TEATRO, ARTE, CULTURA: O GRUPO UNIVERSITÁRIO DE
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TEATRO, ARTE, CULTURA: O GRUPO UNIVERSITÁRIO DE
TEATRO, ARTE, CULTURA: O GRUPO UNIVERSITÁRIO DE TEATRO DE ARAPONGAS (GRUTA) E SUA PARTICIPAÇÃO NO CENÁRIO POLÍTICO NOS ANOS 60 E 70 Crislayne Fátima dos Anjos (UEL) Universidade Estadual de Londrina – UEL Resumo: Este trabalho propõe uma análise do Grupo Universitário de Teatro de Arapongas, no contexto do regime civil-militar instaurado no país nos anos de 1964. Partindo de um enfoque no âmbito nacional, abordaremos as manifestações culturais que se desenvolveram entre os anos 60 e 70 e as influencias que tais manifestações tiveram das efervescências políticas que ocorriam na Europa no mesmo período, além de explanar as turbulências políticas vivenciadas pela nação. A ideologia “nacional-popular”, a formação dos grupos de teatro, estreitando a relação entre arte e política: TPE, Teatro Arena, CPC, Teatro Opinião, a contracultura e o florescimento cultural que se estabeleceu até 1968 são abordagens propostas nesta breve introdução ao contexto histórico. A proposta é focalizar o GRUTA dentro deste espaço de manifestações culturais ocorridas a nível nacional. O processo de sua formação nesta periodização, suas participações no meio cultural, dando um enfoque maior na relação entre o grupo e o Festival Universitário, ocorrido em Londrina a partir dos anos de 1968 e as censuras impostas ao grupo durante os “anos de chumbo”. Pautando-se em leituras historiográficas recorrentes ao tema, tomaremos como fonte principal o livro Memorias e Recordações: Festival de Londrina – 40 anos, escrito pela diretora do GRUTA, Nitis Jacon, transparecendo uma reflexão da experiência vivenciada pelas cidades interioranas neste delicado momento da política brasileira. Palavras-chave: GRUTA, Ditadura Militar, Manifestações, cultura, teatro. 1989 Introdução No ano em que se completa os cinquenta anos do golpe civil militar de 1964, o que se sabe das vivencias dos pequenos centros-urbanos neste período? Pouco, e em determinados casos, pouquíssimo. Pretende-se através do teatro, analisar a experiência do município de Arapongas, vivencias essas de poucos dos seus cento e quatro mil habitantes conhecem, vivencias essas que ganhem as páginas da história. O decisivo papel da cultura nos anos 60 e 70: A busca pela construção de uma nova sociedade. As manifestações culturais dos anos 60 e 70 refletem a um pensamento intensivo de uma época, marcado por questionamentos acercas dos padrões sociais, das influências estrangeiras no país, alimentado pelo processo de modernização da sociedade, e de jovens que procuravam se libertar através de ideias políticos e de contracultura. No período que antecede ao golpe de 1964, a discussão que permeava no Brasil se caracterizava por uma argumentação calcada em uma ideologia nacionalista, a necessidade de se redescobrir ao origens do povo brasileiro, a concepção de “nacional-popular”. Tal concepção era fomentada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), no qual grande porcentagem dos movimentos culturais possuía uma ligação, e que de acordo com seu discurso, o povo brasileiro estava sob domínio capitalista, portanto, para florescer a cultura nacional- popular, o povo teria de ter acesso a arte. Neste interim, competia a cultura e a arte transparecer a população tal necessidade, conscientizando-a, para desta forma restaurar a cultura brasileira. Em meados dos anos de 1950, jovens comunistas vinculados a União Paulista dos Estudantes Secundaritas foram encarregados de fundar um grupo teatral com o objetivo partidário de politizar seus colegas; com o surgimento do TPE (Teatro Paulista de Estudantes), um importante capitulo da história nacional começou a ser desenhada, seria o pontapé inicial à busca pela brasilidade através da relação arte e política, que mesmo com o abalo do golpe civil-militar de 1964, marcou o florescimento cultural que se perduraria até 1990 1968, com uma superpolitização da cultura, onde as representações politicas introduziam-se nas manifestações culturais. Se antes do governo militar, no governo Goulart, tal projeto políticocultural do Partido Comunista estava ancorado na grande aliança de classes marcadas pela cultura nacional-popular