Ação Civil Pública, com pedido de liminar em defesa da

Transcrição

Ação Civil Pública, com pedido de liminar em defesa da
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __ VARA
CÍVEL DA COMARCA DE PARANAGUÁ/PR.
O MINISTÉRIO
PÚBLICO
DO
ESTADO
DO
PARANÁ, por seus Promotores de Justiça signatários, vem, respeitosamente, perante
Vossa Excelência, com base no Procedimento de Acompanhamento e Verificação nº
251/09 em anexo, na forma do artigo 127, “caput”, artigo 129, incisos II e III, da
Constituição Federal, artigos 74, 81 e 82 da Lei nº 10.741/2003 propor
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA
COM
PEDIDO
DE
LIMINAR EM DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA contra
ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito
público, ente representado, para fins judiciais, pelo Excelentíssimo Senhor ProcuradorGeral do Estado, a ser citado na Rua Conselheiro Laurindo, nº 561, Centro, no
Município de Curitiba, pelos seguintes fundamentos fáticos e jurídicos:
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1. DOS FATOS
Infere-se do procedimento para solicitação de
medicamentos de dispensação excepcional, que instrui o presente Procedimento de
Acompanhamento e Verificação, que o Sr. Antonio José Guilherme Gomes
Pereira, pessoa idosa nos termos da Lei n.º 10.741/2003, já que nascido aos
30/11/1929, atualmente, com 80 anos de idade, paciente do SUS, foi
diagnosticado com degeneração macular relacionada à idade (CID H 35.3).
A DMRI (degeneração macular relacionada à idade) é
uma doença progressiva da mácula que resulta em perda de visão central, uma das
causas de cegueira legal, sendo que o Sr. Antonio José Guilherme já teve perda total da
visão do olho esquerdo, que se apresenta atrófico, e está com perda visual pronunciada
no olho direito desde fevereiro de 2008.
A
Secretaria
Municipal
de
Saúde
de
Paranaguá
encaminhou o paciente para tratamento no Hospital dos Olhos de Paraná, rede
credenciada do SUS, onde é acompanhado pelo médico Dr. Rommel Josué Zago, o
qual, no dia 01º de julho de 2009, encaminhou relatório médico sobre sua situação
clínica, prescrevendo, com urgência, a utilização do medicamento Lucentis, 06 ampolas,
para uso intra-ocular, a cada quatro semanas. Neste relatório médico restou consignado
que: “o Sr. Antonio José Gomes Pereira é portador de Degeneração macular
relacionada à idade. Teve perda total da visão do olho esquerdo, que hoje se apresenta
atrófico, devido às complicações da degeneração macular relacionado à idade, e no
seu olho direito, iniciou com perda visual mais pronunciada em fevereiro do ano
passado. Foi tratado com sucesso com injeções intra-vítreas de Macugen. Apresentou a
alguns dias perda visual progressiva no olho direito. Realizamos exame de tomografia
óptica coerente que mostrou presença de fluidos e cistos intra-retinianos e
descolamento do epitélio pigmentar macular, confirmando a recidiva de membrana
neovascular sub-retiniana relacionada à degeneração macular. Hoje apresenta
acuidade visual de 20/40 parcial no olho direito e amaurose (cegueira total) no olho
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esquerdo. O paciente apresenta visão distorcida (metamorfopsia) e perda progressiva
da visão do olho direito. Existe urgência em tratar-se a patologia apresentada, uma vez
que a mesma está progredindo e baixando cada vez mais a sua visão e diminuindo as
chances de recuperação visual. O paciente já foi submetido anteriormente a tratamento
com laser de argônio, no entanto o mesmo tem uma alta taxa de recidiva. E agora,
como a membrana é macular, a realização do laser é contra-indicada, pois causará a
perda da visão central. Indico o tratamento com injeções intra-oculares de Lucentis,
que segundo diversos estudos clínicos controlados mostram os melhores resultados
visuais dentre as demais opções de tratamento.O tratamento deve ser realizado com
injeções intra-oculares, com intervalo de 4 semanas, até que haja completa
cicatrização da membrana neovascular. A principio serão 6 doses.”
Em virtude do requerimento de fornecimento do
medicamento Lucentis formulado pelo paciente Antonio José Guilherme Gomes
Pereira, o parecer técnico da Divisão de Auditoria/DERG/SGS/SESA, datado de
06/10/2009, foi pela recusa do fornecimento do referido medicamento, in verbis: “1.
