Governo mexicano participou do ataque contra estudantes de

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Governo mexicano participou do ataque contra estudantes de
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AGÊNCIA DE REPORTAGEM E JORNALISMO INVESTIGATIVO
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Governo mexicano participou do ataque contra estudantes de
Ayotzinapa
Categoria : Reportagens
Data : 15 de janeiro de 2015
*Especial para Agência Pública
O governo do presidente mexicano Enrique Peña Nieto participou do ataque aos estudantes da escola
normal rural de Ayotzinapa na noite de 26 de setembro em Iguala, no Departamento de Guerrero, que
resultou em três mortos e 43 desaparecidos. Testemunhos, vídeos, relatórios inéditos e declarações
judiciais que constam dos procedimentos da Procuradoria Geral de Justiça de Guerrero mostram que a
Polícia Federal (PF) participou diretamente dos fatos.
A versão oficial do governo mexicano é de que o prefeito de Iguala, José Luis Abarca (PRD),
supostamente ligado à quadrilha Guerreros Unidos, havia ordenado o ataque para evitar que os estudantes
atrapalhassem um evento eleitoral de sua mulher, María de los Ángeles Pineda Villa, no centro da cidade.
As polícias municipais das localidades de Iguala e Cocula teriam atacado e capturado os estudantes,
massacrados e queimados pela quadrilha Guerreros Unidos, sem que o Exército e a Polícia Federal
tivessem conhecimento dos fatos.
Mas a investigação realizada para esta reportagem, com apoio do Programa de Jornalismo Investigativo
da Universidade de Berkeley, Califórnia, revelou uma história bem diferente. Além da Polícia Federal,
também o Exército mexicano participou do ataque.
[relacionados]
Um relatório inédito do governo de Guerrero, concluído em outubro e entregue pouco depois à
administração de Peña Nieto, prova que os estudantes foram monitorados pelos governos estadual,
municipal e federal no dia 26 de setembro, desde que saíram da escola, através do Centro de Control,
Comando, Comunicaciones y Cómputo (C4), que reúne os três níveis de governo.
Às 17h59 o C4 de Chilpancingo informou que os normalistas estavam saindo de Ayotzinapa em direção a
Iguala. Às 20 horas a PF e a polícia estadual chegaram à estrada Chilpancingo-Iguala onde os estudantes
tinham feito uma arrecadação de doações. Às 21h22 o chefe da base da PF, Luis Antonio Dorantes, foi
informado – pessoalmente e através do C4 - de que os estudantes tinham entrado na estação do ônibus; às
21:40 o C4 de Iguala reportou o primeiro tiroteio aos três níveis de governo,
De acordo com o relatório de investigação preliminar dos fatos, a Fiscalía General de Guerrero havia
ordenado desde 28 de setembro que a PF informasse “com urgência” se seus integrantes participaram
ativamente dos fatos ocorridos em 26 de setembro (entre as 20 horas e o dia seguinte), e, em caso
positivo, quantos policiais estavam envolvidos. Também pediu o registro de entrada e saída de pessoal da
base de operações da PF, localizada a cinco minutos do lugar do ataque, o número de patrulhas, e o
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registro do armamento usado entre 24 a 28 de setembro. De acordo com o relatório da investigação prévia
(HID/SC/02/0993/2014) a PF nunca entregou a documentação exigida.
Entre os documentos reunidos por essa investigação estão 12 vídeos gravados nos celulares pelos
estudantes durante o ataque. Em um deles, a presença da PF está claramente identificada. “Os policiais já
estão indo, vão ficar os federais que vão querer nos provocar”, diz em uma das gravações um estudante,
no momento em que seu companheiro Aldo Gutiérrez Solano acabava de levar um tiro na cabeça e jazia
na rua em uma poça de sangue. Aldo ainda está em coma.
Por causa da pressão política, o governo de Guerrero se afastou das investigações em 4 de outubro, que
passaram ao controle do governo federal, quando se ocultou a participação da PF e do Exército no ataque
e testemunhos foram manipulados para contribuir com a versão oficial dos fatos. Documentos da PGR,
obtidos pela reportagem, revelam que pelo menos seis dos supostos integrantes de Guerreros Unidos que
testemunharam contra Abarca, policiais de Iguala e Cocula, foram detidos ilegalmente, espancados ou
torturados antes de depor. Dois deles são Raúl Núnez Salgado, suposto operador financeiro da
organização criminosa e Sidronio Casarrubias, tido como líder.