e pelo apoio às reformas de base, após o golpe estes dois pilares sofreram um profundo abalo. Apesar disso, entres 1964 e 1968 floresceu uma cultura de esquerda que passou a ser idealizada como um momento mágico na vida cultural brasileira. (NAPOLITANO, 2011, p.31). Desenvolver-se-iam uma sucessão de teatros engajados, podendo citar o Teatro Arena, Centros Populares de Cultura (CPC), Teatro de Opinião e afins. Com a associação de membros do TPE, em 1956, ao Teatro Arena, que funcionava desde 1953, houve uma inovação da dramaturgia nacional, dando destaque à peça de Gianfrascesco Guarnieri, em 1958 nomeada de Eles não usam black-tie1, que ao retratar o cotidiano do trabalhador, buscava a autenticidade do brasileiro, além de inaugurar este espirito de arte voltada ao povo. O Arena iria se constituir com um modelo de atração para jovens artistas ativos politicamente, além de intelectuais e estudantes e, com um viés de esquerda, sua proposta pautava-se em levar a arte aos que não tinham a oportunidade de ir ao teatro, conscientizando-os desta forma; após o golpe civil-militar de 64, o Arena se tornaria um sustentáculo da resistência cultural. Em seu livro Zumbi, Tiradentes, sobre o Arena nos anos 50 e 60, Cláudia de Arruda Campos (1988) divide a história desse teatro em quatro fases: a nacional (1958-1961), a da nacionalização dos clássicos (1961-1964), a da rebeldia (1965-1966) e a da organização (1967-1968). (...), pode-se dizer que as duas primeiras fases correspondem à visão de mundo do PCB, enquanto as duas últimas tenderam a acompanhar o questionamento de suas dissidências armadas e outras organizações guerrilheiras. (RIDENTE, 2000, p.157). Em 1961, um grupo dissidente do Teatro Arena, depois de um período no Rio de Janeiro, vincula-se a União Nacional dos Estudantes, dando origem ao CPC (Centro Popular da Cultura) sob liderança de Oduvaldo Vianna Filho 1 Ver RIDENTI, Marcelo. Cultura e Política: Os anos de 1960-1970 e sua herança. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida. (orgs.) O Brasil republicano: o tempo da ditadura – regime militar e os movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.138. 1991 (Vianinha) e Carlos Estevam, este último um sociólogo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb).2 A proposta de Vianinha e Estevam era que as peças do CPC fossem encenadas em qualquer lugar: na rua, nas escolas, pois isto significaria realmente atingir as massas, sem a necessidade da cobrança de ingresso ou de estabelecer limites de público. Para compreender esta atuação do CPC, cabe analisar a forma que os intelectuais deste momento discerniam a cultura brasileira, mesmo que o CPC não tenha se originado dentro da União Nacional Estudantil (UNE), uma considerável porcentagem de estudantes integravam as apresentações de teatro e cinema. Segundo Ridente O sucesso do CPC generalizou-se pelo Brasil com a organização da UNE Volante, em que uma comitiva de dirigentes da entidade e integrantes do CPC percorreram os principais centros universitários do país, no primeiro semestre de 1962, levando adiante suas propostas de intervenção dos estudantes na política universitária e na política nacional, em busca das reformas de base, no processo da revolução brasileira, envolvendo a ruptura com o subdesenvolvimento e a afirmação da identidade nacional do povo. (RIDENTE, 2003, P.140). Outro grupo de destaque foi o Teatro de Oficina, que surgiu durante o florescimento cultural dos anos de 1960. Originando-se do teatro formado pelos estudantes de Direito da USP, em 1958, o Teatro de Oficina passou por uma relação com os integrantes do Teatro Arena, vivenciando a prosperidade dos anos de 1968 e trazendo a questão da identidade nacional e o subdesenvolvimento do caráter do povo brasileiro como ponto chave, mesmo que de forma diferenciada da herança nacional- popular. A proposta do Oficina cabia em compreender a cultura brasileira de acordo com a aproximação do homem com seu meio sócio-político e geográfico, desta forma, o Oficina se tornaria um importante pilar de sustentação para o movimento posteriormente denominado tropicalismo. A década de 1960 foi marcado pelo “boom” da agitação política, não apenas no Brasil, mas no mundo todo. A guerra do Vietnã, em 1968, provocou 2 Segundo GARCIA (2004), Vianninha começou a se distanciar do Teatro de Arena após conhecer Carlos Estevam Martins, autor do Manifesto do CPC. Para Vianninha, o sucesso do Arena era resultado muito mais dos recordes de bilheteria do que pela qualidade do espetáculo. Adotando cada vez mais uma postura radical à esquerda, Vianninha aproximou de Carlos Estevam e juntos fundaram o CPC. GARCIA, Miliandre. A questão da cultura popular: as políticas culturais do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, nº47, p. 127-162, 2004. 