A Medicina em História

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A Medicina em História
Leituras
A Medicina em História
A Medicina Árabe (2)
O Apogeu dos enciclopedistas árabes (2)
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Ao lado dos caminhos, por vezes originais, atribuídos a
ar-Razi, a obra de 'Ali ibn al-'Abbas al-Magusi, conhecido
no Ocidente por Haly Abbas, leva ao seu apogeu o
movimento de codificação do saber médico greco-árabe.
Apesar da importância da sua enciclopédia, o seu nome
foi eclipsado pela forte concorrência anterior de ar-Razi
e posterior de Ibn Sina (Avicena, como é conhecido no
Ocidente). Uma das razões para que isso tivesse
acontecido pode dever-se ao facto de não existirem
muitos dados sobre a sua vida e a sua pessoa.
Pelo seu nome (al-Magusi significa o Mago), ele está
ligado a uma família persa de clérigos zoroástricos.
Tendo dedicado a sua grande obra a 'Adub ad-Dawla,
um célebre emir do séc. X, que protegia com zelo os
trabalho intelectuais, alguns autores sugerem que alMagusi terá seguido o seu protector desde Siraz até
Bagdad e terá trabalhado no famoso hospital fundado
pelo emir nas margens do Tigre. Terá vivido até aos
últimos anos do séx. X, mas a data precisa da sua morte
não é conhecida.
Legou-nos uma só obra: al-Kitab al-Malaki (o "Livro
Real") ou também conhecido por Kitab Kamil as-sina'at
at-tibbiyya (o "Livro Completo sobre a Arte Médica").
Estas designações devem-se à natureza das intenções
do autor: real, em relação à pessoa que o autor queria
honrar e completo, pela sua ambição de juntar todos
os elementos da ciência médica, antigos e modernos,
numa vasta síntese, claramente ordenada.
Na introdução a essa obra enciclopédica, o autor passa
em revista os médicos, antigos e modernos, que tentaram
antes dele o género da enciclopédia médica, sublinhando
os seus defeitos para justificar a sua própria tentativa.
Considera, no prefácio, que não "encontrou em nenhum
médico, antigo ou moderno, um livro completo que
contivesse tudo o que é necessário para se obter um
conhecimento largo e aprofundado desta arte". Critica
Hipócrates pela sua concisão que torna muitas das
noções obscuras; critica Galeno, que considera o maior
VOLUME IV Nº4 JULHO/AGOSTO 2002
na arte médica, pela sua profundidade que acabou por
retirar a amplitude que al-Magusi persegue; critica
Oribase e Paul de Egine, pela superficialidade das suas
obras. Dos modernos critica Ahrun, pela sua concisão
e ausência de explicação; Yuhanna ibn Sarafiyun, porque
deixou de lado uma parte importante da arte médica
_ a cirurgia _ para além de não tratar de um grande
número de afecções; Masih al-Hakam pela má ordenação
da exposição; finalmente critica ar-Razi, não sem antes
ter elogiado o seu trabalho, apontando-lhe sobre tudo
os defeitos de concisão e de brevidade.
Após essas imensas críticas, acaba por se comprometer
a escrever num livro tudo o que é necessário para a
conservação da saúde e para o tratamento das doenças
e das afecções, nomeadamente a natureza e as causas
das doenças, os sintomas que são sinais dessas mesmas
causas. De facto, a obra de al-Magusi é, sem dúvida, a
melhor síntese sobre a ciência médica, organizada
sobre um plano claro: uma primeira parte consagrada
à teoria e uma segunda à prática. Esta organização
baseava-se na concepção aristotélica e assumida por
todos os sábio do Islão, segundo a qual os fundamentos
especulativos de uma ciência fornecem os princípios
necessários para o desenvolvimento de uma actividade
concreta. Depois de uma extensa exposição, o autor,
preocupado com a prática, recomenda ao aprendiz de
médico que complete a sua formação com visitas
frequentes ao Hospital.
Se a obra de ar-Razi Kitab al-Hawi brilhava pela sua
riqueza e pelas suas qualidades clínicas e o Canon de
Ibn Sina se impunha pela sua amplitude e consistência
teórica, o Kitab al-Malaki de al-Magusi é um autêntico
sucesso, pelas suas proporções razoáveis e pelo seu
equilíbrio entre princípios e práticas da arte médica.
Teve uma certa divulgação, tendo sido traduzido em
latim e conservando-se ainda hoje uma centena de
manuscritos por esse mundo fora.
JMT