Alimentar Mentalidades, Vencer a Crise Global

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Alimentar Mentalidades, Vencer a Crise Global
C11 Velhos e novos atores
e estratégias para
a reocupação de espaços rurais
Atas Proceedings
ISBN 978-989-8550-19-4
2360 | ESADR 2013
CRÉDITO FUNDIÁRIO: NOVA FORMA DE INSERÇÃO NO
RURAL BRASILEIRO?1
PATRICIA ANDRADE DE OLIVEIRA E SILVA
Doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas.
(Endereço: Instituto de Economia, Rua Pitágoras, nº 353, CEP: 13083-857. Barão
Geraldo, Campinas-SP, Brasil. Endereço Eletrônico: [email protected]).
RESUMO
A dinâmica econômica, segundo a teoria institucionalista, estaria determinada pelas
interações entre as instituições, organizações e seus efeitos sobre os indivíduos. Ao
observar a ótica do desenvolvimento rural, temos que a Reforma Agrária apresenta-se
como uma importante mudança institucional sobre os direitos de propriedade, que terá
reflexos sobre o comportamento das organizações, dos indivíduos e da região onde os
projetos são alocados. Além disso, no caso brasileiro, temos a emergência de novas
políticas de reordenamento fundiário na década de 1990, baseadas na concessão de
crédito fundiário, tais como o Projeto Cédula da Terra (PCT). A hipótese dos
formuladores da proposta era promover uma Reforma Agrária através do mercado de
terras (aumentando o público atendido) e, por consequência, diminuindo seu custo e
elevando sua eficiência. Partindo desse princípio, o artigo se propõe a discutir se houve
uma real mudança institucional que promoveu a inserção dos agricultores, analisando os
resultados obtidos em pesquisas de campo realizadas no ano de 2006 pela equipe de
Silveira et. al. (2007) e demais estudos publicados sobre o tema, sendo que tais
resultados apontam para mudanças na forma inserção e organização das famílias. O
artigo está subdividido em seis seções: a primeira será uma breve introdução, na
segunda serão elucidados os conceitos acerca da teoria institucional e sua relação com a
Reforma Agrária, a terceira apresentará o PCT, a quarta mostrará seus resultados e
limitações e, na quinta e sexta seções estarão, respectivamente, as considerações finais e
as referências bibliográficas.
Palavras Chave: Reforma Agrária; Crédito Fundiário; Brasil; Pequenos Agricultores.
INTRODUÇÃO
De acordo com a visão institucionalista, a dinâmica econômica estaria
determinada pelas interações entre as instituições, organizações e seus efeitos sobre as
diversas redes existentes. Assim, as instituições (caracterizadas como as regras do jogo)
e as organizações (sendo os diversos jogadores, ou players) estariam constantemente
influenciando o comportamento da sociedade. Dessa forma, não seria possível aceitar a
hipótese que os indivíduos possuem uma racionalidade substantiva (conforme a teoria
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A autora agradece os comentários e sugestões do Prof. Dr. José Maria Jardim da Silveira.
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ortodoxa), uma vez que os mesmos seriam influenciados pelas mudanças tanto de
ordem institucional como organizacional, que refletem a própria mudança natural
(ligada a fatores sociais, políticos e econômicos) a qual estão submetidos os indivíduos
e as sociedades.
Assim, ao trazer esses conceitos para a ótica do desenvolvimento rural e, em
especial do combate à pobreza no campo, temos que a Reforma Agrária apresenta-se
como uma importante mudança institucional sobre os direitos de propriedade, que terá
reflexos sobre o comportamento das organizações, dos indivíduos e da região onde os
projetos são alocados. Além disso, no caso brasileiro, temos a emergência de novas
políticas de reordenamento fundiário na década de 1990 (baseadas na concessão de
crédito fundiário) com o apoio de organismos multilaterais, tais como o Banco Mundial.
A hipótese dos formuladores era promover uma Reforma Agrária através do
mercado de terras, diminuindo os conflitos no campo, desburocratizando o processo e,
por consequência, diminuindo seu custo e elevando sua eficiência. Partindo desse
princípio, e após quase dez anos da implementação do primeiro projeto de Reforma
Agrária via mercado no norte de Minas Gerais e em cinco estados da região Nordeste
(através do Projeto Cédula da Terra, o PCT), esse trabalho se propõe a discutir se houve
uma real mudança institucional através dos resultados obtidos em pesquisas de campo
realizadas no ano de 2006 pela equipe de Silveira et. al. (2007) e demais estudos
publicados sobre o tema.
Para tanto, o artigo está subdividido em cinco seções além dessa introdução: na
primeira, serão elucidados os conceitos acerca da teoria institucional e sua relação com
a Reforma Agrária, a segunda apresentará o PCT e sua proposta de mudança
institucional para as políticas agrárias brasileiras, a terceira mostrará seus resultados e
limitações e, na quarta e quinta seções estarão, respectivamente, as considerações finais
e as referências bibliográficas.
MUDANÇAS INSTITUCIONAIS: DO QUE ESTAMOS TRATANDO?
O arcabouço teórico referente às instituições está relacionado à crítica da teoria
ortodoxa (como por exemplo, a teoria walrasiana) que despreza esse fator para o
entendimento da dinâmica socioeconômica. Nesse sentido, Lambais (2010) mostra que
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provavelmente Karl Marx foi o primeiro economista político a destacar a interação entre
as relações de direitos de propriedades (como analogia as instituições), e o nível
correspondente de desenvolvimento das forças de produção.
Entretanto, o cerne da teoria institucionalista está presente na chamada escola de
Coase e, dentre os diversos autores, destaca-se o estudo de North (2000), onde as
instituições são caracterizadas como um conjunto de regras que coordenam a ação
humana caracterizando-se como formais (as leis) ou informais (os códigos de conduta),
e seriam as interações entre as duas formas que elevariam a eficiência e a produtividade
da economia, gerando impactos relevantes sobre o desenvolvimento econômico. Ainda
segundo o mesmo autor, se as instituições são as regras que irão coordenar as ações, as
organizações existentes serão os “players” (ou os jogadores) que seguindo as regras
colocadas pelas instituições irão alocar os recursos que obtém de forma a gerenciá-los
para obter a maior satisfação possível.
Para complementar essa análise, segundo Lambais (2010, p. 27), Williamson
(2000) abandona os conceitos ligados à racionalidade perfeita dos agentes quando inicia
“a utilização da racionalidade-limitada na análise de transação de ativos, sendo mais
importante a análise dos contratos incompletos e ramificações organizacionais
resultantes da limitação cognitiva dos agentes e dos custos de transação”.
Desse ponto de vista e partindo do princípio que há custos de transação em
quase todas as operações econômicas, fica clara a importância das instituições no
sentido de coordenar as ações para diminuir os custos envolvidos e elevar a
produtividade. Assim, conforme destaca Demsetz (2000), as instituições servem como
um “filtro” que irá determinar quais são as melhores oportunidades para que o mercado
funcione de forma mais eficiente. Portanto, a economia institucional está baseada em
uma crítica a teoria neoclássica por desconsiderar a racionalidade econômica dos
agentes, rejeitando a concepção da economia que tende automaticamente ao equilíbrio.
Entretanto, Demsetz (2000, p. 1336) afirma que:
a teoria institucionalista não é homogênea e não representa somente uma
visão acerca do conhecimento. Enquanto está baseada, fundamentalmente,
em um instrumental microeconômico ela inclui diversas perspectivas de
análise, cada uma delas com suas vantagens e desvantagens para analisar as
instituições. (tradução minha)2.
2
“The NIE is not, however, a homogeneous and monolithic body of knowledge. While it is essentially
microeconomic in perspective, it includes various approaches, each with its own techniques and concepts
and advantages and disadvantages, for analyzing institutions.”
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Para simplificar a análise, Williamson (2000) desenvolveu um esquema analítico
demonstrando como a economia institucional está organizada, através da interação entre
as instituições e organizações. No quadro abaixo, percebe-se que a economia
institucional estaria organizada da seguinte maneira: as regras informais (ligadas a
questões culturais, tradições e religiões) influenciam e são influenciadas pelas regras
formais (as regras do “jogo”, como por exemplo, a legislação) que, por sua vez, irão
afetar e ser afetadas pelos “jogadores”, ou seja, pelas organizações (através da estrutura
de governança), que irão afetar sistematicamente a alocação dos recursos na sociedade.
Tabela 1. A Economia das Instituições
Fonte: Williamson (2000), apud Lambais (2010).
No entanto, esse modelo não é estático e as instituições estarão constantemente
propensas a mudanças, obviamente porque as sociedades também estão constantemente
se modificando, o que afeta diretamente as relações socioeconômicas.
No que diz respeito às mudanças institucionais, é preciso, em um primeiro
momento, ter clareza acerca do seu funcionamento a partir de uma abordagem de
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construção de redes sociais. Dessa forma, segundo Wilkinson (2008), a sociologia
destacou-se na analise das instituições e organizações através do conceito de
“enraizamento” (proposto originalmente como “embeddeness” por Granovetter, 1985).
Para compreender a origem de tal processo, tal conceito parte do principio que a
economia encontra-se “enraizada” politicamente, socialmente, culturalmente e
cientificamente e, portanto, a ação econômica sempre esteve pautada a partir da sua
inserção dentro de redes sociais. Segundo Wilkinson (2008, p. 90), “o homem, em
maior ou menor grau, sempre elaborou seus cálculos econômicos a partir de sua
inserção em redes sociais. A natureza dessas redes sociais e a posição do ator nessas
redes deveriam ser, portanto, os pontos de partida para a análise da vida econômica”.
Utilizando desse conceito, Fligstein (1996) demonstra que o processo de
formação das redes será marcado por três fases: emergência, estabilidade e crise. Na
primeira fase - o período mais fluído - temos a estruturação da rede e as organizações
maiores obtém poder para criar e recriar as condições de controle sobre as demais,
sendo que tal capacidade será revertida através de possíveis ações de controle pelas
instituições. Durante o período de estabilidade, as regras de coordenação entre os
integrantes estão consolidadas e se solidifica a concepção de hierarquia entre os grupos,
inclusive através dos mecanismos de controle e institucionalização criados pelo governo
para enfrentar períodos de crise econômica. O período de crise provém de falhas no
sistema organizacional e/ou institucional, onde organizações que dominavam
anteriormente não conseguem se reproduzir, resultante de uma queda na demanda ou
invasão de novos entrantes, provocando transformações sobre os mercados.
North (1995) realizou uma síntese desse processo, afirmando que as mudanças
institucionais estão ligadas a cinco fatores fundamentais, sendo eles: a contínua
interação entre as instituições e organizações; a própria dinâmica competitiva (forçando
as organizações a investirem cada vez mais em “know-how” para sobreviver); o quadro
institucional (fornecendo os incentivos que promovem os conhecimentos e a habilidade
necessária em cada caso, influenciando as percepções dos distintos atores envolvidos) e,
por último, as economias de escala, escopo e as externalidades de toda a matriz
institucional que criam e recriam as diversas trajetórias.
Portanto, se as instituições existem para diminuir as incertezas elas são somente
uma extensão do comportamento dos diversos agentes envolvidos. Assim, mudanças no
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comportamento individual irão refletir, por consequência, em alterações de ordem
institucional para se adequar às necessidades de cada momento, gerando uma atmosfera
cíclica de desenvolvimento das forças de mercado, institucionais e organizacionais.
Mudanças Institucionais e Reforma Agrária
Saindo do campo conceitual e partindo para uma análise das mudanças
institucionais no contexto da Reforma Agrária, percebe-se que com a redistribuição
fundiária, o rearranjo dos direitos de propriedade causará mudanças significativas tanto
no contexto institucional quanto no de governança e, consequentemente, na condição de
vida das famílias.
Nesse sentido, o estudo de Silva (2012) mostra que os principais impactos
esperados de tais projetos são (além da elevação na qualidade de vida dos
beneficiários): a regularização fundiária, maior articulação política e a elevação na
produção e na variedade de alimentos. Do ponto de vista da regularização fundiária
(promovida através de uma mudança institucional sobre os direitos de propriedade),
segundo Lambais (2010), a redistribuição de ativos para os trabalhadores interessados
promoverá incentivos ao investimento de longo prazo o que afetará o nível de produção
e a disponibilidade de alimentos.
Para comprovar tais alterações, a pesquisa de campo realizada por Leite (2000),
mostra que a instalação e reprodução das famílias beneficiadas geram novas relações
econômicas e sociais, dando origem a novas e antigas demandas, constituindo ou
alterando os parâmetros e as regras daquela sociedade. Os impactos desse novo contexto
sobre a produção são incontentáveis, pois os projetos tenderão a seguir a lógica da
empresa rural ao adequar-se no padrão imposto pela modernização agrícola, com muitos
produtores se especializando em determinados cultivos.
Em relação a maior articulação política e melhor acesso aos bens públicos, são
perceptíveis algumas mudanças na configuração do poder local, destacando-se a
alteração dos custos de transação pela diminuição das falhas no mercado de terras e
menor seleção adversa e assimetria de informações (uma vez que se eleva a qualidade
das estruturas de governança). Como exemplo, temos o município de Sumaré
(localizado no interior do estado de São Paulo) onde a participação política é
significativa devido aos elos entre os assentamentos, partidos políticos, o Movimento
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dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Entretanto,
é preciso salientar que na região já havia anteriormente uma articulação entre esses
assentados e a população da região. (Silva, 2012).
Assim:
Em suma, toda literatura que se apóia na quebra do “paradigma
walrasiano” apresenta teoricamente e empiricamente a existência da
possibilidade de redistribuições de ativos que geram ganhos de
eficiência alocativa na redistribuição de recursos e consequentemente
maior potencial produtivo para a economia em geral. (LAMBAIS, 2010, p.
33).
Entretanto, após a década de 1990, emerge uma proposta de combate à pobreza
rural chamada Reforma Agrária pela “via do mercado”, tendo como aspectos indutores:
a conscientização por parte de organismos multilaterais (tais como o Banco Mundial) da
importância dessa estratégia como política de combate à pobreza nos países
subdesenvolvidos e a questão dos elevados custos e a intensa burocracia do modelo de
Reforma Agrária baseado na desapropriação, demonstrando possíveis falhas
institucionais na execução da política realizada pelo Estado.
No Brasil, especialmente no período entre 1996 e 2002, os projetos de
desenvolvimento rural se consolidaram em um projeto articulado em duas vias
principais: a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf) e a descentralização da Reforma Agrária através da via pelo mercado, onde os
beneficiários (através da concessão de crédito fundiário) poderiam adquirir seus
próprios lotes. Com isso, essa nova modalidade pretendia desburocratizar o processo e
torná-lo mais eficiente, uma vez que os próprios interessados deveriam montar uma
associação para ter acesso ao programa, o que automaticamente selecionaria somente os
indivíduos dispostos a trabalhar, incentivaria a ação coletiva, diminuiria os custos com
desapropriação e, por consequência, tornaria essa modalidade mais eficiente3.
Do ponto de vista institucional, assim como a Reforma Agrária tradicional (via
desapropriação), a via pelo mercado pretende modificar os fatores institucionais,
realocando as estruturas de governança a partir da reorganização fundiária e garantindo
a melhor alocação dos ativos. Assim, para sintetizar a análise Lambais (2010) apresenta
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Silva (2012) enfatiza que a proposta de Reforma Agrária pela via do mercado, e sem a necessidade de
desapropriação, pode ser considerada como complementar à forma tradicional, realizada pelo Estado.
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um esquema analítico das mudanças institucionais promovidas pela Reforma Agrária no
país:
Gráfico 1. Reforma Agrária e Mudança Institucional.
Fonte: Lambais (2010).
De forma simplificada, o gráfico demonstra: em um primeiro momento as regras
do “jogo” (ou seja, as instituições) afetando as estruturas de governança que, por sua
vez, afetarão os custos de transação, as convenções e normas sociais, perpassando pela
eficiência alocativa e técnica, obtendo a realocação fundiária e o produto agrícola
originado da produção dos beneficiados.
Durante esse percurso, também se percebe o efeito do aprendizado e a mudança
dos preços relativos (no uso da tecnologia e nas preferências dos agricultores). Portanto,
é nítido que a Reforma Agrária gera uma mudança institucional significativa que, por
sua vez, afetará os mecanismos de governança e impactará diretamente sobre o
funcionamento de toda a dinâmica da economia rural.
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A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA: O PROGRAMA CÉDULA DA TERRA (PCT).
Após demonstrar a relação existente entre a Reforma Agrária (seja ela pela via
tradicional ou pela concepção do mercado) e as mudanças institucionais derivadas da
alteração no direito de propriedade, cabe examinar com detalhes o projeto de Reforma
Agrária pela via do mercado, uma vez que o mesmo se coloca como uma alternativa
eficiente à via tradicional.
Segundo Magalhães (2011), a característica fundamental do primeiro projeto
elaborado e incorporado em 2003 ao PNCF4, diz respeito à compra da terra pelo
beneficiário, através da liberação de crédito fundiário pelo Estado com a participação de
órgãos internacionais, tais como o Banco Mundial.
O primeiro programa a ser desenvolvido no país foi o Projeto Cédula da Terra
(PCT), em 1996, e tal iniciativa foi colocada em prática em cinco estados do Nordeste
brasileiro e o Norte de Minas Gerais, sendo eles: Ceará, Maranhão, Bahia e
Pernambuco. As características básicas do PCT são: o ativo “terra” não é distribuído,
mas sim vendido através da liberalização de crédito fundiário (a ser complementado por
outras fontes de financiamento), negociada entre uma associação beneficiária e os
agentes financeiros do programa; as instituições responsáveis atuam como órgãos de
coordenação e articulação das instâncias estaduais e municipais, assim como as
empresas e órgãos de assistência técnica e extensão rural, prefeituras e instituições
financeiras; o público potencial do programa diz respeito aos trabalhadores rurais sem
terra (assalariados, posseiros ou arrendatários), assim como produtores rurais que não
possuam terra suficiente para garantir a sobrevivência da família. (Silveira et. al., 2007).
Em relação aos componentes destinados ao financiamento, os mesmos estão
divididos em duas categorias fundamentais: a primeira diz respeito ao financiamento
para a aquisição das terras, através das associações, o chamado Subprojeto de Aquisição
de Terras (SAT). Além disso, também são financiados os recursos para os investimentos
em infraestrutura, na produção e sociais, através do Subprojeto de Investimentos
Comunitários (SIC). O objetivo fundamental das duas linhas de financiamento é: “[...]
4
“O Programa Nacional de Crédito Fundiário, criado em 2003, incorpora concepção e estrutura
semelhante ao Programa Cédula da Terra ampliando linhas e financiamento, público alvo, parcerias
institucionais e extensão nacional do programa.” (SILVEIRA et. al., 2007, p. 19).
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promover a melhoria imediata das condições de vida da comunidade” (Silveira et. al.,
2007, p. 18).
Outro autor que detalha os mecanismos de funcionamento do PCT é Magalhães
(2011) ao afirmar que: a) o PCT foi um programa descentralizado em nível estadual,
diferentemente da forma tradicional de Reforma Agrária; b) para participar era
necessário, obrigatoriamente, uma associação de beneficiários e o atendimento era
realizado de acordo com a ordem de entrada do interessado; c) o público alvo do
programa diz respeito aos trabalhadores rurais sem terra e/ou produtores rurais com
terra insuficiente para assegurar a subsistência da família; d) os agentes financeiros do
programa eram compostos pelo Banco do Brasil e o Banco do Nordeste; e) o valor
máximo do financiamento por família correspondia a US$ 11.200 constituído de quatro
componentes: o Subprojeto de Aquisição de Terras (SAT), correspondente ao crédito
para aquisição das terras; o Subprojeto de Investimento Comunitário (SIC); o Subsídio
(SS) e US$ 1.300 para a instalação das famílias nos lotes e f) os componentes do
financiamento estavam articulados por um mecanismo de governança que definia qual
seria a parcela do montante destinada às comunidades e/ou incorporada à dívida, além
de definir o montante do subsídio. O mecanismo é composto pela fórmula SS=6.9000,5*SAT-1.300, onde SS representa o valor do subsídio e o SAT o valor da propriedade
a ser comprada e, portanto, se a terra fosse doada o valor mínimo do subsídio seria de
US$ 5.600.
É nítida a profunda transformação institucional e organizacional a qual estavam
submetidos os beneficiários, especialmente em comparação com a via tradicional, onde
os assentamentos são consolidados através da ação estatal (pela desapropriação,
indicando as famílias a serem contempladas com um lote e, a partir disso, liberando os
recursos necessários para o financiamento e a assistência técnica).
Portanto, o PCT tem como característica fundamental a alteração institucional do
direito sobre a terra através do uso do mercado de terras e, como consequência, maior
agilidade e menor custo, uma vez que as estruturas de governança do programa estão
articuladas de forma a selecionar somente os indivíduos interessados, priorizando a ação
coletiva e criando mecanismos eficientes de fomento a produção.
Entretanto, essas eram as hipóteses a respeito dos impactos do projeto no
momento em que ele foi elaborado e, após mais de uma década de implementação, será
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possível afirmar que esse novo arranjo institucional da política agrária brasileira
mostrou-se realmente eficiente? Esse é o desafio que será apresentado na próxima
seção, a partir da análise dos resultados do programa.
RESULTADOS E LIMITAÇÕES
Segundo os resultados encontrados na pesquisa realizada por Silveira et. al.
(2007) - onde foram coletadas informações acerca de 104 projetos em 2006 e a
distribuição da amostra por municípios envolveu 12 municípios no Maranhão, 17 em
Pernambuco, 28 no Ceará, 15 na Bahia e 16 na região do norte de Minas Gerais, que
totalizam 30.263 pessoas na população, em 6.157 domicílios - as condições de moradia,
acesso à serviços de saúde, rendimentos, segurança alimentar, iluminação elétrica e
patrimônio melhoraram expressivamente em relação a entrada no projeto. Entretanto,
sérios problemas foram encontrados no acesso ao saneamento básico, que permaneceu
praticamente estável em comparação ao momento anterior da entrada no projeto, pois
segundo os dados somente 43% dos projetos tinham acesso ao esgoto canalizado em
2006, contra 40% anteriormente.
Outro ponto positivo constatado foi o baixo custo apresentado, pois, ainda
segundo Silva (2012), o mesmo foi metade do custo comparado com os assentamentos
realizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), uma
vez que o custo médio para a instalação dos assentamentos foi de R$ 30.000/cada, em
2005, e o mesmo custo para o PCT, em 2006, foi de R$ 15.000/cada. Além disso,
também é perceptível a agilidade nas negociações, o que antecipou a entrega dos lotes e,
por consequência, a entrada das famílias.
Apesar do rendimento médio das famílias terem alcançado, em 2006, cerca de
R$ 7.900/ano (em contraste com cerca de R$ 2.400/ano antes de entrar no PCT) e o
valor médio do patrimônio ter passado de R$ 4.500/ano para R$ 9.500/ano, em
contrapartida, o nível de endividamento também estava consideravelmente alto, pois
30% da renda bruta e 24% do patrimônio dos beneficiários estavam comprometidos em
2006.
Ao serem questionados sobre qual é a principal fonte de rendimento para o
pagamento da dívida, cerca de 40% afirmou que a principal fonte provém dos
rendimentos agropecuários, enquanto que a renda em sociedade (relativa à
atividade associativa) contribuiu com apenas 18%. (SILVA, 2012, p. 111).
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Percebe-se que as famílias beneficiadas encontram dificuldades para saldar as
suas dívidas e tais fatores podem ser explicados: pela dificuldade de atuação das
associações (apesar da melhora na mobilização dos associados, os mesmos não
conseguem pressionar o poder público e tais dificuldades podem ser explicadas pelo
fato da maioria das associações terem sido criadas exclusivamente para ter acesso ao
crédito rural, configurando uma população extremamente heterogênea e nem sempre
interessada em atuar coletivamente); problemas no acesso ao crédito e assistência
técnica (somente 21% dos entrevistados afirmaram que recebiam assistência com
frequência e 19% conseguiram ter acesso a alguma linha de crédito); o baixo valor
liberado pelo SIC para o financiamento e a alta proporção da produção destinada para a
subsistência da família.