1992 manifestações em diversos âmbitos culturais pelos Estados Unidos. A contracultura estava inserida na música, nas artes pregando a liberdade sexual, com o Festival de Woodstock em 1969, reuniu-se milhões de jovens que viviam o símbolo da contracultura, a ideologia do “faça amor, não faça guerra” foi tema nas músicas de Jimi Hendrix, Janis Joplin, Bob Dylan, Simon & Garfunkel, entre outros. Na Inglaterra, o rock das bandas inglesas Beatles e Rolling Stones representavam a visão crítica, ajustados a contracultura. Além da nova música e do parentesco com manifestações em todas as artes, a contracultura caracterizava-se por pregar a liberdade sexual e o uso de drogas – como maconha e o LSD, cujo o uso era considerado uma forma de protesto contra o sistema. O amor livre e as drogas seriam libertadores de potencialidades humanas escondidas sob a couraça imposta aos indivíduos pelo moralismo da chamada “sociedade de consumo”. Aliás, contra os valores dessa sociedade, começaram a se formar comunidades alternativas, com economias de subsistência no campo e um modo de vida inovador, como as do movimento hippie. (RIDENTE, 2003, p.147). No Brasil, os artistas representantes do movimento da Tropicália encontrariam na contracultura uma inspiração. O movimento surgiu entre os anos de 1967-1968, tendo como membros Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, além de os Mutantes entre outros. Segundo Ridente, é quase consensual entre os estudiosos e integrantes do movimento, que o tropicalismo associava elementos modernos e arcaicos, onde a tradição cultural brasileira unia-se com a incorporação antropofágica e as influências do exterior. O tropicalismo, veria uma serie de composições de seus membros se tornarem hinos dos movimentos estudantis. Aquele abraço de Gilberto Gil e Soy louco por ti América de Caetano Veloso influenciariam gerações seguintes; Para não dizer que não falei de flores, composição produzida por Geraldo Vandré em 1968 seria censurada após se tornar o hino de resistência dos movimentos estudantis e civis contra o regime militar. Em 13 dezembro de 1968, as manifestações sofreriam um abalo com a promulgação do Ato Institucional nº5, ou mais conhecido como AI-5, um “golpe dentro do golpe” como foi denominado o ato que iniciou o endurecimento da repressão O ato institucional em si não se direcionava exclusivamente ao campo cultural (...), mas desta vez, diferentemente de 1964, o setor cultural foi profundamente afetado. Afinal, tratava-se de um momento em que a Doutrina de Segurança Nacional cristalizava-se como o principal 1993 instrumento norteador das ações de Estado e, nesse sentido, caberia uma maior intervenção destes nos diversos campos em que estava dividido o “poder nacional”, dentre estes o “poder nacional”. Outro aspecto de suma importância dentro da Doutrina e que estava profundamente relacionado com a produção cultural era a noção de integração nacional, que vivia, tanto através da difusão da cultura em âmbito nacional, quanto pela via da eliminação dos sinais de conflito existentes dentro da sociedade brasileira daquele momento. (MENDES apud NAPOLITANO, 2011, p.37-38). O regime estabelecia uma rígida censura a todos os meios de comunicação, artistas, intelectuais, estudantes, jornalistas se viram sendo caçados, aprisionados e torturados como delinquentes, alguns forçados ao exilio. O poder ditatorial intensificava-se com o direito de suspender os direitos políticos dos cidadãos e do habeus corpus em crimes contra a segurança nacional, julgando crimes políticos em tribunais militares, enquanto os porões dos DOI/CODI se enchiam do uso de tortura e assassinatos. Dentro deste contexto nacional, é no ano de 1968, no norte do Paraná, mas especificamente na cidade de Arapongas, surgiria