Ciente. 2. Trata-se de solicitação para parecer técnico encaminhado através do
CEMEPAR/DVFAC, através do Memo n.º 0957/09 de 29 de setembro de 2009. 3.
Consta ser o paciente portador de “Degeneração Macular relacionada à idade
(DMRI), CID H35-3, para o que foi prescrito o medicamento “Lucentis”
(Ranibizumabe) para o paciente Antonio Jose Gomes Pereira. 4. Em atenção à Ordem
de Serviço n.º 01/2007 temos a informar: 4.1. O medicamento está regularmente
registrado na ANVISA. 4.2. O medicamento tem autorização para ser comercializado
no país e está sendo comercializado. 4.3. Desconhecemos que esteja padronizafo em
algum protocolo de medicamento em qualuqer instância do SUS. 4.4. O medicmaneto
tem indicação em bula para tratamento de Degeneração Macular Relacionada à Idade
(CID H35.3), forma exsudativa. 4.5. Como qualquer medicamento existem
contraindicações ao seu uso. 4.6. Desconhecemos que haja alternativas farmacológicas
eficazes para o tratamento dessa patologia. 4.7. como alternativa, fora o SUS, de
menor custo financeiro, embora não conste na bula, portem já liberado para esse uso
nos Estados Unidos pelo “Food and Drug Administration” existe o Bevacizumabe,
3
registrado na ANVISA e regularmente comercializado no Brasil com o nome “Avastin”,
entendendo-se que com o parecer favorável do Minist´perio da Saúde haja vista o
conteúdo do exemplar n.º 06 de dezembro de 2008 do Boletim Brasileiro de Avaliação
de Tecnologias de Saúde. 5. Anexamos cópia do documento desta Divisão sobre
proposta a ser estudada e discutida no tratamento da DMRI, bem como cópia do
Boletim citado acima. 6. À consideração superior.”
Em complemento ao parecer da auditoria, o médico que
assiste ao aludido paciente, apresentou novo relatório complementar no dia 04 de
novembro de 2009, no qual acrescentou, em suma, que: “Como a membrana
neovascular do paciente é do tipo oculta não apresenta boas taxas de sucesso com o
uso de terapia fotodinâmica com a Verteporfirina (Visudyne); que o paciente foi
submetido a tratamento com as injeções intra-oculares de Avastin porém com resultado
limitado, talvez apresentando já taquifilaxia a este.”
Encaminhado o procedimento para o Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção à Saúde Pública para a realização
de uma análise técnica, o parecer técnico da médica sanitarista que exerce suas funções
naquele Centro de Apoio foi pela necessidade do fornecimento, com urgência, do
medicamento ao paciente: “(...) Concordamos com a solicitação do medicamento em
tela, pois o paciente já tem perda total da visão do olho esquerdo e apresenta
diminuição acentuada da visão no olho direito, sendo que o fornecimento do
medicamento solicitado é urgente.”
2. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O artigo 129, inciso II, da Constituição Federal preceitua
ser função institucional do Ministério Público: "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta
Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia".
4
Nos termos do artigo 197 da Carta da República, as ações
e serviços de saúde são considerados como de relevância pública, sendo função
institucional do Ministério Público, portanto, velar para que este direito social seja
adequadamente prestado.
Acrescente-se que o Ministério Público tem como missão
institucional a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da
Constituição Federal), de modo que o direito à saúde insere-se nesta categoria, até
mesmo pela indisponibilidade do próprio direito à vida (artigo 5° da Constituição
Federal).
Evidente e indiscutível, como se vê, a legitimidade do
Ministério Público para ajuizar ação judicial em defesa do direito indisponível à saúde
do Sr. Antônio José Gomes Pereira.
Ademais, a legitimidade ativa do Ministério Público para
o ajuizamento desta ação também decorre da circunstância do paciente em questão ser
uma pessoa idosa e hipossuficiente, em favor da qual o Ministério Público deve
promover as medidas judiciais necessárias para garantir a efetiva prestação de um
direito social que lhe é indisponível, qual seja, o de acesso às ações e serviços de
saúde.” (Lei n.º 10.741/2003).
Os artigos 74, 81 e 82 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do
Idoso) prescrevem que:
“Art. 74. Compete ao Ministério Público:
I - instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para
a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos,
individuais indisponíveis e individuais homogêneos do
idoso;
5
(...)
