arnaldo jabor, diogo mainardi e luis fernando

Transcrição

arnaldo jabor, diogo mainardi e luis fernando
1
EU, HEIN?...
ARNALDO JABOR, DIOGO MAINARDI
E LUIS FERNANDO VERISSIMO:
O USO DA IRONIA NO JORNALISMO
LUCAS SCHWARZ COLOMBO
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
CENTRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
GRADUAÇÃO EM JORNALISMO
LUCAS SCHWARZ COLOMBO
EU, HEIN?...
ARNALDO JABOR, DIOGO MAINARDI E LUIS FERNANDO VERISSIMO:
O USO DA IRONIA NO JORNALISMO
São Leopoldo
2006
3
LUCAS SCHWARZ COLOMBO
EU, HEIN?...
ARNALDO JABOR, DIOGO MAINARDI E LUIS FERNANDO VERISSIMO:
O USO DA IRONIA NO JORNALISMO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
UNISINOS, como requisito parcial para a obtenção
do título de Bacharel em Jornalismo.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Luiza Cardinale
Baptista.
São Leopoldo
2006
4
Os avaliadores, abaixo-assinados,
aprovam a monografia
EU, HEIN?...
ARNALDO JABOR, DIOGO MAINARDI E LUIS FERNANDO VERISSIMO:
O USO DA IRONIA NO JORNALISMO
Elaborada por
LUCAS SCHWARZ COLOMBO
Como exigência parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Comunicação Social
Habilitação em Jornalismo.
Aprovado em: 30/11/2006
EXAMINADORES:
___________________________
Profa. Dra. Maria Luiza Cardinale Baptista
___________________________
Prof. Dra. Beatriz Alcaraz Marocco
___________________________
Prof. Ms. Thais Helena Furtado
São Leopoldo, 2006
5
Dedico este trabalho à minha tia Lizete Colombo Souza, com quem faço um
interessante “intercâmbio” de materiais jornalísticos (“Já leu a coluna do ‘Fulano’
hoje?”). Ela, assim como eu, é leitora ávida de jornais e revistas.
À minha madrinha, Iara Linden, que sempre considerou minha escolha
profissional “o máximo”.
Aos meus professores da Unisinos, que, além de me proporcionarem
conhecimento, também se tornaram meus amigos.
E, por fim, dedico esta monografia a todos os meus amigos pessoais, sem
exceção, pelo companheirismo.
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AGRADECIMENTOS
Várias pessoas me ajudaram, na elaboração deste trabalho.
A todas, meu muito obrigado.
•
Em especial, agradeço à Unisinos, em que passei um período muito
bacana de minha vida.
•
Agradeço a minha professora orientadora, chefe e amiga Malu Cardinale,
pelas risadas nas reuniões de orientação e por me ajudar a elaborar um
TCC de modo tranqüilo e sem grandes sobressaltos.
•
Obrigado, também, ao Alabarse, à Monique e à Flávia, pelas entrevistas
concedidas.
•
E, finalmente, agradeço a minha família, pelo suporte material e
emocional e por entender minhas ausências aos domingos.
7
“Da ironia ninguém escapa.”
Arthur Nestrovski, crítico musical
“A ausência de ironia é uma coisa perigosa. O preconceituoso, por exemplo, não tem ironia
alguma. Ele leva tudo ao pé da letra. Ter uma opinião contrária a ele, então, é como se
fosse um ataque pessoal.”
Fernanda Young, escritora
“Não escreva. Se realmente tiver de escrever, trate o resto da humanidade aos tapas e
pontapés.”
Ivan Lessa, jornalista e escritor
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RESUMO
Esta monografia estuda o uso da ironia no jornalismo, representado pelos textos de
Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Luis Fernando Verissimo. Nesse sentido, são
apresentadas definições e aspectos da ironia e do ironista, que são, depois,
apontados nos textos desses colunistas. Assim, compõe-se um quadro, com as
características da ironia de Jabor, Mainardi e Verissimo. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, de caráter exploratório. Sobre ironia e humor, foram buscados textos de
Beth Brait, Sigmund Freud e Gilles Lipovetsky, entre outros. As obras de Nelson
Traquina e Cremilda Medina, por sua vez, constituem a fundamentação teórica para
tratar do processo jornalístico como construção da realidade e como mediação
social de sentidos. A questão da opinião no jornalismo e as discussões acerca da
delimitação de gêneros jornalísticos são abordadas com base nas considerações de
Manuel Carlos Chaparro, Toni André Vieira e Cremilda Medina. Sites, jornais e
revistas também foram consultados, para esta pesquisa. Foram realizadas análises
de quatro textos de cada colunista, publicados no mês de julho de 2006, e, também,
entrevistas com três artistas de destaque no Rio Grande do Sul, para obter suas
impressões acerca do modo irônico com que Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Luis
Fernando Verissimo expressam suas opiniões. As técnicas empregadas foram,
respectivamente, a análise de discurso e as entrevistas semi-estruturadas. A ironia
utilizada pelos colunistas mostrou-se como um instrumento de crítica e polêmica,
sendo que o recurso é apresentado como uma interessante possibilidade para o
Jornalismo, desde que seja utilizado com o cuidado de privilegiar a informação e de
garantir os princípios básicos da atividade jornalística.
Palavras-chave: Ironia. Jornalismo. Arnaldo Jabor. Diogo Mainardi. Luis Fernando
Verissimo.
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ABSTRACT
This monografy is aimed to study the use of irony in journalism, represented by
Arnaldo Jabor’s, Diogo Mainardi’s and Luis Fernando Verissimo’s texts. In this
direction, definitions and aspects of irony and the productors of irony are presented
in this study. So, these aspects are pointed out on the columnist texts. In this way, a
chart is composed, with the characteristics of Jabor’s, Mainardi’s and Verissimo’s
irony. It’s a qualitative research, of exploratory approach. Considering irony and
humor, texts from Beth Brait, Sigmund Freud and Gilles Lipovesky were read, among
others. The works of Nelson Traquina and Cremilda Medina constitute the base
theory to treat journalistic process as a construction of reality and as a social
mediation of senses. The question of opinion in journalism and the discussions about
the delimitation of journalistic genders are discussed and grounded in Manuel Carlos
Chaparro’s, Toni André Vieira’s and Cremilda Medina’s considerations. Websites,
newspapers and magazines were also consulted. Four texts from each columnist,
published in July 2006, were analyzed. Interviews with three important artists in Rio
Grande do Sul were made, to get their impressions on how Jabor, Mainardi and
Verissimo express their opinion using their particular irony. The techniques used
were, respectively, the speech analysis and the semi-structured interviews. The irony
used by the columnists shows itself as an instrument of criticism and polemics. The
resource is presented as an interesting possibility to Journalism, so long as it is used
with the intention to privilege the information and to guarantee the basic principles of
the journalistic activity.
Key-words: irony – journalism – Arnaldo Jabor – Diogo Mainardi – Luis Fernando
Verissimo
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................12
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS ..........................................................................17
3 EU, HEIN!... A IRONIA E O IRONISTA: UMA ABORDAGEM POLIFÔNICA........22
3.1 Conceitos de ironia ...........................................................................................22
3.2 A ironia como atitude........................................................................................26
3.3 A ironia socrática ..............................................................................................28
3.4 Freud explica – inclusive, a ironia ...................................................................30
3.5 O humor na contemporaneidade .....................................................................34
3.5.1 O humor, segundo Gilles Lipovetsky.............................................................................................34
3.5.2 O humor, conforme outros autores ...............................................................................................41
4 JORNALISMO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ..................................................44
4.1 Jornalismo: construção da realidade..............................................................47
4.2 Jornalismo: mediação social de sentidos ......................................................49
5 A OPINIÃO NO JORNALISMO: UMA DISCUSSÃO .............................................54
6 A IRONIA NA IMPRENSA......................................................................................63
6.1 O Pasquim: apesar dos pesares......................................................................64
6.2 Célebres ironistas da imprensa brasileira ......................................................75
6.2.1 Nelson Rodrigues ..........................................................................................................................76
6.2.2 Paulo Francis.................................................................................................................................80
6.2.3 Millôr Fernandes ............................................................................................................................83
6.2.4 Ivan Lessa ....................................................................................................................................86
7 ARNALDO JABOR ................................................................................................88
7.1 O humor cáustico..............................................................................................88
7.2 Análise de colunas............................................................................................92
7.2.1 “As chuteiras sem pátria”, publicada em O Globo, em 4 de julho de 2006...................................92
7.2.2 “A ‘cornidão’ é um sentimento nacional”, publicada em O Globo, em 11 de julho de 2006..........97
7.2.3 “Entrevista com um político do bem”, publicada em O Globo, em 18 de julho de 2006 .............101
7.2.4 “O malabarista”, publicada em O Globo, em 25 de julho de 2006 ..............................................104
8 DIOGO MAINARDI...............................................................................................108
8.1 A ironia mordaz ...............................................................................................108
8.2 Análise de colunas..........................................................................................113
8.2.1 “Vou embora”, publicada em Veja, na edição de 5 de julho de 2006..........................................113
8.2.2 “O lulismo-lelé”, publicada em Veja, na edição de 12 de julho de 2006 .....................................116
11
8.2.3 “Voto de nariz tapado”, publicada em Veja, na edição de 19 de julho de 2006 ..........................120
8.2.4 “Meu lado Sammy Davis Jr.”, publicada em Veja, na edição de 26 de julho de 2006 ................122
9 LUIS FERNANDO VERISSIMO ...........................................................................127
9.1 A fina ironia......................................................................................................127
9.2 Análise de colunas..........................................................................................132
9.2.1 “Lubos Michel não mudou minha vida”, publicada no caderno Jornal da Copa, de Zero Hora, em
1.º de julho de 2006..............................................................................................................................132
9.2.2 “Prevendo o jacaré”, publicada no caderno Jornal da Copa, de Zero Hora, em 03 de julho de
2006......................................................................................................................................................134
9.2.3 “Zidane l’Africain”, publicada em Zero Hora, em 13 de julho de 2006. .......................................135
9.2.4 “O estadista Bush”, publicada em Zero Hora, em 27 de julho de 2006 ......................................138
10 O RECEPTOR: A IRONIA FECHA SEU CÍRCULO...........................................144
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................151
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................155
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1 INTRODUÇÃO
“Titanic só merece o Oscar de Melhor Engenharia Naval”.
“Em minhas análises do Datafolha e do Ibope, Lula sempre perde. É um
mundo melhor, o meu”.
“[...] não vi [a entrevista de Fernando Henrique Cardoso], estava vendo outro
bom ator, o Marlon Brando, na Net”.
Estas frases saíram da boca – ou melhor, do teclado do computador – de três
personalidades
de
destaque
da
imprensa
brasileira
contemporânea:
respectivamente, Arnaldo Jabor (2002), Diogo Mainardi (2006d, p. 109) e Luis
Fernando Verissimo (2006c, p. 3). Figuras polêmicas, cujos textos, sempre
habilmente redigidos, trazem a marca de um recurso tão controverso quanto as
opiniões que expressam: a ironia, este procedimento que desperta ódios e paixões
(com larga vantagem para o primeiro). A partir dos textos desses colunistas,
pretendo, com a presente monografia, analisar, justamente, o uso da ironia no
jornalismo.
Neste trabalho, apresento, também, um breve histórico do jornal O Pasquim,
publicação que marcou época no jornalismo brasileiro, por caracterizar-se, entre
outros fatores, pelo emprego da ironia e do humor para fazer crítica, em um período
também “crítico” (mas, aqui, o sentido é outro) da História do Brasil. Trago, ainda,
informações sobre célebres ironistas que já freqüentaram – alguns deles, continuam
freqüentando – as páginas dos jornais e revistas brasileiros. Do mesmo modo,
apresento
perfis
dos
colunistas
em
foco,
juntamente
com
as
principais
características de suas obras. Destaco, também, construções irônicas presentes em
colunas desses autores. Com isso, penso ser possível delinear os estilos, repletos
de ironia, de Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Luis Fernando Veríssimo.
Tenho uma relação interessante com esse objeto de estudo. Sempre fui um
leitor assíduo de colunas e artigos de nomes de destaque da imprensa brasileira e
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internacional. Posso afirmar que adquiri esse hábito ainda criança, quando
‘devorava’ os jornais e revistas de que dispunha em casa, e o amplifiquei na
adolescência, período em que fui colunista de um jornal do interior do Estado,
chamado Expresso Novo Vale, de 1996 a 1999. Gostava de me inspirar no trabalho
‘daquele pessoal’ dos jornais. Ainda hoje, quando me formo no curso de Jornalismo,
continuo acompanhando a obra de profissionais consagrados da imprensa – e
acredito que o farei por toda a minha carreira profissional, afinal, tenho certeza de
que nunca pararei de aprender.
O contato com os textos de Diogo Mainardi, na revista Veja, porém, inquietoume de modo especial. Nunca havia lido crônicas jornalísticas de teor tão sarcástico.
Apenas articulistas como Paulo Francis, Millôr Fernandes e Ivan Lessa – dos quais
também gosto – usavam de tal artifício (e continuam usando, no caso dos dois
últimos). Mainardi, no entanto, usa-o à exaustão.
Passei a dedicar mais atenção ao colunista quando ele entrou para o
programa televisivo Manhattan Connection, a que assisto com freqüência. Na mesaredonda dominical do canal GNT, Mainardi comenta os assuntos mundiais e
brasileiros também de uma maneira ácida e debochada, que provoca as mais
variadas reações no público do programa, conforme se pode perceber pelas
manifestações dos telespectadores, no fórum do site do programa (GNT, 2006a).
Diogo Mainardi, contudo, não é o único ironista da imprensa brasileira.
Arnaldo Jabor e Luis Fernando Verissimo, que escrevem para jornais e revistas há
mais tempo do que o colunista da Veja, também fazem uso de ironia e humor em
seus textos, de maneira igualmente marcante. Decidi, então, estudar os três
articulistas, nesta monografia. Isso porque cada um deles usa ironia ao seu modo.
Como leitor, percebo que a ironia é empregada por jornalistas, na maioria das
vezes, como um instrumento de crítica. Um comentário mais ácido é feito para
desconsiderar a obra daquele artista insosso; uma opinião mais sarcástica é emitida
para atingir, com humor, aquele político corrupto... Da mesma forma, penso que a
ironia constitui-se no principal fator pelo qual os leitores, geralmente, não
simpatizam com textos que empreguem tal recurso. Arnaldo Jabor e Diogo Mainardi,
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por exemplo, despertam mais a antipatia do que a simpatia de seus receptores.
Com opiniões fortes, emitidas quase sempre por meio de um humor cáustico, essas
e outras personalidades irônicas da imprensa brasileira geram um tipo de
desconforto na maior parte dos leitores, acompanhado pela impressão de que o
objetivo destes colunistas é “chamar atenção” e “fazer polêmica fácil”. Ao mesmo
tempo, ironistas como Jabor, Mainardi e Verissimo tornam-se leitura indispensável
para um determinado público (no qual me incluo), que vê no recurso e no humor um
modo interessante, criativo e eficaz de fazer uma crítica ou expressar uma opinião.
Algo, porém, é certo: não é possível passar incólume pela leitura de textos
assim. Nesse aspecto, reside um dos pontos mais interessantes do jornalismo, a
meu ver: a capacidade de ‘tocar’ o receptor de algum modo, provocar nele alguma
reflexão, gerar discussões.
Quando menciono jornalismo opinativo, no entanto, procuro deixar claro que
definições de gênero no jornalismo, atualmente, estão sendo postas à prova. Alguns
autores, como Manuel Carlos Chaparro (2006) e Cremilda Medina (1988),
questionam a classificação do trabalho jornalístico em informativo, interpretativo e
opinativo. Todo texto produzido por jornalistas traria, em si, informação,
interpretação e opinião. Não seria possível, conforme esses teóricos, ‘enquadrar’
uma matéria em apenas um gênero jornalístico. Essa também é uma discussão
presente neste trabalho.
Tenho tido a oportunidade de refletir sobre esses pontos, no trabalho que
venho
desenvolvendo
na
revista
eletrônica
Usina
Pazza
(http://www.usina.pazza.com.br). Trata-se de um site de jornalismo cultural, voltado
a um público intelectualizado, com pautas sobre cinema, literatura, música, teatro,
artes plásticas e comunicação. No ar desde dezembro de 2005, a Usina Pazza
apresenta um visual que procura ser esteticamente apurado, com textos bem
articulados. Os “usineiros pazzi” (como são chamados os colaboradores) buscam
aprofundar os temas de que tratam, numa proposta próxima ao que se poderia
chamar de Jornalismo Literário. Como Editor e colunista do site, percebo que, ao
procurar uma abordagem sistêmica de um fato cultural, que dê conta de sua “teia de
relações” – como afirma o físico austríaco Fritjof Capra (apud BAPTISTA, 2005) –,
nós, da Usina, acabamos rompendo os limites dos gêneros jornalísticos, em nossos
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textos. O jornalismo que praticamos no site é mais autoral: nossas reportagens,
ensaios e entrevistas não podem ser classificadas como exclusivamente
informativas, interpretativas ou opinativas. Cada texto apresenta as marcas pessoais
de seu autor (ao mesmo tempo em que temos uma preocupação com a qualidade
da informação). Em uma mesma matéria, podem conviver ‘pacificamente’ as
informações que o colunista transmite sobre o fato e as interpretações e opiniões
que ele tem a respeito. Buscamos produzir, na Usina Pazza, um exemplo de
“trânsito livre” entre os gêneros jornalísticos.
Voltando ao tema principal deste trabalho, ressalto, ainda, que, ao pesquisar
sobre ironia e personalidades irônicas da imprensa, encontro outros estilos, outros
“mundos” – marcados pelo polemismo e pelo sarcasmo, por exemplo – que, de certa
maneira, destoam do meu perfil profissional. Muitas vezes, em minhas relações
interpessoais, uso de tais recursos – comprovadamente, segundo alguns amigos e
familiares –, mas não em minha vida profissional. Não me vejo transmitindo,
interpretando ou comentando uma informação de modo irônico – apesar de
reconhecer que, muitas vezes, é impossível não fazê-lo, tendo em vista alguns fatos
com os quais somos “brindados” todos os dias, especialmente em tempos de crise
política, Comissões Parlamentares de Inquérito e todos os ‘personagens’ envolvidos.
Tampouco me imagino, no Jornalismo, emitindo uma opinião mais mordaz, apenas
para criar polêmicas fáceis.
Tais princípios, ironicamente, estimulam-me a buscar estes casos e
situações. A intenção, nesse sentido, é entender de que maneira se dá a ironia no
jornalismo, quais são as características de um ironista, como Arnaldo Jabor, Diogo
Mainardi e Luis Fernando Verissimo. Penso que a exploração desses recursos, que
normalmente não uso em minha prática jornalística, é um exercício bastante
interessante, já que significa o uso de um recurso sofisticado da linguagem, ao
mesmo tempo em que se constitui um desafio, no sentido do tratamento adequado
da informação.
A monografia está estruturada nos seguintes capítulos: após a Introdução,
são apresentados os aspectos metodológicos da pesquisa, seguidos do capítulo
sobre a ironia e o ironista. As considerações sobre jornalismo vêm a seguir, abrindo
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caminho para o próximo capítulo, que discute a opinião no jornalismo e a
delimitação de gêneros jornalísticos. Na seqüência, aborda-se O Pasquim – grande
exemplo de uso da ironia no jornalismo brasileiro – e a vida e a obra de alguns
célebres ironistas de nossa imprensa. Os perfis de Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e
Luis Fernando Verissimo e as análises de suas colunas são, finalmente,
apresentados nos capítulos posteriores. O texto com o conteúdo das entrevistas
realizadas e as Considerações Finais encerram esta monografia.
Os bastidores desse processo em busca do ‘espetáculo’ da ironia é o que se
pode encontrar nas considerações a respeito da estratégia metodológica e dos
procedimentos utilizados para a realização deste trabalho, apresentadas a seguir.
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2 ASPECTOS METODOLÓGICOS
A idéia de estudar o uso da ironia no jornalismo foi se configurando a partir
das leituras das colunas de Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Luis Fernando
Verissimo. Como salientei na Introdução, o contato com as produções destes
autores de destaque da imprensa brasileira foi o que me despertou para o tema.
Considero importante a realização de uma pesquisa sobre o modo irônico com que
Jabor, Mainardi e Verissimo lançam suas opiniões não somente pelo fato de esses
colunistas provocarem polêmica com seus textos. Acredito que a razão para tanta
celeuma – além, é claro, dos juízos que eles emitem sobre determinados fatos – é,
também, o uso freqüente que fazem da ironia e do humor ácido. Como
possibilidades cristalizadas para o jornalismo (muito por obra de figuras como os
três colunistas em análise), esses recursos compõem uma situação no mínimo
diferente, visto que a apreensão das informações, sob a ironia ou o humor, dá-se de
maneira especial: é preciso entender a ironia e a informação ou condição que lhe
deu origem. Nesse sentido, a presente monografia pode contribuir para que se
estude mais profundamente essas formas diferentes de expressão jornalística e a
recepção às informações veiculadas através delas.
Este trabalho teve como ponto efetivo de partida o projeto elaborado na
disciplina de “Pesquisa em Comunicação”, no segundo semestre de 2005. Nessa
disciplina,
foi
possível
desenvolver
as
primeiras
discussões,
começar
o
levantamento bibliográfico que me ajudaria na construção da monografia final e
esboçar a hipótese de que a ironia é utilizada, no jornalismo, como um instrumento
de crítica.
Para a amostragem bibliográfica deste trabalho, busquei textos teóricos sobre
as temáticas ironia, humor, jornalismo e opinião no jornalismo. A autora Beth Brait é
uma das principais, senão a principal, referência sobre ironia no Brasil. Sua obra
tem grande importância para esta monografia, assim como as considerações de
Sigmund Freud e de Gilles Lipovetsky. Já os conceitos de Jornalismo com os quais
trabalho são do teórico português Nelson Traquina e da jornalista e pesquisadora
Cremilda Medina. Para a temática opinião no Jornalismo, por fim, remeto-me,
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principalmente, às obras de Manuel Carlos Chaparro, Toni André Scharlau Vieira e,
novamente, Cremilda Medina. As informações obtidas a partir da amostragem
bibliográfica são, então, descritas por meio de texto dissertativo, com citações
indiretas e diretas de autores, eventualmente. As ‘temáticas’ Arnaldo Jabor, Diogo
Mainardi e Luis Fernando Verissimo, por sua vez, são abordadas a partir de
informações obtidas em livros, periódicos e sites, sobre a vida e a obra desses
colunistas. A delimitação do estudo à produção de Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e
Luis Fernando Verissimo justifica-se por serem eles ironistas que se destacam na
imprensa brasileira contemporânea, conforme já comentado.
Os textos analisados de Jabor, Mainardi e Verissimo foram extraídos,
respectivamente, do site do jornal O Globo, de Veja e de Zero Hora. Para a
amostragem material desta pesquisa, selecionei as colunas que eles publicaram em
julho de 2006. Nesse mês, acabou a Copa do Mundo – com a desclassificação do
Brasil nas quartas-de-final –, a campanha para as eleições gerais brasileiras iniciou
oficialmente, e o Oriente Médio entrou mais uma vez em crise, com o conflito entre o
exército de Israel e a milícia xiita Hezbollah, no Líbano. Foi, portanto, um período
rico para o trabalho desses colunistas. Os textos de Arnaldo Jabor e de Diogo
Mainardi são publicados semanalmente, o que determinou o número de quatro
colunas de cada autor, para a amostragem material. Em relação a Luis Fernando
Verissimo, uma ressalva: o colunista participou da cobertura da Copa do Mundo
feita pela Zero Hora, na Alemanha. Seus textos saíram diariamente, no caderno
especial Jornal da Copa. Com o término do campeonato de futebol, Verissimo voltou
para a página três do primeiro caderno de ZH, espaço em que sua coluna é
veiculada, às segundas e quintas-feiras. Os textos desse autor, analisados aqui,
foram escolhidos aleatoriamente, entre os que Verissimo publicou em julho, na ZH.
Para a amostragem material, utilizo como técnica de coleta de dados a
Análise de Discurso. Campo da Lingüística e da Comunicação, a Análise de
Discurso visa, de acordo com Eni Orlandi (2000), a compreender como um objeto
simbólico produz sentidos, como este objeto está investido de significância, para e
por sujeitos. Tal compreensão implica tornar explícito o modo como o texto organiza
os gestos de interpretação que relacionam sentido e sujeito. Assim, são produzidas
novas práticas de leitura.
19
Eni Orlandi (2000) comenta que, depois de feita a análise e compreendido o
processo discursivo, os resultados estão disponíveis para que o analista os
interprete, conforme os instrumentais teóricos dos campos disciplinares em que ele
se inscreve e dos quais partiu. Nesse ponto, segundo a autora, é fundamental a
maneira com que o analista construiu seu dispositivo analítico, pois o alcance de
suas conclusões depende muito deste.
As palavras simples do cotidiano, conforme Orlandi (2000), já chegam até nós
repletas de sentidos. Não sabemos como tais sentidos se constituíram, mas estes
significam “em nós e para nós” (ORLANDI, 2000, p. 20). A autora assinala, também,
que
Os dizeres não são, como dissemos, apenas mensagens a serem
decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em
condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no
modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem
de apreender. São pistas que ele aprende a seguir para
compreender os sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer
com sua exterioridade, suas condições de produção. Esses sentidos
têm a ver com o que é dito ali mas também em outros lugares, assim
com o que não é dito, e com o que poderia ser dito e não foi. Desse
modo, as margens do dizer, do texto, também fazem parte dele.
(ORLANDI, 2000, p. 30).
A proposta da Análise de Discurso, de acordo com Orlandi (2000), é construir
um dispositivo de interpretação. Esse, por sua vez, tem como característica colocar
o dito em relação ao não dito, o que se afirma em um lugar com o que se afirma em
outro, o que é dito de um jeito com o que é dito de outro jeito. Assim, procura ouvir,
no que o sujeito diz, o que ele não diz, mas que também forma os sentidos de suas
palavras.
Como emprego a Análise de Discurso para identificar a ironia presente nos
textos de Jabor, Mainardi e Verissimo, faz-se importante comentar aqui que,
segundo Orlandi (2000), texto “[...] não é apenas uma frase longa ou uma soma de
frases. Ele é uma totalidade com sua qualidade particular, com sua natureza
20
específica” (ORLANDI, 2000, p. 18). Para a autora, o texto é a unidade que o
analista tem diante de si e de que ele faz parte. É a construção sobre a qual o
analista deve debruçar-se. A própria Beth Brait (1996) pensa de maneira
semelhante:
Se, para Kierkegaard, a ironia é uma postura do escritor, do homem
que produziu determinado tipo de literatura, para um analista de
discurso esse é um dado que só pode ser constatado, analisado e
interpretado por meio dos textos produzidos por este autor e que,
configurando um traço essencial do discurso, permitem caracterizar
o autor como “um escritor irônico”, ou mesmo uma “personalidade
irônica”, no caso de haver algum interesse em extrapolar o texto e
traçar a biografia do indivíduo. (BRAIT, 1996, p. 34).
De acordo com Dith Jones Baptista Soares (2006), a Análise de Discurso é
uma ferramenta importante para as várias relações que se queira fazer, em textos
diversos. A autora também cita Eni Orlandi, para quem esta técnica
[...] não trata da língua, não trata da gramática, ela trata do Discurso.
O discurso é uma palavra em movimento, é uma prática de
linguagem. Não há começo absoluto ou ponto final para o discurso.
Um dizer tem relação com outros dizeres realizados, imaginados ou
possíveis. (ORLANDI, apud SOARES, 2006).
Dith Soares (2006) cita, ainda, Mikhail Bakhtin, segundo o qual o “Discurso
não reflete uma situação, ele é uma situação. Ele é uma enunciação que torna
possível considerar a performance da voz que o anuncia e o contexto social em que
é anunciado” (apud SOARES, 2006).
Sendo assim, procuro identificar, quando necessário, as relações que os
colunistas estabelecem, nos textos analisados, com outros autores e/ou discursos.
Na linha do que afirma Bakhtin, ainda, as análises contribuem para se visualizar os
‘estilos’ de Jabor, Mainardi e Verissimo. As informações oriundas desse momento
da pesquisa também são descritas em forma de texto dissertativo. Além disso,
quadros comparativos auxiliam na apresentação dos dados.
21
Outro ponto importante das ‘temáticas’ “Arnaldo Jabor”, “Diogo Mainardi” e
“Luis Fernando Verissimo” é a reação dos leitores a suas colunas. Para abordá-lo,
evidentemente sem a pretensão de fazer um estudo de recepção, realizei
entrevistas com artistas de destaque no Rio Grande do Sul, a fim de colher suas
impressões a respeito dos estilos de Jabor, Mainardi e Verissimo. Optei por
entrevistar artistas por diversos motivos. Como tais, eles trabalham a conotação
(forte em textos irônicos), as “entrelinhas”, e fazem parte da fatia de público que
consome esse tipo de jornalismo, mais sofisticado – sem dizer que, muitas vezes,
são também alvo das críticas desses colunistas. Além disso, entrevistando artistas,
permaneço em minha área de atuação profissional, o jornalismo cultural. São três
entrevistados – o mesmo número de colunistas analisados –, cada um de uma área:
Luciano Alabarse é diretor de teatro e coordenador do festival ‘Porto Alegre em
Cena’; Monique Revillion é escritora aclamada pela crítica; e Flávia Seligman é
cineasta, diretora e produtora de premiados curtas-metragens. As entrevistas foram
feitas por e-mail, no mês de setembro de 2006.
A técnica de coleta de dados utilizada, com a amostragem pessoal, foi a
entrevista semi-estruturada. Essa, conforme Uwe Flick (2004), consiste na
elaboração de perguntas abertas, que representam, no momento da entrevista, um
guia da interação com o pesquisado. O fato de ter sido realizada via internet, no
caso desta pesquisa, não é um problema, já que os sujeitos envolvidos são de alto
nível de instrução e capacidade intelectual e, ao mesmo tempo, pessoas bastante
ocupadas, o que representaria uma restrição, em termos de adequação de agenda,
para a entrevista pessoal.
A técnica da entrevista semi-estruturada é adequada a esse momento de
minha pesquisa. Com perguntas abertas, o entrevistado pode discorrer livremente,
sem precisar optar por uma ‘resposta’ pré-determinada, como em um Questionário
de perguntas fechadas, por exemplo. Como a intenção era de caráter exploratório,
quanto à perspectiva do receptor, e não um estudo sistemático, com categorias ou
propriedades pré-definidas, a técnica atendeu às necessidades da pesquisa.
22
3 EU, HEIN!... A IRONIA E O IRONISTA: UMA ABORDAGEM POLIFÔNICA
3.1 Conceitos de ironia
A arte, como a vida, pode ser levada a sério ou com ironia. Tal afirmação é do
poeta e artista visual catalão Joan Brossa, morto em 1998. “A mi, me gusta la
ironia”, sublinhou Brossa. Para ele, dramatizar demais é sucumbir à limitação: “A
ironia tem mais matizes”1.
Essas falas de Joan Brossa são emblemáticas, por vários motivos. Primeiro,
porque o poeta catalão – cuja obra tem como característica, justamente, o emprego
da ironia para fazer crítica aos costumes2 (CARPINEJAR, 2006) – considerava tal
recurso uma atitude perante a vida, um modo de se perceber o cotidiano. Segundo,
porque Brossa, ao afirmar que “a ironia tem mais matizes”, reforça um ponto sobre o
qual a autora Beth Brait (1996) estruturou a sua obra “Ironia em perspectiva
polifônica”: as várias “colorações” do recurso, os vários conceitos existentes de
ironia e as muitas maneiras de “ser irônico”.
Para esta pesquisa, acredito ser cabível trabalhar com uma lógica polifônica3
de ironia, conforme apresentado por Brait (1996). Isso porque as obras dos
articulistas em análise – Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Luis Fernando Veríssimo –
podem ser associadas a vários conceitos de ironia.
Em seu livro, Brait (1996) apresenta um ‘painel’ sobre o assunto, com
definições de diversos autores para ironia, de filósofos a lingüistas. Ao mesmo
tempo, a autora analisa textos jornalísticos e literários classificados como irônicos. A
1
Joan Brossa deu essas declarações numa entrevista ao jornal Zero Hora, em 1994, resgatada por
Veras (2006).