de um conjunto de estudantes universitários, um grupo de teatro armador, sob a direção de Nitis Jacon3, denominado GRUTA – Grupo Universitário de Teatro de Arapongas, objeto de nossa pesquisa. Memoria esquecida? O GRUTA no cenário politico-cultural dos anos 60 e 70. O ano de 1968 foi embalado pelos festivais nacionais. O cenário artístico-cultural foi marcado pelo surgimento de novos compositores e artistas e pela tônica de protesto ao regime militar. No município de Arapongas, norte do Paraná, residia a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e foi nos seus pátios que promoviam-se após o termino das aulas, os ensaios do GRUTA, grupo de teatro universitário de Arapongas, dirigido por Nitis Jacon4. No mesmo ano, Nitis Jacon foi convidada por Délio Cesar, estudante da Faculdade de 3 Nitis Jacon de Araújo Moreira nasceu em 1935, na cidade de Lençóis Paulista, em São Paulo. Atriz e diretora teatral, professora aposentada pela Universidade Estadual de Londrina (onde foi vice-reitora e assumiu o processo de implantação do curso de Artes Cênicas), Nitis Jacon esteve à frente do Festival Internacional de Londrina (FILO) por mais de 30 anos. Criou vários grupos amadores no Paraná, entre eles, Gruta, Núcleo e Proteu. Ver http://www.filo.art.br/portal/index.php/site/noticias/ver/586. 4 Entrevista de Nitis Jacon ao Grupo de Teatro de Garagem. http://teatrodegaragem.com/teatroe-londrina-historias/videos/nitis-jacon/ 1994 Filosofia de Londrina, onde hoje atualmente funciona o Colégio Hugo Simas, a ser umas das colaboradoras do que, no futuro, se transformaria na FILO – Festival Internacional de Londrina5. É impossível discorrer sobre a formação do GRUTA sem abordar a construção do Festival de Londrina, pois ambos estavam, indiretamente ou diretamente ligados. Segundo Apolo Theodoro6 “As pessoas envolvidos na FILO sempre consideraram o festival como uma espécie de resistência democrática e cultural à tirania implantada no país em 1964”. Foi a exclusão do discurso político direto, aquilo de Délio Cesar denominou de pobreza cultural 7 que fez nascer a ideia de criar o primeiro Festival Universitário. Segundo Jacon (2010), em outubro de 1968 soldados da Força Pública e do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) promoveram um cerco ao XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna, prendendo mais de 1.000 estudantes, entre eles Alcides Carvalho ator do GRUTA. Para a diretora, o acontecimento confirmou o pressentimento que permeava na atmosfera e que posteriormente seria efetivado com o decreto do Ato Institucional nº5, o endurecimento da censura. Os anos posteriores seriam delicados. O Comando de Caça aos Comunistas (CCC) enviava mensagens ameaçadoras por correio. Sófocles foi denunciado como subversivo no Conselho Administrativo da Faculdade de Arapongas (onde o Gruta trabalhava), por ser o autor de Antígona. (...). O Conselho pretendia “expulsar” o Gruta, o que deu origem a um dos primeiros movimentos culturais organizados na região e, inclusive, com manifestações de repúdio em outros estados. (JACON, 2010, p.23) A primeira apresentação do GRUTA ocorre em 1969, durante o II Festival de Londrina. Sob o clima do governo Médici, denominado os “anos de chumbo”, a peça que viria a ser apresentada era Arena contra Tiradentes, de Boal e Guarnieri, identificada por suas propostas guerrilheiras8, contudo, a poucos dias da encenação, o grupo é proibido de encenar o espetáculo. Um 5 JACON, Nitis. Memória e Recordações Festival Internacional de Londrina – 40 anos. Editora Amen: Associação dos Amigos da Educação/Cultura Norte do Paraná, 2010, p.19-20. 6 Participou como ator e agitador do primeiro Festival Universitário de Londrina em 1968. Também integrou o Núcleo, grupo teatral de Londrina que organizava os festivais universitários nesta primeira fase histórica. 7 JACON, Nitis. Op.cit. 8 RIDENTE, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas e revolução. Do CPC à era da tv. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 157. 