De acordo com os resultados apresentados, é nítido que apesar do PCT
apresentar uma mudança institucional relevante para as políticas de reordenamento
fundiário, o mesmo apresenta falhas que comprometem o desempenho da produção,
diminuindo a capacidade de pagamento da dívida, elevando o endividamento das
famílias e impossibilitando o sucesso dos projetos.
Nesse sentido, Magalhães (2011) ao comparar a eficiência da produção entre os
assentados e os beneficiários do PCT (fazendo um comparativo entre as duas vias
possíveis), demonstra que no caso do PCT os parâmetros estimados para a eficiência
(segundo os rendimentos externos e a produção destinada ao consumo) indicam que
apesar da atividade agropecuária ser a principal fonte de renda, a mesma não está no
centro da atenção familiar no que diz respeito a sua comercialização, ou seja, as famílias
obtém alta preferência pela subsistência. Dessa maneira:
Na produção agrícola são priorizados produtos alimentares, como feijão,
mandioca e milho (para os animais de trabalho), leite e derivados, em
volume suficiente para atendimento das necessidades da família. Os
excedentes destinados à venda, não são prioridade do sistema produtivo,
portanto a composição de produtos ficaria limitada aos produtos
originalmente selecionados para a subsistência da família, o que restringiria a
lógica de maximização da receita. (MAGALHÃES, 2011, p. 124).
Ao buscar uma comparação entre as duas formas de realização da Reforma
Agrária no país, Silva (2012) mostra que apesar do PCT apresentar menor custo e maior
agilidade no processo de consolidação dos projetos, existem muitos problemas que
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inviabilizam os projetos e, dentre os mais graves, é possível citar o alto grau de
endividamento, limitações ao financiamento e a baixa participação associativa.
Conforme demonstrado nas seções anteriores, se a hipótese principal está
fundamentada nas mudanças institucionais que promovem maior eficiência alocativa,
percebe-se que no caso específico do PCT, tal mudança ainda não ocorreu, uma vez que
as famílias persistem em uma espécie de “armadilha da pobreza”.
Esse
fenômeno
ocorre
porque
existem
problemas
institucionais
e
organizacionais que impedem o desenvolvimento dos projetos e, entre esses problemas,
deve-se destacar:
a) Deficiências Institucionais: conforme salientado anteriormente o limite máximo
para o financiamento dos projetos era de US$ 11.220, cerca de R$ 20.000, para
que os beneficiários comprem a terra, tratem do terreno e do financiamento da
produção. Ainda que se suponha que o preço da terra possa estar mais baixo no
ato da compra, esse valor ainda será insuficiente para cobrir todas as
necessidades. Outro ponto diz respeito à criação das associações: a sua
obrigatoriedade (sem nenhum tipo de mediação ou conhecimento prévio entre os
interessados) para que as famílias tenham acesso ao programa incentivou a
criação de grupos heterogêneos, que pouco se interessam pela atividade
associativa.
b) Deficiências Organizacionais: falta de acesso ao crédito e a assistência técnica
de qualidade, pois segundo Silveira et. al. (2007) muitos dos beneficiários não
conseguem acesso ao crédito do Pronaf por obterem dívidas (inclusive as
oriundas da compra da terra) e, além disso, apesar de 61% dos beneficiários
afirmarem que a assistência técnica é de boa qualidade, somente 21% tem acesso
regular e na época correta do plantio e/ou colheita.
Portanto, percebe-se que apesar da proposta do PCT ser inovadora do ponto de
vista institucional, as deficiências apontadas limitaram o alcance e o sucesso do
programa. Sendo assim, são necessárias análises mais profundas que identifiquem os
possíveis conflitos que ocorram nessas áreas para que mudanças institucionais e
organizacionais sejam colocadas em prática para elevar a qualidade de vida dessas
famílias. Segundo a análise aqui realizada, é nítida a necessidade de mudanças no valor
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do financiamento concedido as famílias (sendo necessário elevar o “teto” máximo
concedido), na criação e consolidação das associações (com maior integração entre os
envolvidos) e melhorar a articulação dos mecanismos de apoio à produção e
comercialização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo a visão acerca da economia institucional, foi demonstrado que a
Reforma Agrária pode ser considerada uma mudança institucional relevante para o meio
rural, uma vez que tem como proposta fundamental a reorganização dos direitos de
propriedade, fazendo com que se eleve o acesso à terra no país. A partir de sua
implementação, é esperado que esse novo arranjo institucional influencie na forma
como os diversos atores irão se comportar, ampliando a interação entre os diversos
agentes que compõem determinada região.
A partir da constituição de um projeto, nota-se que a dinâmica econômica e
social daquele ambiente é modificada, uma vez que novos indivíduos passarão a
conviver naquela sociedade e, segundo diversas pesquisas realizadas sobre
assentamentos no país, os principais efeitos registrados foram: a elevação na qualidade
de vida dos assentados (em relação ao período anterior), maior articulação política e
elevação da disponibilidade e variedade de alimentos na região, o que comprova a
hipótese acerca da mudança institucional e seus efeitos econômicos, sociais e políticos.
No entanto, desde a década de 1990, percebendo a importância das políticas de
reordenamento fundiário o Banco Mundial propôs um novo modelo de desenvolvimento
para as áreas rurais de países subdesenvolvidos, tendo como objetivo principal a
realização da Reforma Agrária via mercado de terras, através da concessão de crédito
fundiário.
Segundo o desenho institucional do programa, para as famílias terem acesso ao
crédito era necessário, obrigatoriamente, a constituição de uma associação que
gerenciaria os empréstimos e a produção das áreas coletivas. A partir disso, seriam
destinados no máximo US$ 11.200/por família tanto para a compra da terra como para
as benfeitorias necessárias. A hipótese dos formuladores supunha que o programa seria
uma alternativa viável para o desenvolvimento do meio rural e o combate à pobreza,
uma vez que devido as suas características o mesmo seria mais ágil e apresentaria
14
2374 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
menor custo comparado com as desapropriações, além de menor rejeição pela sociedade
(por não apresentar conflito com os proprietários de terras).
Segundo os estudos realizados acerca dos impactos do PCT, nota-se que houve
uma elevação na qualidade de vida dos beneficiários, maior agilidade nos processos e
menor custo de implementação. No entanto, permanece elevado o nível de
endividamento dos beneficiários, sendo a principal fonte de renda as atividades
agrícolas que estão voltadas especialmente para a subsistência da família, o que
prejudica a comercialização da produção, os ganhos monetários e o pagamento da
dívida.
A dificuldade em realizar uma produção em escala e apta para abastecer o
mercado local pode estar relacionada com as dificuldades em obter crédito e assistência
técnica com frequência. Além disso, o baixo valor do financiamento concedido às
famílias impede que as mesmas adotem novas tecnologias no plantio, prejudicando a
produtividade dos projetos.
Portanto, apesar de ser considerada uma alteração institucional no que diz
respeito às políticas agrárias do país, fica claro que ainda são muitos os desafios a serem
enfrentados (tanto do ponto de vista institucional, como organizacional) para que os
projetos que utilizam mecanismos de acesso ao crédito fundiário sejam efetivamente
bem sucedidos.
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2376 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
ANALYSIS OF WAGE DIFFERENCES BETWEEN MEN AND
WOMEN IN THE STATE OF CEARA: A COMPARISON
BETWEEN URBAN AND RURAL FOR THE YEAR 2009
JESSE FERREIRA GOMES
Graduated in Economics from the Regional University of Cariri _ Regional URCA,
Master in Economics from the Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.
E-mail: [email protected].
Contact Number: (88) 9640-4546
JANAINA DA SILVA ALVES
Associate Professor, Department of Economics - UFRN
Professor of the Graduate Program in Economics - PPECO / UFRN
PhD in Economics - PIMES-UFPE
Postal Address: Rua Padre Menezes, 23. Ap. 101, Candelaria. Natal - RN, CEP: 59064120.
E-mail: [email protected]
Contact Number: (84) 9107-5130
ANTÔNIO ÉDIO PINHEIRO CALLOU
Graduated in Business Administration from the University of Fortaleza - UNIFOR,
Graduate student in Sustainable Regional Development, from Federal University of
Ceará - UFC.
E-mail: [email protected]
Atas Proceedings | 2377
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
ANALYSIS OF WAGE DIFFERENCES BETWEEN MEN AND
WOMEN IN THE STATE OF CEARA: A COMPARISON
BETWEEN URBAN AND RURAL FOR THE YEAR 2009
ABSTRACT
It has been verified the consolidation of women in the labor market in recent years.
However, despite the growth of their participation in the labor market, it can be still
verified that, they receive on average lower wages than men. What is also true is that
when analyzing wage differences between workers living in rural and urban areas, the
first are paid less than the ones on the last zone. Beginning with the question about how
years of education, age, sex, the fact of being a mother or not and live in the countryside
or the city can influence the income perceived by female workers who live in the state
of Ceará. This paper will analyze the determinants factors of the income of women,
highlighting the differences in wages between men and women, and how this difference
occurs in the urban and rural areas. For this purpose, we used microdata from the
National Household Sample Survey - PNAD, 2009. It will be used the method of
quantile regression to analyze the incomes of people aged between 18 and 55. It was
made an adaptation of the Mincer equation, also adding dummies variables. It was
therefore verified that women's wages are well less than men and the wage gap is even
more consistent for those who live in rural areas.
KEYWORDS: PNAD 2009, women, wages.
RESUMO
Tem-se verificado a consolidação das mulheres no mercado de trabalho nos últimos
anos. Contudo, apesar do crescimento de sua participação no mercado de trabalho, ainda
se constata, que elas recebem, em média, salários inferiores ao dos homens. O que
também se verifica é que ao analisar as diferenças salariais entre trabalhadores que
vivem na zona rural e na zona urbana, os primeiros recebem remunerações inferiores
aos habitantes da última zona. Partindo do questionamento de como anos de estudo,
idade, sexo, o fato de ser ou não mãe e de viver no campo ou na cidade podem
influenciar os rendimentos percebidos pelas mulheres trabalhadoras que vivem no
estado do Ceará, o presente trabalho analisará fatores determinantes dos rendimentos
das mulheres, evidenciando as diferenças salariais entre os homens e as mulheres, e
como que esta divergência acontece no espaço urbano e no espaço rural. Para tanto,
foram utilizados microdados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios –
PNAD, ano 2009. Utilizar-se-á o método de regressão quantílica para se analisar os
rendimentos das pessoas com faixa de idade entre 18 e 55 anos. Foi feita uma adaptação
da equação de Mincer, acrescentando-se também variáveis dummies. Verificou-se,
portanto, que os salários das mulheres são inferiores aos dos homens e que a disparidade
salarial é ainda mais consistente para aquelas que habitam as zonas rurais.
PALAVRAS-CHAVE: PNAD 2009, mulher, salários.
1
2378 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
1- INTRODUCTION
It has been verified the consolidation of women in the labor market in recent
years. Although there are differences between the rates of women inserted in the labor
market for different countries, what we notice is a significant increase in this share over
time.
We must understand that this phenomenon does not occur all of a sudden, but it
is the result of a historical process. The big push for women entering the labor market
occurred with the advent of two world wars, where, due to sizable number of
conscription for men in military service, women began to fill many of the job positions
previously filled by her fathers, husbands and brothers. (AMON-HÁ et alli, 2011)
It was also relevant as noted by Carloto (2002), for the insertion of the female
class in the labor market:
1- The decrease in the purchasing power of workers' wages, forcing the need for
greater number of people contributing financially to bear the costs of the home;
2- The intensification of the urbanization process, especially for the advancement
of the industrialization process, which increased considerably the demand for
workers;
3- Changing patterns of behavior and interpretation of the role of women in
society, especially the ever-increasing role of feminist social movements, which
acted and act persistently aimed at sensitizing society to break the taboos and
prejudices towards female;
4- The fertility decline, freeing women to work outside her residence, and
5- The expansion of education among women.
In the beginning of this increasing integration of women into the labor market,
what was verified is that they were paid much lower than men. As time went by, the
difference between earnings per genre were decreasing, though, in general, it has not yet
been achieved a wage parity between men and women.
It is also observed that Brazil until the mid-1960s was characterized as a rural
country, housing the largest of its population in the field. With the large public
investments that led to the development of some cities, especially from the Juscelino
Kubitschek administration (1956-1961), as the construction of Brasilia and other
2
Atas Proceedings | 2379
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
investments due to strong state action, especially through the Plano de Metas, whose
motto was "to develop 50 years in 5". And later during the military dictatorship,
especially the period of the Second National Development Plan - PND, also known as
the Economic Miracle1 (1968-1973), where economic activity grew at a rapid pace and
the large number of jobs created, aroused the interest of many rural people. It was then
seen a heavy migration flow of people living in the fields towards the cities in search of
better life opportunities. This process has advanced over the years and currently over
80% of the population lives in urban areas, as seen in the chart below.
Chart 1. Rural and urban population in Brazil for 1950-2000
78,36%
63,84%
67,59%
54,92%
81,25%
75,59%
urbana
55,94%
45,08%
36,16%
44,06%
rural
32,41%
24,41%
18,75%
21,64%
1950
1960
1970
1980
1990
2000
Source: IBGE.
It was observed an intensive process of growth and technological advances in
the cities, with constant additions of new production techniques and a large flow of
income in them. Thus, what we see is that despite the process of productive
modernization in some rural areas, this sector still has much shortages and therefore
what is paid to those working in it, on average, is lower than what is paid to those
employees working in urban area.
1
Period characterized by significant growth of Brazilian economy, with annual rates exceeding 10%. It is
also important to highlight that the together with the increase in the Brazilian product, it was also
increased the concentration of income. For a better understanding see Abreu (2000)
3
2380 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
For the elaboration of this paper it was used as a starting point the question of
how years of education, age, sex, being a mother or not and living in the country or city
can influence the income realized by working women who live in state of Ceara. It will
be adopted for the present study the hypothesis that the more years of study, the higher
the age, the fact of not having children and living in the city, the higher the income
perceived by women.
We decided to choose only those belonging to the age group between 18 and 55
years, due to the fact that people under 18 cannot be legally hired except as a young
apprentice, and in case of people over 55 years, for the case of women living in rural
areas, they are probably already retired at that age. This is explained by the difference of
age to apply for the Social Security Retirement Plan, in the case of rural workers, which
impacts on the salary, because almost all the field workers often receive their retirement
and do not drop out from rural activities, leading to a structural rupture, because their
incomes increase significantly from the achievement of retirement.
2 - MINCER EQUATION
In order to analyze the return of education on wages for individuals, Mincer
(1974) proposed a model where we take into account the influence of education on
earnings of individuals, also noting the impact of years of work experience. The
equation can be understood as:
Ln Yi = β0 + β1 Si + β2 Ei + β3 Ei² +
(1)
in which, lnY is the logarithm of income, taking into account I years of work
experience, S are the school years that the individual has, E are years of experience in
the labor market and u is the stochastic error term with zero mean and constant variance.
What is expected in equation (1) is that the more years of education an
individual has and the more experienced one is at work, the higher his salary will be. β1
andβ2 have positive signs, implying a direct relationship, now β3 has a negative sign,
meaning that the years of experience have diminishing returns as they grow. More years
4
Atas Proceedings | 2381
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
of experience, lead to higher wages, however, increases will diminish as we increase
each year until it reaches a certain limit, in which, more years will mean a reduction in
income.
Equation (1) will be adapted and extended being added the dummies variables. It
will be used the following model:
Y= B0 + B1D0 + B2D1 + B3X1 + B4X2 + B5X3 + B6D2 + ui
(2)
Where:
B0, B1, B2, B3, B4, B5 and B6 - Are coefficients to be estimated;
D0 -dummy SEX, in which value 1 is then assigned for female workers
and 0 for male workers;
D1 - dummy D_ruurb, where 1 is assigned if the worker lives in the urban area
and 0 if
in the rural area;
D2 – dummy children, for which one uses the values of 0 for the fact of not
having
children and 1 if having them;
X1 - is the STUDY variable, which shows how the yields are modified as
the years of study is also modified;
X2 - is the Id variable that makes the analysis from the influence of age in
determining
salary;
X3 - Is the variable Id2, which looks at how the wage changes on the square
age, and
ui - Is the error term.
5
2382 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
3 - QUANTILE REGRESSION MODEL
We chose to use the standard quantile regression model instead of Ordinary
Least Square Model- OLS, because the first present more robust results, showing the
deviations from the mean, also called outliers. Besides, the use of quantile regression
method enables the researcher, the estimation of any quantile one wishes to watch2.
Delving further into the debate about the advantages of using the method of quantile
regressions to estimate models, Buchinsky (1997) apud Maciel (2001) still points out
the following points:
- Models can be used to characterize all the conditional distribution of a response
to a variable for a given set of regressors;
- The model has a presentation in the form of linear programming, which
facilitates the estimation of parameters;
- The objective function of the quantile regression is a weighted sum of absolute
deviations, providing a robust measure of location, so that the vector of
estimated coefficients is not sensitive to additional observations on the
dependent variable;
- When errors do not follow a normal distribution, the quantile regression
estimators can be more efficient than ordinary least squares estimators, and
- Different solutions for different quantiles can be interpreted as differences in
the response of the dependent variable to changes in the regressors at various
points of the conditional distribution in relation to the dependent variable.
The quantile regression model was initially proposed by Koenker and Basset
(1978), taking yi, where i = 1, 2, ........ , n, being and a sample of observations in the log
of the wage and yi, a vector k x 1. The model can be expressed from a simple linear
regression function, given by:
 =   +  ,
(3)
Where can we get to the following quantile regression function:
2
For a better understanding of this model of quantile regressions is suggested reading Koenker (2005)
6
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
(4)
 ( / ) =  ∶  +  ().
In which the Βө estimator can be expressed as follows:




min ∑, | −  | + ∑,(1 − )| −  | = min ∑  ( −  )
(5)
ρө is known as a check function in which:
 () = 
,  ≥ 0 
( − 1),  < 0
(6)
What is verified is that for this model there is the minimization of absolute
values, where the quantile can be specified.
Yi = X' β + u ,Quant (y | X ) X' β ,θ (0,1)
(7)
4 - DESCRIPTION OF VARIABLES
4.1 Dependent Variable
In order to observe the impacts of socioeconomic characteristics in income of local
women from Ceará, the study will use the information available in the National Household
Survey 2009 on years of study, age, age², sex, being a mother or not and living in the
countryside or in town, so that, from this information, to try to understand how they affect the
income of workers in Ceará. Many works3 use income as an important variable for they have an
important role to use as a dependent variable, because it provides the scale, in a concrete way, of
variables that would be hardly observed. Even including the impact of variables that has a
qualitative impact and conveying its influence on numeric values. The explanatory variables
used in the developed model will be described in the following section.
3
See Smith (2012)
2384 | ESADR 2013
7
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
4.2 Explanatory Variables
The explanatory variables indicate the socioeconomic profile of women living in
the state of Ceara. The model will include the following explanatory variables:
1- Years of study- important variable used to check to what extent is the increase of
income of the individual given the number of years of study provided;
2- Age- variable analyzes how much was the increase in incomes of the working
person as their age increases, considering that at a higher age, implies,
theoretically, a greater work experience. It is important to highlight that the
increase in income due to the increase in age, does not occur linearly, but to a
certain point of time, hence the importance of using the variable below;
3- Age ² - relevant variable to the analysis of the decrease of the income from a
certain point of time, for increasing age leads to a higher salary only to a certain
age limit, from which, it decreases;
4- Sex- binary variable that indicates whether we are analyzing men (value 1) or
women (value 0);
5- The fact of having children or not- binary variable that will examine whether the
group of people is observed having children (value 1) or not (value 0), and
6- Rural-urban- binary variable which lays out how much the income of workers is
changed, considering their housing environments. We will put value 1 for those
cases of individuals residing in urban areas, whereas, we will use 0 for the those
cases of individuals residing in rural areas.
5
- PRESENTATION AND ANALYSIS OF RESULTS
This section presents the results from the use of the quantile regression for data
found in the 2009 National Household Survey for the state of Ceara, which are
organized and presented in Table 01.
What is seen is that the signs of the coefficients are in agreement with theory, that is, it
is actually expected a positive relationship between residence in urban area, years of
education and age in relation to income. While the fact of being a woman, the square of
8
Atas Proceedings | 2385
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
age and the fact of having children, makes us believe the existence of a negative
relationship, in regards to income earned by the analyzed individuals. It is important to
highlight that the difference of signal between age and age square happen because even
though yields increase as the years of the worker's life increase, they tend to decrease
over the years after a certain age, there is a real wage decrease.
Table 1. Quantile regression - Dependent variable: logarithm of income of women
in Ceará - 2009
quantile 10
quantile 25
quantile 50
quantile 75
quantil95
Explanatory
Coef. Prob. Coef. Prob. Coef. Prob. Coef. Prob. Coef. Prob.
variables
SEX
D_ruurb
STUDY
Id
Id2
Children
-0.557
(0.052)
0.677
(0.051)
0.142
(0.004)
0.124
(0.006)
-0.001
(0.000)
-0282
0.000
0.000
0.000
0.000
0.000
0000
-0.362
(0.038)
0.567
(0.036)
0.114
(0.003)
0.113
(0.005)
-0.001
(0.000)
-0212
0.000
0.000
0.000
0.000
0.000
0000
(0.057)
(0.041)
Source: Authors' elaboration based on PNAD 2009.
-0.280
(0.028)
0.439
(0.027)
0.099
(0.038)
0.092
(0.003)
-0.001
(0.000)
-0143
(0.031)
0.000
0.000
0.000
0.000
0.000
0000
-0.358
(0.029)
0.368
(0.029)
0.113
(0.003)
0.093
(0.004)
-0.001
(0.000)
-0092
(0.033)
0.000
0.000
0.000
0.000
0.000
0005
-0.476
(0.058)
0.394
(0.057)
0.136
(0.006)
0.094
(0.008)
-0.001
(0.000)
0001
(0.067)
0.000
0.000
0.000
0.000
0.000
0989
We can see that for the poorest group of workers, located in 0.10 quantile, the
fact of being a woman implies a yield 74.54% lower than that which is earned by men.
In the quantile of higher income range, 0.95 quantile, women receive 60.96% less than
men. In the median analysis, quantile 0.50, it appears that women receive 32.31% less
than men.
For the analysis of urban-rural relationship, it is seen that workers in the poorest
range, when living in urban areas receive an average of 96.80% more than those who
live in rural areas. Looking at the median, the difference between income earned by
rural and urban workers is of 55.12% and for those in higher yield quantile the
difference drops to 48.29%.
Note that, in the median for each year of study, the salary increment is of 9.90%
in median, and 14.20% for the lower yield group and 13.60% for the last quantile.
9
2386 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
Age impacts in 0.50 quantile, adding 9.2% to the salary for each additional year
of life, which implies, in general terms, greater work experience, 12.40% among those
in the first quantile and 13.60 for those included in the last one. However, due to the
fact that more years of life is only important to a certain level, through which it is
expected that agents cannot perform their functions quite well, it is observed that for the
variable id2 for all quantiles, it presents a differentiating value in very small income.
Finally, the fact of having children implies a reduction in income of women in
15.37% in the median, 32.58% and 0.10 quantile and a tiny differentiation for the group
located on the last quantile, and for the latter, the coefficient is presented statistically
insignificant.
Taking as a basis the data shown in Table 01 and noting the value of the
coefficients in the median quantile (0.50), seeking a review for the situation of women
workers in the state of Ceara, what is verified are lower yields due to the fact of being a
woman, living in rural areas, of squared age to represent the inverted parabola, as a
symbol of the ascending and descending processes of the wages over the years of life of
the working agent. Also, there will be a decrease in income earned by women workers
in Ceará for those who have children. This is explained on the basis that it is expected,
that they subject themselves to less extensive working hours than men4.
6
CONCLUSION
From the quantile regression method used it was possible to see a better return
on income by income groups, which allows making a better and detailed analysis. It was
observed in this study the most meaningful wage differences are concentrated in the sex
and residential area (urban or rural) variables and presence or absence of children.
It was found that women perceive lower wages than men and the wage gap is
even more consistent for those who live in rural areas.