2
Em uma de suas obras, por exemplo, Joan Brossa ironiza o casamento, representando-o na forma
de algema.
3
Polifonia: conceito inaugurado pelo teórico russo Mikhail Bakhtin e desenvolvido mais recentemente
por outros estudiosos da linguagem (BRAIT, 1996).
23
perspectiva lingüística, segundo ela, concebe a ironia como uma construção de
linguagem, enquanto que a filosófica considera-a uma atitude, uma marca de
personalidade, uma postura estético-filosófica.
Dentre os diversos conceitos de ironia apresentados por Brait, alguns foram
selecionados para esta monografia, de acordo com aspectos concernentes ao ponto
de vista deste trabalho. Primeiramente, no entanto, parto do sentido literal:
Ironia. 1 RET figura por meio da qual se diz o contrário do que se
quer dar a entender; uso de palavra ou frase de sentido diverso ou
oposto ao que deveria ser empr., para definir ou denominar algo [A
ironia ressalta do contexto.] 1.1 LIT esta figura, que se caracteriza
pelo emprego inteligente de contrastes, us. literariamente para criar
ou ressaltar certos efeitos humorísticos 2 m.q. ASTEÍSMO (‘uso sutil
e delicado da crítica irônica’) 3 qualquer comentário ou afirmação
irônica 4 p. ext. uso de palavra, expressão ou acepção de caráter
sarcástico; zombaria [...] ETIM gr. eirõneia,as ‘ação de interrogar,
fingindo ignorância; dissimulação’. (HOUAISS; VILLAR, 2001, p.
1651).
A ironia é uma figura de linguagem e, como tal, é apresentada pelo autor Luiz
Antonio Sacconi (2001). Ele define o recurso como o procedimento de sugerir, pela
entoação e pelo contexto, o oposto do que as palavras ou frases exprimem, com
finalidade sarcástica. Por exemplo: “O ministro foi sutil como uma jamanta e fino
como um hipopótamo” (SACCONI, 2001, p. 500).
Além de tudo isto, a ironia é, também, uma “arma de polêmica”, conforme
Brait (1996). A autora apreende o recurso como resultado de um conjunto de
procedimentos discursivos, que podem ser encontrados em vários tipos de texto. O
efeito humorado da ironia pode surgir por meio de um chiste, um desenho
caricatural ou um diálogo descontraído, espaços propícios para tal, mas também
aparecer em capas de jornais sérios, por exemplo, que não têm, a princípio,
intenção de divertir seus leitores. A ironia, segundo Brait (1996), multiplica suas
faces e funções, configurando várias estratégicas de compreensão e representação
do mundo.
24
Brait (1996, p. 51) afirma ainda que a ironia, geralmente, “[...] descreve em
termos valorizantes uma realidade que ela trata de desvalorizar”. Em um discurso
irônico, tem-se uma enunciação a propósito de uma outra enunciação anterior, que
o ironista tenta desconsiderar.
O filósofo Aristóteles, de acordo com Brait (1996), pensava a ironia como uma
‘atitude’, por meio da qual se poderia aferir os traços de personalidade específicos
do produtor do discurso irônico4. Conforme Brait (1996), Aristóteles trabalhou, em
vários momentos, a questão da ironia e do cômico. Em obras como “Ética a
Nicômano” e “Poética”, a ironia é situada no quadro de uma análise sistemática das
atitudes fundamentais do ser humano e, até mesmo, sob uma dimensão estética.
Segundo o filósofo grego, “A ironia tem alguma coisa mais elevada que a bufonaria.
Pela primeira vez, faz-se uma brincadeira em vista de si mesmo, enquanto o bufão
ocupa-se de um outro” (ARISTÓTELES, 1991, apud BRAIT, 1996, p. 21). Beth Brait
comenta que esta postura de Aristóteles, em relação à ironia, inaugurou e marcou o
que se entende por “noção tradicional” e poderia ser traduzida como “espécie
determinada de disposição e atitude intelectuais próprias de um tipo de homem”
(BRAIT, 1996, p. 21). Para Aristóteles, a ironia era uma das atitudes fundamentais
do ser humano. Essa configuração da ironia como atitude, segundo a autora, tem
em Sócrates o protótipo de comportamento irônico5.
O filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard, segundo Brait (1996), também se
ocupou do estudo da ironia. Sua tese, datada de 1841, intitula-se, exatamente, “O
conceito de ironia”. O filósofo alça o recurso à condição de expressão de uma
atitude do espírito, determinada, basicamente, pelas idiossincrasias de quem a
pratica e por seus pontos de vista sobre o mundo. A ironia, para Kierkegaard, é uma
postura do escritor, do homem que produziu determinado tipo de literatura.
Em outro momento, Brait cita o lingüista Anatol Rosenfeld, para explicar a
concepção de “ironia romântica”, ou seja, aquela praticada pelos escritores do
4
A partir desta idéia, procurei identificar, respectivamente, as características dos discursos de Arnaldo
Jabor, Diogo Mainardi e Luis Fernando Verissimo, para definir seus ‘estilos’.
5
Trataremos de ironia como atitude no item 3.1, e de ironia socrática, no item 3.2.
25
6
Romantismo . Com o objetivo de apresentar as nuanças filosóficas, sociais e
culturais da ‘ironia romântica’, Rosenfeld (1978, apud BRAIT, 1996, p. 32), comenta
que essa é
Uma forma de pensar muito sutil e específica que, no seu caráter
oblíquo e cindido, reflete as complexas circunvoluções mentais de
gente extremamente crítica, sensível e refinada, individualista e
anárquica, afeita ao trato diuturno do espírito e das trevas, um
gênero de pessoa que na Alemanha é chamada de Asfaltliterat,
‘literato de asfalto’. São pessoas essencialmente urbanas [...]. Em
seu meio sempre surge aquele tedium vitae, o enjôo de viver tão
característico do homem blasé, uma criatura que já experimentou de
tudo e não mais sente prazer em nada [...].
Outro lingüista, citado por Brait, Dominique Maingueneau afirma que o
‘locutor’ de uma enunciação irônica interpreta, por assim dizer, um personagem7,
que sustenta uma opinião assumidamente contrária à da maioria, da qual ele se
distancia. O ‘locutor’ não se responsabiliza pela situação que é alvo de sua ironia e,
mais do que isso, considera-a absurda.
O teórico russo Mikhail Bakhtin (2000) afirma que a ironia penetrou em todas
as línguas modernas, introduziu-se nas palavras e nas formas, insinuou-se em toda
parte. É atestada em todos os seus aspectos: desde a ironia ínfima, imperceptível,
até a zombaria declarada. “O homem moderno já não proclama, nem declama, fala,
e fala com restrições [...]. A ironia como forma de mutismo. A ironia e (o riso)
servindo para superar situações, elevar-se acima delas” (BAKHTIN, 2000, p. 371374).
6
De acordo com Arthur Nestrovski (1996, p. 12), “nenhum outro período trabalhou tão intensamente a
idéia da ironia quanto o romantismo”.
7
Nestrovski (1996) pensa de modo semelhante. Afirma que a linguagem irônica divide o sujeito em
‘homem autêntico’ e ‘um outro homem’, cuja existência só se dá pela linguagem.
26
3.2 A ironia como atitude
Para Beth Brait (1996), a ironia passa tanto pela dimensão ideológica, social,
cultural, histórica do indivíduo que a produz, quanto pela questão da subjetividade.
Hilário Dick8, por sua vez, em um ótimo texto sobre o assunto, postula que a
ironia, encarada como sarcasmo ou zombaria, pode ser considerada tanto um
recurso de expressão, quanto uma atitude do ser humano. Ele afirma que,
pressupondo alguém que saiba ser irônico, tal procedimento apresenta-se como um
ato radicalmente racional. E continua: “Assim como Bergson falou do riso dizendo
que o homem é um ser que ri, de maneira talvez mais profunda possamos dizer que
o homem é um ser capaz de ser irônico” (DICK, 1972, p. 245). A ironia como atitude
implica um modo irônico de perceber a realidade, segundo Dick.
O autor divide a ironia em quatro tipos. O sarcasmo representa uma forma
específica de insulto a quem não pode se defender. Também exprime a
incapacidade de a pessoa a que se dirige fazer aquilo que é alvo da ironia. A
antífrase, por sua vez, corresponde ao uso de palavras agradáveis para expressar
idéias desagradáveis. Já o eufemismo transforma palavras que não soam bem em
idéias que soem bem, ou palavras agradáveis que exprimam idéias pouco amenas à
pessoa. E, por fim, o asteísmo expressa o louvor pela infâmia, e vice-versa – referirse a uma pessoa inteligente como “uma besta de talento”, por exemplo (DICK, 1972,
p. 250).
Conforme Dick (1972), ainda, a ironia nada tem a ver com a emoção. Esse
artifício relaciona-se, isso sim, com o intelecto. Tal afirmação do autor, porém, pode
ser
questionada,
se
considerarmos
a
perspectiva
de
alguns
teóricos
contemporâneos, como Humberto Maturana (1998, apud BAPTISTA, 2006, p. 4).
Para o biólogo chileno, a emoção está na base de toda e qualquer ação do ser
8
Uma constatação bem-humorada: “Hilário” poderia entrar para a relação de nomes que condicionam
destinos, do escritor Moacyr Scliar (2006), já que se trata de um estudioso da ironia.
27
humano, mesmo aquelas aparentemente mais racionais. Nesse sentido, podemos
afirmar que a ironia é também despertada por uma afecção de caráter intenso, pela
emoção inerente. Por exemplo, se decidimos ironizar as ações de um político, é
porque, de algum modo, essas atitudes nos afetaram, a ponto de desencadear a
elaboração de uma ironia.
Solger (apud SILVA, Antonio, 2006) interpreta a ironia sob o prisma da
subjetividade. Essa é entendida como ‘coisa suprema’, e, por isso, rebaixa todas as
demais, mesmo aquelas mais elevadas. Já o filósofo Hegel faz o seguinte
comentário sobre o recurso:
Considerem uma lei, singelamente tal qual é em si e por si: eu estou
além e posso fazer isto e aquilo. Superior não é coisa, eu sou
superior e senhor; acima da lei e da coisa, brinco com elas a meu
bel-prazer e, nessa consciência irônica, em que permito que o
supremo pereça, fruo-o a mim mesmo. (HEGEL, apud SILVA,
Antonio, 2006, p. 6).
De acordo com Dick (1972), a ironia pode, inclusive, pôr alguém diante de um
fato ou de uma verdade. O recurso representa um modo de convencer, de persuadir
e de criticar. Para o autor, a ironia – tanto como figura, quanto como modo de
encarar o mundo – está intimamente ligada à agressividade e à crítica. O irônico não
é uma pessoa satisfeita. Ele ataca, ironiza, brinca, ri, porque não aceita o status
quo.
Nessa mesma linha, a professora Adélia Bezerra de Meneses, no texto “As
armas da ironia”, classifica o recurso como linguagem de resistência, de denúncia e
de não-adesão. Segundo ela, o termo “ironia” origina-se do grego “eironein”, que
significa ação de interrogar, fingindo ignorância, ou que diz menos do que aquilo que
se pensa. Trata-se, conforme Meneses (1997), de uma forma privilegiada de
exercício da crítica social. A ironia é, para a autora e também para este trabalho,
uma arma de combate.
28
Segundo o filósofo Friedrich Schlegel (DICK, 1972, p. 246-247): “ironia é
objetividade, superioridade completa, desprendimento, manipulação do assunto”. À
idéia de objetividade, apontada pelo autor, porém, cabem ressalvas. Tal noção vem
sendo questionada em diversos campos, como nos estudos de Jornalismo, por
exemplo. Nesses, afirma-se que a objetividade é um mito, pois é impossível, para
um jornalista, ao abordar um fato, desfazer-se de sua subjetividade, de todas as
suas opiniões e de sua formação cultural e pessoal (ROSSI, 2000). Pode-se dizer o
mesmo, em relação à formação do discurso irônico. A própria Beth Brait (1996),
conforme mencionado anteriormente, afirma que a ironia passa pela questão da
subjetividade.
3.3 A ironia socrática
Um dos fundadores da filosofia ocidental também tinha uma relação marcante
com a ironia. Tanto que seu nome é, hoje, utilizado para classificar a atividade que
desempenhava, nesse sentido. Trata-se do filósofo grego Sócrates. Ele usava o
diálogo como um meio para fazer as pessoas conscientizarem-se de sua própria
ignorância. Criou, assim, a chamada “ironia socrática”.
De acordo com Nestrovski (1996), ‘ironia’ vem do grego eironeia e significa
‘dissimulação’. Na comédia grega, segundo o autor, o ‘eiron’ é o ‘pobre coitado’ que
acaba triunfando sobre o ‘valentão’. Uma das atitudes astutas de tal personagem é
fazer perguntas tolas, para as quais não há resposta. Nestrovski (1996) comenta
que essa é, também, a estratégia de Sócrates, expressa nos “Diálogos” de Platão, e
é por isso que se fala em uma “ironia socrática”.
O filósofo Nicola Abbagnano (1998, apud SILVA, Antonio, 2006, p. 6) define
ironia como, “em geral, a atitude de quem dá importância muito menor que a devida
(ou que se julga devida) a si mesmo, à sua própria condição ou a situações, coisas
ou pessoas com quem tenha estreitas relações”. Conforme Abbagnano, a ironia
socrática diz respeito ao modo como Sócrates subestimava-se, em relação aos
29
adversários com os quais discutia. Com sua maneira peculiar de interrogar, o
filósofo grego levava o interlocutor ao reconhecimento da sua própria ignorância.
Quando, na discussão sobre a justiça, Sócrates declara: “Acho que
esta investigação está além das nossas possibilidades e vós, que
sois inteligentes, deveis ter piedade de nós, em vez de zangar-vos
conosco”. Trasímaco responde: “Eis a costumeira ironia de
Sócrates”. Aristóteles só faz anunciar genericamente esta atitude
socrática quando vê na ironia um dos extremos na atitude diante da
verdade. O verdadeiro está no justo meio; quem exagera a verdade
é jactancioso e quem, entretanto, procura diminuí-la, é irônico. E diz
que, neste aspecto, ironia é simulação. (ABBAGNANO, 1998, p. 585,
apud SILVA, 2006, p. 6).
Antonio Ricardo da Silva (2006) comenta que o filósofo Cícero referia-se ao
conceito de ironia socrática, ao afirmar que, na discussão, Sócrates freqüentemente
se diminuía e elevava aqueles que queria refutar, empregando, assim, a simulação
que os gregos chamavam ironia.
De acordo com Brait (1996, p. 22), essa noção de ironia caracterizada como
princípio filosófico ou metafísico encontra, até hoje – num sentido mais domesticado
–, respaldo no senso comum. Tal noção, segundo Brait, possibilita não somente o
uso e a compreensão de expressões como “uma personalidade irônica”, “um caráter
irônico”, mas também a extensão para “ironia de situação”, “ironia do destino”,
“ironia dos acontecimentos”.
30
3.4 Freud explica – inclusive, a ironia
Figura 1: Ilustração do cartunista Santiago, para o livro “Seria trágico... se não fosse
cômico – Humor e Psicanálise”
Fonte: CORSO, 2005
Sigmund Freud – quem diria! – também era irônico. Inclusive, em relação à
sua própria obra. Quando o teórico austríaco viajou aos Estados Unidos, em 1909,
por exemplo, chegou a dizer que estava “levando a peste” para o novo mundo
(REYS, 2006)9. Conforme Beth Brait (1996, p. 43), “Freud tem sempre uma
explicação”. A autora comenta a relevância de se estudar o riso, o humor e mesmo
a ironia sob um enfoque psicanalítico. Assim como, ao falar em termos filosóficos,
volta-se sempre a Aristóteles – para aceitá-lo, retomá-lo ou contrariá-lo –, alguns
aspectos da ironia e do humor são abordados por meio do resgate da Psicanálise,
segundo Brait.
Na clássica obra “Os chistes e sua relação com o inconsciente”, o problema
do humor é o centro das preocupações de Sigmund Freud. Ao tratar de ironia,
especificamente, o autor considera não apenas o locutor e o processo instaurador
9
Kupermann (2003, apud SOUZA, 2006), porém, afirma que o pai da Psicanálise, apesar de ser
reconhecido como espirituoso e dotado de fino e preciso senso de humor, raramente usava ironia e
humor em sua clínica.
31
do recurso, mas também o ouvinte. Visualiza, assim, o conjunto, numa perspectiva
que envolve aspectos produzidos pelo inconsciente. O ironista, para Freud, diz o
contrário do que quer sugerir, mas insere na mensagem um sinal que, de certo
modo, previne o interlocutor de suas intenções. Freud sugere, ainda, de acordo com
Brait (1996), que o receptor da mensagem não só está pronto para decodificar o
contrário do que é dito, “como extrai seu prazer justamente do fato de a ironia lhe
inspirar um esforço de contradição, de cuja inutilidade ele logo se dá conta” (BRAIT,
1996, p. 44).
Pode ser que a representação pelo oposto agradeça o favor de que desfruta
sem qualquer necessidade de remissão ao inconsciente. Refiro-me à ironia,
muito próxima do chiste e contada entre as subespécies do cômico. Sua
essência consiste em dizer o contrário do que se pretende comunicar a
outra pessoa, mas poupando a esta uma réplica contraditória fazendo-lhe
entender – pelo tom de voz, por algum gesto simultâneo, ou (onde a escrita
está envolvida) por algumas pequenas indicações estilísticas – que se quer
dizer o contrário do que se diz. [...] Em conseqüência dessa condição a
ironia se expõe facilmente ao risco de ser mal-entendida. Proporciona à
pessoa que a utiliza a vantagem de capacitar-se prontamente a evitar as
dificuldades da expressão direta, por exemplo, no caso das invectivas. Isso
produz prazer cômico ao ouvinte, provavelmente porque excita nele uma
contraditória despesa de energia, reconhecida como desnecessária.
(FREUD, 1969, apud BRAIT, 1996, p. 44).
Conforme as teorias de Freud, o inconsciente manifesta-se por meio de
alguma ‘brecha’, como um sonho, um ato falho, atos banais do cotidiano. De acordo
com Antonio Ricardo da Silva (2006), as expressões do inconsciente, na maioria das
vezes, produzem mal-estar, angústia, sintomas neuróticos, sonhos terrificantes.
Essas, porém, não são as únicas maneiras de o inconsciente se manifestar.
Os chistes, formações prazerosas que provocam riso, também se constituem em
expressões do inconsciente. Um comentário irônico, por exemplo, pode desferir uma
verdade que faz o riso tomar o lugar da dor ou do mal-estar. Com a piada, a verdade
perde sua sisudez e “[...] brilha nua na carnadura das palavras. Em achados verbais,
o chiste promove encontros do dizer jocoso com a verdade” (SANTAELLA, apud
SILVA, Antonio, 2006, p. 6). Ou seja: por meio de um chiste, pode-se dizer uma
verdade que não seria dita conscientemente.
32
Como explica Freud, na citação acima, a ironia só acontece quando o outro a
que se dirige está preparado para entender o contrário. Funciona, assim, como um
diálogo ou uma interlocução dos inconscientes. O processo da ironia, ainda
conforme Freud, provoca o prazer. A primeira reação do leitor é, realmente, de
prazer, pela descoberta da ironia e pelo teor de seu conteúdo (FREUD, 1969, apud
BRAIT, 1996).
Freud (1909, apud SOUZA, 2006) também afirmava que os chistes,
preferentemente, empregam certas técnicas, como a deformação por omissão ou
elipse, como um meio de evitar que as coisas fossem compreendidas. Essas
técnicas, inicialmente, provocam certo nonsense, pelo absurdo do comentário. Tal
absurdo desfaz-se, quando a parte omitida é preenchida por uma inferência em
forma de alusão.
Conforme Souza (2006), Freud cita, no livro sobre os chistes, o caso de um
piadista e jornalista vienense10, como exemplo da técnica de deformação por
omissão ou elipse:
[...] em certa ocasião, quando se fala de um novo crime cometido por
um de seus adversários habituais, alguém exclamou “Se X ouve
isso, terá seus ouvidos socados novamente”. A parte omitida que, ao
ser inserida na lacuna, desfaz o nonsense é: “ele escreverá um
artigo tão cáustico sobre o homem que... etc”. (SOUZA, 2006, p. 3).
Como exemplo dessa técnica, cito um dos comentários certeiros de Paulo
Francis. O colunista, certa vez, afirmou: “Nem que seja no século XXI, o Brasil
chega ao século X” (FRANCIS, apud CASTRO, 1994, p. 33). A parte omitida seria:
‘o Brasil é tão atrasado que...’. Assim, o sentido do comentário seria completado: ‘O
Brasil é tão atrasado que, mesmo com avanços, ainda parecerá estar na Idade
Média’.
10
Se, naquela época, Freud já citava um jornalista irônico, é de se pensar o que ele diria hoje, ao ler
os textos de Jabor, Mainardi e Verissimo...
33
Outra técnica utilizada pelos chistes, segundo Freud (1905, apud SOUZA,
2006, p. 5), é a “representação mediante algo muito pequeno”. Essa representação
expressa uma característica inteira por meio de um pequeno detalhe. Como
exemplo, poderia citar um dos tantos comentários ácidos que Diogo Mainardi, um
dos colunistas analisados nesta pesquisa, fez a respeito do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Certa vez, Mainardi disse: “Se Lula tivesse sido um bom torneiro
11
mecânico, não teria perdido um dedo” . O colunista baseou-se em um detalhe da
figura do presidente para julgar suas competências como trabalhador/político.
Corso (2005), escrevendo sobre a obra “Os chistes...” no centenário de sua
publicação, comenta que, em certos momentos, uma piada pode valer como uma
interpretação. Aqui, cito um exemplo de outro colunista analisado neste trabalho: em
1998, Arnaldo Jabor participou, na TV Globo, como comentarista da cerimônia de
entrega do Oscar. Disse, então, que o filme “Titanic”, grande premiado da noite,
merecia apenas o Oscar de melhor engenharia naval (JABOR, 2002). Isso é mais
que uma tirada de espírito, é uma crítica contundente. Jabor afirmou, de modo
irônico, que o filme não merecia todos os prêmios que estava ganhando e que esse
era, na verdade, uma grande catástrofe. Então, pergunto: deveria ele ter explicado
didaticamente os aspectos que faziam de “Titanic” um filme ruim, ou lançar mão de
uma ironia como essa, que atinge rapidamente seu alvo e passa, de modo preciso,
a crítica que seu autor quer expressar?
Na visão de Corso (2005), para desamarrar alguns sentidos, é preciso usarse de um certo golpe de espírito, como uma piada, que irrompe, surpreende e, por
isso, faz rir. “O humor tem esse momento prévio ao riso, no qual acontece algo que
produz um efeito forte, inevitável, por isso a interpretação psicanalítica assemelhase a ele. É preciso surpreender, suportar a reação, que pode ser de riso, raiva,
choro, pasmo, e depois dar conta do que foi que ocorreu” (CORSO, 2005). De fato,
Jabor (2002) lembra, na crônica que escreveu sobre aquela fatídica noite em que
comentou o Oscar, que a reação do público às suas falas foi tremenda. E-mails,
11
Mainardi fez este comentário numa edição do Manhattan Connection, programa do qual ele
participa, no canal GNT.
34
faxes e telefonemas à Rede Globo pediam “a cabeça” do homem que ousou fazer
comentários daquele tipo. Ser irônico é, realmente, um perigo...
3.5 O humor na contemporaneidade
Acho que em qualquer situação o humor nunca é deboche rasgado.
Ele é sempre mais cáustico, mais doído para quem faz e para quem
escuta, pois apresenta uma série de verdades. Ao mesmo tempo, o
riso é um grande momento de independência, porque ninguém pode
censurar uma gargalhada. Se um sujeito está rindo e chega outro e
diz: “Tá rindo do quê?”, o sujeito responde: “Não conto”. Não há
como reprimir. O riso é um tônico para a criança que existe dentro de
cada um de nós e que sabe que as coisas têm que encontrar uma
saída. O humor é cáustico porque o ser humano é basicamente
ridículo. Se você olha na rua os carros buzinando, com gente que
quer ir não se sabe para onde e voltar não se sabe por que, verá que
é tudo muito ridículo. A diferença é que as pessoas têm a
maravilhosa capacidade de rir de si mesmas, de não se levar tão a
sério. (Jô Soares, apud VARGAS, 1983, p. 6).
3.5.1 O humor, segundo Gilles Lipovetsky
Ah, esses tempos pós-modernos12 pelos quais estamos passando... Os
aspectos de nossa época são bastante interessantes: multiplicidade de informações
e de opiniões, diversidade comportamental, alta tecnologia, velocidade, mistura de
estilos, multimídia, hibridismo, interatividade, humor e ironia... Sim, humor e ironia.
Essas são, também, características da contemporaneidade, conforme Gilles
Lipovetsky (1983). O filósofo francês dedicou-se ao estudo do humor nos tempos
12
A teoria da Pós-modernidade foi sendo gerada durante a segunda metade do século XX e
corresponde à “crise de paradigmas” pela qual o mundo, segundo os filósofos, estava (e ainda está)
passando. Para os pós-modernos, não há mais parâmetros universais, que valham para todos. A
realidade é caótica, múltipla, complexa. Não existem explicações, existem interpretações. Os grandes
valores éticos e estéticos não são mais possíveis, num mundo tão diversificado e complicado, como o
atual. O surgimento das novas tecnologias de informação e comunicação – Internet, multimídia –
contribuiu para essa visão. Estas tecnologias acentuaram as questões, muito pós-modernas, da
complexidade, da multiplicidade, da interatividade, do hibridismo (SANTOS, 1992). Atualmente,
porém, alguns autores, como o próprio Lipovetsky, afirmam que já estamos vivendo a era da
Hipermodernidade, caracterizada pela cultura do ‘exagero’ (VANNUCHI, 2004).
35
atuais, em sua obra “A era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo”.
Nessa obra, Lipovetsky afirma que a descrença pós-moderna, “o neo-nihilismo que
ganha corpo, não é ateu nem mortífero, mas doravante humorístico” (LIPOVETSKY,
1983, p. 128).
Conforme
o
autor,
tem-se
observado,
atualmente,
um
grande
desenvolvimento do código humorístico, como, por exemplo, na publicidade, na
moda, nas manifestações de rua (os cartazes empunhados em protestos,
geralmente, apresentam slogans espirituosos). Até os periódicos, segundo
Lipovetsky, estão se abrindo mais ao humor: títulos e linhas de apoio nos jornais e
revistas apresentam ‘jogos’ de palavras e ‘piscadelas’ de olho13. Um exemplo é esta
nota, publicada no jornal Zero Hora, em três de setembro de 2006, na qual o fato é
tratado com uma linguagem irônica e bem-humorada:
13
Este apontamento de Lipovetsky pode indicar que o humor é uma característica da imprensa
contemporânea.
36
Figura 2: Nota publicada em Zero Hora
Fonte: ZERO HORA, 2006
De acordo com Lipovetsky, a arte foi pioneira na incorporação do humor a
seus produtos, como atestam as obras do dadaísmo, do surrealismo e da pop art,
entre outros estilos.
O filósofo francês ressalta, no entanto, que o cômico não é característica
apenas de nosso tempo. O homem das cavernas, por exemplo, já tinha mitos e
cultos burlescos. Só a sociedade pós-moderna, contudo, pode ser considerada
humorística, por ter-se construído sobre um processo tendente a “dissolver a
oposição, até então estrita, do sério e do não-sério” (LIPOVETSKY, 1983, p. 128).
Em seu texto, Lipovetsky (1983) apresenta uma espécie de ‘histórico’ do
humor na sociedade ocidental. Conforme o autor, na Idade Média, as festas
populares, tipo Carnaval, caracterizavam-se por um cômico grotesco, com
37
atividades que rebaixavam símbolos sagrados, faziam paródias e escatologia. A
14
partir da Idade Clássica , no entanto, o riso começou a dissociar-se das festas
populares, ao mesmo tempo em que se formaram os novos gêneros da literatura
cômica e satírica. O riso afastou-se do grotesco e aproximou-se do espírito,
concentrando-se na ironia, que se exerce à custa dos costumes e individualidades.
O cômico, segundo Lipovetsky, deixava de ser simbólico, para tornar-se crítico.
Com o empobrecimento do mundo carnavalesco, então, o cômico perdeu seu
caráter público e coletivo, transformando-se em prazer subjetivo, perante um
determinado fato engraçado. O autor explica que, simultaneamente a essa
‘privatização’, o riso disciplinou-se: “Devemos entender o desenvolvimento dessas
formas modernas do riso que são o humor, a ironia, o sarcasmo, como um tipo de
controlo tênue e infinitesimal exercido sobre as manifestações do corpo”
(LIPOVETSKY, 1983, p.130). Nos séculos XVIII e XIX, por conseguinte, o riso
tornou-se um comportamento reprovado e até considerado de baixo nível.
Na contemporaneidade, porém, o humor voltou a ser valorizado, inclusive
como característica pessoal. Atualmente, não há espaço para ninguém que se leve
a sério. Assuntos íntimos, outrora tabus, como o sexo e os sentimentos, são, hoje,
bastante abordados. Já não se estranha quando alguém confessa seus problemas,
suas fraquezas, e o faz de modo exagerado, apenas para fazer graça. “O homem
contemporâneo parece rir de si mesmo, como estratégia para não se desesperar,
para não optar pelo outro viés das pressões cotidianas: a violência e a
agressividade, contra os outros e contra si próprio” (informação verbal)15.
Alguns apontamentos de Lipovetsky, contudo, podem ser questionados. O
autor sustenta, por exemplo, que o humor atual é positivo e despretensioso. O
humor na publicidade ou na moda, segundo Lipovetsky, não tem vítima, não troça,
apenas contribui para uma ‘atmosfera’ de bom-humor. Trata-se de um humor sem
espessura. Um exemplo disso é o uso de expressões sem sentido para designar os
‘ruídos’ do mundo, como “grunch”, “plomp”, “grmf” (LIPOVETSKY, 1983, p. 132).
14
De acordo com Patrícia Carmello (2006), chama-se de Idade Clássica o período caracterizado pelo
surgimento do pensamento cartesiano, no século XVII. Seu equivalente na arte é o Classicismo.
38
Hoje, conforme o teórico, há um gracejar vazio. Até nos desculpamos por causa de
um trocadilho, ou rimos de nós mesmos. Para Lipovetsky, o humor, nos tempos
atuais, requer o espontâneo, o ‘natural’. Ao mesmo tempo em que o cômico se
espiritualiza, começa, prudentemente, a poupar o outro. Chacota, sarcasmo com os
outros não fazem mais rir. Atualmente, os próximos são poupados.
As observações de Gilles Lipovetsky parecem excessivamente otimistas. O
autor concentrou-se, no seu texto, em uma parte do humor contemporâneo,
despretensioso e leve. O fenômeno, contudo, tem outras nuanças. Expressões
como “perco o amigo, mas não perco a piada” são a mais clara indicação de que o
humor é implacável e que, com este, pode-se ‘azucrinar’ as pessoas. Ao contrário
do que diz o autor, os próximos, no humor, não são poupados. Disto, os próprios
colunistas analisados neste trabalho são exemplos. São muitas as vezes em que
Jabor, Mainardi e Verissimo elegem um ‘alvo’ para suas críticas irônicas e
humoradas.
Voltemos às considerações de Lipovetsky (1983). O humor, segundo o
teórico, é próprio de uma sociedade flexível e aberta. O fenômeno humorístico de
nossos dias é típico da era do consumo. A explosão das necessidades e da cultura
hedonista expandiu o humor e meio que ‘desqualificou’ as formas cerimoniosas de
comunicação. O autor remete-se outra vez à imprensa: nesta, atualmente, há alguns
títulos jocosos e ligeiros. Cartas dos leitores também fazem uso de reflexões
exclamativas e cotidianas. O humor na imprensa e no cotidiano, para Lipovetsky
(1983), não apenas ridiculariza, denuncia ou satiriza: também estabelece um
ambiente descontraído, relax.