A Equipe Argentina de Antropologia Forense, reconhecido mundialmente por sua experiência na
localização de corpos dos desaparecidos da ditadura militar na Argentina, informaram no dia 7 de
dezembr identificou um corpo entregue pela PGR como do estudante Alexander Mora. Um entre 43
desaparecidos. Mas a Equipe Argentina assinalou que a versão da PF -de que os restos mortais foram
encontrados em um rio- não poderia ser comprovada porque os técnicos forenses não estavam presentes
durante a descoberta do corpo e não puderam analisar a área.
O governo os vigiava
Do relatório elaborado pelo governo de Guerrero sobre o ataque aos estudantes consta a ficha informativa
número 02370, assinada pelo coordenador de operações da Região Norte da Secretaría de Seguridad
Pública y Protección Civil de Guerrero, José Adame Bautista, com data de 26 de setembro. Ali se afirma
que às 17h59 “o C4 Chilpancingo informou a saída de dois ônibus da viação Estrella de Oro, com os
números 1568 e 1531, levando estudantes da escola rural Ayotzinapa em direção à cidade de Iguala…”.
Isso significa que os governos estadual e federal – além do municipal - já estavam monitorando os
estudantes antes do ataque, já que os três níveis de governo estão presentes no C4 de Chilpancingo e
Iguala. En 2013 houve várias reuniões públicas entre o governador Angel Aguirre e o Secretário de
Governo Miguel Angel Osorio Chong reforçando essa cooperação.
Em seu relatório, Adame Bautista escreve que os dois ônibus chegaram às 20 horas à cabine 3 do pedágio
de Iguala. Em uma ação coordenada, a polícia estadual, com quatro elementos, e a PF com cinco
elementos e três patrulhas sob o comando do oficial Victor Colmenares Campos, “monitoraram” as
atividades dos estudantes.
“A Polícia Estadual se fez presente no local, mantendo-se à distância dos jovens, que minutos depois
decidiram se retirar do lugar sem que se registrasse nenhum incidente ou confronto, relata o citado
documento do governo de Guerrero.
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Segundo depoimentos judiciais da investigação preliminar HID/SC/02/0993/2014 e outras testemunhas,
Abarca e a esposa saíram da praça central de Iguala às 20h45 e foram jantar com oito membros da família
em um restaurante modesto a 15 minutos do centro de Iguala. Quando os estudantes chegaram na estação
central eran 9 da noite e portanto a presença deles não afetaria o evento político como alega a PGR
justificando sua versão dos fatos.
A dona do restaurante, a senhora Lili, confirmou que a familia saiu às 22h30 em absoluta tranquilidade
junto com as respectivas escoltas e um motorista.
O prefeito de Iguala e sua mulher, irmã de narcotraficantes que atuam em Guerrero desde 2000, foram
apontados pelo governo estadual e pela PGR como os principais responsáveis pelo ataque e
desaparecimento dos estudantes e detidos no dia 4 de novembro em seu esconderijo na cidade do México.
Abarca permanece preso, mas a PGR ainda não conseguiu uma ordem de prisão contra sua esposa.
Os estudantes
Omar García, líder do Comité de Orientación Política e Ideológica (COPI) da escola normal de
Ayotzinapa explicou que este ano sua escola tinha se encarregado de conseguir 20 ônibus para que as
escolas normais rurais fossem à tradicional marcha de 2 de outubro que rememora o massacre estudantil
de 1968. Antes de ir a Iguala já tinham “capturado” oito ônibus e estavam em busca de mais no dia do
massacre. Ao contrário da versão da PGR, afirmou que os estudantes nunca tiveram a intenção de
protestar contra o prefeito e sua esposa.
A história da escola normal está marcada pela trajetória do guerrilheiro Lucio Cabañas, que estudou ali e
na década de 1960 chefiou o grupo armado Partido de los Pobres em Guerrero. Seu movimento foi
perseguido ferozmente pelo governo, particularmente pelo Exército na chamada “guerra suja” quando
ocorreram desaparecimentos e execuções. Desde então a escola é relacionada com a guerrilha e seus
estudantes sofrem ataques ou abusos de autoridade.