4
Antunes (2006) notes the progress of female labor in the economies and their growth under the scheme
part time, which, however, is characterized by deregulation and casualization.
10
Atas Proceedings | 2387
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
It is important to highlight that, more years of study have a positive and
significant impact in income, stressing the importance of investing in them as a way to
increase salaries.
It can be concluded through this paper the urgent need for action by public
bodies aimed at encouraging the education of individuals in order to raise awareness of
equal ability to perform their functions regardless of sex. We also understand that a
workforce with more years of study tends to specialize more and provide better services,
which allows the individual to earn higher wages.
There is also a need for more incentives for countrymen, so they do not feel
tempted to migrate to cities seeking higher yields, in which this exodus from the field,
resulting in a deficit of manpower in rural areas and reduction of farmlands, which may
be reflected on rising price of agricultural products and a consequent increase in the
price of the subsistence wage in the urban area.
REFERENCES
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econômica republicana, 1889-1999. Campus. Rio de Janeiro. 2000.
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2388 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
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em 10 de abril de 2012.
12
Atas Proceedings | 2389
2390 | ESADR 2013
EXPANSÃO IMOBILIÁRIA DE CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS
NA ZONA RURAL DA REGIÃO SERRANA DO ESPÍRITO SANTO
(BR): CONFLITO ENTRE NOVOS E VELHOS ATORES
CARLOS TEIXEIRA DE CAMPOS JUNIOR
Doutor pela FAUUSP
Professor Associado do
Depto. de Geografia e do PPGG da UFES
e-mail: [email protected]
RESUMO
Embora o ritmo intenso da expansão imobiliária de condomínios urbanos de segunda
residência em área de produção agrícola tenha sido contido pela Administração Pública,
a solução é provisória e não reduz a ameaça de expulsão do agricultor familiar de sua
terra. As possibilidades de rendimentos pelo uso imobiliário da terra têm superado
aquele proporcionado pelo histórico uso agrícola da propriedade. Os velhos atores estão
sob ameaça dos novos. O objetivo deste trabalho é analisar a expansão de condomínios
urbanos de segunda residência na Região Serrana do Espírito Santo e seus impactos
socioespaciais na produção agrícola familiar, como perspectiva para ampliar o debate
sobre a solução do problema. O recurso teórico da análise para trabalhar a valorização
da propriedade imobiliária e sua apropriação com finalidade rentista baseia-se na
formula trinitária do valor em Marx. A análise da produção familiar, como alternativa
de sobrevivência do agricultor no seu território, funda-se na nas perspectivas de
apropriação pelo uso da terra, a partir das interpretações de Lefebvre (1999). As
informações empíricas foram obtidas na administrações municipal, no Instituto de
Apoio à Pesquisa Jones dos Santos Neves (Ipes), que trabalhou o Macrozoneamento da
Região Serrana, e em entrevistas a agricultores familiares. O resultado esperado tem a
perspectiva de qualificar o debate a respeito da urbanização do campo, desmistificando
a “solução” da Administração Pública para o conflito, que é provisória e não atende ao
interesse do agricultor familiar. O artigo possui introdução, apresentação do problema,
análise da expansão dos condomínios residenciais e suas manifestações socioespaciais,
discussão e conclusões.
Palavras-chave: Produção imobiliária. Expansão de condomínios residenciais no campo.
Região Serrana do Espírito Santo (BR). Agricultura familiar.
Introdução
A produção imobiliária tem se apresentado no centro do debate quando se discutem as
novas formas espaciais, tanto das cidades quanto do campo. As referências que
estabeleciam limites claros entre o campo e a cidade perderam força diante da realidade
(SPAROVEK et al., 2004, p.15).
Atas Proceedings | 2391
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
O modelo centro-periferia – o centro reúne o comércio, os serviços especializados, as
edificações verticalizadas e os melhores equipamentos urbanos, e a periferia representa
a precariedade, a ausência de infraestrutura, onde a moradia é edificada por
autoconstrução – deixou de ser uma referência e não dá mais conta de explicar nossas
cidades.
Por meio dessas referências, Castells (1983) e Lojikine (1997), dentre outros, se
pronunciaram. Assim como Lênin anteriormente chamou a atenção para a questão da
habitação, eles apresentaram ao debate o problema urbano. Problema relacionado com a
distribuição desigual dos chamados meios de consumo coletivo entre os moradores das
cidades. A concentração que o processo industrial reuniu nas cidades, não permitindo
acesso igualmente de todos aos benefícios que a cidade poderia oferecer, contribuiu
para a conformação da estrutura espacial centro-periferia.
As disputas no espaço pelos meios de consumo coletivo ou pelas condições gerais da
produção de conformidade com Harvey (1982) tratam de todas aquelas condições
materiais criadas no espaço para facilitar a reprodução da indústria e da força de
trabalho. A lógica industrial, nessa perspectiva, tem função preponderante na
estruturação espacial das cidades, vistas como centro-periferia.
Admitem alguns que hoje se atravessa um momento pós-industrial. Lefebvre (1999)
apresenta uma contribuição importante nesse sentido. Num eixo espaço-tempo como
recurso metodológico, identifica, num movimento de continuidade e descontinuidade,
registros e superações de diferentes cidades, umas pelas outras ao longo do tempo: da
cidade política pela medieval, desta pela mercantil, até a proeminência da industrial,
bem como se refere àquela que a sucede, que reuniria a urbanização completa. Assim
como a indústria produz bens materiais num determinado espaço adaptado ou criado
para fornecer condições adequadas à sua reprodução, Lefebvre (1999) admite que
atravessaríamos um momento em que a produção da urbanização superaria a produção
industrial.
Lencioni (2008, p. 50), com base em Lefebvre, considera que a produção da metrópole
foi um recurso criado pelo capital para superar crises e ampliar sua perspectiva de
reprodução. Estabelece uma outra questão: estamos em frente ao problema
metropolitano, não mais urbano.
2392 | ESADR 2013
2
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
Por sua vez, Pereira (2005), questionando o modelo centro-periferia, aponta os vários
centros que as metrópoles apresentam hoje, assim como assinala a deterioração dos
antigos centros e os esforços empreendidos para recuperá-los. Inverte o modelo. A
expansão urbana formal se verifica do centro para a periferia formando os novos
centros, num movimento de produção do espaço não mais relacionado apenas com a
base material criada para a reprodução da indústria, mas para a produção da
urbanização, como mercadoria por meio do imobiliário. O tempo de reprodução do
capital na produção imobiliária é mais veloz do que aquele de reprodução na indústria
fabril. Desse modo, são criadas outras condições gerais relativamente àquelas
vinculadas à reprodução fabril.
Nesse sentido, a produção imobiliária entra no debate deste artigo porque seu produto é
o espaço construído. Se o produto da indústria imobiliária é o espaço construído e se
essa indústria tende a superar a indústria fabril ou ser uma alternativa à reprodução do
capital, as nossas cidades e metrópoles vão crescer, atravessar o campo e concorrer com
ele.
Quais são, então, os limites dessa concorrência? São aqueles estabelecidos na disputa
entre terra de negócio e terra para o trabalho, personificada por interesses de novos e de
velhos atores. Nessa perspectiva, acredita-se que é necessário discutir a expansão
imobiliária de condomínios residenciais em zona rural.
Os condomínios de residências em áreas rurais do Espírito Santo
No Espírito Santo, o produto imobiliário condomínio fechado de residências, antes de
ter sido implantado na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), ou seja, em
área urbana, surge na área rural de municípios da Região Serrana do Estado do Espírito
Santo, especialmente no município de Domingos Martins, onde nossas investigações se
focaram de maneira mais detida.
Entre 1995 e 2003, período que abrangeu o levantamento dos dados primeiramente
analisados, nos municípios de Domingos Martins, Marechal Floriano, Venda Nova do
Imigrante e Vargem Alta, foram identificados 50 empreendimentos, que resultaram na
criação de 2.321 chácaras. Desses empreendimentos, 19 foram lançados em Domingos
3
Atas Proceedings | 2393
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Martins e que resultaram na criação de 1.288 chácaras, correspondendo a 55% desse
total.1
Em razão desses acontecimentos, algo inédito no Espírito Santo, que chamou a atenção
das autoridades, o órgão de planejamento estadual, o Instituto de Apoio à Pesquisa e ao
Desenvolvimento Jones dos Santos Neves (Ipes) realizou o estudo da região, originando
o documento Macrozoneamento da Região Serrana. Este estudo constatou que, além da
ocorrência de grande número de empreendimentos imobiliários na região, verificaramse muitas irregularidades decorrentes, especialmente, da inobservância da legislação
federal que trata do parcelamento do solo. Resultado: foram construídos
empreendimentos urbanos em área rurais, em destinar áreas de uso comum, conforme
estipula a legislação, e foram infringidos os limites de áreas de preservação permanente.
Diante desses fatos, as autoridades intervieram. Fizeram cumprir a legislação federal,
estabeleceram a necessidade de parecer de órgãos técnicos, florestal e do meio
ambiente, bem como obrigaram os cartórios a darem vistas ao Ministério Público
Estadual nos processos de registros de loteamentos. Resultado: reduziram-se os
loteamentos, contudo ainda persiste o crescimento urbano em direção à área rural dos
municípios da Região Serrana, especialmente em Domingos Martins.
O problema continua e acredita-se em dimensões mais complexas. Nesse sentido, o
objetivo deste artigo é analisar a expansão de condomínios residenciais na Região
Serrana do Espírito Santo e seus impactos socioespaciais para trazer ao debate esses
acontecimentos de maneira que se possa refletir a respeito das possibilidades de
enfrentar esse problema. Para tanto, apresenta-se o seguinte questionamento: como se
efetivou o crescimento imobiliário por meio de condomínios de residências no
município de Domingos Martins e quais seus impactos socioespaciais na área rural?
A expansão de condomínios residenciais na área rural de Domingos Martins
A Região Serrana
1
Esses números foram obtidos nos documentos do Instituto de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento
Jones dos Santos Neves (Ipes). Especificamente, foram tomados dados dos documentos
Macrozoneamento da Região Serrana e Análise Socioeconômica do Município de Domingos Martins:
elementos para avaliação da emancipação do distrito de Aracê, ambos de 2004.
2394 | ESADR 2013
4
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
A Região Serrana do Espírito Santo é composta por 11 municípios: Afonso Cláudio,
Alfredo Chaves, Castelo, Conceição do Castelo, Domingos Martins, Marechal Floriano,
Santa Teresa, Santa Maria de Jetibá, Santa Leopoldina, Vargem Alta e Venda Nova do
Imigrante, conforme pode ser visto na Figura 1.
Figura 1. Municípios que compõem a Região Serrana
Fonte: IPES, 2004.
“É importante ressaltar que esses municípios não são os mesmos considerados dentro da
divisão regional formal do estado. A área focalizada abrange municípios pertencentes a
diversas microrregiões administrativas: Metrópole Expandida Sul, Sudoeste Serrana,
Central Serrana e Pólo Cachoeiro” (Macrozoneamento, 2004, p. 4).
Contudo, é importante ressaltar algumas das particularidades culturais, físicas e da
estrutura de apropriação da propriedade da terra dessa região, que reúne a mais
importante diversidade cultural do Espírito Santo de origem europeia, formada por
descendentes de imigrantes italianos, alemães, pomeranos, luxemburgueses, suíços,
belgas, holandeses e açorianos.
5
Atas Proceedings | 2395
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
A adesão do Espírito Santo à política de colonização do Governo Central, assim como
ocorreu com as províncias do Sul do País, respondeu pela vinda dos imigrantes
europeus estabelecidos em pequenas propriedades, principalmente na região serrana do
Espírito Santo. Essa política, inicialmente promovida pelo Governo Central e,
posteriormente, pelo Governo Estadual, nos primeiros anos da República, durante o
Governo Estadual de Muniz Freire (1892-1896), difundiu a pequena propriedade, que
responde ainda hoje por uma das mais democráticas formas de distribuição da
propriedade da terra no País (CAMPOS JUNIOR, 1996). A respeito dos municípios da
Região Serrana, Bergamim (2004) afirma: “Refletindo essa forma de apropriação
territorial, o espaço rural dos municípios em questão destaca-se atualmente,
em sua maioria, pela predominância da agricultura familiar (INCRA/FAO,
2000) e por uma boa distribuição fundiária. Os índices de Gini da terra
atingidos pelos municípios destacam-se entre os menores do Espírito Santo”.2
Essa região é de relevo acidentado. Constitui a parte alta e fria do Estado, com o clima
que mais se aproximaria daquele dos países de origem dos imigrantes. As temperaturas
baixas dos lugares mais altos dessa região dificultaram o cultivo do café naquela época,
ainda hoje a principal atividade agrícola do Espírito Santo, deixando na penúria muitos
desses imigrantes. Assim, a produção de verduras, de frutas e de ovos tornou-se uma
importante alternativa para os imigrantes da Região Serrana, com a constituição da
Capital como mercado para essa produção. Hoje, os pequenos produtores da Região
Serrana são os principais responsáveis pelo abastecimento alimentar da Região
Metropolitana da Grande Vitória.
Outro aspecto constatado é que o relevo acidentado, difícil para o cultivo, contribuiu
para manter ainda preservadas importantes áreas de florestas, compondo com os morros
uma paisagem de beleza diferenciada. A 60km da Capital do Espírito Santo, que está
situada ao nível do mar, existe uma outra paisagem, a mais de 1.000 metros de altitude,
com uma outra cultura – entre os pomeranos algumas pessoas ainda hoje não falam o
português – e um clima ameno. Esses requisitos tornaram-se atrativos à produção
imobiliária de condomínios fechados de residências que, mesmo antes de serem
2
De acordo com Hoffman (1998), o Espírito Santo apresenta o segundo melhor índice de Gini do País.
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6
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
implantados na RMGV foram criados na Região Serrana, particularmente em Domingos
Martins e na área rural.
Os condomínios
Em 1978, foi lançado o primeiro condomínio fechado em Domingos Martins, na
localidade do Soído, a aproximadamente 10km da sede do município, empreendimento
chamado Parque das Hortências. Formado por 111 lotes, foi uma iniciativa inédita no
Estado. O empreendedor era um cidadão português, que resolveu investir no Espírito
Santo por conta das dificuldades políticas que seu país atravessava naquela ocasião.
O asfaltamento da BR-262, que corta a Região Serrana, ligando Vitória, a capital
capixaba, ao Estado de Minas Gerais, foi concluído no final da década de 1960, quando
o Espírito Santo passava por processos de mudanças econômicas importantes. Estado
eminentemente agrícola, fundado na agricultura na cafeicultura – o café, por mais de
100 anos, foi a principal atividade econômica do Espírito Santo – vivia um momento de
dificuldades, procurando alternativas que pudessem se constituir em novas fontes de
receitas para sua economia, abalada pela crise advinda da política federal de erradicação
do café. Tal política consistiu no estabelecimento de cotas de erradicação para cada
Estado produtor de café e no pagamento de indenizações ao agricultor por pé de café
erradicado.
O Espírito Santo, entre os Estados da Federação, foi o que mais erradicou café,
proporcionalmente à quantidade produzida. Resultado: a busca por alternativas que
apresentassem outras bases de sustentação econômica era urgente. Dentre as metas
perseguidas, pode-se destacar a promoção do próprio retorno do café em outras bases, a
diversificação da agricultura e, fundamentalmente, a industrialização. No rol dessas
alternativas diversificadoras para o reerguimento econômico do Estado, o governante da
ocasião monta expediente para que recursos estaduais e favores concedidos pelo
Governo Federal se constituíssem em mecanismos de incentivos à indústria, à
diversificação agrícola e ao turismo.
De maneira pontual e muito lentamente, como resultado desses incentivos, foram se
instalando restaurantes e pousadas na Região Serrana, cujo acesso se tornara facilitado
7
Atas Proceedings | 2397
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
com o asfaltamento da BR-262, na década de 1960. A implantação de grandes projetos3
industriais, com suas instalações iniciadas nos anos de 1970 e concluídas na década
seguinte, como resultado do esforço diversificador por parte das lideranças locais,
respondeu pela formação de uma nova classe média no Estado, que viu na Região
Serrana uma alternativa de lazer por meio de passeios em finais de semana.
Contudo, a mancha urbana de Domingos Martins não havia se alterado, senão na
contiguidade do perímetro urbano da sede por reduzida expansão. Constata-se, porém, o
aumento na aquisição de terras para formação de sítios de lazer por parte dos moradores
da Capital.
Personalidades com representatividade nacional descobriram a região. O ex-presidente
da Cia. Vale do Rio Doce, hoje Vale, e ex-ministro, foi um dos pioneiros a adquirir
propriedade na região. Na sequência, vieram vários outros. O empresário Lorentz,
principal acionista da Aracruz Celulose, hoje Fibria; ex-governadores do Espírito Santo;
o empresário Roberto Marinho, da Rede Globo de Televisão; e até conhecida
apresentadora de televisão anunciavam que tinham propriedade na região.
Na ocasião, a máxima cunhada pelo ex-presidente da Vale, conhecedor e mesmo
morador de muitos países, de que a Região Serrana do Espírito Santo tem o 3º melhor
clima do mundo, foi muito propalada, tornando-se um atributo aceito pelos admiradores
da região e um importante recurso de marketing com a emergência dos loteamentos de
residências na área rural.
A pesquisa do Ipes constatou a realização de 19 loteamentos, que originaram a
formação de 1.131 chácaras destinadas à segunda residência na área rural do município
de Domingos Martins, conforme a Tabela 1.
3
Faz referência às usinas de Pelotização Vale, à CST, hoje Acelor, à Aracruz Celulose e à Samarco
Mineração.
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Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
Tabela 14 – Loteamentos realizados na área rural de Domingos Martins – 1995-2003
Condomínios/Loteamentos
Distrito
Nº Lotes
Área (m2)
Cond. Estrela cadente
Cond. Parque das águas
Cond. Residencial parque pedra azul
Cond. Aldeia da pedra azul
Cond. Cerro azul
Cond. Eco resort
Cond. Residencial aldeia da montanha
Aracê
Aracê
Aracê
Aracê
Aracê
Aracê
Sta Izabel
72
28
24
47
104
83
43
119.826,37
32.602,77
30.337,28
108.685,83
393.775,48
527.887,35
140.148,25
Registrados Aprov
PMDM
X
1998
X
1998
x
1999
X
2000
X
2000
2000
X
2000
Cond. Residencial aldeia eco da floresta
Cond. Villagio verdi
Cond. Mont blú
Aracê
Aracê
Aracê
63
124
41
165.695,41
421.909,96
142.129,98
x
X
X
2000
2000
2001
Cond. Parque do china
Cond. Recanto das bromélias
Cond. Residencial vales verdes
Cond. Colinas de pedra azul
Cond. Chácaras sol nascente
Lot. Chácaras de pedra azul
Lot. Chácaras de pietra azurra
Lot. Recanto das estrelas
Aracê
Aracê
Aracê
Aracê
Aracê
Aracê
Aracê
Aracê
47
24
24
53
23
54
54
70
93.774,95
69.540,00
23.600,00
91.739,49
39.213,37
57.652,12
79.953,73
221.897,00
X
X
x
2001
2001
2001
2001
2002
1995
2000
1999
Lot. Vivendas de pedra azul
Total
Fonte: SMOSU/PMDM
Aracê
153
1.131
2.760.369,34
X
X
X
X
1996
Examinando os dados dessa tabela, constata-se que a quase totalidade dos loteamentos
ocorreu no distrito de Aracê. Apenas um empreendimento, com 43 lotes, não se
localizou nesse distrito. Verifica-se que, além da concentração física dos
empreendimentos em Aracê, houve um curto intervalo de tempo nos seus registros na
Prefeitura de Domingos Martins. A concentração desses registros ocorreu entre 1998 e
2001, apesar de a citada pesquisa, ter se efetivado no período de 1995 a 2003,
abrangendo outros municípios da região.
A concentração dos loteamentos em Aracê está relacionada com os condicionantes
naturais do clima, a vegetação, a proximidade das propriedades de personagens ilustres
da vida nacional e ao patrimônio natural da reserva de Pedra Azul. Conforme se observa
na Figura 2, os loteamentos estão ao redor da Pedra Azul.
4
Os condomínios indicados nessa tabela são fechados, formados a partir de loteamentos. Assim que a
maioria das chácaras eram vendidas, na instalação do condomínio, por meio de artifício legal, deixado por
brecha na legislação, por autorização da autoridade municipal, transformavam-se os loteamentos em
condomínio para funcionar conforme a Lei nº 4.504/64, que disciplina os condomínios. E ainda, de forma
arbitrária, fechavam-se os loteamentos, sem que fossem questionados pela administração municipal.
9
Atas Proceedings | 2399
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Figura 2 – Loteamentos no Distrito de Aracê próximos de Pedra Azul
Fonte: Plano Diretor Municipal de Domingos Martins (PDMDM).
A proximidade da reserva tornou-se o atributo valorizador dos loteamentos. No
intervalo de uma décad,a o distrito de Aracê, eminentemente rural, foi tomado por
condomínios de segunda residência de moradores das cidades, principalmente da
Capital. No novo Plano Diretor Municipal de Desenvolvimento (PDMDM),
recentemente aprovado, aproximadamente 2/3 do distrito de Aracê foram transformados
em macrozona de desenvolvimento turístico. É um indicador de que o distrito perdeu
sua função agrícola.
2400 | ESADR 2013
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Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
Além dos loteamentos, aumentou a quantidade de restaurantes, pousadas, cafés
coloniais, bem como se ampliaram as atividades de lazer, como pesque-pague, passeios
a cavalo e outras opções turísticas nas trilhas da reserva. Na maioria dos casos, essas
atividades não são exploradas pelos antigos moradores da região.
Produziam-se em Aracê café, verduras, tomate, batata e morango. Hoje quase não há
atividade agrícola no distrito. Quando existe, possui alguma ligação com o agroturismo.
A produção do morango, como exemplo, consiste num atrativo mostrado ao turista, que
desperta seu interesse para a compra de produtos caseiros, dentre os quais a geleia de
morango.
O que aconteceu com as propriedades agrícolas no distrito de Aracê? Conforme os
dados censitários, apresentados na Tabela 2, com o cálculo do índice de Gini5 para o
município de Domingos Martins, houve concentração da propriedade da terra de 1995
para 2006. O índice medido em 1995 correspondia à 0,498 e, uma década depois, à
0,522. A área média das propriedades com menos de 20ha foi reduzida. Contudo, o
aparecimento de uma propriedade com mais de 1.000 hectares em 2006 apresentou uma
forte contribuição para a elevação do índice de Gini.
Tabela 2 – Índice de Gini de Domingos Martins
Grupos de
área
0 ¬ 10
10 ¬ 20
20 ¬ 50
50 ¬ 100
100 ¬ 500
500 ¬1000
1000 ¬ 10000
< 10000
TOTAL
Gini
Fonte: IBGE
1995
Estab.
nk
974
614
852
277
70
2787
Área
n'k
4498
8651
26010
18136
10825
68120
0,498
2006
Área
Área
acumulada Estab. Área acumulada
N'k
nk
n'k
N'k
4498
1363
6161
6161
13149
726
9818
15979
39159
833 24785
40764
57295
246 16210
56974
68120
51
7870
64844
1
3220
1500
66344
0,522
Os dados da produção agrícola municipal de lavouras permanentes e temporárias,
conforme os registros do IBGE, são significativos para mostrar a redução das lavouras
5
Este índice é um indicador da concentração da propriedade da terra, que indica que quanto mais se
aproxima de 1 mais concentrada estaria a propriedade da terra.
11
Atas Proceedings | 2401
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
no município, de 1995 para 2011. Houve uma diminuição de 35% na área ocupada por
lavouras no período assinalado.
Como as informações censitárias corresponderam ao município e não apenas ao distrito
de Aracê, as entrevistas com um técnico agrícola, bem como o resgate das anotações do
caderno de campo de entrevistas realizadas no início da década de 1980, quando da
elaboração do Programa de Desenvolvimento Regional Integrado (PDRI)6, dão conta de
auxiliar na compreensão das transformações ocorridas no distrito de Aracê.
Os depoimentos de ex-produtor rural – hoje empresário – dono de pousada, de morador
de condomínio e de moradores da área urbana de Aracê apresentaram-se como
informações valiosas a respeito das transformações verificadas no distrito.