Conforme o autor, o humor atual não passa de uma manifestação do free
style, da cultura do espontâneo. O código humorístico impôs-se no cenário
contemporâneo, porque corresponde a novos valores, a novos gostos, a um novo
tipo de individualidade que tem por objetivo a descontração e o ócio. A legitimação e
generalização do humor lúdico, portanto, só foi possível com a revolução das
necessidades, com a ascensão das novas finalidades hedonistas.
15
Declaração pessoal de Maria Luiza Cardinale Baptista, Porto Alegre, agosto de 2006.
39
Uma das conseqüências da era do consumo é a inversão da esfera do
sentido social, ocasionada pelo processo humorístico. Os valores superiores
tornam-se paródicos, não suscitam mais qualquer investimento. Valores que
estruturaram a primeira metade do século XX – como poupança, castidade,
autoridade, esforço – provocam, hoje, mais risos do que respeito. Atualmente,
mesmo as coisas mais sérias, mais solenes, assumem uma tonalidade cômica.
Políticos, por exemplo, são freqüentemente satirizados16.
A arte contemporânea também apresenta uma tonalidade humorística. Com
as vanguardas e os movimentos artísticos do século XX, a arte deixou de parecer
séria, renunciou ao clássico e ao belo, procurou novos suportes e materiais.
Conforme Lipovetsky (1983, p. 153), “o humor das obras já não é função do seu teor
intrínseco, associa-se à extrema radicalização da operação artística, às suas
desterritorializações-limite, que surgem aos olhos do grande público como gratuitas
e grotescas”.
16
Sátiras sobre políticos, porém, não são características apenas da contemporaneidade. No século
XVII, por exemplo, o poeta baiano Gregório de Matos e Guerra – um dos maiores nomes da literatura
barroca brasileira – causava escândalo com suas poesias de cunho satírico, das quais políticos eram
‘alvos’ habituais. O governador Câmara Coutinho foi assim retratado por Gregório de Matos: “Nariz de
embono/ com tal sacada/ que entra na escada/ duas horas primeiro/ que seu dono.” (apud
CONSOLARO, 2006).
40
Figura 3: “A Fonte” (1917), do artista francês Marcel Duchamp, é um dos maiores
símbolos da arte no século XX. Com um forte componente humorístico, a ‘obra’ gera
discussões ainda hoje, ao sugerir, de modo provocativo, que tudo pode ser arte,
inclusive as coisas mais prosaicas.
Fonte: MARCEL..., 2002
As subdivisões do social, na contemporaneidade, também são cômicas:
“Associação das gordinhas simpáticas”, “Homens na menopausa”, etc. Até as ações
sociais, mesmo abordando temas sérios, fazem uso do humor. As manifestações de
rua, por exemplo, são coloridas (um exemplo é o movimento dos caras-pintadas, no
início dos anos 1990, no Brasil), e é comum ver-se manchetes do tipo “X pessoas
tiram a roupa em protesto à guerra”. Nos dias de hoje, como diz Lipovetsky (1983, p.
154), “resta apenas a estranheza irrisória de um mundo em que tudo é permitido,
em que se vê de tudo e em que nada suscita mais do que um sorriso passageiro”.
O professor e crítico de música Arthur Nestrovski (1996, p. 7) afirma que
ironia e modernidade17 não são exatamente sinônimos, “mas as duas palavras estão
17
Percebo uma certa indefinição no uso do termo ‘modernidade’, por Arthur Nestrovski (1996). O
autor ora o emprega no sentido de ‘contemporaneidade’ (como no trecho acima), ora no sentido de
‘modernismo’ (ou seja, para identificar o período histórico da primeira metade do século XX, tempo
das vanguardas artísticas como o dadaísmo, o surrealismo e o cubismo), fase anterior ao Pósmodernismo. Deixa-se claro, então, que, neste trabalho, entende-se Modernidade como um período
da História estruturado sobre fortes fundamentos e valores supremos, propostos como
inquestionáveis, como a racionalidade, a religião e a ciência. Segundo os pensadores, trata-se do final
do século XIX e início do século XX. Já a Pós-modernidade, conforme explicado anteriormente, foi
teorizada na segunda metade do século XX e configura-se como um tempo de incerteza, de caos e de
complexidade, em que tudo se mistura. Isto torna a realidade contemporânea inextricável, sem
41
bem mais próximas do que se imagina”. Para o autor, a ironia – movimento que faz
a linguagem suspender-se ou negar-se a si própria – está na raiz de todo o período
moderno. Nos tempos atuais, esse artifício repete-se quase que obrigatoriamente,
como se não fosse mais possível pensar em outra maneira de expressão. Pode-se
encontrar exemplos de linguagem irônica, de acordo com Nestrovski, virtualmente
em cada texto, cada página, escrita nos últimos duzentos anos. “Basta voltar a
atenção para o que é uma palavra e todo autor desliza para os abismos da
indeterminação e da ambigüidade” (NESTROVSKI, 1996, p. 9).
A partir desses apontamentos de Lipovetsky e Nestrovski, é possível afirmar
que o humor e a ironia são características da sociedade contemporânea. A
imprensa, como uma das instituições dessa sociedade, absorve tal tendência e a
apresenta à sua maneira. Pode-se dizer que a ‘atmosfera’ de bom humor que se
verifica atualmente contribui para o emprego da ironia por parte de alguns
jornalistas.
3.5.2 O humor, conforme outros autores
Gilles Lipovetsky salienta que “o humor, diferentemente da ironia, surge como
uma atitude que traduz uma espécie de simpatia, de cumplicidade, ainda que
fingidas, para com o sujeito visado: ri-se com ele e não dele” (1983, p. 148). Ou
seja: o humor, diferentemente da ironia, é cordial, na maioria das vezes.
Outros autores, já citados nesta monografia, também comentam o humor. O
psicanalista Mário Corso (2005) considera o humor um instrumento transgressivo18.
O autor explana que Sigmund Freud entendia o recurso como uma maneira de lidar
com o recalque, com o que não pode ser dito de outro modo (como mencionado no
valores absolutos e difícil de ser compreendida por apenas uma perspectiva, uma visão de mundo.
(informações fornecidas pelo professor Fábio Augusto Steyer, na disciplina de Mídia e Cultura,
cursada no primeiro semestre de 2002, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos).
18
O aspecto psicanalítico do humor também é salientado por Lipovetsky (1983, p. 141): “Não há, com
efeito, humor que não requeira uma parte de actividade psíquica do receptor”.
42
item 3.3, em relação à ironia). Trata-se de uma maneira de enunciar uma verdade
que tem seu caminho bloqueado. O grau de liberdade de um dado lugar, por
exemplo, pode ser medido pelo humor permitido (CORSO, 2005).
Para Beth Brait (1996, p. 13), o humor é uma categoria ampla, “um traço de
linguagem revelador de um ponto de vista, um olhar sobre o mundo, que requer
tanto do produtor quanto do destinatário uma competência discursiva especial”.
Segundo a autora, o deslindamento de valores sociais, culturais, morais ou de
qualquer outro tipo parece fazer parte da natureza do humor.
Assim sendo, uma manifestação humorística tanto pode revelar a
agressão a instituições vigentes, quanto aspectos encobertos por
discursos oficiais, cristalizados ou tidos como sérios. Mas pode
também confirmar, transmitir ou instaurar preconceitos. (BRAIT,
1996, p.15)
Citado por Brait (1996), o lingüista francês Oswald Ducrot define o que
entende por enunciado humorístico, estabelecendo três condições necessárias:
Entre os pontos de vista representados em um enunciado, há ao
menos um que é absurdo, insustentável (em si mesmo ou no
contexto).
O ponto de vista absurdo não é atribuído ao locutor.
No enunciado não se expressa nenhum ponto de vista oposto ao
ponto de vista absurdo (não é retificado por nenhum enunciador).
Entre os enunciados humorísticos chamarei “irônicos” aqueles em
que o ponto de vista absurdo é atribuído a um personagem
determinado, que se procura ridicularizar. (DUCROT, 1988, apud
BRAIT, 1996, p. 55).
Hilário Dick (1972), por sua vez, faz uma relação entre a ironia e o cômico em
geral. O autor identifica uma afinidade entre esses dois campos. A ironia, segundo
ele, parece pertencer ao mesmo mundo da comédia. Dick lembra que, para
Aristóteles, o homem, além de ser um animal que fala e que pensa, também é o
único ser capaz de rir de si e daquilo que está fora dele. O riso é inserido no mesmo
43
campo da linguagem e do pensamento. O autor cita Jayme Paviani, para quem “a
comicidade caracteriza um modo de ser ou uma condição própria da existência
humana” (PAVIANI, apud DICK, 1972, p. 248). Remete-se, também, a Emílio
Staiger, que diz: “Se dizemos que o trágico faz explodir os contornos de um mundo,
diremos do cômico (do irônico) que ele extravasa as bordas desse mundo”.
(STAIGER, apud DICK, 1972, p. 248).
Ainda conforme Dick (1972), ‘humor’ derivaria da palavra francesa humeur,
empregada algumas vezes pelo dramaturgo francês Pierre Corneille no sentido de
jovialidade. O autor, contudo, afirma que o humor não é qualidade exclusiva de
tempo algum. Os humoristas, segundo ele, encontram-se em toda literatura, porque
representam e expressam uma visão de mundo.
Para Dick (1972), o humor e a ironia são formas de sátira, mas a ironia é de
natureza oratória, e o humor tem algo mais de científico. Como atitude, porém, o
humorista
e
o
irônico
encontram-se,
em
suas condições agressivas ou
ridicularizadoras do mundo, do homem e da realidade em geral.
Como afirmava o filósofo Friedrich Nietzche (apud DICK, 1972, p. 249), “a
criança escondida em todo homem verdadeiro faz questão de brincar”. A ironia,
portanto, não deixa de ser uma maneira altamente racional de brincar. E de fazer rir.
44
4 JORNALISMO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
As concepções sobre Jornalismo, com o passar dos anos, foram se
aprofundando e se complexificando, num processo que resultou nas abordagens
contemporâneas da atividade, das quais os autores Nelson Traquina e Cremilda
Medina, por exemplo, são grandes representantes. Apresento, neste capítulo,
aspectos sobre o processo do desenvolvimento conceitual e teórico.
Há 40 anos – especificamente, em 1966 –, o autor Celso Kelly postulou que o
Jornalismo constituía-se na escolha e captação de um fato, a reformulação desse
fato em notícia, a sua divulgação regular a um público determinado ou não e a
recepção por parte desse público. De acordo com Kelly (1966), saber captar e
transferir representaria a técnica da comunicabilidade, a essência do Jornalismo. O
autor comenta ainda que a notícia que não sensibiliza o receptor, que não apresenta
o fato recriado e vivo, acaba por anular-se. Sobre a atividade, Celso Kelly observa:
Jornalismo é transmissão de notícia, com ou sem imagem, verbal ou
gráfica; jornalismo é, em sentido mais amplo, a reportagem,
qualquer que seja a maneira de apresentá-la; jornalismo é a
entrevista, viva e espontânea no vídeo de um aparelho de tevê, ou
condensada e reconstituída nas colunas de um grande diário;
jornalismo é, em suas variações tão ricas, o tópico, a crônica, o
artigo de fundo, modalidades mais de conceitos que de fatos, à
espera de um leitor ou ouvinte de maior apreço pela palavra e pelo
comentário. Tudo isso é jornalismo [...]. (KELLY, 1966, p. 87-88).
Na década seguinte, o teórico Luiz Amaral (1978) sustentou que eram
diversas as definições de Jornalismo, variando conforme o enfoque de cada autor. A
atividade, porém, ao assumir a condição de ciência, tomaria, segundo Amaral,
“contornos acentuados e bem visíveis”. Poderia, assim, ser definida como “o estudo
do processo de transmissão de informação, através de veículos de difusão coletiva,
com características específicas de atualidade, periodicidade e recepção coletiva”
(AMARAL, 1978, p. 16).
45
O autor José Marques de Melo, por sua vez, afirmou, nos anos 1980, que o
Jornalismo era um processo social, articulado a partir da relação (periódica ou
oportuna) entre organizações formais (editoras/emissoras) e o público receptor, por
meio de canais de difusão (jornal/revista/rádio/televisão/cinema), que asseguram a
transmissão de informações atuais, em função de interesses e expectativas
(universos culturais ou ideológicos). Seria, portanto, um processo contínuo, ágil,
veloz, determinado pela atualidade. A relação entre emissor e receptor seria
estabelecida pelo conjunto de fatos que estão acontecendo (MARQUES DE MELO,
1985).
Na contemporaneidade, conforme já dito, é importante abordar as idéias de
dois teóricos, em especial: Nelson Traquina e Cremilda Medina. Ambos fogem às
visões tradicionais sobre a atividade jornalística, indo em direção a um entendimento
mais profundo e complexo de Jornalismo.
Uma dessas concepções tradicionais é a de que o Jornalismo é um ‘espelho’
da realidade, ou seja, as notícias são do modo que são porque a realidade assim as
determina. A metáfora do espelho no Jornalismo postula que as notícias apenas
refletem os fatos, pois os jornalistas são observadores neutros, que se limitam,
obrigados pelas normas profissionais, a coletar as informações e relatar o ocorrido,
simplesmente (TRAQUINA, 2001).
Tal visão, bastante limitada e insuficiente, vem sendo questionada há tempos,
em vários estudos sobre Jornalismo. Hoje, procura-se levar em conta mais a
complexidade da atividade jornalística e as marcas dos sujeitos que a
desempenham, do que uma idéia de ‘objetividade’.
Do ponto de vista da Psicologia da Comunicação, a idéia do espelho como
mero ‘refletor’ também é contestada. A autora Maria Luiza Cardinale Baptista, por
exemplo, já escreveu que a concepção dos meios de comunicação como “espelhos
da sociedade”, como simples refletores dessa sociedade, é limitada, pois não dá
conta da “interação com o espelho-outro” (BAPTISTA, 1996, p. 49). Conforme
Baptista, a idéia tradicional de espelho é a de uma superfície que reflete, que
apenas mostra a imagem do refletido e, assim, diz autoritariamente quem somos. A
46
comunicação como espelho, porém, de acordo com a autora, atua como um ‘outro’
que não apenas reflete, mas também distingue, identifica e provoca. Com esse
‘outro’, o sujeito interage intensamente. É um outro que atravessa, seduz, encanta e
de cuja presença o sujeito sente falta, devido à potência da interação com essa
presença.
Para Baptista (1996), o sentido do que é apresentado pelo espelho só se dá
na interação com o sujeito.
[...] a interação dos sujeitos receptores com os ‘espelhos’ emissores
nos processos comunicacionais em geral acontece. Tem-se um jogo
de poder em que os recursos comunicacionais dos envolvidos são
diferentes. O emissor até propõe determinados gestos, determinadas
ações ao receptor, mas esta proposta não é marcada por certezas.
Também não é um simples mecanismo de ação e reação, mas uma
interação mediada pelos múltiplos atravessamentos das
subjetividades envolvidas. (BAPTISTA, 1996, p. 50).
O reflexo do espelho, conforme a autora, só pode ser compreendido como
“trama das interpenetrações do potencial de produção de sentido” (BAPTISTA,
1996, p. 51). Sob esta concepção, portanto, entende-se que, muito mais do que
apenas ‘refletir’ a realidade, o Jornalismo estabelece uma interação com o receptor,
na qual se produz o sentido dos conteúdos apresentados e dá-se a apreensão das
informações.
47
4.1 Jornalismo: construção da realidade
Um dos mais respeitados pensadores do Jornalismo na atualidade, o teórico
português Nelson Traquina procura, muito mais, trabalhar com uma idéia de
‘construção’, do que de ‘reflexo’. O autor opõe-se à metáfora do espelho, no
Jornalismo. Suas idéias, nessa direção, estão expostas no livro “Jornalismo:
questões, teorias e ‘estórias’”, organizado por ele. Trata-se de uma coletânea de
artigos, que se divide nas três unidades mencionadas no título. Cada uma das
unidades traz textos elaborados por pesquisadores e jornalistas sobre os temas em
foco. Traquina (1999) usa o termo ‘estória’, entre aspas, para remeter ao modo
como os jornalistas norte-americanos19 – e, atualmente, também os portugueses –
referem-se às notícias (TRAQUINA, 1999).
A cada início de unidade, há um texto de Traquina, em que o autor comenta
os artigos subseqüentes e expõe algumas de suas considerações sobre o
Jornalismo. Na unidade “As Teorias”, Traquina, além do texto introdutório, também
publica um artigo, intitulado “As notícias”. No artigo, o teórico afirma que o objetivo
de todo órgão de informação – relatar os acontecimentos considerados
interessantes e significativos – é, como outros fenômenos aparentemente simples,
muito complexo.
Um dos mitos da profissão de jornalista, conforme Traquina (1999), é a noção
do “comunicador desinteressado”, segundo a qual o jornalista é um observador
neutro (um ‘espelho’), desligado dos acontecimentos e cuidadoso em não expressar
suas opiniões pessoais. O autor vai de encontro ao conceito de objetividade
jornalística e à metáfora do ‘espelho’, desconsiderando a concepção do jornalista
como comunicador abnegativo:
19
No filme que reconstitui a investigação do caso Watergate, “All the President’s men”, de Alan Pakula
(2006), por exemplo, os personagens inspirados nos jornalistas norte-americanos Carl Bernstein e
Bob Woodward referem-se às suas matérias como “story”, “my story”. Para Traquina (1999), a
denominação ‘estória’ pode ser empregada para designar a notícia como um produto cultural. O autor
cita um dos articulistas do livro, Gaye Tuchman, para explicar que chamar notícia de ‘estória’ não é
48
[...] os jornalistas não são simplesmente observadores passivos mas
participantes activos no processo de construção da realidade. E as
notícias não podem ser vistas como emergindo naturalmente dos
acontecimentos do mundo real; as notícias acontecem na conjunção
de acontecimentos e de textos. Enquanto o acontecimento cria a
notícia, a notícia também cria o acontecimento. (TRAQUINA, 1999,
p. 168).
Para Traquina (1999, p. 168), é possível pensar nas notícias como “índice do
real”, a partir da idéia de que há um ‘acordo de cavalheiros’ entre o jornalista e o
leitor, pelo respeito à fronteira que separa o real da ficção. Com este acordo, o
jornalista ‘compromete-se’ a não ultrapassar esta fronteira, e o leitor, a acolher o
trabalho dele, acreditando que ele não ‘inventará’ nada.
Notícia, para Traquina (1999), é uma construção, resultante de um processo
de interação social, entre o jornalista e o público. Jornalistas não apenas colhem,
processam e divulgam informações. Fazendo isto, também constroem uma
realidade. Um exemplo de como a notícia, criando o acontecimento, constrói a
realidade seria a ênfase dada para as respostas às perguntas do lide, que
representam a necessidade de selecionar, excluir, enfatizar alguns aspectos do
acontecimento.
Ainda no artigo “As notícias”, Traquina (1999) comenta que, frente à
imprevisibilidade dos acontecimentos, os jornalistas precisam impor uma ordem no
espaço e no tempo. Os fatos, que representam a matéria-prima dos jornalistas,
podem acontecer a qualquer hora e em qualquer lugar. Para impor uma ordem no
espaço, as empresas jornalísticas estendem uma ‘rede’, com o intuito de capturar os
acontecimentos (correspondentes, por exemplo). E, para impor uma ordem no
tempo, faz-se uma agenda de acontecimentos previstos, a fim de organizar as
coberturas com antecedência, e trabalha-se com o deadline, o horário de
fechamento20.
acusá-la de ser fictícia, mas considerá-la como uma realidade construída, possuidora de sua própria
validade interna.
20
Neste sentido, podemos afirmar que o Jornalismo organiza a lógica temporal das coisas (passado,
presente e futuro).
49
Em seus textos de abertura das unidades, Traquina (1999) tece comentários
sobre Jornalismo, notícias e atividade jornalística. Para o autor, os veículos
noticiosos “[...] determinam quais são os acontecimentos (assuntos e problemáticas)
com direito à existência pública e que, por isso, figuram na agenda de
preocupações, como temas importantes da opinião pública (é o conceito de
‘agenda-setting’)” (TRAQUINA, 1999, p. 11). Definem, também, o(s) significado(s)
dos acontecimentos (assuntos e problemáticas), oferecendo interpretações acerca
desses. Conforme Traquina (1999), cabe ao jornalista recolher os acontecimentos e
temas importantes da atualidade e atribuir-lhes sentido.
A hipótese do Agenda-setting, inclusive, é bastante comentada por Nelson
Traquina em outro livro: “O estudo do jornalismo no século XX” (1999). Nesse livro,
o teórico assinala – amparado numa formulação de outro autor, Bernard Cohen –
que a imprensa, na maioria das vezes, não diz exatamente como pensar, mas, sim,
sobre o que pensar. Segundo a hipótese do Agenda-setting, os meios de
comunicação de massa apresentam ao público os temas que consideram
importantes para discussão. Ou seja, a mídia determina, por assim dizer, a ordem
do dia da discussão pública. Com isso, acaba estabelecendo, também, uma
hierarquia de importância e de prioridade, segundo a qual os assuntos estão
dispostos.
Além
disso,
fixa
um
calendário
dos
acontecimentos/conteúdos
(TRAQUINA, 1999).
4.2 Jornalismo: mediação social de sentidos
Uma realidade múltipla e complexa, como a atual, exige um novo modelo
para o Jornalismo. O discurso jornalístico deve ser pensado sob uma ótica mais
abrangente, que supere os critérios reducionistas representados pelo lide – a
resposta às perguntas o quê?, quem?, quando?, como?, onde?, por quê?, as quais,
segundo a visão tradicional, são as mais importantes para a compreensão de um
fato.
50
Um novo modelo para o Jornalismo, que não aquele dito funcionalista – do
qual o lide é o maior símbolo –, é sugerido por Cremilda Medina. A jornalista e
pesquisadora da Universidade de São Paulo trabalha com uma visão complexa de
Jornalismo, indo de encontro à teoria reducionista/funcionalista. Para Cremilda
Medina, o Jornalismo faz uma mediação social de sentidos. No livro “Povo e
personagem”, a autora (1996, p. 11) apresenta alguns pontos sobre os quais afirma
ser possível “ousar um vôo por uma teoria, no mínimo, complexa da mediação
social”.
Um desses pontos, conforme Medina (1996), é o de que a demanda social
por informação não se satisfaz com fórmulas reducionistas, recomendadas por
manuais de redação e de Comunicação Social. A demanda, muito pelo contrário, é
trialógica:
Há, no mínimo, insisto, uma mediação trialógica que pode ser
multiplicada por “n” possibilidades. O comunicador social relaciona,
nas relações simbólicas, o universo das idéias; ao mesmo tempo,
trabalha com o imaginário coletivo, emoções, mitos, registros
intuitivo-criativos; e, em terceiro lugar, com os comportamentos
culturais, ação sociocultural que se codifica em situações muito
expressivas do jogo trialético indivíduo-coletividade (local, regional e
nacional)-universalidade. Assim, a linguagem da mediação social se
informa de representações simbólicas lógico-analíticas (idéias,
conceitos,
argumentos),
representações
intuitivo-simbólicas
(emoções, criações artísticas, mitos) e representações motooperacionais (situações, modos de ação cultural). Na plenitude de
um mediador, compareciam conteúdos complexos e não conteúdos
simplificadores ou reducionistas (MEDINA, 1996, p. 12).
Segundo a autora, o processo de trabalho, na Comunicação Social, tem uma
contingência coletiva e, assim, também é, no mínimo, trialógico. Das relações
interativas entre o complexo empresa de comunicação-redação-editoria depende
uma mediação social “mais ou menos competente” (MEDINA, 1996, p. 21). Já da
dialética entre o poder centralizado e instâncias de decisão descentralizadas
depende a dinâmica trialética acontecimento social-notícia/mediação/recepção-um
contínuo de realimentação. Isto, conforme a autora, constituiria o legítimo processo
de Comunicação Social.
51
Para Cremilda Medina (1996), um acontecimento, ao virar notícia, liga
virtualmente os protagonistas do fato – as fontes – aos fruidores da notícia –
leitores, telespectadores, ouvintes. Se essa linguagem mediadora abandonar o
virtual e tornar-se comunicação social efetiva, então o fruidor da informação
identifica-se com os sujeitos do acontecimento, vive de novo o acontecido e assume
uma ação histórica, com decisões informadas. Portanto, segundo a autora, “[...] a
demanda social é complexa e ativa e não simplista e passiva como a pintam os
arautos da ditadura da oferta na superada Teoria dos Efeitos” (MEDINA, 1996, p.
13).
A complexidade do processo de mediação social, de acordo com Medina
(1996), é pelo menos trialógica. Do diálogo entre o repórter e a fonte, é preciso
potencializar o triálogo protagonista do fato (fontes)-mediação-recepção (sociedade
que se identifica como sujeito histórico nesses fatos). A autora ressalta que essa
não é uma nova abordagem, pois todos os esquemas clássicos indicam essa tríade.
O que assusta, porém, é a “distância real da efetiva comunicação” (MEDINA, 1996,
p. 21). Conforme a autora, são muitos os estrangulamentos, nesse sentido. Um dos
obstáculos mais significativos seria a atrofia da mediação social da informação,
resultado de indefinições éticas, deficiências técnicas e miserabilidade estética.
Cremilda Medina sustenta, ainda, que a informação social – a notícia, a
mensagem jornalística – sempre recodifica uma apreensão do real imediato,
matéria-prima do fenômeno. Assim, é resultado de um processo decifrador,
cognoscitivo. Ao trabalhar como profissional dessa decifração, então, o jornalista
expressa uma cosmovisão. Para a teórica, essa cosmovisão é decisiva nos
processos de desenvolver uma pauta, observar o real, relacionar-se com fontes de
informação, montar o relato e editá-lo, tendo em vista o interlocutor.
A cosmovisão do mediador social, porém, não pode ser simplificadora. Pelo
contrário: conforme Medina (1996, p. 24), uma longa história dos processos
cognoscitivos assinala a importância de se passar de uma compreensão ingênua de
mundo para uma tentativa, na contemporaneidade, de decifrá-lo na sua complexa
rede de forças. Essa cosmovisão complexa, de acordo com a autora, expressa-se
52
no ato jornalístico por excelência, “[...] quando o mediador capta, se relaciona e
reporta o real presente; se põe a serviço de um projeto de leitura permanente no ato
analítico; e se concretiza no ato expressivo da mensagem mediadora, tendo por
objetivo a linguagem da ampla comunicação” (MEDINA, 1996, p. 31). Assim, ainda
segundo Cremilda Medina, o “comodismo simplificador” das fórmulas de trabalho –
como responder esquematicamente às perguntas do lide – é neutralizado pela
observação e percepção do real, orientadas para a narrativa da complexidade. Ou
seja: ao perceber-se a realidade como complexa, percebe-se também a insuficiência
de apresentá-la por meio de modelos reducionistas, como o lide.
Medina (2006a) afirma também que o jornalista atua como “produtor
responsável de sentidos”, ao promover o fluxo de informações do cotidiano, sendo
efetivamente um mediador social. A autora sugere três elementos para o
Jornalismo: “emoção solidária com o mundo, técnica rigorosa racionalmente
complexa e estética estimulante de criação para a transformação da sociedade”
(MEDINA, in SALVE; BARBOSA, 2006). Segundo Cremilda Medina, jornalistas
devem ser “artesãos da narrativa contemporânea”, e o Jornalismo deve enfatizar “a
arte de tecer o presente”.
O mediador social colhe, cruza e reelabora os sentidos, dos mais
especializados no saber científico aos mais cotidianos que se
vocalizam numa feira livre. Sua curiosidade autoral vai em busca dos
significados que inquietam os parceiros do presente, observa e capta
as múltiplas informações do conflito das verdades, dos dados, das
experiências humanas e, depois, no momento mais angustiante,
elabora uma narrativa. (MEDINA, 2006b).
Para Cremilda Medina (1991, apud VIEIRA, 2005), ainda, o jornalista
contemporâneo não pode mais ser considerado o “tradicional autor-liberal ou
neoliberal detentor da iniciativa e força motriz da produção de sentidos”. Isto deve
ser levado em conta em toda produção cultural ou simbólica, mas o jornalista, como
mediador-produtor de sentidos, precisa, realmente, de uma maior preparação e
sensibilização. O jornalista, para Cremilda Medina (apud SALVE; BARBOSA, 2006),
deve ser “autor-mediador da contemporaneidade”.
53
Depois de expor as idéias de vários teóricos sobre Jornalismo, cito, para
encerrar, ainda outro: Clóvis Rossi. O jornalista, no livro “O que é Jornalismo” – obra
que representa, geralmente, a primeira leitura de estudantes de Jornalismo sobre o
tema –, sentencia:
Jornalismo, independentemente de qualquer definição acadêmica, é
uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de
seus alvos: leitores, telespectadores ou ouvintes. Uma batalha
geralmente sutil e que usa uma arma de aparência extremamente
inofensiva: a palavra, acrescida, no caso da televisão, de imagens.
Mas uma batalha nem por isso menos importante do ponto de vista
político e social, [...]. (ROSSI, 2000, p. 7).
O aprofundamento do conceito do Jornalismo e os esforços de definição
levaram ao surgimento de classificações, como a relativa aos gêneros jornalísticos.
Essas, porém têm sido questionadas, em estudos contemporâneos de Jornalismo.
Apresento, no capítulo, a seguir, as abordagens que contribuem para essa
discussão.
54
5 A OPINIÃO NO JORNALISMO: UMA DISCUSSÃO
No século 20, leva-se à total sofisticação o Jornalismo de Serviço, o
Noticioso e o Opinativo. Mas este modelo clássico, nascido do
capitalismo e das luzes liberais, desenvolvido com grande eficiência
nos Estados Unidos, aí mesmo é contestado, dinamizado. Isso
ocorreu com maior repercussão no pós-guerra, quando uma
sociedade que se julgava “muito bem informada” se deu conta de
que o conflito mundial a surpreendeu totalmente desinformada.
(MEDINA, 1996, p. 17).
Cito Cremilda Medina para introduzir a abordagem de uma discussão que,
atualmente, acontece nos estudos de Jornalismo: a questão da delimitação de
gêneros jornalísticos. Esses são três, conforme a visão tradicional: informativo,
interpretativo e opinativo. Alguns teóricos contemporâneos – entre eles, a própria
Cremilda Medina –, no entanto, questionam esta divisão. O que tais autores
afirmam, de modo geral, é que informação, interpretação e opinião não são tão
dissociáveis quanto se imagina.
Primeiramente, porém, acredito ser importante apresentar algumas definições
de “Jornalismo Opinativo”, a fim de contextualizar o universo de significação em que
esse conceito se forjou.
Os autores Mário Erbolato e José Marques de Melo, por exemplo, têm
conceitos bastante objetivos para esse ‘gênero’ de jornalismo. Erbolato (2001)
define jornalismo opinativo como aquele que comenta um fato ou decisão, e, nisto,
expõe o pensamento da própria empresa jornalística. Segundo o autor, a opinião
fornece idéias a respeito dos fatos, apoiadas em conclusões pessoais.
José Marques de Melo, por sua vez, é autor de uma publicação de referência
sobre o tema: “A opinião no jornalismo brasileiro”. Trata-se de um texto clássico
sobre o assunto, no Brasil. Durante o “caminho” que percorre em seu estudo sobre a
opinião no jornalismo brasileiro, Marques de Melo (1994) baseia-se no norteamericano Raymond Nixon, para explicar que o jornalismo opinativo é aquele que
55
[...] reage diante das notícias, difundindo opiniões, seja as opiniões
próprias, seja as que lê, ouve ou vê. Nesse sentido assemelha-se à
instituição do Fórum na Grécia Antiga, atuando como conselheira,
como formadora de opinião. (MARQUES DE MELO, 1994, p. 28).
De acordo com José Marques de Melo (1994), entrariam, na categoria
jornalismo opinativo, textos como editoriais, comentários, artigos, resenhas, colunas,
crônicas, caricaturas e até mesmo cartas. O teórico afirma que quem iniciou a
classificação dos gêneros jornalísticos, já no início do século XVIII, foi o editor inglês
Samuel Buckley, ao decidir pela separação entre news e comments, no jornal Daily
Courant.
