo está
comprometido
em aumentar
a transparência
e a boa governação
”
jornal de angola
Instituto Nacional de Segurança Social, Serviços
de Antigos Combatentes e Veteranos de Guerra e
Caixa de Segurança Social das Forças Armadas.
No quadro dos esforços para aumentar a
transparência governativa, as autoridades aprovaram, em meados do mês passado, um projecto
electrónico designado Rede Privativa do Estado,
que visa melhorar a eficácia da prestação de serviços da administração pública e a redução das respectivas despesas. Esse projecto faz parte do Programa de Governação Electrónica de Angola.
Desde 2002, está igualmente em execução um
Programa de Modernização da Gestão das Finanças Públicas, no âmbito do qual foi implementado
o Sistema Contabilístico do Estado. Um dos componentes deste último é o Sistema Integrado de
Gestão Financeira, totalmente informatizado.
A oposição tem exigido ainda a apresentação
da Conta Geral do Estado por parte das autoridades. O ministro das Finanças adiantou que o Governo está a fazer esforços para apresentá-la ao Tribunal de Contas no fim deste ano. Será a primeira
vez que acontecerá em toda a história de Angola.
“
As previsões
internacionais
de uma recessão
em Angola
são consideradas
superficiais
e limitadas
”
lusa
Severim de Morais, ministro das Finanças
servação da estabilidade continua a ser a preocupação crucial das autoridades. A melhoria da regulação económica e da concorrência é outro objectivo nesse plano. Além da redução da expectativa de crescimento do PIB de 11,8 por cento
para 6,1 por cento e do défice fiscal de 14,7, a estimativa de inflação sofreu um pequeno aumento, de 10 por cento na versão inicial do OGE
para 12,5 por cento na versão revista.
A possibilidade de preservação do actual valor
do kwanza é uma das incógnitas macroeconómicas
que os próximos tempos deverão esclarecer. Alguns
economistas consideram que será praticamente impossível evitar a sua desvalorização. África21 apurou que o Governo pretende estabilizar as reservas
nacionais em torno dos 22 mil milhões de dólares
(no início de Junho estavam à volta dos 17,5 mil
milhões), o que poderá levar ao abandono da política de usá-las para segurar a moeda nacional. A
verdade é que, de Janeiro a Maio deste ano, a taxa
de câmbio já se tinha depreciado 3,5% no mercado
formal e 8,5% no mercado informal.
No domínio das políticas sectoriais e do desenvolvimento do território, o objectivo principal do
Governo é a melhoria da qualidade de vida das populações. Por isso, o sector social (educação e saúde) continua a ser aquele ao qual foi atribuída a fatia maior do orçamento: 33,3%, o que representa
uma diminuição de exíguos 1,3% em relação ao
orçamento anterior. O Governo decidiu também
actualizar periodicamente os salários da função
Prioridades e ajustamentos
A revisão em baixa do orçamento não alterou
grandemente as prioridades do Governo para o
ano em curso. No plano macroeconómico, a preÁfrica21– julho 2009
21
“
Medidas
monetárias
restritivas podem
frustrar intenções
do Governo
jornal de angola
”
pública, para protegê-los da inflação. As despesas
da administração pública foram mantidas em
28,9%. Os encargos financeiros aumentaram
2,7%, passando para 11%. O sector da defesa, segurança e ordem interna – por causa dos incrementos salariais do pessoal – subiu cerca de três
por cento, passando para 17,58 por cento.
O sector económico foi o mais atingido pelos
cortes, diminuindo de 14,7% para 9,3%. Isso deve-se principalmente aos reajustamentos efectuados pelo Governo no domínio dos investimentos
públicos, mantendo aqueles que já têm financiamentos assegurados, mas alargando os prazos de
execução dos demais, para que o respectivo pagamento caia no exercício dos próximos anos.
Quanto a novos empreendimentos, serão priorizadas as áreas da energia e águas.
Economistas que falaram à África21 fizeram
notar, entretanto, que a fatia atribuída no OGE
revisto para os projectos públicos corresponde
mais ou menos ao grau de realização efectiva dos
referidos projectos nos anos anteriores. Segundo
Novos projectos só nas águas e energias
22
julho 2009 –
África21
eles, o grau de execução física dos empreendimentos públicos tem sido sempre inferior à sua
estimativa orçamental. É por não levar isso em
conta que organizações como o Banco Mundial
fazem previsões acerca do crescimento negativo
da economia angolana em 2009, observou, por
exemplo, Alves da Rocha (essas estimativas levam
ao pé da letra a diminuição dos investimentos
públicos no país).
O exercício orçamental que o Governo pretende realizar este ano foi resumido assim pelo
primeiro-ministro Paulo Kassoma: «Precisamos
de gerir com rigor o que existe, com prioridade
para o pagamento das despesas que não podem
ser adiadas, mas mantendo a estabilidade macroeconómica, assim como o funcionamento normal da administração pública e a execução dos
programas executivos fundamentais».
Kassoma garantiu ainda que «a crise vai levarnos a desenvolver outras iniciativas, sobretudo
económicas e políticas, no sentido de garantirmos
a nossa independência económica, no quadro da
diversificação das nossas fontes de rendimento».
Tudo indica, por conseguinte, que não existem fundamentos económicos que justifiquem a
hipótese de, em 2009, haver uma recessão em Angola. Além disso, a drenagem das reservas ocorrida nos primeiros meses do ano parece ter parado
e o preço do petróleo voltou a subir no mercado
internacional. O país aparenta ter condições, de
facto, para ser um dos únicos a registar um índice
de crescimento tão elevado em todo o mundo.
Contudo, as recentes medidas monetárias tomadas pelas autoridades, agravadas pelas suas habituais dificuldades de comunicação, continuam
a deixar o mercado perplexo e temeroso. O risco
de se criar um problema de confiança é inquestionável. Os mais pessimistas receiam que se repita em Angola o que aconteceu na Argentina,
onde a última grande crise foi motivada exclusiva e unicamente pela falta de confiança.
A dificuldade de acesso às divisas que passou
a acontecer desde o início do segundo trimestre e
a tendência de atraso nos pagamentos de projectos contratados pelo Estado são sinais perturbadores, que podem fazer frustrar as boas intenções
do Governo angolano.
jornal de angola
Aperto temporário
ou regresso
do «controlismo»?
A continuidade do crescimento da economia angolana
no ano em curso pode ser inviabilizada pelas recentes
medidas monetárias do Governo, consideradas restritivas
por muitos economistas e operadores económicos.
O objectivo das medidas, segundo as autoridades,
é estabilizar as reservas nacionais, mas os críticos acham
difícil manter por muito tempo essa política de contenção.
Ritmo de construção
não abranda
N
o princípio do segundo trimestre deste ano, o Governo
descobriu que 5,5 mil milhões de dólares tinham sumido das reservas nacionais de Outubro de 2008 a
Março de 2009. Daí a expressão «ataque
especulativo» introduzida no léxico polí­
tico-económico angolano (ver África21
de Junho de 2008).
À falta de esclarecimentos oficiais, a
especulação corre solta. Fontes próximas
do partido no poder dizem que a maioria desse dinheiro foi transferida de forma indevida para o exterior em nome de
grandes grupos empresariais, dos quais
alguns accionistas, curiosamente, são figuras ligadas ao próprio regime. Nos
bastidores, fala-se em malas de divisas
levadas para o estrangeiro, para financiar
operações de alguns desses grupos.
É possível que essas alegações não
passem de intriga para justificar certas
mexidas registadas na equipa económica do Governo. Mas, eventuais fantasias
Alberto Sampaio
à parte, a verdade é que, naquele período,
as reservas do país baixaram de cerca de
18,5 mil milhões para 13 mil milhões
de dólares.
Outro facto é que alguns bancos,
durante os últimos anos, realizavam
operações em divisas, como empréstimos e transferências para o exterior, sem
justificativos, sob o olhar complacente
da supervisão bancária. Pelo menos um
deles «inventou» um novo rácio (?) de
produtividade interna: o volume de
divisas compradas ao Banco Nacional
de Angola.
A crise impediu que estes factos continuassem a passar despercebidos. Soou,
então, o alerta. O governador do BNA,
Amadeu Maurício, foi convidado a demitir-se e, em sua substituição, foi nomeado um antigo vice-ministro da Indústria, Abraão Gourgel, sem nenhuma experiência bancária, mas considerado próximo do conselheiro económico presiNação Arco-Íris, uma invenção
dencial,
o economista
do Arcebispo
DesmondArcher
Tutu? Mangueira.
África21– julho 2009
23
Ao mesmo tempo, as autoridades,
entre outras medidas, aumentaram as
reservas obrigatórias dos bancos comerciais de 15 para 30 por cento e apertaram o controlo sobre a aquisição de divisas pelos indivíduos e empresas. O BNA
chegou mesmo a cancelar leilões de divisas. Coincidentemente, começaram a
atrasar-se os pagamentos aos fornecedores do Estado.
Generalizações e discordâncias
Um alto funcionário bancário local, que
preferiu o anonimato, confirmou à
África21 que certos bancos realizavam
operações cambiais à margem da lei,
mas, segundo disse, a supervisão bancária sempre fechou os olhos a essas práticas. Ele mostrou-se especialmente agastado com o comportamento de certos
administradores bancários oriundos ou
provenientes de Portugal, «que desrespeitam a lei angolana». Segundo a referida fonte, alguns desses administradores
deveriam ser punidos e impedidos de
exercer funções de administração em
qualquer instituição financeira, «como
acontece até no Portugal dos brandos
costumes». Note-se, entretanto, que todos os bancos que operam no país, inclusive os de origem portuguesa, têm
importantes sócios angolanos.
Para a fonte, o BNA cometeu um
erro «muito sério» quando deixou de
vender divisas ao mercado, pois transmitiu imediatamente um sinal de descon­
fiança. Conforme avaliou, as autorida­des
terão entrado em pânico por causa da
súbita diminuição das reservas líquidas
do país, tomando uma série de medidas
generalizadas e claramente restritivas,
que retrairam o mercado.
A maior parte das reacções públicas
às medidas monetárias do Governo,
quer dos operadores económicos quer
dos analistas, foi negativa. Entre elas,
24
julho 2009 –
África21
avulta a da Associação dos Bancos Angolanos (ABANC), que se insurgiu contra o facto de as mesmas atingirem todas
as instituições bancárias da mesma maneira, as que desrespeitavam as regras e
as que as cumpriam.
Outras vozes, porém, defenderam o
aperto monetário introduzido pelo Governo. Uma delas foi a do presidente da
influente Associação Industrial de Angola, José Severino, para quem «havia
necessidade de um tratamento de choque, o crescimento do país estava orientado para sectores como a especulação
na área imobiliária e o comércio». Depois de insinuar que saíram divisas do
país sem entrarem mercadorias, rematou: «o Governo tem de criar mecanismos de controlo».
A economista Fátima Roque, antiga dirigente da UNITA, actualmente
radicada em Portugal, também defendeu as medidas governamentais. «Perante a situação de aperto financeiro
em que a esmagadora maioria dos países está, Angola também não tinha outra solução», afirmou.
Ela reconheceu que as referidas medidas terão reflexos negativos em relação
aos investimentos, mas, acrescentou,
«no curto e médio prazo, provavelmente
Angola não tem mesmo outra alternativa; e terá que saber muito bem qual a altura de começar a aliviar esse aperto».
“
Em seis meses,
as reservas angolanas
perderam 5,5 mil
milhões de dólares
”
Efeitos e receios
A África21 falou com uma fonte próxima do Governo, que garantiu que este
aperto é temporário. Contudo, muitos
continuam cépticos e temerosos. Os
especialistas relacionam isso com a estimativa de crescimento anunciada pelas
autoridades, apesar da crise internacional.
É que, ensina a teoria económica, numa
fase menos boa, a política deverá ser
estimular a economia e a actividade
produtiva privada (a chamada «política
de contraciclo»), enquanto, na fase contrária, é necessário evitar o sobreaquecimento económico. «Se o Governo angolano acha que o país vai crescer seis por
cento, então a sua política económica
não será de contraciclo», receia o economista Justino Pinto de Andrade.
O facto, segundo diz o economista
Alves da Rocha, é que os efeitos mais
Para Alves da Rocha, a manter-se o
clima de negócios criado pelas referidas
medidas, isso poderá fomentar o reaparecimento do tráfico de influências e de
práticas ilegais de obtenção dos meios
necessários para o exercício da actividade económica. Entretanto, o maior receio dos operadores económicos é o re-
jornal de angola
imediatos das últimas medidas monetárias do Governo «têm sido desincentivar
a iniciativa privada e os investimentos
privados». A ABANC, note-se, já havia
alertado para a limitação da capacidade
de crédito dos bancos comerciais, devido ao aumento das reservas obrigatórias
exigido pelo BNA.
gresso da tendência de conduzir a economia de maneira administrativa. O
«controlismo» é uma tentação a que os
dirigentes angolanos, de um modo geral, parecem ter dificuldade em resistir,
sobretudo em tempo de crise.
Como que a corroborá-lo, o Presidente da República, José Eduardo dos
“
As medidas
monetárias
do Governo têm
desincentivado
a iniciativa
e os investimentos
privados
”
Segundo aquela associação, isso
poderá contrariar a elogiada decisão do
Governo de diversificar a economia
nacional. Esta opinião foi secundada
por um economista contactado pela
África21, que frisou que as medidas de
contenção adoptadas pelas autoridades
«só afectam a economia não-petrolífera,
pois o sector petrolífero, em Angola,
possui um regime separado».
“
BNA parece
em vias de perder
a autonomia
”
Santos, criou, a 8 de Junho, uma comissão inter-sectorial para alterar a Lei
Orgânica do Banco Nacional de Angola. O despacho que cria a referida comissão diz claramente que a medida
visa «uma gestão mais adequada das reservas cambiais do país». A leitura que
os operadores económicos têm feito é
que o BNA está em vias de perder a sua
autonomia, tornando-se uma espécie
de repartição pública.
Parecendo claro que as actuais medidas monetárias do Governo são restritivas, alguns analistas interrogam-se se,
«no frigir dos ovos», a diminuição do investimento e da actividade económica
será compensada por um aumento das
reservas internacionais, as quais, explicam eles, existem para apoiar o crescimento económico.
Indiferente a estas angústias, o ministro das Finanças, Severim de Morais,
disse nos últimos dias do mês passado,
em Lisboa, que, além de continuar a
crescer este ano, Angola vai voltar a fazêlo a dois dígitos, já em 2010.
África21– julho 2009
25
A nova Meca
dos investimentos
Apesar da crise mundial, Angola continua a ser procurada
por responsáveis e homens de negócios provenientes
de todos os cantos do mundo. No mês passado,
norte-americanos, russos, franceses, canadenses, ingleses,
italianos e brasileiros estiveram no país, em visitas
de prospecção e de estabelecimento de relações
de cooperação. O ministro das Finanças garante que o país
não tem dificuldades de acesso ao crédito internacional.
Pedro Kamaka
A
té o chefe de estado russo, Dmitri Medvedev,
esteve em Luanda, a 26 de Junho, para tratar acima
de tudo de negócios. Foi a primeira visita de um líder russo a Angola, apesar das históricas relações entre o maior
país africano de língua portuguesa e a Rússia (anteriormente,
União Soviética).
Embora se tenha tratado de uma visita oficial de menos de
24 horas (Medvedev, não dormiu na capital angolana), os seus
resultados parecem promissores. Foram assinados entre as
duas delegações acordos em três áreas fundamentais para o desenvolvimento de Angola: educação (ensino superior), telecomunicações e geologia e minas. No quadro desses acordos, a
Rússia apoiará a formação universitária de jovens angolanos (o
que já acontecia no passado), construirá duas hidroeléctricas
sobre o rio Kwanza e fabricará e colocará no espaço, dentro de
três anos, o primeiro satélite angolano. Aquele país manifestou
também interesse em participar nos projectos de gás desenvolvidos em Angola. A cooperação técnico-militar, outra área
«tradicional» das relações entre os dois países, poderá voltar a
ganhar um impulso importante. A curta visita do chefe de Estado russo a Angola serviu também para a concertação de posições no campo político-diplomático. O terrorismo, o tráfico
de drogas, a imigração ilegal, a criminalidade internacional e a
segurança energética estiveram no centro das conversas entre
Medvedev e José Eduardo dos Santos.
26
julho 2009 –
África21
Dmitri Medvedev à chegada a Luanda, a 26 de Junho,
Os dois Presidentes fizeram questão de enfatizar que as relações entre Angola e a Rússia estão longe das possibilidades
existentes. A questão, segundo notou o embaixador russo acreditado em Luanda, Serguey Nenachev, é que a estrutura económica dos dois países é convergente, pois ambos são grandes
produtores de petróleo. O desafio, portanto, é identificar e explorar outras áreas de cooperação.
Oportunidades para todos os gostos
Em Junho esteve também em Angola uma comitiva do Departa­
mento de Comércio dos Estados Unidos, chefiada por Hea­
ther Ranck, cuja finalidade foi localizar oportunidades de negócios no domínio da agricultura. Executivos de duas grandes
empresas norte-americanas de fornecimento de máquinas agrícolas, a Brandt e a AGCO, acompanharam Ranck. Segundo
ela, há neste momento 28 empresas dos EUA interessadas em
investir em Angola no sector agrícola, do fornecimento de tractores à protecção de madeiras, passando pelo armazenamento,
irrigação, limpeza e protecção de sementes e lubrificantes.
Justificando este interesse no momento em que a economia
mundial está em dificuldades, Heather Ranck considerou que o
sector agrícola é dos menos afectados pela crise. Quanto aos problemas burocráticos e outros, para se fazerem negócios em Angola,
disse que «são constrangimentos, mas não difíceis de ultrapassar».
MIKHAIL KLIMENTYEV/LUSA
com Paulo Kassoma (à dir.) e Assunção dos Anjos (à esq.)
“
Constrangimentos para fazer negócios
em Angola não são difíceis de superar
”
Enquanto isto, o Canadá anunciou uma nova metodologia
para a utilização da linha de crédito de mil milhões de dólares
que concedeu em Outubro do ano passado a Angola. Durante
um seminário com empresários canadenses organizado em
Luanda pela KPMG Angola e designado «Doing Business in
Angola», foi revelado que serão constituídas parcerias entre empresas dos dois países a fim de utilizar a referida linha de crédito.
Na ocasião, a delegação do Canadá manifestou igualmente
interesse nas obras de infra-estruturas em curso em Angola, no
fornecimento de energia eléctrica a Luanda e na gestão, em regime de concessão, dos caminhos-de-ferro. Uma das maiores ferrovias do mundo – a Canadian Pacific Railway – é canadense.
Presentemente, as trocas comerciais Angola-Canadá superam os 2,5 mil milhões de dólares (em 2004, eram apenas de
25 milhões de dólares), sendo a balança de transacções favorável à parte angolana, graças às exportações de petróleo. «Temos de continuar a prosseguir agressivamente essa relação já
robusta, especialmente em tempos de dificuldades económicas», afirmou a embaixadora do Canadá, Barbara Richardson.
De igual modo, esteve na capital angolana o ministro
britânico dos Negócios Estrangeiros e Commonwealth, Lord
Mark Brown, para conversar com as autoridades sobre as
possibilidades de reforço das relações bilaterais entre Angola e
o Reino Unido. De momento, essas relações abrangem os domínios do petróleo, transportes aéreos e alfândegas. Dois mil
milhões de dólares, é o volume dos investimentos britânicos
em Angola.
Por seu turno, esteve em Angola, também no mês passado,
a secretária de Estado francesa para o Comércio Externo,
Anne-Marie Idrac, acompanhada por setenta empresários,
para participar num Fórum de Negócios França-Angola. Sem
precisar valores, a governante francesa revelou que, no próximo ano, a França vai realizar investimentos em Angola em
projectos público-privados nas áreas da agricultura, construção civil, água, electricidade, portos e aeroportos.
Outra visita realizada em Junho a Luanda foi a de Luca
Ricardi, representante pessoal do primeiro-ministro italiano,
Sílvio Berlusconi. Além do convite ao Presidente José Eduardo dos Santos para assistir, de 8 a 10 deste mês, na cimeira do
G8, Ricardi anunciou a vinda a Angola, em Setembro, do vice-ministro italiano do Comércio, acompanhado por um grupo de empresários, que vêm prospectar o mercado local.
Por fim, o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Reginaldo Arcuri, esteve igualmente em Angola, para explorar com o presidente da Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP), Aguinaldo Jaime,
possibilidades de cooperação entre os dois órgãos. A ABDI é
uma agência que apoia o processo de internacionalização das
pequenas e médias empresas brasileiras. Embora o empresariado angolano, salvo poucas excepções, ainda não tenha atingido o estágio da internacionalização, a ANIP está particularmente interessada, segundo Aguinaldo Jaime, em colher a experiência brasileira de apoio ao desenvolvimento industrial.
Como resultado deste grande interesse internacional em
Angola, o investimento estrangeiro directo no sector não-petrolífero deverá superar, este ano, os 1,3 mil milhões de dólares alcançados no biénio 2006/2007. A construção civil, agricultura, alimentação, turismo, pescas e imobiliário são os sectores que mais têm atraído os investidores internacionais.
África21– julho 2009
27
OPINIÃO
Quo vadis
economia angolana?
As kinguilas voltaram às ruas relembrando
velhos tempos que antecederam
a liberalização dos mercados monetário
e cambial ocorrida em 1989
Emanuel Alvarenga
A
ngola está a viver um filme já visto, há sensivelmente
dez anos. Recomeçaram os salários em atraso e a demora
nos pagamentos aos empreiteiros de obras públicas do
Estado, tendo sido reintroduzidas, por outro lado, restrições no
acesso às divisas, mesmo para as operações de invisíveis correntes
de pequeno valor (viagens, bolsas de estudo, mesadas para familiares). Mais grave é que as restrições se estendem até às divisas próprias, o que representa um retrocesso enorme.
Os bancos reagiram negativamente às medidas monetárias
tomadas pela nova equipa económica, anunciando que não estariam em condições de continuar a conceder crédito à economia e às famílias. Por outro lado, a inflação anual acumulada subiu para 13,9% (até Abril); no mercado de câmbios, o spread entre os mercados de referência (oficial) e informal (paralelo) está
a aumentar e, em consequência, ressurgiram nas ruas de Luanda
as kinguilas (cambistas informais), a acenar com maços de
kwanzas aos transeuntes.
Apesar da crise económica e financeira mundial, o discurso
oficial sobre o futuro da economia de Angola, era, no geral, até recentemente, bem aceite: Angola iria continuar a crescer, embora a
um ritmo menor, que se situaria acima da taxa de crescimento da
população (3% anual). O sistema bancário angolano continuaria
a gozar de boa saúde, graças: i) a uma supervisão e regulamentação eficazes; ii) ao facto de não ter sido contaminado por produtos financeiros de elevado risco; iii) à não liberalização total das
operações de capital, já que estas estão sujeitas a licenciamento
prévio, por parte do BNA; iv) ao facto de o sector petrolífero permanecer, largamente, offshore, em termos económicos e financeiros, não se financiando em Angola e, por isso mesmo, não propagando a sua crise aos bancos que operam no país.
28
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África21
A partir de Abril, o quadro de optimismo moderado sobre
Angola conheceu um grande arrefecimento, face a alguns sintomas, já acima apontados, a que os agentes económicos, que operam em Angola e as famílias já se haviam desabituado. Segundo se
diz, na base de tudo está uma brutal quebra das receitas de exportação, situação que tornaria insustentável a actual magnitude da
despesa pública, mesmo a corrente. A queda é provocada pela queda do preço do petróleo e dos diamantes, assim como pela redução
do volume de produção de petróleo decretada pela OPEP, a que
Angola preside. Face a este quadro, alguns empresários aventam a
possibilidade de despedir força de trabalho, para fazer face a esta
abrupta diminuição das suas receitas.
Para tornar o quadro mais incerto, ninguém da equipa económica ousa dar a cara, vindo a terreiro explicitar as medidas que o Governo está a tomar e traçar o quadro de evolução da situação económica.
Claramente, está a perder-se o capital de confiança dos agentes económicos e das famílias no futuro da economia angolana e do sistema financeiro, que levou muitos anos a acumular. Há quem receie que, em
consequência das restrições impostas à movimentação das divisas,
haja uma migração das poupanças para fora do sistema bancário.
Críticas
Não tardou muito até aparecerem as primeiras críticas à nova política da equipa económica. As principais críticas vão para as medidas de política monetária, tomadas pelo Banco Nacional de Angola (BNA). Em Março, o BNA aumentou o coeficiente das reservas
obrigatórias dos bancos de segunda linha (comerciais e de investimento) junto do BNA de 15% para 20%. As reservas obrigatórias
incidem sobre a totalidade dos depósitos à ordem e a prazo capta-
“
Há quem
sustente que a política
monetária não tem
o amparo nem
a solidariedade
Banco Nacional de Angola
da política fiscal,
claramente
expansionista
”
dos pelos bancos e não são remuneradas. Este instrumento, que
muitos consideram extremo, é usado para a secagem da liquidez no
sistema bancário. Já com o novo Governador do BNA, Abraão
Gourgel, o coeficiente das reservas obrigatórias voltou a subir, desta feita para 30%, com efeitos a partir de Maio, e com a agravante
de esta obrigação não poder ser cumprida com títulos do tesouro,
que os bancos possam ter no seu portfólio.