Os agricultores que possuíam glebas de terra maiores eram poucos. Eles venderam
apenas parte de suas terras. Os mais empreendedores utilizaram os recursos para
construção de pousadas, cafés coloniais, buscando investir na própria propriedade,
substituindo a agricultura por atividades voltadas para o turismo. O Café e Pousada
Trefiori são exemplos significativos dessa estratégia. Contudo, sempre deixando uma
parte da terra como reserva, de maneira que pudesse ser utilizada de acordo com as
necessidades, para cobrir eventuais dificuldades ou até mesmo para bancar o
investimento em novos negócios. Outros produtores, também informados com outra
visão, fizeram loteamento, construíram casas para alugar e lojas dedicadas à venda de
produtos da região, conforme depoimento da família Bassani.7
Por outro lado, a grande maioria dos produtores rurais do distrito de Aracê vendeu suas
propriedades e hoje mora na Vila, como é chamada a área urbana do distrito. Essas
famílias vivem dos rendimentos auferidos com a venda da terra e de emprego no
comércio ou na administração municipal. “Não compensava produzir. As dificuldades
eram muitas para pouco”. De sua família, de 12 irmãos, todos pequenos produtores em
Aracê, só três permaneceram no cultivo agrícola. Os outros moram parte em Aracê e
parte em Venda Nova.8 As oportunidades de emprego lá são maiores do que em Aracê.
(Sr. Bassani, 2013).
6
Faz-se referência ao trabalho realizado em 1983 pelo Instituto Jones dos Santos Neves, hoje Ipes, qual o
autor participou na ocasião como técnico daquela instituição de pesquisa.
7
Filha de ex-produtor rural e hoje morador da Vila de Aracê.
8
Sede do município vizinho de mesmo nome, situada a 12km de Aracê, enquanto que a sede de
Domingos Martins fica a 40km.
2402 | ESADR 2013
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Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
A expansão do condomínio residencial deu-se sem a observância dos princípios mais
elementares da legalidade. A lei federal que orienta a realização de loteamentos na
maioria dos empreendimentos não foi obedecida. Os loteamentos foram realizados na
área rural; não destinaram os 35% da área do empreendimento para uso comum
conforme estabelece a legislação, e até mesmo ocuparam, indevidamente, áreas de
preservação permanente. Apesar das arbitrariedades, os loteamentos tiveram aprovação
da municipalidade e receberam registro em Cartório.
Essa situação motivou o Governo do Estado a acionar os municípios para que tomassem
medidas cabíveis, observando a legislação pertinente. Outro instrumento legal foi criado
por parte do Governo Estadual, visando ao enquadramento dos novos loteamentos.
Assim, a partir de 2004, para que se efetuassem novos loteamentos na região, tornou-se
necessário que se apresentasse laudo técnico do Instituto de Defesa Agropecuária e
Florestal do Espírito Santo (Idaf), Licença ambiental do Instituto Estadual de Meio
Ambiente (Iema) e os cartórios de registros, como procedimento, concediam
obrigatoriamente vistas ao Ministério Público para que se pronunciasse. Resultado:
reduziram-se significativamente os loteamentos.
Conforme a Tabela 3, referente aos loteamentos realizados em Domingos Martins após
2004, com a observância dos novos critérios, constatou-se a ocorrência de cinco
empreendimentos, correspondentes a área de 1.099.443,96m2, formando 183 lotes.9
Tabela 3 – Loteamentos/condomínios realizados em Domingos Martins após
2004
Condomínios/Loteamentos
Cond. Lichieiras
Distrito
Aracê
Nº
Lotes
36
Cond. Mirante de pedra azul
Parajú
60
Cond. Parque das águas ii
Aracê
24
30.904,96
X
2004
Cond. Residencial parque terralta
Soído
63
471.449,00
x
2004
Cond. Residencial espelho d’água
Soído
491.509,90 X
2006
total
Fonte: SMOSU/PMDM
183
Área (m2)
Reg.
30.920,10 X
74.660,00 X
Aprov
PMDM
2004
2004
1.099.443,96
9
O total de lotes está subestimado porque não aparece, no acervo da fonte consultada, a quantidade de
lotes de um dos empreendimentos.
13
Atas Proceedings | 2403
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Comparando as informações das Tabelas 1 e 3 percebe-se que a redução da área dos
lançamentos foi de 60% e, para o número de lotes, foi de 84%. Constatou-se, contudo,
que os novos empreendimentos têm um outro padrão. São mais caros e não se
concentraram como antes em Aracê. Estão com outra distribuição no território
municipal.
Que significado tiveram as medidas para a contenção aleatória da expansão dos
loteamentos? Que perspectiva se vislumbra para esses empreendimentos e para a área
rural?
Discussão
A expansão imobiliária foi contida na forma que vinha se sucedendo, porque
apresentava risco ao processo de valorização da propriedade imobiliária em curso. O
produtor familiar não estava em questão, somente sua propriedade, para outra
finalidade.
A produção de alimentos, igualmente, não fez parte do debate. Terra plantada rende
menos que a terra sem planta, desde que seja trabalhada com o urbanismo para fins
imobiliários. Lefebvre (1999) se refere ao urbanismo dos promotores imobiliários como
instrumento para produção da felicidade, do status, de um padrão para que se venda o
espaço.
Os mecanismos institucionais não foram suficientes para conter a ameaça de
transformação rural, com todas as consequências que acarreta, porque a expansão
imobiliária continua, naturalmente, como foi demonstrado, com outro ritmo. É
importante, contudo, perceber que o conflito não só persiste como está em outro nível e
dimensão, apresentando-se em bases mais complexas. O ex-produtor rural transformado
num misto de empresário do entretenimento e incorporador, que foi montando seu
negócio com base na experimentação do erro e do acerto, deu lugar ao empresário que
possui a racionalidade financeira e a experiência pretérita no ramo. Os negócios se
tornaram profissionalizados.
Um dos novos empreendimentos lançados, em conformidade com os instrumentos
legais estabelecidos a partir de 2004, tem como sócio uma grande empresa de transporte
rodoviário, que também é acionista do ramo do transporte aeroviário. Essa empresa não
2404 | ESADR 2013
14
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
só é proprietária desse lançamento como também adquiriu um condomínio fechado mais
antigo, hoje totalmente vendido, do qual faz parte um hotel.
Tem-se notícia de um investidor grego é dono de um outro empreendimento na região.
Não é raro, conforme entrevista realizada com corretor imobiliário que atua na região, a
presença de estrangeiro ou empresa por eles contratada fazendo estudos prospectivos a
respeito das potencialidades locais.
O produto hoje é diferente dos anteriormente produzidos. Como eram realizados sem
investir em planejamento, pois não se dispunham de recursos suficientes para isso, o
improviso fazia parte das iniciativas. Apesar do retorno individualizado do negócio, o
conjunto da região ficava refém dos efeitos das iniciativas predatórias.
A forma do novo empreendimento é concebida, não só para apresentar retornos
importantes do negócio, como também para preservar o patrimônio do empreendimento
depois de vendido e valorizar a região. São comuns nesses casos empreendimentos
serem realizados por etapas; uma valoriza a outra, que valoriza as seguintes.
A preservação do valor do empreendimento ou de suas etapas já realizadas tem relação
com a administração condominial profissionalizada. Trata-se de algo recente que vem
sendo estabelecido pelos novos empreendimentos da região. A deterioração dos
investimentos realizados, como os equipamentos, infraestrutura e as próprias moradias,
comprometem o patrimônio. A aquisição do citado hotel pela empresa do ramo de
transportes tem relação com o propósito de preservação do valor do patrimônio do
condomínio. Como o hotel estava apresentando sinais de deterioração, com baixa taxa
de ocupação, a compra efetuada com o intuito de reerguê-lo, porque estava em questão,
o possível comprometimento do condomínio em que os acionistas da empresa possuem
residências e as demais áreas de investimento futuro que a empresa dispõe na região.
Nesse sentido, o negócio imobiliário realiza um valor e valoriza a propriedade
imobiliária, especialmente das terras reservadas para os investimentos futuros. Como
lidar com um ator social que se apresenta nesse nível na disputa pela terra? Estão na
disputa interesses de empresas de dimensão nacional e de acionistas de porte
internacional para os quais a terra, por meio do investimento imobiliário, tem caráter
rentista.
Do outro lado, encontra-se o produtor familiar de alimentos. A terra para ele destina-se
à sua reprodução como produtor familiar. Sua perspectiva é de apropriá-la pelo uso. A
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Atas Proceedings | 2405
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
fertilidade natural da terra e os demais recursos dados pela natureza – ar, água, níveis de
insolação e clima – interferem na sua atividade, permitindo que produza mais ou menos.
No mesmo espaço físico de sua pequena propriedade, ele pode produzir
indefinidamente.
No entanto, para o produtor imobiliário, a terra é condição de produção e para cada
produto é necessária a utilização de uma outra terra. Por essa característica, a produção
imobiliária concorre com a produção agrícola pela apropriação da propriedade da terra.
Os atributos naturais sol – ar, água, clima e vegetação – têm outro significado para a
produção imobiliária. São, como atribui Lefebvre, as chamadas novas raridades, que
hoje estabelecem uma outra frente de disputa. Sua escassez nos centros urbanos é um
fato, considerando a precariedade da insolação, a poluição do ar e da água e a quase
inexistência de áreas verde.
Nos produtos imobiliários, esses atributos naturais funcionam como mercadorias no
urbanismo dos promotores imobiliários e como condições gerais da produção, numa
reinterpreção do conceito apresentado por Harvey (1982). A demanda da produção
imobiliária nos centros urbanos por condições gerais da produção, criadas para a
indústria e para a reprodução do trabalho, e o estoque insuficiente fazem surgir outras
condições para atender às suas expectativas. E essas novas condições destinam-se à
produção imobiliária independente de atenderem à produção industrial. Nesse sentido, a
produção imobiliária conquista um maior grau de liberdade no seu movimento,
permitindo que se afaste das áreas centrais e se aproxime do campo. Por consequência,
coloca sobre pressão as propriedades rurais.
Em frente a essa disputa desigual entre novos e velhos atores, o produtor rural,
estabelecido há anos na região, não tem chances de lidar com o empresário rentista,
personificação do novo ator social, nos limites da situação dada. Contudo, existem
algumas situações verificadas no município que merecem reflexão. Na localidade de
Tijuco Preto e em parte do distrito de Paraju, povoados ocupados por descendentes de
alemães, a concentração e o desmembramento de propriedades no círculo dos de mesma
nacionalidade, não têm sido regularizados. Seja pelo custo, seja pela burocracia dos
procedimentos cartoriais, um compra terra do outro, sem regularizar oficialmente.
E, ainda, o isolamento em que os descendentes de alemães vivem teria dificuldade em
ser quebrado, porque o vínculo que têm com a terra e com o lugar, bem como a falta de
2406 | ESADR 2013
16
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
sociabilidade fora da comunidade dificultariam a construção de alternativas de
sobrevivência, fora da terra onde vive.
Exemplos como esses, que não são os únicos dessa natureza, colocariam obstáculos à
expansão de empreendimentos imobiliários no campo. Contudo, o nível e a dimensão
que vêm assumindo o caráter rentista da propriedade da terra representam uma ameaça
permanente à produção familiar da Região Serrana do Espírito Santo.
Conclusões
Os mecanismos institucionais criados em 2004, com o propósito de conter a expansão
de condomínios residenciais na área rural da Região Serrana, colocaram limites à
ocupação que apresentava irregularidades e ameaçava as expectativas de valorização do
patrimônio imobiliário. Contudo, os limites estabelecidos resultaram na requalificação
dos empreendimentos, sem questionar seus impactos sobre o produtor familiar.
Essa requalificação aumentou o conflito entre o produtor familiar e o novo
empreendedor imobiliário. Os negócios ganharam maior expressão, deixaram o
improviso e foram profissionalizados para que se reduzissem os riscos dos
investimentos. A nova estratégia consistiu na produção do condomínio e na promoção
da valorização da propriedade imobiliária, por meio de outros recursos que
independeram das históricas condições dadas para a reprodução da indústria e do
trabalho, de forma a que os produtos imobiliários pudessem exercer a função de reserva
de valor.
Os ditos outros recursos possibilitaram que a produção imobiliária ganhasse maior
liberdade de movimento no espaço, relativizando-se a importância do requisito
proximidade dos equipamentos e espaços públicos, próprios das áreas centrais, como
qualificador dos empreendimentos imobiliários. Não só foram criados novos centros,
que se afastaram fisicamente dos centros tradicionais, mas também produtos
imobiliários que incorporaram no seu projeto equipamentos e espaços simuladores do
espaço público e da vida urbana, por meio do urbanismo dos promotores imobiliários.
Resultado: seus movimentos se ampliaram, estendendo-se a todos os cantos das cidades
e potencialmente também do campo, aumentando o nível e dimensão da disputa pela
terra e com isso ameaçando ainda mais a reprodução do trabalhador familiar, que tem a
certeza de que o dom maior da terra não é a renda, mas a vida e a esperança.
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Atas Proceedings
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
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Seminário O município e o solo rural. Instituto Polis, 6-19.
Atas Proceedings | 2409
2410 | ESADR 2013
O PACTO NOVO CARIRI: CONTRADIÇÕES NA DEFESA DO
POTENCIAL DA CAPRINOCULTURA NO CARIRI PARAIBANO
Valdênio Meneses
Ramonildes Gomes
O Pacto Novo Cariri foi uma parceria firmada por volta na década de 2000 entre
prefeituras municipais, instituições públicas e privadas que coloca a caprinocultura
como elemento central de uma proposta de desenvolvimento para a microrregião do
Cariri Paraibano (localizada no estado da Paraíba, na região Nordeste do Brasil) O
artigo busca problematizar contradições visualizadas em discursos institucionais e na
produção acadêmica (artigos e dissertações) ligados principalmente ao Serviço de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Associação dos Municípios do Cariri
Paraibano (AMCAP) que estão entre as principais instituições articuladoras do Pacto
Novo Cariri. Através de um referencial de análise cognitiva de políticas públicas,
elaboramos uma crítica a crença no desenvolvimento que legitima o Pacto Novo Cariri
através da seguinte contradição: de um lado, os discursos ligados ao Pacto mobilizam
uma ideia de passado e de tradição “caririzeira” junto a uma apropriação da ideia de
“convivência com o semiárido” para exaltar a caprinocultura como uma pecuária bem
adaptada “natural” e “culturalmente” à região do Cariri enquanto que , por outro lado,
esta mesma caprinocultura “tradicional” é desqualificada em uma proposta de
transformação que envolve imposições de inovações técnicas e do associativismo para
agricultores familiares.
Palavras-chave: Pacto Novo Cariri; caprinocultura, desenvolvimento, políticas
públicas.
INTRODUÇÃO
Entre 1989 e 1990 o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) propõe a
inserção de novos elementos na divisão regional do Brasil. Com base em relatórios
obtidos a partir de recenseamentos, o IBGE propõe a criação de novos agregados
espaciais - as microrregiões - que são acrescentados a divisão interna dos estados da
Federação já delimitados em regiões e mesorregiões desde a antiga divisão regional de
1968 (IBGE, 1990. p.8). No caso do estado da Paraíba é instituída uma divisão de 23

Valdênio Meneses/ Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais (PPGCS) da
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Brasil/Email: [email protected]

Ramonildes Gomes / Professora. Doutora, PPGCS, Unidade Acadêmica de Ciências Sociais, UFCG,
Campina Grande / PB, Brasil E-mail: [email protected]
Atas Proceedings | 2411
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
microrregiões, sendo que 17 destas são nomeadas segundo a área de influência das
maiores cidades do estado (como a capital João Pessoa, Campina Grande, Patos, Sousa,
etc.). Fazendo parte das 6 microrregiões que não possuem “nomes de cidade”, a região
do Cariri Paraibano - antes dividida entre “ Cariris Velhos” e “Cariris de Princesa” passou por uma demarcação que a separou entre Cariri Ocidental e o Cariri Oriental2:
MAPA 1. PARAÍBA E AS MICRORREGIÕES DO CARIRI PARAIBANO
MICRORREGIÃO DO CARIRI ORIENTAL
Fonte: /www.sit.mda.gov.br
MICRORREGIÃO DO CARIRI OCIDENTAL
Abrimos a discussão do artigo destacando a apropriação desta nomenclatura “Cariri
Paraibano” por uma parceria entre diferentes instituições e agentes sociais chamada de
Pacto Novo Cariri que, no início da década de 2000, consolida uma proposta de
desenvolvimento regional centrada na elaboração e articulação de políticas públicas de
incentivo à caprinocultura (GOMES; MENESES, 2010). A defesa da caprinocultura foi
2
O Cariri Ocidental é formado pelos seguintes municípios: Amparo, Assunção, Camalaú ,Congo,
Coxixola, Livramento, Monteiro,Ouro Velho,Parari, Prata,São João do Tigre, São José dos Cordeiros,
São Sebastião do Umbuzeiro, Serra Branca, Sumé, Taperoá e Zabelê. Já o Cariri Oriental é composto
pelos municípios de Alcantil ,Barra de Santana, Barra de São Miguel, Boqueirão, Cabaceiras, Caraúbas,
Caturité, Gurjão, Riacho de Santo Antônio, Santo André, São Domingos do Cariri, São João do Cariri
2
2412 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
um “motor principal” para que, em seguida, fosse consolidada uma proposta mais ampla
de reelaboração de uma certa imagem de região economicamente “ esquecida e
atrasada” do Cariri Paraibano.
O fio condutor deste artigo é problematizar contradições internas nos principais
argumentos de defesa do potencial da pecuária caprina dentro da ideia de
desenvolvimento legitimada no Pacto Novo Cariri. Destacamos tensões nas variações
semânticas que se apresentam na defesa da caprinocultura ora como sendo uma pecuária
adaptada de forma inata em termos tradicionais, culturais e ambientais ao Cariri
Paraibano; ora colocada como uma prática que necessita de uma transformação intensa
de modos tradicionais de criação segundo um pacote de mudanças tecnológicas e de
novas formas na organização coletiva dos caprinocultores.
Nossas principais fontes são um conjunto de 20 artigos, dissertações, projetos e
documentos de publicidade - ligados principalmente a agência paraibana do Serviço
Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e a Associação dos
Municípios do Cariri Paraibano (AMCAP) que são importantes instituições
articuladoras do Pacto Novo Cariri. A partir destas fontes podemos detectar pelo menos
três argumentos que caracterizam este suposto potencial da caprinocultura como
elemento de revitalização de toda a região do Cariri:
A) O argumento da “Natureza”: caprinocultura como uma pecuária adaptada as
condições naturais e climáticas do Cariri Paraibano;
B) O argumento da “Cultura”: a caprinocultura como um símbolo cultural e
turístico do Cariri Paraibano;
C) O argumento da “Inovação”: enfatiza que o potencial da caprinocultura leiteira
deve ser dinamizado principalmente através da difusão de inovações técnicas e
na adesão de pequenos caprinocultores ao associativismo.
Esta tripla caracterização do potencial da caprinocultura defendida no Pacto Novo
Cariri nos serve como ferramenta analítica para analisar uma contradição fundamental:
a caprinocultura no front de disputas simbólicas e materiais entre o discurso de
valorização da pecuária via uma combinação de argumentos que utilizam de uma ideia
acerca da natureza e da cultura (ver argumentos A e B) que entra em conflito direto
com uma outra demanda que, por sua vez, sugere um projeto de transformação desta
mesma caprinocultura “tradicional e cultural” ( argumento C). De um lado,
3
Atas Proceedings | 2413
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
visualizamos
o
investimento
argumentativo
que
aproxima
conceitos
como
“desenvolvimento sustentável” e “convivência com o semiárido” junto a um projeto de
turismo e de valorização da “cultura” local para justificar aptidões da caprinocultura que
são inatas e até mesmo preexistentes ao Pacto e que ,no máximo, estavam apenas
“esquecidas”. Por outro lado, seguindo a linha do argumento C aquelas aptidões inatas
são ignoradas na medida em que o potencial da caprinocultura não é visto como inato já
que deve ser acionado através de medidas como a conscientização dos caprinocultores
para aderir as inovações técnicas e “ estimulo de capital social” através de um tipo de
mobilização coletiva específico que são as associações e cooperativas
Tais contradições geram as seguintes questões: como em um mesmo projeto de
desenvolvimento sedimentado no Pacto Novo Cariri “coexistem” a defesa de um
potencial “natural” e inato para a caprinocultura lado-a-lado com a projeção de uma
“nova” caprinocultura através do investimento em padrões tecnológicos e de “capital
social”?
Quais conflitos podemos apontar entre a defesa da caprinocultura sob
argumentos “estáticos” como meio ambiente e da tradição-cultural e de como essa
mesma pecuária “ tradicional” e o caprinocultor que a pratica são alvo de críticas em um
argumento que prega a transformação a todo custo de práticas de criação e de
organização coletiva? O que é o potencial da caprinocultura: ser por si só uma atividade
adaptada ou ela deve “tornar-se adaptada” através de transformações? Como esta
contradição reverbera no direcionamento das políticas públicas articuladas no Pacto?
O artigo está estruturado em três partes. Uma primeira trata de esclarecer os
referenciais teóricos que mobilizamos para refletir sobre o desenvolvimento enquanto
produção de uma crença em torno da presença de uma configuração desenvolvimentista
(SARDAN, 1995). Debatemos também como a caprinocultura, dentro do Pacto Novo
Cariri, é um dos principais elementos que compõem dinâmicas sociais mais amplas
inseridas em um “processo de (re) pecuarização do semiárido” (NUNES, 2011). Na
segunda seção do artigo desenhamos a montagem da configuração desenvolvimentista
do Pacto Novo Cariri destacando como e quais programas e políticas públicas foram se
articulando em torno do projeto de desenvolvimento para o Cariri Paraibano e , em
seguida, nos detalhamos em uma análise de conteúdo dos artigos e documentos de
publicidade que compõem os três argumentos do potencial da caprinocultura defendido
no Pacto Novo Cariri. Nas considerações finais problematizamos como as contradições
4
2414 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
dos três argumentos de defesa do potencial da caprinocultura são indicativos de
conflitos dentro de políticas públicas e programas que formam a base do Pacto Novo
Cariri – tais como o Programa do Leite e o projeto ADRS .
Este artigo é resultado de atividades de pesquisa dentro um projeto de mestrado3 no
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da UFCG junto a um
trabalho em equipe com membros4 do Laboratório de Sociologia Aplicada (LASAP)
acerca de políticas públicas e processos sociais relacionados à pecuária no Nordeste do
Brasil.
1. A CONFIGURAÇÃO DESENVOLVIMENTISTA DO PACTO NOVO CARIRI
Para tratar dos pilares que sustentam o Pacto Novo Cariri colocamos em discussão
como a noção de desenvolvimento é intrinsecamente ligada a um conjunto de crenças
produzidas e mobilizadas dentro das disputas que envolvem uma articulação de
diferentes agentes sociais e suas competências específicas. Nesse sentido fazemos uma
reflexão sobre aquilo que Delma Pessanha Neves (2008) aponta nas dificuldades de
demarcar uma definição geral do termo “desenvolvimento social” já que este faz parte
de crenças construídas em um contexto político específico de lutas que influenciam no
projeto de mudanças e na seletividade das demandas que serão colocadas como
relevantes na agenda pública (NEVES, 2008, p.7). Saindo da busca de uma definição
geral e abstrata para entender como é produzida tal crença “desenvolvimentista”
tomamos uso de um conceito não-normativo de “desenvolvimento” elaborado por JeanPierre Olivier Sardan (1995) que coloca este termo definido como um conjunto de
práticas e agentes sociais articulados em uma “configuração desenvolvimentista”:
É a presença de uma “configuração desenvolvimentista” que define a
existência propriamente dita do desenvolvimento. Chamaremos de
configuração desenvolvimentista, o universo cosmopolita de experts,
burocratas, representantes de ONGs, de pesquisadores, técnicos,
líderes de projetos, agentes de campo que vivem de alguma forma do
desenvolvimento de outros, mobilizando e gerenciando recursos
materiais e simbólicos ( SARDAN, 1995, p. 7)
3
Orientado pela Profa. Dra. Ramonildes Gomes o projeto de mestrado intitulado Associativismo e
Caprinocultura: interdependências entre projetos de desenvolvimento, lideranças das associações e elites
políticas nos municípios do Cariri Paraibano começou em 2012 e tem sua conclusão prevista para 2014.