Marques de Melo (1994) observa, também, que a diferenciação entre as
categorias jornalismo informativo e jornalismo opinativo, historicamente, emergiu da
necessidade sóciopolítica de distinguir os fatos das versões que se tem acerca
deles. Surgiu, portanto, da necessidade de delimitar os textos que continham
opiniões explícitas. Sobre essa classificação do jornalismo em informativo e
opinativo, o teórico comenta:
[...] essa distinção entre a categoria informativa e a opinativa
corresponde a um artifício profissional e também político. Profissional
no sentido contemporâneo, significando o limite em que o jornalista
se move, circulando entre o dever de informar (registrando
honestamente o que observa) e o poder de opinar, que constitui uma
concessão que lhe é facultada ou não pela instituição em que atua.
(MARQUES DE MELO, 1994, p. 23-24).
Toni André Scharlau Vieira também já pesquisou sobre a questão dos
gêneros jornalísticos. No artigo “O espaço opinativo na televisão brasileira”, Vieira
(2005) explica que “opinião” vem do latim opinari, que significa “dar uma
interpretação”. A opinião, contudo, depende do sistema de valores em função do
qual nos pronunciamos. Conforme o autor, ela se funda sobre impressões,
sentimentos e crenças – ou seja, é de ordem subjetiva. Vieira (2005) ainda
apresenta algumas considerações de filósofos sobre o tema:
56
Entre os filósofos, a opinião sempre foi vista com reserva. Sócrates
referiu-se a ela para Platão: “... a opinião verdadeira e o
conhecimento são coisas bem distintas (...)". Para Espinosa, ela é
"... sujeita ao erro e nunca existe em relação a algo do qual estamos
certos, mas em relação ao qual dizemos conjecturar ou supor."
Adorno escreveu que "... a opinião apropria-se daquilo que o
conhecimento não pode alcançar, substituindo-o". Sua utilização se
torna confortável porque "... oferece explicações graças às quais
podemos organizar sem contradição a realidade contraditória".
(VIEIRA, 2005).
Vieira (2005) cita, também, o autor Luiz Beltrão, para quem opinião seria uma
“[...] função psicológica, pela qual o ser humano, informado de idéias, fatos ou
situações conflitantes, exprime a respeito o seu juízo” (BELTRÃO, 1980, apud
VIEIRA, 2005).
Conforme Vieira (2005), a idéia de opinião aproxima-se à de conhecimento.
Mesmo quem não domina um determinado assunto, segundo o autor, pode dar uma
opinião a respeito. Vieira afirma que a diferença entre conhecimento e opinião
residiria na concepção de que o primeiro seria uma afirmação executiva, e a
segunda, uma probabilidade.
O autor cita, ainda, o pensador Emmanuel Kant, para quem a idéia de opinião
liga-se ao fato de se estar ou não convicto de algo. Kant (apud VIEIRA, 2005)
sustenta que considerar algo como verdadeiro é uma atividade do entendimento de
cada indivíduo, que, mesmo contando com fundamentos objetivos, necessita de
análises subjetivas. Vieira recorre, também, ao autor Francisco Gaudêncio Torquato
do Rego, para afirmar que o principal aspecto que identificaria o jornalismo opinativo
é “o emprego do juízo de valor, do julgamento, que pode, inclusive, influenciar
condutas” (VIEIRA, 2005).
De acordo com Vieira (2005), é no espaço da opinião que os jornalistas
tornam-se conhecidos, o que ocorre em grau menor com os repórteres ou com
aqueles que cobrem fatos corriqueiros. Essa tendência, conforme o autor, pode ser
percebida desde as primeiras manifestações de opinião no jornalismo – tanto que,
57
por muito tempo, convencionou-se denominar esta prática de “jornalismo de tribuna”
(VIEIRA, 2005).
Vieira (2005) refere que a opinião, ou o jornalismo opinativo, destacou-se
como uma das primeiras categorias de jornalismo. Segundo ele, já nas primeiras
experiências jornalísticas – que aconteceram aproximadamente um século depois
da invenção dos tipos móveis, na Alemanha, em 1450 –, identifica-se o espaço
opinativo nos veículos de comunicação. O que se pode considerar “opinião
jornalística”, conforme o autor, teria se estruturado a partir de 1830. Vieira
acrescenta que a tendência opinativa já era observável nas primeiras publicações
de que se tem notícia, como as Actas Diurnas, dos romanos – que começaram a ser
veiculadas em 69 a.C., no governo de Júlio César (LIMA, 1989) –, e os chamados
Corantos – que circularam na Inglaterra e em outros países europeus, no século
XVII. Naquele tempo, “Os meios de comunicação já oscilavam entre o jornalismo de
serviço e a prática da tribuna de opinião” (VIEIRA, 2005).
Hoje, ainda há espaços bem delimitados à opinião e à informação, nas
principais publicações jornalísticas. As definições de gênero no jornalismo, porém,
como já mencionado, estão sendo avaliadas criticamente. A idéia de alguns autores
é a de que não há fronteiras tão rígidas entre informação, interpretação e opinião,
no Jornalismo. O autor Manuel Carlos Chaparro (2006), por exemplo, já se
manifestou sobre essa questão. No artigo “Opinião x Informação: uma fraude
teórica”, Chaparro critica a ‘clássica’ concepção de que o jornalismo divide-se em
opinião e informação. Segundo o autor, informação e opinião não estão em campos
distintos. Pelo contrário: misturam-se e interagem.
Para Chaparro, isto pode ser verificado em vários espaços dos jornais. Títulos
como “Governo Lula estimula cisão, diz historiador” (Folha de São Paulo)
demonstram, segundo o autor, que não existem espaços “exclusivos ou
excludentes” para a informação e para a opinião, até porque isto seria impossível,
“tanto na dimensão do conhecimento quanto no plano dos mecanismos de
linguagem” (CHAPARRO, 2006). Classificar os ‘tipos’ de jornalismo em informativo,
interpretativo e opinativo e dividir o espaço dos jornais em páginas de informação e
páginas de opinião são visões equivocadas, de acordo com Chaparro.
58
Em seu artigo, Chaparro sustenta que não é possível negar a subjetividade e
a intervenção opinativa na informação, pois qualquer bom jornalista ou redação, ao
relatar o que acontece, pensa e faz escolhas com sua capacidade própria e
sofisticada. Do mesmo modo, é impossível comentar algum fato sem o suporte do
próprio fato e da informação precisa. “O jornalismo se organiza, isso sim, em
esquemas de narração e argumentação – ambos construídos com ajuizamentos,
pontos de vista e informações” (CHAPARRO, 2006).
Toni André Scharlau Vieira (2005) também vai na mesma direção de
Chaparro. Ele ressalva que há pouca bibliografia sobre a questão dos gêneros
jornalísticos, em especial. Indica, porém, que a idéia de divisão da produção
jornalística por gêneros não é observada ou ainda considerada, “nem mesmo pelos
principais veículos de comunicação na sua organização interna” (VIEIRA, 2005).
Alguns autores, conforme Vieira (2005), afirmam que a opinião se faz presente no
próprio ato de seleção e interpretação das informações.
Vieira (2005) afirma, ainda, que não vê claramente a formulação de um
conceito de opinião no jornalismo. Conforme o autor, há formulações que tentam se
aproximar de uma conceituação. Essas, contudo, na maioria das vezes, não passam
de tentativas de formatação do fazer jornalístico. Um exemplo são os Manuais de
Redação.
Em relação aos limites do espaço opinativo, as regras não são claras,
segundo Vieira (2005). Os Manuais de Redação, de modo geral, determinam que o
conteúdo dos artigos e editoriais deve estar ligado ao noticiário do veículo, mas
outros temas não são proibidos. O autor traz uma definição do manual de O Globo,
que
pode
resumir
uma
provável
regra
entre
veículos
de
comunicação,
especialmente impressos: "A opinião pode ser manifestada de forma leve, irônica
ou séria, seca; mas lhe é proibido ser pomposa ou solene" (grifo meu) (GARCIA,
1992, apud VIEIRA, 2005). Segundo Vieira, trata-se de uma tarefa difícil de ser
realizada, já que nem sempre os articulistas e editorialistas conseguem fugir da
pompa inerente a quase todo texto opinativo.
59
De acordo com o autor, ainda, o pressuposto de que o jornalista é um líder de
opinião nato e, assim, sempre apto a opinar é muito difundido. Vieira (2005) lembra
Luiz Beltrão, para quem opinar não era apenas um direito, mas um dever de todo
jornalista.
Na obra “Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e
industrial”, Cremilda Medina (1988) também tece algumas considerações sobre a
questão dos gêneros no jornalismo. A autora abre o capítulo “Informação,
Informação Ampliada e Opinião” afirmando: “A maior parte das tentativas de
classificação da mensagem jornalística parte da ordenação expressa nas próprias
páginas de jornal” (MEDINA, 1988, p. 67). Nesse sentido, é possível depreender que
a delimitação dos gêneros jornalísticos ocorre, literalmente, mais “no papel” do que
na
realidade.
Há,
nos jornais, divisão dos conteúdos entre informação,
análise/interpretação e opinião, mas, na verdade, cada texto jornalístico, em tese,
traz um pouco de opinião, de interpretação e de opinião.
Cremilda Medina não entra no mérito da classificação, que é “descritiva de
setores, muito imediata e superável na medida em que os jornais prestam novos
serviços de informação/distração” (MEDINA, 1988, p. 67). Segundo a autora, as
classificações normalmente se abalam, quando precisam justificar em novos
esquemas o “binômio interesse significação” (MEDINA, 1988, p. 68), que determina
a seleção dos fatos.
Para Medina (1988), à ampliação da notícia, corresponde a interpretação21. A
opinião – “velha categoria, primeira em escala histórica” (MEDINA, 1988, p. 70) –,
por sua vez, representa o fato comentado e avaliado numa argumentação
demonstrativa. Chega-se, assim, conforme a autora, a um “quadro de tendências”.
Segundo Cremilda Medina (1988, p. 70), mais adequado do que Jornalismo
21
Cremilda Medina (1988) relata o interessante surgimento do chamado jornalismo interpretativo. A
tendência apareceu após a I Guerra Mundial (1914-1918), quando a quantidade de informações
(notícias) não satisfez mais o público. Jornalistas, então, ao examinar o produto de seus trabalhos e
as necessidades de seus leitores, chegaram à conclusão de que ‘faltava algo’. Em 1923, dois jovens
jornalistas norte-americanos fundaram a Time Magazine, com o objetivo de oferecer uma nova
dimensão das notícias: os antecedentes, as significações indiretas e o contexto do fato (MEDINA,
1988).
60
Informativo, Jornalismo Interpretativo e Jornalismo Opinativo seria “informação,
informação ampliada e opinião expressa”.
Nos jornais, a opinião, de acordo com a autora, manifesta-se expressamente
em páginas editoriais, setor de variedades – cinema, artes plásticas, teatro e
televisão – e no esporte. Neste último, para Medina (1988, p. 71), “opinião e notícia
nunca estiveram tão entrelaçados. Parece até que o repórter de esporte jamais foi
pressionado pela famosa ‘objetividade’...”.
A temática dos gêneros no jornalismo não é o foco de Cremilda Medina, no
livro “Notícia, um produto à venda”. A autora, porém, faz esses comentários,
incitando uma reflexão a respeito. Na obra “Povo e personagem”, já citada, Medina
(1996) refere novamente que, na contemporaneidade, é possível identificar uma
conjugação entre os gêneros jornalísticos e a ascensão do chamado Jornalismo de
Autor:
Mais recentemente, anos 80, já se visualiza a culminância da tríade
contemporânea que pretende uma grande síntese de Jornalismo
Opinativo e Jornalismo Interpretativo. São novamente os norteamericanos, paradigmáticos no que diz respeito ao fenômeno no
século 20, que estão conceituando a prática denominada de
Jornalismo de Autor. Um jornalista maduro (trialético) capaz de
investigar a fundo (pela reportagem, não pelo juízo de valor
apriorístico) um fato social, percorre um processo cognoscitivo
perante o real e forma uma linha de interpretação que costura as
diferentes forças que atuam sobre o fato. Claro, a representação
simbólica expressa no relato que fizer para a imprensa, rádio ou
televisão, terá o estilo do autor. Uma síntese harmônica da tríade
clássica e da tríade contemporânea. (MEDINA, 1996, p. 18).
A nota a seguir, publicada na revista Bravo! de junho de 2004, é um exemplo
evidente de texto jornalístico em que informação e opinião apresentam-se juntas,
sem delimitações:
61
Figura 4: Nota da revista Bravo! sobre peça de Marília Pêra
Fonte: DEL RIOS, 2004, p. 108
Publicado na seção de notas sobre Teatro da revista – a princípio, um espaço
para conteúdos informativos –, o texto traz informação e opinião ao mesmo tempo,
de um modo bastante natural. A opinião já se faz presente no título: o autor da nota
chama a atriz Marília Pêra de “mito”. No primeiro parágrafo, abre com uma
informação – “Marília Pêra volta ao teatro com Mademoiselle Chanel” –, para, em
seguida, acrescentar uma opinião – “essa fulgurante atriz”. Isso se repete no
segundo parágrafo: à opinião sobre o trabalho da atriz – “Marília pode tudo em
teatro” –, seguem informações sobre onde e quando assistir à peça – “Mademoiselle
Chanel está em cartaz no Teatro Faap [...], Sex., às 21h [...]”. Essas informações e
opiniões compõem um todo harmonioso, que não causa estranhamento no leitor.
A flexibilização das fronteiras entre informação e opinião é uma tendência
sólida no jornalismo contemporâneo, a meu ver. No jornalismo cultural feito hoje –
do qual a revista Bravo! é representante –, especialmente, vislumbro essa tendência
de um modo bastante claro.
62
Nos textos dos colunistas analisados nesta monografia – Arnaldo Jabor,
Diogo Mainardi e Luis Fernando Verissimo –, informação, interpretação e opinião
também andam juntas. Os três autores carregam de opiniões e de impressões
pessoais a maioria dos textos que escrevem, mas, nesses, também apresentam
informações e análises sobre o fato que estão comentando. Verissimo, por exemplo,
no seu espaço no jornal Zero Hora do dia seis de fevereiro de 2006, publicou texto
intitulado “Hipocrisia aguda e crônica”, em que explica e comenta a chamada
“verticalização”, imposta – e depois, abolida – às alianças políticas para as Eleições
2006. No começo da coluna, o autor informa o que é verticalização, ao mesmo
tempo em que apresenta uma opinião a respeito: “’Verticalização’ foi uma má
escolha de nome para a lei que obrigava as alianças eleitorais a serem coerentes,
nos estados como na União” (VERISSIMO, 2006c, p. 3). Depois, então, emite
opiniões claras sobre a revogação da lei: “Quando derrubaram a verticalização foi
como se legitimassem a falta de caráter. Deram licença aos políticos para
embaralhar tudo de novo, a começar pela cabeça do eleitor” (VERISSIMO, 2006c, p.
3).
63
6 A IRONIA NA IMPRENSA
Depois de tudo o que foi exposto neste trabalho, é possível depreender que a
ironia pode ser uma “estratégia de sobrevivência”. O autor Hilário Dick (1972, p. 258)
vai nessa direção: “A ironia é um dos vários recursos utilizáveis por um orador em
determinadas circunstâncias desfavoráveis”.
Algumas experiências jornalísticas são uma prova de que a ironia e o humor
podem, realmente, constituir um modo de ‘driblar’ as adversidades. No Brasil, o
célebre semanário O Pasquim, ícone da chamada ‘imprensa alternativa’ –
publicações que, na época, faziam crítica ferrenha à Ditadura Militar (1964-1985) –,
tinha a ironia como uma de suas mais fortes características, num período em que a
censura era implacável com os veículos de comunicação e com as obras artísticas.
Além do estilo mordaz e bem-humorado, o hebdomadário inovou, no que diz
respeito ao emprego de uma linguagem mais “solta” e a uma forma mais inventiva
de fazer jornalismo, no Brasil. O Pasquim marcou época e influenciou sobremaneira
a produção jornalística que veio depois.
O periódico carioca, porém, não foi o único a trazer ironia em suas páginas.
Outros jornais e revistas brasileiros também abrigaram (e continuam abrigando)
diversos colunistas, cronistas e ensaístas de estilo sarcástico e humorístico. Desses,
quatro têm destaque absoluto: Nelson Rodrigues, Paulo Francis, Millôr Fernandes e
Ivan Lessa. Os dois primeiros, já falecidos, foram, cada um à sua maneira, grandes
provocadores. Os outros dois, por sua vez, representam a crítica arguta e bemhumorada, em que os fatos são tratados com ironia e perspicácia.
64
6.1 O Pasquim: apesar dos pesares22
Brasil, final da década de 1960. A Ditadura Militar, instaurada pelo golpe de
1964, marcava-se, na esfera política, pelo autoritarismo, repressão à oposição,
cerceamento das liberdades individuais e imposição de censura prévia aos meios de
comunicação. No campo econômico, caracterizava-se por uma rápida diversificação
e modernização das indústrias e dos serviços, ancorada por mecanismos de
concentração de renda e endividamento externo. Na área da cultura, surgiam novos
artistas e movimentos renovadores, que, de certo modo, também contestavam a
situação imposta pelo regime. Exemplos são as peças do Teatro de Arena – como
“Arena conta Zumbi” e “Arena conta Tiradentes” –, o Tropicalismo, a literatura de
Antônio Callado e as obras do artista plástico Hélio Oiticica (BUENO, 1998).
Nesse contexto, um grupo de inquietos jornalistas, cartunistas e humoristas
do Rio de Janeiro – formado, entre outros, por Millôr Fernandes, Paulo Francis,
Ziraldo, Jaguar, Sérgio Cabral, Tarso de Castro e Luiz Carlos Maciel – fundou o
jornal O Pasquim. No livro “O Pasquim e os anos 70: mais pra epa que pra oba...”, o
autor José Luiz Braga (1991) conta que o projeto surgiu no final de 1968, a partir de
conversas entre Jaguar, Tarso, Sérgio e Maciel, em mesas de bar da capital
fluminense. Eles buscavam uma opção para substituir o semanário de humor A
Carapuça, dirigido por Sérgio Porto (famoso Stanislaw Ponte Preta). Após a morte
de Porto, Tarso fora convidado para formar um grupo e continuar os trabalhos
daquele periódico. Jaguar, contudo, não gostou da idéia e propôs lançar outro jornal,
totalmente diferente.
O nome, sugestão de Jaguar, fazia uma auto-ironia. “Pasquim” vinha do
italiano pasquino e significava “sátira afixada em lugar público, folheto difamador”
(BRAGA, 1991, p. 39). O jornal, porém, acabou depois dando uma conotação
positiva ao termo. A redação foi, então, instalada nos locais cedidos pela
65
Distribuidora Imprensa, no bairro da Lapa. Jaguar tornou-se editor de humor, Sérgio
Cabral, editor de texto, e Carlos Prósperi atuava como editor gráfico. Tarso de
Castro era o diretor, mas Braga (1991) revela que, na verdade, as decisões
editoriais de O Pasquim eram tomadas nos bares, “em patota” (para usar uma gíria
da época). Luiz Carlos Maciel (apud BRAGA, 1991, p. 25-26) viria, depois, a
confirmar: “se as más línguas dizem que o Pasquim nasceu numa mesa de bar, eu
pelo menos não tenho nenhuma autoridade para desmentir”.
O Pasquim era muito ilustrado e de leitura fácil. Os textos eram contínuos
(sem a indicação “continua na página...”), relativamente breves e quase sempre
humorísticos. As entrevistas eram destaque no jornal. Consistiam em conversas de
caráter pessoal, com artistas de Ipanema. Como diz Braga (1991), não eram
entrevistas ‘de atualidade’, mas de impressões.
O que caracteriza o projeto são proposições bem simples: trata-se
de fazer humor, e de utilizar o charme de Ipanema, bairro que reúne
na época o maior número de intelectuais e artistas do Rio de Janeiro
– músicos, atores, desenhistas, autores teatrais, escritores. [...]
Trata-se também de criticar, ao nível da galhofa, a simploriedade de
uma classe média atrasadona. Em suma, como diz Ziraldo (Folhetim,
31/12/79), um jornal de crítica de costumes. (BRAGA, 1991, p. 2425).
O número 1 foi publicado no dia 26 de junho de 1969. Conforme Braga
(1991), Jaguar queria uma tiragem de dez mil exemplares. Os outros integrantes da
equipe, mais otimistas, decidiram por 20 mil. A primeira edição esgotou-se nas
bancas.
22
O Pasquim costumava publicar, na primeira página, frases ou expressões que traduziam o espírito
da edição. Esta foi a frase de capa do número 74, quando grande parte da equipe havia sido presa
pelos militares (BRAGA, 1991).
66
Figura 5: Capa do primeiro número de O Pasquim
Fonte: O PASQUIM, 2006
O primeiro número de O Pasquim apresentou uma carta de Millôr Fernandes
a Jaguar e ao grupo, intitulada “Independente, é? Vocês me matam de rir”
(FERNANDES, 1977, p. 13). Nessa, Millôr comentou as pressões que sofreu na sua
liberdade de pensar, antes e depois do Golpe de 1964. No final do texto, diz: “Se
essa revista for mesmo independente não dura três meses. Se durar três meses,
não é independente. Longa vida a essa revista!”. Há, ainda, um P.S.: “Não se
esqueça daquilo que eu te disse: nós, os humoristas, temos bastante importância
pra ser presos e nenhuma pra ser soltos” (FERNANDES, 1977, p. 15).
Inicialmente, o semanário não tinha a política como tema central. As pautas,
em sua maioria, tratavam de teatro, música, cinema, futebol, sexo, drogas,
psicanálise, feminismo e outros assuntos de cunho mais ‘existencialista’. Os temas
de costumes, segundo Braga (1991), eram os mais fortes, no jornal. Fazia-se
apologia à liberdade sexual e crítica aos preconceitos da sociedade23. Havia artigos
23
Braga (1991, p. 26) lembra de um artigo de Martha Alencar – uma das primeiras colaboradoras do
Pasquim –, em que a jornalista “defende o direito de a mulher tomar cafezinho no balcão sem ser
incomodada (eram esses tempos!).” No número 314, a frase de capa dizia respeito ao feminismo:
“Pasquim – um jornal ao lado da mulher. E, se for o caso, sobre e sob”; e, no número 350, ao
67
de autor (colunas), frases-lema, entrevistas, dicas, textos de leitores, cartuns,
ilustrações e fotografias. O Pasquim também lançou alguns termos novos. Como os
pudores da época não permitiam o uso de palavrões na imprensa, Ziraldo inventou o
‘palanovrão’. Exemplos são ‘duca’, para designar uma coisa legal, e ‘sifu’, para
indicar que algo fracassou. Essa é outra característica do jornal: como não se podia
falar abertamente, deixava-se implícito. Muita coisa, assim, escapava aos censores
(BRAGA, 1991).
Conforme Braga (1991), o periódico “gozava” os grandes temas da imprensa,
fazendo uma revisão humorística e irônica do noticiário apresentado diariamente. O
Pasquim falava de tudo, inclusive de si mesmo, como nas célebres frases de capa.
As frases eram comentários do tipo “Pasquim – ame-o ou deixe-o” (em alusão a um
dos lemas da Ditadura). Além disso, os jornalistas mandavam recados entre si, por
meio das matérias, e citavam uns aos outros.
O grupo básico do jornal era composto por Tarso, Millôr, Ziraldo, Francis (a
partir do número 6), Claudius, Jaguar, Sérgio Cabral, Prósperi, Luiz Carlos Maciel,
Fortuna, Sérgio Augusto (estréia no número 9), Henfil e Ivan Lessa (a partir do
número 27, de Londres). Personalidades da cultura brasileira também colaboravam,
como Ferreira Gullar, Odette Lara, Vinícius de Moraes e Glauber Rocha. Cada artigo
era redigido à maneira de seu autor. Este escolhia o tema, o tom e o estilo do texto.
Nas entrevistas, também figuravam nomes de destaque, como Paulo Autran,
Ibrahim Sued, Caetano Veloso, Tom Jobim, Tônia Carrero e Grande Otelo (BRAGA,
1991).
As frases de capa funcionavam como verdadeiros editoriais, na opinião de
Braga (1991). “Não menos séria por ser humorística, nem menos engraçada por ser
séria” (BRAGA, 1991, p. 32), cada frase era uma redefinição do jornal, de sua
posição perante o que acontecia. Alguns exemplos:
Número 1 – Aos amigos, tudo; aos inimigos, justiça.
homossexualismo: “Um jornal heterossexual pouco convicto” – resposta ao clichê ‘sou heterossexual
convicto’ (BRAGA, 1991, p. 143).
68
Número 10 – Somos contra tudo o que a gente pode ser contra.
Número 12 – Se vocês acham que o Pasquim está ótimo, saibam que ainda
estamos dando o pior de nós mesmos.
Número 45 – O Pasquim – um jornal de oposição ao governo grego.
Número 56 – Se alguém pensa que o Pasquim se atemoriza com ameaças e
pressões, pode tomar nota de uma coisa: é verdade. (BRAGA, 1991, p. 31-32).
Braga (1991, p. 8) ressalta que a linguagem coloquial e direta, inspirada nas
ruas, e o vigor e a emoção misturados à pilhéria com que os temas eram abordados
fizeram subir a cotação do Pasquim, surgido de uma atitude que “ironicamente se
queria inconseqüente, ou que pelo menos não tinha consciência de seu potencial de
fogo”. Segundo o autor, com o talento humorístico e jornalístico dos colaboradores,
a aura de Ipanema, a crítica aos costumes, as entrevistas com artistas, a
renovadora linguagem jornalística, a diagramação agradável e a ausência de outros
produtos que atraíssem o consumidor intelectual, o tablóide tinha mesmo de fazer
sucesso. A tiragem pulou dos 20 mil exemplares iniciais para 80 mil, já no número
16. No número 22, quando foi publicada a famosa entrevista com a atriz Leila
Diniz24, foram 117 mil exemplares. A tiragem estabilizou-se em cerca de 200 mil,
por volta do número 27 (BRAGA, 1991).
A chamada imprensa alternativa, a propósito, chegou a ter, no período militar,
tiragens de mais de 100 mil exemplares semanais. Havia cerca de 42 veículos
desse tipo. Os principais jornais dessa corrente, além de O Pasquim, foram O Sol25,
lançado em 1967, Opinião, em 1972, e Movimento, em 1975 (CRONOLOGIA...,
2002).
Carvalho (in BRAGA, 1991, p. 9) comenta que O Pasquim representava o
charme novo da irreverência contra a caretice, e depois, “de par com a fossa da
24
Nesta entrevista, a atriz mostrou-se uma mulher bastante independente e avançada, para os
padrões da época. Além de expressar várias opiniões polêmicas, Leila ainda falou uma série de
palavrões. Como O Pasquim não fazia copidesque das entrevistas – a equipe pensava que era mais
interessante deixar a escrita “do jeito que se fala” –, os palavrões foram substituídos por asteriscos (*).
Tal estilo de entrevista marcou época e renovou o trabalho jornalístico no Brasil (BRAGA, 1991).
25
Este periódico foi eternizado pelo compositor Caetano Veloso, na canção Alegria, alegria: “O Sol
nas bancas de revista/ Me enche de alegria e preguiça/ Quem lê tanta notícia?”. Em 2006, foi lançado
69
frustração política”, passou a representar também “o charme dos iconoclastas num
‘carnaval’ de chistes e ironia perigosamente observado das arquibancadas da
ditadura”. No início mais voltado para a crítica de costumes, O Pasquim foi-se
politizando, à medida que a Ditadura, após o Ato-Institucional n.º 5, intensificava a
repressão.
Em novembro de 1970, Ziraldo, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel, Tarso de
Castro, Paulo Garcez (fotógrafo) e Haroldinho (ajudante da equipe) foram presos, às
vésperas do número 72. Nesse número, aparecia o célebre cartum sobre a tela do
pintor Pedro Américo, em que D. Pedro I, às margens do Ipiranga, proclama a
independência do Brasil. Ziraldo acrescentara um balão à imagem, fazendo D.
Pedro gritar “Eu quero mocotó!”. Os militares consideraram o ato uma ofensa a um
‘símbolo da pátria’ (BRAGA, 1991).
o documentário “O Sol – Caminhando contra o vento”, dirigido por Tetê Moraes e Martha Alencar, excolaboradora do Pasquim e editora de Cultura de O Sol.
70
Figura 6: Cartum produzido por Ziraldo, sobre tela de Pedro Américo
Fonte: PINHEIRO, 2006
Sérgio Cabral e Jaguar foram à delegacia, na tentativa de resolver o
problema. Acabaram sendo encarcerados também. A equipe ficou presa até
fevereiro de 1971. Nesse período, Millôr Fernandes, que havia escapado à prisão,
assumiu a direção do Pasquim. O semanário referiu-se ao episódio como “o surto de
gripe que numa verdadeira reação em cadeia assolou a equipe do jornal” (apud
BRAGA, 1991, p. 37). As frases de capa, com ironia, também davam conta da
situação:
Número 75 – Uma coisa é certa: lá dentro deve estar mais engraçado do que
aqui fora.
Número 77 – O Pasquim é a prova: quem comunica se trumbica. (BRAGA,
1991, p. 38).
O provável objetivo dos militares com a prisão, segundo Braga (1991), seria
acabar com O Pasquim. Com a reclusão de grande parte da equipe, esperava-se
que o periódico saísse de circulação e perdesse leitores e anunciantes. Isto, porém,
não aconteceu – ao menos, não imediatamente.
71
A
libertação
dos
colaboradores
foi,
depois,
sendo
reportada
pelo
hebdomadário. A capa do número 79 dava conta de que “os nove do Pasquim são
agora um”, pois Tarso ainda estava na prisão. Já o número 80 publicou, na capa,
foto da equipe, todos usando óculos escuros, com a manchete: “Estes são os
verdadeiros homens sem visão”. Isto porque, de acordo com Braga (1991), eles
haviam percebido a relativa ingenuidade com que tinham analisado o governo,
anteriormente.
Figura 7: Capa do n. 80 de O Pasquim, quando os colaboradores que haviam sido
presos foram libertados
Fonte: RIZZIOLLI, 2006
Com a manchete “Tarso à solta”, no número 81, O Pasquim encerrou o
episódio da prisão.
Do ponto de vista financeiro, no entanto, o semanário não ia bem. A censura
recrudesceu, a tiragem caiu e os anunciantes se retraíram. O Pasquim endividou-se,
e Tarso de Castro, responsabilizado pela desordem administrativa, deixou o jornal.
A equipe, então, foi sofrendo sucessivas mudanças, durante a década de 1970.
Depois de Tarso, Sérgio Cabral tornou-se diretor, seguido por Jaguar, Henfil e Millôr.
Ivan Lessa e Sérgio Augusto viraram editores.
Mesmo com a censura e as dificuldades administrativo-financeiras, O
Pasquim manteve a verve humorística e crítica. Em 1971, quando os governadores
72
de Estado foram nomeados pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, o periódico
ironizou: apresentou, na capa do número 101, a chamada “ELEIÇÃO”, bem grande,
e a complementação “na Academia Brasileira de Letras”, bem pequena. As frases
de capa também davam conta da situação:
Número 90 – Na terra de cego quem lê o Pasquim é rei.
Número 116 – Pensando bem, é melhor não pensar bem. (BRAGA, 1991, p.
49)
No ano de 1972, o Secretário de Obras do Rio de Janeiro concedeu uma
entrevista ao Pasquim. A frase-lema da edição resumiu o assunto: “Rio, mas é de
chorar” (apud BRAGA, 1991, p. 53). Em 1973, o semanário tratou do caso
Watergate, nos Estados Unidos, com muita ironia. O Pasquim dizia estar alegre, por
enfim haver um presidente que podia ser criticado e que iria renunciar, devido a
denúncias feitas pela imprensa (BRAGA, 1991, p. 52).
Dois anos depois, às vésperas do lançamento do número 300, a censura
prévia à imprensa foi suspensa pelo governo federal. Aproveitando a situação, Millôr
Fernandes, então diretor do Pasquim, publicou um editorial intitulado “Sem censura”,
em que tratou da admoestação da imprensa (FERNANDES, 1977, p. 184). Além
disso, nessa mesma edição, o jornalista cunhou a frase de capa que, depois, ficou
célebre: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados” (apud
BRAGA, 1991, p. 61). O resultado, infelizmente, não pôde ser outro: o jornal foi
apreendido. Millôr, que já estava cansado do Pasquim, segundo Braga (1991),
acabou saindo. Jaguar assumiu novamente a direção.