Art. 81. Para as ações cíveis fundadas em interesses
difusos,
coletivos,
homogêneos,
individuais
indisponíveis
consideram-se
ou
legitimados,
concorrentemente:
I - o Ministério Público;
(...)
Art. 82.
Para defesa dos interesses e direitos
protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as
espécies de ação pertinentes.”
Destarte, por dúplice motivação, patente a legitimidade do
Ministério Público promover a presente ação civil pública para defesa de direito
individual indisponível - quer pelo direito à obtenção de medicamento excepcional
envolver matéria de saúde pública indisponível, quer por incumbir diretamente o
Ministério Público a defesa dos direitos das pessoas idosas.
No caso concreto, para fazer valer a assistência à saúde tal
como preconizada no ordenamento jurídico, comprovada a necessidade imediata de
utilização do medicamento excepcional prescrito (LUCENTIS), integra dever do
Ministério Público propor ação civil pública buscando tutela jurisdicional impositiva
que obrigue o ente público estadual a fornecer o fármaco pleiteado de forma contínua e
duradoura enquanto este se fizer necessário para o tratamento do paciente.
3. DA LEGITIMIDADE PASSIVA
A Política Nacional de Medicamentos disciplina que a
competência para o fornecimento de medicamentos os divide em básicos, excepcionais
e especiais. Os primeiros cabem ao Município, que recebe por cada habitante o repasse
do Ministério da Saúde para aquisição de uma lista mínima de 40 medicamentos
6
básicos, afetos à atenção básica, porém cabe ao Município, com seus próprios recursos,
ampliar a referida lista considerando sua habilitação no sistema e o perfil
epidemiológico de seus munícipes.
Os medicamentos excepcionais, da competência do
Estado, são tidos como medicamentos de uso contínuo e ininterrupto, afetos às clínicas
especializadas e evidentemente mais caros. Por fim, os medicamentos especiais, da
competência da União, cujo exemplo clássico é a lista de medicamentos para
imunodeficiência primária adquirida – AIDS.
Os medicamentos excepcionais e especiais são adquiridos
pelas instâncias competentes e remetidas aos Municípios e às Delegacias Regionais de
Saúde, das Secretarias Estaduais de Saúde, após solicitação planejada e formalizada.
Aqueles prescritos ao tratamento da DMRI são excepcionais, até mesmo porque não
integram o arsenal terapêutico do SUS e hão de ser fornecidos pela Secretaria de Estado
da Saúde.
A Portaria nº 2.577/GM, de 27 de outubro de 2.006 prevê
em seu anexo, no itens 25, 26 e 29:
“25. A execução do Componente de Medicamentos de
Dispensação Excepcional é descentralizada aos gestores
estaduais do SUS, sendo a aquisição e a dispensação dos
medicamentos
de
responsabilidade
das
Secretarias
Estaduais de Saúde, salvo nos casos a seguir explicitados.
26. A dispensação dos medicamentos excepcionais deverá
ocorrer somente em serviços de farmácia vinculados às
unidades públicas designadas pelos gestores estaduais.
[...]
29. O financiamento para aquisição dos medicamentos do
Componente
de
Medicamentos
de
Dispensação
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Excepcional é da responsabilidade do Ministério da Saúde
e dos Estados, conforme pactuação na Comissão
Intergestores Tripartite.”
Com efeito, torna-se possível afirmar que na seara
Estadual, o Sistema Único de Saúde é gerido pela Secretaria de Estado da Saúde, tendo
esse órgão autonomia para conduzi-lo em seu território, sendo que, mesmo que o
medicamento não esteja no rol de fármacos indicados em Programa de Medicamentos
Excepcionais, a responsabilidade pelo seu fornecimento ainda assim recai sobre o Réu,
em obediência ao regramento criado para a estruturação do SUS.
Reforçando esse entendimento, a NOAS-SUS nº 01/2002
(Norma Operacional da Assistência à Saúde), em seu Capítulo III, item 57, alíneas “g” e
“h”, define claramente a responsabilidade ora imputada ao Estado, tendo em vista dispor
competir-lhe: “Gestão das atividades referentes a: Tratamento Fora de Domicílio para
Referência Interestadual, Medicamentos Excepcionais, Central de Transplantes”, bem
como “a formulação e execução da política estadual de assistência farmacêutica, de
acordo com a política nacional” (grifo nosso).
