Diferenças culturais e processamento de informação

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Diferenças culturais e processamento de informação
Diferenças culturais e processamento de informação: o caso da incongruência
de esquemas.
Eduardo A T Ayrosa (autor principal): EBAPE-FGV
Carmem Migueles: ESPM-RJ
Palavras-chave: marketing, comportamento do consumidor, psicologia do consumidor
Resumo
Uma das perspectivas dominantes na área de psicologia do consumidor é a do
processamento de informação. Esta perspectiva é muito útil para investigar respostas cognitivas e
comportamentais de indivíduos em relação a diversas categorias de produtos. Dentro deste
domínio estão as teorias referentes à organização de conhecimento, em especial a teoria dos
esquemas. Neste âmbito teórico, encontramos pesquisadores que se ocupam das relações entre
esquemas diferentes e seus efeitos sobre atitudes. Uma destas teorias, a teoria da incongruência
de esquemas (Mandler 1984), procura explicar as reações a informações incongruentes com
configurações esquemáticas preexistentes, e seus efeitos sobre atitudes e comportamento. Esta
teoria foi aplicada e confirmada em marketing por autores como Maheswaran (1994) e MeyersLevy & Tybout (1994). Aaker & Sengupta (2000), no entanto, investigaram a aplicabilidade
desta teoria entre cidadãos de Hong Kong, desconfirmando em parte o que a teoria prediz. O
presente trabalho pretende explorar a aplicabilidade da teoria da incongruência de esquemas no
Brasil. Para tanto, é feita uma discussão sobre os efeitos das diferenças culturais sobre
sentimentos como incongruência e ambivalência.
Introdução
É ponto pacífico entre os pesquisadores que o estudo do conhecimento do consumidor é
fundamental para a melhor compreensão da forma como o consumidor forma opiniões e se
comporta. Pode -se dizer que a perspectiva dominante por muito anos entre pesquisadores em
comportamento do consumidor tenha sido precisamente a do processamento de informação. Para
explorar a forma como indivíduos processam informação, é fundamental conhecer a forma como
a mente capta, organiza e recupera as informações vindas de estímulos internos e externos. Entre
todas as teorias que tentam explicar a forma como o conhecimento se organiza – imagens,
protótipos, exemplares, categorias, etc. – a teoria dos esquemas é particularmente atrativa por sua
flexibilidade e parcimônia.
Um modelo de organização do conhecimento: Esquemas
O termo “esquema” 1 aparece pela primeira vez por Bartlett (1932) como uma teoria
alternativa às teorias associacionistas, que representavam o conhecimento como uma coleção de
1
Este termo aparece em textos em inglês como schema ou schemata.
1
imagens mentais 2 (Brewer & Nakamura 1984 p.122). Estas teorias focalizavam até que ponto
representações mentais são um reflexo direto dos estímulos que as criam (Casson 1983, Hastie
1981). Um esquema, por sua vez, pode ser descrito como estruturas cognitivas complexas e
inconscientes (Brewer & Nakamura 1984 p.121), e pode ser livremente comparado a uma extensa
rede onde os nós são unidades de memória e os fios que ligam esses nós são relações semânticas.
Apesar de considerar o termo “esquema” muito vago, e facilmente associável a “qualquer teoria
vagamente delineada” (p.201), Bartlett (1932) reconhecia o termo como o melhor para se referir
ao conceito proposto.
Bartlett acreditava que o conceito de esquema era suficientemente robusto para lidar com a
maioria das habilidades humanas, indo desde atividades intensamente cognitivas como organizar
uma frase ou lembrar da história de um filme, até atividades fundamentalmente físicas como
devolver com sucesso uma bola de tênis para fechar o set com um lob indefensável. Em outras
palavras, Bartlett (1932) acreditava na parcimônia da teoria dos esquemas (Brewer & Nakamura
1984). Desenvolvimentos mais recentes da teoria de esquemas, no entanto, abandonaram a idéia
de esquema como um conceito único aplicável a qualquer situação para propor que esquemas são,
na verdade, modulares. Nesta concepção, admite-se a existência de diferentes esquemas para
diferentes categorias ou objetos. Fiske & Taylor (1991), por exemplo, referem-se a esquemas
pessoais, auto-esquemas, e esquemas relativos a papéis ou eventos (scripts).