Mas se o jornal é político nas entrelinhas, não deixa de ser em
substância um jornal de crítica de costumes. Ou melhor: o Pasquim
continua sendo, como antes, de costumes. Mas agora já está bem
consciente da continuidade entre o comportamento quotidiano das
pessoas e grupos sociais e o fato político. É no manejo dessas duas
dimensões do social que o tablóide constrói o seu espaço
jornalístico, trabalhando a primeira para referir a segunda. (BRAGA,
1991, p. 53).
73
Em 1979, o último presidente do ciclo dos militares, João Figueiredo, tomou
26
posse, prometendo ampliar a abertura política , iniciada pelo presidente anterior,
Ernesto Geisel. A ditadura estava chegando ao fim. O Pasquim, dez anos após seu
lançamento, seguia atuando, mesmo sem o vigor e a equipe de outrora. Sérgio
Cabral saiu em 1972; Millôr, em 1975; e Paulo Francis, em 1976. Na passagem dos
anos 1970 para os 1980, a importância do hebdomadário foi decaindo, devido à
abertura política. Essa permitiu à grande imprensa explorar temas até então
exclusivos do Pasquim. Outro motivo para a retração do público do periódico foi a
série de atentados em bancas de jornal, promovidos pela chamada “linha-dura” do
regime militar, contrária à abertura. Temendo represálias, muitas bancas decidiram
não vender mais publicações de oposição.
Graças ao trabalho de Jaguar – o único do grupo original que permaneceu no
semanário –, O Pasquim, contudo, conseguiu atravessar a década de 1980. A
ditadura havia terminado, e o Brasil, retornado às liberdades democráticas. O jornal,
porém, não se sustentava mais. A situação do país era outra, assim como a equipe
do periódico, e os anunciantes foram saindo em peso. Em 1991, O Pasquim
acabou. A última edição, de número 1072, foi publicada no dia 11 de novembro
daquele ano (O PASQUIM, 2006).
Uma década depois, em 19 de fevereiro de 2002, Ziraldo e seu irmão, Zélio
Alves Pinto, lançaram uma nova versão do Pasquim. O jornal, denominado O
Pasquim21 (em alusão ao novo século), propunha-se a analisar crítica e
contundentemente os fatos do noticiário, para oferecer “um outro olhar” aos leitores
(CARDOSO, 2006). O estilo da publicação também era bem-humorado e irônico,
como o Pasquim antigo. A capa do primeiro número trazia a manchete “A musa do
verão & o verão dos candidatos”, amparada num cartum da então candidata favorita
à Presidência da República, Roseana Sarney, com um bigode como o de seu pai, o
ex-presidente José Sarney. Nessa primeira edição, Ziraldo comentou: “Agora que
estamos lançando um jornal com o mesmo nome do Pasquim, sabemos que não é a
26
Com a abertura política “lenta, gradual e segura”, proposta em 1974 pelo presidente Ernesto Geisel,
começou o ‘princípio do fim’ da ditadura. A oposição fortaleceu-se, a censura prévia à imprensa foi
suspensa e o AI-5, revogado em 1978. No final dos anos 1970, com a Anistia, exilados políticos
74
continuação do antigo, porque o tempo é outro. Não existe continuação com trinta
anos de diferença, a história não se repete” (ZIRALDO, 2006).
O novo veículo, porém, não teve vida muito longa. Mesmo contando com
alguns antigos colaboradores do Pasquim, como Sérgio Augusto e Luis Fernando
Verissimo, o periódico terminou em julho de 2004 (O PASQUIM, 2006). Na capa do
último número, um cartum de Leonel Brizola, por ocasião da morte do político.
O fracasso do Pasquim21, segundo Borges (2006), não se deveu, apenas, à
falta de anunciantes. Os problemas foram, também, a falta de inspiração –
colaboradores já com idade avançada –, o escasso contato com o público – nem os
leitores de antes, nem os contemporâneos liam mais O Pasquim21 – e, também, a
falta de uma agenda política, que contemplasse a derrocada da esquerda no mundo
e a ascensão da esquerda no Brasil – “com todas as suas contradições” (BORGES,
2006). De acordo com Borges (2006), O Pasquim21 “não conseguiu se adaptar à
nova realidade e, para muitos (entre esses, históricos fundadores, como Millôr
Fernandes), já nasceu morto”.
Essa é, de maneira bastante resumida, a história do jornal O Pasquim.
Paulo Francis comentou, certa vez, que O Pasquim viera para ser “uma
brincadeira num tempo triste” (apud BRAGA, 1991, p. 8). A ‘brincadeira’, porém,
ganhou caráter de desabafo coletivo e acabou ampliando-se.
Editor do Pasquim nos anos 1970 e responsável pela coluna ‘É isso aí’,
Sérgio Augusto afirmou, quando do lançamento, nesse ano, do livro “O Pasquim –
Antologia 1969-1971”, organizado por ele, que o periódico influenciou outros jornais
e revistas, sobretudo no que diz respeito ao estilo (PINHEIRO, 2006, p. 5). Sérgio
Augusto disse que “certas brincadeiras que você vê ainda hoje nasceram no
Pasquim”. Ao ser perguntado sobre se o jornal ainda teria espaço nos dias de hoje,
ele afirmou, com ironia: “Duvido. O país mudou, a imprensa mudou e boa parte dos
voltaram ao Brasil, e, com o fim do bipartidarismo, surgiram agremiações como PMDB, PDT, PT e
PDS. Novos jornais e revistas, de pequeno porte, foram criados.
75
que fizeram o Pasquim morreu. As pessoas não querem mais o Pasquim, querem a
Caras – o que nos dá a justa medida da decadência” (AUGUSTO, apud PINHEIRO,
2006, p. 5).
Não queremos afirmar que a ironia, sob qualquer modalidade, não existiu, na
imprensa brasileira, antes de O Pasquim. Esse jornal, porém, tinha como
característica principal o emprego do humor e da ironia, para fazer crítica (o que
confirma uma das hipóteses levantadas por este trabalho). Seu estilo deixou marcas
na produção jornalística brasileira e influenciou vários outros periódicos. Só O
Pasquim, porém, foi O Pasquim.
6.2 Célebres ironistas da imprensa brasileira
Eles foram (ou ainda são) colunistas e seus textos são carregados de ironia.
Não é só isto, porém, que Nelson Rodrigues, Paulo Francis, Millôr Fernandes e Ivan
Lessa têm em comum. Essas grandes figuras do jornalismo brasileiro possuem
também, por exemplo, uma ligação forte com o Rio de Janeiro. O primeiro nasceu
em Recife, e o último, em São Paulo, mas a maior parte de suas vidas e de suas
carreiras desenvolveu-se na capital fluminense. O jornalista e professor Ruy Carlos
Ostermann (apud COLOMBO; KALIKOSKE, 2006, p. 59) já comentou que uma
realidade “brincalhona e descompromissada” é característica do Rio de Janeiro, e
que os cariocas “são muito criativos, e as soluções que encontram sempre são
mágicas”. Assim, é possível afirmar que o estilo irônico dessas personalidades da
imprensa brasileira foi também composto por aspectos do lugar onde viveram.
Nas trajetórias de Paulo Francis, Millôr Fernandes e Ivan Lessa, O Pasquim
também apresenta fundamental importância. O semanário, que encontrou no humor
e na ironia um modo eficaz de ‘cutucar’ a Ditadura, representou um grande
momento na carreira desses jornalistas. No Pasquim, eles aprimoraram um estilo
irônico de fazer crítica que os tornou célebres e que os acompanhou (e ainda
76
acompanha, no caso dos dois últimos) em seus trabalhos posteriores, em outros
veículos.
Para este item, tentamos identificar alguns aspectos do universo de
referências de cada um desses ironistas da imprensa brasileira, que, imaginamos,
contribuíram para o estilo de jornalismo que faziam/fazem. O resultado,
acompanhado de algumas informações biográficas e exemplos de comentários
irônicos feitos por eles, está apresentado a seguir.
6.2.1 Nelson Rodrigues
“Nosso grande mórbido”, nas palavras de Arthur Nestrovski (1996, p. 88), foi,
além de jornalista, dramaturgo e romancista. Nelson Falcão Rodrigues nasceu em
Recife, Pernambuco, mas mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro. Sua obra,
tanto na literatura e na dramaturgia, quanto no jornalismo, caracteriza-se pela
abordagem de temas polêmicos, como incesto, adultério, violência e morte.
Como ele mesmo relatou (20 ANOS..., 2006), começou a “ser Nelson
Rodrigues” aos sete anos, quando a professora, na escola, pediu aos alunos que
fizessem uma composição livre. Nelson, então, criou a história de um marido traído
que esfaqueia a mulher, ao flagrá-la na cama com o amante. Dividiu o prêmio de
melhor redação, concedido pela professora, com um colega, que escreveu uma
história inspirada nos contos das Mil e Uma Noites...
Na adolescência, vivida no subúrbio carioca da Aldeia Campista, Nelson
Rodrigues passava horas observando os movimentos dos vizinhos, para saber
quem eram os adúlteros (ISTOÉ, 2006). Aos 13 anos, começou a trabalhar na
editoria de Polícia dos jornais A Manhã e A Crítica, cujo proprietário era seu pai,
Mario Rodrigues. Os relatos de crimes passionais obtidos na editoria, ao lado de
algumas tragédias pessoais, vieram, depois, a contribuir para o seu estilo (20
ANOS..., 2006). Uma dessas tragédias foi a morte de seu irmão, Roberto,
77
assassinado por engano dentro da redação de A Crítica, por uma mulher que queria
matar o pai dele, Mario. Anos depois, Nelson Rodrigues escreveu, em uma crônica:
“Confesso: o meu teatro não seria como é, e nem eu seria como sou, se eu não
tivesse sofrido na carne e na alma, se não tivesse chorado até a última lágrima de
paixão o assassinato de Roberto” (20 ANOS..., 2006).
Em 1940, a fim de juntar dinheiro para a gravidez da mulher, Elza Bretanha, e
enfrentar as dificuldades do início da carreira, Nelson Rodrigues elaborou sua
primeira peça de teatro, “A mulher sem pecado”, levada aos palcos, pela primeira
vez, um ano depois. O estilo do texto transitava entre a dramaturgia e a crônica
jornalística (20 ANOS..., 2006). Tratava-se de um drama, em que o autor aliou suas
marcas da infância e adolescência a um estilo inovador. Esse estilo alcançou o auge
em 1943, na peça “Vestido de noiva”. Com a obra, montada pelo diretor polonês
Ziembinski, Nelson Rodrigues revolucionou o teatro brasileiro. O texto fragmentário
apresentava ações simultâneas em tempos diferentes e a coexistência de três
planos – realidade, alucinação e memória (NELSON..., 2002).
Com o sucesso de “Vestido de noiva”, Nelson Rodrigues foi convidado a sair
de O Globo – em que, torcedor fanático do Fluminense, escrevia crônicas esportivas
– e ir para O Jornal, principal veículo dos Diários Associados, de Assis
Chateaubriand. Nesse jornal, adotou o pseudônimo Suzana Flag, para escrever um
folhetim. A coluna chamava-se “Meu destino é pecar”. O conteúdo era tipicamente
rodrigueano, mas ninguém, exceto o meio jornalístico, sabia que Nelson era
Suzana.
De 1951 a 1961, então no jornal Última Hora, Nelson Rodrigues escreveu
uma coluna diária, intitulada “A vida como ela é...”. Ele se baseava em notícias
policiais para criar histórias curtas de adultério, crimes passionais e incesto. Nos
anos 1960 e 1970, Nelson colaborou com diversos jornais brasileiros. Escrevia
crônicas em que, muitas vezes, fazia comentários irônicos e altamente provocativos.
A sociedade carioca - seu principal alvo - é despida de sua face
burguesa ou suburbana para uma análise fria das mazelas do ser
78
humano, ora em seu mais vil retrato. Nas crônicas de 'A Vida Como
Ela É...' o autor recria um cotidiano enfocando o trágico e o grotesco,
com uma visão pessimista e desesperada de um mundo sem
soluções para seus problemas.
Os personagens são dotados de neuroses, psicopatias e taras,
transpondo as feridas de todas as classes sociais que, outrora,
nenhum escritor ousara descrever. Nelson foi audacioso, inovou,
escandalizou a sociedade, mas alcançou sucesso de crítica e de
bilheteria em todos os seus trabalhos. (20 ANOS..., 2006).
Em 1968, Nelson Rodrigues publicou algumas de suas crônicas jornalísticas
no livro “O óbvio ululante”. Nessa obra, estão reunidos alguns bons exemplos da
mordacidade rodrigueana. Logo no início da crônica “Ah, o Vinicius de Morais é um
ser numeroso que só anda em bando”, o autor comenta: “A pior forma de solidão é a
companhia de um paulista” (RODRIGUES, 1968, p. 31). No final, relata o episódio
em que um amigo seu, “tragicamente católico”, apanhou de um outro rapaz. A
história terminou assim: “Dois dias depois, o meu amigo me procura, mais católico
do que nunca. Disse apenas: - ‘Ainda bem que foi ele que me esbofeteou e não eu
que o esbofeteei.’” (RODRIGUES, 1968, p. 34). No texto “A vítima obrigatória”, mais
alguns comentários irônicos. Em relação ao “Antonio’s”, famoso restaurante, reduto
da boemia carioca, Nelson Rodrigues escreve: “[...] um restaurante que não é
restaurante, mas uma simples atitude. [...] Vai-se lá por motivos ideológicos,
literários, e não alcoólicos”. Conclui: “Freqüentar certos lugares é uma maneira de
ser intelectual ou socialista sem redigir uma frase e sem arriscar uma opinião. [...] E,
assim, falsários da vida, dos valores da vida, vamos fazendo as nossas poses
políticas, ideológicas, literárias, religiosas, etc. etc.” (RODRIGUES, 1968, p. 67-68).
Outras frases cunhadas por Nelson Rodrigues, em suas crônicas, ilustram
bem seu estilo. Algumas tornaram-se célebres, como: “Toda unanimidade é burra”,
“Todo desejo é vil”, ou “O homem começa a morrer em sua primeira experiência
sexual” (20 ANOS..., 2006). Em uma de suas crônicas esportivas, afirmou que, com
a vitória na Copa do Mundo de 1958, o futebol brasileiro livrou-se do seu “complexo
de vira-lata”. Seus pensamentos também tinham alta voltagem, como: “O brasileiro
chamado de doutor treme em cima dos sapatos. Seja ele rei ou arquiteto, pau-dearara, comerciário ou ministro, fica de lábio trêmulo e olho rútilo”; ou “Eu me nego a
79
acreditar que um político, o mais doce político, tenha senso moral” (20 ANOS...,
2006).
Politicamente, Nelson Rodrigues considerava-se um conservador. Chegou a
apoiar a Ditadura Militar, instalada pelo Golpe de 1964. Esse período da História
brasileira, porém, proporcionou mais uma tragédia em sua vida: seu filho Nelson
Rodrigues Filho, que entrara para a guerrilha contra o regime, foi preso e torturado
pelos militares.
A obra teatral de Nelson Rodrigues é classificada, pelo crítico Sábato Magaldi
(apud 20 ANOS..., 2006), em peças psicológicas, peças mitológicas e tragédias
cariocas. Em peças psicológicas, são incluídas “A mulher sem pecado” e “Vestido
de noiva”; em peças mitológicas, “Anjo Negro” e “Álbum de Família”, entre outras; e
em tragédias cariocas, obras como “A Falecida” e “O Beijo no Asfalto”. A arte de
Nelson Rodrigues marca-se pela abordagem de temas sexuais e morais, como
virgindade, traição, incesto e infidelidade, de uma maneira obsessiva, mórbida e
moralista (NELSON..., 2002). Sobre sua obra, ele certa vez afirmou:
Durante 20 anos, durante toda a década de 40 e toda a década de
50, fui um homem absolutamente só. Combatido, me chamaram de
tarado, de cérebro doentio. Poucas pessoas, algumas exceções
como Gilberto Freyre, José Lins do Rego e Manuel Bandeira, me
estimulavam. Mesmo o Manuel Bandeira chegou pra mim um dia,
quando eu e meus personagens éramos odiados, e disse: 'Nelson,
por que você não faz uma peça em que os personagens sejam
assim como todo mundo?' Eu respondi da forma mais singela: 'Mas
meu caro Bandeira, meus personagens são como todo mundo.'
Porque uma coisa é verdade: quem metia ou mete o pau no meu
teatro está procedendo como um Narciso às avessas, cuspindo na
própria imagem. (20 ANOS..., 2006).
Eis, nessas palavras, um bom exemplo de quem foi Nelson Rodrigues. O
dramaturgo e jornalista morreu em dezembro de 1980.
80
6.2.2 Paulo Francis
Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como
adultas. Critico-as. É tão incomum isso na nossa imprensa que as
pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes
é estúpida. O leitor que julgue. Acho que quem ofende os outros e
os leitores é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar
coisa alguma. Meu tom às vezes é sarcástico. Pode ser
desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até, se
quiserem, a irritação do amante rejeitado. (PAULO FRANCIS, 2006).
Reacionário para alguns, gênio para outros. Uma coisa, porém, é certa: para
quem teve contato com seus textos, é impossível esquecer Paulo Francis.
Franz Paul Trannin da Matta Heilborn nasceu no Rio de Janeiro, em setembro
de 1930. Leitor voraz e apaixonado por teatro, tornou-se ator e diretor teatral no
início dos anos 1950, quando adotou o pseudônimo Paulo Francis, por sugestão do
diretor Paschoal Carlos Magno. Não se saiu bem, contudo, em seus trabalhos e
desistiu da atividade.
Paulo Francis tornou-se, então, crítico de teatro, dando início a sua carreira
jornalística, em 1957. Desempenhou essa função até 1963, em veículos como Diário
de Notícias, Última Hora, Correio da Manhã e Tribuna da Imprensa. No início dos
anos 1960, ainda, depois de uma viagem ao nordeste brasileiro – quando tomou
contato com as condições de miséria em que vivia a população daquela região –,
Paulo Francis aderiu ao trotskismo, tornando-se radical de esquerda (PAULO...,
2002).
Na década de 1960, Paulo Francis fundou a revista Senhor, “[...] uma mescla
saborosa de reportagens interpretativas, crítica cultural, inéditos literários, humor,
roteiro e seções de moda e comportamento”, conforme Daniel Piza (2004, p. 38).
Tempos depois, com Millôr Fernandes, Ziraldo, Tarso de Castro e Jaguar, o
jornalista compôs o grupo-fundador de O Pasquim. No semanário de humor, sob o
autoritarismo do Regime Militar, Paulo Francis já desenvolvia seu estilo polêmico e
combativo, que se tornaria sua principal característica (PAULO..., 2002).
81
Em 1970, juntamente com Ziraldo e Luiz Carlos Maciel, Paulo Francis foi
preso, no episódio do cartum sobre o quadro de Pedro Américo, já mencionado.
Além dessa, o jornalista foi preso mais três vezes, por conta do Pasquim.
Perguntado, certa vez, se fora torturado na prisão, ele respondeu: “Barbaramente. O
carcereiro ficava com o rádio ligado o dia inteiro, ouvindo Vanderléa” (FRANCIS,
apud CASTRO, 1994, p. 32).
Pouco tempo depois, em 1971, o jornalista mudou-se para os Estados
Unidos, de onde seguiu escrevendo para O Pasquim e para outros veículos
brasileiros. Como a Ditadura, no Brasil, impedia a crítica livre, Paulo Francis tornouse comentarista de política internacional. O jornalista parou de escrever no Pasquim
em 1975, para tornar-se correspondente exclusivo do jornal Folha de São Paulo, em
Nova York (in FRANCIS, 1982). A capa do último número de O Pasquim com a
presença de Paulo Francis é uma montagem com caricaturas dele. A frase de capa
é simplesmente “Ai!” (BRAGA, 1991, p. 72). Tempos depois, em uma carta enviada
à redação do semanário, Paulo Francis afirmou: “É essa a grande vitória de o
Pasquim. Sobreviveu à ausência de Millôr e à minha. Millôr e eu não perdoamos a
vocês, cachorros, mas reconhecemos a sobrevivência” (apud BRAGA, 1991, p. 72).
Em 1977, Paulo Francis começou a escrever a coluna Diário da Corte, de
Nova York, para a Folha de São Paulo. Com essa, tornou-se uma das maiores
figuras do jornalismo brasileiro. Em sua coluna, opinava principalmente sobre fatos
políticos e culturais, fazendo, muitas vezes, críticas ácidas a artistas e políticos.
Fazia comentários irônicos e usava expressões como “waaal”, “pfui” e “gulp”, para
designar, respectivamente, algo sensacional, algo de baixa qualidade e algo
embaraçoso. De acordo com Piza (2004, p. 39), Paulo Francis tinha uma “[...] escrita
contundente e engraçada, que viciava admiradores e detratores igualmente”. Suas
opiniões eram bastante consideradas e discutidas pelos leitores. Para o professor e
crítico literário Luís Augusto Fischer (1999, p. 152), as opiniões de Paulo Francis
sobre cultura eram as mais interessantes e polêmicas: “Dos movimentos culturais
brasileiros à música erudita, do cinema ao teatro, nada escapa à sua ironia e à sua
amargura”.
82
No final da década de 1970, Paulo Francis começou, também, a participar
dos telejornais da TV Globo, direto de Nova York. Nesse tempo, ainda, passou,
progressivamente, a uma ideologia política mais liberal e conservadora27, que se
refletia nos seus comentários no jornal e na TV.
Em 1990, Paulo Francis começou a publicar sua coluna em O Estado de São
Paulo. Dois anos depois, transferiu-se para O Globo. Em 1993, ele e os também
jornalistas Lucas Mendes, Nelson Motta e Caio Blinder lançaram a mesa-redonda
Manhattan Connection28, no canal GNT. No programa, Francis costumava implicar
muito com o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton. Certa vez, disse que
Clinton, ao término de seu mandato, sairia algemado da Casa Branca. Em outra
ocasião, quando o filme “Forrest Gump, o Contador de Histórias” – que apresenta a
História recente dos Estados Unidos, sob a ótica de um rapaz de Q.I. baixo – foi
lançado, em 1994, Francis indicou o que deveria ser feito com o diretor da obra,
Robert Zemeckis: empunhou metralhadoras imaginárias e girou os braços.
O jornalista e escritor Ruy Castro (1994) lembra que os leitores de Paulo
Francis acusavam-no de ser esnobe, imodesto, presunçoso, rabugento e
imprudente. Segundo o autor, ele realmente, às vezes, parecia tudo isso. Quando,
por exemplo, queria dar a entender que gostara de um livro, Paulo Francis dizia
apenas “Não parei no meio” (apud CASTRO, 1994, p. 32). De acordo com Castro
(1994, p. 32), “os leitores se ofendem com essas coisas porque têm o hábito de ler
qualquer livro até o fim, mesmo que o estejam odiando e que isso leve o ano
inteiro”.
Poucas semanas antes de sua morte, em fevereiro de 1997, Paulo Francis
cunhou uma irônica frase de efeito, para ilustrar seu enfado diante dos fatos –
segundo ele, 98% dos assuntos da atualidade não o interessavam. No Manhattan
Connection, afirmou: “Eu me sinto tecnicamente morto”, para gargalhadas de seus
colegas de mesa (MOTTA, 2006). No seu último Diário da Corte, publicado em O
27
Mais tarde, Paulo Francis comentou que, politicamente, considerava-se um “conservador
esclarecido” (PAULO..., 2002).
28
Após a morte de Paulo Francis, em 1997, Arnaldo Jabor entrou para o programa. Ficou até 2003,
quando foi substituído por Diogo Mainardi.
83
Globo, Francis fez o seguinte comentário, em uma nota sobre o escritor Antonio
Callado: “[Callado] Tinha a opinião que a maioria das pessoas civilizadas partilha de
que o Brasil não é um país sério. Já me garantiram que De Gaulle nunca disse isso.
Deveria ter dito” (apud OS FLAGRANTES..., 2006).
Na ocasião da morte de Paulo Francis, o jornalista e produtor musical Nelson
Motta, que participou com ele do programa do GNT, escreveu:
Você pode gostar ou não, mas o homem tem estilo. Como poucos.
Muitos o amavam e outros o odiavam, alguns amavam e odiavam ao
mesmo tempo, e ele lá, Franz Paul Heilborn, o ator, interpretando
seu melhor personagem, “Paulo Francis”, um jornalista culto,
preparado, agressivo, polêmico e corajoso. [...] Independente e
impenitente, como raros, raríssimos brasileiros destes tempos, falou
o que lhe veio à cabeça e defendeu com raro e constante brilho as
suas idéias. Poucos contribuíram como ele para o debate político e
cultural no Brasil e poucos foram tão sérios e tão engraçados como
ele. (MOTTA, 2006).
Paulo Francis publicou vários livros. Entre esses, destacam-se os ensaios de
“Opinião Pessoal”, de 1969, “Certezas da Dúvida”, de 1970, e “O Brasil no Mundo”,
de 1985; os romances “Cabeça de Papel” e “Cabeça de Negro”, lançados,
respectivamente, em 1977 e 1979; as novelas de “Filhas do Segundo Sexo”, de
1982; e a obra sobre o Golpe de 1964, “Trinta Anos Esta Noite – 1964: o que vi e
vivi”, publicada em 1994.
6.2.3 Millôr Fernandes
É impossível resumi-lo a apenas uma atividade. Jornalista, escritor, tradutor,
cartunista, dramaturgo e humorista, Millôr Fernandes é, verdadeiramente, aquilo que
se pode chamar de talento múltiplo, com trabalhos consagrados em todas as áreas
em que atua. Na imprensa brasileira da segunda metade do século XX, sua obra
84
teve grande importância. Com seu estilo bem-humorado e irônico, Millôr ocupa,
ainda hoje, aos 82 anos, lugar de destaque no jornalismo nacional.
A vida de Millôr Fernandes já começou com um fato cômico. Nascido no
bairro do Meyer, subúrbio do Rio de Janeiro, em agosto de 1924, ele descobriu, aos
18 anos, que não se chamava Milton, como supunha. Ao consultar sua certidão de
nascimento, percebeu que o escrivão do cartório tremera ao escrever seu nome. A
barra do “t” virara um acento circunflexo, e o “n”, um “r”. Ele estava registrado como
Millôr. Para alterar o documento, teria de desembolsar 300 contos de réis. Millôr
entendeu que não valia a pena (ISTOÉ, 2006).
Sua infância foi pobre. “Aprendi a nadar nos valões em dia de chuva”,
afirmou, certa vez (ISTOÉ, 2006). Aos dez anos, ficou órfão. Almoçava na casa de
tios. Millôr Fernandes começou a trabalhar na revista O Cruzeiro em 1938, aos 14
anos. Na redação, era um “quebra-galhos”: fazia desenhos, paginação e também
redigia. Em 1944, comandou a reforma gráfica de O Cruzeiro, com a qual a revista
tornou-se um enorme sucesso editorial, chegando a vender 750 mil exemplares.
Uma das inovações foi a seção de humor Pif-Paf, que Millôr assinava como
Emmanuel Vão Gôgo – trocadilho com os nomes do pintor Van Gogh e do filósofo
Emmanuel Kant (MILLÔR..., 2002).
Em 1964, depois de sair de O Cruzeiro, Millôr Fernandes lançou a revista PifPaf, dando vida própria à seção de humor que comandava no seu antigo veículo. A
revista, no entanto, parou de circular no número 8. No final dos anos 1960, então,
veio O Pasquim, que Millôr fundou, ao lado de Tarso de Castro, Jaguar, Ziraldo e
Paulo Francis, entre outros. O editorial do primeiro número, como mencionado
anteriormente, ficou a seu cargo.
Em meados da década de 1970, quando era diretor do jornal, a página 3
tornou-se o seu espaço. De acordo com Braga (1991), os textos da página variavam
entre o sério e o descontraído, característica do trabalho de Millôr Fernandes. Um
dos conteúdos do espaço era o Pensamentão. Nesse, no número 233, Millôr
disparou: “Estranho que num país com mais de 60% de analfabetos o poder público
85
esteja tão preocupado com o que dizem meia-dúzia de escritores” (apud BRAGA,
1991, p. 55).
Millôr Fernandes saiu do Pasquim em 1975. Começou, então, a publicar uma
seção de textos e charges na revista Veja. Em função da censura imposta pelo
Regime Militar, o jornalista criou um estilo de humor nonsense que se tornou uma
das marcas editoriais da revista (MILLÔR..., 2002). Em 1983, transferiu-se para
IstoÉ, em que publicou sua coluna até 1993. Colaborou, também, com o Jornal do
Brasil, com O Estado de São Paulo e O Dia. Desde 2000, Millôr tem seu próprio site,
o irreverente Millôr Online. Em 2004, voltou a ter uma coluna em Veja.
Millôr Fernandes também é autor de peças teatrais, como “Flávia, Cabeça,
Troncos e Membros”, de 1963, e “É”, de 1977, além de roteiros para o cinema,
como “O judeu”, de 1986, e “Últimos diálogos”, de 1995. Ainda traduziu algumas
peças de teatro, principalmente obras clássicas de Molière e Shakespeare
(MILLÔR..., 2002).
Ziraldo já se referiu ao amigo de O Pasquim como “o anti-comunicador por
excelência” (ISTOÉ, 2006). Atualmente, Millôr Fernandes diz-se cético, em relação
ao jornalismo: “Outro dia, uma repórter me ligou para saber o que eu andava lendo.
Almanaque Capivarol, respondi. Ela pediu para soletrar!” (ISTOÉ, 2006).
86
6.2.4 Ivan Lessa
Na orelha do livro “Ivan vê o mundo – crônicas de Londres”, lançado em
1999, Helena Carone (in LESSA, 1999) refere-se a Ivan Lessa como “anárquico,
surreal, satírico, impiedoso, ah sim!, e melancólico”. Conforme Helena, o colunista
“[...] às vezes é engraçado, às vezes é de uma seriedade que dói”.
Independentemente de todas essas definições, a obra de Ivan Lessa tem duas
características incontestáveis: a inteligência e a sagacidade.
Ivan Pinheiro Themudo Lessa é filho da jornalista e cronista Elsie Lessa e do
escritor Orígenes Lessa. Nasceu em São Paulo, em maio de 1935, mas cresceu no
Rio de Janeiro. Em uma de suas crônicas, ele ressaltou: “Eu sou de São Paulo, mas
minha cidade, não há como negar, é o Rio” (LESSA, 1999, p. 71).
Além do Rio de Janeiro, O Pasquim também tem grande importância na vida
de Ivan Lessa. O jornalista foi um dos principais colaboradores do semanário e, por
um período, foi também editor. No jornal, era responsável pelas seções Gip-GipNheco-Nheco, em que publicava frases satíricas (BRAGA, 1991), e Diários de
Londres. Em todas, valia-se de um alto teor de ironia e humor.
Na sua linha habitual de chocar sensibilidades, como diz Braga (1991, p. 70),
Ivan Lessa publicou ainda, no semanário, um “ABC do Sexo”. Durante um tempo, o
jornalista também respondeu às cartas dos leitores. Para isso, criou um heterônimo,
chamado Edélsio Tavares, com o qual adotou uma postura agressiva. Conforme
Braga (1991), no início, a página 2 era algo escarnecedor; depois, virou zombaria e
deboche. Para o autor, tratava-se mais de uma seção de texto de humor do que
uma correspondência. Ivan Lessa, ou “Edélsio”, tentava, segundo Braga (1991),
conscientizar os leitores por meio do achincalhe, numa filosofia semelhante à do
Teatro Oficina, nos anos 1960. As cartas não eram respondidas, mas, sim, usadas
como pretexto humorístico, como objeto da sátira pasquiniana (BRAGA, 1991). No
espaço, o “pseudônimo-personagem” Edélsio Tavares criou seus próprios
interlocutores e também novos personagens, como Marly Tavares e Caldas
87
Marombão, com quem dialogava. Braga (1991) lembra que alguns leitores
gostavam, outros irritavam-se, outros diziam-se agredidos. As “Cartas Edélsicas”
deixaram de ser publicadas no início da década de 1980. Os Diários de Londres
também eram escritos por Ivan Lessa, ‘em parceria’ com Edélsio Tavares.