O ataque de 26 de septiembre não foi apenas contra os estudantes mas contra a estrutura política e
ideológica da escola. Um dos estudantes desaparecidos fazia parte do Comité Lucha Estudiantil (CLE), o
órgão máximo de governo da escola normal, e 10 eram “ativistas políticos em formação” do COPI,
segundo Omar García.
Garcia conta que os estudantes pegaram cinco ônibus. Dois foram em direção ao Periférico sul e os outros
três erraram o caminho. Testemunhas afirmam que por volta das 22 horas viram três ônibus de
passageiros na rua Juan N Álvarez, e que quando estavam perto da catedral, os estudantes começaram a
descer. O motorista do primeiro ônibus, Hugo Benigno Castro disse em depoimento judicial que os
estudantes desceram para perguntar onde ficava a saída para Chilpancingo.
Foi ali o primeiro ataque. Ouviram-se tiros e as pessoas começaram a correr. O policial municipal Raúl
Cisneros declarou que estava no lugar e admitiu que lutou com dois estudantes que supostamente queriam
desarmar seu supervisor de turno, Alejandro Temescalco, e ele, por isso fizeram disparos para o ar.
Apesar da rua estar cheia de gente não houve feridos. Os estudantes jogaram pedras e afugentaram as
patrulhas. Os três ônibus seguiram então em direção a Periférico, já longe do centro, onde a rua é mais
escura e pouco movimentada.
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A Policía Federal
O secretário de Segurança Pública municipal, Felipe Flores Velázquez, em sua declaração judicial do dia
27 de setembro, disse que às 21h22 recebeu uma comunicação telefônica de que os estudantes estavam
tomando os ônibus. Afirmou ter ligado imediatamente para Luis Antonio Dorantes, chefe da base da PF,
que lhe garantiu que estaria alerta.
O relatório do governo de Guerrero afirma que depois de tomar conhecimento da captura dos ônibus
pelos estudantes a Secretaría de Seguridad Pública y Protección Civil do estado “reuniu todo o seu
pessoal nas instalações da policía estadual e que essa mobilização se deu “diante dos fatos que estavam se
desenrolando.”
“Às 21h30 os radioperadores da policía estadual de C4 Iguala e do Quartel Regional me deram a
conhecer que as operadoras do serviço de emergência 066 tinham atendido a uma chamada telefônica em
que se advertia que os estudantes da normal rural Ayotzinapa estavam fazendo confusão nas centrais de
ônibus Estrella Blanca e Estrella de Oro…”, apontou Adame Bautista em sua ficha de informações. Ele
especifica que na chamada se pedía “o apoio das autoridades”.
O C4 está sob o controle da polícia estadual mas há um radiooperador de cada uma das forças: Exército,
Policía Federal, policía estadual e municipal. As instalações da polícia municipal, da PF e do 27 Batalhão
de Infantaria ficam na mesma zona, a uma distância de 3 a 4 minutos do local do ataque. Do C4 se
controla a rede de câmaras de vigilância de Iguala, algumas localizadas no centro da cidade, onde
ocorrem três ataques, mas apesar de requeridas pela Fiscalía General del Estado, as imagens dessas
câmaras nunca foram entregues.
Às 21:40 o C4 de Iguala recebeu o aviso de “disparos de arma de fogo”. Segundo Adame Bautista a
policía estadual não atendeu à contingência por ordem do subsecretário de Prevención y Operación
Policial estadual, Juan José Gatica Martínez, e por isso os policiais teriam ficado protegendo as
instalações prisionais locais.
Natividad Elías Moreno, radioperador da polícia municipal de Iguala explicou em entrevista que o C4 de
Iguala está conectado ao Sistema Nacional de Segurança Pública, controlado pela Secretaría de
Gobernación, cujo titular é Miguel Ángel Osorio Chong. Afirmou categoricamente que todos os informes
que chegam ao C4 são simultaneamente recebidos pela PF, Exército e as outras instituições.
