Parecer - Procuradoria Regional da República da 3ª Região

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Parecer - Procuradoria Regional da República da 3ª Região
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 3ª REGIÃO
AUTOS N.º 0018817-73.2012.4.03.0000
HABEAS CORPUS
IMPETRANTES: ELIANE VARGAS ROCHA
JAKSON FLORENCIO DE MELO COSTA
PACIENTE: MUNIR HASSAN AWAD
IMPETRADO: JUÍZO FEDERAL DA 2ª VARA CRIMINAL DE SÃO PAULO/SP
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI
QUINTA TURMA
Egrégio Tribunal.
Doutos Julgadores.
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de MUNIR
HASSAN AWAD, em face de suposto constrangimento ilegal praticado pelo
MM. Juízo Federal da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP,
consubstanciado no recebimento da denúncia contra o paciente, nos autos n.º
0011376-93.2010.403.6181, em que é acusado da prática dos crimes previstos
nos artigos 288 e 334 do Código Penal e no artigo 1º, incisos V e VII c.c o § 4º
da Lei nº 9.613/98.
Consoante se extrai dos autos, desvelou-se no bojo da
“Operação Estrada Real” a existência de uma organização criminosa, sendo
que o ora paciente atuava como administrador da empresa paraguaia
OLYMPIC GAMES, juntamente com seu irmão Adel Hassan Awad, que se
uniram com outros acusados em quadrilha para praticar diversos crimes, entre
os quais descaminho de equipamentos eletrônicos e corrupção, bem assim
lavagem de ativos.
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A denúncia foi recebida em 1º de junho de 2012 (fls.
34/53).
O presente writ foi impetrado em 25 de junho de 2012,
buscando o trancamento da ação penal n.º 0011376-93.2010.403.6181. Em
síntese, sustenta-se a ausência de justa causa para o prosseguimento da ação
penal, uma vez que não haveria indícios suficientes de autoria, sob a assertiva
de que um único diálogo travado pelo paciente foi captado nas interceptações
telefônicas realizadas nas investigações, sendo que tal conversa sequer
demonstraria a sua participação no esquema (fl. 02/08).
A impetração foi instruída com as cópias de fls. 09/27.
Distribuídos os autos nesse E. Tribunal Regional Federal
da 3ª Região, sem que tenha sido formulado pedido de liminar, o
Excelentíssimo Relator, Desembargador Federal Luiz Stefanini, requisitou
informações à autoridade impetrada (fl. 29/30).
O Juízo Federal da 2ª Vara Criminal Federal de São
Paulo/SP prestou informações à fl. 33, instruídas com as cópias de fls. 34/53.
Após, foi aberta vista a esta Procuradoria Regional da
República para manifestação.
É a síntese do necessário.
A ordem é de ser denegada.
Inicialmente, a discussão sobre alegada ausência de
suficientes indícios de autoria do crime imputado ao ora paciente não cabe na
estreita via do habeas corpus, devendo ocorrer no bojo da ação penal de
origem, com dilação probatória orientada pelo contraditório e pela ampla
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defesa.
Como é cediço, o habeas corpus somente se presta ao
trancamento da ação penal em casos excepcionais, quando patente o direito
alegado pelo impetrante, o que não é o caso dos autos, pois a exordial
acusatória cumpre seus requisitos formais e expõe os elementos que apontam
para a autoria delitiva de MUNIR HASSAN AWAD. Confira-se (fls. 40/41v):
“Com o passar dos anos, mas principalmente entre 2009 e 2012, os
administradores dos grupos 'Albert' e 'DW', bem como de um terceiro
grupo identificado através do monitoramento telefônico, denominado de
'SAF', que será descrito em maiores detalhes posteriormente, deixaram
em segundo plano as estratégias de importação subfaturadas e
interposição fraudulenta de empresas anteriormente utilizadas, passando
a importar mercadorias estrangeiras, notadamente consoles e jogos de
videogames, de fornecedores paraguaios através dos chamados
'freteiros', motoristas de caminhão contratados para cruzar a fronteira e
trazer a mercadoria diretamente à cidade de São Paulo, à revelia de
qualquer controle aduaneiro, praticando o descaminho na forma
considerada tecnicamente mais primitiva.