4
A equipe de membros do LASAP que tem produção acadêmica ligada a estudos processos que
envolvem a pecuária é composta por 2 professores - Dra. Ramonildes Gomes Dr. Luis Henrique Cunha; 2
alunos de doutorado – Aldo Manuel Branquinho Nunes e Jonatta Sousa Paulino e 1 aluno de mestrado –
Valdênio Freitas Meneses. Incorporamos a discussão de artigos produzidos nos últimos 2 anos pelos
membros desta equipe como referenciais teóricos para analisar o Pacto Novo Cariri.
5
Atas Proceedings | 2415
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
A partir dessas premissas que consideram o desenvolvimento enquanto crença
produzida dentro de uma configuração específica de agentes sociais é que colocamos a
seguinte pergunta: como analisar, no Pacto Novo Cariri, uma articulação de instituições
e agentes sociais em prol da construção de uma crença sob a caprinocultura como
atividade capaz de ser o leitmotiv de um projeto de desenvolvimento para toda uma
região?
É neste ponto que mobilizamos os referenciais teóricos através de uma abordagem
cognitiva de análise de políticas públicas enfatizando nos discursos institucionais que
legitimam iniciativas e projetos de intervenção. O viés cognitivo nos ajuda a perceber a
ação pública, não apenas como “resolução de problemas”, mas também como
intercâmbio de formas de representação social e construção de quadros de interpretação
do mundo (MULLER, 2000, p. 194). No caso do Pacto Novo Cariri, selecionamos
referenciais cognitivos que são praticamente os cânones de uma demanda de
desenvolvimento: o discurso ambiental de defesa da caprinocultura adicionado á
ressignificação e valorização de uma tradição “caprinocultora” do Cariri em tensão com
um projeto de superação de uma forma de pecuária ligada ao passado via um modelo
criatório mais direcionado na racionalidade técnica. Em última instância, enfatizamos
como a caprinocultura é objeto de disputas que compõem representações sociais e que
são canalizadas dentro de uma configuração de agentes sociais engajados em uma certa
fé no desenvolvimento.
Teoricamente, exploramos os atritos entre estes cânones desenvolvimentistas do
Pacto Novo Cariri através das considerações de Giddens (1991) acerca dos padrões
diferenciados de tempo e espaço intrínsecos às instituições modernas que, por sua vez,
são ditados pelos mecanismos de desencaixe dos sistemas sociais como uma ordenação
e reordenação reflexiva das relações sociais a luz das contínuas entradas de
conhecimento afetando indivíduos e grupos (GIDDENS, 1991 p.25)
Uma forma
bastante nítida desses processos de desencaixe sobre elementos de tempo-espaço está no
discurso que se apresenta na valorização de “tradições locais” mas que trata
substancialmente de uma relação dialógica e seletiva com uma ideia de “tradição” que
nada mais é do que resultado de processos tipicamente modernos. “A tradição
justificada é a tradição falsificada e recebe sua identidade apenas na reflexividade do
moderno” (GIDDENS, 1991, p. 45). Essa “exaltação moderna do tradicional” depende
6
2416 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
diretamente de formas de monitoração contínua das práticas sociais que, via uma
reflexividade através de formas de conhecimento, tem sua reprodução garantida. É neste
ponto que se faz a relação fundamental de conceitos consagrados nas ciências sociais
com o caráter reflexivo do mundo moderno na medida em que a revisão crônica das
práticas sociais a luz do conhecimento sobre estas práticas é parte do próprio tecido das
instituições modernas” (GIDDENS, 1991, p. 47). No caso dos discursos que legitimam
o Pacto Novo Cariri evidenciamos na segunda parte do artigo, por exemplo, o
desencaixe de uma ideia ressignificada de tradição – que liga a pecuária caprina a uma
noção de cultura “caririzeira” ( AMCAP, 2007) – que é simbolicamente desenhada
sobre a caprinocultura e a reflexividade através de conceitos das ciências sociais (capital
social, governança, gestão compartilhada etc.) que são mobilizados na produção
acadêmica ligada ao Sebrae para defender o associativismo como forma ideal de
organização coletiva de pequenos caprinocultores.
1.1 PROCESSO DE (RE) PECUARIZAÇÃO
Para concluir a reflexão teórica levantamos uma discussão acerca de como a defesa
da caprinocultura no Pacto Novo Cariri é uma forte evidência de como a pecuária tem
sido colocada a frente de processos recentes de transformação social na região do
Nordeste do Brasil. Trata-se de um processo de (re) pecuarização que compõe um
quadro de relações sociais que ascende após uma dupla crise de um sistema
algodão/pecuária/latifúndio/ culturas alimentares e também de modelos de políticas
públicas de combate à seca (NUNES, 2011). Nesse contexto, a pecuária é ressignificada
em múltiplos níveis:
A) pela opção preferencial de agricultores familiares pela atividade
criatória em detrimento da agricultura; B) pelo crescente processo de
legitimação dos projetos territoriais do criatório, através da difusão de
políticas públicas que destinam a maior parte dos recursos para
atividades relacionadas com a criação de animais, e da propagação de
variados discursos de desenvolvimento fazem a defesa das atividades
do criatório como as mais adequadas para o semiárido; C) pela
atualização dos símbolos históricos e culturais da pecuária por meio
de eventos religiosos, esportivos, culturais e de entretenimento; e D)
pela crescente racionalização da atividade, por parte dos produtores
que, a cada dia mais, vinculam suas atividades produtivas em torno do
criatório a fins específicos. (NUNES, 2011. p. 183)
Enfatizamos principalmente nos pontos C e D e como estes níveis de um processo
de (re)pecuarização nos ajudam a compreender a clivagem discursiva que a
caprinocultura sofre na visão de desenvolvimento do Pacto Novo Cariri.
7
Atas Proceedings | 2417
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Feitas as reflexões teóricas que norteiam o artigo passamos para a abordagem
metodológica. Com o auxílio do software de pesquisa qualitativa NVIVO fizemos uma
análise de conteúdo de um acervo composto por 20 fontes ligadas ao Pacto Novo Cariri
produzidas entre os anos de 1999 e 2010:
TABELA 1: PUBLICIDADE E PRODUÇÃO ACADÊMICA LIGADAS AO PACTO
NOVO CARIRI
TÍTULO
TIPO
REFERÊNCIA
O agronegócio da caprinocultura nos Cariris Paraibanos
Projeto
Sebrae (2000)
Cartilha do Caprinocultor
Cartilha
Sebrae (2000b)
Cultura de Cooperação
Cartilha
Sebrae (2009)
Empreendedorismo e parcerias: caminhos para o
desenvolvimento sustentável à luz da agenda 21
no Cariri Paraibano
Desenvolvimento local e participação popular: a experiência
do Pacto Novo Cariri
Pacto Novo Cariri: Mais que um Projeto uma nova vida
Artigo
Pereira (2009)
Artigo
Costa; Ferreira (2010)
Publicidade
Sebrae/Embrapa (2001)
Gestão Compartilhada e Cidadania: um estudo da
experiência do Pacto Novo Cariri
Impactos do programa do Leite da Paraíba e do Pacto Novo
cariri sobre a caprinocultura leiteira
Do município de Cabaceiras/PB
Paisagem natural, patrimônio cultural e
turismo nos Cariris paraibanos
Plano territorial de Desenvolvimento Rural
Sustentável: Território Cariri ( versão preliminar)
Revista Sebrae Agronegócios
Dissertação
Ferreira (2006)
Dissertação
Moura (2010)
Artigo
Passos (2010)
Relatório
SDT/MDA (2005)
Revista
Sebrae ( 2006)
Revista Sebrae Agronegocios
Revista
Sebrae (2007)
Desenvolvimento Local: como fazer?
Cartilha
Sebrae (2008)
Capacitação de Agentes de Desenvolvimento rural
(ADRS) para a Caprinovinocultura
Jornal Bolsa de Negócios ( Sebrae)
Projeto
Sebrae (2003)
Jornal
Sebrae (1999)
Revista AMCAP ( Edição especial)
Revista
AMCAP (2005)
Revista AMCAP ( 2ª Edição)
Revista
AMCAP (2006)
Revista AMCAP ( 4ª Edição)
Revista
AMCAP (2008)
Plano Novo Cariri (2009/2012)
Publicidade
Pacto Novo Cariri (2009)
A cabra : estrela de uma nova constelação econômica?
Artigo
Rodrigues ( 2001)
Buscamos acessar nestas fontes, ligadas boa parte ao Sebrae e a AMCAP , como
são mobilizados os significados de palavras-chave ( desenvolvimento, social, capital
social, etc.). utilizando de elementos metodológicos da análise de conteúdo ( BARDIN,
1977) seguindo a construção de unidades de análise e categorizações a partir da
frequência que alguns termos aparecem nas fontes textuais. O software de análise
8
2418 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
qualitativa NVIVO é de grande auxílio na análise de conteúdo pois possui uma
ferramenta de busca que detecta quais as palavras que aparecem com mais frequência,
junto a localização das mesmas no conjunto de fontes textuais. Podemos, assim, ter
além de um perfil quantitativo, a possibilidade de identificar e interpretar como no uso
freqüente destas palavras são incorporados diferentes padrões de significados que, pra
fins deste artigo, indicam os referenciais de conhecimento que legitimam uma proposta
de desenvolvimento. Assim, na produção acadêmica de artigos e dissertações que
defendem o Pacto buscamos acessar aquilo que Bourdieu (1983) destaca em um campo
científico ou acadêmico como “as condições de produção e conhecimento” que
sustentam as ilusões e crenças. Analisando esses 20 artigos produzidos por veterinários,
agrônomos, administradores, gestores, dirigentes de associações podemos compreender
a produção de uma crença feita por experts e agentes sociais que incorporam
competências específicas que circundam uma noção de desenvolvimento. Em um
projeto de desenvolvimento, esses efeitos mágicos fazem parte de uma filosofia social
específica do desenvolvimento (NEVES, 2008) no qual estão engajados agentes e
instituições sociais que mobilizam recursos simbólicos e materiais dentro na
configuração que sustenta o Pacto Novo Cariri.
1.3 A CONFIGURAÇÃO DESENVOLVIMENTISTA DO PACTO NOVO
CARIRI
O Pacto Novo Cariri é uma parceria que foi iniciada por volta do ano 2000. Sendo
uma parceria “informal”, não houve necessariamente um evento de “fundação” do
Pacto. Podemos afirmar que o embrião do Pacto está em articulações políticas entre
prefeitos dentro da AMCAP e alguns estudos e diagnósticos preliminares feitos por uma
equipe do Sebrae em 1997 na cidade de Monteiro o que se seguiu para a instalação de
agências desta mesma instituição neste mesmo município, em 1999 ( SEBRAE BOLSA
DE NEGOCIOS, 1999). Contudo, mesmo naqueles estudos preliminares do Sebrae não
há ainda uma referência sob a caprinocultura enquanto atividade capaz de mobilizar
para si todo um projeto de desenvolvimento. Também não havia nenhum aparato
institucional de políticas públicas ou ações regulares5 voltadas para a pecuária de
5
De forma difusa e descentralizada algumas parcerias do Banco do Nordeste para cursos de extensão
sobre caprinocultura (Farol do Desenvolvimento); iniciativas isoladas do governo estadual e das
secretarias municipais de agricultura de comprar parte da produção de leite de cabra de agricultores
familiares. No fim da década de 1980 também houve projetos isolados para produção de queijo em que
9
Atas Proceedings | 2419
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
caprinos. Vale citar também que esta pecuária, assim como as outras, sofreu gradativas
perdas no rebanho diante de períodos de seca durante a década de 1990. A fotografia
deste momento explica o posicionamento de alguns estudos que se mostram até mesmo
contrários à pecuária como uma estratégia de desenvolvimento, a exemplo do trabalho
realizado por Marianne Cohen que via na caprinocultura uma comercialização de pouco
valor para os produtos originais de produção familiar, como o leite de cabra (COHEN,
1997, p. 412).
A caprinocultura começa a ganhar espaço dentro dos quadros institucionais do
Sebrae a partir de dois projetos: o primeiro é o Projeto Novo Cariri (2001) que propunha
um consórcio entre a caprinocultura, cultivo de sisal e culturas alimentares e forrageiras
para os rebanhos em época de seca. Apesar de destacar a caprinocultura, não há
nenhuma referência a inovações na pecuária, sendo este projeto Novo Cariri tinha
bastante ênfase na agricultura como pode ser visto na sua justificativa:
A introdução de um sistema de agricultura profissional com a
produção integrando agricultura e pecuária, em substituição ao
predominante na região do Cariri Paraibano que sempre foi baseado
na exploração agrícola de subsistência, permitirá a sustentabilidade
sócio-econômica e ambiental da região (Projeto Novo Cariri, 2001,
p.2)
Por outro lado, temos um segundo projeto chamado Agronegócio da
Caprinovinocultura nos Cariris Paraibanos, publicado em 2000, e que tinha um
objetivo mais direto para a caprinocultura: perfil produtivo do setor; (ii) características
mercadológicas e (iii) definição e análise das potencialidades, restrições e possibilidades
de expansão em novas bases técnicas ( SEBRAE, 2000, p.5)
Portanto, é logo após um período de indefinições e crises na década de 1990 que o
Sebrae começa a tentar incorporar os diagnósticos e projetos sobre a caprinocultura em
eventos e congressos na Paraíba, como foi o caso da III Semana cultural de Cabaceiras,
em 2001, no qual foram organizados os primeiros núcleos de coordenadores do Pacto
naquela cidade. Também foi firmada a proposta de transplantar o modelo de ação do
Pro-Cariri que estava sendo realizado em um estado vizinho à Paraíba, o Ceará.
Trechos de jornais dessa época ilustram como o discurso de desenvolvimento
estava sendo aos poucos sendo incorporado na região do Cariri:
havia estimulo ao consumo de leite de cabra por parte de alguns sindicatos de trabalhadores rurais e
ações da AMAS ( Associação Menonita de Assistência Social) ( BATISTA, 1997)
10
2420 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
Uma série de outros eventos durante a década de 2000 e a articulação de
programas governamentais faz com que sob o Pacto Novo Cariri seja elaborada uma
complexa malha de instituições e projetos:
DIAGRAMA 1: INSTITUIÇÕES, PROJETOS E AÇÕES NO PACTO NOVO CARIRI6
Elaborado a partir de Moura (2010, p. 38-39)
A partir deste diagrama podemos ver como o Sebrae e a AMCAP articulam tanto
elementos de assistência técnica, difusão de associativismo e articulações políticas nas
instituições que constituem a configuração desenvolvimentista do Pacto Novo Cariri.
Tendo em vista essa posição tomamos o discurso dessas duas instituições como
referenciais para analisar as contradições da defesa do potencial da caprinocultura do
Pacto.
6
Siglas: Agente de Desenvolvimento Regional Sustentável (ADRS); Associação dos Municípios do
Cariri Paraibano (AMCAP); Centro de Desenvolvimento da Ovinocaprinocultura (CENDOV); Empresa
Brasileira de Pesquisa Agroécuária (EMBRAPA); Empresa de Assistência Técnica e Rural (EMATER);
Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba ( EMEPA); Serviço Brasileiro de Apoio as Micro
e Pequenas Empresas (SEBRAE); Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); Universidade
Federal da Paraíba (UFPB).
11
Atas Proceedings | 2421
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
2. DIFERENTES “POTENCIAIS” DA CAPRINOCULTURA NA PROPOSTA
DO PACTO NOVO CARIRI
Inserimos as 20 fontes textuais descritas na Tabela 1 na ferramenta de busca de
palavras (Word Frequency Query) do NVIVO. Para eliminar resíduos de palavras
(pronomes, preposições, conectivos de frases etc.) estabelecemos os seguintes critérios
de busca: as quatro palavras com seis ou mais caracteres que aparecem com mais
freqüência nos textos. O resultado está abaixo:
TABELA 2: BUSCA POR FREQÜÊNCIA DE PALAVRAS (NVIVO)
Word
“desenvolvimento”
“social”
“capital”
“Cariri”
Length
15
6
7
6
Count
1174
676
482
439
Percentage (%)
0,58
0,33
0,24
0,22
Sabendo das palavras mais freqüentes cabe analisar qualitativamente para filtrar os
usos que possuem efetivos significados daquelas ocorrências que são apenas indicativas
de tópicos nos textos (índices, títulos, capa etc.).
Selecionando o termo que aparece com maior frequência que é “desenvolvimento”
temos as oscilações entre uma ideia inicial que guiava o Pacto nos seus primórdios (
consorciar a pecuária de caprinos e ovinos com o cultivo de sisal)
e a noção
desenvolvimentista bem mais ampla dos documentos mais recentes:
“ Projeto Novo Cariri: cultura do Sisal consorciado com culturas
alimentares e forrageiras, integrado com a caprinovinocultura. Um
modelo de desenvolvimento sustentável para o Agroecossistema
ambiental e sócio-ecológico do Cariri” (EMBRAPA/SEBRAE, 2001,
p.2)
“ A região [do Cariri] está desenvolvendo iniciativas estruturantes, a
exemplo das cadeias produtivas da caprinovinocultura e do turismo;da
universalização do ensino fundamental e médio e, do início do ensino
superior, do resgate e desenvolvimento do seu artesanato, da cultura
popular, de suas tradições históricas e da afirmação de sua identidade
social. Está em construção e desenvolvimento de redes de serviços
sociais e de bem estar, com a formação de consórcios regionais,
estruturas associativas, conselhos de desenvolvimento e setoriais de
forma permanente” ( PACTO NOVO CARIRI, 2009, p.4)
Essa ampliação e maturação da noção de desenvolvimento pode ser entendida na
medida em que uma produção acadêmica, publicada em uma revista de turismo ligada
12
2422 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
ao Sebrae, avalia os resultados do Pacto, incorporando conceitos como “
desenvolvimento local” e teorias holísticas via a Agenda 21 , definida na Conferência
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio De Janeiro em 1992:
“ Amparado nos pressupostos da Agenda 21, o Pacto Novo Cariri e
seus parceiros pode ser considerado uma experiência (...) que buscou
integração dos mais diversos setores institucionais em torno de um
objetivo comum, configurado no desenvolvimento sustentável do
Cariri Paraibano. (...) as ações aqui elencadas permitem assegurar que
a identificação e divulgação do potencial nativo, bem como os
resultados obtidos permitem afirmar que os objetivos traçados tem
sido alcançados. ( PEREIRA, 2009, p. 48)
A análise qualitativa de passagens que tem o termo “ desenvolvimento” nos levou a
perceber também como os outros termos indicados pelo NVIVO como mais freqüentes,
,como “capital” e “social”, aparecem juntos ou próximos com certa freqüência como é o
caso do trecho abaixo:
O desenvolvimento também requer o crescimento dos níveis de
cooperação e confiança entre as pessoas, aquilo que se convencionou
chamar de “capital social”. Não é possível existir desenvolvimento
sem organização, participação e empoderamento das pessoas. Mas
isso não vai acontecer se não houver confiança e cooperação, se não
se construírem redes de solidariedade e de ajuda mútua (...)o capital
social é essa trama, essa teia, esse tecido, essa rede de conexões, que
quanto mais forte, mais capaz será de gerar desenvolvimento
sustentável. O capital social é o produto da confiança e da cooperação
entre os atores sociais, que lhes confere organização, capacidade de
participação e empoderamento. O desenvolvimento, de certa forma, é
produto do capital social. (SEBRAE, 2008, p.8)
Já o termo “Cariri” quando utilizado com relevância significativa – não apenas na
nomeação da região ou do Pacto Novo Cariri – aparece próximo a passagens que estão
ligadas ou a uma afirmação ambiental ou de uma cultura e identidade regional como é o
caso abaixo:
A região do Cariri vem sofrendo impactos ambientais, contando com
áreas severamente desgastadas em processo de desertificação. Há
necessidade de que as atividades produtivas acompanhem as
recomendações da agricultura e pecuária sustentável (PACTO NOVO
CARIRI, 2009, p. 25)
“Os avanços alcançados nos municípios têm participação direta do
Pacto Novo Cariri (...) que vem se fazendo presente nas região do
Cariri nas iniciativas estruturantes da caprinovinocultura, apicultura,
agricultura familiar, artesanato, turismo histórico e cultural, da
expansão da educação, cultura popular, formação de consórcios
regionais, e da afirmação da identidade social ( AMCAP, 2008, p. 9)
13
Atas Proceedings | 2423
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Interpretando esses trechos que envolvem os termos “ desenvolvimento”; “capital”;
“social” e “Cariri” é que chegamos a proposta de (des) montar um tripé semântico em
que o potencial da caprinocultura busca ser legitimado no Pacto Novo Cariri: a defesa
da natureza, o resgate da cultura e a necessidade de inovações. E é a partir deste trio que
analisamos a constituição de uma fé ,propagada pelas instituições que articulam o Pacto,
que “louva” a pecuária caprina de diferentes maneiras.
2.1
O ARGUMENTO DA NATUREZA: A VOCAÇÃO “NATURAL” DA
CAPRINOCULTURA PARA REGIÃO DO CARIRI
Neste argumento, a caprinocultura é defendida por ter uma vocação inata: ser uma
pecuária mais adaptada as condições edafo-climáticas do Cariri, como a vegetação, o
clima semi-árido e os períodos de seca. A partir deste “ argumento da Natureza”, a
agricultura e a pecuária bovina são retirados “ de cena” para que os caprinos sejam
exaltados. Como é o caso do trecho abaixo retirado de um texto intitulado “A cabra :
estrela de uma nova constelação econômica?”:
È sabido que o atual sistema de exploração do espaço semiárido,
carece de mudanças profundas,com um novo enfoque a ser delineado,
onde se deve contemplar menos uma agricultura “lotérica” que é
praticada na região, e utilizar a vocação pecuária que parece melhor se
acomodar ao semiárido, respeitando seu ecossistema e aproveitando e
preservando sua biodiversidade, buscando evoluir para uma
agricultura agropastoril adequada ao sequeiro. (RODRIGUES, 2001,
p.60)
Nas duas passagens mais adiante podemos destacar como o “argumento da
Natureza” vai incorporando outros elementos na ênfase a uma propriedade adaptativa da
caprinocultura. Primeiro a consideração de que a pecuária caprina, pelas suas condições
biológicas, é “tipicamente” ligada a produção família rural adequando-se a pequena
propriedade e que, além disso, é um “exemplo” de resistência – destacado pelo advérbio
“sempre” - diante de um contexto de dificuldades dadas pelo fenômenos das secas e do
latifúndio7:
7
Sobre uma “liberação” das condições de dominação de um sistema pecuária bovina-algodão-latifúndio,
Nunes (2011) destaca como a aproximação da pecuária por parte de grupos ligados a pequena propriedade
(agricultores familiares, assentados etc.) mostra novos processos de dominação, não mais ligados
diretamente as relações entre grandes proprietários e moradores e sim a lógicas de subordinação mais
disfarçadas ligadas a meios de intervenção externa: seja do Estado, Organizações Não Governamentais
14
2424 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
A importância da criação familiar desses animais de pequeno porte
como estratégia de sobrevivência no semi-árido nordestino, sempre
foi ressaltada por concorrerem com forte cabedal para a alimentação
das crianças, numa área onde ela impera, quando os demais gados
perecem ou emigram, fustigados pelos horrores das secas periódicas.