Por outro lado, a taxa de redesconto (taxa de financiamento do
BNA aos bancos de segunda linha) subiu de 19,59% para 25%. A
estas medidas acresce a dramática redução na quantidade de dólares vendidos pelo BNA ao mercado (em Angola os impostos das
companhias petrolíferas e diamantíferas são pagos em conta do Tesouro aberta no BNA), a preço fixo, e não mais em leilões, como
acontecia no passado. Os efeitos destas medidas estão à vista: para
além da forte reacção dos bancos, que chegou até ao chefe do Governo, passou a haver uma procura reprimida por divisas (de recordar que a economia angolana está ainda muito dependente de importações) que, não sendo satisfeita no mercado oficial, começa a
deslocar-se para o mercado informal, alargando o spread entre o
mercado oficial e o informal. Sem surpresa, as kinguilas voltaram
às ruas, relembrando velhos tempos, que antecederam a liberalização dos mercados monetário e cambial, ocorrida em 1989.
Se, como se afirma, o objectivo é «desdolarizar» a economia, o
resultado está a ser, precisamente, o oposto: a subida da inflação e
a depreciação do kwanza tendem a tornar o dólar cada vez mais a
moeda de refúgio, como acontecia há dez anos atrás, quando o sistema financeiro estava reprimido. Quase todos os analistas concordam que adoptar uma política monetária contraccionista, em tempo de crise, só pode ter como efeito aumentar os efeitos da crise, o
que é contraditório com os objectivos, anunciados pelo Governo,
de continuar a ter um crescimento económico robusto e de diversificar a economia. Por outro lado, grande parte dos analistas também refere que a equipa económica está a tentar alcançar objectivos contraditórios: querer acumular reservas (criando, assim, uma
maior escassez de divisas, no mercado, e aumentando, em consequência, o seu valor) e, ao mesmo tempo, valorizar o kwanza, no
mercado de câmbios; vender uma quantidade limitada de dólares,
a preço fixo, quando o regime que vigora é o de câmbio flutuante;
pretender valorizar a moeda nacional, o kwanza, mas gerar uma
procura reprimida por dólares, que há-de virar-se para o negócio
cambial de rua, de que resultará uma maior depreciação do kwanza. Os exemplos poderiam multiplicar-se.
Há, também, quem sustente que a política monetária não tem
o amparo nem a solidariedade da política fiscal, claramente expansionista, que tem de acomodar um ambicioso programa de investimentos públicos estruturantes, uma política de subsídio generalizado aos preços dos derivados do petróleo, cujo custo, segundo algumas estimativas, ultrapassa dois mil milhões de dólares, uma política de rendimentos que, segundo se alega, abandonou a moderação
salarial, no OGE de 2009, e hábitos de desperdício e esbanjamento, nos sectores administrativo e empresarial do Estado. Demais a
mais, a estrutura governativa alargou-se, após as eleições de Setembro, o que criou uma pressão maior sobre a despesa corrente.
Optimismo moderado
Apesar deste manancial de problemas, a euforia continua a ser
grande, em Angola. A maioria das pessoas mantém um optimismo
moderado sobre o futuro da economia angolana, reforçado com a
aparente recuperação do preço do petróleo no mercado. Diz-se,
para justificar este estado de alma, que Angola já conheceu fases
piores, «em que o preço do petróleo no mercado internacional chegou a nove dólares, e ainda por cima em situação de guerra».
Para um bancário, que solicitou o anonimato, «a nova equipa
económica vai ser forçada, com o tempo, a ajustar estas medidas.
Elas afectam transversalmente a sociedade, incluindo milhares de
militantes do MPLA, que não estão e não vão ficar quietos. Aliás, em
consequência das críticas, a equipa económica já recuou, ao permitir, agora, que as reservas obrigatórias possam ser parcialmente cumpridas com títulos do tesouro e não apenas com cash, o que representa a correcção do tiro inicial e devolve alguma liquidez ao sistema
bancário. Não nos podemos dar ao luxo de, em tempo de crise, minar a confiança no sistema financeiro, que é o motor do crescimento económico. O MPLA precisa que Angola continue a crescer, para
poder cumprir o programa com que se apresentou ao eleitorado».
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África21
A CRÓNICA DE pepetela
Governo africano?
O
líder da Líbia, coronel
Kadafi, gosta de casamentos. Esse gosto não é de
agora. Era eu jovem e já ele tinha casado
a Líbia com o Egipto e a Síria. Aliança
que depressa se desmanchou com um
divórcio sem direito a restituição do
dote. Depois casou com o Iraque e talvez o Líbano. A seguir a este divórcio,
tentou um matrimónio a sério com os
seus vizinhos da Tunísia, Argélia e, se
não estou em erro, Marrocos. Perco-me
um pouco com tantas bodas. Não foi
anunciado o divórcio, mas o casamento
norte-africano não se consumou. Fiquei
sem saber qual dos nubentes não respeitou os compromissos da noite de núpcias. O certo é que foi matrimónio falhado.
Frustrado com tão pouca vontade
dos seus pares árabes, virou os olhos
para sul à procura de mais excitantes
parceiros. E resolveu casar, não com
dois ou três ao mesmo tempo, mas com
quase cinquenta. Isto sim, era uma boda
real. Mandou emissários por todo o
lado, uns com ouro nas bolsas, outros
com belas palavras, outros com ameaças,
e convenceu-os a acabarem com a Organização da Unidade Africana.
Numa coisa tinha razão, a OUA acabava de cumprir o seu desígnio histórico. Ajudou a terminar com os restos de
colonialismo externo no continente e
com o apartheid na África do Sul. Houve problemas, divergências, makas e outras quezílias (do kimbundu kijila, para
quem não sabe), mas a OUA cumpriu o
mandato. Até poderia continuar com o
mesmo nome, não viria daí mal ao
mundo. Mas o coronel queria coisa mais
moderna, original. E foi criada a União
Africana (UA), em nome da originalidade. Os princípios reitores da OUA pouco mudaram, mas não é a mesma sigla e
o coronel ficou satisfeito. Por isso os outros cinquenta chefes africanos fingiram
aceitar. Para manter o coronel quieto. E
ficaram todos reconfortados, vendo o
tempo passar e o vento vergando o capim nas anharas.
Mas o irrequieto líbio não ficou afinal satisfeito. Queria mesmo mudanças
radicais no seu estado civil. Lançou então a estocada final. Chegou o momento, declara ele, de se unir o continente
numa só entidade, criando um governo
africano. Começou a revoada. Silenciosa, mas revoada. Com jeitinho, para não
ofender sua excelência, os outros chefes
puseram os celulares a funcionar, então
entramos nessa?, já?, eu nem as minhas
fronteiras controlo, quanto mais… e eu
que tenho uma oposição armada a tirarme o sono, bem, diferentes opiniões
zumbiram pelos claustros opulentos dos
palácios e haréns, conforme os interesses
de momento. O coronel, impaciente,
sabia das dúvidas e hesitações, sacou da
cimitarra. Convocou uma nova reunião
no seu deserto, alojou todo o mundo em
tendas desconfortáveis, para forçar uma
decisão. E os outros estavam verdadeiramente abuamados, indecisos. Ceder aos
“
Até que o coronel
vá ter com as setenta
virgens no paraíso,
vamos inventando
degraus, uns de mármore,
outros de madeira
”
ditames do petróleo líbio era demais, seriam a risada universal, mas não dá para
ofender o homem, ele tem iras quase divinas e umas guarda-costas bem treinadas. Houve um vivaço, exímio praticante nos seus tempos de juventude, que
propôs uma táctica de futebol, atirar
para canto. Os outros aplaudiram, aliviados.
Ficou claro, é ainda muito cedo para
um governo africano, se nem sequer os
países têm governo a sério. Há mesmo
quem não tenha nenhum, a sério ou
não. Apareceu a teoria de um pensador
africano, denominada de processo gradual, isto é, degrau a degrau. Até que o
coronel vá ter com as setenta virgens no
paraíso, vamos inventando degraus, uns
de mármore, outros de madeira, atrasando a marcha para um governo continental.
Como disse o tio Maninho, céptico
incorrigível, casamento apressado leva
África21– julho 2009
31
brasil
Petrobras, a jóia cobiçada
Com mais de meio século de existência, a Petrobras está
posicionada entre as maiores empresas de petróleo do
mundo. A descoberta de gigantescas jazidas no pré-sal faz
dela uma jóia cobiçada. Mas nem tudo é fácil. Além da
crise internacional, a estatal tem de enfrentar agora as
investigações de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
Alfredo Prado BRASÍLIA
D
urante várias décadas, o
monopólio Petrobras deu corpo ao slogan «o petróleo é nosso», lançado e ampliado, nos anos 40 e 50
do século passado, pelos Presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Monopólio que se manteve até 1997, quando o
Presidente Fernando Henrique Cardoso,
na onda das grandes privatizações que agitaram o país, abriu o sector petrolífero ao
investimento privado. A mudança, no entanto, não impediu a estatal de continuar a
ser uma referência e um gigante.
A jóia do Brasil está agora sob investigação de uma comissão parlamentar,
numa altura em que os técnicos do Governo preparam um novo marco regulatório e
um projecto de lei a enviar ao Congresso
Nacional (Senado e Câmara de Deputados). As mudanças, que têm como referência o modelo norueguês, visam definir as
regras que orientarão a realização de leilões
para a exploração das novas jazidas descobertas no chamado pré-sal, no litoral do
país. Regras que deverão, também, garantir
ao Estado brasileiro papel-chave na arrecadação dos lucros, possibilitando ainda a
participação da Petrobras no pré-sal,
32
julho 2009 –
África21
mesmo que, eventualmente, não venha a
ser a vencedora dos leilões.
A apresentação e discussão do novo
marco regulatório, que enche as páginas
dos jornais brasileiros, com noticiário e artigos de opinião, é apenas um dos focos
lançados sobre a estatal. O outro é a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI),
aberta no Senado por proposta de senadores da oposição ao Governo do Presidente
Lula da Silva, e que o Palácio do Planalto
procurou inviabilizar durante semanas.
As suspeitas, levantadas por senadores
da oposição ao Governo, são alegadas irregularidades contratuais e uso da empresa
para fins ilegais, com eventual favorecimento dos partidos que integram a coligação governamental.
Os números da operação desencadeada
pela Petrobras, comandada pelo Governo,
para fazer frente à CPI, retratam a importância política e o tamanho das preocupações que assolam o Executivo e os partidos
aliados. Além das dezenas de jornalistas que
integram os serviços de comunicação da
empresa, a Petrobras contratou uma empresa de assessoria de imprensa por cerca de
90 mil dólares mensais (180 mil reais),
segundo o jornal Estado de São Paulo, para
apoiar a empresa enquanto durar a CPI.
Governo preocupado
O Palácio do Planalto sustenta que a CPI
vai causar desgaste ao prejudicar a imagem
internacional e os negócios da Petrobras. A
oposição, já a fazer mira nas eleições de
2010, diz que o Governo quer esconder a
utilização da estatal para fins que não seriam confessáveis.
O que é certo é que a Petrobras é um
gigante, e não apenas brasileiro, no mundo
do petróleo e dos combustíveis. E que, desde a sua criação, vem sendo usada como
bastião político por quem está no poder. O
dinheiro arrecadado pela empresa é fundamental para a máquina pública e o clientelismo gerado pela estatal, que opera, actualmente, cerca de 240 mil contratos com as
RICARDO STUCKERT/PR
Lula da Silva e o presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, num bloco de pré-sal do estado do Espírito Santo
mais diversas empresas e sectores de actividade, é disputado pelos grandes partidos.
A criação da CPI surge assim como um
lance político da oposição que pretende
desgastar e manietar o Governo Lula. Mas
não são apenas os partidos da oposição que
apoiam a CPI. Dentro da própria coligação governamental há disputa pelo controlo da Petrobras, cuja administração é historicamente objecto de partilhas, de acordo
com as forças políticas que estão no poder.
A disputa intensificou-se nos últimos
meses, não apenas em função da aproximação das eleições legislativas e presidenciais,
a realizar em 2010, mas, sobretudo, das
importantes descobertas de jazidas de petróleo de boa qualidade no chamado pré‑sal. A camada do pré-sal é uma faixa que se
estende ao longo de 800 quilómetros entre
os estados do Espírito Santo e Santa Catarina, no sudeste brasileiro, abaixo do leito
do mar, e integra as bacias sedimentares do
Espírito Santo, Campos e Santos. O petróleo é explorado a profundidades superiores
a sete mil metros, abaixo de uma camada
de sal que, de acordo com os especialistas,
conserva a qualidade do petróleo
Actualmente, sete blocos no pré-sal,
equivalentes a 38% dos 112 mil quilómetros quadrados de toda a área descoberta, já
foram leiloados. Em seis deles, a Petrobras é
a operadora. Entre os campos já descobertos estão o Tupi, o maior, o Guará, Bem-teVi, Carioca, Júpiter e Iara. A portuguesa
Galp e a britânica BG Group integram o
consórcio com a Petrobras em Tupi.
Até ao momento ainda não há um número preciso sobre as reservas do pré-sal.
Recentemente, o Presidente do Brasil falou
em 90 bilhões (90 mil milhões) de barris
de petróleo de boa qualidade. Só em Tupi,
a BG Group e a Galp confirmaram estima-
“
Desde a sua criação
na década de quarenta
que a Petrobras é um
bastião político
para quem está no poder
”
ALGUNS NÚMEROS (DADOS 2008)
• A empresa está presente em 27 países;
• Em 2008, o lucro líquido foi de 32.988.000
reais (cerca de 16 milhões de dólares)
• A exploração é feita por 109 sondas
de perfuração;
• Poços produtores: 13.174
• Plataformas de produção: 112, sendo
78 fixas e 34 flutuantes;
• Refinarias: 16
• Oleodutos: 25.197 quilómetros
• Frota de navios: 189, sendo 54
propriedade da estatal
África21– julho 2009
33
ANTONIO CRUZ/ABR
Manifestação de sindicalistas (3 de Junho último) diante do Palácio do Planalto, em defesa da Petrobras e de uma nova lei do petróleo
“
As reservas do pré-sal podem atingir 90 mil milhões
de barris de petróleo de boa qualidade
tivas que variam de 12 a 30 bilhões (12 a
30 mil milhões) de barris. Até 2013, a empresa prevê investir 174 bilhões de dólares
(174 mil milhões), o que incluirá dezenas
de plataformas, 49 petroleiros e 124 embarcações de apoio. De acordo com analistas, em 2020, haverá défice mundial entre
55 milhões e 65 milhões de barris diários.
Estimativas indicam que a produção
brasileira, que neste ano será de 2,7 milhões de barris, deverá atingir em 2020 cerca de 5,7 milhões de barris, com 1,8 milhões provenientes da exploração do présal. Estes números ajudam a perceber a importância da estatal para o Brasil. Em recentes declarações aos jornalistas, o Presidente Lula reafirmou a importância estratégica para o país da Petrobras e da manutenção do seu prestígio.
O presidente da empresa, Sérgio Gabrielli, próximo do Palácio do Planalto,
34
julho 2009 –
África21
”
tem, por seu lado, alertado para as consequências negativas que poderão advir das
investigações da Comissão Parlamentar de
Inquérito, tendo antecipado a possibilidade da existência de irregularidades, dado o
elevado número de contratos de serviços
com que a Petrobras trabalha. Esta disputa
política, em torno da instalação da CPI,
tem o seu epicentro no potencial das jazidas do pré-sal que darão importantes lucros aos cofres públicos, mas também às
companhias internacionais que venham a
vencer os leilões para a sua exploração.
Modelo made in Noruega
É neste cenário que os técnicos do Governo prepararam as bases para uma nova lei
do petróleo que criará uma outra empresa
pública para gerir as riquezas do pré-sal,
mas também o conjunto de normas que
visam proteger a Petrobras, assegurando a
sua presença efectiva nas ricas jazidas do
pré-sal, mesmo que, eventualmente, viesse
a perder os leilões que serão lançados internacionalmente.
O assunto começará a ser discutido no
Congresso Nacional em Agosto. Além do
modelo de partilha de produção nas áreas
ainda não licitadas, será mantido o sistema
de concessão nas já leiloadas, sendo que,
neste modelo, o petróleo é da empresa vencedora do leilão. Deste modo, a Petrobras
tanto poderá explorar os poços que venha a
ganhar em leilão, como poderá ser escolhida como operadora preferencial por decisão da futura estatal, sem leilão.
Por outro lado, a nova lei poderá também criar um Fundo de Responsabilidade
Social, que será desenvolvido com as receitas da futura estatal, originadas pela exploração do pré-sal. O Fundo seria aplicado,
no Brasil e no exterior, em títulos, acções e
infra-estrutura. Os seus rendimentos seriam destinados a projectos em saúde, educação e combate à pobreza, em geral.
A CRÓNICA DE LUIZ RUFFATO
Uma silenciosa
revolução na floresta
O
que me espera numa cidade
situada a 3,5 mil quilômetros
de São Paulo, em plena
Amazônia? Esta a pergunta que me fazia,
sentado no saguão de embarque de Congonhas, enquanto aguardava o vôo que
me levaria a Brasília e de lá a Rio Branco,
no Acre, um estado do extremo oeste do
Brasil, para participar da I Bienal da Floresta do Livro e da Leitura. Após uma
longa e cansativa viagem, finalmente desci no pequeno aeroporto, alta madrugada, e o carro que me levou ao hotel deslizou suave pela estrada deserta, como se
temesse incomodar os moradores.
E a manhã seguinte se me abriu em
surpresas. Caminhei por uma cidade, de
300 mil habitantes, de ruas limpas e tráfego organizado, de calçadas despidas de
mendigos ou meninos pedintes, nem camelôs, nem prostitutas – triste espetáculo que, infelizmente, se tornou paisagem
comum nas grandes metrópoles brasileiras. O sol iluminava a Praça da Revolução, onde vários quiosques exibiam livros, avidamente manuseados por jovens. Numa esquina, imponente, erguese a Biblioteca Pública do Acre, um edifício moderno que se integra perfeitamente ao conjunto de bem conservados
prédios surgidos nas primeiras décadas
do Século XX. Inaugurada em dezembro do ano passado, a biblioteca conta
com um auditório para 120 pessoas,
uma filmoteca, computadores com acesso livre à internet e um acervo de 42 mil
títulos – sendo que, este ano, foi desti-
nado R$ um milhão (USD 507,1 milhares) para a compra de novos livros.
Se a facilitação do acesso à cultura se
limitasse a essa biblioteca, já poderíamos
talvez nos dar por satisfeitos. Mas não:
existem ainda mais de 100 pontos de leitura espalhados por todo o estado, pequenas bibliotecas que se tornam centros
de convivência cotidiana (é bom lembrar
que, embora possua pouco mais de 152
mil quilômetros quadrados, o Acre tem
uma população pequena, cerca de 700
mil habitantes distribuídos em 22 municípios). Além disso, há em Rio Branco
uma outra biblioteca, dedicada exclusivamente a questões ligadas ao meio-ambiente – tema, aliás, no qual o estado vem
se destacando, ao defender a exploração
da floresta com equilíbrio e harmonia.
No quesito educação, irmão gêmeo
e indissociável da cultura, também a
surpresa. O Acre tem hoje o maior salário inicial para um professor de todo o
país, R$ 1,6 mil (USD 811) para um regime de trabalho de 30 horas semanais,
sendo 16 dedicadas à sala de aula. Só
para se ter uma idéia, o mesmo valor em
São Paulo, o estado mais rico da federação, é 40% menor... E as instalações físicas
das escolas são bastante adequadas –
ambientes limpos, organizados, confortáveis, o que, como qualquer educador
sabe, é essencial para o bom desempenho dos alunos.
Raras vezes me deparei no Brasil com
um Poder Público realmente empenhado
em disponibilizar aos cidadãos o acesso di-
“
No meio
da floresta estamos
assistindo a uma
verdadeira revolução,
mas uma revolução
silenciosa
”
reto e concreto à cultura e à educação de
qualidades. Talvez somente tenha observado algo semelhante na parceria entre a
universidade e a prefeitura de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, onde há mais
de 25 anos ocorre uma já tradicionalíssima
Jornada Literária. No caso do Acre, a mudança adveio após o martírio do líder seringueiro Chico Mendes e da atuação heróica e visionária de Marina Silva. Os novos administradores apostaram na mudança de sentido na condução da coisa pública, e, após quase um século de dominação de uma elite totalmente desvinculada
dos anseios da população, promoveram
uma radical opção pela educação, a cultura e o lazer. Com isso, no meio da floresta,
estamos assistindo a uma verdadeira revolução, mas uma revolução silenciosa, bem
diferente daquela bufonaria de certos líderes latino-americanos, que parecem saídos
das páginas dos escritores que traçaram a
caricatura dos ditadores das repúblicas bananeiras, mais afeitos aos discursos vazios e
às atitudes ridículas, mas midiáticas, que a
efetivas mudanças. A lição que fica: quando queremos, podemos mudar o mundo
que nos cerca.
África21– julho 2009
35
CABO VERDE
Governo quer Casa para todos
O programa Casa Para Todos vai possibilitar a construção de mais
de oito mil novas moradias e intervir em 20 mil habitações.
É a resposta do Governo cabo-verdiano a um dos maiores problemas
sociais que o país enfrenta: o défice de acesso à habitação.
Natacha Mosso PRAIA
O
primeiro-ministro cabo-verdiano
reconheceu, no acto de lançamento do
programa Casa Para Todos, que existe
no arquipélago um número considerável de pessoas
que não possuem uma habitação digna, mas garantiu
que o Governo está empenhado em melhorar a qualidade de vida das pessoas, em combater a pobreza, as
desigualdades e a exclusão social e fazer da habitação
uma questão central e prioritária do seu governo.
«Casa Para Todos é um programa para habitar
Cabo Verde com dignidade», enfatizou José Maria
Neves, considerando que o programa faz parte da
nova geração de políticas para os novos desafios que
se impõem a Cabo Verde e que pretende acelerar o
processo de transformação do país, dando a possibilidade a todos os cabo-verdianos de terem acesso a
uma habitação, concretizando-se, deste modo, um
dos direitos constitucionalmente garantidos, o de
habitação condigna para todos.
Dado aos elevados recursos financeiros que o programa requer, o primeiro-ministro instou os parceiros
para uma grande mobilização nacional para que seja
solucionado o problema. «O Governo, os municípios,
as empresas de construção civil, bancos e outras instituições financeiras, ONG, associações para o desenvolvimento comunitário, têm de criar uma nova dinâmica de construção de casas em Cabo Verde, para que
num futuro próximo todos, mas todos, tenham acesso
a uma habitação condigna. Para que os mais pobres,
aqueles que vivem em barracas, que vivem em bairros
e casas degradadas, os jovens, os quadros, as famílias
emergentes, possam ter acesso a uma casa condigna
para morar», exortou José Maria Neves.
36
julho 2009 –
África21
Aldeia no interior
da ilha de Santiago
Ainda durante a apresentação do Casa para Todos, Neves anunciou que o Executivo pretende democratizar o acesso a solos por parte de empresas e
dos cidadãos, através de um processo que garanta
maior rigor e transparência.
O chefe do Executivo afirmou que se estão a dar
passos para a regulação do mercado de arrendamentos, para criar um quadro fiscal de incentivos na
aquisição de casa própria, de mecanismos de crédito
e para aplicar programas arrojados de construção de
casas a nível nacional, através de investimentos directos do Estado e parcerias público-privadas.
Habitar Cabo Verde
Sylvine Schmitt
Com doze subprogramas – Programa Terra, Habitar CV, Programa de reforma fiscal, Programa de incentivo ao arrendamento, entre outros – o Casa para
Todos tem como meta contribuir significativamente para a redução do grande défice de habitações próprias e condignas no país a preços mais acessíveis por
parte dos economicamente mais desfavorecidos.
Democratizar o acesso à terra urbanizada, alargar o acesso à habitação aos extractos mais débeis,
do sector, na utilização de tecnologias, técnicas e
materiais de construção mais económicos e mais
eficientes e de baixo impacto ambiental e que incidam na redução dos preços das habitações. E inventariar novas formas de financiamento, de incentivos fiscais e democratização do crédito, bem
como sistemas de garantia para as famílias mais
vulneráveis.