O principal fornecedor paraguaio era a Olympic Games, nome fantasia da
NP Group Sociedad Anonima, possuidora de três lojas em shopping
centers na cidade paraguaia de Ciudad Del este.
A Olympic Games era administrada pelos irmãos Adel e Munir, cujas
responsabilidades recaíam, respectivamente, sobre as áreas comercial e
financeira do empreendimento.
No Brasil, Adel e Munir constituíram um representante informal, André,
também conhecido como 'André Careca', que mantinha contato com os
clientes dos paraguaios e providenciava, assim como Adel, a contratação
de freteiros para que trouxessem a mercadoria fraudulentamente
importada do país vizinho.
Através das ligações telefônicas, foi possível identificar alguns dos nomes
ou apelidos de freteiros que mantiveram contato ou foram contratados
pelos denunciados, a saber, Moussa, Valdenir, Jonas, Carlos, Tia, Nina,
entre outros.
André coordena as atividades de transporte internacional das
mercadorias e seu armazenamento no depósito situado na Rua
Tangerinas, nº 318 no bairro da Casa Verde, nesta capital, bem como no
depósito mantido no mesmo bairro, em conjunto com os administradores
do grupo 'DW', localizado na Rua Zanzibar, nº 845.
Sandro é o braço direito de André. Sandro mantinha contato com os
freteiros, recebia as mercadorias, organizava a montagem e embalagem
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dos consoles de videogames e ocasionalmente entregava os pedidos aos
grupos Albert, DW e SAF, recebia e fazia pagamentos, tudo sob o
comando de André.
Ouvido (fls. 551/554 do volume III dos autos principais) acompanhado de
advogado, Sandro confirmou as atividades que realizava e disse receber
ordens de André e de Eduardo Naufal. Afirmou que, a mando de André,
viajou à Foz do Iguaçu para entregar um envelope com cheques a uma
pessoa que o aguardava no aeroporto. A viagem foi confirmada no
relatório de diligência policial nº 013/2012 (fls. 977/978). André, ouvido às
fls. 642/647 e 666/667, afirmou que os cheques eram de Samir Assad
Filho e destinavam-se a Adel.
André mantinha contato constante com Adel. Em 4 de janeiro do
corrente, por exemplo, André encontrou-se com Adel no aeroporto de
Guarulhos, enquanto o último, vindo de Pernambuco, aguardava voo de
retorno ao Paraguai. Juntos, conforme relatório de diligência policial
008/2012 (fls. 951/956 dos autos principais) foram à sede do grupo 'SAF',
na Rua Canadá, onde Adel manteve contato com Samir Assad e
recebeu alguns cheques.
Enquanto Adel tratava da parte comercial dos negócios mantendo
contato com os clientes brasileiros através de André, Munir era o
responsável pela área financeira da Olympic Games, inclusive pela
concessão de crédito a clientes, como se pode observar pelos diálogos
transcritos às fls. 960/962.
Os diálogos transcritos ás fls. 980/983 ainda dão conta que André,
visando burlar eventual fiscalização no transporte de mercadorias entre
os depósitos e seus clientes, providenciava notas fiscais material ou
ideologicamente falsas.
Em 27 de fevereiro do corrente, um caminhão do 'freteiro' Amilton,
enviado por Adel para André foi interceptado pela Polícia Militar e
encaminhado para a Polícia Federal (fls. 994/1006). Os diálogos
monitorados demonstram a preocupação de André e Sandro com o
destino das mercadorias. Trinta e oito caixas de papelão com produtos
eletrônicos (videogames Playstation, acessórios e cabos para jogos,
máquinas fotográficas e celulares) foram encontradas ocultas sob sacos
de fécula de mandioca. Alguma das caixas possuíam a inscrição 'Careca'.
Ouvido no DPF, Amilton declarou que Careca utilizava o telefone 118943-7442, justamente um dos telefones monitorados utilizados por
André, sendo que este, num dos diálogos após tomar conhecimento da
apreensão, afirmou que providenciaria uma nota para buscar a restituição
da mercadoria.
(…)
A Techtronics Comércio de Produtos Eletrônicos Ltda. tinha Jean, Neuma
e Patrícia como seus principais funcionários. Como se pode observar
pelos resultados do monitoramento telefônico e pelos demais elementos
documentais contidos nos autos, Jefferson determinava as compras e
pagamentos que deveriam ser realizados e tratava diretamente com os
principais clientes da empresa, grande grupos de lojas de departamentos,
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como Lojas Americanas S.A. e B2W, da qual faz parte a Submarino.