Considerando a modularidade dos esquemas, é natural admitir a existência de esquemas
relacionados a países e produtos. Brewer & Treyens (1981) investigaram a existência de
esquemas relacionados a lugares. Meyers-Levy & Tybout (1989), Sujan & Bettman (1989),
Stayman, Alden & Smith (1992), e Maheswaran (1994) investigaram esquemas relacionados a
categorias de produtos. Wansink & Ray (1996) trabalharam esquemas relacionados a uso de
produtos. Kochunny et al (1993) e Maheswaran (1994) referem-se diretamente à existência de
esquemas relacionados a países e suas relação com produtos. Braun (1999) investigou o efeito da
propaganda sobre esquemas de marca.
Como esquemas podem ser representados como redes de objetos ou conceitos ligados por
associações semânticas entre eles, um simples objeto pode ser o exemplo de uma categoria em
mais de um esquema, e ao mesmo tempo ter todo um esquema a ele relacionado. A marca
“Walkman” não apenas dispara um esquema relacionado a ela mesma (onde está, por exemplo, a
marca “Sony”), mas também é parte do esquema de aparelhos compactos de áudio. De acordo
com Rumelhart & Ortony (1977), esquemas podem ser definidos em função de outros esquemas,
um fenômeno por eles chamado de “esquemas embutidos” (schemata embed). Desta forma, um
walkman genérico só pode ser descrito com o uso do esquema de gravador de áudio, CD-player...
estes esquemas não só são parte uns dos outros: eles demonstram que alguns esquemas são muito
próximamente associados. Mais tarde neste trabalho diremos que estes esquemas são
completamente congruentes entre si.
A utilidade dos esquemas para a mente humana é grande. Eles servem para perceber e
categorizar estímulos que chegam aos sentidos (Taylor & Crocker 1981), agem como atalhos
mentais para reduzir a atividade congitiva (Mandler 1982; White & Carlston 1983; Meyers-Levy
& Tybout 1989; Brown 1992), ajudam a reter e recuperar informações da memória (Brewer &
Treyens 1981; Alba & Hutchinson 1987).
2
According to the associationist theories, “mental representations that directly reflected the external world”
(Casson 1983). Hastie (1981) notes that “early association models emphasised the extent to which mental
representation was a literal reflection of physical stimulus properties (p. 42).
2
A teoria da incongruência de esquemas
Informações armazenadas na memória podem ter níveis diferentes de associação
dependendo dos esquemas aos quais estão relacionadas. Informações muito diretamente ou
fortemente associadas são congruentes entre si: café e Brasil, vinho e França, morangos e creme.
Por outro lado, informações dissociadas são incongruentes entre si: fondue e praia, canetas e
maçãs. Este tópico tem recebido grande atenção de pesquisadores em cognição social. Há algum
consenso sobre a capacidade de informações incongruentes atraírem a atenção de indivíduos
(Brewer & Nakamura 1984 p.146). Por exemplo, Friedman (1979) concluiu que indivíduos
tendem a dar mais atenção a informações visualmente incongruentes. Fiske & Pavelchak (1986)
concluíram que indivíduos levam mais tempo para codificar informações incongruentes, e
Schneider & Schiffrin (1977) detectaram uma correlação positiva entre esse tempo de atenção e o
desenvolvimento de esquemas – conhecimento objetivo sobre um objeto.
O trabalho de Mandler
Mandler (1982, 1984a, 1984b) dedicou-se ao estudo da incongruência entre representações
esquemáticas existentes na memória e informações novas, ainda não categorizadas. Ao invés de
investigar apenas situações de congruência versus incongruência, Mandler concentrou-se no
continuum que liga a completa congruência à extrema incongruência. Ele propõe que a avaliação
de informações novas é afetada pelo grau de congruência – ou incongruência – que esta
informação tem com representações esquemáticas já armazenadas na memória. Percepção de
incongruência, por sua vez, produz uma resposta emocional que se torna mais intensa quanto
maior for a discrepância entre a nova informação e as antigas representações esquemáticas.
Mandler propõe que esta resposta emocional afeta diretamente a avaliação da informação nova.