(SEBRAE, 2000, p. 8-9)
(...) o combate à pobreza e a transformação estrutural do semi-árido
nordestino não podem prescindir de uma mudança profunda da
estrutura fundiária, onde ocorre a polarização entre o latifúndio
improdutivo e o minifúndio antieconômico, contribuindo para a
subutilização ou exaustão do fator terra. Dentro deste contexto, a
caprinovinocultura se apresenta como grande oportunidade
econômica, por apresentar requisitos necessários a acomodação no
espaço semiárido, estando aparelhada anatômica e fisiologicamente
para sobreviver e produzir sob essas condições, qualificando-se ainda
pela prolificidade, velocidade do ciclo produtivo e adequação à
pequena propriedade. (SEBRAE, 2003, p. 13)
O reconhecimento de uma “vocação natural de caprinos” (SEBRAE, 2000b, p.23) a
adaptar-se a climas áridos e semiaridos é um recurso utilizado para incorporar no Pacto
Novo Cariri uma visão ressignificada acerca do fenômeno das secas – a ideia
convivência com o semiárido. - que propõe um novo conceito civilizatório de que o
escassez de chuvas não é um problema e sim uma questão de reelaboração de uma visão
de natureza somada aos problemas políticos, sociais e culturais considerando. (
MALVEZZI, 2007) Nesse sentido “a seca não é vista como um problema a ser
combatido e sim saber adaptar-se aos seus ciclos ” (BATISTA FILHO, 2001, p. 6).
Cunha e Paulino (2013) problematizam como esta ideia de convivência com o
semiárido vem ganhando espaço enquanto um novo paradigma de políticas públicas.
Em substituição ao antigo modelo de políticas de combate a seca, a “convivência com o
semiárido” opera através de um conservantismo e excepcionalismo de populações rurais
e de pequenos municípios que foram marginalizadas em projetos de intervenção de
combate a seca do passado (CUNHA; PAULINO, 2013, p. 19). O exemplo do Pacto
Novo Cariri aponta que o “excepcionalismo dos pobres” é reforçado através do
(ONGs) e movimentos sociais, associações e cooperativas. Um outro elemento a ser destacado também
são as relações que descendentes de famílias de grandes proprietários tem dentro de quadros
institucionais, projetos de intervenção e políticas públicas ligadas a pecuária nos municípios do Cariri.
Podemos exemplificar isso a partir de pesquisas realizadas no município de São Sebastião do Umbuzeiro
que mostram o envolvimento de pessoas da família Neves, que possui ligação com a igreja local e detém
várias propriedades de terra na área deste município, dentro das associações de caprinocultores e espaços
de participação da usina de beneficiamento de leite de cabra (MENESES, GOMES, 2012).
15
Atas Proceedings | 2425
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
argumento de que a caprinocultura é a pecuária “típica” dos agricultores familiares que
também faz uma junção simbólica com uma ideia de família rural ligada à um cenário
de pobreza e adversidades ligado à seca.
2.2 O ARGUMENTO DA CULTURA : A CABRA COMO ANIMAL SÍMBOLO
DA TRADIÇAO “CARIRIZEIRA”
Um outro argumento do Pacto trata de legitimar esta pecuária caprina enquanto
símbolo de manifestações culturais e de “ tradição” que seriam típicas da região do
Cariri Paraibano. Nesse sentido, há uma conexão com o “argumento da Natureza” no
sentido da cabra ,vista como exemplo de resistência as adversidades climáticas, também
estar ligada a uma visão de cultura que coloca o personagem do “caririzeiro” como
símbolo de força e perseverança diante das dificuldades que enfrenta na região em que
vive. Trata-se uma reelaboração para o Cariri de uma metáfora bastante recorrente na
literatura brasileira que coloca o habitante do Sertão, o “sertanejo, antes de tudo, um
forte”8. Toda esta exaltação cultural do caprino é canalizada para projetos e eventos
turísticos como é o caso da Festa do Bode Rei, no município de Cabaceiras e da
Expofeira “Bode na Rua”, no município de Gurjão. Estes dois eventos são
emblemáticos na medida em que surgiram em 1999 e 2000, que foram anos das
primeiras articulações do Pacto Novo Cariri.
A festa do Bode Rei de Cabaceiras é realizada todos os anos, geralmente no início
do mês de junho, que marca as comemorações do São João que é uma festa bastante
ligada culturalmente à região Nordeste do Brasil. A programação é feita por shows,
exposições e feiras agropecuárias voltadas exclusivamente para os caprinos. Nota-se no
discurso da prefeitura de Cabaceiras sobre o evento a junção da exaltação da “natureza”
resistente do caprino como meio de destacar manifestações culturais
Com a certeza de não poder contar periodicamente com as águas dos
céus, o povo cabaceirense fincou suas convicções na cultura bodística,
8
A mitologia de um território chamado de Sertão orientou todo um projeto civilizatório do Brasil desde a
colonização portuguesa e influenciou na produção literária brasileira. A frase “ sertanejo é, antes de tudo,
um forte” é uma das citações famosas do livro Os Sertões de Euclides da Cunha que narra os episódios da
Guerra de Canudos entre o novo governo republicano e comunidades religiosas no início do século XX.
As contradições do enredo da obra Os Sertões mostram a imagem do sertanejo ora como um personagem
“forte” que vive em um ambiente hostil do interior ora como um indivíduo de costumes rudes que precisa
ser civilizado pelos ideias urbanizados ligados aos habitantes do litoral. De uma forma geral, os sentidos
da palavra sertão oscilam um imaginário dualista acerca um universo cultural resistente e, ao mesmo
tempo, hostil e bárbaro ( SENA, SUAREZ, 2011, p. 7) .
16
2426 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
para tentar se sobressair diante de tantas adversidades, principalmente
climáticas. Este redirecionamento de visão vem surtindo efeito. E o
que era desilusão, passou a ser esperança, o que era comum, se
transformou em nobreza, e o que era tido como efeito de estiagem,
agora é atração turística (AMCAP, 2005, p. 10).
No caso da apresentação da Festa do Bode na Rua na cidade de Gurjão, há um
investimento argumentativo na combinação da exaltação do potencial “artísticocultural” da caprinocultura com o estímulo ao artesanato, culinária e a promoção de
atividades econômicas e geração de empregos na cidade:
“Neste evento, o animal mais querido do Cariri Paraibano – o bode- é
reverenciado. São quatro dias em que Gurjão recebe milhares de
turistas e grandes atrações, discute questões para o bom desempenho
de técnicas caprinovinocultoras e sobrevivência no semiárido
nordestino e, assim, se consolida como pólo irradiador de
desenvolvimento. Um dos atrativos do evento é a culinária bodística,
com variado cardápio para atender o mais exigente paladar, e com a
qualidade peculiar da cozinha de gurjãoense, e o investimento no
artesanato local. O Bode na Rua é um evento que já se firmou no
calendário turístico do estado e cresce consideravelmente a cada ano,
contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico da região, com
a geração de emprego e renda, não só no período da festa mas durante
todo ano. Conheça as tradições, belezas e todo potencial artísticocultural da receptiva e acolhedora terra do bode” ( AMCAP, 2005, p.
16)
A criação de eventos como o Bode Rei e o Bode na Rua é significativo de como as
representações sociais sobre a pecuária foram ( e estão sendo) ressignificadas na região
do Cariri Paraibano. E não apenas a caprinocultura: podemos notar na criação de
eventos como a Festa do Jegue de Zabelê e na propagação das Missas de Vaqueiros nas
festas religiosas um modus operandi de valorizar os animais e os personagens humanos
ligados a estes, como os vaqueiros, “enquanto sinônimos de garra, resistência física
como características do nordestino” (AMCAP, 2008, p. 37). De fato, na ode cultural e
turística a estes animais há uma forte evidência de uma das dimensões do processo de
(re) pecuarização que está em curso :”a atualização dos símbolos históricos e culturais
da pecuária por meio de eventos religiosos, esportivos, culturais e de entretenimento” (
NUNES, 2011, p.183).
2.3
O ARGUMENTO DA INOVAÇÃO: A BUSCA DE UMA NOVA
CAPRINOCULTURA E O FLORESCIMENTO DA PARTICIPAÇÃO
POPULAR NO CARIRI
17
Atas Proceedings | 2427
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Diferente dos argumentos anteriores o engajamento do Pacto Novo Cariri numa
difusão de inovações para a caprinocultura não passa por uma ênfase em aspectos
inatos, sejam eles “naturais” ou culturais. Podemos dizer que até mesmo proposto uma
desqualificação de uma caprinocultura “do passado” através do direcionamento de que é
preciso uma “reformulação dos modelos tradicionais de planejamento e gestão”
(SEBRAE,2003,p.8). A caprinocultura leiteira representa este novo elemento de
superação do modo arcaico de “ fazer” pecuária. Contudo, para “ativar” tal viabilidade
do leite de cabra é que os artigos do Sebrae apontam para “ necessidades” de mudanças
nos grupos-alvo das políticas públicas do Pacto: pequenos caprinocultores geralmente
enquadrados em algumas das categorias de agricultores familiares do PRONAF9
Basicamente o projeto de uma nova caprinocultura passa por dois eixos que incidem
diretamente sobre mudanças na conduta dos caprinocultores. O primeiro faz parte da
incorporação de uma racionalidade técnica na criação de caprinos e o segundo vai no
princípio de que a organização coletiva dos caprinocultores deve ser transformada
através do estímulo ao associativismo.
Evidenciamos a racionalidade técnica através de documentos do Sebrae (2000b)
como a Cartilha do Caprinocultor que definem um pacote de inovações: a difusão de
novas raças de animais com aptidão leiteira ( Saanen e Toggemburg), estruturação
zootécnica dos animais através de marcações de peso e altura, uso de espécies vegetais
forrageiras – em substituição das nativas- para alimentar o rebanho, controle sanitário e
prevenção de doenças; melhoramentos genéticos, mudanças na estrutura física dos
currais dos caprinos e práticas de ordenhar os animais. Na visão de mundo que impõe
este pacote técnico para a caprinocultura, aquele que pratica uma pecuária “ tradicional”
é visto não mais como um personagem que emana força e resistência da cultura
caririzeira e sim como aquele que precisa ser “ sensibilizado” para se adequar ao
mercado competitivo e empreendedor. Podemos ver isso já na justificativa dos
primeiros documentos do Pacto que estavam focados em investir no consórcio
caprinocultura e plantio de sisal:
9
O PRONAF (Programa Nacional de Crédito para Agricultura Familiar) foi criado no fim da década de
1990. Estruturado linhas de crédito em várias categorias, o PRONAF foi um dos principais mecanismos
responsáveis por operacionalizar a categoria “agricultura familiar” em termos de políticas públicas no
Brasil.
18
2428 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
O Projeto Novo Cariri tem como objetivo consolidar um modelo de
cultivo de sisal, consorciado com outras culturas e integrado a
pecuária de caprinos e ovinos, viabilizando a exploração racional e
sustentável dos meios econômicos e ambiental do Cariri Paraibano.
Nossa proposta (...) “sensibilizar os agricultores para a adoção do
novo modelo de exploração econômica e sustentável dos recursos
naturais existentes” (...) Sensibilizar os agricultores para utilização da
fibra do sisal na produção de artesanato como forma de agregar valor
ao produto (SEBRAE/EMBRAPA, 2001, p.2)
Nas considerações finais de uma das cartilhas do Sebrae o discurso é bem mais
intenso para colocar a “necessidade” do caprinocultor apreender novas tecnologias:
O produtor rural só será receptivo às tecnologias mais avançadas
quando seu nível de informação básica lhe proporcionar capacidade de
decisão sobre o referido assunto. Outras medidas que podem
contribuir para aprendizagem do produtor são: Cursos Técnicos;
Cursos de Administração Rural (Capacitação Rural); participação em
dias de campo; visitas técnicas a outros produtores; as estações
experimentais e acompanhamento mais freqüente por técnicos da área.
É preciso que o homem do campo comece a adotar métodos e técnicas
de controle simples e objetivos, com a intenção de obter resultados
positivos na atividade, pois só assim, a caprinocultura irá ocupar seu
verdadeiro lugar de destaque na economia regional. (SEBRAE, 2000b,
p. 36)
Um outro elemento que este “homem do campo” precisa apreender é o
associativismo:
Como podemos ser competitivos se não acreditarmos em mudanças
como: associativismo, empresa rural, capacitação de produtores,
perspectiva de mercado, fatores estes considerados no mundo de hoje
receita de sucesso para um empreendimento. (SEBRAE, 2000b, p. 7)
Destacamos também como no uso da expressão “debilidades peculiares” ao fazer
referência aos caprinocultores há uma desqualificação de quaisquer outras formas de
participação coletiva e também de conhecimento sobre a pecuária que sejam divergentes
dos cânones técnicos estabelecidos pelas instituições que compõem o Pacto Novo
Cariri.
Organizados, os pequenos produtores serão capazes de superar suas
debilidades peculiares e dispor de poder político para levar suas
reinvidicações às instâncias decisórias, com vistas sobretudo à
formulação de política pública voltada ao desenvolvimento de suas
atividades. Por outro lado, a mudança do padrão tecnológico visa
assegurar maior eficiência ao processo produtivo e melhor qualidade
aos produtos, sem danos ao meio ambiente. O processo, porém, não
será efetivo sem o apoio de rede de assistência técnica qualificada e
19
Atas Proceedings | 2429
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
estreitamente relacionada com as comunidades de produtores. (
SEBRAE, 2003, p. 7-8)
A “necessidade” das entidades associativas é reforçada na medida em que fazer
parte de alguma associação ou cooperativas é pré-requisito obrigatório para que
caprinocultores sejam cadastrados em programas de incentivo a produção de leite
ligados ao Pacto Novo Cariri tais como Leite da Paraíba; Projeto ADRS e Projeto Dom
Helder Câmara e também nas Usinas de Beneficiamento de Leite (UBLs) (DUQUE,
2009).
Com isso, é produzida, a partir da caprinocultura, toda uma crença de que o
associativismo é o principal meio avanço de novas formas de participação na região em
um “florescimento da participação popular no Cariri” (COSTA, FERREIRA, 2010, p.
43). No documento mais recente das diretrizes do Pacto Novo Cariri (2009) é colocado
como o ser humano integral, “ o caririzeiro” mantém a relação com a sua região em uma
sociedade aberta e democrática a incorporação de conceitos como “capital social”;
“governança”; “gestão compartilhada” (PACTO NOVO CARIRI, 2009, p.5). O
associativismo também é louvado como uma superação dos partidarismos (AMCAP,
2008) e amadurecimento democrático contra a cultura coronelística do passado
(COSTA; FERREIRA, 2010, p. 43).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar refletimos sobre como estes conflitos localizados em um nível
discursivo influem e são objetivados dentro de disputas ligadas a algumas políticas
públicas e programas que fazem parte da malha do Pacto Novo Cariri. Fazemos um
paralelo das contradições discursivas que apontamos neste artigo com conflitos que
vivenciamos empiricamente conflitos dentro do projeto ADRS e do Programa Leite da
Paraíba. Tais conflitos são demonstrativos das diferentes representações sociais que
envolvem a caprinocultura e avanços e contradições que fazem parte da crença no
desenvolvimento propagada pelo Pacto Novo Cariri
O ocultamento dos conflitos que envolvem o programa ADRS: os atritos
discursivos principalmente entre a defesa da caprinocultura sob o Argumento Natural e
o Argumento da Inovação incidem diretamente na prática profissional dos ADRS:
técnicos-extensionistas que são capacitados em assistência técnica exclusiva para
caprinocultura leiteira pelo Sebrae, CENDOV e Fundação Banco do Brasil. Enquanto
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2430 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
mediadores sociais na condição de agentes de desenvolvimento ( MENESES; GOMES,
2012) os ADRS estão envolvidos diretamente em processos de mediação que envolvem
a negociação de conflitos entre diferentes racionalidades e conhecimentos para a
caprinocultura. Aquela ideia harmônica de caprinocultura “naturalmente” adaptada ecoa
no programa ADRS na medida em que os mediadores sociais são capacitados apenas
para um “repasse” de informações técnicas como se os agricultores familiares tivessem
uma “aceitação” natural e harmônica às inovações técnicas, pois a caprinocultura é vista
como um potencial natural pro Cariri. Nisso, o viés comunicativo do processo de
mediação do ADRS é negado pelo discurso das instituições que o capacitam.
(MENESES, GOMES, 2012, p. 17)
A questão do consumo do leite de cabra: O Programa do Leite, ou PAA/Leite,
tem sido um dos principais responsáveis por uma recente adesão de agricultores
familiares à atividade da caprinocultura leiteira no Cariri Paraibano. A estratégia do
programa consiste na compra de uma parte da produção do leite de cabra de agricultores
familiares cadastrados no PRONAF. O leite comprado pelo PAA abastece
principalmente programas governamentais de auxílio à famílias carentes como o Fome
Zero (DUQUE, 2009).
Contudo, essa adesão dos caprinocultores ao leite de cabra é,
em geral, voltada apenas para a venda no PAA. O leite produzido não é para consumo
próprio. Sobre essa prática os gestores e presidentes das associações reclamam de uma
resistência “cultural” ao leite de cabra que pode ser vencida através de um “ trabalho de
conscientização” junto aos produtores. Aqui ecoam as contradições discursvas na
medida em que agricultores familiares são mobilizados a participar de projetos de
incentivo à caprinocultura que utilizam do argumento da Cultura “caprinocultora” do
cariri como atrativo para a entrada nas associações e no Programa do Leite. Porém, o
mesmo argumento Cultural antes visto como viabilizador do incentivo a caprinocultura
é colocado como obstáculo à inovação representada pelo leite de cabra.
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2434 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
Orçamento Participativo em Áreas Rurais: uma possibilidade?
ÉRICO MINEIRO
JANÚZIA MENDES
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XI – UNEB
RESUMO
Experiências de administração participativa têm sido comuns no Brasil, principalmente
a partir da década de 1990. Dezenas de cidades, das mais variadas regiões, sediaram tal
forma coletiva de organização e elaboração de orçamento e políticas públicas, com
relativo sucesso. Com ganhos inequívocos para a população e setores diversos, que
passaram a expressar de forma direta junto ao Estado as suas reivindicações específicas,
participando assim da administração da coisa pública. Mas o fator urbano acabou
prevalecendo no contexto, deixando à margem o campo, também de responsabilidade
estatal. Considerando-se tratar-se de algo que bem encarna o espírito da Carta Magna de
1988, especula-se sobre a adequabilidade do orçamento participativo à realidade do
campo, dadas as especificidades deste setor no cenário nacional, e as necessidades de
planejamento de suas demandas para posterior atendimento por parte do poder público.
Palavras-chave: Orçamento participativo; Desenvolvimento rural.
ABSTRACT
Experiences of participatory management have been common in Brazil, mainly from the
1990s. Dozens of cities, from different regions, hosted such collective organization and
budgeting and public policy, with relative success. With clear gains for the population
and many sectors, which began to express directly with the state their specific claims,
thereby participating in the administration of public affairs. But the factor prevailed in
the urban context, leaving aside the field, also state responsibility. Considering that this
is something that well embodies the spirit of the Magna Carta of 1988, it is speculated
about the suitability of participatory budgeting to the reality of the field, given the
specificities of this sector on the national stage, and planning needs of their demands for
further care by the government.
Key Words: Participatory budgeting; Rural Development.
Atas Proceedings | 2435
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
1. INTRODUÇÃO
A Carta Magna de 1988 traz muitas inovações relativamente a ordens constitucionais
anteriores. No âmbito da ordem política, especificamente, prescreve ditames de
democracia direta no trato das questões nacionais, ao lado de manter institutos indiretos
de democracia. Neste contexto encontram-se, de um lado, a eleição de representantes
políticos para a população, de outro, plebiscitos e referendos para que a mesma opine
acerca de assuntos que atingem sobremaneira a sociedade civil. Conselhos de gestão,
orçamento participativo, dentre outros, também se juntam a esta nova seara, fazendo do
ambiente político brasileiro algo misto entre a democracia representativa e a
participativa. Contaram para tais conquistas, a propósito, a assembleia constituinte dos
anos 1980, construída também a partir da contribuição de cidadãos e cidadãs, os quais
haviam acabado de superar o período de restrições políticas inaugurado em décadas
anteriores.
O orçamento participativo (OP), embora tenha ganhado impulso por esta época, não é
dela fruto exclusivo. Nos anos 1970, por exemplo, teve lugar em Lages (ALVES, 1988),
experiência de administração participativa construída e organizada por gestão municipal
que tinha à frente o MDB – Movimento Democrático Brasileiro. O número de casos
deste experimento cresceu de forma vertiginosa no Brasil após esse período. De
experiências esporádicas e esparsas nos inícios, assistiu-se de repente a dezenas, que
cresceram principalmente na década de 1990. Enquanto singrava em nível nacional
reforma administrativa inspirada no paradigma gerencial para a administração pública,
em inúmeras localidades se experimentavam essas formas alternativas de gestão, tendo
à frente agremiações políticas diversas. Restava, no entanto, o desafio de expandi-lo a
municípios com economia predominantemente rural, já que lograra existir em ambientes
urbanos, de que foi o exemplo o caso de Porto Alegre.
Tendo isso em vista, quer-se, neste artigo, explorar facetas diferentes daquelas pelos
quais ficou conhecido o OP em nível nacional. Eminentemente urbano, pretende-se aqui
falar das suas possibilidades para o mundo rural. Ao lado de colocar a perspectiva de
que o orçamento participativo acabou acontecendo em cidades grandes, planejando
demandas como pavimentação de grandes avenidas, infraestrutura para centros
comerciais, construção de passarelas e de viadutos, pretende-se aqui insinuar outras
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2436 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
nuances. Orçamento e políticas públicas têm origem no Estado. Devem atingir, por
causa disso, todos os setores de uma dada sociedade. O campo e a cidade são ambos
lados de uma mesma problemática: as responsabilidades do poder público. Educação
Ambiental, planos para escoamento de produção agrícola, saneamento básico,
eletrificação rural, estradas vicinais – itens passíveis de planejamento participativo,
guardam singular simbiose com o mundo rural, este às vezes mais carente quando
comparado a outros.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Experiências de orçamento participativo tiveram lugar em diversos regiões e lugares do
Brasil. Poderiam ser aqui citados os casos de Lages (SC), Porto Alegre (RS) e Vitória
da Conquista (BA), dentre outros tantos. Por diferentes motivos, nessas localidades se
chamou a sociedade para discutir juntamente com o Estado demandas e políticas
públicas. Enquanto na cidade catarinense o objetivo era ajudar os cofres municipais a
sair da situação de penúria em que estavam, para o que contribuiu a centralização de
receitas praticada pelo governo da época - década de 1970, na capital do Rio Grande do
Sul buscou-se reformar o Estado, posto distante da população, além de intransparente
em suas estruturas (GENRO & SOUZA, 1997). No município baiano, por fim, este
instrumento foi utilizado para tirar do isolamento político o prefeito da época, dada a
oposição política da maior parte dos vereadores da Câmara e institucional dos governos
estadual e federal.
Não há, em função dessa gama de desafios apresentada pelos diversos contextos, um
único modelo de OP, ou um mesmo formato, que tenha características únicas em todo o
tempo e espaço. Inexiste sequer modelo, a bem da verdade, embora seja uma realidade
enquanto instrumento à disposição do poder público, conforme se disse acima. Sendo
constructo histórico, apresenta características várias conforme o ambiente em que é
implantado, variando principalmente quanto ao montante de recursos do orçamento
público a ser discutido e alocado a partir das plenárias e assembleias organizadas; às
condições políticas encontradas pelos que o implantam; e a capacidade organizativa da
população que o contrói. Para fins de representação, assim, aqui serão apresentados
apenas aqueles traços gerais que se tornaram clássicos e largamente conhecidos, tal
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Atas Proceedings | 2437
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
como captados pela literatura pertinente, os quais lhe fornecem contornos únicos e
definidores.
O orçamento participativo se enquadra num contexto mais geral de administrações
descentralizadas e feitas com participação social, constituindo-se numa experiência
diversa de organização da administração pública. Pertencente a um campo de
conhecimento limítrofe entre a ciência política e a ciência econômica, envolve desde a
mera alocação de recursos e despesas, à proposta de políticas públicas de caráter geral
para a sociedade. Tal como aconteceu em diversos lugares, constitui-se, via de regra, de
assembleias compostas por membros da sociedade civil, não sendo, diga-se, um
paradigma da democracia direta, pois depende também de representantes eleitos a partir
de reuniões populares. Seja no campo ou na cidade, deve envolver transferência de
poder à sociedade civil, na medida em que permite a seus membros participações que de
outra forma não seriam possíveis. E a experiência histórica demonstra – conforme
adiante se verá, que em ambos os lugares há o pendor e a disposição nesta de tratar de
assuntos coletivos.