Existe em Cabo Verde um défice habitacional
nacional de mais de 80 mil alojamentos, podendo
esse número chegar aos 85 mil em 2011. Mas o
“
Cabo Verde
tem um défice
habitacional
de 80 mil
alojamentos
capitalizar recursos institucionais, reduzir o défice
habitacional, criar o Fundo Nacional de Habitação para programas de habitação de interesse social, criar um quadro legal com foco na redução do
défice habitacional, favorecer o acesso à habitação
condigna a custos controlados e promover o arrendamento são os eixos em que assenta o Casa para
Todos.
Mas a ambição do Governo vai mais longe.
Quer que o programa sirva para introduzir uma
nova abordagem do problema da habitação, centrada na requalificação dos agentes e operadores
défice não se distribui equitativamente pelas ilhas. É
maior nos centros urbanos com tendência a acentuar-se nas ilhas de maior dinâmica. Santiago, a maior
ilha do arquipélago, concentra 56% do défice global ou nacional e o concelho da Praia apresenta um
défice de 25% do todo nacional.
Por outro lado, a ministra da Descentralização, Habitação e Ordenamento do Território,
Sara Lopes, anunciou que o Governo vai, a partir
de Outubro, organizar a primeira feira de tecnologias de construção e atribuir prémios para promover a investigação no sector da habitação.
”
África21– julho 2009
37
património cultural
A riqueza que Cabo Verde tem…
OMAR CAMILO/LUSA
e não sabe
A
Ruínas da Sé Catedral
Cidade Velha é Património da Humanidade,
mas Cabo Verde ainda tem muito por fazer para valorizar
e tomar partido da sua riqueza cultural
Gláucia Nogueira PRAIA
38
julho 2009 –
África21
Cidade Velha, primeiro burgo
português fundado na África e
rebaptizada há alguns anos
com o seu antigo nome, o de Ribeira
Grande de Santiago, entrou, a 26 de Junho, para a lista dos sítios considerados património mundial, segundo a classificação
da UNESCO. Até ao último minuto houve dúvidas, já que o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS),
entidade que propõe os bens que recebem
aquele título, aconselhou a suspensão da
candidatura até ao próximo ano, por alegadas irregularidades. Contudo, este senão
acabou por ser ultrapassado e Cabo Verde
passou a ter um sítio naquela lista.
Para a população, Câmara Municipal e
comité de gestão que tem a tarefa de manter o sítio em condições que satisfaçam as
exigências da UNESCO, o verdadeiro desafio começa agora. Até porque o estatuto
não é para sempre. Mas começa, também,
o tempo das oportunidades, dada a visibilidade que o sítio ganha, o turismo que aumenta e a valorização dos imóveis que já é
uma realidade nos últimos anos.
A candidatura da Cidade Velha tem colocado a questão do património cultural e a
sua conservação na ordem do dia. Isto é, no
discurso oficial e na comunicação social,
pois não se pode dizer que a noção de património, com tudo o que implica de memória colectiva, história, cultura e tradição faça
parte das preocupações dos cabo-verdianos.
Aliás, o próprio conceito de que as coisas da
história e da cultura são um património é
ainda bastante frágil em Cabo Verde.
OMAR CAMILO/LUSA
Muralha da Cidade Velha
OS MONUMENTOS DA CIDADE VELHA
Na própria Cidade Velha, desde os anos 80 envolta em projectos e acções de cooperação
que agora culminam na entrada para a lista da Unesco e que há 19 anos foi classificada
como património cultural nacional, só em Março deste ano – portanto, com a candidatura à
UNESCO já entregue – é que foram publicadas no Boletim Oficial resoluções que delimitam a sua zona histórica (onde não se pode edificar nada) e zona tampão (de transição para
as áreas circundantes, sem restrições) e ainda um conjunto de monumentos religiosos, civis e militares que, num total de 21 itens, constituem tudo o que a Cidade Velha tem a oferecer. O que significa que até então não estavam protegidos. São eles:
RELIGIOSOS:
Igreja da N. S. do Rosário (séc. XV)*
Ruínas da Sé Catedral (séc. XVI / séc. XVIII)*
Ruínas do edifício da Sede do Bispado (séc. XVI)
Ruínas da Igreja /Hospital da Misericórdia (séc. XVI)
Capela S. Roque (séc. XVI)
Convento S. Francisco e sua área envolvente (séc. XVII)*
Ruínas do Colégio dos Jesuítas (séc. XVII)
Ruínas da Igreja da N. S. da Conceição (séc. XV / XVI)
Ruínas da Ermida do Monte Alverne (séc. XVI / XVII)
Ruínas da Igreja de Sta. Luzia (séc. XVI / XVII)
MILITARES:
Fortaleza Real de São Filipe e a sua área envolvente (séc. XVI)*
Ruínas do Forte do Presídio (séc. XV-XVI)
Ruínas do Forte S. Veríssimo (séc. XVIII)
Ruínas do Forte S. Brás (séc. XVII)
Ruínas do Forte S. António (séc. XVIII)
Ruínas do Forte de S. João dos Cavaleiros (séc. XVIII)
Ruínas do Forte de S. Lourenço (séc. XVIII)
Ruínas da Torre de Vigia (séc. XVII)
As Muralhas de protecção da Cidade (provavelmente séc. XVI)
MONUMENTOS CIVIS E ESPAÇOS PÚBLICOS:
Pelourinho e o seu largo*
Muralha antiga, muro da protecção da Cidade e a Torre de Vigia
*Já receberam trabalhos de conservação e restauro e encontram-se no circuito habitualmente visitável.
Exemplo flagrante disso mesmo é o incómodo que causaram a muitos moradores
determinadas mudanças e restrições impostas na zona histórica da Cidade Velha,
em relação a construções, estética das casas,
etc. Um recente documentário sobre o
tema mostra alguém a dizer algo como:
«Vão construir o património para outro
lado, levem para lá os turistas e deixem-nos
aqui em paz». A reportagem do jornal A Semanaonline sobre o primeiro dia da Cidade
Velha como património mundial traz o pároco – logo, um formador de opinião – daquela freguesia a comentar: «Agora, para
pôr um prego numa porta vamos ter que
pedir o prego à UNESCO».
Situação preocupante
Independente dos lóbis que tenham funcionado na reunião da UNESCO, em Sevilha, e das diligências da diplomacia caboverdiana para obter o apoio de países amigos, quem realmente precisa ser convencido do valor – não só cultural mas, em consequência deste, económico – das velhas
casas, igrejas, ruínas, fortes, faróis e outros
elementos seja do património construído
ou do imaterial, é a população de um
modo geral.
Estudantes universitários que não entendem ser cultura o ex-libris da culinária
cabo-verdiana, a cachupa; autarcas que decidem «modernizar» um centro histórico
com ares do século XIX ainda bastante
conservado, outros que simplesmente
aprovam demolições de prédios simbólicos
para dar lugar a edifícios novos e insípidos;
vizinhos da Sé Catedral a secarem camisas
e bermudas sobre as suas pedras de 500
anos; este é o dia-‑a-dia no que se refere ao
património. Ao longo dos anos assistiu-se
a situações preocupantes nesta matéria.
Por exemplo, os contratos duvidosos
com empresas de arqueologia submarina,
que deram muito que falar, já que levaram
à venda, para financiar as operações de
África21– julho 2009
39
GLÁUCIA NOGUEIRA
“
O conceito de que as coisas
da história e da cultura
são um património é bastante
frágil em Cabo Verde
”
Largo do Pelourinho
mergulho, de peças únicas em leilões na
Europa; a casa onde viveu Amílcar Cabral,
há anos a aguardar alguma decisão que a
dignifique. Ou o desbarato de peças do primeiro núcleo museológico cabo-verdiano
40
julho 2009 –
África21
criado no pós-independência, o Centro
Nacional de Artesanato, em S. Vicente –
este em situação mais risonha, já que foi recentemente recuperado e transformado no
Museu das Artes Tradicionais.
Do ponto de vista do poder central,
representado nesta área pelo Instituto de
Investigação e do Património Culturais
(IIPC), órgão do Ministério da Cultura,
embora tenha sido feita há alguns anos
uma «lista indicativa» para eventual classificação de um conjunto de sítios e monumentos espalhados pelo país, a prioridade
dada à Cidade Velha tem inviabilizado,
praticamente, qualquer outra iniciativa
que tenda a pôr em marcha a protecção e
valorização de outros exemplos de património cultural. Talvez agora, cumprida
esta etapa, outros casos venham a receber
mais atenção. E não são poucos: os centros
históricos de S. Filipe (Fogo) e Ribeira
Brava (S. Nicolau); fortificações, faróis e
igrejas espalhados um pouco por todo o
arquipélago; o fundo marinho rico em
despojos de navios, as salinas de Pedra de
Lume (ilha do Sal); o célebre campo de
concentração do Tarrafal (ver África21 de
Maio 09), entre outros sítios, fazem parte
de uma lista que, se não é toda para o património mundial, terá certamente itens
merecedores do estatuto de património
nacional ou municipal.
Segundo a lei cabo-verdiana que
rege esta área, um bem patrimonial para
estar legalmente protegido tem de estar
classificado como tal, o que ocorre por
portaria do Ministério da tutela, no caso
de acordo do proprietário, ou por decreto do Governo, na ausência de acordo.
Ou seja, o Estado tem poderes para de-
terminar a protecção do bem e mesmo
obrigar à sua manutenção, proibindo alterações, etc. O único senão é que não se
tem classificado nada. Não estando sob
protecção legal, qualquer coisa pode
acontecer, impunemente, ao bem patrimonial desprotegido.
Vantagens a tirar partido
Nesta 33.ª reunião do Comité do Património Mundial foram julgadas 27 novas
candidaturas e apreciadas situações de
conservação de sítios que já constavam da
lista da UNESCO – por exemplo, o vale
do Elba, em Dresden, Alemanha, perdeu
o estatuto. Por sua vez, a cidade fortificada de Bakou, no Azerbaijão, saiu da lista
dos monumentos em perigo, face aos trabalhos realizados.
Esteve presente na reunião a preocupação de melhorar a distribuição geográ-
fica dos membros da lista, critério que
poderá ter ajudado países que não tinham ainda nenhum sítio incluído,
como Cabo Verde e o Burkina Faso, que
também teve sucesso na sua candidatura,
com as ruínas da milenar fortaleza de Loropéni, próximas da fronteira com o
Togo e o Gana.
Outra preocupação foi tentar diminuir a diferença numérica entre elementos do património cultural e natural, este
último com menor representação na lista.
Para os próximos anos, é algo de que
Cabo Verde pode tirar partido, já que
possui vários exemplos importantes nesta
área, em particular as suas zonas litorâneas e subaquáticas, e poderá pensar em
candidatar alguns deles no futuro. Para
não falar do Parque Natural da Ilha do
Fogo, que engloba o vulcão e zona adjacente, este já classificado segundo a lei
que rege o património natural.
África21– julho 2009
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42
julho 2009 –
África21
A CRÓNICA DE GERMANO ALMEIDA
Fidalgo de braguilha
N
inguém da família sabe em
que data o Diche conheceu e
se tornou frequentador da rua
da Mati- jim e das suas tascas de moreia
frita, grogue matchona e vinho tinto
carrascão, noutros tempos importado
em barris de 50 e 100 litros. Quando em
casa se começou a tomar fé das suas cada
vez mais prolongadas ausências, ele já se
tinha tornado não apenas num inveterado apreciador e consumidor, mas mais
precisamente num viciado no vinho tinto, cujo primeiro copo bebia cerca das
nove da manhã, prosseguindo pelo dia
fora até à razão de mais ou menos um
copo cada duas/três horas.
Nessa altura ele já tinha conhecido a
Natália, sua primeira namorada, e começado a fabricar filhos que, aliás, continuaram os dois a produzir mesmo depois que ela descobriu que ele tinha engravidado a Helena e também a Mercedes e a Rosa e a Maria Augusta...
Seu tio Silvestre, emigrante muito
viajado e bastante culto das imensas leituras nas muitas horas vagas sentado no
convés dos navios de alto mar, costumava dizer-lhe que era uma verdadeira
pena o seu nascimento ter acontecido
não só em lugar errado como também
com três séculos de atraso no tempo.
Porque, asseverava-lhe, tivesses nascido
na Espanha do séc. XVII e certamente
que serias elevado à dignidade de fidalgo
de braguilha!
Era verdade! E, curiosamente, não
graças à legítima esposa, neste caso a Na-
tália que fingiu não ter tomado conhecimento da gravidez da Helena, mas exigiu
casamento de papel passado logo que soube do nascimento do filho da Mercedes, e
sim graças a uma das várias mulheres de
casa posta, neste caso a Rosa, com quem
foi tendo um filho varão em cada ano até
perfazer sete. Seria muito honroso para a
nossa família e até para Cabo Verde em
geral, dizia tio Silvestre, um caboverdiano
das ilhas elevado à dignidade de fidalgo de
braguilha. E terias certamente direito a
uma tença pelos serviços prestados à pátria, provavelmente paga em grandes barricas de bom tintol da Rioja. Mas acrescentava a seguir: ainda que seja verdade
que no caso de Cabo Verde é um bocado
inútil, não temos com quem guerrear, e filhos, sejam machos ou fêmeas, são apenas
bocas a alimentar.
Mas na mesma Diche gostava desse
título de «fidalgo de braguilha», sentiase orgulhoso por tudo que essa competência pessoal encerrava de mérito próprio, tanto mais que, como lhe lembrava
o tio Silvestre, seu próprio pai tinha sido
homem de uma única namorada e uma
única mulher. E assim, não raras vezes,
quando chegava ao quarto ou quinto
copo do dia e ficava sem mais dinheiro
do que tinha conseguido surripiar dos
negócios da Natália, não hesitava em invocar a sua condição de nobreza para pedir fiado, jurando pela sua honra de fidalgo, que provava colocando a mão direita sobre a braguilha, tudo pagar no
dia seguinte.
“
Não hesitava
em invocar
a sua condição
de nobreza
para pedir fiado,
jurando
pela sua honra
de fidalgo,
que provava
colocando a mão
direita sobre
a braguilha,
tudo pagar
no dia seguinte
”
Mas morreu a dever a última fusca!
Um fidalgo não devia assim encharcarse, afogar-se em vinho, lembrava-lhe o
tio Silvestre repreensivo, vendo-o quase
inconsciente a ser carregado para casa,
isso seria mais digno de D. Quixote. E
quem é esse, perguntava Diche, também
produziu sete machos seguidos?
A Natália já estava habituada a vê-lo
chegar a casa transportado por quatro
homens. Deitem-no naquele sofá até lhe
passar a fuscaria, dizia. Mas um dia não
acordou. A autópsia revelou que tinha
morrido em coma diabético.
África21– julho 2009
43
guiné-bissau
A hora de Malam Bacai
Dois homens para uma cadeira ensanguentada; Presidenciais
sob o pano de fundo da violência; Presidenciais para pôr termo
à instabilidade e à violência; Presidenciais num cemitério;
Campanha sangrenta, escrutino calmo.
Luntam Cuiaté BISSAU
O
sufrágios, cujos resultados foram divulgados quatro dias depois, sem as
tensões do passado.
A abstenção, que atingiu uma inédita taxa de 40%, foi a única surpresa
desagradável da corrida presidencial.
«Foi o único vencedor da primeira
volta das presidenciais», segundo o
mandatário de um dos candidatos independentes. A redução do nível de
participação eleitoral talvez seja uma
das explicações para o facto do candidato mais votado, o ex-Presidente interino Malam Bacai Sanhá, não ter ganho logo à primeira volta.
Sanhá, um dos veteranos da política
guineense, com a sua barba branca e estatura acima da média, recolheu 39,59% dos
votos dos mais de 500 mil eleitores, e vai disputar a segunda volta, em 26 de Julho, com
o antigo chefe de Estado Kumba Yalá, que
MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
pessimismo, para não dizer a visão apocalíptica, foi
a nota dominante dos títulos da imprensa africana na véspera
das primeiras eleições presidenciais
antecipadas da Guiné-Bissau. O duplo
assassínio do chefe do Estado-Maior
das Forças Armadas e do Presidente da
República, no início de Março, e a liquidação física, três meses depois, de
um deputado e de um dos candidatos
à corrida presidencial, justificam tal
cepticismo.
Contudo, os receios não se confirmaram. A campanha eleitoral, exceptuando alguns excessos verbais de
Kumba Yalá, foi morna e sem incidentes, tal como a votação, a 28 de Junho,
que decorreu sem incidentes. Pela primeira vez na história das eleições pluralistas do país, ninguém contestou os
Malam Bacai Sanhá,
o candidato do PAIGC
44
julho 2009 –
África21
As eleições têm decorrido de forma pacífica
obteve 29,42%. Repete-se assim, cerca de
dez anos depois, um duelo entre os mesmos
protagonistas, ganho na altura por Yalá.
Desde então, o cenário político mudou
radicalmente. O PAIGC, partido que
apoia a candidatura de Malam Bacai, está
solidamente instalado no poder e sufocou
as suas guerras internas para poder levar
um dos seus dirigentes mais credenciados
ao poder. O trágico desaparecimento de
Nino Vieira, seu rival nas eleições de 2005,
tornou-lhe a tarefa menos complexa, assim
como a morte do major Baciro Dabó, o
antigo assessor de Segurança de Nino, cuja
candidatura às presidenciais arriscava-se a
baralhar as contas a Malam Bacai. Não
obstante, esses ajustes de conta sangrentos
repercutiram-se negativamente na imagem
do partido governamental, e durante a
campanha serviram de arma de arremesso
para os seus adversários mais radicais.
Outro trunfo de Malam Bacai são
os apoios externos de que dispõe. Recebido nas mais altas esferas do poder
em França, Portugal e na Nigéria,
contou ainda com os petrodólares de
Muammar Kadafi e das ajudas finan-
MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
barrete encarnado, nem dos nove meses de salários que então ficaram por
pagar. As relações de Kumba com a
actual chefia castrense andam atribuladas, depois do candidato ter ameaçado substitui-la em caso de vitória. No
mês passado os militares desarmaram
as dezenas de homens da sua guarda
pessoal. Todavia, o seu carisma e o
pendor populista e demagógico podem fazer estragos.
O árbitro Henrique Rosa
No entanto, o principal responsável
por uma segunda volta nas presidenciais guineenses foi incontestavelmen-
MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
“
Os votos obtidos
por Henrique Rosa
serão determinantes
no pesar da balança
de 26 de Julho
”
ceiras e materiais do influente Presidente Blaise Compaoré, do Burkina
Faso. Os recursos exibidos pela sua
candidatura provocaram sérias críticas
de esbanjamento de dinheiro e de
compra de consciência.
Por seu lado, o PRS, a formação de
Kumba Yalá, agora na oposição, debate-se com dificuldades financeiras e
com a dissidência de um punhado de
dignitários, que contestam o líder do
partido, situação impensável há alguns
anos atrás. Os eleitores guineenses
também não se esqueceram ainda dos
desmandos do regime do homem do
presidiu aos destinos da Guiné-Bissau.
Reconheceu a derrota no próprio dia
em que os resultados oficiais foram
proclamados e anunciou que não ia
dar ao seu eleitorado, de mais de 81
mil votantes, indicações de voto a favor
de nenhum dos finalistas.
A atitude dos seus apoiantes será determinante para o desfecho do pleito presidencial, que entretanto já estão a ser cortejados por ambas as candidaturas. Os oito
outros postulantes não mereceram a consideração dos guineenses, mas mesmo assim,
os pouco mais de seis por cento obtidos no
seu conjunto, apesar de insignificantes, poderão pesar bastante na contagem final. A
sociedade está traumatizada pelos su-
Se for eleito,
Kumba Yalá
ameaça destituir
a chefia militar
te o candidato independente Henrique Rosa, que com os seus 24,19%
adiou a luta pela cadeira presidencial
para a última semana de Julho.
Este empresário, sem grande carisma, mas com enorme poder de atracção, devido ao seu perfil pacífico e de
seriedade, drenou simpatias a partir de
várias famílias políticas, mas não teve
nem tempo nem recursos para se implantar profundamente nas regiões do
país profundo, onde mesmo assim
conseguiu bons resultados.
Rosa deixou uma óptima impressão nos dois anos (2003-2005) em que
cessivos episódios de violência, cujos
autores nunca são responsabilizados, e
pela constante instabilidade política.
Os salários atrasados, a omnipresença
do poder militar e o narcotráfico são
outros problemas que quer ver solucionados, e espera que seja o chefe de
Estado a resolvê-los, embora dependam da governação.
Entre os dois candidatos, ganha
aquele que convencer o país de que é
um homem de diálogo e paz, capaz
de pôr os militares na linha, restabelecer a autoridade do Estado e garantir a estabilidade.
África21– julho 2009
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46
julho 2009 –
África21
A CRÓNICA DE ODETE COSTA SEMEDO
Assim senti ‘Ombela’...
Uluai, chuva e palavra
H
á poemas, contos, romances,
enfim… obras que, ao termos
contacto com elas, nos deixam a sen- sação de já as havermos encontrado, lido, visto ou sentido em algum
lugar de aqui ou do além, quiçá de lá! Essa
sensação é, por vezes, tão agradável, tão
saudável que leva a pensar: como não fui
eu a escrever isto! Como não pude parir essas palavras, como não agarrei o tempo ou
a chuva de concebê-las dentro de mim,
para depois da gestação a colocar no rio da
vida? E vimos todo o caminho percorrido
e por percorrer. Do amor feito… Do momento da fecundação... Da gestação ao
parto e até à criação; criação, essa, de ajudar a crescer e a alimentar a consciência, o
sentido. E parece que o segredo está na palavra. A palavra que fala de si mesma, a
que ampara quem a enuncia; palavras que
calam a dor, palavras que gritam e sacodem, que alertam.
Foi assim com Ombela1, a chuva:
amor feito! Não porque na minha terra o
tempo se conta por chuvas. Lá o que para
outros é um ano, para nós é uma chuva,
como se o tempo fosse mulher, como se
fosse líquido, corrido, algo que pode cair
tanto em gotas finas, ieri-ierindo2, quanto
em gotas grossas como se o céu, de onde
ela cai, fosse desabar sobre a cabeça dos homens. Chuva tempo, chuva líquida e lenta, chuva raiva acompanhada de raios e de
relâmpagos que mesmo de dia deixam a
terra alumiada. Mas não foi por isso que
senti ombela, foi por ela ser também terra
fecunda, por isso toada e palavra.
Assim foi com ombela, criação criada
e criadora. Ombela que se fez corpo, igualmente feminino, que se entrega do beijo
ao orgasmo, portanto, som também. Do
som à palavra, ao mel e ao seio bom de que
se seguiram os ritos de iniciação e através
dos quais «conhecem-se os olhos», isto é,
conhece-se a linguagem sem fala e cujos sinais pertencem apenas aos indícios transmitidos pela liquidez dos olhos, como se
fossem eles rios que falassem, que fizessem
navegar dentro de si as palavras.
Ombela é também esse falar na liquidez dos olhos, esse proferir através da chuva, cantar e louvar a vida, como os mais velhos nos ensinaram. E foi o que nos deixaram como herança… Tanto a vida, quanto a natureza que nos testemunha a força
vital. A palavra e a força da fala. A palavra
superior à pólvora. A que pode ser fina e
suave como uma gota de chuva. Sentença
que pode ter a força de uma torrente, forte
como um elefante, caçadora, felina como
uma onça. A palavra assentada – sintanda
kombersa – com todo o seu poder conciliador em favor da vida e da harmonia; essa
palavra é também a cabaça de água capaz
de adormecer a sede, é a cabaça que pede a
mão da noiva, é ombela é chuva é ulual!3 É
um legado dos nossos ancestrais. Por isso,
onde não há palavra assentada o lugar se
torna seco, a vida uma incógnita.
Quando à palavra é dado um lugar, até
a vida ela sustenta. Foi o poder da palavra
que emprestou mil e uma e mais noites de
vida à Scherazade, diante de um Sultão ferido no seu orgulho de macho traído. A pa-
“
Nós que ainda
não conseguimos
porfiar a pólvora
e dar de beber àquele
que nos é adverso
na fala e no gesto
”
lavra pacificou a cólera do Sultão, tal como
a chuva farta a terra árida e a torna fértil.
Foi assim quando senti Ombela. Depois de se constituir apengu 4, ombela
transbordou – palavra fecunda – e virou
nossa. Nossa e de todos os que ainda não
descobriram que a chuva, também ombela, é mulher fêmea e assim marida do céu.
Nós que procuramos conhecer o dom da
palavra que obriga homens e mulheres a
assentar a conversa na tabanka e na prasa5;
que procuramos o segredo na mensagem
trazida pela chuva… Nós que ainda não
conseguimos porfiar a pólvora e dar de beber àquele que nos é adverso na fala e no
gesto…. Nós, ainda cegos diante do óbvio: pólvora e palavra são distantes, e tão
distintas entre si, na sua essência e em tudo
o resto! Nós, que ainda não descobrimos
que o segredo da diferença mora na palavra, por isso só a palavra pode conciliar,
harmonizar.
