Albergues noturnos: “A nossa utopia era
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Albergues noturnos: “A nossa utopia era
6 || Atualidade sexta-feira 5 de junho de 2015 PORTO | É preciso respostas “a montante”, alerta o diretor da instituição fundada em 1881 Albergues Noturnos: “A nossa utopia era encerrar a instituição” Os dois Centros de Alojamento Temporário do Porto estão lotados o ano inteiro Cada utente é uma história, o desemprego é o que é mais comum a todos to Cogumelo Solidário, ambos com base em dois terrenos doados à instituição em Paços de Sousa. Os Albergues Noturnos do Porto foram fundados em 1881; hoje em dia dão guarida a 82 pessoas Filipa Silva (Texto) Hugo Magalhães (Foto) A utopia de João era “recuperar o tempo perdido”. O nome é falso, mas a idade “não tem problema” se revelarmos. Tem 21 anos e vive há dois no Centro de Alojamento Temporário do Albergue Dona Margarida Sousa Dias. O nome é comprido, mas a casa é há muito pequena para tanta procura. Fica na rua Mártires da Liberdade e é o edifício sede dos Albergues Noturnos do Porto. O outro fica em Campanhã e é ainda mais pequeno. Mas já vamos aos números. Primeiro o João. Veio de Baião com 16 anos e o 9.º ano feitos. Viveu “por aí”, na rua, até vir para aqui, “um mundo à parte”, onde “ninguém está por prazer”. As palavras são fraca ajuda. “Só dá valor” quem por lá passa. De passagem espera estar José Fernandes. Tem 49 anos e chegou “há uma semana”. Está, como quase todos ali, desempregado. A prevalência do desemprego entre os utentes dos albergues é maior que a das adições, mas é ao trabalho que José confia o encontro da porta de saída: “Arranjar um trabalho. Sem trabalho não há nada”. Trabalho foi o que Matias encontrou nos Albergues. Há quatro anos era um utente, hoje é ali vigilante. Veio de Lisboa com 40 anos para se “curar” da toxicodependência. Esteve quatro meses no albergue e saiu. Voltou mais tarde como voluntário, para depois se tornar funcionário. “É uma responsabilidade muito grande, mas eu disse que sim”. Está grato. É um dos oito funcionários que já ali foram utentes. «Posso dizer-lhe, com muito orgulho, que cerca de 20% do nosso quadro de pessoal, são ex-utentes a quem agora chamo de colegas de trabalho”, disse ao P24 Miguel Neves, diretor técnico do centro. A crise não é de agora Os Albergues Noturnos do Porto foram fundados em 1881. Hoje, dão guarida a 82 pessoas, 60 na Mártires da Liberdade e 22 na rua Miraflor. Já receberam famílias, mas desde 2007 que apenas acolhem pessoas a título individual. A lotação está esgotada, mas “ao contrário do que muita gente pensa, não é uma situação que decorre da [atual] crise”, explica Miguel Neves. “Pelo menos desde que cá cheguei, em 2002, que ambas as valências se encontram lotadas a 100%”. O alojamento temporário é um dos três serviços do centro. Há também o serviço de alimentação que serve todos os dias do ano cerca de 450 refeições, 100 das quais a pessoas da comunidade ao abrigo do Plano de Emergência Alimentar, e o serviço de rouparia. A estes junta-se o Serviço de Reabilitação e de Reinserção dedicado ao acompanhamento dos utentes. O Instituto de Segurança Social assegura cerca de 70% das despesas correntes. O resto vem de benfeitores e de projetos de rentabilização de recursos próprios. É o caso da Quinta Solidária, onde se produz 70 a 80% dos hortícolas usados no serviço de alimentação, e do proje- Resposta existente é curta Regressemos ao Porto e ao apoio prestado à população sem-abrigo. Miguel Neves admite que “as respostas dadas são sempre insuficientes”, dado o extremo nível de vulnerabilidade associado à condição de sem-abrigo. Mas, na sua visão, “comparativamente ao que existia na cidade, no final do século passado e até à primeira década deste século, houve uma evolução muito significativa em termos de articulação inter-institucional”. Para se sair da condição de sem -abrigo é fundamental encontrar autonomia e esse é um lugar a que poucos chegam. “Há muita frustração neste trabalho, porque o nível de sucesso de integração é sempre muito reduzido, mas também por isso sentimos que somos precisos cá”, confessa o diretor técnico, que preferia que assim não fosse. “A nossa visão utópica era encerrarmos a instituição”, isto é, “não ter ninguém a precisar de apoio”. Mas, para isso, explica, era preciso “ter a montante respostas que prevenissem a exclusão social”. “A sociedade [tem de] perceber que é ela que tem de se adaptar às caraterísticas destas pessoas mais vulneráveis”. “Se as pessoas tiverem oportunidades, podem conseguir integrar-se”, remata o também psicólogo. Os albergues vão fazendo a sua parte e querem “melhorar a qualidade da resposta” que dão à população, pelo que na calha está a reabilitação do edifício sede. Uma obra que aguarda para breve licença camarária para arrancar e que custará “entre os 800 mil e um milhão de euros”, dinheiro que virá dos benfeitores da instituição. Terá a duração de 12 a 15 meses. Durante esse período, o serviço vai ser assegurado em pleno.