Mais recentemente, a Portaria GM/MS nº 399/06, que
instituiu o Pacto pela Saúde, sacramentou no item 3.1, alínea “d” que: “a
responsabilidade pelo financiamento e aquisição dos medicamentos de dispensação
excepcional é do Ministério da Saúde e dos Estados, conforme pactuação, e a
dispensação é responsabilidade do Estado.
Portanto, cabe ao Estado do Paraná arcar com o ônus de
prestar o atendimento à população na assistência à saúde, fornecendo, pois, todos os
medicamentos tidos como excepcionais. Inegável se torna sua legitimidade passiva ad
causam.
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4. DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA INTEGRAL
A Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal n° 8.080, de 19 de
setembro de 1990) estabelece:
“Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser
humano,
devendo
o
Estado
prover
as
condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na
formulação e execução de políticas econômicas e sociais
que visem à redução de riscos de doença e de outros
agravos e no estabelecimento de condições que assegurem
acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para
a sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 6°. Estão incluídas ainda no campo de atuação do
Sistema Único de Saúde - SUS:
I - a execução de ações:
... (omissis)
d)
de
assistência
terapêutica
integral,
inclusive
farmacêutica.
Art. 7°. As ações e serviços públicos de saúde e os
serviços privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde - SUS são
desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no
artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda
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aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em
todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como um
conjunto articulado e contínuo das ações e serviços
preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos
para cada caso em todos os níveis de complexidade do
sistema.
Art. 43. A gratuidade das ações e serviços de saúde fica
preservada nos serviços públicos e privados contratados,
ressalvando-se as cláusulas ou convênios estabelecidos
com as entidades privadas.”
Logo, sendo a saúde um direito público subjetivo do
cidadão e dever do Estado, cuja efetivação constitui interesse primário, há de ser ele
satisfeito de modo integral, resolutivo e gratuito (artigos 198, inciso II, da Constituição
Federal, artigos 7º, inc. XII e 43, ambos da Lei Orgânica da Saúde), inclusive com a
adequada assistência farmacêutica - artigo 6º, inciso I, alínea ‘d’, da LOS.
A integralidade da assistência terapêutica, inclusive
farmacêutica, abarca como se sabe, de forma harmônica e igualitária, as ações e serviços
de saúde preventivos e curativos (ou assistenciais), implicando em atenção
individualizada, para cada caso, segundo as suas exigências, em todos os níveis de
complexidade do sistema (federal, estadual, e municipal). Diz-se assistência
farmacêutica na lei, pois é evidentemente impossível ao Estado dar saúde diretamente
aos seus cidadãos, cabendo-lhe, assim, fornecer-lhes todos os insumos medicamentosos
para que seja ela recuperada.
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Verifica-se, desta forma, que a saúde não é apenas uma
contraprestação de serviços devida pelo Estado ao cidadão, mas sim um direito
fundamental do ser humano, devendo, por isso mesmo, ser universal, igualitário e
integral, não se podendo prestar soluções parciais, como pretendem alguns, sem com
isso negar o direito à saúde.
Frise-se, assim, que o direito de Antonio José Gomes
Pereira aqui defendido não se limita simplesmente à obtenção de qualquer remédio. É
necessário, portanto, que seja exatamente aquele que venha a solucionar a enfermidade
apresentada, ou mesmo a estabilizá-la, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de
vida.
Desta forma, não só pelo fato dos precários recursos do
beneficiado (frente aos custos estimados da medicação), o que dramatiza, sobremaneira
o seu quadro, mas, principalmente, por se tratar de um direito líquido e certo que está
sendo violado, expondo seu titular a risco de vida pela evolução da doença da qual é
portador (DMRI), é que se busca a garantia da devida prestação por parte do Estado,
obrigação esta definida no Sistema Único de Saúde, consoante prevê a NOAS – SUS n.
01/2002, n. 57, Responsabilidades, ‘h’ e ‘i’ e reforçada pelo inciso XVIII do art. 12, do
Código de Saúde do Estado (Lei Estadual nº 13/331/01).