Referência à Ombela (poemas). Obra poética de:
MONTEIRO, Manuel Rui. Luanda: ed. Nzila, 2006
Ombela – chuva em umbundu;
2
Borrifando em crioulo guineense.
3
Chuva na língua manjaca.
4
Chuva em abundância, em umbundu.
5
Cidade em crioulo guineense.
1
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47
JOAO RELVAS/LUSA
são tomé e príncipe
O ano produtivo
de Rafael Branco
Segurança alimentar, energia, turismo, reformas
financeiras e questões sociais foram temas abordados
pelo primeiro-ministro são-tomense ao fazer
o balanço do primeiro ano de governação.
«Tenho razões para não estar muito satisfeito,
mas no meio de tantas dificuldades, o Governo
fez muito e estamos prontos a sermos comparados
com qualquer outro Governo que esteve em
funções», diz Joaquim Rafael Branco à África21.
ARQUIVO África 21
Juvenal Rodrigues SÃO TOMÉ
Rafael Branco está satisfeito
O
XIII Governo Constitucional foi
empossado a 21 de Junho de 2008. O
então líder do único partido da oposição aceitou chefiar um Governo de coligação com
a participação do MDFM/PCD como solução
para se contornar a crise política que se instalou
com a queda do Executivo liderado por Patrice
Trovoada, que só esteve 90 dias no poder. «Eu estava à espera que este Governo fizesse mais e melhor», comenta, por sua vez, o líder da Acção
Democrática Independente (ADI), que dá nota negativa ao desempenho da equipa de Rafael Branco.
O primeiro-ministro recorda o contexto em
que surgiu o seu Executivo há cerca de um ano e
que, na sua opinião, já foi esquecido por muitas pessoas, nomeadamente o mandato que não vai além
de dezoito meses e «quando mesmo na coligação
que ganhou as eleições há divergências manifestas».
«As pessoas esqueceram-se que este Governo
é chefiado por um partido que não ganhou as
eleições e há dois partidos que ganharam e fazem
parte dele. Em São Tomé e Príncipe não se tem
ideia de que existe uma crise que afecta várias
economias mundiais e o nosso país não está fora
dessa crise e os reflexos sentem-se aqui», diz. Em
contrapartida, Rafael Branco considera que, colectivamente, o Executivo acertou nas prioridades que elegeu: segurança alimentar, infra-estruturas, energia e turismo.
Segurança alimentar
Os stocks de bens alimentares de primeira necessidade estão assegurados
48
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África21
O primeiro-ministro destaca o que qualifica de
«Nova Agricultura» que está a ser desenvolvida,
“
Para Rafael
Branco o Executivo
acertou
nas prioridades
da segurança
alimentar, infra‑estruturas, energia
e turismo
”
na medida em que a produção agrícola baseada
em grandes empresas de cacau acabou. «Não há
condições para existir. O cacau já não rende e
não temos gente para trabalhar como antigamente nas grandes empresas». Por outro lado, as novas gerações querem trabalhar numa «agricultura
que lhes dê rendimentos e algum prestígio social.
Isso só é possível com uma agricultura destinada
a satisfazer as necessidades alimentares, que implique novas técnicas, novas tecnologias e inclusive a transformação dos produtos».
A agricultura é o sector que no plano orçamental tem uma parte importante do bolo, cerca de 20 milhões de dólares, mas «infelizmente
algumas instituições estão atrasadas no desbloqueamento dos fundos em relação a este programa, nomeadamente a União Europeia e o Banco
Africano de Desenvolvimento». Entretanto, o
chefe do Governo está convencido que «este ano
vamos ter produção de banana, milho, feijão, cebola e batata inglesa como nunca tínhamos
tido». Foram igualmente tomadas medidas para
evitar a rotura de stocks de bens alimentares de
primeira necessidade.
Energia
ANDRE KOSTERS/LUSA
No sector estratégico da Energia, a previsão é
que a produção comece a melhorar no próximo
ano. Porém, há que se fazer investimentos na
rede de distribuição. Até ao primeiro semestre de
Patrice Trovoada esperava mais e melhor
“
Para Patrice
Trovoada
o Governo
falhou
na concertação
social, execução
orçamental,
política externa
e justiça
”
2010, a Central de St.º Amaro estará operacional e no final do próximo ano uma outra central
térmica estará pronta para fornecer cerca de 30
MW de energia.
A manutenção da opção pelas energias térmicas, segundo o primeiro-ministro, é a mais viável
a curto prazo. As outras soluções são caras à partida. «No quadro da manifestação de interesse,
houve propostas de energia solar. Não ia satisfazer todas as nossas necessidades, mas os proponentes precisavam de 120 hectares de terra para
que esse projecto fosse implantado. Há empresas
que dizem que temos potencial para a energia hídrica. Veja o tempo que está a levar a construção
da central de Bombaim. As soluções alternativas
levam tempo e nós estamos num tempo de urgência. Paulatinamente, serão agregadas outras
fontes de energia».
Sabe-se que a EMAE, Empresa de Água e
Electricidade, está falida. O seu futuro está em
análise, depois de adoptados os grandes princípios que vão orientar a política energética do
país. Um deles é a ideia do produtor independente. «O Estado não tem condições para investir, os
interessados vêm, constroem as centrais e vendem a energia aos clientes. Um cliente poderá ser
a EMAE, mas eu duvido que ela tenha condições
de continuar como empresa pública, com a estrutura accionista que tem hoje. Temos pensado em
formas de privatização da EMAE através da cedência de uma parte de capital e, eventualmente,
na privatização total do capital», sublinha Rafael
Branco, acrescentando que deve ser aprovado um
pacote legislativo que regulamente a actividade
desses produtores.
Paralelamente, os contratos que foram assinados com algumas empresas no domínio energético com cláusulas lesivas aos interesses do país vão
ser revistos. «O Governo está a construir a sua
posição sobre os mesmos e na altura devida todas
as entidades envolvidas serão chamadas para se
sentarem a uma mesa e realisticamente definir-se
um destino a dar a esses contratos», adianta.
Nas infra-estruturas há atrasos consideráveis.
Os montantes disponíveis ainda não começaram
África21– julho 2009
49
a ser utilizados porque há que respeitar os dispositivos legais: «Para as obras tem que se fazer concurso, respeitar uma série de procedimentos que
não permitem que elas sejam executadas desde o
início do ano. No nosso caso, o orçamento ficou
aprovado em Dezembro».
Para o desenvolvimento do turismo, o Governo já dispõe de documentos orientadores e
com a ajuda da cooperação brasileira o país vai
ter uma marca são-tomense no artesanato.
Reforma financeira
A bancarização da economia iniciada há poucos
meses, ou seja, desde o pagamento de salários até os
serviços prestados pelas empresas ao Estado, tem
um conjunto de vantagens. Uma delas é fechar o
caminho à corrupção e garantir maior transparência. Outro benefício é a diminuição da fuga ao fisco. A Direcção das Finanças passa a ter a possibilidade de conhecer o valor aproximado da facturação
das empresas que prestam serviço ao Estado.
Por outro lado, o Governo fez ajustes salariais
num momento de crise, sobretudo para os quadros
médios e superiores que nos últimos anos não beneficiaram de aumentos «quando em todo o mundo se está a desempregar pessoas e a reduzir salários.
Ainda é pouco, mas foi um aumento significativo.
Se associarmos isso à inflação que está a baixar, vemos que há um ganho real no rendimento disponível das pessoas», refere o chefe do Executivo.
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julho 2009 –
África21
Reacção da ADI
A Acção Democrática Independente, o principal
partido da oposição, tem outra percepção. Patrice
Trovoada critica a actuação do Governo em aspec­
tos como a concertação social, execução orçamental, política externa e justiça. Considera que
o Executivo «deveria apresentar um orçamento
rectificativo e dar a mão à palmatória».
Isto tudo é motivo de desânimo e decepção
para qualquer são-tomense», sublinha o líder do
ADI, que também é de opinião que no plano da
política externa «não há visibilidade nenhuma».
«Basta dizer que fala-se de integração regional,
que São Tomé e Príncipe tem que ser uma plataforma de serviços, mas serviços para quem? Para o
Golfo da Guiné? O primeiro-ministro, para além
de uma visita esporádica a Angola, não visitou nenhum país vizinho, tal como o ministro dos Negócios Estrangeiros», comenta Patrice Trovoada.
O líder da oposição manifesta ainda a esperança que a alternância dê possibilidade um dia
ao seu partido de governar e não gostaria de encontrar o país numa situação pior.
Entretanto, Rafael Branco defende que «estamos a fazer o que tínhamos que fazer. Temos a
consciência que devíamos fazer muito mais do
que já fizemos, mas se olharmos para o contexto
em que o Governo surgiu, as condições em que o
Governo está a trabalhar, acho que foi um ano
produtivo».
A CRÓNICA DE CONCEIÇÃO LIMA
Alda Espírito Santo
A
lda Espírito Santo tem 83 anos.
É uma idade bonita, uma idade
pejada de frutos.
O Ministério da Educação, do qual
foi a primeira titular, rendeu-lhe uma
homenagem. O ministro Jorge Bom Jesus
disse coisas bonitas e merecidas. É que
vida inteira nos habituamos à suave robustez da sua presença, ao tamanho da
sua sombra.
Habituamo-nos à espessura e ao
timbre da sua voz.
Nem trincos nem trancas: Alda
Espírito Santo é igual à transparência da
casa que a habita, a casa que nos habita.
Pelos nomes próprios nos distingue e
nos chama.
Conhece-nos desde sempre e aos
nossos tiques, nossas fraquezas, aos nossos talentos e forças.
Conhece as escarificações na fundação do nosso rosto; revelou-as. Conhece
o aroma do louro no nosso prato e o
cheiro do manjerico no nosso vaso.
E nós, nós conhecemo-la. Desde
quando, para afugentar o frio, entrelaçou, mornas, as mãos, ao redor do nosso
corpo.
Desde quando pôs, fresca, a palma
da mão na nossa testa. Quando nos
embalou e nos exortou e nos instigou.
Quando nos ergueu alto e sussurrou ao
nosso ouvido palavras que só podiam
ser sussurradas, as palavras que nos
nomeiam.
Para seu juízo escrevemos redacções
e hesitamos nas contas de dividir. Incen-
tivou-nos e corrigiu-nos, admoestounos e aplaudiu-nos.
Brincámos, descalços, na orla das
praias por ela sonhadas, navegámos a
largueza do poema. Moldámos concretas utopias, no âmago da praça plantámos a raiz do verso.
Alda Espírito Santo tem 83 anos,
uma idade bonita.
Mora ainda na velha e austera casa
da Chácara, rodeada de livros e memórias e passos dos amigos. No quintal entrecruzam-se os ramos das goiabeiras e
todas as madrugadas desabrocham ali
flores e trepadeiras. A casa da Chácara é
uma casa de portas e janelas abertas.
Na antiga casa da Marginal, sede da
União Nacional dos Escritores e Artistas, da qual é presidente, continua a receber jovens e menos jovens, a todos entregando a justa porção de palavra. A
sede da UNEAS é uma porta sempre escancarada.
Por vezes, Alda Espírito Santo fala
com enérgica suavidade de certos amigos, certos nomes: Amílcar. Agostinho.
Mário. Marcelino. Salustino. Luís Espírito Santo. Bia. Francisco José Tenreiro.
Sara Maldoror. São nomes que convocam uma longa jornada aquém e alémmar, nomes de um tempo decisivo e
fracturado, um tempo entrefeito de lealdades e solidariedades.
Desdobra recordações, folheia livros,
oferece-nos páginas escritas com tinta indelével, apura as cores e o preto e o branco dos retratos. Sublinha as vitórias, cri-
Um mural contra a sida cujo vírus afecta
quase seis milhões de sul-africanos
“
Nós conhecemo-la
desde quando, para
afugentar o frio,
entrelaçou, mornas,
as mãos, ao redor
do nosso corpo
”
tica os desacertos do presente, interroga
o amanhã fincando os pés no hoje.
Alda Espírito Santo pode ser homenageada como poetisa.
Alda Espírito Santo pode ser homenageada como combatente da liberdade,
distinção que já recebeu do Estado
Cabo-verdiano.
Alda Espírito Santo foi homenageada pelo Estado São-tomense.
Alda Espírito Santo foi homenageada como combatente da liberdade pelo
Estado Cabo-verdiano. Foi homenageada, nos 80 anos, por um grande grupo
liderado por Inocência Mata.
Mas ela detesta homenagens. Desconfia de homenagens. Acha que as homenagens são uma armadilha aos que
não baixam nunca os braços.
Por isso, nós que já penteamos cabelos
brancos e embalamos os primeiros netos,
dizemos-lhe, à Alda Espírito Santo, porventura a mais proeminente mulher da geração de Cabral, que amamos o frondoso
baobá, o benfazejo tronco do micondó.
Dizemos-lhe que amamos na sua voz a
constante canção dos nossos rios.
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GUSTAVO AMADOR/LUSA
américa latina
Foto de família em San Pedro Sula:
37 dos 38 países da OEA têm
relações diplomáticas com Cuba.
Ao viabilizarem o regresso
de Cuba à Organização
dos Estados Americanos,
da qual fora expulsa
em 1962, os Governos
da América Latina lançaram
as bases para a criação
de um novo organismo.
A diplomacia latino‑americana criou
um precedente que pode
influenciar o futuro
da região. Como na natureza,
marcou um território próprio.
Manrique S. Gaudin BUENOS AIRES
52
julho 2009 –
África21
Uma ilha, um continente
H
á 47 anos, num verão particularmente tórrido, houve um
dia na sofisticada estância
balneária de Punta del Este, no Uruguai,
em que a temperatura política subiu até rebentarem os termómetros. Nesse dia, 31
de Janeiro de 1962, a Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiu sancionar – isolar – a República de Cuba por «incompatibilidade com o sistema interamericano». A decisão originou uma reacção
imediata dirigida, mais do que à OEA, aos
EUA, país que ditava as decisões da organização. «Yanquis go home» tornou-se no
best-seller dos grafitti sul-americanos. Greves operárias e estudantis, declarações de
condenação da mais variada origem e grandes manifestações de repúdio ocorreram
nos dias seguintes nas ruas das principais
cidades da região.
O «sistema interamericano» não era
outra coisa do que a OEA, um organismo
que contava com uma chamada Carta De-
mocrática em que se estabelecia – e se estabelece – que nas fundações de todas as democracias deve estar sempre presente o
multipartidarismo. A «incompatibilidade»
decorria de uma afirmação de apenas três
palavras com que, meses antes, Fidel Castro tinha apontado ao coração da sensibilidade democrática continental: «sou marxista-leninista». A frase do dirigente máximo da Revolução Cubana continuava:
«(…) e sê-lo-ei até ao último dia da minha
vida». Mas ninguém reflectiu sobre isso.
Mais: ninguém analisou o que significava o
conceito de «sancionar». O sentido da resolução era o da expulsão, mas isso não ficou
escrito, como se uma dúvida semântica, ou
talvez uma indefinição política, tivesse eriçado a pele daqueles 21 dignitários a quem
a decisão consumiu nove dias de sessões e
constituiu a mais extensa e angustiosa
Assembleia Geral na história da OEA.
O passar do tempo foi mostrando que
não se tratava de uma expulsão nem de
Um primeiro passo
Actualmente são 38 os países da OEA, e
37 já mantêm relações diplomáticas e comerciais regulares com Cuba. Apenas os
Estados Unidos não dispõem de uma embaixada em Havana. De qualquer forma,
“
todas as delegações, incluindo o Departamento de Estado norte-americano, qualificaram a resolução como «histórica». Para
o brasileiro Celso Amorim, no entanto,
«este é apenas um primeiro passo» que
deve prosseguir até ao fim do bloqueio comercial que os EUA impuseram a Cuba
em 1962 e que ainda se mantém vigente.
O argentino Jorge Taiana resumiu a opinião de todos: «pusemos fim a um anacronismo e a uma injustiça».
Desde aquele longínquo 1962, em que
o Governo democrata de John Kennedy
apressou a decisão da OEA, Cuba foi um
assunto de interesse particular dos Estados
Unidos. Os países latino-americanos votaram a suspensão e continuaram, por necessidade ou conveniência, as políticas emanadas da Casa Branca, mas Cuba nunca foi
uma prioridade para eles, por mais que tenham insultado a sua revolução e se submetido ao bloqueio económico imposto
por Kennedy em 1962, a 7 de Fevereiro,
quase como se se tratasse de um segundo
acto da Assembleia de Punta del Este. Antes disto, o mesmo Kennedy fracassara
uma invasão armada, em Abril de 1961.
Depois, em 1996, outro Governo democrata, o de Bill Clinton, aprofundou o bloqueio através da Emenda Helms-Burton,
“
Cuba anunciou
que não tem qualquer
interesse em regressar
ao organismo
”
que proibiu as empresas americanas de fazerem comércio com Cuba através das suas
filiais radicadas em países terceiros.
Dependendo do ponto de vista, esta
resolução da OEA pode ser encarada como
uma derrota dos EUA ou como um triunfo de Cuba, que é o mesmo mas dito ao
contrário. Há um pouco de cada um por
detrás do «convite» feito a Havana. Mas sobre o que não há dúvidas é de que na região
existe um novo cenário que tornou possível
este acordo alcançado por unanimidade.
Existe uma mudança nos EUA e, sobretudo, uma mudança na região que através de
uma rede de dispositivos – Mercado Comum do Sul, União das Nações Sul-americanas, Grupo do Rio, entre outros – rompeu com as políticas hegemónicas ditadas
desde sempre pelos Estados Unidos e exige
agora uma igualdade formal na abordagem
dos grandes temas. Em Abril, durante a cimeira hemisférica de Trinidad e Tobago, o
Presidente Barack Obama escutou a voz da
REYNALDO CARRANZA/LUSA
uma marginalização. Optou-se por chamar-se-lhe suspensão. E como suspensão
não é expulsão nem exclusão, no majestoso edifício-sede da OEA, em Washington,
a bandeira cubana manteve-se hasteada
junto à dos Estados Unidos e às dos restantes países latino-americanos. Ai permanece, embora Cuba já tenha anunciado
que não tem qualquer interesse em regressar ao organismo.
A 2 de Junho último, 47 anos mais
tarde, na cidade hondurenha de San Pedro
Sula, outros representantes de outros governos dos mesmos países celebraram a
XXXIX Assembleia. Desta vez, em menos
de dois dias, concordaram em comunicar
a Cuba que a sua exclusão do sistema interamericano ficava sem efeito (primeiro
ponto da resolução) e que o seu regresso ao
seio da OEA só estava condicionado a um
pedido do Governo de Havana (segundo e
último ponto).
Dos 38 países da OEA,
apenas os Estados
Unidos não dispõem de uma
embaixada em Havana
”
Protestos contra o bloqueio norte-americano, durante a Assembleia Geral
da Organização dos Estados Americanos
África21– julho 2009
53
América Latina quando cada um dos Presidentes exigiu, pública e oficialmente, o fim
do bloqueio a Cuba. Não o esperava. Sentiu-se isolado. De regresso à Casa Branca
flexibilizou as condições relativas ao envio
de remessas de imigrantes e à proibição de
viagens à ilha.
Uma região em mudança
Nas Honduras, a delegação norte-americana corria o risco de ficar irremediavelmente isolada. Em San Pedro Sula a OEA demorou, tal como os EUA demoraram a
aceitar que a realidade já não é a que desejam em Washington, como disse um analista mexicano. Peter Hakim, director de
Diálogo Interamericano, uma organização
que promove as boas relações dos Estados
Unidos com a América Latina, considera
que Obama não pretendia este desfecho:
«Este é um tema muito delicado para os
EUA, que nas Honduras ficaram visivel-
54
julho 2009 –
África21
mente sós. Por isso, devemos dizer que o
facto verdadeiramente histórico ali ocorrido é que a América Latina transformou a
OEA num organismo multilateral no qual,
pela primeira vez desde a sua criação, os Estados Unidos não podem impor as suas
condições». Não se pode esquecer, além
disso, que a realidade interna é outra. Depois de meio século em Miami, o fanático
lóbi anti-cubano dos primeiros dias da Revolução – um grande contribuinte para as
campanhas financeiras dos candidatos, que
votava conservador, estabelecia condições e
fornecia assessores e ministros aos Presidentes – perdeu peso. Ali, apesar das ideias
de abertura, que o transformavam num dirigente perigoso para o ultra-conservadorismo, Obama obteve a maioria em Novembro do ano passado, quando foi eleito.
Pouco a pouco, Cuba está a regressar
ao «sistema interamericano», mas fá-lo
sem condicionantes e sem renunciar aos
seus princípios. Em 2008, em Zacatecas
(México), o Grupo do Rio convocou
Cuba para convencê-la a integrar este bloco, diplomaticamente o mais importante
da região e o único que nos últimos anos
ajudou a resolver as mais críticas situações
vividas por Governos democráticos, como
os da Bolívia, Equador e Paraguai. Com o
Brasil à cabeça, a América Latina procura
munir-se de novos instrumentos de integração, não apenas no plano económico, e
considera que a OEA chegou à sua fase final. A América Latina pensa num novo
organismo, talvez tomando como base o
Grupo do Rio, no qual, sem o dizer, acaba
por ir exactamente ao encontro do que Fidel Castro propunha há quase quatro décadas, a 1 de Maio de 1973: «uma organização regional que não tenha a sua sede
em Washington, mas numa capital latinoamericana, que lute pelo bem-estar dos
povos latino-americanos e caribenhos de
língua inglesa e na qual os EUA não tenham razão para estar».
economia
Da crise aos riscos
de «tudo como dantes»
Todos os instrumentos económicos têm falhas e a ciência manda que sejam
articulados para que sejam reduzidas ou corrigidas em tempo útil
B
Barack Obama disse em entrevista
à Bloomberg que «Wall Street tem memória curta», referência sem dúvida à
persistência de posições próximas da noção de
«mercado puro», mitigado por apelos de socorro
quando surgem os prejuízos. Mas basta os prejuízos darem sinais de transformação em novos lucros e começam os apelos anti-regulação.
Dias depois, no Congresso, foi a vez do secretário do Tesouro, T. Geithner, enfrentar acentuadas objeções da bancada republicana contra o
plano regulacionista da administração federal, o
maior desde 1930. O argumento base era de que
medidas reguladoras no passado histórico recente
tinham dado maus resultados. Em contraposição, pode dizer-se que, tanto no passado histórico como no presente, a desregulação tem dado
péssimos resultados. Está bem visível no momento em todo o mundo.
Mas esta troca de acusações sobre instrumentos que falham não tem sentido. Todos os instrumentos económicos têm falhas e a ciência manda
que sejam articulados para que sejam reduzidas
ou corrigidas em tempo útil.
A verdade é que uma forte tendência se desenha para a «memória curta» ou seja, considerar a
crise decorrente do subprime como mero incidente
menor. Menor para quem nos Estados Unidos
não faz parte dos 9,5% de desempregados (recorde
de décadas) ou para quem não está na situação da
Jonuel Gonçalves
África, que necessita de 500 mil milhões de dólares para não ter seu já fraco crescimento afetado.
Esta tendência é reforçada em conferências
como um Fórum Económico sobre África, que
decorreu recentemente na Cidade do Cabo (África
do Sul), onde se fizeram discursos milhares de vezes ouvidos e de onde saíram conclusões que
qualquer aluno de primeiro ano pode fazer nos
seus apontamentos, sem gastar as enormes verbas
desses conclaves. O reforço da memória curta decorre aqui da falta de ideias, tradutora novamente de «crise económica e do pensamento económico», como falava Joan Robinson nos anos setenta ou, como escreveu o New York Review of
Books, em Maio último, «falha da economia &
dos economistas».
A opinião pública norte-americana, bem informada, apresenta pontos de vista radicais raramente vistos. Por exemplo, uma sondagem de
Junho creditou Obama com 62% de apoio, mas
sobre os estímulos às empresas em dificuldade,
mais de 50% preferiam que os rios de dinheiro
gastos pelo Governo fossem para reduzir o alarmante défice fiscal.
Alarmante em África (entre muitas outras
coisas) é o estado da informação sobre economia
e seus efeitos. Por vezes é simples desinformação
e criação de euforias, seja como resultado de intenções tipo NEPAD, assinatura de acordos comerciais ou de súbitas subidas de preços de matéÁfrica21– julho 2009
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rias-primas, como sucedeu com o urânio, diamantes, platina e mais frequentemente o petróleo. A partir dessas subidas havia mesmo quem
afirmasse, em alguns Estados do continente, que
estávamos prestes a sermos grandes potências.
Para quem tem memória curta é bom sublinhar que a NEPAD não atingiu nenhum de seus
grandes objetivos e vai caindo no esquecimento,
e que as entidades africanas de integração regional são fóruns de articulação de poderes políticos,
que não dotaram suas economias de capacidade
transformadora, nem de programas sociais estimulantes para o nível de vida e a produtividade.