“Se nessa noite as informações sobre a ocupação dos ônibus pelos estudantes e sobre o tiroteio chegaram
na C4, todas as instituições se inteiraram do assunto?”, perguntaram-lhe na entrevista. “Definitivamente
sim”, respondeu o radioperador
O Procurador Jesús Murillo Karam afirmou, em 7 de novembro do ano passado, que o “radioperador da
central de policía de Iguala David Hernández Cruz” declarou que foi Abarca quem ordenou o ataque aos
estudantes. De acordo a cópia obtida da “Orden de los Servicios Operativos de Vigilancia así como de los
Servicios Administrativos”, não nenhum existe nenhum empregado dessa corporação com esse nome.
Videos da noite infernal
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Os estudantes sofreram quatro ataques durante a noite de 26 de setembro e a madrugada do dia 27. Uma
operação precisa e bem orquestrada que supera as capacidades de qualquer policía municipal mexicana.
O segundo ataque ocorreu algumas quadras antes de chegar ao Periférico. As balas atingiram os vidros
dos ônibus e furaram os pneus. Uma patrulha municipal impediu a passagem da caravana dos três ônibus
e outras patrulhas por atrás. Alguns estudantes tentaram passar por uma das patrulhas. O estudante
Cornelio Copeño disse em sua declaração que esse foi o momento em que seu companheiro Aldo levou
um tiro na cabeça e caiu no chão.
O motorista do ônibus disse que o ataque durou mais de 30 minutos. Os doze vídeos obtidos captaram a
agressão. Em um audio sem imagen se ouvem os disparos. Em outro se vê Aldo ao lado da patrulha
agitando os braços. Em outra gravação se escuta os estudantes reclamando com os policiais que estavam
na parte traseira dos ônibus recolhendo as cápsulas detonadas.
O terceiro ônibus foi o mais atingido, os assentos e corredores manchados de sangue nas fotos tiradas
pelos estudantes. Dali se levaram alguns dos 43 desaparecidos.
Em seu depoimento, o normalista Francisco Trinidad Chalma disse que havia cerca de sessenta policiais
em volta de 17 ou 18 detidos do lado esquerdo do ônibus. Outros testemunhos dos estudantes falam em
mais de trinta policiais “em posição de tiro”. Alguns descreveram agressores com equipados com frente,
joelheiras, capacetes, cotoveleiras e balaclavas acompanhados de uma patrulha trazia equipamentos para
metralhadoras. Investigações mostraram a polícia municipal de Iguala não usava esse equipamento que
também não está entre os objetos apreendidos pela Fiscalía.
"... Eu perguntei aos colegas que estiveram na cena do crime quem os tinham baleado, e eles me disseram
que primeiro os policiais municipais usaram uma patrulha identificada para impedir a sua circulação, e
que quando alguns colegas ao lado tentaram reduzir para passar pela patrulha chegou a Polícia Federal
que disparou contra meus pares, ferindo vários deles ... ", disse à Fiscalía o estudante Luis Pérez
Martínez, que afirmou que os policiais federais estavam recolhendo as cápsulas para não deixar provas.
Uma testemunha entrevistada disse que foi ver o que se passava. Quando chegou, a rua estava fechada por
policiais encapuzados, com armas grandes, uniformes escuros e com um detalhe que fixou na memoria:
suas calças eram diferentes das usadas pela policía municipal. Disse que ficou com medo e foi embora.
Os estudantes que estiveram durante os três ataques foram procurados mas não foi possível localizá-los.
Foi informado que nas primeiras declarações prestadas na manhã do dia 26, eles deram nomes falsos por
medo e que depois seus pais os tiraram da escola.
No dia 27 de setembro a PF assumiu o controle da segurança pública em Iguala e junto com o Exército
participou da busca aos desaparecidos. Depois do ataque o chefe da base da PF, Luis Antonio Dorantes, e
o oficial Victor Colmenares, que vigiou os estudantes quando eles chegaram na estrada, foram removidos
do cargo, segundo informações da base policial.
A PGR pôs toda a culpa na polícia municipal de Cocula e de Iguala. No entanto, a base de Iguala tem
uma única entrada e saída por onde não passam as pick-ups Roll Bar da polícia municipal que teriam
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levado os estudantes aos bandidos. Seria preciso embarcar os estudantes na rua chamando a atenção de
todos os vizinhos que vivem ao lado da base policial, que disseram em entrevistas não terem visto nada
de anormal naquela noite e que estranhavam que os policiais que serviam apenas para controlar os
bêbados da cidade tivessem executado aquela operação.