(...)
Os monitoramentos telefônico e telemático (fls. 1046/1060) demonstram
intenso relacionamento comercial clandestino entre a empresa
administrada por Jefferson e seu pai, de um lado, e a Olympic Games,
administrada por Adel e Munir, de outro, com a intermediação de André”
Quando da deflagração da operação policial, policiais federais e auditores
da Receita Federal apreenderam, no depósito utilizado pela Techtronics,
mercadorias estrangeiras desacompanhadas de documentação fiscal
avaliadas em mais de um milhão de reais, conforme autos de infração e
termo de apreensão e guarda fiscal de mercadorias nº 0815500/SEPMA
000214/2012”.
Outrossim, a denúncia encontra-se devidamente amparada
em elementos que apontam para a autoria delitiva de MUNIR HASSAN AWAD.
Primeiramente, da análise da documentação acostada, o
paciente estaria envolvido com estruturada organização criminosa voltada à
prática, reiterada e habitual, de crimes de descaminho, lavagem de capitais e
formação de quadrilha.
Conforme se extrai do relatório policial parcialmente
copiado às fls. 11/18,
“Durante as investigações, em que pese MUNIR HASSAN AWAD não
falar pelo terminal telefônico de sua loja, restou amplamente configurado
que o mesmo atua como efetivo administrador da empresa paraguaia
OLYMPIC GAMES, juntamente com seu irmão ADEL.
Aparentemente, MUNIR não fala no telefone da OLYMÌC GAMES, pois
não possui atribuições na parte comercial da empresa, sendo tal
responsabilidade afeta a ADEL, que diariamente conversa com diversos
clientes brasileiros pelo telefone, abordando assuntos referentes a preços
de mercadorias, prazos de entrega, freteiros que retiram os produtos,
formas e prazos de pagamentos, etc.
De fato, segundo apurado, a atuação de MUNIR está mais ligada à área
financeira da OLYMPIC GAMES, tendo contato mais direto com os
bancos e com 'doleiros' que trazem o dinheiro das vendas até o Paraguai,
sendo que tal contato aparentemente ocorre via email ou outros meios
telemáticos.
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Nesse sentido, em ligação abaixo, data de 23/01/2012, SANDRA,
funcionária da OLYMPIC GAMES, informa para MOHAMED (cliente), que
'quem cuida das contas não é mais ADEL, quem cuida de crédito é o
MUNIR... é MUNIR que dá a palavra final para fazer qualquer conta a
prazo', deixando claro e evidente que MUNIR administra a empresa na
parte financeira. (...)
Na ligação abaixo do dia 18/02/2012, o próprio MUNIR fala ao telefone,
restando evidenciado que, dentro da empresa OLYMPIC GAMES, MUNIR
atua na parte financeira, autoriza créditos e altera limite de créditos para
seus clientes. (...)
Ainda, durante a ligação abaixo datada de 08/02/2012, verifica-se que
'CARECA' está em Foz do Iguaçu e está atravessando a ponte para o
Paraguai. 'CARECA' pergunta para ADEL se MUNIR está lá na loja
também, sendo que ele diz que está indo pra loja se reunir com ADEL e
MUNIR, deixando evidências de que ambos administram a empresa. (…)
Outra ligação que mostra que MUNIR administra financeiramente a
empresa OLYMPIC GAMES foi travada entre ADEL e EDUARDO (Grupo
DW), na qual este afirma para ADEL que 'o MUNIR fica vendo números
e deve tá te pilhando pra caramba. Tem quase 400 mil DÓLARES para
vocês baixarem da minha conta'.
De fato, o teor da conversa demonstra que ADEL presta satisfações
financeiras de seus clientes para seu irmão MUNIR dentro da loja, pois
este cuida na parte financeira.”
Portanto, há justa causa para ação penal, pois há
elementos suficientes acerca da existência de fatos que constituem crime e
indícios de autoria (fumus boni juris) que justificavam o recebimento da
denúncia e o prosseguimento da ação penal.
Ante o exposto, o parecer é pela denegação da ordem.
São Paulo, 20 de julho de 2012.
ISABEL CRISTINA GROBA VIEIRA
Procuradora Regional da República
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