Emerge em contexto brasileiro com muita força a partir das manifestações populares
organizadas em prol do fim do período ditatorial, sendo um corolário da aspiração
desejada pela sociedade civil a participar de forma mais efetiva dos assuntos de
interesse coletivo. Como não poderia deixar de ser, dadas as movimentações populares
que a embasaram, encontra eco na Carta Magna de 1988, que ao lado de patentear a
democracia indireta como norma de encaminhamento das questões políticas nacionais,
frisa que a mesma deve ser exercida num combinado com a democracia participativa, ou
mesmo direta, como são os casos do plebiscito e do referendo. No âmbito desse contrato
social, são congêneres do OP os Conselhos Gestores (VITALE, 2008), também
importantes do ponto de vista do incentivo à organização social. A sociedade brasileira
não seria a mesma de tempos anteriores, amparada agora por marcos institucionais que
garantiam não somente a livre expressão do pensamento, mas também a possibilidade
efetiva de construir o país de forma direta.
Em se tratando da versão rural do orçamento participativo, Teixeira (2003, p. 204) fala
das suas especificidades, reforçadas pelo baixo volume populacional dessas áreas.
Tendo Medianeira (PR) e Serranópolis do Iguaçu (PR), por exemplo, implantando
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2438 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
estruturas de OP parecidas com as de Porto Alegre, foram ambas obrigadas a reduziremnas, principalmente em função da pequena quantidade de pessoas que podiam se dedicar
ao orçamento participativo com exclusividade. Referindo-se à gestão em que o
problema se deu, “... não havia nenhum funcionário especificamente destinado a cuidar
do OP em Medianeira, todos acumulavam funções: eram secretários ou assessores de
comunicação e, ao mesmo tempo, coordenadores do OP...” (Teixeira, 2003, p. 205).
Afora este fator específico, existem outros, responsáveis de resto pela replicação do
instrumento em realidades diversas. Teixeira (2003, p.206) cita pontualmente a tradição
associativa, a vontade política envolvida e os recursos humanos e orçamentários diante
da dívida social instalada.
3. ESTUDO DE CASOS
As experiências de Icapuí (CE), Serranópolis do Iguaçu (PR) e Medianeira (PR) serão
aqui descritas em linhas gerais. De vigência urbana na maior parte dos casos, o
orçamento participativo singrou também na realidade social de cidades onde
predominava o setor agrícola como força econômica. De mais a mais, segundo fonte
citada por Teixeira (2003, p. 194), dentre 103 experiências catalogadas, 29 se deram em
localidades com até 20 mil habitantes, 33, nas que se situavam entre as que tinham entre
20 mil e 100 mil habitantes; e 32, naquelas que contavam de 100 mil a 500 mil
habitantes. Há, por isso, grande oportunidade em estudar o orçamento participativo em
áreas rurais, dada a probabilidade maior de encontrarem-se no país municípios com
população de até 20 mil habitantes, tendência que prevaleceu haja vista a facilidade
verificada em se promoverem emancipações político-territoriais nesta seara. Pois nada
menos do que 73,03% das cidades brasileiras se enquadram no perfil (TEIXEIRA,
2003, p. 194).
De pronto, a cidade cearense, ex-distrito de Aracati, tinha 16.501 moradores, com 71%
em áreas rurais e 29% em áreas urbanas, e localiza-se no litoral do Estado do Ceará.
Baseava-se em atividades econômicas predominantes advindas da agricultura irrigada,
da agroindústria, do turismo e do extrativismo mineral. Originalmente sua base
econômica era a pesca da lagosta, que entrou em colapso devido ao manejo predatório
do manancial pesqueiro. De recente emancipação política, conquistou maioridade em
1984 por meio de plebiscito, tendo como primeiro prefeito um dos participantes do
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Atas Proceedings | 2439
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
grupo que organizou a dita consulta ao eleitorado. Originado no PMDB – Movimento
Democrático Brasileiro, este militante político filiou-se ao PT – Partido dos
Trabalhadores, em 1988, juntamente com seu grupo, gerando a partir desse momento
grande hegemonia dessa agremiação partidária na cidade.
Serranópolis do Iguaçu possuía 4.535 pessoas à conta de munícipes, dos quais 1.928 se
encontravam na zona urbana e 2.807 na rural. Podendo estar todos, no entanto,
totalmente incluídos nesta última, dada a dinâmica dependente que assim se
estabeleceu. Sua economia se tinha como alicerce a agricultura da soja e do fumo, tendo
muita importância o ICMS ecológico – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços, advindo do Parque Nacional do Iguaçu. Em termos de autonomia, foi fundado
em 1997, após emancipação do município à frente comentado: Medianeira. De resto,
fica localizado no sudoeste do Paraná e possuía como área urbana “... apenas (de) uma
rua parcialmente asfaltada, com o prédio da prefeitura e poucos estabelecimentos
comerciais...” (TEIXEIRA, 2003, p. 200), perfil, diga-se de passagem, não muito
diferente daquele encontrado em grande parte dos municípios brasileiros.
Medianeira, por fim, apresentava à época perfil diferenciado. Com 37.800 habitantes,
dos quais 33.243 na zona urbana e 4.557 na rural, era o mais urbano, além de maior
dentre os três aqui comentados. A atividade econômica agrícola respondia por 15% de
sua economia, possuindo ela indústrias ligadas à suinocultura, aves, leite, biscoitos e
móveis, além do setor de serviços e de comércio, que serve ao município e à região
circunvizinha. Coincidência ou não, dois dos municípios desmembrados da área
territorial pertencente a esta cidade – Missal e Serranópolis do Iguaçu, passaram a ter
características mais rurais, “... tornando-se” (Medianeira) “um polo microrregional do
oeste do Paraná...” (TEIXEIRA, 2003, p. 200), predominantemente urbana, mas
circundada por uma realidade econômica e socialmente rural, pois seus produtos
econômicos principais dela provêm.
Sem embargo, a pesquisadora se refere a três elementos que “... afetam a
replicabilidade do OP em outros contextos... (TEIXEIRA, 2003, p. 206). A primeira
delas é a tradição associativa, a qual traz implicações importantes. A mesma estudiosa
diz que em Icapuí este elemento não está muito presente – apesar das associações de
moradores, cooperativas de pequenos produtores, colônias de pescadores, que possui,
6
2440 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
sendo a sociedade local por isso fruto dos governos municipais (TEIXEIRA, 2003, p.
208). Isso significa serem débeis as redes sociais, ficando os cidadãos quase sempre
reféns das iniciativas do executivo municipal. O encarregado pela organização popular
diz que vários dos representantes de associações de moradores tratam antes de
problemas pessoais do que daqueles concernentes a toda a comunidade. Boa parte dos
moradores é funcionária pública do município, o que dificulta por si só ações de
reivindicação, por exemplo.
Já em Serranópolis do Iguaçu e Medianeira, é forte o pendor associativo, notadamente
em comunidades ligadas ao meio rural, haja vista o alto grau de participação social
verificado na primeira delas. Para ilustrar, essa região teve grande influência nos inícios
do MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, enquanto movimento
reivindicatório, tendo gerado também um partido político – o PT, a partir do sindicato
dos trabalhadores rurais local. Mesmo com essa constatação, no entanto, há falhas
também nesses municípios no quesito força da sociedade civil, pois questões básicas
afetas a toda a comunidade deixam de ser expressas com a devida assertividade ou
apreendidas com a adequada compreensão. Os setores urbanos carecem, ademais, do
nível organizacional encontrado nas áreas rurais. Veja-se o que diz a pesquisadora a
respeito:
..., estes três municípios apresentam uma grande fragilidade no
acompanhamento da execução orçamentária. Tanto Medianeira quanto
Serranópolis do Iguaçu encontraram muita dificuldade para realizar o que
foi decidido pelo OP, pois não tiveram critérios claros para orientar a
escolha de prioridades por parte da população, nem sabiam ao certo
quantos recursos tinham efetivamente disponível para a realização de
obras. Em Icapuí, sabia-se desde o início dos escassos recursos
financeiros, mas a população sempre teve dificuldade de entender os
números apresentados pela prefeitura para a tomada de decisões a
respeito do orçamento e depois para acompanhar os resultados do OP.
(TEIXEIRA, 2003, p. 208-209).
O segundo dos fatores atrás mencionado diz respeito a algo que é óbvio. A vontade
política, que tem a ver com a forma através da qual serão articulados todos os elementos
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Atas Proceedings | 2441
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
necessários à organização do OP. Ora, um empreendimento social dessa envergadura
exige muito esforço. Trata-se de auscultar os desejos de inúmeras pessoas, os quais se
apresentam de forma fragmentada e muitas vezes sem a noção de conjunto. Afora o
desafio aí contido de organizar reuniões que sejam as mais amplas possíveis. Imagine-se
o desafio implícito na articulação de propostas as mais diferentes entre si, que têm,
entretanto, que ganhar inteireza, a fim de que o poder público possa atendê-las da
melhor maneira possível. Para tamanho desafio, exige-se vontade política, expressa por
sua vez em “envolvimento do conjunto do governo” (TEIXEIRA, 2003, p. 209). Sem
decisão política nesses termos, as chances de êxito daquilo que se pretende ficam pouco
prováveis.
Por fim, existem as dificuldades relacionadas ao fator recursos orçamentários e
humanos. Sem eles, fica evidente a impossibilidade de se alcançar um mínimo de
exequibilidade. Em termos de receitas, Icapuí (CE) conta com 53% deles vindos do
FPM – Fundo de Participação dos Municípios, e 37%, de convênios. O restante se
compõe de 9% - royaltes da Petrobrás, e 1% de receitas próprias – é baixíssimo aquilo
que se arrecada de IPTU (Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana), com algumas
comunidades que simplesmente “... recusam-se a pagar o IPTU, alegando que a
prefeitura tem obrigação de arrumar recursos para o município através de transferências
do Estado e da União...” (TEIXEIRA, 2003, p. 201). Em função desse quadro, a gestão
municipal queda-se sem condição de dizer quantas das obras escolhidas pelos cidadãos
serão realizadas, “... o que, (...), afeta a própria dinâmica...” (TEIXEIRA, 2003, p. 201)
do OP. Perde o instrumento credibilidade perante a população.
Serranópolis do Iguaçu e Medianeira, de outro lado, têm situações diferentes. A
primeira possui recurso o suficiente para garantir 27% de investimentos, todo, aliás,
decidido pelo OP. Sofre, no entanto, de excesso de demanda, dados os desafios
conjunturais implícitos em se construir uma cidade a partir do “nada”, pois que houvera
acabado de se emancipar à época. A outra, muito em função deste mesmo ato de
emancipação, o qual destacou partes importantes de seu território, sofreu grande
impacto no primeiro ano, graças à perda dos recursos que advinham tanto do ICMS
ecológico quanto daquele proveniente da represa de Itaipu – que ficou com o
emancipado município de Missal. Fica, assim, configurado um quadro ainda que
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2442 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
passageiro de escassez econômica, o que em si constitui-se num empecilho à
continuidade e exequibilidade do experimento.
Todos os três municípios enfrentaram problemas de falta de funcionários
para fazer funcionar o OP. Foi comum nestes municípios, na gestão
1997-2000, o coordenador do OP ser também de alguma secretaria,
acumulando funções (TEIXEIRA, 2003, p.213).
4. COMENTÁRIOS CRÍTICOS
Fez-se aqui, em texto breve, esforço para se conhecer das possibilidades do orçamento
participativo em municípios rurais. A partir de três casos empíricos, verificaram-se tanto
o perfil de pequenas cidades do interior do Brasil, quanto fatores tidos pela literatura
pertinente como decisivos para implantação e existência do mesmo. Icapuí, Serranópolis
do Iguaçu representam teoricamente milhares de outros locais onde também poderiam
existir OP, notadamente em áreas rurais. Não se imagina, e nem a bibliografia
consultada o autoriza, que em todas as localidades o mesmo vá acontecer, muito embora
indique pistas de por onde se deve começar. Fica de resto implícito que grande parte dos
municípios brasileiros possui populações típicas de localidades onde prevalece o setor
rural como atividade econômica, política e social, a qual marca a vida cotidiana dos
moradores e regiões circunvizinhas.
A partir dos dados expostos, conclui-se primeiramente que o fator tradição associativa
não é privilégio de localidades urbanas. Existe em tantas, da mesma forma que nelas
existem pessoas que se entrelaçam diariamente me redes de relações sociais, formando
por vezes tecidos sociais responsáveis por grandes mobilizações em prol de assuntos
coletivos. Colaborando na replicação, portanto, pode contribuir também em cidades
com predominância rural, embora adaptada a um meio específico onde muitas vezes
prevalece
relações
profundas
de
compadrio,
inclusive
com
as
autoridades
institucionalizadas. O que pode dificultar movimentos ou exigências de cunho mais
radical ou assertivo do ponto de vista da comunidade. De outro lado, no entanto, em
ambientes desse tipo costuma ser forte a solidariedade e a ajuda mútua quanto ao
vizinho e à vizinha, traço capaz de melhorar e aprofundar inclusive laços sociais. Algo
bem diferente acontece em regiões fortemente urbanizadas.
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Atas Proceedings | 2443
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
Neste mesmo contexto, entretanto, viu-se que a característica da tradição associativa
não é por si só decisiva. Em pelo menos uma das cidades estudadas, a pesquisadora
verificou tal característica existindo pari passu com outras que atuavam em sentido
contrário. Ali se viu alto nível de entrelaçamento social ao lado de baixo esforço ou
capacidade de acompanhar de maneira mais efetiva as ações da prefeitura. Em verdade,
o associativismo é algo que demandaria maior esforço de estudo, algo que escapa aos
objetivos deste trabalho. Somente para ilustrar, enquanto alguns autores referem-se ao
fenômeno nestes termos, outros o chama simplesmente de capital social, o que em si
pode se configurar em controvérsia ou complementaridade. Os casos consultados
autorizam dizer apenas da importância de existirem sociedades organizadas em redes de
relações sociais suficientes e esclarecidas o bastante para darem do desafio de saber
intervir de forma efetiva nos destinos da comunidade.
Os outros fatores trabalhados – vontade política e recursos humanos e orçamentários,
parecem mais palpáveis. É intuitivo perceber a importância da vontade política do poder
público em experimentos de orçamento participativo, ainda mais quando se trata de
sociedades locais com baixo poder para o estabelecimento de redes. Muito embora se
discuta a necessidade de a sociedade civil tomar a iniciativa de tais eventos,
“empoderando-se” como o exercício diário da mobilização. Quanto aos recursos
orçamentários e humanos, mais visível fica a relevância envolvida. Sem recursos
financeiros, não é possível planejarem-se quaisquer atividades, nem mesmo pode o
poder público comprometer-se com obras ou políticas públicas. O prefeito de Porto
Alegre, por exemplo, viu-se em apuros financeiros, logo após assumir como gestor,
tendo sido obrigado a promover reforma tributária para capacitar o município de
recursos.
Os recursos humanos, muito além daqueles advindos da própria população reunida em
assembleias e reuniões, constituem elemento à parte. É dele que resultará todo o
processo, pois que o orçamento participativo não é algo espontâneo. Depende de
mobilização organizadora das entidades responsáveis, que aliás precisa ser forte o
suficiente para dar conta do desafio. Em se tratando de cidades do interior, muitas delas
rurais, portanto, isso pode implicar enormes entraves, dada a baixa densidade
populacional aí existente. Piora o quadro o fato de não ser tão simples e possível
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2444 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
importar pessoas de outras localidades, haja vista o custo muitas vezes envolvido.
Gente disponível para trabalhos sociais e com capacidade técnica constitui-se assim em
obstáculo eventual para replicabilidade do experimento participativo, ainda mais em se
tratando de cidades localizadas no meio rural, onde tais elementos não se apresentam
com abundância.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podem existir constructos sociais que por suas características se adaptem somente a
determinados espaços. O orçamento público tradicional no Brasil, por ser norma legal e
a todos imposta, impõe-se aos inúmeros brasileiros sob os auspícios da democracia
representativa, por meio de parlamentares eleitos pela população, não distinguindo entre
campo e cidade. Cumpre a função de planejar receitas e despesas públicas – planejar e
sistematizar as ações do Estado, integrando o curto, o médio e o longo prazos. Sob a sua
vigência as receitas ficam previstas e as despesas alocadas nas várias demandas sentidas
pela máquina governamental como essenciais à sociedade. Ao lado dele firmou-se
forma alternativa de pensar o Estado, partindo do pressuposto de que cidadãos e cidadãs
precisam participar de forma alternativa de seus destinos. Reunidos em assembleias ou
amplas reuniões, convidam indistintamente aqueles interessados em abrir mão
momentaneamente dos afazeres diários para se dedicarem a questões coletivas.
Por motivos que mereceriam maiores reflexões tornou-se amplamente conhecido por
planejar setores urbanos. Grandes cidades como Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife
o experimentaram, buscando fazer da participação norma social de comportamento.
Aproveitando a tradição associativa – ou o capital social, vontade política, expressa
muitas vezes no contexto de administrações pertencentes a partidos determinados, e
recursos humanos e financeiros, fizeram do OP uma forma efetiva de descentralizar a
administração pública, fazendo da sociedade agente partícipe efetivo. Conseguirem com
certeza alguns êxitos, haja vista a quantidade de vezes que os partidos responsáveis pela
experiência se reelegeram para gestões consecutivas, muito embora seja um equívoco
enxergar nele panaceia e salvacionismo.
O campo brasileiro com suas muitas cidades é capaz de contar com o associativismo, a
vontade política, muito embora possa se ressentir da ausência de recursos humanos e
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Atas Proceedings | 2445
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
orçamentários suficientes para a magnitude exigida. A concentração de riquezas nas
grandes áreas urbanas acaba por atrair não só enorme contingente populacional, como é
capaz de treiná-la para assumir postos de comando na administração pública. É
sintomática inclusive a tentativa feita por prefeituras interioranas de atrair técnicos por
meio de salários diferenciados, restando-lhes, no entanto, a dificuldade extra de manter
tais indivíduos em seus limites territoriais. Ao contrário de ser isso um empecilho
quanto ao OP, pode ser apenas um entrave facilmente contornável. Não contando com
os mesmos recursos de outros ambientes, os municípios ligados às áreas rurais devem
insistir na construção de uma democracia participativa, tal como aponta a Constituição
de 1988, adaptando suas experiências de OP à sua realidade. Basta que se mudem,
portanto, os formatos.
6. BIBLIOGRAFIA
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12
2446 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
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13
Atas Proceedings | 2447
2448 | ESADR 2013
RESULTADOS DE UM TRABALHO INTERDISCIPLINAR
DESENVOLVIDO COM ALUNOS DO 2º ANO DO CURSO DE
TÉCNICO EM AGROPECUÁRIA INTEGRADO AO ENSINO
MÉDIO, NO CAMPUS CÁCERES, DO IFMT
LUIZ SOUZA COSTA FILHO
INSTITUTO FEDEREAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE MATO
GROSSO – CAMPUS CÁCERES
[email protected]
RESUMO
FILHO, Luiz Souza Costa. Resultados de um trabalho interdisciplinar desenvolvido
com alunos do 2° ano do curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino
Médio, no campus Cáceres, do IFMT. 2013.
Com esta pesquisa, que foi desenvolvida no campus Cáceres, do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso, tendo como sujeitos os 22 alunos do
2º ano A do curso de Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, do ano
letivo de 2012 e os professores das disciplinas de Geografia e Química, buscamos
analisar o impacto produzido no processo de ensino-aprendizagem desses alunos
quando a transmissão de conhecimento se dá de forma interdisciplinar. Trata-se de uma
pesquisa quali-quantitativa, cujo instrumento de coleta de dados foi um questionário
com onze perguntas, que buscou coletar a opinião dos alunos sobre o trabalho
desenvolvido e o seu aproveitamento nas disciplinas trabalhadas quando comparado
com o apresentado nas disciplinas trabalhadas individualmente. Com o
desenvolvimento da pesquisa, constatamos que o envolvimento dos alunos foi efetivo,
tanto no desenvolvimento dos textos quanto das maquetes e apresentações dos
trabalhos. A forma de apresentação ficou a cargo dos alunos e tivemos gratas surpresas
quando as mesmas foram iniciadas. Durante todo o processo de construção do
conhecimento e depois, com as respostas apresentadas nos questionários, percebemos
como os alunos estavam carentes de outra forma de apresentação do conteúdo das
disciplinas e responderam satisfatoriamente quando solicitados. Os resultados, por um
lado, confirmaram a angústia inicial quanto à dificuldade que os alunos tem quando as
disciplinas são apresentadas de forma fragmentadas e por outro lado, nos serviram de
alento, por perceber que a interdisciplinaridade realmente influi, de maneira positiva, no
processo de ensino-aprendizagem.
Palavras-Chave: Interdisciplinaridade; Conhecimento; Ensino-Aprendizagem.
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Atas Proceedings | 2449
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
INTRODUÇÃO
A dificuldade que os alunos tinham em conseguir relacionar as disciplinas entre
si, e de perceber a sua aplicabilidade no seu futuro dia-a-dia profissional, foi o fator que
me impulsionou a buscar formas de solucionar esse hiato existente entre as disciplinas,
verdadeiros muros mentais por nós mesmos edificados. Segundo Fazenda (2006),
“Hoje, mais do que nunca, reafirmamos a importância do dialogo, única condição
possível de eliminação das barreiras entre as disciplinas. Disciplinas dialogam quando
as pessoas se dispõem a isto.”
Nas minhas aulas utilizava exemplos reais que auxiliavam os alunos a perceber a
inter-relação entre a Física, as demais disciplinas e a sua aplicabilidade profissional,
acreditando que, segundo Fazenda (2006), “[...]o projeto interdisciplinar surge às vezes
de um daqueles que já possui desenvolvida a atitude interdisciplinar, que a dissemina
para os outros e para o grupo.”
Temos assistidos hoje, aqui no campus Cáceres, do IFMT, o ingresso de
professores cada vez mais jovens, e cada vez mais especializados. Particularmente não
acho isso de tudo ruim, mas às vezes me pergunto, qual foi o tempo que essas pessoas
tiveram para conhecer o mundo real, com problemas que se interligam e necessitam de
várias ciências para resolvê-los?
A fim de verificar a opinião dos alunos sobre um modo diferente de trabalhar o
processo de aquisição de conhecimento foi que propus este trabalho científico, buscando
diagnosticar a influência de atividades interdisciplinares no processo de ensinoaprendizagem.
CAMPUS CÁCERES – IFMT
A cidade de Cáceres situa-se na região sudoeste do Estado de Mato Grosso, e
está inserida em uma região pecuarista, contando como nono maior rebanho bovino do
Brasil, com aproximadamente 800.000 cabeças. É banhada pelo Rio Paraguai,
importante fonte de geração de renda e meio de transporte da região através da hidrovia
Paraguai – Paraná.
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2450 | ESADR 2013
Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
Figura 1 – Mapas de Localização da cidade de Cáceres – MT.
Fonte: www.pt.wikipedia.org/wiki/Cáceres_(Mato_Grosso)
O campus Cáceres conta hoje com aproximadamente 1.000 alunos,
matriculados nos cursos integrados ao ensino médio de Técnico em Agropecuária e
Desenvolvimento de Sistemas; cursos médios subseqüentes de Agroindústria,
Agropecuária, Agricultura, Rede de Computadores, Florestal e Zootecnia; cursos do
PROEJA de Agroindústria e Aquicultura; cursos do PROEJA FIC de Processamento de
Pescado e Processamento de Produtos Animais; cursos superiores de Engenharia
Florestal e Tecnólogo em Biocombustíveis; e o curso de especialização lato sensu de
Educação Profissional – PROEJA.
O campus Cáceres forma hoje profissionais para atuarem nas mais diversas
regiões do Estado, nas mais variadas funções, exigindo desses profissionais, habilidades
que ultrapassam a formação técnica. O mercado de trabalho começa a buscar
profissionais que saibam resolver problemas com uma visão do todo e não apenas da
parte.