Grandes emergentes
A dependência de eventuais subidas de preços de
matérias-primas, não só não promove potência
sustentável de ninguém, como nem sequer revela
economias emergentes. Índia, China e Brasil chegaram a tal nível com o desenvolvimento da educação, da produção transformada e com acumular de medidas que, ao fazerem subir o nível de
vida, alargaram o mercado interno e capacidade
competitiva externa.
Em economia há varias relações diretas a respeitar. Uma é entre Estado e mercado; a outra é
entre condições de vida e performance. A regulação é uma forma de harmonizar iniciativa pública e privada, enquanto a pobreza generalizada
nunca gerou produtividade ou poupança consideráveis.
Alguns sinais apontam para a redução da intensidade da crise talvez antes do fim do ano em
curso e, desde já, começa o movimento para o regresso ao que estava antes. As perguntas da direita a Geithner em Washington fazem parte desse
projeto, ao mesmo tempo que na América Latina
dirigentes se felicitam porque suas recessões «são
brandas» (após terem dito que não havia recessão) e em África as preocupações continuam a ser
as cotações das commodities com destaque para o
algodão, o cacau e o petróleo.
A FAO aponta para subidas de preços dos
bens alimentares entre 10% e 20% acima da média 1997-2006, até 2018. Ficamos aqui com dois
avisos: as subidas que ocorram na mineração ou
56
julho 2009 –
África21
na agricultura de exportação serão anuladas pelas
importações de alimentos; as subidas no valor
dos alimentos abrem perspectivas de mercado lucrativo para os produtores.
Outro aspecto importante para os diversos
países africanos envolvidos em programas de
construção civil, sejam habitacionais, sejam de
infra-estruturas, é que a queda de preços no mercado mundial de produtos como aço, alumínio
ou cimento vai inverter-se quando o setor imobiliário norte-americano recuperar. Os indicadores
começam a revelá-lo e grande parte do estímulo
federal EUA está direcionado nesse sentido. Ou
“
Alarmante em África
é o estado da informação
sobre economia e seus efeitos
”
“
Para quem tem memória
curta é bom sublinhar
que a NEPAD não atingiu nenhum
de seus grandes objetivos
e vai caindo no esquecimento
Ilustração: Cristina Sampaio
”
seja, quem não produzir uma gama alargada de
materiais, sofrerá fortes pressões de preços em
alta na importação.
São dois setores em que os primeiros passos de
integração regional podiam incidir: produção, diversificação e transformação de bens alimentares e
de construção, incluindo investimento em empresas de todas as dimensões e em programas comunitários. Qual dessas entidades realmente o faz?
Em relação às grandes instituições, a memória curta reaparece. Por exemplo, onde estão as
grandes concessões para desbloquear o dramático
dossiê agrícola na Organização Mundial do Comércio, sem o que as previsões da FAO terão
efeitos ainda mais graves?
Após terem manifestado grande interesse no
protagonismo do G20 (grupo de países desenvolvidos e dos maiores emergentes), algumas chancelarias centrais vão sem dúvida acentuar a centralidade do G8. Vamos ter uma primeira indicação de atitude na reunião do G8 este mês na Itália, mas parece que outra euforia foi exagerada –
a de alguns emergentes que se julgavam já com
cadeira cativa no centro do sistema mundial.
Constatando essa realidade, relançam o BRIC
(Brasil, Rússia, Índia e China), conjunto de economias hoje absolutamente indispensáveis ao mercado mundial, tanto pelo que colocam nele como
pelo que nele compram. Esse é um dado novo que
não foi produzido pela crise nem apenas pelo tamanho de cada uma, mas sim pelas alterações produtivas e de concorrência que introduziram.
Portanto, na perspectiva de após crise vamos
assistir, de um lado, à contra-ofensiva da desregulação e do centro do sistema como clube o mais fechado possível; do outro lado, às iniciativas dos
grandes emergentes para abrir esse clube e à incógnita de como vão conduzir-se os demais.
África21– julho 2009
57
Por uma melhor eficiência
alimentar e energética
PAULO NOVAIS/LUSA
subnutrição
Os países africanos de língua portuguesa oferecem boas potencialidades na área das energias renováveis
A segurança alimentar constitui
uma componente chave
para o cumprimento dos Objectivos
de Desenvolvimento do Milénio
traçados pelas Nações Unidas,
designadamente o Objectivo Um,
a «Erradicação da Fome
e da Pobreza Absoluta»
João Carlos
58
julho 2009 –
África21
A
eficiência energética e alimentar ainda
está longe de ser uma realidade efectiva nos
países em desenvolvimento, nomeadamente em África, um continente rico em potencialidades. De acordo com a Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), só
em África vivem 24 milhões de pessoas em situação
de subnutrição.
Tomando apenas um exemplo, Moçambique
tem populações que vivem em estado de fome crónica, o que, segundo dados do Ministério da Agricultura, terá provocado entre Março de 2008 e o mês
homólogo deste ano a morte de mais de 100 pessoas. O Secretariado Técnico de Segurança Alimentar
e Nutricional (SETSAN) indica que 450 mil pessoas passam actualmente por uma situação de carência
alimentar no país. Aquelas pessoas sobrevivem graças ao apoio alimentar coordenado pelo Instituto
Nacional de Gestão de Calamidades e pelo Ministério da Agricultura moçambicano. A situação é mais
crítica nas províncias de Tete e Zambézia (Centro),
em Nampula (Norte), e ainda em Gaza e Maputo
(Sul). Uma das razões – além da subida a nível mundial do preço dos bens alimentares – prende-se com
a falta de reservas alimentares, devido à seca prolongada e às cheias cíclicas que atingem Moçambique.
Embora a produção mundial de alimentos tenha
vindo continuamente a superar a procura ao longo
dos últimos 50 anos, a insegurança alimentar persiste nos países em desenvolvimento. E quando o preço dos cerais subiu significativamente em 2007 e
2008, aumentou o número de pessoas malnutridas
no mundo, também com impacto na saúde pública.
Entre as causas então anunciadas que contribuíram para a crise alimentar, são de assinalar o aumento dos factores de produção e a seca nos países produtores de cereais como consequência das alterações
climáticas que afectou, por exemplo, o arroz na Austrália. Outra das causas teve a ver com a redução de
cereais armazenados em todo o mundo.
Necessidade de maior investimento
Na intervenção que fez na conferência, realizada em
meados de Junho último, em Lisboa, sobre «Cooperação num quadro internacional de desafio energético e alimentar», Ana Ribeiro, do Instituto de Investigação Científica Tropical, deu a conhecer as actividades que as instituições do ECART, da qual faz
parte o IICT, têm vindo a desenvolver, nomeadamente nas áreas da biotecnologia e das tecnologias
pós-colheitas. A apresentação, entre outras questões
consideradas pertinentes, focou as contribuições do
ECART (Consórcio Europeu para a Investigação
Agrícola Tropical, em português) e do IICT na área
da biossegurança e da produção, transformação e
conservação de produtos agrícolas.
Maria Otília Carvalho, da mesma instituição,
indicou as estratégias de protecção integrada no arroz para consumo. Outras intervenções enalteceram
contribuições para a segurança energética e alimentar, como a que foi feita por Cyrille Arnoud (do
Fundo para a Eficiência Energética Global e as Ener-
SOFID APOIA PROJECTOS VIÁVEIS
A SOFID (Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento) está disposta a financiar empresas portuguesas interessadas em actuar fora do espaço da OCDE, preferencialmente nos países lusófonos de África e no Brasil. A instituição de crédito maioritariamente estatal, com um capital de 12,5 milhões de euros (17,3 milhões de USD),
foi apresentada aos conferencistas pelo presidente da sua comissão executiva, Hélder
de Oliveira. «Viemos aqui apresentar esta instituição e os instrumentos que ela tem
para apoiar investimentos», disse à África21, referindo que os empresários portugueses podem contar com a SOFID, mas também com a cooperação de outras congéneres europeias no sentido de estudar os projectos, «desde que estes sejam económica
e financeiramente viáveis, mas também sustentáveis do ponto de vista ambiental».
São já cerca de uma centena de empresas portuguesas que têm contactos com
esta estrutura. Em conjunto com uma parceira europeia, uma missão da SOFID teve
a oportunidade de visitar os mercados mais conhecidos, designadamente Angola,
Moçambique e Cabo Verde, e discutir localmente com instituições financeiras e empresas os mecanismos mais adequados de apoio. As empresas devem ter a preocupação de dar resposta às estratégias de desenvolvimento dos países onde pretendem instalar os projectos. Os projectos elegíveis devem ser investimentos de raiz,
ampliações, reabilitações, modernização ou aquisição de activos, pelo que a intervenção da SOFID não deverá ascender os 2,5 milhões de euros (3,5 milhões de USD).
A SOFID (que integra a Associação das EDFI – European Developement Finance Institutions e cujo modelo existe em 16 países) foi criada em 2007 para apoiar o investimento bilateral entre os países europeus e os países fora da OCDE, em África,
Ásia e América Latina.
Além dos PALOP e do Brasil, outros mercados-alvo são a África subsariana e
árabe, a Índia e a China. A instituição, integrada por quatro bancos privados portugueses, conta com os contributos financeiros portugueses e da União Europeia, bem
como de institucionais de cooperação multilateral, como o Banco Africano de Desenvolvimento e da Sociedade Financeira Internacional. «São um conjunto de estruturas
que estão disponíveis para apoiar projectos que sejam efectivamente viáveis», afirmou Hélder de Oliveira. Uma oportunidade, concluiu, que os pequenos empresários
devem aproveitar para investir naqueles mercados.
gias Renováveis, ligado ao Grupo Banco Europeu de
Investimento). Ou ainda a comunicação de Jorge
Ferro Ribeiro (da Geocapital), a propósito dos bio‑
‑combustíveis e a sua sustentabilidade social, económica e ambiental.
Entre as intervenções foram realçados o contributo da ciência para o desenvolvimento e o seu impacto na actual crise, bem como a importância das
parcerias nestes dois domínios. É de sublinhar a cooperação entre o IICT e a Geocapital, que se pretende
alargada a outras entidades do espaço da geoeconomia lusófona, também no âmbito da criação do Centro Internacional de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico dedicado a biocombustíveis. Trata-se de um exemplo de parceria público-privada entre o Estado de Cabo Verde e a Geocapital.
“
Sem o apoio
dos governos
lusófonos
será difícil
implementar
qualquer dessas
propostas,
diz Braima
Camará
”
África21– julho 2009
59
NUNO VEIGA/LUSA
Os períodos de seca
prolongada em alguns
países e as cheias cíclicas,
como em Moçambique,
são factores inibidores
de uma maior produção
agrícola
Outro exemplo em si é esta conjugação de vontades entre o IICT, a Associação para o Desenvolvimento Económico e Cooperação (ELO) e o Conselho Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP), que permitiu na conferência realizada no Centro de Congressos de Lisboa,
reflectir sobre o papel da cooperação face à necessidade de se alcançar a eficiência energética e alimentar, com maior incidência nos países lusófonos.
Hélder Vaz, director-geral da CPLP, destacou no
encerramento do encontro a cooperação com a FAO
para o desenvolvimento rural, no âmbito de um programa de combate à desertificação, sublinhando a necessidade de um maior investimento nas áreas da eficiência energética e segurança alimentar. «Estamos
conscientes que muito ainda resta fazer para que estes
desafios possam assegurar melhores condições de
vida às nossas populações», reconheceu.
Estratégias concertadas
As várias instituições lusófonas manifestaram interesse em delinear e desenvolver estratégias concertadas,
de forma a fazer face às crises actuais, quer energética
e ambiental quer no domínio alimentar. Os países lusófonos, na sua maioria, são potencialmente agrícolas
e, na perspectiva de Braima Camará (presidente do
CE-CPLP) vai ser possível, com as ideias e propostas
apresentadas, minimizar os efeitos negativos da actual crise. Mas para as pôr em prática, considera fundamentais as parcerias público-privadas. «Sem o apoio
dos respectivos governos será difícil implementar
qualquer das propostas», alertou Camará, acolhendo
com agrado a postura da CPLP que assumiu tomar
uma decisão em relação a estas matérias na cimeira
dos ministros dos Negócios Estrangeiros, a ter lugar
na Cidade da Praia, em Cabo Verde.
60
julho 2009 –
África21
Para Murteira Nabo, da direcção do Conselho
Empresarial, este debate em Lisboa foi uma oportunidade para dar a conhecer a existência do CE-CPLP,
cuja função é promover as relações económicas e projectar a integração dos países lusófonos. Neste sentido,
disse que é preciso que o CE dê um salto, de modo a
produzir os resultados desejados. Daí a proposta de
criação de uma Confederação Empresarial do Espaço
da CPLP. «Achamos que é preciso uma estrutura
mais profissional e com mais instrumentos, focada em
objectivos bem claros», explicou à África21, «por forma a que os empresários possam ter condições de
competitividade nesses mercados semelhantes às que
têm os investidores dos outros países».
Murteira Nabo quer que a CPLP não tenha apenas uma abordagem virada para a promoção da Língua comum, mas focada sobretudo na componente
económica. Porque «em relação a outros países, Portugal tem vantagens comparativas naquilo a que eu chamo Atlântico Sul, com capacidade para poder desenvolver esses mercados». No sector energético, com ênfase para as energias renováveis, África apresenta soluções que passam por projectos locais, autonomizados,
cujo aproveitamento pode ser explorado com vantagens comparativas em termos de complementaridade
das economias, numa base multilateral e de igualdade.
O economista cinge-se em concreto às potencialidades
existentes em todos os países de língua portuguesa,
onde são abundantes o sol, o vento, as ondas e outras
fontes de energias novas. «Temos condições para vir a
ser um dos produtores de vanguarda na área das energias renováveis», admite Murteira Nabo. Mas falta espírito empresarial e investimentos, de modo a se promover uma actividade industrial que suporte uma estratégia global. Em conclusão, propõe uma atitude
muito mais ambiciosa para a longa trajectória de integração económica do espaço da lusofonia.
“
É preciso na CPLP
uma estrutura
mais profissional
e com mais
instrumentos, focada
em objectivos
bem claros, considera
Murteira Nabo
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África21– julho 2009
61
eleições EUROPEIAS
A esquerda? Anda
por aí, humilhada…
As eleições europeias de 7 de Junho provocaram
um forte abalo nos partidos socialistas.
Nos 27 países da União Europeia apenas na
Dinamarca e na Grécia saíram vencedores.
Ganharam os conservadores e, sobretudo,
as faixas radicais, tanto à esquerda como
à direita. Os eurocépticos também cresceram.
António Melo
O
abalo surgiu por causa da crise
financeira que desde Outubro de 2008
levou à falência bancos e empresas e ao
desemprego milhões de trabalhadores? Ou trata-se
de uma crise interna à social-democracia, que ainda
há dez anos era dominante na União Europeia
(UE)? Ou, mais banalmente, resume-se a um efeito
de pêndulo, ao fenómeno de alternância, característico das sociedades democráticas de mercado?
O diário espanhol Público fez uma vasta consulta
entre os intelectuais da esquerda e expôs as suas ideias
na edição de 13/6/09. O mais contundente foi o Nobel português, José Saramago (86 anos), que sintetizou assim a sua posição: «Perguntam-me com frequência por onde anda a esquerda. Já tenho a resposta: anda por aí, humilhada». Com uma ironia ácida
felicita os que defendiam «a genialidade táctica, de
uma modernidade imparável» de uma rota para o
centro. Para concluir, cáustico: «Não é possível votar
à esquerda se a esquerda deixou de existir».
As opiniões dos 14 intelectuais auscultados
pelo jornal madrileno vão da esquerda libertária e
alterno-mundista, como é o caso do humorista
francês Siné (83 anos) e da filósofa Susan George
(75 anos), ao moralismo dos enciclopedistas do
século XVIII, ilustrado pelo pensador espanhol
Vidal-Beneyto (82 anos).
62
julho 2009 –
África21
264
80
53
EPP
ALDE
GREENS/EFA
161
PES
32
GUE/NGL
Não se pense, primeiro aviso, que se trata de
uma assembleia de anciãos, com um olhar nostálgico sobre as suas utopias de juventude. Há uma ra­
zoá­vel repartição de idades entre os 40 e os 80 anos.
Nem todos fazem o diagnóstico céptico de Saramago, mas é nos escalões superiores que o sarcasmo
mais se faz sentir. O espanhol de origem basca Carlos París (84) diz que «a esquerda padece do síndroma de Estocolmo», ou seja a pessoa refém fica afectivamente dominada pelo sequestrador. Siné, admitindo a sua constante infidelidade em termos partidários, desabafa deste modo: «Eu sempre votei à esquerda (…) dei muitas reviravoltas, desde votar em
partidos ultra-minoritários até ao voto em François
Mitterrand [mas] agora sinto-me deprimido por
completo. Quando se vê o Novo Partido Anti-capitalista [saído da matriz trotskista] recusar uma frente
comum de esquerda… Só podes ficar desanimado!»
O tom crítico é geral, mas não a tónica pessimista. Philip Pettit, um irlandês de 64 anos que o jornal
aponta como uma das referências ideológicas de Zapatero, primeiro-ministro espanhol, afasta a hipótese da revisão radical e propõe uma desideologização
terminológica, a começar pela denominação social‑democrata. Devido à carga ideológica os partidos
de centro-direita acabam muitas vezes por fazer
alianças com a extrema-direita, o mesmo se passando
GRUPOS PARLAMENTARES
GUE/NGL: Extrema-esquerda
PES: Socialistas
GREENS/EFA: Verdes
ALDE: Liberais
EPP: Democratas-cristãos
e Sociais-democratas
UEN: Eurocépticos
IND/DEM: Extrema-direita
“
O antigo debate
político foi substituído
pelo linguajar
económico
”
736
LUGARES
UEN
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35
IND/DEM
93
Outros
O novo
Parlamento Europeu
“
A história volta
a oscilar em torno
do humanismo
renascentista
”
digiscript
Número de lugares por grupo parlamentar
larga reputação nos meios académicos, coincide
com Pettit, mas apenas num ponto – desapareceu a
«visão coerente». Considera que desde a queda do
muro de Berlim, em 1989, já passou tempo suficiente para a esquerda deixar de estar na defensiva,
permitindo à direita a iniciativa: «A esquerda política esteve na defensiva devido ao descrédito da grande narrativa socialista de um século. A iniciativa política foi deixada à direita (…) e aos economistas,
porque o antigo debate político foi substituído pelo
linguajar económico».
Neste debate académico das grandes ideias a
nota dissonante vem da directora do L’Unitá, outrora o jornal oficial do Partido Comunista Italiano,
Concita de Gregorio (46 anos), que remete o assunto para a realidade da pressão imigrante: «Neste momento histórico, a direita na Europa está a ter muito
digiscript
com o centro-esquerda e a extrema-esquerda. O paradigma norte-americano, na versão Obama, tem a
sua simpatia e nessa linha avança com o conceito de
«republicanismo cívico», que «equivale ao socialismo constitucional», mas por vias conceptuais muito
próprias. O ponto de partida é a exaltação do livre
direito de escolha: «a liberdade é o principal valor
em política». A conjugação deste princípio com o do
Estado leva a que este, enquanto administração, garante que todos os cidadãos possam assumir «sem
ser dominados por outros as decisões básicas da sua
vida». Tony Judt, o historiador inglês de 61 anos e
O mapa dos países
dirigidos por governos
de esquerda mudou
radicalmente no último
decénio
FRANÇA
ITÁLIA
África21– julho 2009
63
benoit doppagne/LUSA
êxito principalmente devido ao medo da imigração e
da pobreza».
O segundo triunfo de Cohn-Bendit
A visão alternativa a Philip Pettit irrompeu dos Verdes,
em França, conduzidos desta vez pelo sempre-em-pé
Daniel Cohn-Bendit, a figura mítica do Maio de
1968. Além de conseguir federar o movimento ecologista francês, Cohn-Bendit pô-lo à beira de ser a segunda força política do país, a uma unha negra do PS
(16,5% contra 16,3%) e relegando para trás o centro
de François Bayrou (8,5%). Em França, convém dizê‑lo, continua a liderar a frente gaulista, mesmo se agora sob as vestes pós-modernas de Sarkozy (27,9%).
O triunfo de Cohn-Bendit mereceu-lhe a capa
do semanário Le Nouvel Observateur (11/6/09), que
titulou A pedrada Cohn-Bendit (Le Pavé). As razões
para celebrar esta vitória são três. Primeiro, os Verdes
da Alemanha e da França estão agora na mesma plataforma, ou seja, são partidos de Governo. Segundo,
obtiveram essa posição conquistando-a maioritariamente aos partidos socialistas, mas, sobretudo nas
camadas jovens, também aos partidos tradicionais
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julho 2009 –
África21
O SENHOR QUE SE SEGUE? DURÃO BARROSO
O actual presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso (n. 1956), é, previsivelmente, o seu próprio sucessor. O Conselho Europeu, instância máxima da UE, que
se reuniu a 17/18 de Junho para analisar os resultados das eleições e pôs na agenda
a designação do presidente da Comissão, pronunciou-se por unanimidade pela continuidade de Barroso. A decisão final deve surgir a 15 de Julho, em votação no Parlamento Europeu, mas também pode ser adiada para Outubro, após o referendo irlandês ao Tratado de Lisboa. Para entender este puzzle é preciso conhecer as regras institucionais da UE, sem esquecer que as decisões que se tomam dentro destas instituições são políticas e não meramente administrativas.
Por ordem, temos o Conselho Europeu, que agrupa os chefes de Estado e os de
Governo e é o órgão máximo de decisão política. A par, há o Parlamento Europeu, que
acaba de ser eleito, com os seus 736 deputados. Encontra-se numa situação de alta
tensão. Se em Outubro os irlandeses votarem sim ao Tratado de Lisboa assume de
imediato poderes de proposta de nomeação de candidatos para presidente da Comissão Europeia, função que o Tratado de Nice, ainda em vigor, apenas concede ao Conselho Europeu.
Em conclusão, se a eleição for já em 15 de Julho, só há um candidato – José
Manuel Barroso. Mas se o Parlamento decidir proceder à votação apenas depois do
referendo irlandês e se o resultado deste for sim, então, como proclama Cohn-Bendit,
já podem surgir outros candidatos, dado que os grupos parlamentares têm a possibilidade de avançar com nomes alternativos. Os poderes do presidente da Comissão
Europeia são significativos. Cabe-lhe escolher os restantes membros, depois de auscultação da Comissão Europeia e dos grupos parlamentares e é, por enquanto, o representante da UE em todas as reuniões internacionais.
da direita. Terceiro, têm uma base programática de
explicação fácil e franca adesão social. Têm, sobretudo,
pensadores em vez de publicitários, o que lhes permite ter uma visão histórica. No Nouvel Obs, atrás
citado, dizia-se, preto no branco, que com Conh‑Bendit o movimento ecologista seguia a teoria
gramsciana da homogeneidade cultural. Quer dizer
que o equivalente à força social do movimento operário do virar do século XX é, na nossa actualidade,
o movimento ecologista. Conseguiu tornar-se o
modo deste nosso tempo e, segundo Gramsci, a formação política que souber incorporar os valores difusos mas dominantes da sua época definirá qual o
sentido do tempo social desse século.
Uma achega oportuna a este debate foi dada pelo
reputado historiador Eric Hobsbawm (n. 1917), precisamente no número anterior deste hebdomadário
francês (4/6/09). Ele recolocou a oportunidade do
pensamento de Karl Marx (1818-1883) – de que
Gramsci (1891-1937) é um inspirado seguidor – no
tempo actual e, sobretudo, chamou a atenção para
que «foram, paradoxalmente, certos homens de negócios quem, no fim do passado século e aquando da
crise económica asiática e russa dos anos 1997-98»
(…) «redescobriram a pertinência de Marx». Em síntese: «Marx compreendeu algo que os economistas
convencionais negligenciaram: o capitalismo é um
sistema que evolui de uma maneira instável, através
de crises. No decorrer dessas crises, processa-se, de
tempos em tempos, uma reestruturação do sistema».
Em conclusão, a análise da história volta a oscilar
em torno do humanismo renascentista e do seu corolário mercantilista: progresso social ou capitalista.
Uma crónica de Mónica Ameixeiras, jornalista
de El Periodico de Catalunya e retomada pelo Diário
de Notícias (20/6/09) diz que os resultados das eleições europeias de 7 de Junho cabem numa frase:
«Diversos politólogos e intelectuais europeus concordam que o fracasso da social-democracia europeia se deve ao facto de ser uma cópia da direita e,
em última análise, os eleitores preferirem o original»
Para sustentar esta conclusão, cita uma recente
mega sondagem junto dos cidadãos da UE que revela que «72% considera que as desigualdades sociais
são demasiado profundas; 78% acredita que a riqueza dos mais ricos é excessiva; 62% defende a expansão
dos direitos laborais e sociais, universalizando-os».