Para construir suas expectativas de resposta, Mandler usa os conceitos de assimilação e adaptação
de esquemas proposto originalmente por Piaget (1953). De acordo com esta teoria, ao receber a
informação nova e incongruente, o indivíduo tentaria assimilá-la pelos esquemas já existentes ou
acomodá-la em esquemas não diretamente relacionados à informação nova. Sucesso nesta
tentativa de assimilação ou acomodação levaria a excitação , e consequente superavaliação da
informação nova em relação a qualquer outra informação nova que fosse completamente
congruente com esquemas existentes. Fracasso levaria a desapontamento e consequente
subavaliação da informação nova. Estas propostas de Mandler (1984), chamadas de “teoria da
incongruência de esquemas”, foram testadas em vários estudos na área de marketing, entre eles
destacando-se Meyers-Levy & Tybout (1989); Sujan & Bettman (1989); Meyers-Levy, Louie &
Curren (1994); e Wansink & Ray (1996).
Exemplificando, imagine que uma pessoa que recebe uma longa lista de informações a
respeito de uma cerveja Peruana, incluindo o seu país de origem, e que essa pessoa considere
Japão e cerveja incongruentes entre si. De acordo com a teoria de Mandler, ao ser instada a emitir
uma opinião sobre essa cerveja, esta pessoa consideraria cuidadosamente não apenas o sabor da
cerveja, mas também as inf ormações que recebeu a respeito dela na tentativa de assimilá-la em
algum esquema existente ou adaptar algum esquema para receber a nova informação. Desta
forma, ele poderia dizer que esta é uma boa “cerveja sul-americana”, na verdade excelente por
estar perto de duas grandes e exóticas fontes de água – o Rio Amazonas e o gelo dos Andes.
Tendo sido capaz de adaptar um esquema à nova informação, graças à excitação produzida por
isso em seu sistema nervoso autônomo, o indivíduo avalia a cerveja Peruana melhor que as
melhores cervejas belgas e alemães que já tomou. O mesmo, no entanto, não aconteceria se a
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cerveja tivesse sido produzida em Botsuana: na falta de uma solução que unisse os esquemas de
cerveja e Botsuana, essa extrema incongruência acabaria por gerar forte sub-avaliação do
produto.
A teoria da incongruência de esquemas, portanto, assume que indivíduos percebem
incongruência, que ela gera desconforto, e que os indivíduos reagem a esse desconforto. Não
apenas a teoria da incongruência, outras teorias de psicologia social são fortemente dependentes
da estrutura congnitiva dos indivíduos: a teoria do equilíbrio (Heider 1958), da atribuição (Kelley
1973), da dissonância cognitiva (Festinger 1957). É possível, no entanto, que várias reações
previstas não só pela teoria da incongruência de esquemas mas também por outras teorias de
psicologia social sejam dependentes do contexto cultural. Considerar a forma como diferentes
culturas constroem seu universo simbólico permite examinar o fenômeno da incongruência sob
uma perspectiva relacional, e não apenas individual.
Uma das diferenças culturais que tem sido mais enfatizada na bibliografia especializada nos
últimos anos (Dumond 1992; Geertz 1998; Da Matta 1997) é a que opõe a noção de indivíduo à
de pessoa. Indivíduo, instituição ocidental e moderna, está no centro da ideologia igualitária que
informa o nosso olhar para perceber o homem como contendo, apenas, uma realidade psicológica
e moral, e que é irredutível à noção de sociedade (Parekh 2000). À percepção de indivíduo,
nuclear ao princípio igualitário de vida social, opõe-se à percepção de pessoa, um ser
sobredeterminado pelas circunstâncias, e que existe socialmente (em sua forma plena de inserção
social) através do conjunto de relações sociais estabelecidas. Estas culturas, que ensinam formas
distintas de perceber o homem, podem, do mesmo modo, orientar a forma como a lógica do
pensamento processa informações como as que nos interessam neste trabalho. Vejamos como:
temos, de um lado, as culturas individualistas, e de outro, culturas holistas. Nas culturas
individualistas, o processo de socialização ocorre de forma a reforçar a noção da igualdade e da
irredutibilidade da individualidade, muitas vezes marcada por uma lógica religiosa de imanência,
em que a verdade aparece como sendo uma relação direta entre o sujeito e o objeto, no máximo
mediada pela regra moral por ele percebida entre o mundo e o seu contato com o seu verdadeiro e
mais profundo eu. Este sujeito, percebido como lógico e racional, foi educ ado em sociedades
permeadas pela lógica da ciência moderna, onde há o predomínio da objetividade como um valor.