Desde logo se infirmam todas as justificativas utilizadas
pelo Estado para negar o fornecimento do aludido medicamento, as quais não são aptas
a eximi-lo de responsabilidade e ferem, frontalmente, o direito indisponível à saúde do
paciente, especialmente seu direito à assistência farmacêutica integral. O Estado alegou
que o medicamento LUCENTIS não está no rol dos medicamentos constantes no
Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde e que o
medicamento “Avastin”, embora também não conste do protocolo tem um custo bem
menor que o prescrito.
Conforme já explicitado, a assistência farmacêutica
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integral engloba o direito de o paciente obter o medicamento prescrito pelo médico que
seja apto, pelo menos, a minorar-lhe o sofrimento causado pela doença, ainda que não
conste na lista de medicamentos excepcionais do Protocolo Clínico de Diretrizes
Terapêuticas do Ministério da Saúde.
Assim, há obrigação do Poder Público de fornecer o
medicamento excepcional prescrito pelo médico, atento às características clínicas do
paciente e às suas necessidades, sendo uma afronta ao direito à sua saúde a negativa de
seu fornecimento e a condicionante de resistência, impondo-lhe que utilize,
primeiramente, outros medicamentos que não foram ministrados por seu médico.
Registre-se, no tocante à utilização do medicamento
“Avastin”, que já foi exposto no tópico dos fatos que o paciente já utilizou este
medicamento, o qual não produziu os efeitos esperados. Nesse particular, importante
reiterar que, consoante relatório médico complementar de fl. 100, o paciente Antonio
José Gomes Pereira não somente foi submetido a tratamento com o medicamento
“Avastin”, mas também com o medicamento “Macugem”, além de técnicas
denominadas “laser de argônio” e “fotodinâmica com a verteporfirina”, sem alcançar o
resultado médico esperado, estando plenamente justificada pelo médico a necessidade
da utilização do medicamento específico LUCENTIS.
Outrossim, inconteste é a omissão do Estado do Paraná no
tocante à atenção oftalmológica quando embora tenha sido editada a portaria n.º 957, de
15 de maio de 2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Atenção Oftalmológica e
existam medicamentos para tratamento da DMRI, tais como, Lucentis, Macugen e
Avastin, todos com registro na ANVISA, nenhum destes integrem o arsenal terapêutico
do SUS.
A título de exemplo, outros Estados Federados já
supriram tal omissão, como o Distrito Federal, o qual possui protocolo clínico para a
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degeneração macular relacionada à idade, com a utilização do medicamento
LUCENTIS (fls. 106-113 do Procedimento de Acompanhamento e Verificação).
Desta forma, de acordo com o médico que atende o Sr.
Antonio José Gomes Pereira, a este deve ser ministrado LUCENTIS, e existindo
motivação bastante para esta prescrição, não cabe ao Estado negá-la ou exigir que o
paciente se submeta a tratamento diverso.
A conduta do Poder Público é ilegal, pois que se traduz na
negativa expressa a prestar a um cidadão os serviços de saúde de que necessita, no caso,
a assistência farmacêutica integral.
Neste sentido já decidiu a jurisprudência mais recente:
“DECISÃO
MONOCRÁTICA.
INSTRUMENTO.
AGRAVO
FORNECIMENTO
DE
DE
MEDICAMENTO. ENFERMIDADE: DEGENERAÇÃO
MACULAR COM MEMBRANA NEOVASCULAR
SUBRETINIANA.
MEDICAMENTO:
LUCENTIS
10MG/ML. BLOQUEIO DE VALORES. Cabível o
bloqueio de valores, em caso de descumprimento de
comando judicial, pois ao juízo faculta a lei, sejam
determinadas as medidas necessárias para o seu
cumprimento. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO
DE INSTRUMENTO.” (grifos nossos) (Agravo de
Instrumento Nº 70032000291, Primeira Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin
dos Santos, Julgado em 02/09/2009)”
Neste mesmo sentido já decidiu a 3ª Câmara de Direito
Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de forma unânime, cujo
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destaque se confere ao voto do eminente Desembargador Relator, Ângelo Malanga,
cujos trechos ora se transcreve:
“(...)Trata-se de ação onde se pugna pelo fornecimento
do medicamento LUCENTIS, pois a impetrante é portadora de doença macular
degenerativa. Foram concedidas a liminar e a segurança. Apela a Fazenda Pública
Estadual como assistente litisconsorcial, pugnando pela inversão do julgado. Contrarazões apresentadas, a Procuradoria opina pelo não provimento do recurso. É o
relatório. O apelo não merece ser acolhido. A obrigação de zelar pela saúde do
cidadão é solidária entre o Estado, o Município e a União, cabendo ao titular do
direito optar a quem deseja acionar. Há que ser dada credibilidade ao médico
signatário da requisição que embasa o pedido. Mais do que ninguém, o profissional de
saúde que acompanha a apelada tem conhecimento técnico suficiente para receitar o
tratamento plenamente eficaz.