Em depoimentos oficiais, os policiais de Iguala disseram entre 22h30 e 23 horas receberam ordens para ir
à base da PF, onde ficaram até o dia seguinte. Foi nessa hora que ocorreu o terceiro ataque.
O terceiro e quarto ataques
Às 23h Omar García chegou a Iguala junto com outros estudantes de Ayotzinapa depois de ter recebido
um pedido do socorro de seus companheiros. Houve uma hora que os disparos pararam e não se via mais
a polícia. Os estudantes chamaram a imprensa e enquanto davam entrevista um comando abriu fogo
contra eles a distancia. Dispararam a correr – mas muitos ficaram feridos e dois estudantes caíram mortos:
Daniel Solís y Yosivani Guerrero.
Omar descreveu os disparadores como “gente treinada” que atacou “em formação” concentrando “os
disparos de fogo no lugar em que estávamos”, afirmou. “Havia um tiroteio que vinha de uma altura e
depois provenientes a outra altura”. Segundo os exames periciais, havia duas trajetórias de balas: uma de
cima para baixo e outra de baixo para cima.
Os atacantes para para recarregar e foi essa a oportunidade que os estudantes tiveram para correr.
Junto com esse terceiro ataque houve uma quarta agressão contra um dos ônibus de normalistas que se
dirigía ao Periférico Sul. De acordo com o relatório da Fiscalía o ônibus da Estrella de Oro foi atacado no
trecho Iguala-Mezcala, e ficou com os vidros quebrados e pneus furados e se encontraram pedras com
vestigios de sangue e de gás lacrimogênio.
Também foi atacado por engano um ônibus de jogadores de futebol em que morreram mais três pessoas.
Ao fim dessa noite, havia seis mortos, 29 feridos por arma de fogo e 43 desaparecidos.
Às 10 da manhã de 27 de setembro, o corpo de Julio Cesar Mondragón, o terceiro estudante assassinado
foi encontrado nas imediações do C4, na zona industrial de Iguala. Tinha o rosto destruido, sem um dos
globos oculares e a calça enrolada até a debaixo dos glúteos. Não tinha marcas de tiro, morreu por fratura
do crânio segundo a autópsia e por isso pode ter sido um dos estudantes sequestrados dos ônibus
A participação dos militares
O secretário da Defesa, Salvador Cienfuegos, disse aos deputados no dia 13 de novembro que 27º
Batalhão de Infantaria, comandado pelo coronel José Rodríguez Pérez, tomou conhecimento do ataque
duas horas depois de ocorrido. Mas não foi isso que aconteceu,
Logo depois do segundo ataque, entre às 23h e meia-noite, o Capitão Crespo, do 27o Batalhão de
Infantaria, usando uniforme militar camuflado chegou à base da polícia municipal de Iguala junto com
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12 militares fortemente armados a bordo de duas viaturas. Com o pretexto de que estaria em busca de
uma moto branca, Crespo vasculhou todo o local. Mais tarde chegou um aviso de que havia uma moto
retida no centro e Crespo foi procurado no Batalhão mas ele não estava lá. Testemunhas da visita do
Capitão disseram que depois que souberam do desaparecimento dos estudantes a conduta de Crespo lhes
pareceu ainda mais suspeita.
Uma faixa colocada nos arredores de Iguala no dia 30 de outubro, dirigida a Peña Nieto e supostamente
assinada por um narcotraficante conhecido como “El Gil”, responsabilizava entre outros o Capitão
Crespo pelo desaparecimento dos estudantes de Ayotzinapa, acusado de trabalhar para o crime
organizado.
Outro comando militar apareceu entre meia-noite e uma hora da manhã no hospital para onde os
estudantes haviam levado seu companheiro Edgar com um tiro no rosto. Segundo Omar Garcia, os
militares os revistaram procurando armas, fizeram com que tirassem a camisa, depois os fotografaram e
pediram seus nomes “verdadeiros”, como explicou Omar: “Se derem nomes falsos nunca mais ninguém
vai encontrá-los disse textualmente o comandante segundo Omar que entendeu a advertencia como
ameaça: “Estavam insinuando que iam sumir com a gente, nos deixar em algum lugar”.