1995 banho de agua fria nos pouco mais de vinte estudantes que compunham o grupo de uma cidade pequena na qual muitos eram distanciados de tais questões políticas. Entretanto, uma outra peça foi definida em tempo recorde para que o grupo continuasse no Festival, “montamos em tempo recorde “Procura-se uma Rosa”, duas peças de um ato, de Gláucio Gil e Pedro Bloch. No programa, registramos: “pra não dizer que não falamos de flores”. Tímido protesto. O espetáculo ganhou sete premiações9”. No ano seguinte, em 1970, o Festival promoveria dez espetáculos, com uma maior abrangência aumentando o campo de visão artística do público e dos grupos. Neste ano, o Gruta montou o espetáculo “Arena conta Zumbi”, de Guarnieri e Boal, com músicas de Edu Lobo. O texto ao retratar o quilombo, depois de derrotado, referia-se no fundo ao golpe de 1964; da mesma forma que Zumbi fora traído por brancos que mantiveram comércio com o quilombo enquanto interessou, também o povo teria sido traído pela burguesia em 1964. GRUTA (Grupo Universitário de Arapongas), no espetáculo “Arena conta Zumbi”, em 1970 É interessante ilustrar bem o clima da época mediante uma análise do fato ocorrido entre os membros do grupo e os homens da censura. Segundo Jacon (2010), o Gruta protagonizou umas das farsas mais grotescas com a participação dos homens da censura; era o III Festival e tudo estava organizado para o início do espetáculo, quando inesperadamente os censores aparecem e suspendem a apresentação, mesmo a peça já tendo sido aprovada pela Censura em Brasília. O diálogo é descrito por Jacon da seguinte forma: Essa é a peça do Zumbi contra o Tiradentes? E eu: “Não, está é só do Zumbi...eles já fizeram as pazes...disse a mim mesma. 9 JACON, N. Op.cit. p.24 1996 O embate se perdurou até meados da noite, quando o grupo deixou o IBC e se dirigiu para Arapongas. “Sentíamos orgulho de estar entre os oprimidos e não entre os poderosos10”. Em 1971, concorrem ao Festival Universitário cinco grupo teatrais, neste ano o Gruta apresenta o espetáculo Arena conta Tiradentes, censurado em 1969. Neste mesmo ano, o Festival Universitário é assumido pela Universidade Estadual de Londrina, que entregam a organização a Nitis Jacon11. GRUTA, no espetáculo “Arena conta Tiradentes”, em 1971. No VI Festival, realizado em 1973, o Grupo Universitário de Arapongas apresenta Antígona, de Sófocles, peça denunciada ao Conselho Administrativo da Faculdade de Arapongas em 1968. Segundo Jacon (2010, p.64) Em 1973, foi o ano em que se definiram mais claramente os objetivos e a ação para o cumprimento das diretrizes apresentadas dois anos antes, quando a organização dera o sinal de partida para o processo. (...). Havia a consciência de que os instrumentos de repressão logo inibiram ou impossibilitaram o trabalho dos grupos mais expressivos e com maior poder de influência. O Gruta representava uma ferramenta de estratégia para fomentar um movimento mais abrangente de cultura teatral na cidade e na região. A arte tornou-se mais uma forma de luta contra o regime do que um instrumento para a revolução. Diferentemente da ideologia nacional-popular que permeava as manifestações culturais da década anterior, a contracultura buscava alertar sobre o que ocorria no ambiente, dessa forma, durante os anos que discorreram o governo Médici (1969-1974), as manifestações culturais apoiaram-se no seio das universidades. 10 JACON, N. Op.cit. p.26 OLIVEIRA, Maria da Glória de. Teatro em Londrina nos anos 60 e 70. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 1999, p.63 11 1997 No ano de 1977, em Arapongas ocorre o fechamento do Teatro Oduvaldo Vianna Filho; o nome havia sido sugerido pelo Gruta juntamente com a Biblioteca Pública Municipal, em homenagem póstuma ao autor e ator falecido em 1974. O espaço era utilizado pelo Gruta para a apresentação de espetáculos e só após o encaminhamento de uma carta de sugestões ao então recém-assumido prefeito municipal, descobriu-se o que “teatro estava fechado12”. As ações não tardaram a acontecer. O Gruta não demora em enviar inúmeras correspondências aos demais grupos de teatro do Paraná e a reação foi incisiva, tendo destaque a manifestação publicada no semanário O Pasquim, de 22 a 28 de julho de 1977, escrita por Ziraldo: O PASQUIM 22 A 28/07/77 Oduvaldo Vianna Filho é um dos nomes mais importantes da Cultura Brasileira nestes últimos tempos, fato reconhecido até oficialmente, uma vez que o próprio Governo, através de um dos seus órgãos de cultura achou por bem premiá-lo por seu trabalho. Já o prefeito da cidade de