(...) A administração não pode eximir-se da obrigação
sob quaisquer pretextos, tais como falta de numerário, necessidade de prefixação de
verbas para os atendimentos dos serviços de saúde, alto custo, padronização de
medicamentos, eventual eficácia do tratamento, etc. Demonstrada a necessidade do
tratamento médico e a impossibilidade da aquisição pela apelada, é dever do Estado,
Município ou União fornecê-lo. O limite dos recursos orçamentários do Poder Público,
ou problemas burocráticos de qualquer espécie não podem ser entraves para o não
cumprimento das normas previstas na Constituição Federal. Privilegiase também o
direito à vida, contra as conveniências da Administração: "Entre proteger a
inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável
assegurado pela própria Constituição da República (art. 5o, caput), ou fazer prevalecer
contra essa prerrogativa fundamental um interesse financeiro e secundário do Estado,
entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica
impõem ao julgador uma só possível opção: o respeito indeclinável à vida" (RE
194.674, Relator Ministro Celso de Mello, j . 24/05/1999).
Por fim, não há que se falar que não cabe ao Poder
Judiciário interferir na atividade administrativa. Ao garantir o exercício de um direito,
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o Poder Judiciário não o faz como forma de ingerência sobre Administração, mas como
meio de controle, previsto na teoria dos "freios e contrapesos", também elevada a nível
constitucional (art. 2o da CF/88).
Isso ocorre porque, não obstante cada um dos Poderes
Públicos tenha sua função típica, também exerce uma parcela do ofício que,
originariamente, pertence ao outro. E entendimento pacífico do E. Superior Tribunal de
Justiça: "A pergunta que se faz é a seguinte: pode o PoderJudiciário imiscuir-se na
Administração, impondo-lhe obrigação específica? A resposta é positiva, na medida em
que se contemplam os novos rumos do Direito Administrativo. A partir da Constituição
de 1988, não se pode mais tolerar o entendimento de que ao Poder Judiciário não cabe
adentrar as questões internas da Administração, principalmente quando há carência
orçamentária da municipalidade." (Recurso Especial 574.875-SP, Relatora Min. Eliana
Calmon).
Ante o exposto, voto pelo desprovimento dos recursos,
mantendo-se intacta a r. sentença.” 1 (grifos nossos)
Cabe, neste ponto, uma pequena incursão no tema da
“reserva do possível”, de certa forma abordada no voto referido, quando se demonstra
que os prejuízos causados pela ausência do tratamento adequado seriam maiores que os
eventuais prejuízos financeiros do Poder Público na dispensa de medicamentos
excepcionais não previstos no protocolo do Ministério da Saúde
Hodiernamente, o principio da “reserva do possível” é a
principal alegação de defesa do Poder Público nas ações destinadas a obrigá-lo a
prestações de direitos sociais fundamentais ao cidadão. Com efeito, o Estado alega que
há que se considerarem suas limitações, principalmente orçamentárias, de forma a
1
TJSP - Apelação com Revisão 9675685100 – 3ª Câmara de Direito Público – Relator: Ângelo
Malanga – comarca de Jales – j. em 01/12/2009 .”
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reduzir as determinações judiciais que o obriguem, de forma indiscriminada, às
prestações positivas.
Como complemento e até conseqüência da “reserva do
possível” o Poder Executivo aduz que o Poder Judiciário quando determina que o
Estado aja de uma forma ou de outra, sem considerar suas reais possibilidades, fere o
princípio da separação dos poderes e, conseqüentemente, põe em risco o sistema de
freios e contrapesos que sustenta um Estado Democrático de Direito.
Na presente ação é necessário que se confronte a “reserva
do possível” com o direito social à saúde, que somente se efetiva com a garantia do
direito à vida e, nesta esteira, compõe o conceito de dignidade da pessoa humana, o que
consiste no “mínimo existencial” do cidadão.