África21– julho 2009
65
gabão
Requiem
para um dinossauro
A morte do Presidente Omar Bongo abre uma crise
de sucessão difícil no Gabão e na África Central
e Ocidental, onde o decano dos chefes de Estado
ocupava um lugar de destaque, sem relação
com as dimensões e o peso económico do país
Nicole Guardiola
M
muitos gaboneses choraram
sinceramente o desaparecimento
do seu «yaya» (papá) Bongo» falecido oficialmente a 10 de Junho numa clínica de
Barcelona, aos 73 anos.
A esmagadora maioria nunca conheceu outro
chefe de Estado, e todos estavam de tal forma habituados à sua tutelar omnipresença que o sentimento de orfandade não está isento de apreensão
em relação ao futuro.
Como sobreviverá o Gabão à morte do seu
fundador? A pergunta estava também nas cabeças
dos quinze chefes de Estado e das delegações estrangeiras que se deslocaram a Libreville para as
exéquias do «velho sábio».
A França, antiga potência colonizadora, esteve representada pelo Presidente Nicolas Sarkozy
e pelo ex-Presidente Jacques Chirac, e o exemplo
foi seguido por muitos dos chefes de Estado dos
países africanos vizinhos, que se fizeram acompanhar pelos seus antecessores na última homenagem a um velho amigo, com o qual todos tinham
uma dívida de gratidão.
O Presidente Laurent Gbagbo fez votos para
que os gaboneses encontrem a maneira de preservar a unidade e a estabilidade de que gozaram du-
66
julho 2009 –
África21
Omar Bongo e esposa Edith durante a campanha eleitoral de 1998
rante cerca de meio século, poupando ao Gabão
as rivalidades políticas que dilaceraram a Costa
de Marfim após a morte de Félix Houphouet‑Boigny, em 1993, e que levaram à guerra civil e
à ruína económica.
Mas enquanto a oposição no exílio e organizações da sociedade civil exigem o fim imediato
da «democratura» os analistas mais pessimistas –
ou mais realistas – estimam que o Gabão dificilmente escapará a uma crise parecida com a que
conheceu o Togo após a morte de Ngassingbe
Eyadema em 1993, ou a Guiné Conacri após o
desaparecimento de Lansana Conté, em Dezembro 2008.
No Togo, o filho do falecido, Faure Gnassingbé, acabou por conquistar nas urnas o lugar que
o pai tinha ocupado durante 26 anos, mas a violência pós-eleitoral fez pelo menos 500 mortos.
Na Guiné Conacri, um golpe de Estado levado a
cabo por oficiais subalternos impediu a cúpula
do regime Conté de se apoderar do poder, colocando no seu lugar uma Junta militar presidida
pelo capitão Moussa Dadis Camara.
Em todo o caso, os dirigentes de Libreville
parecem determinados a evitar a repetição dos
erros cometidos pelos herdeiros putativos de
“
Nenhum outro
líder africano
levou tão longe
o açambarcamento
dos meios
de controlo
sobre a sociedade
”
JEAN-PHILIPPE KSIAZEK/AFP
Eyadema e Conté e a respeitar escrupulosamente
a Constituição.
Rose Francine Rogombé, presidente do Senado, tomou posse como Presidente interina e
reconduziu nos cargos respectivos o vice-presidente Didjob Divungi di Ndingi e o primeiroministro Jean Eyegue Ndong, que lhe apresentaram a sua demissão, como manda a Constituição.
As primeiras divergências surgiram a propósito da marcação da data das eleições presidenciais.
Consultadas por Rose Rogombé, todas as forças
políticas reconheceram que o prazo constitucional de 45 dias era demasiado curto, mas enquanto o Partido Democrático Gabonês, no poder,
quer que o escrutínio se realize o mais rapidamente possível, os principais partidos da oposição defendem que as eleições não poderão ser
transparentes e credíveis sem um novo recenseamento eleitoral e a distribuição de cartões de eleitores biométricos, operações que podem obrigar
a um adiamento de cinco a seis meses.
Mais ameaçadoras para a estabilidade do regime são as vozes que começaram a levantar-se, no
seu seio, para defender a necessidade de «virar a
página» e colocar um ponto final na «era Bongo».
O diário governamental L´Union foi o primeiro
a introduzir uma nota discordante no coro dos
elogios fúnebres com um artigo apelando ao
rompimento «com um modo de gestão que prejudicou demasiado tempo a sociedade gabonesa
no seu conjunto».
Para o politólogo francês Jean-François
Obiang o Gabão «já entrou na era pós-Bongo e
começou a sair do sistema de amplo consenso
criado pelo Presidente à volta da sua pessoa». Alguns analistas estimam que as divisões começaram muito antes da morte do patriarca e afectam
a família mais chegada, com o filho primogénito
Ali como cabeça de lista dos «reformadores» e a
filha predilecta, Pascaline, no papel de guardiã da
ortodoxia e tesoureira-mor do clã.
Com efeito, para os Bongo o poder é um negócio de família e Omar Bongo colocou membros da sua numerosa progenitura (teve cerca de
setenta filhos, de dezenas de mulheres) em todos
os postos-chaves do Estado e da economia. Nenhum outro líder africano levou tão longe o
açambarcamento de todos os meios de controlo
sobre a sociedade e a asfixia de toda a forma de
oposição.
O segredo da longevidade política de Omar
Bongo foi sem dúvida a sua capacidade para levar os seus adversários e inimigos a colaborar
com ele. Só esteve seriamente ameaçado em
duas ocasiões: em 1989, quando enfrentou duas
tentativas de golpes de Estado, seguidas de violentas greves e manifestações que o obrigaram a
pôr fim ao regime de partido único e aceitar reformas democráticas; e depois das eleições presidenciais de Dezembro de 1993, quando a oposição se recusou a aceitar os resultados, acusando
o regime de fraude. Por cálculo e feitio, Bongo
sempre preferiu o dinheiro à kalashnikov para
vergar os seus adversários e recorreu sem limites
à receita petrolífera para recompensar amigos e
leais servidores.
É acusado (sem provas) de ter sido o inventor
do sistema das retro-comissões, que permitia a
ELF e outras grandes empresas francesas de recuperar uma parte das «comissões» supostamente
GABÃO: BI
República do Gabão
Capital: Libreville
População: 1 383 000
PIB per capita: 7858 USD
Esperança de vida: 69 anos
Alfabetização: 95%
Acesso à água potável: 86%
Principais produções:
Petróleo: 14,8 milhóes de barris
Manganésio: 3,5 milhões
de toneladas
Madeira: 2,6 milhões de m3
Principais parceiros comerciais:
EUA, França, China
Fonte: BAD, 2007
África21– julho 2009
67
DESIREY MINKOH/AFP
Manifestação contra o regime na Universidade de Liberville, em Dezembro de 2003
pagas ao Presidente gabonês para alimentar um
enorme «saco azul» escondido em paraísos fiscais,
que todos os Governos da V República francesa,
tanto de esquerda como de direita, utilizaram
para corromper dirigentes de países terceiros e
conquistar mercados. Mas era frequentemente o
próprio Bongo que assinava os cheques ou enviava malas cheias de notas para financiar as campanhas eleitorais dos seus «amigos» franceses ou
africanos.
A oposição gabonesa acusa-o de ter sido um
«agente dos interesses franceses» e de ter dilapidado riquezas que pertenciam aos gaboneses
para satisfazer os apetites da antiga potência colonial e amealhar uma imensa fortuna pessoal,
acusações retomadas e ampliadas pela imprensa
e ONG ocidentais. Três destas ONG – as associações Survie e Sherpa e a Federação dos Congoleses da Diáspora – conseguiram recentemente de um tribunal francês a abertura de uma investigação judiciária contra os Presidentes do
Gabão, do Congo e da Guiné Equatorial, acusados de desvios de fundos públicos e enriquecimento ilícito.
68
julho 2009 –
África21
Para muitos analistas, a morte de Bongo marca o fim de uma era na África Ocidental e Central e significa um golpe severo na influência
francesa em ambas as regiões. Um a um, os Estados que faziam parte do «Pré Carré» (quintal)
francês em África afrouxam os laços com a antiga
metrópole e estreitam as relações com os Estados
Unidos, China e Índia. Por isso, Paris acompanha com alguma ansiedade a transição gabonesa.
Até ao fim de Junho, o único candidato declarado era Daniel Mengara, residente nos Estados Unidos e líder de um movimento da diáspora com um nome apelativo: BDP-GN (Bongo
Deve Partir-Gabão Novo)
Os «pesos pesados» ainda contavam as espingardas, aparentemente convencidos de que o menor erro táctico podia arruinar as suas hipóteses e
já Ali Ben Bongo (50 anos), actual ministro da
Defesa e vice-presidente do PDG, era dado como
favorito. Mas outros membros do clã podem
atravessar-se no seu caminho, a começar pela sua
irmã Pascaline. Se os gaboneses não estão ainda
preparados em eleger uma mulher para a chefia
do Estado, Pascaline pode usar da sua enorme
“
Era frequente
o próprio Bongo
assinar cheques
ou enviar malas
cheias de notas
para financiar
as campanhas
eleitorais dos seus
amigos franceses
ou africanos
”
OLIVER WEIKEN/LUSA
digiscript
influência para favorecer a candidatura do seu actual marido, Paul Toungui, ministro dos Negócios Estrangeiros, ou do anterior Jean Ping, presidente da Comissão da União Africana, conhecido em Libreville como «O senhor ex-genro». O
primeiro-ministro Eyeghe Ndong e o ministro
de Estado, das Minas e do Petróleo, Casimir Oyé
Mba, não são ainda cartas fora do baralho.
A confusão é ainda maior para os lados da
oposição, desmoralizada e dividida. Pierre Mamboundou, líder da União do Povo Gabonês
(UPG), segundo candidato mais votado nas anteriores eleições presidenciais, com 13,6 % dos votos, considera que tem as melhores possibilidades
de levar a oposição à vitória e que o PDG já começou a implodir. O seu grande rival é Zacharie
Myboto, um ex-primeiro-ministro que abandonou o PDG em 2005 para criar o seu próprio partido, a União para a Democracia e o Desenvolvimento (UPDD) e se candidatar à Presidência,
mas é ainda visto como um homem do sistema,
que abandonou o barco com os bolsos cheios. O
Padre Paul Mba Albessol, opositor histórico que
ganhou a Câmara de Libreville para a Oposição
na década de 90, poderia ter agora uma segunda
oportunidade se não se tivesse entretanto reconciliado com Omar Bongo e aceite o lugar de viceprimeiro-ministro que ocupa actualmente.
Seja qual for o eleito, a tarefa do próximo
presidente gabonês será ciclópica, porque a crise
mundial golpeou duramente a economia gabonesa, agravando as desigualdades sociais e os efeitos negativos de 40 anos de políticas exclusivamente baseadas nas exportações de petróleo e
madeira e no abandono da agricultura e das pescas. O outrora brilhante emirado do Golfo da
Guiné, com apenas 1,3 milhões de habitantes
para um território equivalente ao da Itália, é ainda um dos países africanos com o mais alto PIB
per capita, mas mais de metade dos seus habitantes vivem na miséria, e as infra-estruturas e os serviços públicos estão em ruínas.
GABÃO
Omar Bongo numa das suas
frequentes visitas a França,
em Novembro de 2006
África21– julho 2009
69
ÁGUAS CORRENTES
CORSINO TOLENTINO
O voto da decência
N
a véspera do dia de Portugal,
de Camões e das Comunidades, o Presidente Cavaco Silva
quis dar um exemplo de decência vetando
o décimo diploma desde o início das suas
funções, em Março de 2006. O PR devolveu a nova Lei do financiamento dos partidos políticos ao Parlamento com um
grande número de argumentos de natureza política, económica e ética, dos quais
sublinho: (i) o diploma aumenta os limites
do financiamento privado, sem diminuir
os montantes do financiamento público;
(ii) adopta um regime de financiamento
tendencialmente público, do qual resultam especiais encargos para o orçamento
do Estado e, por conseguinte, para os contribuintes; (iii) não estabelece os mecanismos de controlo para assegurar a transparência do financiamento privado; (iv) é
inoportuno na presente crise económica,
financeira e social.
Quem está atento aos processos de
caça ao voto como a via mais legítima de
conquistar e conservar o poder percebe facilmente as razões do PR português e, se
for sensível às questões económicas e sociais, tenderá a manifestar-lhe solidariedade. Estamos a falar de uma Lei aprovada
com os votos favoráveis de todos os deputados de todos os partidos representados
na Assembleia da República, com a excepção de José António Seguro, do Partido
Socialista, o qual, certamente sem conhecer os desígnios do PR, teve a suprema coragem de se levantar sozinho no hemiciclo
de São Bento para dizer NÃO.
Por exemplo em Cabo Verde, onde a
democracia e a liberdade andam menos‑mal, sempre me impressionou o contraste entre, por um lado, a enorme dificuldade que os representantes do povo encontram na construção de consensos sobre
políticas públicas, tais como os programas
de investimento, as infra-estruturas vitais,
o Serviço Nacional de Saúde, a educação e
o financiamento da previdência social e,
por outro lado, a frequente unanimidade
na aprovação do estatuto dos deputados
ou do orçamento da Assembleia Nacional.
A pergunta é até que ponto o sistema democrático impede a confusão dos interesses dos representantes com os interesses
dos representados?
Esta interrogação é ao mesmo tempo
um convite para revisitar os princípios
fundamentais da democracia e os seus
principais ingredientes. O controlo popular dos processos de decisão colectiva e a
igualdade de direitos no exercício deste
poder de controlo são as duas pedras angulares da definição e, quando da nação se
trata, a junção sempre imperfeita destes
princípios só é possível nos sistemas representativos capazes de integrar no dia-a-dia
quatro componentes indissociáveis: o respeito escrupuloso dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais; as eleições
previsíveis, livres e justas; o governo responsável, firme e transparente; a sociedade
civil informada e atenta.
Não se pode afirmar com justeza que
em Portugal estes princípios não são respeitados ou estes ingredientes não existem.
“
O governo democrático
é aquele que maior
probabilidade tem
de tratar os cidadãos
por igual
”
Então, qual é o problema? Já no século
XVIII Jean-Jacques Rousseau justificava a
sua desconfiança em relação ao sistema representativo enquanto sucedâneo da democracia directa com a afirmação de que,
uma vez eleitos, os legisladores tendem a
criar uma classe especial de privilegiados
com valores e interesses diferentes dos valores e interesses dos seus eleitores. Nesta
perspectiva radical, mas perto da realidade
de vários países, os cidadãos seriam livres
um dia de quando em vez, precisamente
quando elegem os seus representantes.
O certo é que, apesar de todas as imperfeições, o governo democrático é hoje
em dia aquele que maior probabilidade
tem de tratar os cidadãos por igual, satisfazer as necessidades fundamentais de todos,
resolver os conflitos através do diálogo e
do compromisso e, enfim, proteger os direitos humanos e as liberdades. O veto do
PR situa-se entre o ideal da democracia directa e a razão pragmática da democracia
representativa. Ou seja, entre a legitimidade do parlamento e a possibilidade de a decisão da maioria não ser democrática, prevaleça o saudável princípio do check and
balance. Foi um belo exemplo de decência
presidencial.
África21– julho 2009
71
GABÃO
Órfão
de Omar
Bango
CABO VERDE
A riqueza
do um património
desconhecido
SUBNUTRIÇÃO
Para uma melhor
eficiência alimentar
e energética
INFORMAÇÃO, ECONOMIA E ANÁLISE
Nº 31 - juLhO 2009 – 350 Kz / 4 uSD / 3,5 €
ANGOLA
Contra a crise
crescer
crescer,
Contrariando as previsões das organizações económicas internacionais,
o Governo diz que o país vai crescer 6% em 2009.
Mas é preciso esperar para ver.
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julho 2009 –
África21
ENSAIO
O «Fundo Soberano»
da Finlândia
[email protected]
A Noruega tem petróleo e administra-o, sabiamente, em nome
das gerações futuras, através do State Petroleum Fund.
É a experiência mais bem sucedida com fundos petrolíferos.
A Finlândia não tem Fundo Soberano constituído na base
de recursos naturais não renováveis. O que este país tem
é um tremendo Fundo Soberano de Recursos Humanos.
D
efinitivamente, quanto mais leio sobre a economia
e sociedade dos países escandinavos, mais rendido
fico aos seus modelos e às suas práticas de cidadania.
A cidadania está para além da democracia e tem como valor supremo o respeito pela dignidade humana.
Quando a reprovação moral da comunidade exerce efeitos
muito mais dissuasores do que a sanção jurídica, então essa sociedade atingiu um patamar elevado de organização social. As pessoas têm de se sentir bem, o que é determinante para o desenvolvimento económico, pela simples razão de que os incrementos de
produtividade surgem naturais e intrínsecos ao próprio modo de
se trabalhar.
Dir-me-ão não ser nada do outro mundo quando os países
são ricos e desenvolvidos. Seguramente. Mas este equilíbrio na
distribuição de cidadania só acontece porque, também, na mesma
proporção, se realiza o equilíbrio na distribuição do rendimento.
Que tem como base determinante o trabalho, a competência e o
mérito com que é realizado e não outras formas de acesso a bens e
dinheiro.
Dois casos exemplares
A Noruega e a Finlândia são os países mais equilibrados do mundo, onde o Índice de Gini é o mais baixo. São, talvez por isso mesmo, os mais desenvolvidos, com os mais elevados Índices de Desenvolvimento Humano.
Alves da Rocha
A Noruega só há cerca de 100 anos se tornou independente da
Suécia e, neste ínterim, alcandorou-se ao primeiro lugar do desenvolvimento humano. A Noruega tem petróleo e administra-o,
sabiamente, em nome das gerações futuras, através do State Petroleum Fund, de onde o Orçamento retira, tão-somente, 5%, para
cobrir as suas tremendas despesas sociais. É a experiência mais bem
sucedida com fundos petrolíferos, por causa da cidadania, que não
existe sem transparência, boa governação e ausência de corrupção.
A gestão deste Fundo é feita duma forma completamente autónoma da política orçamental e da política monetária. O que se
pretende é capitalizá-lo, ao máximo, para que as gerações futuras
tenham condições de vida comparáveis às das gerações presentes.
Não se exerce a gestão do Fundo Soberano com a intenção de
compartilhar poder ou exercê-lo por vias indirectas. Tudo porque
a cidadania assim o determina.
A Finlândia não tem Fundo Soberano constituído na base de
recursos naturais não renováveis. Daí o ter intercalado com aspas o
título da minha reflexão. O que este país tem – de resto, à semelhança de todos os escandinavos – é um tremendo Fundo Soberano de Recursos Humanos.
O sistema de educação da Finlândia é fantástico, tendo possibilitado que, em menos de 40 anos, o país diversificasse a estrutura
produtiva interna, tornasse mais competitiva a componente exportadora da sua economia e qualificasse os seus recursos humanos.
Com efeito, em meados da década de sessenta do século passado, 55% do Produto Interno Bruto do país era constituído pela exÁfrica21– julho 2009
73
leit-motiv
foi a cidadania
”
ploração das florestas, sob a forma de pasta de papel, de papel e derivados. No final de 2008, este sector de actividade diversificou-se
e a área de serviços passou a assumir o fundamental da estrutura
económica da Finlândia.
No sector terciário destacam-se as tecnologias de informação e
comunicação e as actividades de pesquisa e inovação relacionadas,
sobretudo, com o aproveitamento, sustentável, das florestas finlandesas, um dos seus principais recursos naturais. A Nokia simboliza
a força e a profundidade destas transformações: de simples empresa que fabricava papel e botas de borracha, passou a líder na produção mundial de celulares, com 40% do mercado global.
Educação, a chave
O sistema de educação esteve na base deste admirável desenvolvimento. O ensino fundamental absorve praticamente 6% do PIB e
encontra-se organizado duma forma extraordinariamente eficiente.
Os professores, para sê-lo, têm de ter o grau de mestre em ciências
da educação e devem dividir o seu tempo profissional em actividades de ensino, reciclagem e formação permanente, envolvimento
comunitário e pesquisa. Cada professor tem a seu cargo turmas de
16 alunos, a quem ensinam as disciplinas curriculares – cujos programas são discutidos com os pais, os representantes do Ministério
da Educação e os representantes da comunidade e dos estudantes
– música, artes, cultura, ecologia e recreação.
O domínio do conhecimento mais curioso leccionado às
crianças é economia doméstica, compreendendo-se que a gestão
destes importantes assuntos dum país começa a aprender-se tendo
como referência a célula familiar. O tempo diário dedicado a estas
actividades, por alunos e professores, é de cerca de sete horas, sen-
74
julho 2009 –
DR
“
Não foi pelo salário
que se construiu
o fantástico Sistema
Nacional de Educação
finlandês, o verdadeiro
África21
do, provavelmente, devido a esta dedicação que as taxas de repetência quase não existem. Os professores estão «proibidos» pelos
valores de cidadania a deixar à sua sorte os alunos menos talentosos. Sessões especiais de atendimento desta franja da população estudantil são programadas sempre que se revelarem necessárias.
O salário líquido médio anual de cada professor é de cerca de
32 mil dólares, qualquer coisa como 2700 dólares mensais. Portanto, não foi pelo salário que se construiu o fantástico Sistema
Nacional de Educação finlandês. O verdadeiro leit-motiv foi a cidadania, o respeito pelo semelhante, o reconhecimento social do
mérito e os valores morais e éticos da comunidade.
A educação de qualidade foi essencial para esta viragem, realizada em menos de 50 anos. A mão-de-obra qualificada permitiu
que a electrónica substituísse a madeira e o papel como principais
produtos de exportação. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento colocam a Finlândia em terceiro lugar no ranking mundial. Muitos anos, muitíssimos mesmo, vão ser necessários para se
encontrarem, em África, países como a Noruega e a Finlândia.
Algumas das mais «velhas» independências da África subsariana comemoraram, em 2007, 50 anos de idade, sem que, por isso,
tenham conseguido resolver problemas básicos e essenciais. Por
exemplo, a habitação continua a ser um dos problemas sociais mais
graves de África e uma das fontes das dramáticas injustiças e desigualdades pessoais.
A África do Sul, a economia mais poderosa do continente, não
conseguiu, entre 1994 e 2008, construir senão 1970 mil casas, apresentando as suas maiores cidades défices permanentes de habitação
condigna. Apesar da África do Sul ser o único país africano onde o
direito à habitação está consagrado constitucionalmente, enormes
dificuldades se têm colocado à mitigação deste flagelo social.
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PorÊumaÊcidadeÊlimpa
O Processo de crescimento das cidades, ocasionou o aumento da população e fatalmente aumentou os problemas relacionados com a limpeza
urbana, como tal, é necessário a tomada de medidas visando dar destino
correcto e seguro aos resíduos sólidos gerados nas cidades.
Temos como objectivo oferecer à municipalidade, serviços especializados
em recolha e transporte de resíduos sólidos domiciliares. Em 2002 surge
uma divisão da empresa Rangol, Sociedade de Investimento de Angola,
Lda., empresa fundada em 1990 pelo Sr. Carlos Vasco Montez, inicialmente
Rua Eugénio de Castro, 43 - Vila Alice • Luanda - Angola
Tel +24476
222 323
786 2009
• Fax +244
222 323
julho
– África
21686 • [email protected]
angol
Sociedade de Investimento de Angola, Lda.
voltada para as seguintes áreas: comercialização de veículos, rent-a-car e
prestações de serviços.
Com base numa política de diversificação das suas actividades a Rangol,
expandiu os seus serviços, incluindo a recolha domiciliar, a limpeza manual
e mecanizada de vias e logradouros públicos, e a limpeza de valas e fossas
sépticas.
crónica DA TERRA
fernando pacheco
O futuro da agricultura angolana
e o conhecimento científico
A ciência e a investigação têm sido tratadas como parentes pobres desde
a nossa independência. As políticas públicas e as opções do desenvolvimento
são traçadas com enorme desprezo pelo conhecimento científico. O mesmo
acontece com a agricultura, essa estranhamente desconhecida.
Lamentavelmente, é forçoso dizê-lo, os economistas angolanos – salvo uma
ou outra excepção – contribuem muito para esse esquecimento.
O
Centro De Estudos E Investigação Científica
(CEIC) da Universidade Católica de Angola, a
mais dinâmica instituição angolana de pesquisa da
actualidade, apresentou recentemente o seu Relatório Económico relativo ao ano de 2008. Os amantes do conhecimento
reconhecem desde há muito a qualidade do trabalho produzido pelo Centro, traduzido em rigor e independência, como
fica bem a qualquer instituição científica. Hoje, o Relatório
Económico é uma referência incontornável para quem procure conhecer ou analisar a economia do nosso país e constitui
um orgulho para a comunidade científica angolana.
Colaboro desde há três anos na elaboração do Relatório
na parte que se refere à agricultura. Faço-o pelo prazer que
me dá o trabalho com uma equipa de excelente qualidade,
para contribuir, na medida das minhas possibilidades, para a
melhoria do conhecimento sobre a agricultura angolana, e
para procurar influenciar as políticas públicas num domínio
tão esquecido. Procuro também, desse modo, facilitar ligações entre o mundo rural com as suas dinâmicas comunitárias e o mundo da ciência, um dos nós que estrangulam o conhecimento.