No Pasquim, Ivan Lessa também produziu tiras, como a dos Chopnics – em
parceria com Jaguar –, e cunhou frases antológicas. “A cada 15 anos os brasileiros
esquecem o que aconteceu nos últimos 15 anos”, por exemplo, é bastante citada
ainda hoje (LESSA, apud LIMA, 2006). Sobre os políticos, o colunista já afirmou:
"[eles] são os únicos seres humanos capazes de passar direto ao processo de
repensar sem fazer escala no de pensar” (apud RIZZIOLLI, 2006).
Ivan Lessa está radicado em Londres há mais de 25 anos. Vive na capital
inglesa, segundo ele, por ter-se desencantado com o Brasil. Trabalha na redação
brasileira da emissora BBC. Além do Pasquim, também escreveu para os jornais
Diário Carioca e Última Hora e para a TV Globo. Já foi crítico literário da revista Veja
e colunista de diversos jornais brasileiros, como a Folha de São Paulo, O Estado de
São Paulo e o Jornal do Brasil, sempre, conforme Luís Augusto Fischer (1999, p.
150), com disparos de “rojões regulares no arraial brasileiro”. Fischer, inclusive,
comenta que, entre Nelson Rodrigues, Millôr Fernandes e Ivan Lessa, considera o
último “o mais enigmático dos três”.
88
7 ARNALDO JABOR
Jabor é ‘Terra em Transe’. (Caio Blinder, in ARQUIVO –
MANHATTAN CONNECTION, 2006).
7.1 O humor cáustico
Arnaldo Jabor tem em Nelson Rodrigues uma grande referência. “Me sinto
uma espécie de afilhado do Nélson de tal forma, que chego a psicografar (risos)
textos dele. E ficam tão convincentes que d. Elza, a viúva, lê e diz que está
igualzinho” (apud GRUPO MAGNO DE TEATRO, 2006). O estilo do colunista de O
Globo
realmente
parece
evocar
o
do
jornalista,
dramaturgo
e
escritor
pernambucano. De Nelson Rodrigues, Jabor herdou o talento para a polêmica, as
opiniões ácidas e a visão crítica sobre o país e a sociedade.
Assim como outros célebres ironistas da imprensa brasileira, já citados neste
trabalho, o colunista e ex-cineasta também tem uma ligação forte com o Rio de
Janeiro. Arnaldo Jabor nasceu na capital carioca em 1940. Formou-se em Direito,
na mesma cidade. Começou a carreira em 1962, ainda estudante, escrevendo
críticas de teatro no jornal O Metropolitano. Nesse mesmo ano, editou a revista
Movimento. Os dois veículos eram ligados ao movimento estudantil – a revista,
inclusive, era publicada pela União Nacional dos Estudantes (UNE).
Jabor era bastante ligado à literatura, ao teatro e ao jornalismo. Lia Gustave
Flaubert, Eça de Queiroz, Tenesse Williams, os ‘novos jornalistas’ norte-americanos
– como Norman Mailer e Tom Wolfe – e identificava-se com as opiniões de Nelson
Rodrigues, Glauber Rocha e Paulo Francis. Depois de freqüentar um ciclo de filmes
italianos e franceses, no entanto, despertou para o cinema – até então, a sétima
arte tinha posição secundária em sua vida (GRUPO MAGNO DE TEATRO, 2006).
Em 1964, o ‘advogado’ fez um curso de cinema promovido pelo Itamaraty, em
parceria com a Unesco, e trabalhou como técnico de som nos filmes “Ganga
89
Zumba”, de Carlos Diegues, e “Maioria absoluta”, de Leon Hirszman. Depois, foi
assistente de direção e produtor executivo de “Integração racial”, de Paulo César
Saraceni (ARNALDO..., 2006).
O cinema, então, passou a ser a principal atividade de Arnaldo Jabor. Em
1965, ele realizou o curta-metragem “O Circo”, e, em 1967, o documentário “Opinião
Pública”. Nas décadas de 1970 e 1980, Jabor tornou-se um dos maiores destaques
do cinema brasileiro. Lançou “Pindorama”, seu primeiro filme de ficção, em 1970.
Anos depois, explicitou sua ligação com a obra de Nelson Rodrigues, ao dirigir
“Toda nudez será castigada”, em 1973, e “O casamento”, em 1975 – os dois filmes
eram adaptações de textos do dramaturgo e jornalista (ARNALDO..., 2006).
Mesmo nos filmes para os quais também elaborou o roteiro, Jabor entrou no
‘universo’ de Nelson Rodrigues. Em “Tudo Bem”, de 1978, o cineasta fez um retrato
bem-humorado da classe média carioca. Em “Eu te amo”, de 1980, e “Eu sei que
vou te amar”, de 1984, Jabor apresentou casais perturbados por questões de amor,
poder e solidão (ARNALDO..., 2002).
O trabalho de Arnaldo Jabor no cinema, entretanto, foi interrompido em 1990.
Nesse ano, Fernando Collor de Melo tomou posse como Presidente da República e,
num de seus primeiros atos, fechou a Embrafilme, órgão federal de fomento à
produção cinematográfica – segundo o então presidente, havia necessidade de
cortar gastos para enfrentar a crise econômica pela qual o país passava. O cinema
nacional ficou à míngua, e Jabor teve de buscar novas fontes de renda. Acabou,
então, voltando para o jornalismo: “O Collor acabou com o cinema brasileiro. Eu ia
morrer de fome, então arrumei emprego na Folha de S. Paulo. Foi assim que
comecei” (JABOR, apud FERREIRA, 2006, p. 2).
O cineasta passou a publicar crônicas semanais no jornal paulista, sempre
com um estilo eloqüente e irônico, com o qual tornou-se uma das figuras mais
polêmicas da imprensa brasileira (ARNALDO..., 2006). Em 1995, Jabor transferiu-se
para o jornal O Globo e para a TV Globo, em que passou a atuar como
comentarista, nos telejornais. Dois anos depois, com a morte de Paulo Francis, o
colunista entrou para o programa Manhattan Connection, do canal GNT, no qual
90
permaneceu até 2003. No programa, também destilava seus comentários
sarcásticos e explicitava seu gosto pelas hipérboles e pelos adjetivos, outro aspecto
que ‘herdou’ de Nelson Rodrigues (ARNALDO..., 2006).
Descartada a idéia de fazer cinema no Brasil – conforme ele mesmo, por
“falta de pendor para o masoquismo”29 (JABOR apud OYAMA, 2006, p. 11) –,
Arnaldo Jabor levou para o jornalismo muita coisa do seu trabalho como diretor
(OYAMA, 2006). Nas suas colunas e comentários no rádio e na TV, o ex-cineasta
alia suas análises aguçadas a imagens irônicas e precisas (OYAMA, 2006). Aborda
desde assuntos como arte, cinema, filosofia, amor, sexo, até questões políticas,
econômicas e sociais. Como ‘discípulo’ de Nelson Rodrigues, Arnaldo Jabor
também faz crônicas dos vícios da classe média brasileira (ARNALDO..., 2006). Nos
últimos anos, porém, o assunto preferido do colunista tem sido a política nacional
(FERREIRA, 2006). Sobre o governo Luis Inácio Lula da Silva, já afirmou: “Estamos
assistindo a um filme de sacanagem política e nos resta apenas nos escandalizar”
(JABOR apud FERREIRA, 2006). Em relação à esquerda, ele se diz desiludido, visto
que essa corrente de pensamento insiste em ter uma visão de mundo “idílica,
quixotesca e utópica” (JABOR apud OYAMA, 2006).
Conforme Ferreira (2006), Arnaldo Jabor é um polemista. Gosta de opinar
sobre tudo e, por isso, é amado por uns e odiado por outros. O colunista, ainda
segundo Ferreira (2006), adora essa condição, pois se sentiria um farsante, se
todos o amassem, e morreria de tristeza, se todos o odiassem. “A maioria das
pessoas que me odeia eu acho bom que odeie, porque são burros, invejosos ou
medíocres” (JABOR, apud FERREIRA, 2006). Para Mendes (2006), o estilo vigoroso
e altamente crítico de Jabor “assusta muita gente”, mas a maior parte do público não
29
Em entrevista à revista Época, Jabor afirmou, sobre sua decisão de abandonar o cinema: “Eu,
como intelectual e artista, estou fazendo um trabalho muito mais profundo do que se fizesse um
filminho de dois em dois anos para ganhar premiozinho e ficar rebolando nas colunas sociais. Eu
estou usando o que aprendi no cinema, na literatura, na minha formação, para tentar explicar para a
população e para mim mesmo o que está acontecendo no país” (apud MENDES, 2006).
91
imagina que, “por trás das câmeras, a fisionomia séria e um pouco brava dê lugar a
uma doçura sincera e espontânea”.
Perguntado, certa vez, se o fato de suas crônicas, muitas vezes, serem
“delirantes” seria um meio de dar conta do “surrealismo brasileiro”, Jabor respondeu:
Acho que a realidade é delirante. Não existe uma separação do
mundo do sonho e do mundo da vigília. Inconsciente e mundo são
duas coisas intrincadas. Não acredito em sujeito de um lado e objeto
de outro. Sujeito e objeto se confundem. Tento ser sujeito e objeto.
Os idiotas da objetividade, como dizia o Nélson Rodrigues. Está
escrito por um sujeito, um ser vivo, que também é objeto da
realidade. No Brasil, principalmente, ficção e realidade são a mesma
coisa. A petite histoire brasileira é tão importantre quanto as grandes
causas históricas. O Brasil é um país muito novelesco. O que
aconteceu conosco no período do Collor foi um melodrama. (JABOR,
apud GRUPO MAGNO DE TEATRO, 2006).
Arnaldo Jabor é também um bem-sucedido autor de livros. A coletânea de
artigos seus “Sexo é prosa, amor é poesia” ficou na lista de mais vendidos por
quase dois anos (FERREIRA, 2006). Seu livro mais recente, “Pornopolítica –
paixões e taras na vida brasileira”, reúne crônicas que escreveu sobre a política
nacional. Jabor explica o título da obra:
Eu acho que a política combina mais com erotismo do que com
pornografia. Porque o erotismo é belo, pressupõe o amor, o
interesse pelo outro, o carinho, o prazer, a alegria. O erotismo é
democrático. A pornografia é muito exclusivista, egoísta, só pensa no
outro como objeto, como coisa a ser explorada. Como no Brasil a
política é assim, inventei esse nome pornopolítica. (JABOR, apud
FERREIRA, 2006).
No “Prefácio para mim mesmo”, escrito para o livro “Brasil na cabeça”, outra
coletânea de artigos seus, lançada em 1995, Arnaldo Jabor fez declarações
pessoais: “Aqui vão artigos publicados na Folha de S. Paulo entre outubro de 93 e
outubro de 94. Se a época é menos espetacular que o período Collor (oh, paraíso
dos jornalistas...), os escritos melhoraram (acho)” (JABOR, 1995, p. 6). E disse
92
também: “Há mais de três anos que eu botei minha cabeça na encruzilhada [...],
recebendo os detritos do que acontece na vida brasileira; muito lixo importante para
se compreender as taras nacionais que se dissimulam em sua aparente clareza”
(JABOR, 1995, p. 5). Jabor acrescentou, ainda, que tem sido, nos últimos anos,
“não sei exatamente o quê. [...] Acho que faço uma espécie de arte meio grafitada,
me expondo aos estragos que a ópera-bufa faz ao país. Eu me deixo deformar
pelos ataques ao mundo” (JABOR, 1995, p. 5).
7.2 Análise de colunas
7.2.1 “As chuteiras sem pátria”, publicada em O Globo, em 4 de julho de 2006
Quando chega um fax com barulhinho de cornetas celestiais, eu já sei: é
carta do Nelson Rodrigues. Não deu outra. Nelson me pedia para publicar um texto
sobre a Copa, já que está sem contato nas redações: “Eu sou do tempo do Pompeu
de Souza, do Prudente de Morais Neto... Não conheço esses meninos da
redação...”. Muito bem, aqui vai seu comentário sobre o sábado da desgraça:
“Amigos, a derrota é um grande momento de verdade. Só diante da vergonha
é que entendemos nossa miséria. Num primeiro momento, queremos encontrar uma
explicação para o fracasso, mas fracasso não se improvisa — é uma obra calculada,
caprichada durante meses, anos até. Não adianta berrar no botequim que o Parreira
é uma besta ou que o Ronaldo é um gordo perna-de-pau. Não. Nosso fracasso
começou antes, porque esta seleção não foi a pátria de chuteiras, foram as
chuteiras sem pátria.
Para nossos jogadores ricos e famosos, o Brasil é a vaga lembrança da
infância pobre, humilhada. O país virou um passado para os plásticos negões
falando alemão, francês, inglês, todos de brinco e com louras vertiginosas. Não são
maus meninos, ingratos, não, mas neles está ausente a fome nacional, a ânsia dos
vira-latas querendo a salvação. O povo todo estava de chuteiras, para esquecer os
mensalões e os crimes, mas nossos craques não perderam quase nada com a
derrota, tiveram apenas um mau momento entre milhões de dólares e chuteiras
douradas pela Nike.
Isso me faz lembrar o grande Neném Prancha do Botafogo: ‘Temos de ir na
bola como num prato de comida!...’ Que frase profunda, esquecida hoje... Nosso
time come bem e nem os jogadores, nem os técnicos, nem os roupeiros e
massagistas viram o óbvio, ali, uivando, ululando nos vestiários: o time estava sem
93
conjunto, os jogadores estavam presos a um esquema tático que contrariava suas
vocações. Só o povo berrava: ‘Ronaldo está gordo, Ronaldinho tem de atuar mais
livre, os jovens têm de jogar mais!’. E quanto mais o óbvio se repetia, mais o
Parreira se obstinava em sua lívida teimosia... Por quê? Porque o técnico é sempre
contra a opinião geral. Em vez de orientar as vocações dos rapazes, ensinando-lhes
a liberdade, a coragem e o improviso, o Parreira achou que todos têm de caber em
sua estratégia. O pior cego é o surdo. E jogador brasileiro não gosta de lei nem de
planejamentos, quer inventar sozinho. O técnico devia ser um reles treinador, quase
um roupeiro, humilde diante dos craques. Mas o Parreira parecia um ‘Mussolini’ de
capacete e penacho. Teve vários sinais de tirania: só dava a escalação no vestiário,
com os jogadores desamparados, na insônia da dúvida da convocação, não teve
coragem de barrar as estrelas, como se isso fosse uma afronta ao passado e às
multinacionais. Ronaldo fez gols, tudo bem, mas foi uma âncora pesada desde o
início, em torno do qual os problemas giraram. Parreira ficou com medo dos jovens,
e eu via em seus rostos o desespero do banco. Robinho arfava de rancor e só
entrava quando era tarde demais. Robinho foi o único que chorou no final, ainda
menino e puro. Quem teve a mãe seqüestrada sabe o que é tragédia. E, para
escândalo do país, Robinho ficou de castigo. Ao final de tudo, Parreira disse a frase
suicida: ‘Não estávamos preparados para perder!...’ Isso é a morte súbita, isso é a
guilhotina. Sem medo, ninguém ganha. Só o pavor ancestral cria uma tropa de
javalis profissionais para a revanche, só o pânico nos faz rezar e vencer, só Deus
explica as vitórias esmagadoras, pois nenhum time vence sem a medalhinha no
pescoço e sem ave-marias. Mas Parreira ignorou a divindade e acreditou em si
mesmo, com a torva vaidade de uma prima-dona gagá, com pelancas e varizes.
Isso é o óbvio, mas foi ignorado. E quando o obvio é desprezado, ficamos
expostos ao sobrenatural, ao mistério do destino. Por exemplo, por que começamos
o jogo como um corpo de bailarinos eufóricos e, 15 minutos depois, ficamos
paralíticos como sapos diante de cascavéis, com o Zidane dando chapéus até no
Ronaldo? Será que diante da Marselha sofremos um pavor reverencial? Em 98,
Ronaldo caiu em convulsões de cachorro atropelado no vestiário. E agora? Creio
que no sábado não estávamos com medo da França, não, o que tivemos foi medo
de nós mesmos, voltou-nos o complexo de vira-latas, inibidos como vassalos diante
do Luís XIV, de sapato alto e peruca empoada. Foi assim em 98 e agora. A França é
muito chique para filhos do Capão Redondo e de Bento Ribeiro.
Mas todos sabem que quem ganha e perde as partidas é a alma. E a nossa
estava dividida entre o match e a linha de passe, entre o show e a vitória. Houve o
episódio da meia do Roberto Carlos, que, um segundo antes do gol da França,
estava ajeitando a liga como uma madame Pompadour. Pelé notou o descuido
frívolo e trágico, pois guerreiro furioso não conserta a roupa na batalha. Esse
pequeno gesto revelou bastidores de equívocos fatais, teorias e teimosias.
Outra coisa que nos matou foi a torcida. Nunca houve uma torcida tão
desesperada por uns minutos de paraíso, de brilho. Foi diferente de 1950. Lá,
sonhávamos com um futuro para o país. Agora, tentávamos limpar nosso presente.
Explico: há um ano, somos uma nação de humilhados e ofendidos, debaixo da
chuva de mentiras políticas, violência e crimes sem punição. Descobrimos que o
país é dominado por ladrões de galinha, por batedores de carteira e pelos
traficantes. Por isso, a população queria que o scratch fizesse tudo que o Lula não
94
fez. Mas era peso demais para os rapazes. A dez mil quilômetros, os jogadores
ouviam os gemidos ansiosos das multidões de verde e amarelo, como uma asma
patriótica. Não esperávamos uma vitória, mas uma salvação. Só a taça aplacaria
nossa impotência diante da zona brasileira, a seleção era nossa única chance de
felicidade. Queríamos a taça para berrar ao mundo e a nós mesmos: ‘Viram? Nós
brasileiros somos maravilhosos!’
Mas não deu. É só.”
Esta coluna foi veiculada após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do
Mundo de 2006.
O time nacional foi ao campeonato na Alemanha com ótimas chances de
obter um bom resultado. Os analistas esportivos diziam que se tratava de uma
equipe de grandes jogadores – alguns deles, reconhecidos como “melhores do
mundo”, por organizações internacionais – e que a conquista do Hexacampeonato
era altamente provável. A Seleção Brasileira, porém, não fez uma boa campanha no
mundial. Apresentou-se fraca e desarticulada e acabou desclassificada nas
Quartas-de-final, quando perdeu para a Seleção Francesa.
No artigo, Arnaldo Jabor faz o que, como ‘afilhado’ de Nelson Rodrigues,
disse que costuma fazer: publicou, ‘a pedido’, um texto do jornalista e dramaturgo,
sobre a derrota do Brasil na Copa. O ex-cineasta inicia o texto explicando: “Quando
chega um fax com barulhinho de cornetas celestiais, eu já sei: é carta do Nelson
Rodrigues” (JABOR, 2006b). Jabor acrescenta que Nelson ‘fez’ essa solicitação a
ele por estar “sem contato nas redações”, já que é do “tempo do Pompeu de Souza,
do Prudente de Morais Neto... Não conheço estes meninos da redação...” (JABOR,
2006b). O colunista, então, ‘abre espaço’ para o ‘texto’ de Nelson Rodrigues sobre o
“sábado da desgraça”30. Tal caso é particularmente interessante, pois um ironista –
Arnaldo Jabor – remete-se a outro ironista notório – Nelson Rodrigues –, de quem
se diz seguidor, para enfatizar a crítica que está fazendo.
Na coluna, então, ‘Nelson Rodrigues’ começa a expor suas considerações
acerca da derrota do Brasil. Comenta que “Não adianta berrar no botequim que o
95
Parreira é uma besta ou que o Ronaldo é um gordo perna-de-pau. Não. Nosso
fracasso começou antes, porque esta seleção não foi a pátria de chuteiras, foram as
chuteiras sem pátria” (JABOR, 2006b). Nesse trecho, Jabor (ou ‘Nelson Rodrigues’)
usou ironia para afirmar que faltou garra e nacionalismo à Seleção Brasileira –
opinião compartilhada pelos comentaristas esportivos, na época. Além disso,
contestou, de modo irônico, uma própria expressão do dramaturgo – “A pátria de
chuteiras” foi a imagem que Nelson Rodrigues criou para designar a mobilização
que a Copa do Mundo desencadeia nos brasileiros.
O texto segue, com o seguinte comentário de ‘Nelson Rodrigues’:
Para nossos jogadores ricos e famosos, o Brasil é a vaga lembrança
da infância pobre, humilhada. O país virou um passado para os
plásticos negões falando alemão, francês, inglês, todos de brinco e
com louras vertiginosas. Não são maus meninos, ingratos, não, mas
neles está ausente a fome nacional, a ânsia dos vira-latas querendo
a salvação. O povo todo estava de chuteiras, para esquecer os
mensalões e os crimes, mas nossos craques não perderam quase
nada com a derrota, tiveram apenas um mau momento entre milhões
de dólares e chuteiras douradas pela Nike. (JABOR, 2006b).
Nesse parágrafo, Jabor, ou ‘Nelson’, apresenta-se com uma característica
típica do ironista, apontada por Beth Brait (1996). Conforme a autora, num
comentário já citado nesta monografia, a ironia “[...] descreve em termos
valorizantes uma realidade que ela trata de desvalorizar” (BRAIT, 1996, p. 51). É
exatamente o que Jabor faz nesse trecho: desvaloriza a condição dos jogadores. O
colunista quis dizer que, como eles vivem num mundo de diversão e luxo, não estão
acostumados a se esforçar para obter sucesso ou um resultado positivo, nem se
importam com um eventual fracasso, já que têm de tudo. Também não têm
patriotismo, pois moram em outros países, com todo o conforto.
A análise de ‘Nelson Rodrigues’ continua: “Isso me faz lembrar o grande
Neném Prancha do Botafogo: ‘Temos de ir na bola como num prato de comida!...’
30
A Seleção Brasileira perdeu para a França no dia 1.º de julho de 2006, sábado.
96
Que frase profunda, esquecida hoje...” (JABOR, 2006b). Aqui, Jabor é novamente
jocoso, ao afirmar que os jogadores brasileiros ‘esqueceram’ de ser ávidos por bola,
como eram os atletas do passado. ‘Nelson’ então segue, comentando – com uma
expressão tornada célebre por ele mesmo – que nenhum integrante da equipe da
Seleção viu “o óbvio, ali, uivando, ululando nos vestiários: o time estava sem
conjunto [...]. Só o povo berrava: ‘Ronaldo está gordo, Ronaldinho tem de atuar mais
livre, os jovens têm de jogar mais!’” (JABOR, 2006b). Como o técnico Carlos Alberto
Parreira, segundo Jabor, ou ‘Nelson’, não deu ouvidos a esses avisos, o colunista
conclui: “O pior cego é o surdo” (JABOR, 2006b). Nesse comentário, Jabor
novamente adapta uma frase feita – o ditado ‘o pior cego é aquele que não quer ver’
–, para obter um efeito irônico.
Adiante, no texto, o técnico da Seleção Brasileira torna-se o principal alvo de
‘Nelson Rodrigues’. ‘Este’ afirma que Parreira “parecia um ‘Mussolini’ de capacete e
penacho” (JABOR, 2006b). O sarcasmo, nessa frase, decorre da associação entre o
técnico do time brasileiro e o ditador fascista italiano. Interpreta-se, a partir desse
comentário, que Jabor considerou as atitudes de Parreira autoritárias. Sobre o
técnico, ‘Nelson’ diz ainda: “[...] não teve coragem de barrar as estrelas, como se
isso fosse uma afronta ao passado e às multinacionais” (JABOR, 2006b). Com isto,
Jabor insiste, de novo, na questão do dinheiro e do poder: muitas empresas
multinacionais patrocinam jogadores de futebol. Ainda em relação a Carlos Alberto
Parreira, o autor faz uma comparação forte, para criar uma imagem humorística:
“[...] Parreira ignorou a divindade e acreditou em si mesmo, com a torva vaidade de
uma prima-dona gagá” (JABOR, 2006b).
Imagens e associações irônicas são abundantes nesse texto de Jabor, como
no trecho em que ‘Nelson’ pergunta “[...] por que começamos o jogo como um corpo
de bailarinos eufóricos e, 15 minutos depois, ficamos paralíticos como sapos diante
de cascavéis [...]?”, e na parte em que ‘ele’ trata da atitude do jogador Roberto
Carlos, que, “um segundo antes do gol da França, estava ajeitando a liga como uma
madame Pompadour” (JABOR, 2006b). O leitor forma estas imagens, e isto contribui
para o sentido da ironia. Além disso, como não poderia deixar de ser num texto que
atribui a Nelson Rodrigues – mas que, obviamente, foi redigido por ele –, Jabor
apresenta várias expressões conhecidas do jornalista e dramaturgo pernambucano.
97
O comentário “[...] o que tivemos foi medo de nós mesmos, voltou-nos o complexo
de vira-latas” é um exemplo disso.
Arnaldo Jabor, ou ‘Nelson Rodrigues’, finaliza o artigo dizendo que a torcida
brasileira estava “desesperada por uns minutos de paraíso, de brilho”, devido à nada
animadora situação política do país. O autor comenta que “[...] a seleção era nossa
única chance de felicidade. Queríamos a taça para berrar ao mundo e a nós
mesmos: ‘Viram? Nós brasileiros somos maravilhosos!’ Mas não deu. É só” (JABOR,
2006b). Com esse trecho final, Jabor dá a entender que os brasileiros não têm
motivos para considerarem-se maravilhosos. Por isso, desejavam uma vitória na
Copa do Mundo: para recuperar a auto-estima.
7.2.2 “A ‘cornidão’ é um sentimento nacional”, publicada em O Globo, em 11
de julho de 2006
Sou vítima de escritores fantasmas que se escondem na internet. Já reclamei
disso, mas não adianta, os falsários continuam forjando minhas pobres moedas. A
"rede" tem artigo com meu nome falando das mulheres de bundinha dura, tem uma
defesa sensual da celulite, tem um famoso artigo meio veado sobre a beleza dos
gaúchos, saudado com viril alegria por homenzarrões que me agarram na rua: "
Tché, tua escritura estava macanuda, tri-legal!".
Eu nego aos bigodudos ter escrito aquele ditirambo farroupilha, mas falo num
tom vago, para não ser esculachado: "Tu não escreveste? Então, tu não amas
nossas "prendas" lindas, e negas ter escrito que a gente já nasce montado num
bagual? E que, por baixo do poncho também bate um coração? Tu tá tirando o seu
da reta, tché?"- e me aponta o dedo, de bombachas e faca de prata.
Apareceu agora um artigo sobre a "mulher brasileira" e logo chega a menina
sorrindo: "Finalmente, alguém diz a verdade sobre as mulheres na internet! Mandei
isso pra mil amigas, principalmente porque você diz: "Elas são tão cheirosinhas...
elas fazem biquinho e deitam no teu ombro..." e "quando a mão dele toca tua nuca,
tu derretes feito manteiga" ou "elas têm horror a qualquer carninha saindo da calça
de cintura, tão baixa que o cós acaba!"...
"Eu jamais escreveria "cós acaba!, minha filha!". "Ah... Não seja modesto! É a
melhor coisa que você já fez!"- e sai rebolando, feliz...
98
Agora surgiu mais um, onde eu ensino aos homens do meu Brasil como evitar
chifres, como não serem cornos, ou "córnos"? Todos nós já levamos nossas
chifradinhas (saibamos ou não...), mas não sou um especialista nessa desdita. E o
texto é de amargar:
"As 'mulheres modernas' têm um pique absurdo em relação ao sexo e,
principalmente dos 30 aos 38 anos, elas querem fazer sexo todos os dias, nem
precisa dizer que se não for com você... Nem pense em provocar 'ciuminhos' vãos.
Como pude constatar, mulher insegura é uma máquina colocadora de chifres. Quem
não dá assistência, abre concorrência e perde a preferência".
Assinado, eu.
Que vou fazer? Sei que a cornologia é uma ciência respeitável. Conheço
vários tipos famosos de chifrudos, como o "corno Papai Noel", aquele que não vai
embora por causa das criancas, sei do "corno asmático", que chega em casa
avisando a mulher com tosse e assobio, ouvi falar do vacilante "corno cético", que
vê a mulher entrar no motel com o grande Ricardo e pensa: "o que me mata é essa
dúvida..." E, claro, o magnífico "corno churrasquinho", aquele que põe a mão no
fogo pela mulher...
O corno é um solitário. Ninguém tem pena dele; até os amigos exultam
quando surge um novo corno na praça. "Antes ele do que eu", pensam, como nos
velórios. O corno é objeto de riso. Quem sofre pelos chifres alheios? Uma boa
infidelidade acaba com a onipotência de qualquer um. "Eu sou craque com
mulher..." e paff!... lá vem o chifre e o sujeito cai na sarjeta mais próxima.
O corno sofre sozinho, com pena de si mesmo e ainda por cima, depois de
Freud, dizem que ele é culpado pelos próprios chifres. Ou, pior, que ele não passa
de uma boneca enrustida que "desejava" a traição, por oblíquo amor ao Ricardão. E,
se ele se recuperar rápido demais, causa desconfiança, por falta de hombridade. O
corno compreensivo, progressista, é visto apenas como "manso".
Ao corno não adianta reclamar, pois o mal já foi feito; nada refará a
virgindade conjugal perdida. Raramente, os cafajestes são cornos, ao contrário do
que se pensa. Em geral, os bonzinhos é que dançam, pelo erro de dar garantias de
vida à mulher. Mulher só ama o impalpável e o cafajeste tem uma aura mitológica.
Mulher detesta homem frágil, que pede ajuda. É chifre na certa (cartas feministas à
redação...) o que lhe faz apaixonado pela mulher traidora. A dor da paixão é seu
consolo. A mulher não é corna; a mulher até se consagra com a traição do homem mártir e heroína de um amor perdido.
Hoje em dia, o brasileiro está em pânico com os chifres porque se sente
corneado na vida real. Acabamos de levar mais um chifre na copa, com o Zidane
comendo nossos craques, nós que confiávamos tanto neles. Choramos em meiofios e botequins as lágrimas da ingratidão. Somos cornos na política também, com
deputados, senadores e o Lula fazendo conosco o que "ricardões" executam com
nossas mulheres. Com os mensaleiros se candidatando de novo, com os
sanguessugas impunes, com o PMDB nos Correios, estamos com uma galhada
florescente nas cabeças. Humilhados e ofendidos, e não temos a quem nos queixar.
99
A propósito, recebi outro dia um e-mail de um corno "histórico ou político",
para quem a crise nacional e a crise pessoal se misturam numa única dor:
"Boa tarde, meu caro Arnaldo, Após ler sua coluna sobre as traições da política, me
senti como um namorado traído que esperava uma entrega total por parte de sua
namorada, pois a um bom tempo estávamos planejando morar juntos. Para minha
surpresa, o que recebi como resposta aos meus anseios foi aquela famosa frase 'Sente aqui que precisamos conversar...' Um calafrio correu em minha espinha e o
inimaginável aconteceu. Ela decidiu que cada um iria em direção oposta ao outro. A
decepção tomou conta de mim, pois aquilo que de bonito havia em minha vida,
transformou-se em frustração. Eu me senti com a dor causada pelo fracasso
gigantesco na Copa. Do alto de meus 37 anos, vejo que sou apenas mais um refém
da situação caótica em que vivemos neste País de Ladrões, Políticos Corruptos e
Governantes Marionetes...
Hoje, é difícil bater no peito e dizer que sou Brasileiro. É angustiante e
estarrecedor ver que até os jogadores não são mais brasileiros, venderam-se por
um punhado de dólares e esqueceram suas origens. Aí, vos pergunto, seu Arnaldo:
Esse País está fadado ao fracasso, ou posso sonhar com a volta de minha amada?
Atenciosamente..."
Está aí. Imito minha imitações, mas é tudo verdade. Podem publicar na
internet. Eu negarei que tenha escrito.
Nesse artigo, Arnaldo Jabor aborda a traição, outro tema do universo de
Nelson Rodrigues.