Existindo confronto entre dois princípios fundamentais,
quais sejam, a independência dos Poderes – “a reserva do financeiramente possível”- e
o direito à saúde - dignidade da pessoa humana que se efetiva pela garantia do mínimo
existencial -, há que se ponderar suas aplicações e atendendo às circunstâncias de cada
caso concreto, eleger a sobreposição de um deles, que atenderá a própria efetividade do
Estado democrático de direito.
Não se nega a fundamentalidade e, conseqüentemente, a
aplicabilidade imediata dos dois princípios supramencionados, no entanto, por vezes,
ocorrem hipóteses fáticas nas quais a aplicação de ambos os princípios fundamentais em
suas integralidades representará contrariedades que comprometerão o próprio Estado
democrático de direito. A solução para a manutenção da integralidade do sistema na
hipótese de conflituosidade entre princípios fundamentais será, atendendo-se às
especificidades do caso em concreto, a de se conferir primazia a um deles em
detrimento do outro.
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O direito à saúde traduz-se no direito à vida e, portanto, na
garantia da dignidade da pessoa humana, cuja existência, por sua vez, depende da
efetivação de um mínimo existencial. Certo é que todos os seres humanos dependem
das ações e serviços de saúde prestados pelo Poder Público que lhe garantam este
mínimo existencial e, diante de sua imprescindibilidade, o Estado não pode se eximir de
responsabilidade invocando seu parco orçamento e sua discricionariedade para alocar
seus recursos.
5.
DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
A assistência e o atendimento de saúde, por guardarem
estreita relação com a manutenção da vida humana, são sempre relevantes e urgentes.
Diante da urgência reclamada pela espécie, requer-se a concessão liminar da
antecipação dos efeitos da tutela pretendida, nos termos do disposto nos artigos 273,
inciso I, e 461 do Código de Processo Civil.
A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional é
imprescindível, porquanto o provimento da pretensão somente ao final, provavelmente,
diante do quadro clínico do paciente, será inócuo para reparar os danos já causados à
saúde do Sr. Antonio, ou ao menos evitar que novos danos surjam e, até mesmo, para
impedir sua cegueira completa. Ele há muito vem suportando sofrimento devido à
omissão do Poder Público Estadual, que lhe nega, sob argumentos ilegais, o
atendimento integral e prioritário a que faz jus por força de Lei. Não é possível aquilatar
o alcance dos danos à saúde física e psíquica do usuário do SUS, podendo ser afirmado,
porém, que eles são grandiosos, dramáticos, presentes e contínuos, os quais devem ser
rapidamente afastados pelo Poder Judiciário.
A relevância do fundamento da lide é evidente, pois o que
se pretende é uma tutela jurisdicional que assegure a manutenção da vida e da saúde de
um ser humano, o Sr. Antonio, que experimenta um enorme sofrimento físico e psíquico
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com seus problemas de saúde e, ainda, é obrigado a se deparar com a inércia do Poder
Público, que deliberadamente lhe vira as costas.
O fumus boni juris está presente, haja vista a existência de
preceito constitucional obrigando o atendimento, somado à comprovação, médicotécnica do risco de cegueira que passa o paciente, conforme analisado em capítulos
específicos.
Da mesma forma, vê-se presente o periculum in mora,
pois que o perigo maior a um ser humano é a perda da visão do seu olho direito, sendo
que o referido paciente já perdeu a visão do olho esquerdo.
Consoante o art. 273 do Código de Processo Civil, “o juiz
poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela
pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da
verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação.”
No presente caso o serviço relevante de saúde –
dispensação de medicamentos – não está sendo prestado, ferindo dispositivos
constitucional e legais com grande prejuízo a direito fundamental – a vida,
consubstanciado pela saúde.
Sustenta o Professor José Afonso da Silva:
“A garantia das garantias consiste na eficácia e
aplicabilidade imediata das normas constitucionais. Os direitos, liberdades e
prerrogativas
consubstanciados
no
Título
II,
caracterizados
como
direitos
fundamentais só cumprem sua finalidade se as normas que os expressem tiverem
efetividade. (...)
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Sua existência só por si, contudo, estabelece uma ordem
aos aplicadores da Constituição no sentido de que o princípio é o da eficácia plena e
aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais: individuais,
coletivos, sociais (...)