Por razões que a razão bem conhece, pois o petróleo, de
modo aparente, resolve «tudo», a ciência e a investigação têm
sido tratadas como parentes pobres desde a nossa indepen­
dência. As políticas públicas e as opções do desenvolvimento
são traçadas com enorme desprezo pelo conhecimento científico. Uma análise comparativa dos recursos atribuídos, incluindo o tempo dos mais altos dirigentes, a eventos desportivos e
culturais – muitos deles de qualidade duvidosa – e à pesquisa
e ao ensino universitário, traduz-se numa copiosa derrota para
estes últimos.
O mesmo acontece com a agricultura, essa estranhamente
desconhecida. Lamentavelmente, é forçoso dizê-lo, os economistas angolanos – salvo uma ou outra excepção – contribuem
muito para esse esquecimento. Daí as penosas dificuldades
porque passam quantos pretendem analisar de modo mais
profundo as relações da agricultura com os restantes sectores
da economia nacional na perspectiva de um modelo de desenvolvimento sustentável para o país.
Debate ignorado
Quando acontece mais um aniversário da partida do economista moçambicano José Negrão, que dedicou o seu notável
saber, como nenhum outro africano de língua portuguesa, a
tais relações, sinto que uma forma de homenagear a sua memória será publicitar o seu fértil pensamento. Por isso socorrime da análise de Negrão para, nos últimos relatórios económicos, tentar elevar o nível de análise e de debate sobre a agricultura angolana.
Angola mantém-se à margem do conhecimento e do debate internacional sobre o dualismo da agricultura, um mal herdado do colonialismo e que raros países africanos ousaram enfrentar. No final do século XX começou a verificar-se uma
ruptura epistemológica no domínio da produção teórica sobre
o desenvolvimento.
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De acordo com Negrão, os velhos paradigmas (modernização, pobreza, dependência, mercado), a que corresponderam diferentes modelos (dualismo, produtivismo, proteccionismo, neoliberalismo), deixaram desde há muito de dar resposta aos problemas que vão ocorrendo e a aplicação sucessiva dos modelos
que a nós, africanos, vão sendo impostos tem consequências que
tornam o desenvolvimento cada vez mais dependente de factores externos e com menos probabilidades
de se tornar duradouro como seria desejável.
Essa ruptura criou um vazio teórico que conduziu as agências internacionais, os doadores e os governos a um empirismo exacerbado nas suas actuações. O nosso mundo académico não está capaz de
contrariar tal corrente, nem de fundamentar alternativas a esse empirismo, que permite aos políticos
as decisões mais descabidas.
Ainda segundo José Negrão, quando a produção
teórica é inexistente ou entra em ruptura, como é o
nosso caso, o caminho mais indicado poderá ser o
retorno à evidência empírica, tanto para o enriquecimento de pressupostos como para a constituição
de um novo quadro teórico. Isto não tem acontecido em Angola pela debilidade do seu mundo académico e de investigação. Apesar disso, algumas iniciativas individuais ou de grupo têm tentado encontrar
alternativas viáveis e duráveis que permitam um desenvolvimento sustentável.
Um exemplo tem sido a tentativa de contrariar o
conceito de economia de subsistência e, em seu lugar,
propor o de economia familiar. Com efeito, não só
não é verdade que os camponeses angolanos pratiquem uma economia de subsistência, visto que a
maioria, ou pelo menos uma parte muito significativa das famílias rurais se encontra integrada no mercado, como também o conceito tem pouco de operacional por dar ênfase à função produção em detrimento das funções de consumo e distribuição.
Assim sendo, na economia familiar a imputação
dos factores de produção tem por objectivos a maximização da segurança e o reforço das redes sociais que minimizam os
riscos e, também, a multiplicação da produtividade marginal de
cada factor. Por outro lado, a evidência empírica trouxe dois
acrescentos ao pressuposto de que o conceito de camponês está ligado à terra e ao mercado: (i) a agricultura é uma importante, mas
não exclusiva, fonte de rendimentos e (ii) a especificidade do
comportamento de cada unidade singular é parte de um todo
onde reside a garantia de segurança e de reprodução social.
78
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África21
“
Não é verdade que os camponeses
angolanos pratiquem uma economia
de subsistência
”
Foi então adoptado o conceito de família rural camponesa
como sendo a mais pequena unidade de produção, consumo e
distribuição das sociedades rurais africanas.
Paradigmas ultrapassados
Simon Kuzents, citado por Negrão, no seu estudo sobre história
do desenvolvimento económico moderno, concluiu que o pro-
Hollis Chemery argumentou que este padrão de desenvolvimento dos países ocidentais não teria que ser inevitável,
como não era inevitável o desenvolvimento fora do sector agrícola. Outras escolas que foram mais tarde esmagadas pelas correntes neoliberais, com destaque para a liderada pelo brasileiro
Celso Furtado, defenderam que a agricultura e, consequentemente, o campesinato, têm um papel cada vez mais
relevante no desempenho económico de países subdesenvolvidos.
Alguns milagres económicos que tanto entusiasmam os nossos dirigentes assentaram em modelos
que ignoraram estas formulações sem terem em
conta que eles produziram cruas realidades sociais
com milhões de famintos e excluídos que alimentam a criminalidade. É neste quadro que deve ser
analisada a actual posição do Governo angolano sobre o agronegócio.
A inevitável extinção do campesinato através de
uma modernização agrícola que implique a sua
transformação em trabalhador rural é ilusória pois a
taxa de crescimento demográfico tende a manter-se
elevada sem que a oferta de emprego nos sectores da
indústria e dos serviços e mesmo das empresas agrícolas aumente em correspondência; os camponeses
não são ignorantes, como demonstram vários exemplos em que os saberes locais permitem rendimentos tão ou mais elevados de que as empresas e conseguem mitigar a insegurança e os riscos; as formas
de organização tradicional são mais duradouras; a
fonte de informação sobre o mercado está a ser vencida graças ao telemóvel.
Por outro lado, os custos em recursos humanos, financeiros, energéticos e fundiários e as consequências sociais e ambientais que uma opção
pela acelerada modernização da agricultura exige e
provoca são incomportáveis para o País. O importante é analisar as razões que dificultam o progresso da agricultura no seu conjunto, ter em conta a
estrutura agrária realmente existente, apostar na
capacitação dos recursos humanos e das instituições de suporte à produção (incluindo a investigação, a assistência técnica e, no topo das prioridades, o crédito e a rede de comercialização e transportes).
Neste sentido, é crucial o estabelecimento e consolidação
de relações entre as comunidades e grupos locais e as instituições de pesquisa e outras que contribuam para a definição
argumentada de políticas públicas.
Fernanda osório
cesso de desenvolvimento tem como uma das suas principais características uma elevada taxa de transformação estrutural e sectorial da economia, o que conduz à ideia de que o desenvolvimento assentaria na acelerada reorientação da economia desde a
agricultura (considerada sector primário) para a indústria (sector
secundário) e para os serviços (sector terciário).
“
A inevitável extinção do campesinato
através de uma modernização agrícola
que implique a sua transformação
em trabalhador rural é ilusória
”
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insumos
DR
BIC Portugal em expansão
Exportações portuguesas
para Angola crescem 21,6%
A Agência e o Centro de Empresas do Banco
BIC Portugal abriram em Leiria e Braga. Mira
Amaral, presidente da Comissão Executiva da
instituição, salientou o interesse do BIC em
trabalhar directamente com os empresários da
região, enquanto que é desejo do vice-presidente da Câmara Municipal de Leiria, Vítor Lourenço, que o banco seja muito bem acolhido e
que «contribua para alavancar a economia da
comunidade leiriense». Relativamente a Braga,
referiu que esta região conta com excelentes
empresas nas áreas das tecnologias, construção,
calçado, metalomecânica e turismo capazes de
investirem em Angola. O Banco BIC Portugal
tem como principal objectivo prestar apoio às
empresas portuguesas na estratégia de internacionalização para Angola e está a assumir um
papel fundamental no fortalecimento das relações económicas entre os dois países. De referir
que a CCIPA dá apoio a 400 empresas portuguesas, defendendo o aumento das relações
Portugal/Angola, através da promoção e do desenvolvimento de estudos macroeconómicos
sobre Angola e da divulgação de informação
sobre os dois países. A instituição já conta com
Agências e Centros de Empresas em Aveiro,
Braga, Leiria, Lisboa, Porto e Viseu, as regiões
empresariais do país com maior ligação económica a Angola.
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julho 2009 –
África21
arquivo áfrica 21
«No final de Abril, as exportações portuguesas para Angola ultrapassaram
mil milhões de dólares, o que representa uma subida de 21,6%», revelou
o presidente da Câmara do Comércio e Indústria Portugal Angola (CCIPA), Carlos Bayan Ferreira, durante um colóquio sobre as relações económicas entre os dois países. «Em quatro meses continua a haver uma dinâmica importante de interesse dos produtos portugueses em Angola», salientou. O presidente da CCIPA referiu também a importância do papel
de Angola como quarto destino das exportações portuguesas e o primeiro fora dos países da União Europeia. Segundo dados divulgados pela
Câmara, entre 2007 e 2008 o volume de exportações portuguesas para
Angola registou uma subida de 35%, tendo atingido um valor superior a
3,1 mil milhões dólares.
Missão empresarial portuguesa
visita Angola
Luanda, Benguela e Lobito receberam uma missão empresarial organizada pela Associação Comercial de Lisboa. A missão da ACL, integrada
por empresários de diversos sectores de actividade – construção, transportes e logística, tecnologias de informação, produtos farmacêuticos e
químicos, produtos alimentares, máquinas agrícolas e mobiliário urbano – foi a Angola com o objectivo de ajudar as empresas a estabelecerem
contactos de negócio com vista à dinamização do comércio bilateral e
do investimento no país.
A Nicon Seguros STP, inaugurada
a 10 de Junho, depois de oito meses
de actividade, veio para ficar e ajudar a desenvolver a economia sãotomense. A garantia foi dada pelo
director-geral da mais nova companhia de seguros implantada em São
Tomé e Príncipe. Pius Agboola, em
declarações à África21, acrescentou que um empresário antes de ter
lucros, tem que investir: «Ele não
pode colher antes de plantar. O que
estamos a fazer agora é semear, dar
mais do que estamos a receber».
«Criatividade, compromisso e integridade» é a divisa da empresa que
também pratica preços bastante razoáveis. Embora seja um país pequeno e com uma economia ainda
embrionária, os responsáveis da
empresa acreditam que São Tomé e
Príncipe tem vantagens para que o
negócio de seguros se afirme no arquipélago, nomeadamente por ser
um ramo de negócios onde não há
muita concorrência. A Nicon Seguros STP tem um capital social de
1,3 milhões de dólares, provenientes da contribuição de vários accionistas nacionais. É uma subsidiária
da Nicon Seguros PLC da Nigéria
que existe há 40 anos, com um capital social de 60 milhões de dólares
e um activo de 423 milhões.
A Cidade do Cabo, na África do Sul, acolheu entre 14 e 17 de Junho, o Fórum 2009 da
AgroBusiness, no qual tomou parte José Briosa e Gala, conselheiro e representante para
África do presidente da Comissão Europeia. O evento constitui uma plataforma de promoção do sector privado como factor de aumento da produtividade e crescimento em
África. Os mais de 350 delegados internacionais, provenientes de vários quadrantes, debateram a actual conjuntura económica mundial e o seu impacto no sector agrícola no continente africano. Avaliaram as tendências globais como condutoras de oportunidades na
cadeia agro-alimentar, identificando novas áreas de negócio para o sector privado; o acesso a novos mercados e incentivos ao comércio; e a necessidade de aumentar e manter os
níveis de competitividade. Foi ocasião para discutir projectos com potenciais financiadores e parceiros de negócio, conhecer investidores internacionais e representantes do sector
industrial, cooperativas, PME, multinacionais e financiadores, bem como representantes
governamentais, ONG, universidades, centros de pesquisa, organizações internacionais e
doadores bilaterais de mais de 50 países em todo o mundo.
Sede da Nicon Seguros PLC na Nigéria
DR
Fórum AgroBusiness promove o sector privado
DR
Nicon Seguros STP
Dzowo, o computador moçambicano
Em Moçambique montam-se já 50 computadores por dia com a designação Dzowo, em
homenagem a Eduardo Mondlane, primeiro presidente da Frelimo, assassinado em 1969.
Os computadores são montados pela multinacional Sahara que, em parceria com as autoridades moçambicanas, montou o primeiro Centro de Desenvolvimento Tecnológico do
país com capacidade inicial para produção e montagem de 11.520 computadores portáteis e de mesa, por ano. A partir do próximo ano, a transnacional prevê montar anualmente 19.200 computadores no país, uma produção em larga escala visando facilitar o acesso
dos aparelhos aos moçambicanos. As máquinas da marca Dzowo são vendidas ao preço
médio de 10 mil meticais (520 USD). Especializada no fabrico e montagem de computado­
res, a Sahara, sedeada na cidade de Joanesburgo, detém escritórios, centros de investigação
e desenvolvimento na Grã-Bretanha, China, Emiratos Árabes Unidos, Índia, Botswana,
Namíbia e Quénia. O lançamento do computador de fabrico moçambicano marca um
dos pontos altos da passagem dos 40 anos da morte de Eduardo Mondlane
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Quase 700 expositores aguardados na FIL
Um total de 680 expositores de vinte e oito países deverá estar presente na edição deste ano da Feira Internacional de Luanda (FIL), marcada para os dias 14,
15 e 16 deste mês. «Os desafios do agronegócio em Angola» foi o tema escolhido para o evento. No final de Junho, o presidente do Conselho de Administração da FIL, Matos Cardoso, anunciou a intenção da entidade de criar um Centro Internacional de Negócios, para viabilizar e potenciar os contactos realizados entre os empresários estrangeiros e nacionais durante a realização da feira.
A iniciativa teve a imediata adesão da Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP). Como revelou o presidente da ANIP, Aguinaldo Jaime, está em
curso um estudo para o estabelecimento de uma pareciia entre as duas entidades.
«A Feira Internacional de Luanda pretende criar uma unidade que se ocupe da
logística de apoio e assistência ao investidor. A Agência Nacional de Investimento Privado está interessada que essa actuação seja bem sucedida», afirmou Jaime.
A FIL vai estabelecer parcerias como feiras internacionais de sucesso, como a portuguesa Exponor e as feiras de Madrid e Barcelona. Matos Cardoso revelou ainda que será construído um novo parque de feiras na capital angolana. A FIL vai
aproveitar também a sua 26.ª edição para lançar o seu novo logotipo.
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Cabo Verde desenvolve
projecto em Angola
Cinco milhões de escudos cabo-verdianos
(600 mil dólares) é o capital inicial de uma
sociedade agrícola cabo-verdiana para desenvolver um projecto na província angolana do Kuanza Sul. O terreno disponibilizado por Angola, diz a agência pan-africana de informação, PANA, «caracteriza‑se pelo solo arável e fértil, pluviosidade
anual significativa, cursos de água permanentes, condições topográficas para tecnologias modernas a baixo custo, fácil acesso
e disponibilidade de mão-de-obra local».
A empresa criada pelo Estado cabo-verdiano terá competência para executar os planos estratégicos e de gestão necessários ao
desenvolvimento agropecuário do terreno.
Av. 4 de Fevereiro, 95, 3º, 34 – Luanda – Telefones: + 244 222 331 778 / 222 337 419
Telefax: + 244 222 339 698 – E-mail: [email protected]
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África21
livro do mês
Óscar Ribas. A Memória com a Escrita de Gabriel Baguet Jr.
Uma biografia exemplar
de Óscar Ribas
Foi uma das figuras mais brilhantes da intelectualidade
angolana do século XX. A fotobiografia de Gabriel Baguet
Jr. faz-lhe devidamente jus pela documentação exaustiva
sobre a sua vida e obra, mas sobretudo pelo enquadramento
na sociedade angolana das décadas de 30 a 60.
Rodrigues Vaz
O
Scar Ribas. a memoria com a escrita, assim se intitula
o livro agora saído a lume, que conta com uma excelente apresentação gráfica de Pedro Simões, igualmente o autor da sugestiva capa, faz reviver a memória do autor de
Ecos da minha terra, um dos seus livros mais emblemáticos, de uma
forma saudosa mas, ao mesmo tempo, muito objectiva, deixando
a impressão de que, realmente, Óscar Ribas (1909-2004) continua
entre nós, pelo que não deve ser chorado, mas sim cada vez mais
lembrado. Ainda bem, portanto, que no próximo mês de Agosto,
dia 17, por ocasião dos cem anos do seu nascimento, vai ser reaberta a Casa-Museu Óscar Ribas, em Luanda, com uma exposição do
acervo do escritor, conforme foi anunciado pela directora da instituição, Maria Fernanda de Almeida. A exposição tem como propósito fundamental divulgar e manter viva a figura de Óscar Ribas,
bem como o seu acervo cultural e pessoal doado à instituição. Nascido em Luanda, Óscar Bento Ribas era filho de Arnaldo
Gonçalves Ribas, natural da Guarda (Portugal), e de Maria da
Conceição Bento Faria, natural de Luanda. Fez os estudos primários e secundários em Luanda, tendo passado pelo Seminário-Liceu
de Luanda. Poucos anos depois da criação do Liceu Salvador
Correia de Luanda, viria em dois anos a concluir aí o 5.º ano. Após
uma estada em Portugal onde estudou aritmética comercial,
regressa a Angola indo empregar-se na Direcção dos Serviços de
Fazenda e Contabilidade. Residiu sucessivamente nas cidades de
Novo Redondo, actual Sumbe, e Benguela, Ndalatando e Bié. Foi
em Benguela que, aos 22 anos de idade, se começaram a manifestar
os primeiros sinais da doença que, 14 anos depois, o levaria à cegueira definitiva, aos 36 anos de idade.
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África21
Considerado como o fundador da ficção literária moderna
angolana, após António de Assis Júnior, Óscar Ribas iniciou a sua
actividade literária nos tempos de estudante do Liceu. A sua primeira fase de publicações começa com duas novelas: Nuvens que
passam, em 1927, e Resgate de uma falta, em 1929. Segue-se a segunda fase com Flores e espinhos (1948), Uanga (1950) e Ecos da
minha terra (1952).
Segundo o ensaísta e crítico literário Mário António, «nesta última fase se inicia a prospecção da africanidade na obra de
Óscar Ribas» para a qual contribuiu decisivamente «sua Mãe,
D. Maria Bento Faria, protótipo das senhoras africanas do outro tempo, mantendo vivas as fontes originais da sua própria
sabedoria».
Em toda a produção literária posterior, segundo Luís Kandjimbo, Óscar Ribas demonstra na verdade uma propensão pouco
comum entre os escritores da sua geração e mesmo em gerações
posteriores. Revela-se profundamente preocupado com os temas
da literatura oral, filologia, religião tradicional e filosofia dos povos de língua kimbundu. Destas preocupações resultam a sua bibliografia dos anos 60, nomeadamente Ilundo–Espíritos e Ritos
Angolanos (1958,1975); Missosso 3 volumes (1961,1962,1964);
Alimentação regional angolana (1965); Izomba – Associativismo e
recreio (1965); Sunguilando – Contos tradicionais angolanos (1967,
1989) Kilandukilu – Contos e instantâneos (1973); Tudo isto aconteceu – Romance autobiográfico (1975); Cultuando as musas – poesia
(1992); Dicionário de Regionalismos angolanos.
Conforme assinala no prefácio José Carlos Venâncio, «Óscar
Ribas é dos poucos escritores angolanos a ver a sua obra reconheci-
da pelas instâncias coloniais, sem que da mesma se possa inferir, directa ou indirectamente, qualquer comprometimento político do
seu autor».
Escritor e etnógrafo
O seu mundo era a literatura e a pesquisa etnográfica celebrando a
palavra e a fala, mas indiscutivelmente a Cultura Angolana acentua, por sua vez, Gabriel Baguet na introdução. «O escritor e o etnógrafo cruzavam-se num único homem, cuja preocupação central era preservar a memória da identidade para o futuro, mas também a memória de um povo através da vital importância que é a
Cultura».
Felizmente que Óscar Ribas cedo intuiu que «o conto angolano, ao invés do que muita gente supõe, não constitui uma produção morta, sem beleza imaginativa. Não. O conto angolano – fábula ou fantasia – representa uma bela concepção de engenho».
Por isso, ele explorará até à exaustão a literatura oral angolana – que
agora se costuma classificar como oratura – legando-nos todo um
acervo etnográfico de grande riqueza informativa, indispensável
para a memória futura.
Não será para admirar, portanto, que Joaquim Pinto de Andrade, grande intelectual e líder angolano, quando de uma homenagem feita na Liga Nacional Africana em 3 de Julho de 1954, tenha dito: «A mensagem de Óscar Ribas é, sem dúvida, uma mensagem de coragem e optimismo em face da vida, de esforço aturado, de probidade no trabalho. Mas eu depreendo da sua obra alguma coisa mais, algo de mais profundo, que projecta para além do
indivíduo. A mensagem de Óscar Ribas é para mim essencialmente uma mensagem de africanismo, ou para me exprimir mais concretamente com Jean-Paul Sartre, uma mensagem de negritude.»
É interessante notar que isto se passou sete anos antes de os ango-
“
Obra com um vasto e valioso
espólio onde é possível ver os costumes
de Luanda da primeira metade
do século XX
”
lanos terem começado a combater pela sua independência. E disse-se porque um homem cego e sábio, de laço e cara triste, já combatia há muito pelo seu país, através da palavra: «Que a nossa voz
se faça ouvir e a nossa acção se faça sentir».
Nitidamente, Pinto de Andrade tinha presente a publicação,
dois anos antes, do livro Ecos da minha terra, colectânea de dramas
angolanos, onde o investigador arquivou, de maneira tão eficaz
como erudita, algumas lendas de Angola ainda por contar. E lembrar-se-ia, porventura, além de Uanga, de Ilundo–Divindades e ritos angolanos, onde de novo os méritos anteriores ressaltaram nos
desafios da linguagem, na penetração e no mesmo conhecimento
activo dos costumes e tradições, ainda no filão do folclore em que
era Mestre naquela altura, em Angola.
O livro é enriquecido com um vasto espólio fotográfico de grande valor arqueológico, onde é possível detectar sinais e tendências
dos costumes de Luanda da primeira metade do século XX e integra
numerosa correspondência com intelectuais de todo o mundo, nomeadamente Brasil, França e Estados Unidos, além de familiares.
É realmente de louvar o trabalho do autor, pela teimosia e perseverança que demonstrou na recolha de tão vasto material e pela forma como o organizou, contribuindo de maneira indelével para a
consolidação e o engrandecimento da cultura angolana.
Óscar Ribas. A Memória com a Escrita
Gabriel Baguet Jr.
Edição de autor, 2009
JORNALISTA E ENSAISTA
Nascido em Angola, Gabriel Baguet Júnior, 44 anos, trabalhou no Primeiro de Janeiro e
Jornal de Notícias, com uma passagem pela RTP Porto: Tem uma pós-graduação em
Jornalismo pelo ISCTE e pela ESCL, é autor de vários ensaios, com destaque para Um
Olhar e Uma Voz, dedicado à cantora cabo-verdiana Cesária Évora, e publicado em 1999
na Revista de Letras e Cultura Lusófonas do Instituto Camões e de Percursos e Trajectórias de uma História: a Música em Macau na Transição de Poderes, também publicada
em 1999, sendo actualmente quadro da RTP. Foi bolseiro da Fundação Luso-Americana
no curso de Jornalismo Televisivo realizado pela Columbia University sob a orientação do
Professor David KatelI. Foi co-autor com o jornalista angolano António Silva Santos de
vários programas radiofónicos, entre os quais Músicas de África que Não Fala Português
e sobre as independências de alguns Estados africanos.
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85
CULTS
Ray Lema em homenagem
a Ali Farka Touré
É
Sociedade de autores
lusófonos em formação
N
o I Encontro das Sociedades de Autores Lusófonas, a realizar em Lisboa em
10 de Novembro, se saberá se as negociações chegaram a bom porto. Por
iniciativa da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), que a apresentou aos outros
países da CPLP presentes em Washington, na cimeira mundial dos direitos de autor, que ali decorreu, vai decidir-se sobre a oportunidade de se institucionalizarem
as relações entre as sociedades de autores dos diferentes países, através da criação de
um comité lusófono no seio da Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores (CISAC).
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África21
DR
DR
um dos expoentes da música africana. O pianista congolês, Ray Lema, exibiu o
seu talento num espectáculo realizado a 25 de Junho no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. O momento, considerado ímpar, traduziu-se num claro «Tributo a Ali
Farka Touré», homenagem a um «amigo e irmão mais velho».