Há a noção de que há uma realidade objetiva no mundo e que esta pode ser percebida numa
relação entre sujeito e objeto. Não se reconhece, nestas sociedades, a intermediação da
linguagem, da história e da sociedade como organizando a percepção de mundo do sujeito.
Ao lidar com conceitos que podem estar mais ou menos relacionados, ou seja, esquemas
que podem ser mais ou menos congruentes entre si, um indivíduo está a lidar com uma realidade
socialmente construída, um sistema simbólico que lhe foi ensinado, e que é um fruto da sua
cultura. Eco (1976) afirma que um signo – e neste caso qualquer atributo de produto é um signo –
preenche a sua função comunicativa em relação a outros signos dentro de um discurso, e isto é o
que permite a interpretação. Nenhum signo comunica em isolamento, mas sim dentro de cadeias
simbólicas, que se desenvolvem em contextos sociais e históricos específicos. Dependendo,
portanto, da associação simbólica inicialmente feita, em contextos culturais distintos, a lógica de
raciocínio que leva a um determinado resultado pode variar. Por exemplo, um carro produzido
em um país em desenvolvimento pode ser diferentemente avaliado por pessoas de países ricos e
países emergentes. Um cidadão de um país emergente pode tender a achar possível produzir um
bom carro em outro país emergente porque esta é a sua realidade imediata. O indivíduo de um
país rico, no entanto, talvez classificasse uma combinação destas como extrema incongruência,
rejeitando o produto. Este indivíduo sempre lidou no seu dia a dia com situações de
incongruência. Enfim, o seu universo simbólico é simplesmente diferente.
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As culturas mais holísticas, como a indiana e a japonesa, consideram o homem como uma
entidade mais ou menos autônoma de uma humanidade coletiva, social. Em menor grau, esta
percepção de ser humano como parte de um conjunto sociológico mais amplo existe também no
Brasil (como trabalhado por Da Matta). Ao especularmos sobre uma possível teoria do
conhecimento para estas distintas culturas, podemos imaginar como, num olhar fenomenológico,
a verdade seria percebida de forma distinta em cada uma delas.
Numa cultura individualista, a questão da qualidade, por exemplo, pode remeter-se ao
conceito de verdade, que é algo a ser descoberto na relação entre sujeito e objeto, através da
reprodução do olhar científico que lhe foi ensinado nos bancos escolares, e que lhe ensina a
ignorar, de muitas formas, a história , a tradição e a vida social como contendo elementos válidos
para chegar ao conhecimento deste objeto. Conhecer algo depende, portanto, fundamentalmente,
de obter informações sobre o objeto. Há aqui uma tendência clara a procurar por atributos
intrínsecos do objeto/produto para formar uma opinião a seu respeito. Quanto mais objetivo o
olhar, mais deve desprender-se do universo do desejo ou outros elementos subjetivos que
componham sua realidade social.
Numa cultura mais holística ou coletiva, a questão da qualidade pode referir-se aos modos
de constituição do desejo, das formas de aquisição, de uso, e de fruição do objeto, e ter aqui, na
percepção de sua utilidade, um critério de avaliação da sua qualidade, recorrendo mais a atributos
extrínsecos do produto para completar a sua avaliação. Neste sentido, atributos como país de
origem, preço, e, sobretudo, marca, podem ter um peso distinto daquele que teria na lógica
individualista descrita acima. O mesmo pode ser dito em relação à forma como estas informações
são agregadas e consideradas ao se formar atitude sobre um produto. Em culturas mais holísticas,
é possível pensar que não só os atributos de maior poder de diagnóstico, mas também aqueles
menos salientes teriam efeito sobre as atitudes. Ao contrário disto, e como analisado por Aaker &
Sengupta (2000), culturas individualistas simplesmente desconsideram a informação
inconsistente em favor daquela consistente.