Torturados antes de depor
Documentos provam que, depois que a PGR assumiu as investigações em 5 de outubro, pelo menos cinco
supostos integrantes de Guerreros Unidos que fizeram declarações contra Abarca e a polícia municipal de
Iguala e Cocula foram torturados pela Marinha e pela PF antes de depor.
Sidronio Casarrubias, acusado pela PGR de ser o líder máximo de Guerreros Unidos, foi detido no dia 15
de outubro entre as nove e dez da noite em um restaurante brasileiro embora a PGR tenha dito que ele
havia sido capturado na estrada México-Toluca. Raúl Núñez Salgado, o dono de um açougue em Iguala
que costuma organizar bailes na cidade, foi preso no dia 16 de oubrubro quando saía de um centro
comercial em Acapulco; antes do depoimento, apresentava mais de trinta feridas em diferentes partes do
corpo, hemorragia interna nos olhos, machucados nos ouvidos, hematomas de 12 por 8 centímetros no
rosto, e marcas no pescoço, braços e costelas. Fez uma queixa de espancamento contra os marinheiros que
o prenderam.
Carlos Canto, conhecido como “El Pato”, professor do Ensino Médio e dono do bar La Perinola, foi
detido em Iguala no dia 22 de outubro. Em declaração judicial do dia 29 de outubro disse que foi
torturado com choques elétricos e espancamento pela Marinha para acusar uma lista de nomes
previamente preparada pelos militares.
No dia 7 de noviembre pasado, o Procurador Murillo Karam apresentou Patricio Reyes Landa,
visivelmente machucado, como autor de uma suposta confissão de que havia matado e queimado os
estudantes.
Francisco Lozano e Eury Flores foram presos pela Marinha em 27 de outubro em Cuernavaca, Morelos.
De acordo com o exame físico da PGR, Flores tinha hematomas nas costelas, no olho, no lábio e disse
que quería apresentar uma denuncia contra seu agressor. Lozano tinha uma ferida no tórax e outras
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marcas e declarou ter sido torturado pelos elementos da Marinha que o prenderam,
O contador Nestor Napoleón Martínez, filho de um funcionário da Secretaria de Saúde de Guerrero, foi
detido em 27 de outubro. Ao se apresentar à PGR tinha mais de dez lesões entre elas hematomas no
estômago e na área dos testículos. Afirmou que tinha sido ferido durante a prisão.
Vidulfo Rosales, advogado dos normalistas e dos familiares dos desaparecidos, disse em uma entrevista
que desde o início os estudantes apontaram a presença da PF nos ataques. E no final de novembro os
estudantes acrescentaram novas declarações em seus depoimentos à PGR para incluir a participação dos
federais e do Exército nos ataques.
No dia 21 de novembro o juiz Ulises Bernabé García foi convocado pela PGR e voluntariamente contou a
visita do Capitão Crespo à base policial municipal, afirmando que os estudantes de Ayotzinapa nunca
foram levados para lá, desmentindo a versão do governo federal.
Apesar dos documentos que provam que o governo vigiou os estudantes desde quatro horas antes do
ataque, que soube do ocorrido durante todo o tempo, até hoje - um mês depois desta investigação ser
publicada no México - o governo mexicano segue negando os fatos e se recusa a dar uma explicação
sobre sua participação e a participação de suas forças de segurança naquela noite. Os pais dos estudantes
desaparecidos, agora, exigem que se investigue a participação da PF e do Exército.
Anabel Hernandez é uma das mais respeitadas jornalistas investigativas do México,
especializada em denunciar casos de corrupção, narcotráfico e abusos de poder. Colaboradora das
revistas Reforma e Processo, sua obra mais conhecida é o livro “Los Señores del Narco”,
publicado em 2010. Em 2012, recebeu da Associação Mundial de Jorais e Editoras de
Notícias (WAN-IFRA) o prêmio Pluma de Oro de la Libertad. Foi eleita em 2014 pela
organização Repórteres sem Fronteiras como um dos "100 herois da informação", ao lado de
Julian Assange e Glenn Greenwald.
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