O ex-cineasta inicia o texto comentando que circulam pela internet muitos
artigos atribuídos a ele, mas que não o são, na realidade. Um desses trataria da
beleza dos gaúchos, o que provoca manifestações positivas de pessoas que
nasceram no Rio Grande do Sul. O colunista faz uma abordagem caricata dos
gaúchos, com intenção humorística: segundo Jabor (2006a), o texto é saudado “com
viril alegria por homenzarrões” na rua, que afirmam “Tché, tua escritura estava
macanuda”. Ao afirmar que nega aos “bigodudos” a autoria do artigo, Jabor
emprega uma das técnicas do chiste, conforme Sigmund Freud – discutida
anteriormente: a representação mediante algo pequeno. O cronista resgatou um
detalhe da “fisionomia” típica dos gaúchos – o bigode – para representar os
indivíduos nascidos no RS e, assim, criar um efeito humorístico.
Em seguida, Jabor reporta o que disse a uma moça que o parabenizou por
um texto sobre “mulher brasileira”, também não redigido por ele: “Eu jamais
100
escreveria ‘cós acaba!, minha filha!’” (JABOR, 2006a). Tal afirmação de Jabor pode
ir ao encontro da ironia romântica, segundo as considerações de Beth Brait (1996),
pois o colunista mostra-se refinado – uma das características do ironista romântico é
a sofisticação –, ao dizer que nunca escreveria “cós acaba”.
Chegando então ao assunto principal da coluna, o ex-cineasta trata de outro
texto “seu”, em que ensina aos homens como evitar serem traídos. Novamente,
Jabor apresenta-se como um ironista romântico, visto que, para ele, tal texto “é de
amargar” (JABOR, 2006a). Com isso, o cronista indica que não poderia mesmo ser
o autor do escrito, pois esse é de baixa qualidade.
Mais adiante, Jabor recorre a Sigmund Freud, para reforçar seu comentário
sobre traição: “O corno sofre sozinho, com pena de si mesmo e ainda por cima,
depois de Freud, dizem que ele é culpado pelos próprios chifres. Ou, pior, que ele
não passa de uma boneca enrustida que ‘desejava’ a traição, por oblíquo amor ao
Ricardão” (JABOR, 2006a). Nessas afirmações, Jabor indica que, não bastasse a
‘gravidade’ da condição de traído, Freud, “ainda por cima”, postulou que o sujeito é
culpado pelos próprios “chifres”, ou, “pior”, que ele inconscientemente deseja a
traição. Pode-se entender que, na ótica de Jabor, os próprios termos em que se dá
a traição são irônicos e absurdos.
Justificando, por fim, o título da coluna, Arnaldo Jabor comenta que o
brasileiro sente-se traído na “vida real”: fomos traídos na Copa do Mundo pelos
jogadores – nos quais, segundo o colunista, tanto confiávamos –, e na política
também, com “deputados, senadores e o Lula fazendo conosco o que ‘ricardões’
executam com nossas mulheres” (JABOR, 2006a). Jabor, nesses trechos, constrói a
ironia por meio de associações entre a má conduta dos políticos brasileiros e a
‘atuação’ de um amante. Para o colunista, a corrupção dos políticos em que
depositamos confiança também é uma forma de traição. Jabor disse isso, no
entanto, de modo irônico, é claro.
101
7.2.3 “Entrevista com um político do bem”, publicada em O Globo, em 18 de
julho de 2006
- O senhor é um político honrado?
- Começo por descrever os outros. Na recente crise do país, surgiu um tipo de
político que usa o poder só para devorar dinheiro público. Eles não têm os
escrúpulos que ostentávamos, como uma homenagem hipócrita à virtude. Falta a
estes neo-corruptos a capacidade de ocultar suas perversões, pois se atiram aos
roubos com uma fome desabusada, sem dissimulações. Essa raça de interesseiros
não tem noção da "poética da corrupção". Eles não têm nem a "physique du rôle" gentalha lamentável. Não têm um mínimo de elegância, de postura parlamentar, não
têm oratória, não se cuidam, têm o prazer perverso de nos chocar com suas
carantonhas sórdidas. Sem contar a outra novidade que apareceu: a quadrilha de
"revolucionários" que atacou o Estado para roubar, com o pretexto de um socialismo
psicótico, santo Deus... Eu sou o verdadeiro político brasileiro, semeado na Colônia,
regado no Império, desabrochado na Primeira República e vicejando até hoje. Eu
tenho raízes na nacionalidade. Por isso, acho que a coisa mais grave no Brasil de
hoje foi a desmoralização da política.
- Mas, qual é a diferença?
- Eu sou do tempo em que tudo era a aparência, em que havia a pose.
Ahhh... Como era importante a pose. Uma de nossas belezas era justamente
"aparentar"; podíamos ter no bolso do paletó um "jabá" recente, ali, quentinho...há
há, "jabá", como vocês chamam, mas a pose era imprescindível. O importante não
era ser honesto; era parecer honesto. Eu nunca pensei no bem do povo, claro, e
sempre no meu interesse, mas era importante que esse egoísmo viesse vestido de
mansuetude, de uma dignidade que engane até a mim mesmo. Digamos que eu
multiplique meu patrimônio (bela palavra...) em poucos anos... Então, convenço-me
de que preciso de ilhas, iates e fazendas para ter a tranqüila solidez de um bom
estadista... O bom mentiroso deve convencer a si mesmo...
- Mas, e o futuro? E o bem do povo?
- Já fui um romântico, meu filho. Queria mudar o mundo, mas entendi que a
beleza estava no que vocês chamam de "reacionários" e que eu chamo de
"clássicos". A oposição é feia, cheia de rancor e inveja. "Fora do poder tudo é
ilusão", disse o Lenin, não? Pois eu nunca fiquei fora, porque, meu filho, há um
outro Poder mais profundo que o partido A ou B, há um poder que se entrevê nos
gestos seculares da elite, na fronte alta, no perfil de medalha, nos ternos bem
cortados, nos sorrisos concialiatórios, no autoritarismo egoísta disfarçado de
tolerância democrática. Não sou nenhum Milton Campos, nem Ulysses Guimarães
ou Tancredo, mas tenho de herdar sua postura, mesmo achando-os uns velhos
otários de um passado remoto. Eu me lembro de meu primeiro "mensalão", como
hoje chamam. Antes eram "bons negócios". Fiquei emocionado, sentindo-me gente
grande, ali, com um cinismo altaneiro, sentindo a verdade crua do interesse, sem
brados de falsa virtude. Lembro-me da mala de dinheiro que recebi, impávido, sem
um tremor no rosto e isso me deu grande orgulho e alegria. Nada mais triste que a
102
honestidade anônima, inútil. Nem a mulher respeita o honesto. O importante é não
sê-lo, parecendo.
- E o progresso, como se faz?
- Meu amigo, este país sempre foi construído pelos arreglos mais, digamos...,
inusitados... Ouça: através dos contratos superfaturados, de favores clandestinos,
da eterna corrupção, foi se construindo um país, uma cultura e, bem ou mal, as
instituições se ergueram. Não vejo mal nisso; há uma grande beleza nesse
casamento, nesta simbiose entre crime e progresso. Quem trabalharia,
empreenderia algo, apenas pelo abstrato "interesse público" que vocês cismam que
existe? Não há isso. Só o interesse pessoal, privado, só os egoísmos casados
constroem um futuro. O "desprendimento" romântico é hipocrisia, narcisismo, talvez
até uma forma de masoquismo; havia interesse pessoal até na madre Tereza de
Calcutá, aquela exibicionista. Eu sou humilde; aceito favores sim, tenho a modéstia
de fazer negócios excusos, numa boa, sabendo que as pequenas corrupções são os
chamados "fringe benefits" da política, que vão nos enriquecendo no curso dos
anos, ao contrário dos golpes sem elegância que esses neo-canalhas fazem por aí.
É preciso ser forte para ser desonesto. Há uma desonra digna que faz parte de
nossa tradição.
- E políticos como o senhor são respeitados...
- Quando surge alguma crise com sôfregos reformistas, nós chegamos com
sorrisos calmos e um certo amargor conformado nos lábios, lembrando que a
história humana sempre foi assim, injusta e incompleta e que temos que aceitar
essa contingência. Nesta era do fim das utopias, é até bom ostentar um certo vazio
ideológico, como se dentro de mim morasse a conciliação de todos os contrários.
- O senhor sofre com isso?
- Eu? Nada; até lhe confesso alguns secretos prazeres. Adoro vivenciar o
meu cinismo, minha cara de jogador de "poker"; é uma delícia não ceder ao
sentimento de culpa diante de crueldades que tive de cometer. É bela a coragem de
concordar com injustiças e sabotagens, de boca fechada, com a consciência muda,
como diante de um mal necessário. Há um grande prazer em prometer e não
cumprir, em trair de cara limpa, amigo... Há prazer em se vingar de ex-inimigos
arrependidos com um humilhante perdão.
- E o poder compensa isso tudo?
- É doce o rumor dos puxa-sacos te lambendo a alma, o ronco dos
helicópteros, a preciosa presteza dos ajudantes-de-ordem, dos seguranças, negões
fiéis às tuas costas. O poder também te permite consolidar uma imagem para a
posteridade contrária a tudo que você realmente é. E não só para os outros, agora e
no futuro, mas para mim mesmo. Minha preocupação é como serei descrito no
futuro. O único problema é a finitude: vou pintando os cabelos, bigodes, vou
adornando minha biografia, mas a finitude é grave. Mas, acredito mesmo que sou
um homem de bem, bom para o Brasil. Na mentira, o essencial é o auto-engano.
- O senhor ama o Brasil?
- Tenho amor pelo Brasil, sim... Tenho um amor amarrado em mim mesmo,
uma mistura de mim com as florestas e cachoeiras, mim e o povo. Sempre que
penso no país, eu me amo. Afinal, eu sou o Brasil...
103
A ironia, nessa coluna de Arnaldo Jabor, já vem logo na chamada. Ao ler o
texto, percebe-se claramente que o autor quis dizer o contrário do que sugere no
título, já que o político ‘entrevistado’ é um corrupto. Portanto, não se trata – por mais
que a ‘fonte’ diga-se ‘honrada’ – de um político ‘do bem’. Tal procedimento remete,
de novo, a Sigmund Freud, para quem o ironista diz o contrário do que pretende
comunicar a outra pessoa, fazendo, porém, que esta entenda a intenção, por meio
de alguns sinais estilísticos, no caso da escrita.
O texto de Jabor é, em si, irônico. O colunista, obviamente, não apóia a
corrupção, mas veicula uma ‘entrevista’ com um ‘político’ que diz não ver problemas
em fazer “contratos superfaturados” e “favores clandestinos” e que considera bela a
“coragem de concordar com injustiças e sabotagens, de boca fechada, com a
consciência muda, como diante de um mal necessário” (JABOR, 2006c). Talvez,
aqui, Jabor tenha pretendido fazer uma crítica indireta à população brasileira, que
pouco se manifestou contra os casos de corrupção registrados no governo Luis
Inácio Lula da Silva. Fez tal crítica, portanto, por meio de um texto que usa ironia.
Jabor criou um texto em que um corrupto ‘clássico’, com a ‘inocência’ de
tempos passados, discorda do modo como a corrupção é feita hoje. Em um discurso
muito mais hipócrita do que irônico, o ‘político’ lembra de como os atos ilícitos eram
cometidos com mais ‘elegância’ e altivez, na sua época. Ele sente saudade dos
‘bons tempos’ da corrupção. Jabor pode estar ironizando, assim, o pensamento de
uma parcela da população brasileira, que insistia em relativizar os casos atuais de
corrupção, minimizando-os, ao compará-los com outros episódios do passado.
Alguns efeitos humorísticos decorrem das perguntas e intervenções de Jabor.
É o que acontece, por exemplo, na indagação “O senhor é um político honrado?”,
em que está implícita a ‘surpresa’ e o desejo do jornalista em confirmar esse caso
tão incomum. O mesmo ocorre no comentário “E políticos como o senhor são
respeitados...”, em que fica latente o desencanto do autor em relação à condição de
seu ‘entrevistado’.
104
7.2.4 “O malabarista”, publicada em O Globo, em 25 de julho de 2006
Meu carro parou no sinal e surgiu, do nada, um menino, magrinho, sete anos
no máximo, descalço, com a bermudinha escorrida e uma camiseta de
supermercado, jogando para o ar três bolinhas de tênis, num frágil malabarismo. Era
mais de meia-noite: eu dentro do carro blindado e ele lá fora, diante dos faróis, sob a
névoa fria do sereno. Fiquei em pânico.
Se ele estivesse pedindo uma esmola, de dia, seria normal sua presença;
uma esmola legitimaria uma contradição social inteligível. A esmola aceita
tristemente o mundo mau como inevitável e ainda faz de nós homens "bons". Uma
esmola me salvaria, mas, ali, de madrugada, sem pai nem mãe, vi que aquele
menino estava trabalhando para mim, me dando um show com todas as regras para
me impressionar.
Minha solidão cresceu e me senti desmascarado, acusado pela inocente
presença do pequeno artista. Naquele confronto na noite, quase um duelo mudo,
ele, solto, fraco, quase voando no vento, era a realidade crua do País; eu é que era
o absurdo, protegido, blindado. E ele não estava pedindo caridade, pena, como
fazem os mendigos, expondo chagas, gemendo de cabeça baixa. Não. Ele não
queria inspirar piedade; queria apenas um pagamento por seu trabalho de operário,
como se dissesse: "Eu tenho profissão, sou um menino malabarista, tenho
dignidade como o senhor".
Essa igualdade profissional, de um cidadão como eu, era quase ofensiva. Eu
não sabia fazer malabarismo e sua perícia me soava como uma acusação muda,
revelando nossa trágica disparidade social. Será que ele queria me dar uma lição de
vida, com seu malabarismo? Não, não havia traço algum de acusação contra mim;
ao contrário, ele era sóbrio, concentrado no trabalho, sem exibicionismo, um
profissional mostrando sua competência.
Ele parecia me dizer com sua arte: "De algum modo, sou útil. Nem sei se sou
infeliz. Para mim, minha vida é normal. Os outros é que se sentem anormais na
minha presença. Eu não tenho pena de mim mesmo; por isso, os outros como o
senhor ficam tão culpados. As pessoas preferiam que eu não existisse. Percebo isto
quando sou expulso de uma loja, ou quando ignoram minha presença. Eu estrago a
festa. Às vezes, quando tem uma família com filhinhos, papai e mamãe na porta da
padaria, fico bem perto deles. É uma maneira de ter uma família, só que "de fora".
Sou um antiirmãozinho. Os filhos me olham, espantados. Os pais, então, têm de
"explicar" porque eles não são como eu... E não conseguem. Eu sou inexplicável..."
E nada do sinal abrir... "Meu Deus, tomara que fique verde logo, para eu
fugir"... Eu quase pedia ao menino piedade para mim, tolerância para meus
privilégios, pois afinal, eu trabalhava também e merecia aquele carro, apesar de ele
estar descalço e seminu.
105
E o sinal não abria. Ninguém para me salvar, ali, indefeso diante do
malabarista mirim. Teria sete anos? Por aí, idade de meu filho. Minha dor
aumentava enquanto ele, impávido, jogava agora uma das bolinhas por cima do
ombro, virando-se para apanhá-la nas costas, como um Ronaldinho ou Robinho.
Sentia-me um prisioneiro, quase insultado por aquela invasão da miséria.
"Como ousam sujar minha noite de folga, sem me pedir licença, me obrigando a
sentir horrendos sentimentos? Será que não se pode mais ser feliz no Rio? Não é
justo... Com que direito ele me invade a vida? Será que ele é avião de traficantes,
será que ele é filho de ladrões? E a Polícia que não vê isso? E o governo que não
interna essas crianças?".
Tentei me consolar com o ódio ao capitalismo, mas não adiantou, pois eu era
a contradição principal, eu era o agente da classe dominante, eu era o inimigo. O
menino não parava de jogar para o céu as três bolinhas voadoras que,
domesticadas, eram a metáfora de seu teimoso malabarismo de viver, só, miserável,
magrinho, mas ainda capaz de resistir pela graça de sua arte: "Eu me viro, faço
pirueta e agüento o tranco". Havia um certo orgulho no menino.
Peguei a carteira e pensei: "Vou dar uma esmola bem grande, 50 pratas!"
Mas, vi que eu queria apenas me salvar. Não. Não vou dar tanto, seria um reles
mecanismo de purificação. Pensei então em não dar nada, porra nenhuma, para
endurecer meu coração como numa ginástica interna - "Pois, se eu tiver pena de
tudo, morro. Para viver hoje, 'hay que endurecer' (sin perder la ternura?)".
Depois, tentei me consolar pela comiseração pois, afinal, eu estava
transtornado, e isso denotava uma forma de compaixão, de sensibilidade... Afinal,
eu era legal... Mas, nada... Só o tempo me salvaria, quando o maldito sinal abrisse e
eu saísse em velocidade, para tomar um uísque e esquecer. Tentei o cinismo:
"afinal, o mundo sempre foi uma bosta, Hiroxima, Iraque, África..." Mas, o menino
estava vivo; ele não era um conceito, não era uma contradição. Era um outro
cidadão ali na noite, era um espelho meu, um semelhante.
Já pensava num golpe de direção: avançaria o sinal, cantando pneus para
longe dali. Foi quando o sinal abriu. O menino veio até a janela, depois de uma
pobre mesura de picadeiro. Trêmulo, dei-lhe 10 reais (ele era tão pequenino...) Fui
generoso, mas ainda "dentro do mercado". Ele me olhou sem medo, mas sem
gratidão. Estávamos "quites". Disse um breve "obrigado" e foi sentar-se no meio-fio,
esperando outro carro. E eu fui embora, me sentindo levemente assaltado.
Sim, foi como um assalto sem armas, sem dinheiro, mas fui despojado de
certezas, de sossegos, me senti roubado de coragem, de esperança. E saí
pensando: "Que será de mim, meu Deus?" Saí dali como de uma guerra, me
sentindo um desertor.
E fiz um juramento: nunca mais caio nessa. Se vierem outros, farei uma
manobra e avançarei o sinal.
106
Esta crônica de Jabor tem um viés mais sentimental do que irônico. O autor
escreve sobre sua reação à presença de um menino de rua no sinal, fazendo
malabarismos com bolas para conseguir algum dinheiro dos motoristas. Jabor foi
tocado pela situação. Isto seria comum a um ironista romântico, que, conforme Beth
Brait (1996), é alguém bastante sensível.
Há ironia, porém, em algumas passagens do texto. No terceiro parágrafo, o
colunista comenta a disparidade entre as duas condições, a dele e a do menino. Em
“[...] ele, solto, fraco, quase voando no vento, era a realidade crua do País; eu é que
era o absurdo, protegido, blindado” (JABOR, 2006d), Jabor faz ironia consigo
mesmo, ao considerar-se “absurdo”. Tal construção vai ao encontro da idéia de
Dominique Maingueneau (apud BRAIT, 1996), para quem o ‘locutor’ de uma
enunciação irônica não se responsabiliza pela situação que é seu alvo e, também,
considera-a absurda.
É possível afirmar ainda que, nesse texto, Jabor faz, de certa forma, ironia
socrática, ao se diminuir diante do garoto malabarista, como indica o seguinte
trecho: “E nada do sinal abrir [...]. Eu quase pedia ao menino piedade para mim,
tolerância para meus privilégios, pois afinal, eu trabalhava também e merecia aquele
carro, apesar de ele estar descalço e seminu” (JABOR, 2006d).
No final da crônica, no entanto, o autor ‘reage’ e afirma que nunca mais ‘cairá’
em situações desse tipo. Jabor promete que, se vierem outros meninos de rua como
aquele, ele avançará o sinal. O texto, assim, mesmo tratando de um tema sério,
termina de maneira espirituosa.
No quadro a seguir, são apresentados, simplificadamente, os trechos das
colunas de Arnaldo Jabor em que características da ironia e do ironista são
encontradas.
107
Características da
ironia e do
Trecho em que a característica é encontrada
ironista,
apontadas nos
textos analisados
de Arnaldo Jabor
Tratar o seu objeto
com desdém,
[...] nossos craques não perderam quase nada com a
desqualificando a
derrota, tiveram apenas um mau momento entre milhões de
realidade sobre a
dólares e chuteiras douradas pela Nike. (JABOR, 2006b).
qual faz o
comentário
Basear-se em um
detalhe da natureza
Eu nego aos bigodudos ter escrito aquele ditirambo
do objeto
(representação
farroupilha [...]. (JABOR, 2006a).
mediante algo
pequeno)
Mostrar-se refinado
Eu jamais escreveria "cós acaba!, minha filha!".
(ironia romântica)
(JABOR, 2006a).
Dizer o contrário do
que quer sugerir,
possibilitando ao
Entrevista com um político do bem (JABOR, 2006c).
receptor, porém,
compreender suas
reais intenções
E nada do sinal abrir [...]. Eu quase pedia ao menino
Diminuir-se diante
piedade para mim, tolerância para meus privilégios, pois
do seu objeto (ironia
afinal, eu trabalhava também e merecia aquele carro,
socrática)
apesar de ele estar descalço e seminu. (JABOR, 2006d).
Quadro 1: Características da ironia e do ironista, em textos de Arnaldo Jabor
108
8 DIOGO MAINARDI
Tem muita gente que não entende ironia, sarcasmo, este tipo de
coisa. É uma deficiência cultural nossa. Nós, brasileiros, temos uma
incapacidade de ver o debate, a troca de opiniões, como algo que
pode ser ácido, sarcástico, afiado, provocatório... Eu acho que todas
estas coisas fazem parte do confronto de idéias. Eu sempre achei
que idéia era uma coisa pra ser confrontada. Que você não devia
buscar o consenso. E a ironia é uma arma que você pode usar para
falar as coisas. Mas nem todos entendem a ironia. Pra quem faz a
ironia, é até melhor, é mais engraçado quando as pessoas não
entendem e levam a sério o que você faz. É mais divertido.
(MAINARDI, 2006a).
8.1 A ironia mordaz
Ele é o autor dos textos que mais provocam envios de cartas de leitores à
revista Veja (GNT, 2006b). Suas críticas são conhecidas por atingirem a tudo e a
todos, mas têm sempre um alvo em especial: o Brasil. Certa vez, ao comentar a
campanha “O melhor do Brasil é o brasileiro”, promovida pelo governo federal, saiuse com essa: “Se de fato o melhor do Brasil é o brasileiro, imagine como deve ser
ruim o resto do país” (MAINARDI, 2004b, p. 117). A respeito dessa crônica, 40
leitores manifestaram-se à Veja. O número, porém, costuma ser bem maior.
O escritor, roteirista e colunista Diogo Briso Mainardi nasceu em São Paulo,
em 1962. Aos 13 anos, decidiu que seria escritor. Foi, porém, anos depois, para
Londres, onde ingressou na London School of Economics (DIOGO MAINARDI,
2006). Em 1980, na capital inglesa, autodidata aos 19 anos, procurou Ivan Lessa e
disse ao escritor e jornalista: “Sou seu fã e quero que você seja meu tutor” (apud
GNT, 2006b).
Mainardi, então, começou a negligenciar as aulas de Economia, para ler os
livros que Ivan Lessa lhe emprestava. Acabou abandonando a universidade
109
definitivamente
31
(MAINARDI, 2004a). Em 1987, Mainardi foi morar em Veneza, na
Itália.
O primeiro livro veio dois anos depois. “Malthus” trazia uma novela e dois
contos breves. O tema da obra já era controverso: a novela, que dá nome ao livro,
remete ao economista inglês Thomas Robert Malthus. Este, no século XIX, teorizou
que o crescimento populacional seria mais rápido que o crescimento da produção
alimentar. Para isso não comprometer o equilíbrio natural da espécie humana, o
economista recomendou abstinência sexual – ou seja, que as pessoas só tivessem
filhos se pudessem sustentá-los (SENE; MOREIRA, 1998). Repleta de sátira,
fantasia e farsa, a obra rendeu a Mainardi o Prêmio Jabuti – o mais importante da
literatura brasileira – de 1990, na categoria Contos.
No início dos anos 1990, ainda, Diogo Mainardi começou a fazer perfis de
personalidades européias e resenhas literárias para a revista Veja. Também na linha
da literatura satírica, o escritor lançou os livros “Arquipélago”, em 1992, “Polígono
das secas”, em 1995, e “Contra o Brasil”, em 1998. Em “Polígono...”, Mainardi
ridiculariza os mitos sertanejos, fazendo uma crítica sarcástica aos clássicos da
literatura regionalista brasileira. Já “Contra o Brasil” tem como protagonista Pimenta
Bueno, um anti-herói que, durante todo o livro, emite impropérios contra o Brasil –
ditos, originalmente, por figuras históricas que estiveram em nosso país, como
Claude Lévi-Strauss, Charles Darwin e Eça de Queiroz. A narrativa é estruturada em
forma de texto de teatro, com diálogos e rubricas, como se fosse uma farsa.
Altamente elogiados pela crítica, os livros, no entanto, foram fracassos de vendas.
Além dos quatro romances, Mainardi elaborou dois roteiros para o cinema:
“16060”, de 1995, e “Mater Dei”, de 2001. Os filmes foram dirigidos por seu irmão, o
cineasta Vinicius Mainardi. Apresentando uma visão ácida da sociedade brasileira,
essas obras também não obtiveram retorno comercial. Insatisfeito por seus
31
Em uma de suas crônicas, Mainardi comentou este fato de sua vida e aproveitou para ‘alfinetar’ o
presidente Lula: “Em sua recente passagem por Londres, Lula recebeu uma homenagem da London
School of Economics. O reitor chegou a chorar. Eu já era grato a Ivan Lessa por ter sabotado minha
carreira estudantil. Depois da homenagem a Lula, fiquei duplamente grato” (MAINARDI, 2004a, p.
206).
110
romances e filmes não terem gerado a discussão que esperava, Diogo Mainardi
desistiu da literatura e do cinema (CEDRONI, 2006).
Em 1999, o escritor passou a ter uma coluna semanal em Veja. Seus
assuntos principais eram Literatura e Arte. Depois de três anos escrevendo sobre
cultura, Mainardi abandonou o tema e começou a tratar mais de política e economia.
Na coluna “A cultura me deprime”, o autor trouxe algumas impressões sobre a
cultura contemporânea e, de certo modo, justificou sua ‘guinada’ para outros
assuntos:
[...] as páginas de cultura não forneceram um único assunto que
valesse dez minutos de conversa despretensiosa, numa mesa de
restaurante. O ambiente cultural se acostumou à idéia de que não
tem nada de relevante para acrescentar à realidade. Esse papel
passou a ser cumprido sobretudo pelos economistas, que cultivam o
gosto pela polêmica e pelo paradoxo, gerando as melhores
discussões na sociedade. Quanto à cultura, tornou-se um blefe.
(apud DIOGO MAINARDI, 2006).
Em 2003, Diogo Mainardi entrou para a mesa-redonda Manhattan
Connection, do canal GNT, após a saída de Arnaldo Jabor. A idéia era manter o
mesmo toque polêmico do programa. O colunista, então, deixou Veneza e veio
morar no Rio de Janeiro. Um ano depois, publicou “A tapas e pontapés”, uma
coletânea das melhores crônicas que escreveu para a Veja.
Mainardi é, hoje, um dos autores mais polêmicos da imprensa nacional. Suas
opiniões carregadas de sarcasmo, na maioria das vezes, irritam os leitores. Políticos
são alguns dos ‘alvos’ principais de suas colunas na Veja. Várias de suas ironias,
por exemplo, foram direcionadas a líderes europeus, como o ex-primeiro-ministro
italiano Silvio Berlusconi. Nos últimos anos, o colunista tem sido um crítico contumaz
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do seu governo (DIOGO MAINARDI, 2006).
Sempre com um estilo irônico, Mainardi implica com as atitudes do presidente e com
as decisões que ele toma, as quais considera equivocadas. O colunista, por
exemplo, foi o primeiro a se manifestar na imprensa a respeito do suposto exagero
da parte de Lula no consumo de bebidas alcoólicas, em 2004. Um correspondente
111
no Brasil do jornal norte-americano The New York Times, então, ‘embarcou’ nessa
‘informação’ e produziu uma ‘reportagem’ sobre o assunto, que gerou intensa
polêmica e quase o levou a ser expulso do país pelo governo federal. Na ocasião,
os porta-vozes da Presidência tentaram desconsiderar a matéria, chamando as
fontes do repórter norte-americano de ‘pouco confiáveis’. Mainardi afirmou: “O
governo me chamou de ‘fonte sem confiabilidade’. Foi o maior elogio que já recebi.
Vou emoldurar e pendurar na parede. Imagine se eu fosse considerado um ‘homem
de confiança’ do governo. Eu mudaria de profissão” (MAINARDI, 2004a, p. 68).
A religião e o misticismo em geral também são combatidos por Mainardi. O
autor apresenta-se como alguém cético, que questiona todo tipo de crença. Na
coluna de 11 de junho de 2003, intitulada “Menos deus, por favor” – perceba-se que
ele grafou o nome em minúsculo –, Mainardi critica os chamados ‘Atletas de Cristo’
e defende que as manifestações religiosas sejam menos eloqüentes:
A legislação alemã é muito restritiva em relação às religiões mais
agressivas na arregimentação de fiéis. [...] O país mais rigoroso no
tratamento reservado aos cultos religiosos, porém, é a França. É o
contrário do Brasil. O Brasil tem deus demais. Tem deus no futebol,
nos vidros dos carros, na TV, no rádio, nos hospitais, nas salas de
aula, na reforma agrária, na política. Qualquer um pode atribuir-se
milagres em nome de deus. E, em nome de deus, qualquer um pode
enfiar a mão no bolso dos outros. Precisamos de menos deus.
(MAINARDI, 2004a, p. 82).
Na edição seguinte, Veja dedicou seu editorial à repercussão causada por
esse texto. Foi o artigo de autor que mais recebeu cartas na história da revista: 387
leitores manifestaram-se sobre tais opiniões de Mainardi.
O colunista da Veja também incomoda por, muitas vezes, implicar com
aspectos, até certo ponto, banais da vida cotidiana, com os quais ninguém implica,
por, talvez, não identificar razão para tal. Isso pode ser percebido na divertida
crônica “É duro ser bebê brasileiro”, publicada em 17 de janeiro de 2001. No texto, o
articulista, depois de comentar o que costuma fazer para entreter seu filho de sete
meses, constata como as cantigas infantis brasileiras são ruins:
112
“Atirei o pau no gato”, por exemplo. Crianças são sádicas. Admito
que elas se divirtam com a imagem de um gato morto a pauladas. O
que eu me recuso a cantar é aquela execrável corruptela “berrô”.
Bem mais enigmático é “Escravos de Jó”. Que eu saiba, o “Livro de
Jó” não fala em escravos. Muito menos em escravos que jogavam
caxangá. Aliás, alguém poderia me informar o exato significado de
caxangá? Segundo o Aurélio, trata-se de um “crustáceo decápode”.
É isso mesmo? Os escravos jogavam “crustáceos decápodes”?
(MAINARDI, 2001, p. 129).
Do mesmo modo com que destila suas ironias, entretanto, Mainardi expõe
seus sentimentos. Foi o caso da crônica “Uma metáfora perfeita”, em que ele
comentou a experiência de ter um filho com paralisia cerebral:
Uma criança com paralisia cerebral é como a maçã de Newton, que,
caindo, revela os mecanismos secretos de funcionamento do mundo.
Quando as pessoas descobrem que meu filho tem paralisia cerebral,
costumam olhar para ele com uma mistura de simpatia e
condescendência. Eu olho para ele como se olhasse para um totem,
com reverência, devoção, gratidão e sentimento de inferioridade.
(MAINARDI, 2002, p. 109).
Aqueles que não gostam de Diogo Mainardi acusam-no de apenas querer
‘aparecer’, querer se autopromover à custa de ataques sem fundamento (DIOGO
MAINARDI, 2006). Sobre sua impopularidade, o colunista já comentou: “De cada
dez cartinhas que os leitores me mandam, nove são negativas. Claro que essa
gigantesca impopularidade me incomoda. Não faço o menor esforço para conquistála” (MAINARDI, 2004a, p. 199).