Assim, torna-se a cada dia mais importante a implementação de um ensino
interdisciplinar, que segundo Fazenda (2006), constitui-se numa resposta a uma
demanda da sociedade, em que o número de especialistas para resolver seus problemas
de ordem social, política, econômica etc. é limitado, e que estes nada mais possuem do
que um conhecimento cada vez mais extenso relativo a um domínio cada vez mais
restrito.
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Atas Proceedings | 2451
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
INTERDISCIPLINARIDADE: BREVE HISTÓRICO
O que encontramos na maioria da literatura, nos diz do movimento
interdisciplinar a partir da década de 1.960, mas Paviani (2008), nos traz uma análise do
conhecimento desde a antiguidade, “Na Grécia antiga, por obra dos sofistas, dos
primeiros cientistas e historiadores e especialmente de Platão e Aristóteles, teve início a
divisão do conhecimento em disciplinas. Antes mesmo de uma delimitação entre
filosofia e ciência, surgem distintas áreas de conhecimento teórico. A Academia
fundada por Platão possuía diretoria, estatuto, orçamento, salas de aula, biblioteca, e
cada professor, sua “disciplina”: Spêusito e Xenócrates ensinam filosofia; Teeteto,
matemática; Eudóxo, matemática e astronomia, e Aristóteles, retórica.”
A necessidade da busca de tecnologias e conhecimentos cada vez mais
específicos aumentou a intensidade e a velocidade da fragmentação do conhecimento.
A interdisciplinaridade surge como movimento, em meados da década de 1.960
na Europa, motivada inicialmente pela reivindicação de movimentos estudantis, que
pleiteavam um novo estatuto de universidade e escola. Os países onde esses
movimentos mais afloraram foram França e Itália.
Chegando ao Brasil no final da década de 60, logo ganhou destaque no cenário
educacional brasileiro, influenciando a elaboração da LDB (Lei de Diretrizes Básicas)
nº 5.692/71.
DISCIPLINARIDADE: DELÍCIAS E AGRURAS
O nosso sistema educacional, de uma forma geral sempre tratou o conhecimento
de forma fragmentada, desde as estruturas físicas das escolas, a separação por salas e
conteúdos distribuídos em ementas totalmente desligadas das ementas das outras
disciplinas, moldando assim os professores, que às vezes, mesmo inconscientemente,
servem para fortalecer ainda mais essa separação entre as disciplinas.
Enquanto isso, os problemas que nos perturbam são mais complexos e exigem
uma visão holística ao invés de especialização, como diz Morin (2003), “Há
inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados,
fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou
problemas
cada
vez
mais
polidisciplinares,
transversais,
multidimensionais,
transnacionais, globais, planetários.”
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Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
Assim, ficamos muito bons em estudar “partes”, mas não conseguimos analisar o
todo, nos tornamos “cientistas míopes”. Enquanto estamos de cabeça baixa, estudando a
parte, nos saímos muito bem, mas, na hora em que levantamos a cabeça para analisá-la
em relação ao todo, não conseguimos enxergar nada, literalmente, nos perdemos.
Essa cegueira nos impede de ver as demais ciências que estão a nossa volta, para
que possamos ajudá-las e delas recebermos ajuda para nossos estudos. Segundo Morin
(2003), “Os desenvolvimentos disciplinares das ciências não só trouxeram as vantagens da
divisão do trabalho, mas também os inconvenientes da superespecialização, do confinamento e
do despedaçamento do saber. Não só produziram o conhecimento e a elucidação, mas também a
ignorância e a cegueira.”
Dessa forma nos habituamos ao reducionismo e a complexidade nos assusta.
INTERDISCIPLINARIDADE: UTOPIA OU POSSIBILIDADE
Não se pode negar a importância que teve a disciplinaridade para o
desenvolvimento científico e tecnológico mundial, muitas descobertas científicas,
inclusive no campo da saúde, foram possíveis graças a ela.
Mas o que observamos hoje, é que uma única disciplina já não é suficiente para
dar conta sozinha de determinados problemas, tamanha a complexidade que o envolve,
sua solução só é alcançada através da união de vários pesquisadores, de diferentes
disciplinas, interagindo entre si e fazendo com suas disciplinas interajam.
Para Etges (2011), “A interdisciplinaridade não poderá jamais consistir em reduzir as
ciências a um denominador comum, que sempre acaba destruindo a especificidade de
cada uma, de um lado, e dissolve cada vez mais os conteúdos vivos em formalizações
vazias, que nada explicam, podendo, pelo contrário, transformar-se em estratégia de
exclusão de domínio absoluto. Pelo contrário, deverá ser um mediador que possibilita a
compreensão da ciência, além de formas de cooperação a um nível bem mais crítico e
criativo entre os cientistas.”
Para desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar, cada profissional deve ter
pleno conhecimento da sua disciplina para, só depois, trabalhar interdisciplinarmente.
É nesse movimento que ocorre o enriquecimento científico dos sujeitos e a
possibilidade de solução para problemas complexos, impossíveis de serem solucionados
com a contribuição de apenas uma disciplina, assim, para Colet (2002), “...a
disciplinaridade é admitida como uma característica intrínseca do conhecimento. Trata-se de
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Atas Proceedings | 2453
VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
uma propriedade que não é posta em dúvida e que é mesmo reforçada pela atitude que considera
a interdisciplinaridade como instrumento de gestão da pluralidade de conhecimentos.”
“A definição de interdisciplinaridade, talvez por não ser uma categoria de
conhecimento, mas de ação” (Fazenda, 2006), encontra-se em formação, nos nossos
estudos, percebemos que esse é um consenso entre os pesquisadores do tema.
Conforme Colet (2002), “A interdisciplinaridade corresponde a uma interação
entre duas ou muitas disciplinas que implica em mudanças entre disciplinas da tal
maneira que as disciplinas contribuintes se modificam ou enriquecem.”
Para haver uma ação interdisciplinar em sala de aula, é necessário um projeto
bem elaborado, a comunicação entre os agentes da ação, interação e contribuições entre
as disciplinas envolvidas, troca entre professores e alunos na busca pela aquisição do
conhecimento e uma constante análise e avaliação do processo por todos os envolvidos.
Conforme Fazenda (2006), “Para a realização de um projeto
interdisciplinar existe a necessidade de um projeto inicial que seja suficientemente
claro, coerente e detalhado, a fim de que as pessoas nele envolvidas sintam o desejo de
fazer parte dele.”
Não se faz interdisciplinaridade apenas envolvendo várias disciplinas em torno
de uma discussão, de forma generalista, sem um planejamento sério e comprometido.
Infelizmente, pela amplitude que o tema interdisciplinaridade ganhou, muitas pessoas
sem conhecimento específico na área estão fazendo várias ações e chamando de
interdisciplinaridade, quando na verdade não são. Pombo (2004), ainda no prefácio do
seu livro já nos alerta sobre esses acontecimentos, “No entanto, nem as pessoas que a
praticam, nem as pessoas que a teorizam, nem aquelas que a procuram definir, sabem o que ela
é. A interdisciplinaridade é uma palavra gasta, tantas vezes banalizada, vazia de conceito. Por
isso, falar sobre interdisciplinaridade é hoje uma tarefa ingrata e difícil – quase impossível.”
Não acreditamos que se faça necessário a criação de novas instituições para que
se promova o processo de ensino-aprendizagem de forma interdisciplinar, pois não se
trata de romper com todas as formatações já existentes, isso seria simplesmente negar
toda a história da educação, e não seguir no processo histórico. Para Fazenda (2009),
“Um processo de intervenção, seja na escola de 1º grau, 2º grau ou superior, que não saiba partir
do que já existe, que procure romper com o passado de práticas já consolidadas, que
desorganize o que está organizado, que desconsidere os conteúdos tradicionalmente trabalhados
tende rapidamente à falência, pois rompe com o movimento natural da história.”
6
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Velhos e novos atores e estratégias para a reocupação de espaços ruraisC11
Uma das características de um bom projeto interdisciplinar é o seu planejamento
desde o nível institucional, passando pelo curricular e chegando ao pedagógico. A
organização curricular deve ser pensada de forma a juntar os interesses pedagógicos
afins das disciplinas nos mesmos semestres, facilitando a formulação de problemas que
envolvam esses temas e finalmente utilizar meios pedagógicos que efetivem o trabalho
interdisciplinar.
O que temos assistido são conteúdos de ementas sendo ministrados aos alunos
apenas para “cumprir tabela”, um verdadeiro derramamento de informações
matemáticas, físicas, históricas, geográficas, etc. sem demonstrar qualquer ligação entre
elas ou suas aplicabilidades práticas.
Concordando com dos Santos (2007), quando nos diz que, “A fragmentação do
saber educacional, que é uma decorrência da fragmentação histórica do ser, do saber e
do mundo, tem repercussões diretas no saber e no fazer pedagógicos.”
Temos aqui no campus Cáceres, por ser um campus agrícola, um ambiente
fantástico para a disseminação de trabalhos interdisciplinares. Para Thiesen (2008), “Um
processo educativo desenvolvido na perspectiva interdisciplinar possibilita o aprofundamento da
compreensão da relação entre teoria e prática, contribui para uma formação mais crítica, criativa
e responsável e coloca escola e educadores diante de novos desafios tanto no plano ontológico
quanto no plano epistemológico.”
Acreditamos, que não podemos mais transmitir qualquer conhecimento aos
nossos alunos sem que o mesmo faça sentido para eles, conforme Etges (2011), “Muitos
passam a vida manipulando fórmulas químicas, biológicas, físicas, sem nunca tê-las
compreendido. Muito educador não passa de uma máquina repetidora ao estilo de um muito
velho realejo.”
E o que nos parece pior ainda, é que muitos professores, sequer sabem explicar o
motivo pelo qual utilizam determinadas equações ou fórmulas, uso aqui, o exemplo da
equação do 2º grau, nos ensinam a resolver essa equação e não explicam para que ela
serve, assim a resolvemos apenas para chegar a dois números finais, que não fazem o
menor sentido para nós. Mas se os professores nos ensinassem explicando que ela serve,
por exemplo, para cálculo de área, os números finais com certeza nos fariam sentido e
seu aprendizado seria mais agradável e efetivo.
Conforme Dias (2009), “Eu não tinha clareza para perceber que não era aquilo
que eles esperavam da escola, que os exercícios matemáticos eram abstratos, que a
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VII Congresso da APDEA, V Congresso da SPER, I Encontro Lusófono em Economia, Sociologia, Ambiente
e Desenvolvimento Rural
linguagem oral e escrita não era a utilizada por eles no dia-a-dia, mas sim uma
linguagem imposta, de fora.”
Segundo Colet (2002), “[...] o ensino interdisciplinar propõe um contexto de
aprendizagem onde o aprendiz pode atribuir sentidos e significações às situações que
lhe são propostas e de se investir plenamente, de maneira autônoma e responsável no
cumprimento de tarefas.”
De tão especializado e fragmentado que se tornou o conhecimento, muitos
termos utilizados em determinada disciplina, só são conhecidos por especialistas ligados
a ela, o que dificulta a comunicação com outras disciplinas e o entendimento dessa pela
comunidade em geral, como diz Morin (2003), “O crescimento ininterrupto dos
conhecimentos constrói uma gigantesca torre de Babel, que murmura linguagens
discordantes”. Mas a interdisciplinaridade, através da interação entre as disciplinas,
proporciona a socialização dessas linguagens, quebrando assim essa barreira.
Para Pombo (2004), “[...] é comum referir-se o fechamento dos cientistas nas
fronteiras das suas disciplinas, a incapacidade para entender as outras disciplinas, as
suas bibliografias, as suas linguagens, os seus resultados.”
Quando nos tornamos interdisciplinar, passamos a perceber que realmente a
soma das partes é maior do que o todo. Se a nossa vida acontece de forma
interdisciplinar, não fragmentamos o nosso tempo durante o dia pensando assim,
acordei, vou ficar trinta minutos pensando geografia, depois uma hora matemática, mais
dez minutos química, etc., parece algo extremamente absurdo, que a escola, que tem a
função de formar cidadãos, continue a formá-los disciplinarmente?
Como diz Colet (2002), “O processo permite aproximar o mundo escolar e seu
universo de problemas disciplinares e paradigmáticos ao mundo do trabalho onde os
problemas são raramente formulados do ponto de vista das disciplinas.”
A vivência e as experiências trazidas pelos alunos, que muitas vezes residem na
zona rural, ambiente, portanto, no qual este campus se inspira e para o qual deve
preparar os futuros profissionais, devem ser aproveitadas em toda a sua essência, com
exemplos práticos, linguagens, atitudes e tudo o que mais eles trouxerem. Para Fazenda
(2009), a interdisciplinaridade “aceita o conhecimento do senso comum como válido,
pois é através do cotidiano que damos sentido às nossas vidas. Ampliando através do
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diálogo com o conhecimento científico, tende a uma dimensão utópica e libertadora,
pois permite enriquecer nossa relação com o outro e com o mundo.”
ATITUDE PARA A INTERDISCIPLINARIDADE
Para que se inicie um processo de ensino-aprendizagem interdisciplinar, é
preciso haver atitude para encarar as dificuldades que surgirão, quando colegas
interessados em manter a sua zona de conforto, dentro da caixa preta das suas
disciplinas, nada fizerem para ajudar, ou, pior ainda, atrapalharem, segundo Frigotto
(2011), “O especialismo na formação e o pragmatismo e ativismo que impera no
trabalho pedagógico constituem-se em resultado e reforço da formação fragmentária e
forças que obstaculizam o trabalho interdisciplinar”.
Atitude para vencer as dificuldades impostas por uma organização curricular
planificada de forma totalmente disciplinar, das dificuldades de estruturas físicas que
favoreçam a interdisciplinaridades e de outros obstáculos.
Conforme Colet (2002), “Em razão das culturas disciplinares ou do
etnocentrismo, a interdisciplinaridade e o princípio de colaboração requerem que cada
um liberte-se da dependência do campo disciplinar que habita.”
Mas a maior atitude que devemos ter é quanto a nós mesmos, com a mudança da
nossa prática pedagógica, que na grande maioria das vezes também é disciplinar, é
necessário que nos façamos interdisciplinar. Concordando com Penã (2009),
“Descobrir-se interdisciplinar é uma experiência gratificante.”
Essas mudanças devem nos tornar pessoas abertas a ouvir o outro, a discutir com
eles as “certezas” que eram apenas nossas, nossos métodos, disciplinas, a termos
humildade para encararmos as diferenças que se explicitarão, etc. e assim montarmos
um meio interdisciplinar de transmissão de conhecimento, onde não sejamos meros
replicadores de fórmulas e conceitos, mas fomentadores na busca pelo conhecer.
A interdisciplinaridade, como nos diz Fazenda (2006), precisa de parceria, e
consiste em incitar o diálogo com outras formas de conhecimento a que não estamos
habituados e, nessa tentativa, a possibilidade de interpenetração delas.
Hoje, o acesso ao conhecimento de uma forma geral, está globalizado. A internet
possibilita a qualquer pessoa que tenha meios de utilizá-la a condição de conhecer o
Mundo, pesquisar em bibliotecas que há pouquíssimo tempo não nos eram acessíveis,
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interagir com professores de outros países, cursos à distância, enfim, toda liberdade na
busca pelo conhecimento.
Muitas vezes somos surpreendidos, com perguntas de alunos sobre um assunto
que foi debatido “ontem” na internet, como podemos participar dessa globalização do
conhecimento sem a interdisciplinaridade? Assim, Paviani (2008) diz, “O avanço da
ciência e da tecnologia, com consequências na auto-organização educacional, assumem
proporções inéditas na História. Por isso, um dos desafios da educação consiste em
poder entendê-la e considerá-la além da perspectiva de âmbito educacional. A educação
precisa ser examinada a partir de perspectivas internas e externas, da diversidade dos
saberes e das teorias da ação, além das disciplinas, num real esforço inter e
transdisciplinar.”
O conhecimento, numa visão tecnicista, é representado por uma árvore, cuja
metáfora nos induz a imaginar a raiz, o tronco, com seus galhos, ramos, ramos menores
e frutos, onde, suas raízes estão na metafísica e daí partem as várias ciências.
Agora, numa visão interdisciplinar, a metáfora do conhecimento passa a ser a da
rede. Sem vínculos fixos, sem estruturas rígidas, sem referenciais, possibilitando-nos o
desligamento e religamento em outra parte da rede, sem provocar qualquer desarranjo. È
difícil para nós, forjados em um sistema disciplinar, ficarmos sem um centro, sem um
referencial fixo. Conforme Pombo (2004), “Agora, provavelmente, vamos ter de
reconfigurar a nossa idéia de ciência a partir de outra metáfora. A rede, metáfora das
conexões múltiplas, heterogêneas e descentradas [...] Agora, provavelmente, vamos
entrar numa espécie de delírio, que é o delírio de deixarmos de ter um tronco a que nos
agarrar, de aceitarmos viver de forma imponderável, sem referências estáveis, levados
por uma estrutura constantemente reformulável... aceitar que a nossa condição passa por
qualquer coisa que deixou de ter um centro, que deixou de ter um ponto fixo.”
Com
todos
os
desenvolvimentos
científicos
proporcionados
pela
disciplinaridade, tornou-se impensável que qualquer ser humano possa ter
conhecimento amplo de todas as coisas. Mas a interdisciplinaridade busca essa visão
geral do todo, para preparar um aluno capaz de analisar problemas, interpretá-los
globalmente e apresentar soluções.
Follari (2011), nos diz, “Um “sabe-tudo” é hoje impensável, porque “tudo” é
muito mais do que aquilo que alguém possa chegar a dominar.”
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Uma das formas de se trabalhar interdisciplinarmente é através da pesquisa.
Diferentemente do que ocorre no ensino, na pesquisa quase sempre o processo é
interdisciplinar. Se pensarmos do ponto de vista da fragmentação do conhecimento,
podemos concluir que esse foi o fator determinante para que na pesquisa fosse, antes
mesmo do que no ensino, fundamental a interdisciplinaridade.
Outra forma, é através de seminários, forma já muito difundida entre os alunos,
mesmo nos trabalhos disciplinares. Paviani (2008), nos dá um exemplo, existem mais
ações interdisciplinares no ensino fundamental do que no universitário, mas é entre as
atividades pedagógicas interdisciplinares realizadas na universidade que se destaca o
modelo de seminário interdisciplinar.
METODOLOGIA
1. Os Sujeitos da Pesquisa
Esta pesquisa-intervenção teve, inicialmente, como sujeitos, os 25 alunos e 9
professores do 2º ano A do Curso de Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino
Médio, do campus Cáceres, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Mato Grosso. Ao final, esta pesquisa contou realmente com a participação de dois
professores, um de Química e um de Geografia, e os 22 alunos do 2º ano A do Curso de
Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio.
2. Instr umento de Coleta de Dados
Para coleta de dados foi utilizado um questionário com onze perguntas, aplicado
aos alunos.
O questionário foi respondido por apenas 22 alunos devido, a dois estarem
ausentes no dia da aplicação do mesmo, e um ter desistido do curso.
3. Pr ocedimentos
Inicialmente foi feito um contato com a Direção Geral de Ensino do campus,
solicitando autorização para que se procedesse ao trabalho nesse campus.
Após a concessão dessa autorização, foi feito um convite a todos os professores
responsáveis por ministrar aulas, tanto do núcleo comum, como do núcleo específico
(técnico), para participarem de uma reunião visando explanar os objetivos e forma de
trabalho desta pesquisa. O convite feito a todos os professores responsáveis pelas
disciplinas do 2º ano A do curso de Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino
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Médio tinha como propósito a construção de um trabalho interdisciplinar.
Participaram dessa primeira reunião os professores das seguintes disciplinas:
Topografia, Avicultura, Matemática, Química, Geografia, História, Filosofia, Artes e
Língua Portuguesa. Desses participantes, apenas o professor da disciplina Avicultura, já
após essa reunião, não se propôs a participar do trabalho de pesquisa, todos os demais se
prontificaram a desenvolver as atividades necessárias para o prosseguimento do
trabalho.
Foi realizada a primeira reunião de trabalho desse grupo de professores, visando
traçar as diretrizes que norteariam os encontros. Depois dessa primeira reunião, foram
realizadas mais três reuniões, onde foi discutida a metodologia que seria adotada e,
infelizmente, após essa terceira reunião iniciou-se um período de greve, que paralisou os
trabalhos desse grupo de professores por três meses.
Quando retornamos da greve, alguns dos professores acima, por serem
contratados, deixaram o quadro de pessoal do campus, outro saiu em licença
capacitação, e outros desistiram do projeto alegando a falta de tempo gerada pela
concentração de trabalho motivada pelo período em que estiveram em greve.
Portanto, os sujeitos que ao final da greve permaneceram no trabalho foram os
professores de Química e Geografia, e 25 alunos do 2º ano A do Curso de Técnico em
Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, que é a totalidade dos alunos dessa série.
Com os professores de Geografia e Química foram feitas mais duas reuniões, nas
quais os próprios professores definiram o tema gerador da pesquisa, Fontes Mundiais de
Energia, além da forma de apresentação do resultado final do trabalho, que ficou
definida como seminário.
Segundo Paviani (2008), “O modelo de seminário rompe com o ensino
magistral, com a simples exposição de teorias, e permite articular os conhecimentos
produzidos nas diversas áreas do conhecimento, além de visualizar as necessidades de
novos conhecimentos.”
Ficou definido também que o trabalho seria desenvolvido em forma de pesquisa,
com o apoio conjunto dos professores durante as aulas.
Seguindo Fazenda (2006), quando diz, “Aprender a fazer pesquisa ,
pesquisando, é próprio de uma educação interdisciplinar, que a nosso ver deveria
iniciar-se desde a pré-escola.”
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No início, os alunos foram divididos em cinco grupos, de cinco alunos, e para
cada grupo foram definidos tipos de fontes energéticas que cada grupo deveria defender.
As fontes energéticas ficaram assim divididas por grupo: Grupo 1 – Energia Solar e
Eólica; Grupo 2 – Energia Hidrelétrica e de Marés; Grupo 3 – Energia de Petróleo,
Carvão Mineral e Gás Natural; Grupo 4 – Energia de Madeira e Carvão Vegetal; Grupo
5 – Energia de Biogás e Biodiesel.
Os grupos deveriam pesquisar sobre todas as fontes de energia para, após essa
pesquisa, terem embasamento para defender a sua fonte de energia, e criticar as demais,
apresentando as vantagens das suas e discutindo as desvantagens das outras, e assim
promover-se um debate amplo.
Após cada grupo iniciar as pesquisas, foram elaboradas por esses grupos
questões apontando os problemas gerados pelas fontes de energia estudadas pelos outros
grupos. Em seguida, os dois professores, com base nessas questões elaboradas pelos
alunos, elaboraram as “questões para o debate”, que serviram para determinar o mínimo
necessário que cada grupo deveria saber, e a partir daí, ampliarem as suas pesquisas.
As perguntas já puderam dar mostras de como o assunto realmente
despertou o interesse por diversos enfoques ao tema gerador escolhido para o trabalho
interdisciplinar.
As pesquisas dos alunos foram orientadas pelos dois professores e cada grupo
teve a liberdade de definir a forma de apresentação do resultado da sua pesquisa no
seminário.
O trabalho foi desenvolvido no segundo semestre do ano letivo 2012, quando
nas aulas de química e geografia tiravam as suas dúvidas, referentes às questões já
pesquisadas, inclusive podendo perceber a relação de outras disciplinas com o tema
gerador.
O seminário para a apresentação final do trabalho foi realizado em dez aulas,
onde os professores de Geografia e Química trabalharam juntos em sala de aula.
Os trabalhos foram apresentados nas aulas das três últimas semanas do segundo
semestre letivo de 2012, e alguns grupos se destacaram na forma de apresentação.
O grupo 3 apresentou o trabalho em forma de um tribunal do júri, onde um
advogado defendia os tipos de energia trabalhados pelo grupo, enquanto que o outro
advogado acusava, despertando ainda mais a atenção de todos os participantes.
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Figura 2: Alunas apresentando trabalho
em forma de júri
Fonte: Autor
Figura 3: Alunos apresentando placa
fotovoltaica
Geração de energia solar
Fonte: Autor
No grupo 1, o pai de um dos alunos levou uma pl