Por isso, revela-se, por seu alto sentido político, como
eminente garantia política de defesa da eficácia jurídica e social da Constituição” (in
Curso de Direito Constitucional Positivo; São Paulo: Malheiros).
Assim sendo, o Ministério Público requer seja o Estado
do Paraná determinado a fornecer, in limine, observado o prazo de 72 horas, conforme
artigo 2º da Lei n.º 8.437/92, para compelir o requerido, durante o transcorrer da ação e
no prazo de 10 dias, a fornecer ao Sr. Antonio José Gomes Pereira o medicamento
LUCENTIS, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de atraso
no fornecimento, nos termos do artigo 11 da Lei n.º 7.347/85, em caso de
descumprimento, a ser revertida em prol do paciente, sem prejuízo de outras
providências tendentes ao cumprimento da ordem judicial, inclusive a responsabilização
por ato de improbidade administrativa.
É perfeitamente justificado o receio de ineficácia do
provimento final, caso a Administração não seja obrigada, desde já, a tomar as
providências que ensejarão a observância da ordem judicial no prazo estabelecido na
respectiva decisão. Esta é a razão da necessidade da concessão liminar dos efeitos da
tutela pleiteada. Há risco à saúde e ao mínimo de qualidade de vida do usuário,
facilmente evitável se o Poder Público Estadual for compelido a atuar desde agora, com
tempo razoável para alcançar o resultado consubstanciado no pedido desta ação civil
pública.
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6. DO PEDIDO
Diante de todo o exposto, o Ministério Público do Estado
do Paraná requer:
a)
o recebimento e autuação da presente Ação Civil
Pública, independente do depósito de custas judiciais, conforme prevê o artigo 18 da lei
7.347/85, determinando-se, ainda, PRIORIDADE DE TRAMITAÇÃO, nos termos do
artigo 71 da Lei n.º 10.741/2003;
b)
a intimação do Estado do Paraná, através da
Procuradoria do Estado em Paranaguá/PR para que, no prazo de 72 horas, conforme
artigo 2º da Lei n.º 8.437/92, se manifeste acerca da antecipação de tutela ora
pretendida;
c)
a antecipação da tutela jurisdicional, para compelir
o Estado do Paraná, durante o transcorrer da ação e no prazo máximo de 10 dias, a
fornecer, ao Sr. Antonio José Gomes Pereira, LUCENTIS, sendo 06 ampolas, na forma
descrita na receita médica;
d)
a cominação ao requerido, em liminar, de multa
diária, nos termos do art. 11 da Lei n° 7.347/85, no valor de R$ 1.000,00 (um mil
reais) por dia de atraso no fornecimento, nos termos do artigo 11 da Lei n.º 7.347/85, a
ser revertida em prol do paciente, sem prejuízo de outras providências tendentes ao
cumprimento da ordem judicial, inclusive a responsabilização por ato de improbidade
administrativa;
e)
a citação do ESTADO DO PARANÁ, na pessoa do
Excelentíssimo Procurador-Geral do Estado para, querendo, contestar no prazo legal a
presente ação, sob pena de suportar os efeitos da revelia;
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f)
após a instrução, seja julgado procedente o pedido,
para condenar o Estado do Paraná a fornecer, ao Sr. Antonio José Gomes Pereira, o
medicamento LUCENTIS, pelo período em que perdurar a prescrição médica de tal
medicamento;
g)
a produção de provas, por todos os meios
admitidos em direito, sobretudo pela juntada de novos documentos e perícias, além de
oitiva de testemunhos e peritos, caso se faça necessário. Independente de futuro
aditamento, desde já se apresentam duas testemunhas;
Dá-se à causa o valor de R$ 4.600,00 (quatro mil e
seiscentos reais), ainda que inestimável o objeto tutelado.
Paranaguá, 29 de agosto de 2014.
Ana Paula Pina Gaio
Promotora de Justiça
Alexandre Gaio
Promotor de Justiça
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Rol:
1. ANTÔNIO JOSÉ GOMES PEREIRA, filho de Guilhermina de Jesus Gomes e
Antonio Pereira Pina, nascido aos 30/11/1929, residente na Rua Julia da Costa, 227, ap.
08-B, Paranaguá/PR;
2. ROMMEL JOSUE ZAGO, brasileiro, médico, podendo ser encontrado no Hospital
de Olhos do Paraná, localizado na Rua Presidente Taunay, 433, Curitiba/PR.
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