No caso específico do Brasil, é possível que brasileiros reajam à informação incongruente
de forma diferente dos norte-americanos. Observando o trabalho de Aaker & Sengupta (2000), é
até possível que brasileiros sejam mais comparáveis aos orientais que aos norte-americanos neste
aspecto. Suporte para esta idéia pode vir do trabalho de Da Matta (1987). Ao invés de vivenciar o
mundo de forma dualística, Da Matta (1987) considera que um “triângulo ritual” seria uma
melhor metáfora para a forma dos brasileiros vivenciarem a realidade. Da Matta construiu seus
argumentos sobre a idéia da “éticas dúplices”, que permitia que a mesma pessoa agisse de acordo
com códigos de ética diferentes – e até conflitantes – quando lidando com familiares versus
estranhos. De acordo com Weber (1987):
“A aquisição impiedosa ocorreu onde foi possível, em todos os períodos da
história, limitada por nenhuma norma ética. Tal como a guerra e a pirataria, o
comércio tem sido irrestrito em suas relações com estrangeiros e com estranhos ao
grupo. A “ética dúplice” permitiu o que era proibido nas relações “entre irmãos”.
(p.36)
Da Matta, portanto, inspira-se em Weber para construir sua interpretação da sociedade
brasileira: a dualidade entre a casa e a rua, entre os mundos privado e público. Weber admite que
práticas entre parceiros comerciais são absolutamente inadmissíveis em casa. Como Da Matta
coloca, no Brasil, este quadro referencial não está restrito às relações comerciais. Estas práticas
permeiam outras áreas de conduta social. Ao invés de servir como uma simples interpretação de
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como as relações econômicas ocorrem, estes referenciais éticos determinam uma gramática
simbólica, que afeta o modo como o conhecimento do mundo é socialmente construído. Ao
abordar o problema do quadro ético múltiplo no Brasil, Da Matta propõe que...
“... embora muitos brasileiros que falem uma mesma coisa em todos os
espaços sociais, o normal – o esperado e o legítimado – é que casa, rua e outro
mundo demarquem fortemente mudanças de atitudes, gestos, roupas, assuntos,
papéis sociais, e quadro de avaliação da existência em todos os membros da nossa
sociedade.” (Da Matta 1987 p.52).
Desta maneira, ao invés de explicar a realidade brasileira com conceitos opostos como
branco/negro, sim/não ou bom/ruim, Da Matta propõem que um triângulo ritual afeta a percepção
da vida cotidiana e, desta forma, provê perspectivas mais ricas: branco/negro/mulato, ou
sim/não/talvez. É importante, portanto...
“… utilizar consistentemente a descoberta de que a sociedade brasileira é
relacional. Um sistema onde o valor básico, o valor fundamental, é relacionar,
misturar , juntar, confundir, conciliar. Ficar no meio, descobrir a mediação e
estabelecer a gradação, incluir (jamais excluir). Sintetizar modelos e posições
parece constituir um aspecto central da ideologia dominante brasileira. Digo
mesmo que é seu traço distintivo em oposição a outros sistemas, sobretudo os que
informam os valores das nações protestantes, como os Estados Unidos. Assim, nos
Estados Unidos há exclusão e separação; no Brasil há junção e hierarquização.
Num caso o credo diz: iguais, mas separados; noutro ele decreta: diferentes, mas
juntos. Lá o indivíduo é o sujeito do sistema; aqui o sujeito não é o indivíduo, mas
também a relação, o elo, o ponto de ligação.” (Da Matta 1987 p.117-118)
As idéias de Da Matta são de extrema utilidade para observar o fenômeno da
incongruência, visto que ele depende da forma como ocorre a agregação/separação de
informações. Esta perspectiva é extremamente rica, mas ainda inexplorada em pesquisa na área
de marketing. A adoção de uma perspectiva relacional é fundamental para a exploração deste
aspecto.
Portanto, se recorremos às teorias semiológicas, podemos afirmar que o processamento de
informações está de muitas formas vinculado às formas como a cultura e a língua estruturam as
relações lógicas, metafóricas, ou metonímicas entre os objetos. No entanto, a compreensão
destas relações, embora explique o contexto geral dentro do qual as informações são processadas,
não dá conta de explicar a variação das atitudes individuais dentro de uma sociedade, que é mais
bem compreendida pela perspectiva da psicologia. Sem dúvida, há necessidade de maiores
esforços no estudo nesta área, de modo a estabelecer, de forma mais firme, as relações entre
cultura e processamento de informações.
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