Arapongas, no estado do Paraná, não pensa assim. Os universitários de Arapongas botaram no seu teatro o nome de Oduvaldo Vianna Filho. Pois “Seu” Antônio Grassano Júnior, eleito pela Arena (naturalmente) entrou e fechou o teatro. Há uma grita nacional contra a atitude do prefeito ou contra essa burrice que anda “grassano” pelo Brasil. Perdão, leitores. – Ziraldo. (JACON, 2010, p.100) Na data que correspondia ao terceiro aniversário de falecimento de Vianinha, o Gruta prestou a homenagem que estava prevista, com as presenças da mãe e de sua viúva, o teatro portanto fora aberto. No XII Festival Universitário ocorreu sob o contexto da sanção a Lei de Anistia, promulgada em 1979 que permitia o retorno ao país de mais de cinco mil exilados, dentre eles músicos, escritores, intelectuais e outros membros. Neste ano o Gruta apresenta-se a portas fechadas por determinação da ditadura “Macumba Cívica” a partir da obra poética de Cecilia Meirelles e Dantas Mota. A partir do fim dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, o teatro armador no norte do Paraná começa a dar os primeiros sinais de esfacelamentos; alguns grupos se reestruturaram outros sumiram do cenário. 12 JACON, N.Op.cit. p.99. 1998 “O Gruta, (...), sofrera novas intervenções pela Faculdade de Filosofia de Arapongas vindo a interromper suas atividades em 198213”. Considerações finais A geração que vivenciou o final dos anos de 1960 e a década de 1970 deixou para trás a ideologia socialista do nacional-popular, fomentada pelo PCB, sendo fortemente marcada pela movimento da contracultura que se expandia pelo mundo. Diversos grupos culturais surgiram neste período como forma de mobilização política da época. A arte, principalmente o teatro, passou a ser a política em si, não mais um mecanismo auxiliar, mas sim a própria política, pois tratava de temas da realidade brasileira, destacando a intensa repressão e a necessidade de recuperar a liberdade de expressão. A ligação dos jovens inseridos no meio universitário com o teatro, fez com que as universidades se tornassem o seio dessas manifestações. A arte carregava uma bandeira mais rebelde que revolucionaria. Dentro dessa atmosfera estava o Gruta e seus membros, em sua grande maioria estudantes, localizados em uma cidade que caminhava “independente” não havia muito tempo – a emancipação de Arapongas ocorreu em 1947 – contribuindo para o que seria o sucesso do teatro armador no norte do Paraná, sucesso esse que pode ser compreendido através da vertente que o mesmo era um local onde os indivíduos que eram perseguidos ou sofriam com a exclusão social buscavam refúgio, proteção e compreensão. Apesar de pouco se saber a respeito do grupo de teatro de Nitis Jacon, a proposta do trabalho foi alcançada no sentido de resgatar essa história que pouco se tem acesso e que se esconde nas entrelinhas do tempo. A ditadura atingiu os pequenos centros urbanos, foi presente em todos os momentos até seu fim, e mesmo se tratando de uma cidade pequena durante os anos do golpe civil-militar, seus cidadãos vivenciaram suas consequências. 13 Op.cit. p.122. 1999 Referencias bibliograficas JACON, Nitis. Memória e Recordações Festival Internacional de Londrina – 40 anos. Editora Amen: Associação dos Amigos da Educação/Cultura Norte do Paraná, 2010. NAPOLITANO, Marcos. Coração Civil: arte, resistência e lutas culturais durante o Regime Militar Brasileiro (1964-1980). São Paulo, 2011. (Tese apresentada para o concurso de livre- docência à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo). OLIVEIRA, Maria da Glória de. Teatro em Londrina nos anos 60 e 70. Londrina. Londrina, 1999. Monografia (Especialização de História Social). Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 1999. RIDENTI, Marcelo. Cultura e Política: Os anos de 1960-1970 e sua herança. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida. (orgs.) O Brasil republicano: o tempo da ditadura – regime militar e os movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.133-167. RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas e revolução. Do CPC à era da tv. Rio de Janeiro: Record, 2000. Outras fontes Entrevista de Ivani Guidini, realizada em Arapongas em 23/05/2014. Entrevista de Nitis Jacon ao Grupo Teatro de Garagem, acessado em 15/05/2014. 2000