Os dois músicos africanos conheceram-se em São Paulo, no Brasil, quando foram convidados por Jorge Benjor para o Festival Heineken de 1998, contou à agência Lusa em
Maio o congolês. Ray Lema descreveu Ali Farka Touré como um «homem magnífico,
simples e humilde». Ele «dizia sempre que era agricultor mas era um grande artista».
No concerto do CCB, o pianista tocou a solo composições próprias e interpretou dois
temas do Ali Farka Touré, «Diaraby» e «Soukora». Ambos os temas são de Talking
Timbuktu, o álbum que o maliano gravou com Ry Cooder e que conquistou em 1995
um Grammy na categoria de Música do Mundo.
Ray Lema nasceu em 1946, em Lufutoto, «numa estação de comboio perdida no
meio do nada». Aos 30 anos o músico partiu para os Estados Unidos, mas não gostou.
«Fiquei muito isolado, estava no meio de norte-americanos e fazia-me falta tocar com
músicos africanos. Não conseguia obter dos músicos americanos o que eu queria. Precisei de vir para a Europa.» Instalou-se em Paris, onde encontrou um grande vaivém de
africanos. Ray Lema continua a viver na capital francesa e nunca mais voltou ao Congo. Diz que está previsto ir lá para uma série de concertos em breve.
Kimalanga,
C
novo livro de FBaião
om a devida circunstância e alguma pompa, foi lançada na Casa de Angola,
em Lisboa, a última obra do escritor angolano FBaião, Kimalanga, respigos
da história recente de Angola, «destes trinta e três/trinta e quatro anos de independência, naquilo que esses anos têm de mais sério, de mais profundo, (…) mais “estruturante” do que somos /ou não somos/ ou fomos/ ou nunca fomos e das diversas
etapas que percorremos até hoje», como diz no prefácio Carlos Ferreira (Cassé). O
prefaciador vai mais longe e afirma mesmo peremptoriamente: «O Fernando Teixeira,
o Baião, dá-nos um retrato literariamente implacável de um quadrante social claro
da nossa Angola de hoje. Porém de uma forma tão encantada, tão sui generis, tão simples e tão desconcertante, que o lemos de uma só penada, de um só jorro».
Utilizando um estilo coloquial que vai enriquecendo com um crescendo de informações e apartes, sem abandonar uma linha narrativa que encontra na linearidade o seu encanto, FBaião agarra realmente o leitor através da utilização de uma estrutura de texto onde o diálogo é substituído eficazmente por uma narração directa, tão
dúctil como fluente, enriquecida por um fino humor que tem tanto de cáustico
Festival de Cinema no Maputo estreia
MANUEL MOURA/LUSA
A
Um Povo Nunca Morre
referência do filme é Eduardo Mondlane (aqui ao lado representado num mural do Maputo) e a sua estreia fez-se na abertura da 1.ª Mostra de Cinema da
Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), no passado 14 de Junho. Foram exibidos 60 filmes, um terço de origem moçambicana, diz a Lusa, que salienta o
intercâmbio entre os 33 criadores cinematográficos, entre actores a realizadores, que
estiveram presentes na capital do país durante a semana em que decorreu o certame.
Esta 1.ª Mostra, que teve por tema «Uma comunidade, diferentes olhares», deve
abrir caminho a outras, a decorrer anualmente em cada um dos oito países da CPLP.
A estreia do filme Um Povo Nunca Morre assinalou, ainda, o 40.º aniversário do assassinato de Eduardo Mondlane, fundador e primeiro líder da Frelimo, que a seguir
será projectado em Nwadjahane, terra onde Mondlane nasceu, situada no distrito de
Manjacaze, província de Gaza, sul de Moçambique.
África21– julho 2009
87
RUTH MATCHABE
Mia Couto homenageado
no Rio de Janeiro
O
escritor moçambicano Mia Couto foi homenageado na segunda edição do
Festival de Teatro da Língua Portuguesa (FESTLIP), no Rio de Janeiro.
«Estamos a consolidar uma parte da cultura de língua portuguesa. Mia Couto é homenageado pelo que representa e pelo incentivo que dá aos grupos de teatro. É uma
pessoa de que o teatro de língua portuguesa se tem alimentado», afirmou na abertura do festival a responsável pelo evento, a actriz e produtora Tânia Pires. O festival,
que decorre até dia 12 de Julho, apresenta um conjunto de onze espectáculos de grupos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal. Mia Couto encontra-se no Brasil a promover o seu mais recente livro, Jesusalém, publicado simultaneamente em Portugal, Brasil e Moçambique.
Portugal apoia Angola na protecção
do património cultural
m projecto comum para a protecção do património cultural angolano
poderá ser desenvolvido entre Angola e Portugal. O interesse das autoridades portuguesas nesse sentido foi manifestado em Luanda pelo ministro
da Cultura de Portugal, José António Pinto Ribeiro, que esteve na capital angolana por ocasião das comemmorações do Dia de Portugal, 10 de Junho. O
projecto visa, fundamentalmente, restaurar e preservar sítios, edifícios e monumentos construídos durante a colonização portuguesa e que são considerados hoje património histórico de Angola. Por causa dos anos de guerra, essa
herança não foi cuidada devidamente pelas autoridasdes angolanas.
Mais recentemente, a febre imobiliária que tomou conta do país, em especial Luanda, levou à destruição de vários edifícios emblemáticos, apesar do
clamor da sociedade civil. O Governo angolano parece preocupado, agora, em
salvar o que resta desse património urbanístico. «Portugal quer muito ajudar
o país no trabalho de recuperação da memória e da sua identidade cultural»,
disse Pinto Ribeiro à imprensa local. A formação de especialistas angolanos
em técnicas de restauro e preservação será uma das vertentes da parceria proposta pelo ministro português.
88
julho 2009 –
África21
JOÃO ABREU/LUSA
U
José Pinto Ribeiro (à esq.) com José Carlos Vasconcelos,
cronista da África 21, nas Correntes D`Escritas, Póvoa
de Varzim, em Fevereiro de 2009
CONQUISTE
O SEU LUGAR NO MUNDO.
POUPANDO COM O BPA O FUTURO É SEU.
Saber poupar é essencial para criar uma base sólida para o futuro. Uma base que lhe permita viver com tranquilidade e maior
segurança. Mas não só. A poupança é também o primeiro passo para um dia poder investir e passar a olhar o mundo de forma
mais ambiciosa. Por isso, acredite nos seus sonhos e venha ao BPA conhecer a importância da Poupança e do Investimento.
Verá que o mundo está ao seu alcance. Nós, vamos ajudá-lo a partir à conquista.
África21– julho 2009
89
livroS
Do encontro entre um estudante angolano e uma jovem mongol, nos anos 60, em Moscovo,
nasce um amor proibido. Baseada em factos verídicos, ficcionados pelo autor, esta história põe
em evidência a vacuidade de discursos ideológicos e palavras de ordem, que se revelam sem
relação com a prática. Política internacional, guerra, solidariedade e amor, numa rota que liga
um ponto perdido de África a outro da Ásia, passando pela Europa e até por Cuba. Uma
viagem no tempo e no espaço, o de uma geração cansada de guerra num mundo cada vez
mais pequeno. Mais um romance de Pepetela que se lê num fôlego. Com uma belíssima capa.
O Planalto e a Estepe
Pepetela
Dom Quixote, Lisboa 2009
Escrito por dois economistas,
um dos quais Prémio Nobel da
Economia em 2002, e com
prefácio à edição portuguesa
de Fernando Nobre, este
Comércio justo para todos
revela-nos de uma forma
acessível e simples como
podem os países mais pobres
enveredar pelo caminho do
desenvolvimento, num cenário
de comércio realmente livre. A
base da tese apresentada é a
abertura dos mercados no
interesse de todos, e não
apenas de algumas
economias mais poderosas.
Diz Fernando Nobre, no final
do seu prefácio: «Desejo
sinceramente que o conjunto
de ferramentas económicas e
políticas que Stiglitz
desenvolve e propõe seja
adoptado por quem de direito:
Nós».
Comércio justo para todos
Joseph Stiglitz
& Andrew Charlton
Texto Editores, Lisboa 2009
90
julho 2009 –
África21
Quando Raposo Tavares atacou a Missão jesuíta de Jesus Maria, o seu
objectivo era conquistar a região do Tape em nome da Coroa portuguesa e
destruir o sonho do Superior Diego de Trujillo, seu inimigo de longos anos.
Estava longe de imaginar que começava ali uma corrida de vida e morte à
maior bandeira de sempre em terras do Brasil… O jornalista Pedro Pinto
estreia-se na escrita com um romance empolgante, que o leva ao Brasil do
século XVII. Aventura, exotismo, paixão, traição e ambição são alguns dos
ingredientes desta história.
O último bandeirante
Pedro Pinto
A esfera dos livros, Lisboa, 2009
«A primeira vez que vi uma mulher tinha onze anos
e me surpreendi subitamente tão desarmado que
desabei em lágrimas. Eu vivia num ermo habitado
apenas por cinco homens. Meu pai dera um nome
ao lugarejo. Simplesmente chamado assim:
Jesusalém. Aquela era a terra onde Jesus haveria
de se descrucificar. Meu velho, Silvestre Vitalício,
nos explicara que o mundo terminara e nós éramos
os últimos sobreviventes.» Assim começa o
romance de Mia Couto lançado em Junho, obra
considerada a mais madura e mais conseguida do
autor, que alia uma narrativa a um tempo complexa
e aliciante ao seu estilo poético tão pessoal.
Jesusalém
Mia Couto
Caminho,
Lisboa 2009
Escreve o autor em notas finais do livro
que deve o título ao poeta moçambicano
Virgílio de Lemos «que há anos vem
classificando alguma da nova ficção
africana em língua portuguesa como
barroca tropical». O romance Barroco
Tropical viaja até 2020 e decorre nas
ruas de Luanda, uma cidade em
convulsão. Numa escrita humorada, em
forma de thriller político, José Eduardo
Agualusa traça um retrato impiedoso da
sociedade actual angolana através das
desventuras por que passa Bartolomeu
Falcato, o protagonista.
Barroco Tropical
José Eduardo Agualusa
Dom Quixote, Lisboa 2009
músicas
STÓRIA, STÓRIA
MAYRA ANDRADE
MANY THINGS
SEUN KUTI
Mayra Andrade vive actualmente em
Paris, nasceu em Cuba e cresceu com
passagens por Angola, Senegal,
Alemanha e, claro, Cabo Verde. E viajou.
Muito. Stória, Stória revela isso mesmo;
alguém que transporta consigo, na sua
criação, sons e imagens de todo o
mundo. Este segundo álbum confirma, e
reforça a sensação já deixada por
Navega, editado em 2006, e que recebeu
múltiplos prémios. Está lá tudo, incluindo
as sonoridades cubanas e brasileiras. E
uma voz que surpeende, mesmo para quem com ela convive musicalmente há dois
ou três anos, principalmente pela sua clareza e forma como envolve as notas que os
seus músicos lhe deixam. Um orgulho para os cabo-verdianos, certamente, mas
também para todos os amantes da boa música. Stória, Stória foi gravado em França,
Brasil e Cuba, foi produzido pelo experiente Alê Siqueira, e conta com a participação
de diversos compositores de Cabo Verde. Se Navega foi uma explosão musical que
encantou meio mundo (Mayra foi convidada para colaborar com músicos
consagrados, como Chico Buarque ou Charles Aznavour), este segundo álbum, com
uma história ainda curta no mercado musical, prepara-se para se apresentar aos
olhos dos criticos e dos seus admiradores embrulhado na expressão «confirmação».
Uma confirmação que chega cedo, com Mayra na casa dos vinte anos. Cedo de mais,
poderão dizer alguns. Poucos, seguramente, já que a postura da cantora teima em
mostrar, todos os dias, espectáculo após espectáculo, entrevista após entrevista, e
nos registos musicais que vai deixando em estúdio, que a maturidade também se
pode alcançar antes de uma década de carreira. A época da revelação já lá vai.
Fiquemos agora com esta força e alegria que transborda de Stória, Stória e, para os
privilegiados, com os seus próximos espectáculos.
É o disco de estreia. Era um conjunto de
músicas aguardadas. Tinha a
responsabilidade adicional de ser o
primeiro disco de um dos filhos de Fela, o
principal criador e divulgador do afrobeat.
E como nota de risco, alguns dos músicos
que participaram no álbum já tinham
tocado com o seu pai. Entretanto, Many
Things foi lançado, já vende pelo mundo
inteiro, e temos músico. E com
personalidade própria. Fela está lá.
A MÃE
RODRIGO LEÃO & CINEMA ENSEMBLE
E pronto, já cá está. Numa embalagem
muito feliz, com design de Pedro
Cláudio, temos um conteúdo desejado
por muitos, e que se escuta de uma vez.
Produzido em memória da mãe,
apresenta uma sonoridade que
atravessa parte significativa da sua
carreira, bebendo aqui e ali as notas de
uma vida há muito dedicada há música.
Recorde-se que Rodrigo Leão já traz
consigo 25 anos de carreira. Foi
fundador dos Sétima Legião, na década
de 80, e foi parte activa de um dos mais
importantes e marcantes projectos
musicais da década de 90, os
Madredeus. Depois, prosseguiu a solo,
com múltiplos álbuns, onde foi
trabalhando uma sonoridade muito
própria, e envolvendo sempre bons
executantes. A Mãe, borilado em
diversas partes do mundo, incluindo
Goa, conta com a voz de Ana Vieira e
com a colaboração da Sinfonietta de
Lisboa. É um disco melancólico, como
afirma o próprio Rodrigo Leão. Mas
alegra-nos.
Normal. Mas na inspiração, apenas. Seun
Kuti parte por um caminho próprio; para
uma sonoridade sua. De forma simples,
talvez os seus sons sejam mais
aveludados, mais ocidentalizados do que
os de seu pai. Mas está lá a força toda
que se poderia esperar, está lá a
mensagem de uma África à procura do
seu espaço, e de uma Nigéria fervilhante
em termos sociais, sonoros; está lá
Lagos, a gigantesca capital de um país
que não pára, e onde todos vão cabendo.
Uns bem, outros nem tanto. Como cabe
Many Things, e o seu ritmo. E bem. E
aquele saxofone, que aqui e ali
sobressai. Definitivamente, os Kuti
têm mais um herdeiro musical.
África21– julho 2009
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filmes
Numa época em que são produzidos centenas de documentários por ano sobre
natureza e o ambiente, num período em que diversos canais temáticos de televisão nos
apresentam dezenas de documentários por dia, não deixa de ser curioso o impacto que
Home o mundo é a nossa terra e A 11ª hora estão a ter em diversos países. Em comum
têm a qualidade colocada na sua produção, e a actualidade do tema que abordam: a
terra e a sua vulnerabilidade.
KUDURO, FOGO NO MUSEKE
A 11ª HORA
Kuduro, fogo no Museke é um
documentário, a segunda parte de
uma trilogia que o autor dedicou à
música de Angolana, iniciada em
2005 com Angola – Histórias da
música popular. Para quem anda
distraído, ou está menos atento a
estas realidades da música, o
Kuduro é uma expressão artística;
é música e dança urbana; embora
para outros, como o escritor José
Luís Mendonça, seja
simplesmente um mito criado
pelos média e pelos empresários
da área musical, como afirma no
próprio documentário. Mas para
muitos, o Kuduro é
essencialmente um retrato social
e cultural de uma geração
angolana, de uma nova geração
angolana. Ou uma forma de
revolta.
Ou de afirmação. De forma
escorreita, simples, socorrendo-se
dos próprios intérpretes, Jorge
António apresenta-nos diversas
visões e perspectivas sobre uma
corrente artística que Angola,
lentamente, tem exportado para o
mundo, e a que poucos ficam
indiferentes.
Produzido e narrado por Leonardo DiCaprio, A 11º Hora tinha, logo à partida, o factor
marketing a seu favor, havendo até quem com ironia alegasse que pouco mais teria.
Puro engano. É verdade que o actor/produtor traz um valor acrescentado em termos
promocionais. Mas o impacto que o documentário está a revelar a nível mundial (e não
só nos Estados Unidos) deve-se, essencialmente, a uma narrativa muito objectiva, clara
e muito opinativa. E a uma produção cuidada. Socorrendo-se de imagens por vezes
impressionantes de cheias, incêndios ou furacões,
e de depoimentos de diversos pensadores e
cientistas (e é aqui que se percebe a origem norteamericana da coisa…), A 11ª Hora faz-nos
realmente reflectir sobre o futuro que queremos
para a humanidade, neste planeta. Um dado
curioso, e que sintetiza um pouco a mensagem que
se pretende passar: uma criança da União
Europeia ou dos Estados Unidos consegue
distinguir mais logótipos de empresas do que
identificar animais ou plantas.
Realização: Leila Conners Peterson e Nadia
Conners
Apresentação: Leonardo DiCaprio
Duração: 89 minutos
Distribuição: Warner Bros Pictures
Realização: Jorge António
Duração: 52 minutos
2007
HOME O MUNDO É A NOSSA TERRA
De Yann Arthus-Bertrand, Home o mundo é a
nossa terra apresenta-se como uma viagem e um
hino ao planeta, à sua diversidade, à sua
complexidade, mas também à sua fragilidade. Ao
seu equilíbrio instável, e altamente dependente da
forma como os humanos lidam com as suas
especificidades, com o seu próprio equilíbrio. Na
terra, cada espécie tem o seu lugar. Mas só o
Homem parece querer sair do seu. Sem
moralismos, Yann Arthus-Bertrand, que já nos tinha
surpreendido com o livro A Terra Vista do Céu,
consegue maravilhar-nos com as suas imagens,
com um texto cuidado, mas simultaneamente, e
principalmente após a primeira meia hora – com a
introdução do homo sapiens na narrativa – a inquietar-nos, a deixar que levantemos as
nossas próprias interrogações. À medida que vamos entendendo como fomos
moldando a terra, segundo as nossas necessidades, inicialmente agrícolas, mas depois
para satisfazer outras exigências, as interrogações aumentam. Um documentário em
que cada um é livre de retirar as suas próprias conclusões.
Realização: Yann Arthus-Bertrand
Duração: 113 minutos
Distribuição: ZON Lusomundo
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África21
África21– julho 2009
93
memória
Ricardo Rangel (1924–2009)
Para além da objectiva
D
esapareceu Ricardo Rangel,
um dos pioneiros do fotojornalismo. Morreu no passado
11 de Junho, no Maputo, cidade que o
viu nascer em 1924. Tinha 85 anos e
uma história feita de momentos mágicos
e ao mesmo tempo trágicos. Como o
daquela fotografia tirada em 1972 em
Changalane, que nunca saiu em jornal.
Apareceu anos depois, já Moçambique era independente, em anexo num
álbum sobre um tema que era a sua imagem de marca – a fauna humana da Rua
Araújo, na década de 1970, na então
Lourenço Marques.
O Pão Nosso de Cada Noite, editado
em 2005, reúne as fotos desse período
decadente da colonização branca tardia e
define a personalidade do seu autor. Ele
não pertencia àquele meio, onde se cruzavam prostitutas, marinheiros e outros
noctívagos, entre eles os pides, agentes da
polícia política salazarista, sempre de
olho vigilante e comportamento boçal.
Ele era filho de pai grego e, se bem que
tivesse ascendentes chineses, era, para todos os efeitos, um branco da cidade.
«As pessoas diziam-me: ‘Tu não és
preto, porque é que andas a tirar fotografias a pretos?’ Comecei a tomar cons-
Marca de gado em jovem
pastor. Aconteceu como
punição por ter perdido
uma rês. Changalane,
Moçambique, 1972
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julho 2009 –
África21
“
As pessoas diziam-me:
Tu não és preto, porque é
que andas a tirar fotografias
a pretos?
”
ciência [política] quando as queria publicar e a censura cortava. Nada de mendigo, o gajo todo roto a pedir, o polícia
a algemar o indígena. Tirei muitas fotos
que sabia que nunca seriam publicadas».
O desabafo é de Ricardo Rangel, no decurso de uma entrevista que deu ao escritor moçambicano Luís Carlos Patraquim e que este publicou num diário
português, Público, em 1991.
A Rua Araújo era «impublicável», diziam-lhe os chefes nas redacções e confirmava-o o lápis azul da Comissão de Censura, sempre que havia alguma ousadia.
Como também foi proibida a já citada
foto de Changalana, de 1962, retratando
um jovem que o patrão marcou na testa
como se fosse gado, por ter deixado extraviar uma rês. Por isso, Rangel passou a
guardar os negativos em casa e com eles
se pode fazer mais tarde a outra imagem
do país, a dos explorados.
O funeral de Ricardo Rangel foi, sobretudo, um momento de expressão do
reconhecimento dos moçambicanos
pelo seu retratista e, honrando a sua
vontade, fez-se ao som da música de
Charlie Parker.
António Melo
África21– julho 2009
95
ÚLTIMA PÁGINA
JOÃO MELO
T
A construção
da democracia
enho afirmado muitas vezes, em diferentes ocasiões, que
a cultura autoritária é ainda
muita forte em Angola, por razões históricas e objectivas. O caldo autoritário
nacional provém de três raízes: a cultura
autocrática «tradicional» (ou seja, rural),
o colonial-fascismo e o modelo marxista-leninista adoptado nos primeiros 16
anos de independência. Esse problema
não tem partidos: atravessa horizontalmente toda a sociedade; em rigor, começa no interior dos lares.
A construção da democracia angolana tem de ser entendida, pois, como um
processo. Afinal, e parafraseando o mais
do que manjado aforismo, Roma e Pavia
não se fizeram num dia. Uma corrida de
obstáculos – eis a imagem que me ocorre para representar esse processo. Esclareço: uma corrida de fundo.
A seguir, procurarei abordar, de maneira aleatória e resumida, seis obstáculos
que, na minha opinião, é preciso superar
para a edificação de uma genuína e responsável cultura democrática em Angola.
O primeiro é a tendência para a pessoalização. Isso tem dois aspectos: por
um lado, toda e qualquer crítica é considerada pelos visados como um ataque
pessoal; por outro lado, muitas críticas
possuem, realmente, uma motivação
pessoal, que roça muitas vezes o preconceito boçal.
O segundo é a teoria da conspiração.
Há ainda muita gente que vive no clima
pré-anos 90 do século passado e vê «inimigos» em todo o lado.
96
julho 2009 –
África21
O facciosismo é o terceiro obstáculo.
De facto, ainda é excessivamente frequente ajuizar e valorizar as opiniões
conforme a «cor», em especial partidária, mas não só (também de grupo, por
exemplo), dos seus autores. A opinião
dos «nossos» é considerada sempre válida, enquanto a dos «outros» é desqualificada à partida.
Uma variante do facciosismo é o
corporativismo. Esse é o quarto obstáculo a ultrapassar para a construção de
uma verdadeira cultura democrática entre nós. Os «coleguinhas» que me desculpem, mas essa classe – a que me orgulho de pertencer e que tem um papel
crucial na edificação da democracia em
qualquer sociedade – é uma das mais
afectadas pelo espírito corporativista.
O quinto obstáculo é a dependência
dos cidadãos, individualmente ou organizados, das macroestruturas sociais (Estado, partidos, etc.). Isso merece um estudo sociológico aprofundado, que,
como é óbvio, não cabe aqui. Mencionarei apenas, entre as várias causas dessa
dependência, a estrutura salarial predominante quer no Estado quer em muitas
empresas (salário de base reduzido,
compensado com subsídios e regalias),
assim como a relação clientelar entre a
maioria das empresas e o Estado. Esses
dois factores – sem esquecer, claro, as
cumplicidades e jogos de interesses, que,
como em qualquer outra sociedade,
também existem entre nós – limitam a
autonomia e a capacidade crítica dos cidadãos, incluindo a desse importante
[email protected]
“
A democratização
é uma espécie
de corrida
de obstáculos
”
segmento da sociedade civil, que são os
empresários. Por isso, a reacção de alguns deles às recentes medidas económicas do Governo pode ser vista como um
sinal de que, contrariando os mais cép­
ticos, a construção da democracia em
Angola está a avançar.
Enfim, o sexto obstáculo que não
posso deixar de referir é o recurso ao
anonimato para proferir e defender opiniões. Na maioria dos casos, isso serve
apenas para acobertar ataques soezes e
mesquinhos, intrigas, insultos, calúnias
e difamações, ou seja, verdadeiras agressões que, em nome da democracia, a
pervertem completamente ou mesmo
impossibilitam. O principal exemplo
dessa tendência são os blogs que pululam por aí. Ao qual se pode também
acrescentar o abuso de pseudónimos a
que se assiste no jornalismo angolano.
É claro que o uso de pseudónimos é
uma prática universal e antiga. Mas eu
penso que, nesta fase, e tratando-se sobretudo de opiniões políticas ou afins, a
estratégia mais construtiva e pedagógica
para ajudar a criar uma cultura democrática responsável entre nós é escrever
e assinar em baixo (ou, como neste
caso, em cima).