O texto que Mainardi produziu para a orelha da coletânea “A tapas e
pontapés” traz muito do estilo do colunista. Nesse, o autor sustenta que o brasileiro
tem opiniões demais e as joga fora como se não tivessem valor algum: “A oferta
abundante deprecia o mercado” (MAINARDI, 2004a). Ele segue: “Vivemos num país
em que qualquer idiota se sente no direito de disparar suas bobagens, porque
ninguém vai se dar ao trabalho de ouvi-las. Eu, por causa do meu trabalho, aprendi
113
a dar um justo valor às minhas bobagens”. Mainardi, então, finaliza: “Elas [as
bobagens] sempre vêm acompanhadas pelo preço. Elas têm etiqueta e código de
barras. Querendo uma, é só tirar da prateleira, botar no carrinho e passar pelo
caixa” (MAINARDI, 2004a).
8.2 Análise de colunas
8.2.1 “Vou embora”, publicada em Veja, na edição de 5 de julho de 2006
Uma senhora me abordou na rua. Eu sou muito abordado em Ipanema.
Ninguém aqui engole o Lula. Por isso me abordam. Para falar mal dele. O tempo
todo. Com as piores ofensas. É meio aborrecido para mim. Estou enjoado do Lula.
Quero me desatrelar dele. Quero parar de comentar suas asneiras. Mas agora é
tarde. Lula sou eu. Lula c'est moi.
Curiosamente, não foi para falar mal do Lula que aquela senhora me abordou
na rua. Foi para falar mal de mim. Ela queria que eu arrumasse as malas e fosse
embora do Brasil. Para sempre. Eu e meus descendentes. Porque o Brasil, segundo
ela, não é um lugar para quem não gosta do Brasil. Dei-lhe uma resposta educada e
segui adiante. Quando cheguei em casa, me deitei no sofá e pensei. Depois,
cutucando a orelha com uma caneta, pensei mais um pouco. E continuei a pensar
nos dias seguintes. Por mais que me empenhasse, não consegui encontrar um
argumento para contestar aquela senhora. Ela está certa, claro: o Brasil não é um
lugar para quem não gosta do Brasil. Tão simples. Tão linear. Tenho de dar um jeito
de me mandar daqui.
Cada um tem seu talento. O meu é ir embora do Brasil. Ninguém sabe ir
embora do Brasil com mais engenho do que eu. É nisso que sou bom. E só nisso.
Se ir embora do Brasil fosse pintura, eu seria Michelangelo. Se ir embora do Brasil
fosse literatura, eu seria Flaubert. De uma hora para a outra, consigo largar tudo e
partir. De maneira calma e ordenada. Com pouca bagagem. Minha turma é a dos
retirantes. Daqueles que matam cadelas a pauladas. Tenho trinta anos de prática
acumulada. Fui embora do Brasil num monte de oportunidades, por longos períodos.
E sempre me dei bem. Porque eu sei o que esperar dos outros lugares. Quem parte
pensando em encontrar lá fora algo muito melhor do que o Brasil se estrepa.
Comigo isso nunca acontece. Vou embora do Brasil com o único propósito de ficar
longe do Brasil. Qualquer lugar suficientemente distante daqui serve. Por pior que
ele seja.
114
Um dos maiores atrativos de ir embora do Brasil é incomodar aqueles que
ficam. Muita gente se sente pessoalmente ofendida quando alguém decide
renunciar à nacionalidade. Eu sempre achei que nada podia ser mais nobre do que
incomodar meus compatriotas. Mais nobre e mais gratificante. Estou mudando de
idéia. Incomodei um bocado de gente no último ano. O resultado é que me
encheram de processos. Todos aqueles mensaleiros que roubaram milhões e
milhões conseguiram se safar. O único punido fui eu. Por acaso entrar pela garagem
para fugir do oficial judiciário é nobre? É gratificante?
O ano que vem será um desastre para o Brasil. Golpismo de um lado.
Golpismo do outro. Já comecei a preparar a retirada, estudando as rotas de fuga. Eu
cumpri meu dever. Agora vou assistir à patetada de longe. De muito longe.
Nessa coluna, Diogo Mainardi mostra-se com uma de suas principais
características: o olhar crítico e debochado sobre o Brasil e o governo Luiz Inácio
Lula da Silva. O fato de o colunista direcionar suas ironias, principalmente, para o
Brasil e para os políticos parece confirmar o comentário do filósofo Sören
Kierkegaard (apud BRAIT, 1996), citado nesta monografia: a ironia é determinada
por idiossincrasias e opiniões do autor. Mainardi carrega de impressões pessoais a
maioria dos textos que escreve.
O autor é irônico logo no início. Comenta que é muito abordado no bairro
onde vive, no Rio de Janeiro, por pessoas que, assim como ele, não aprovam o
atual presidente. Mainardi, porém, diz que isso é aborrecido, pois está cansado de
“comentar as asneiras” de Lula. Ao classificar as atitudes do presidente como
‘asneiras’, Mainardi, então, reforça a indicação de Beth Brait (1996) de que o ironista
trata o seu objeto com desdém, desvalorizando a realidade sobre a qual faz o
comentário.
Em seguida, Mainardi é novamente irônico – observa que, “curiosamente”,
uma senhora abordou-o não para falar mal de Lula, mas dele mesmo. Pode-se
apreender que o autor não esperava que ele próprio, acostumado a criticar,
receberia uma crítica. Com isso, é possível dizer que o colunista coloca-se acima do
alvo de sua ironia, o que remete à idéia de Hegel (apud SILVA, Antonio, 2006) sobre
o recurso – segundo o filósofo, já citado neste trabalho, o indivíduo que usa ironia
eleva-se acima das demais coisas, brincando com elas a seu ‘bel-prazer’.
115
Logo depois, no entanto, Mainardi apresenta-se no extremo oposto.
Conforme o filósofo Nicola Abbagnano (1998, apud SILVA, Antonio, 2006) –
também já citado nesta monografia –, a ironia, em geral, é uma atitude de quem se
considera menos importante do que é realmente. É o que se pode depreender do
comentário “Cada um tem seu talento. O meu é ir embora do Brasil. Ninguém sabe ir
embora do Brasil com mais engenho do que eu. É nisso que sou bom. E só nisso”
(MAINARDI, 2006f, p. 119). Certamente, Diogo Mainardi não é ‘bom’ apenas em ir
embora do Brasil, mas disse isso para, justamente, criar um efeito irônico.
No texto, Mainardi também dá a entender que não considera apenas o Brasil
um lugar ruim. Afirma que já foi embora do país inúmeras vezes e que sempre ‘se
deu bem’, pois sabe o que esperar dos outros lugares. O colunista sustenta que
“Quem parte pensando em encontrar lá fora algo muito melhor do que o Brasil se
estrepa” (MAINARDI, 2006f, p. 119). Lê-se assim que, para Mainardi, outros países
são tão ruins quanto o Brasil. Além disso, com essa afirmação, o autor parece
ironizar aqueles que saem do país com o intuito de viver em um ‘lugar melhor’.
Quando o colunista volta a desvalorizar o Brasil, contudo, ao dizer que “Qualquer
lugar suficientemente distante daqui serve. Por pior que ele seja” (MAINARDI, 2006f,
p. 119), diz o contrário do que disse na frase anterior e, assim, revela a verdadeira
ironia que quer passar: mesmo que outros países sejam tão ruins quanto o Brasil, é
preferível viver neles, pelo simples fato de não se estar em solo brasileiro. Esse
procedimento vai ao encontro das idéias de Sigmund Freud (apud BRAIT, 1996),
segundo as quais o ironista diz o contrário do que quer sugerir, inserindo na
mensagem, porém, um sinal que previne o receptor de suas reais intenções.
O comentário “Eu sempre achei que nada podia ser mais nobre do que
incomodar meus compatriotas. Mais nobre e mais gratificante” (MAINARDI, 2006f, p.
119) leva novamente a Freud. Para o teórico austríaco, o processo da ironia provoca
o prazer. Assim, pode-se dizer, a partir da fala de Mainardi e desse apontamento de
Freud, que o colunista sente prazer em ‘cutucar’ os brasileiros.
No final do texto, a ironia ‘salta’ da própria situação que o autor apresenta.
Ele informa que vem sendo processado na Justiça pelos políticos que criticou. Os
corruptos que foram alvos de suas ironias, entretanto, nada sofreram... Mainardi, por
116
fim, diz que a saída é ir embora do Brasil e assistir à “patetada” de longe. Não deixa,
assim, de fazer ironia, mesmo em uma situação limitadora. Isso reforça o
apontamento de Mikhail Bakhtin (2000): entre outras funções, a ironia serve para
superar situações restritivas.
8.2.2 “O lulismo-lelé”, publicada em Veja, na edição de 12 de julho de 2006
O lulismo é uma psicopatia. Quem deu a dica foi o próprio Lula, duas
semanas atrás, no discurso de abertura de um congresso de economia solidária.
Ignoro o que seja economia solidária. Mas sei reconhecer um psicopata quando vejo
um.
Em seu discurso, Lula lembrou como foi escolhido para presidir o sindicato
dos metalúrgicos do ABC, em 1975. É uma passagem inédita de sua biografia.
Procurei-a em Lula – O Filho do Brasil, de Denise Paraná. Procurei-a também em
Lula – O Início, de Mário Morel, que acaba de ser republicado pela editora Nova
Fronteira. Nenhum dos dois menciona o episódio. Pelo que Lula contou no
congresso de economia solidária, os metalúrgicos o escolheram por meio de um
"curso de psicodrama". Há casos de líderes sindicais que foram eleitos por meio de
pancadaria. Há casos de líderes sindicais que foram eleitos por meio de
assassinatos. Lula foi o primeiro sindicalista da história a ser eleito por meio de um
curso de psicodrama. O sindicato dos metalúrgicos, na época, estava cheio de
agentes infiltrados do SNI. O curso de psicodrama só pode ter sido uma idéia da
sinistra secretaria psicossocial do general Golbery do Couto e Silva.
De acordo com Lula, ele tinha um concorrente ao cargo. Os dois foram
incitados pelo psicodramista a representar suas visões do sindicato. O concorrente
de Lula montou nas costas de um companheiro e imitou um avião. Lula, como
sempre mais banal, como sempre mais dissimulado, simplesmente pediu aos
metalúrgicos que formassem uma roda e dessem as mãos. Ganhou. Seria bom
conhecer o sindicalista que montou nas costas do companheiro. Eu teria votado
nele. O Brasil certamente estaria em melhor estado se ele tivesse sido eleito no
lugar de Lula.
No mesmo discurso sobre economia solidária, Lula comparou o Brasil a um
aeromodelo desmontado. Cito-o. Cito-o longamente. Eu sei que é aborrecido. Mas,
se há gente disposta a aturá-lo por mais quatro anos, é porque pode aturá-lo
também por um trecho de 478 toques:
"Uma vez eu ganhei um avião de presente para o meu filho e um avião todo
escrito em inglês, aquelas cartilhas para montar. Eu cheguei em casa, peguei
aquele avião e falei: o que diabos eu vou fazer com isso aqui? Eu não sei ler inglês,
eu não conheço nada de avião, como é que eu vou montar? A primeira impressão
117
que tive foi de jogar fora, deixar lá. Aí eu lembrei que era possível procurar alguém
que soubesse montar para mim. Arrumei uma pessoa que montou o avião e ficou
bem".
Eu sempre desconfiei de leituras psicanalíticas, mas o quadro é bastante
claro. Lula tem dificuldade patológica em compreender o que lhe pertence e o que
pertence aos outros. O aeromodelo foi presenteado a ele ou ao filho? É incerto a
que filho ele se referia. Se o presente foi dado a Lulinha, quais eram os termos em
inglês? Gamecorp? Game TV? Play TV? Pior: se o Brasil era complicado como um
aeromodelo desmontado, o primeiro impulso de Lula, depois da posse, foi jogá-lo
fora?
Se Lula for reeleito, é sinal de que os brasileiros surtaram. Minha receita é
despejar Risperidon nos reservatórios hídricos.
Este texto de Diogo Mainardi está repleto de ironia. O alvo é, mais uma vez, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mainardi é sarcástico já no título, ao chamar o
“lulismo” de “lelé”, expressão geralmente usada como sinônimo para louco, insano,
idiota.
No primeiro parágrafo, o colunista cria um típico caso de ironia socrática.
Afirma que ignora o que seja economia solidária, mas sabe reconhecer um
psicopata quanto vê um. Desse modo, Mainardi, inicialmente, subestima-se em
relação ao objeto de sua ironia – o presidente Lula, que, a princípio, por ter
participado de um evento sobre economia solidária, deve conhecer o assunto, ao
contrário do colunista. Em seguida, porém, Mainardi ‘ataca’: dá a entender que, ao
contrário de Lula, sabe reconhecer um psicopata. Assim, indiretamente, diz que o
presidente é um deles.
O trecho a seguir é significativo:
Pelo que Lula contou no congresso de economia solidária, os
metalúrgicos o escolheram por meio de um "curso de psicodrama".
Há casos de líderes sindicais que foram eleitos por meio de
pancadaria. Há casos de líderes sindicais que foram eleitos por meio
de assassinatos. Lula foi o primeiro sindicalista da história a ser
eleito por meio de um curso de psicodrama. O sindicato dos
metalúrgicos, na época, estava cheio de agentes infiltrados do SNI.
O curso de psicodrama só pode ter sido uma idéia da sinistra
118
secretaria psicossocial do general Golbery do Couto e Silva.
(MAINARDI, 2006c, p. 123).
Há várias construções irônicas nessa passagem do texto. Em um
procedimento que, novamente, remete à idéia de Beth Brait (1996), Mainardi
descreve em termos valorizantes uma situação que ele desqualifica. Percebe-se que
o colunista não vê valor no fato de Lula ter sido eleito para presidir o sindicato por
meio de um curso de psicodrama. Em nenhum momento, porém, Mainardi diz,
explicitamente, que isso é absurdo, ou coisa assim. A ironia ressalta do contexto,
das ‘entrelinhas’, e assim é captada pelo leitor. No mesmo trecho, o autor constrói
outra ironia, em cima da anterior. Ao associar o curso de psicodrama à “sinistra
secretaria psicossocial” de Golbery do Couto e Silva – general influente na Ditadura
Militar, Ministro da Casa Civil no governo Ernesto Geisel –, o articulista indica: a
situação, que já é ridícula, só poderia ter sido criada por um órgão também ridículo.
Mainardi segue, informando que Lula, enfim, foi escolhido presidente do
sindicato, quando, no tal ‘psicodrama’, pediu aos metalúrgicos que formassem uma
roda e dessem as mãos. O articulista é sarcástico novamente: considera a atitude
de Lula “banal, como sempre”. Assim, classifica as outras atitudes do presidente
como também banais. E avigora a ironia ao dizer que votaria no outro pretendente
ao cargo.
Em seguida, antes de inserir uma citação do presidente, Mainardi
praticamente pede desculpas ao leitor. Reforça, desse modo, sua idéia de que Lula,
o alvo de sua ironia, é insuportável. Depois, no entanto, ‘joga’ a responsabilidade da
citação para outrem, pois expõe que “[...] se há gente disposta a aturá-lo por mais
quatro anos, é porque pode aturá-lo também por um trecho de 478 toques”
(MAINARDI, 2006c, p. 123). Essa construção irônica vai ao encontro da afirmação
de Sören Kiekergaard (apud BRAIT, 1996), de que a ironia é uma atitude causada
por idiossincrasias e pontos de vista do sujeito. Para Mainardi, Lula é insuportável,
mas não, talvez, para 58 milhões de brasileiros que o reelegeram presidente em 29
de outubro de 2006. O colunista, portanto, lança suas ironias a partir de um ponto
de vista seu, muito forte.
119
Já no final do texto, Mainardi elabora outra ironia, sobre as denúncias
envolvendo o filho do presidente. Fábio Luis da Silva – ou Lulinha, como ele é
chamado – é sócio da produtora de jogos eletrônicos Gamecorp, que, mesmo com
um capital relativamente pequeno – 100 mil reais –, vendeu parte de suas ações à
Telemar, maior empresa de telefonia do país, no valor de 5,2 milhões de reais. O
negócio gerou estranheza, visto que a Telemar tem capital público e é
concessionária de serviço público (OLTRAMARI, 2006). Sobre esses fatos é que se
dá a ironia de Mainardi, quando ele pergunta se os termos em inglês do avião que
Lula teria dado ao filho seriam “Gamecorp”, “Game TV”, etc. Fazendo uma “leitura
psicanalítica”, o autor, novamente irônico, pergunta se o primeiro impulso de Lula
depois de sua posse foi jogar o Brasil fora – o que o presidente disse ter pensado
em fazer com o brinquedo, quando percebeu que as instruções de uso eram em
inglês. Por fim, remetendo-se ao início do texto, em que afirma que o “lulismo” é
uma psicopatia, Mainardi expõe que, se Lula for reeleito, é sinal de que os
brasileiros surtaram. O colunista, assim, coloca a Psicanálise ‘a serviço’ de sua
crítica irônica.
120
8.2.3 “Voto de nariz tapado”, publicada em Veja, na edição de 19 de julho de
2006
Vote em Geraldo Alckmin.
Eu disse isso mesmo? Disse sim. Disse e repito: vote em Geraldo Alckmin. É
o melhor jeito de importunar os petistas. E importuná-los é o dever de todo brasileiro
esclarecido. Os petistas aceitam ser chamados de mensaleiros. Eles aceitam ser
chamados de quadrilheiros. Nada disso os afeta. Nada disso os ofende. No último
ano, eles aprenderam a tirar de letra os piores insultos. O único ponto que realmente
os importuna é a idéia de perder o poder. De entregar os cargos. De atrapalhar os
negócios. Se Materazzi, o jogador da seleção italiana de futebol, aparecesse por
aqui, é o método que ele usaria para enfurecer os petistas. Ele diria: vote em
Geraldo Alckmin. Ou, de acordo com a leitura labial da Rede Globo: sua irmã vota
em Geraldo Alckmin. Basta pronunciar essas palavras que os petistas saem
distribuindo testadas.
Eu sei que me arrependerei deste artigo. Ele me perseguirá pelo resto da
carreira. Ficará grudado em mim como uma alface no dente da frente, avacalhando
minha imagem, cobrindo-me de vergonha. Geraldo Alckmin é um mau candidato,
tem um mau partido e, se eleito, será um mau presidente. No futuro, terei de imitar
aqueles jornalistas petistas que pediram votos para Lula e depois passaram a
simular imparcialidade. Em tempos normais, eu argumentaria que é melhor se abster
do que votar. É melhor ir à praia do que votar. É melhor ficar cochilando no sofá do
que votar. Só que este é um momento particular. Os petistas precisam ser punidos
pelo mensalão. E sobrou apenas uma maneira de puni-los: tirá-los do poder votando
em Geraldo Alckmin. É pouco? Claro que é pouco. É um amesquinhamento? Claro
que é um amesquinhamento. Mas agora é tarde demais. Todos os mecanismos
democráticos falharam, e restou somente essa saída plebiscitária, essa saída
bolivariana, essa saída bananeira. Com os petistas ou sem os petistas. Com Lula ou
sem ele.
Meu primeiro compromisso como cabo eleitoral de Geraldo Alckmin é ignorálo até outubro. Vou parar de ler seus discursos na imprensa. Vou parar de ver seus
programas na TV. Quero simplesmente tapar o nariz e votar. Quem desenvolveu a
técnica de votar de nariz tapado foi Indro Montanelli. Montanelli era uma espécie de
Materazzi do jornalismo. Na campanha eleitoral de 1976, a Itália estava rachada no
meio. De um lado, os democratas-cristãos, com sua conhecida pilantragem. Do
outro lado, os comunistas, com seus impulsos totalitários. Montanelli não
pestanejou. Num editorial, aconselhou os eleitores a tapar o nariz e votar nos
democratas-cristãos. Foi o que aconteceu. Os democratas-cristãos, que estavam
atrás em todas as pesquisas de opinião, recuperaram terreno e venceram. Um ano
depois, os terroristas das Brigadas Vermelhas se vingaram de Montanelli
metralhando suas pernas. O princípio de votar de nariz tapado até hoje permanece
121
válido. Consiste em reconhecer que, se um partido é ruim, o outro é ainda pior. Se
um candidato é perigoso, o outro é ainda mais.
Vote em Geraldo Alckmin. Sua irmã vota em Geraldo Alckmin.
Diogo Mainardi, nessa coluna, novamente apresenta-se como crítico ferrenho
do governo Lula: recomenda aos leitores que votem no candidato da oposição à
presidência, Geraldo Alckmin, como “única maneira” de tirar os petistas do poder.
Afirma, no entanto, com sarcasmo, que, para votar em Alckmin, é preciso ‘tapar o
nariz’. Desse modo, faz ironia com os dois candidatos – Lula é ruim, mas o exgovernador de São Paulo também é. Mainardi explicita seu pensamento, nesse
sentido, no final do texto, quando comenta que “[...] se um partido é ruim, o outro é
ainda pior. Se um candidato é perigoso, o outro é ainda mais” (MAINARDI, 2006e, p.
111).
O colunista faz, no artigo, uma associação cujo efeito é bastante humorístico:
sugere que o jogador de futebol italiano Marco Materazzi, se estivesse no Brasil,
também recomendaria o voto em Geraldo Alckmin, como um modo de importunar os
petistas. Ou melhor: diria “sua irmã vota em Geraldo Alckmin” (MAINARDI, 2006e, p.
111). Mainardi, então, salienta que basta pronunciar tais palavras para os petistas
distribuírem testadas.
O efeito irônico dessa construção decorre da associação com o episódio
ocorrido na final da Copa do Mundo 2006, entre França e Itália: Materazzi e o
jogador francês Zinedine Zidane estranharam-se depois que o primeiro fez forte
‘marcação’ no segundo, chegando a agarrá-lo. O juiz marcou falta, e, enquanto
preparavam-se para a cobrança, Materazzi disse alguns comentários ofensivos à
irmã do adversário. Zidane, então, desferiu uma ‘cabeçada’ no peito do italiano. O
gesto rendeu-lhe a expulsão da partida (TERRA, 2006). Para Diogo Mainardi, é isso
que acontece com os petistas: é só dizer que a irmã de algum deles votará em
Alckmin para eles desfecharem cabeçadas.
122
No parágrafo seguinte, porém, Mainardi acrescenta que Geraldo Alckmin é
um mau candidato. Votar no ex-governador, contudo, é o único jeito de impedir que
os petistas permaneçam no poder. Em seguida, o colunista indica, ironicamente,
que terá de imitar os “jornalistas petistas” que pediram votos para Lula e, depois,
simularam isenção. Com isso, faz uma crítica sarcástica ao trabalho de alguns
jornalistas brasileiros nos últimos tempos.
Ao final do artigo, Mainardi emprega a ironia para provocar os eleitores de
Lula. Seguindo o ‘método Materazzi’, diz ‘ao leitor’ que sua (do leitor) irmã votará em
Geraldo Alckmin. O colunista termina o texto assim, lançando a provocação. A idéia
que vem à mente do leitor é a de que algum petista agredirá Mainardi.
8.2.4 “Meu lado Sammy Davis Jr.”, publicada em Veja, na edição de 26 de
julho de 2006
Sammy Davis Jr. e eu. Ele era escurinho. Eu sou escurinho. Ele arranjou uma
loira. Eu arranjei uma loira. Ele sapateava e tocava xilofone. Eu sapateio e toco
xilofone. Ele apoiava Israel. Eu apóio Israel. Sou o Sammy Davis Jr. da imprensa
brasileira.
Meu apoio a Israel tem tanto significado para o conflito no Oriente Médio
quanto o apoio dos petistas ao Hezbollah. Mas o trabalho jornalístico me
transformou num Napoleão de pinel. Fico o dia inteiro esparramado na poltrona,
solucionando as grandes questões internacionais. Ontem dei um jeito definitivo na
Coréia do Norte. Hoje é a vez do Líbano. Amanhã será um dia particularmente
atribulado, porque quero levar meus filhos ao Museu Guggenheim, aqui em Nova
York. Se sobrar um tempinho, no fim da tarde prometo derrubar Hugo Chávez.
Israel pode contar com meu inestimável apoio há cerca de seis anos. O que
aconteceu seis anos atrás, para que eu colocasse um solidéu no meu cocuruto? O
primeiro-ministro israelense Ehud Barak mandou retirar as tropas do sul do Líbano.
Espontaneamente. Unilateralmente. Ninguém percebeu direito na época, mas isso
representou uma reviravolta na política expansionista israelense. Desde então,
Israel só cedeu territórios. Em particular, Gaza, no ano passado.
Na qualidade de Napoleão de pinel, eu ainda defendo essa política de
entrincheiramento. Israel deve retornar às fronteiras de 1967, cedendo os Territórios
Ocupados aos palestinos e erguendo barricadas contra seus vizinhos. Mas os
atentados das últimas semanas demonstraram que a estratégia de trocar terras pela
123
paz fracassou tragicamente. Os israelenses desocuparam Gaza e os terroristas do
Hamas aproveitaram para atacá-los. Os israelenses desocuparam o sul do Líbano e
os terroristas do Hezbollah aproveitaram para atacá-los.
Israel sabe o que fazer com os terroristas do Hamas e do Hezbollah. Vai matar
um monte deles. Onde quer que se encontrem. Se os terroristas se abrigarem num
prédio de apartamentos, Israel vai bombardear o prédio de apartamentos, com todos
os moradores dentro. Se os terroristas fugirem para a Síria, Israel vai bombardear a
Síria, apesar do risco de expandir o conflito. Algumas atrocidades serão cometidas
ao longo do caminho. Israel vai seguir em frente. Quer pegar os terroristas e vai
pegá-los.
O que os israelenses não podem resolver sozinhos é o caso do C-802. De
novo: C-802. É o nome do míssil que, poucos dias atrás, atingiu um barco israelense
no litoral do Líbano, provocando quatro mortes. Foi fabricado no Irã. É a prova de
que os aiatolás iranianos de fato forneceram armamentos e técnicos aos terroristas
do Hezbollah. O Ocidente pode tomar coragem e atacar os aiatolás iranianos. Ou
pode simplesmente fingir que o C-802 não foi disparado. Eu recomendo atacar os
aiatolás iranianos. Imagino que todos os líderes mundiais estejam lendo minhas
palavras. E que pretendam seguir meus conselhos.
Agora chega de botar ordem no mundo. Meu filho está me chamando para
sapatear e tocar xilofone.
Diogo Mainardi publicou essa coluna durante o conflito militar entre tropas de
Israel e a milícia libanesa Hezbollah, ocorrido na região sul do Líbano.
No dia 12 de julho, guerrilheiros do Hezbollah dispararam foguetes sobre
localidades e posições israelenses, perto da fronteira com o Líbano, e fizeram uma
incursão em território de Israel, quando seqüestraram dois soldados daquele país.
Israel, então, respondeu aos ataques com um forte bombardeio de bases militares e
posições libanesas. As duas forças entraram em um confronto que se estendeu por
30 dias. O cessar-fogo foi declarado em 11 de agosto (CONFLITO ISRAELOLIBANÊS..., 2006).
Mainardi inicia o texto comparando-se ao ator, cantor e dançarino norteamericano Sammy Davis Jr. Nesse sentido, o colunista observa que, assim como o
124
32
artista, ‘arranjou’ uma loira, sapateia, toca xilofone e apóia Israel . Diz-se, então, o
“[...] Sammy Davis Jr. da imprensa brasileira” (MAINARDI, 2006b, p. 127).
Mais adiante, Mainardi afirma agir de acordo com outra figura célebre, dessa
vez da História: como um “Napoleão de pinel”, o autor comenta que fica o dia inteiro
“esparramado” na poltrona, solucionando as questões mundiais. Acrescenta, então,
que ‘deu um jeito’ na Coréia do Norte e, além disso, pretende derrubar o presidente
venezuelano Hugo Chávez. Essas considerações do colunista podem ser
interpretadas a partir das concepções de Hegel (apud SILVA, Antonio, 2006), já
anteriormente expostas. Para o filósofo, o ironista coloca-se acima da lei e das
coisas, brincando com elas a seu “bel-prazer”. Mainardi fez isso: ‘brincou’ com uma
questão política séria, que é a derrubada de um presidente. Sua ironia também vai
nessa direção, na passagem em que ele diz acreditar que todos os líderes mundiais
estejam lendo seu texto e que pretendem seguir seus conselhos.
No trecho “Meu apoio a Israel tem tanto significado para o conflito no Oriente
Médio quanto o apoio dos petistas ao Hezbollah” (MAINARDI, 2006b, p. 127),
Mainardi faz ironia consigo mesmo e com os políticos do PT. Numa perspectiva que
poderia ser associada às considerações de Sigmund Freud (apud BRAIT, 1996) –
conforme o teórico, o ironista diz o contrário do que quer sugerir, inserindo na
mensagem, porém, um sinal que previne o receptor de suas intenções –, o
articulista, na verdade, está assumindo que sua opinião sobre Israel não tem
importância alguma para o conflito. Com o mesmo procedimento, Mainardi, em
seguida, avalia como insignificante o apoio dos petistas ao Hezbollah. O colunista
procede de igual modo em “Israel pode contar com meu inestimável apoio há cerca
de seis anos” (MAINARDI, 2006b, p. 127). Ele sabe que sua posição favorável a
Israel não tem valor para a questão. Diz, no entanto, que seu apoio é “inestimável”,
criando, assim, o efeito irônico.
A condição com que Mainardi se expõe, nesse artigo, é determinante para
que ele lance suas ironias. O autor defende Israel e, nisso, vai de encontro a grande
32
Sammy Davis Jr. converteu-se ao judaísmo depois de sofrer um acidente. Tal decisão gerou
protestos da comunidade negra dos Estados Unidos.
125
parte da opinião pública, que, nas questões sobre o Oriente Médio, costuma ficar ao
lado dos povos palestinos, repudiando as ações israelenses. Tal postura de
Mainardi remete à idéia do lingüista Dominique Maingueneau (apud BRAIT, 1996),
já apresentada nesta monografia: o ironista sustenta uma opinião assumidamente
contrária à da maioria, da qual ele se afasta.
O quadro a seguir contribui para uma síntese das características da ironia e
do ironista, encontradas nessas colunas de Diogo Mainardi:
Características da
ironia e do
ironista,
Trecho em que a característica é encontrada
apontadas nos
textos analisados
de Diogo Mainardi
Tratar o seu objeto
com desdém,
Estou enjoado do Lula. Quero me desatrelar dele. Quero
desqualificando a
parar de comentar suas asneiras. (MAINARDI, 2006f, p. 199).
realidade sobre a
qual faz o
comentário.
Eu sempre achei que nada podia ser mais nobre do que
O processo da ironia
incomodar meus compatriotas. Mais nobre e mais gratificante.
provoca o prazer.
(MAINARDI, 2006f, p. 199).
Subestimar-se em
relação ao objeto de
Ignoro o que seja economia solidária. Mas sei reconhecer um
sua ironia (ironia
psicopata quando vejo um. (MAINARDI, 2006c, p. 123).
socrática), para
depois ‘atacar’
Fico o dia inteiro esparramado na poltrona, solucionando as
Colocar-se acima da
grandes questões internacionais. Ontem dei um jeito definitivo
lei e das coisas,
na Coréia do Norte. Hoje é a vez do Líbano. [...] Se sobrar um
brincando com elas
tempinho, no fim da tarde prometo derrubar Hugo Chávez.
a seu “bel-prazer”
(MAINARDI, 2006b, p. 127).
Quem parte pensando em encontrar lá fora algo muito melhor
Dizer o contrário do do que o Brasil se estrepa. Comigo isso nunca acontece. Vou
que quer sugerir,
embora do Brasil com o único propósito de ficar longe do
inserindo, porém, na Brasil. Qualquer lugar suficientemente distante daqui serve.
126
mensagem um sinal
que previne o
receptor de suas
reais intenções
Por pior que ele seja. (MAINARDI, 2006f, p. 119).
Quadro 2: Características da ironia e do ironista, em textos de Diogo Mainardi
127
9 LUIS FERNANDO VERISSIMO
Figura 8: “As aventuras da família Brasil”
Fonte: VERISSIMO, 2006a, p. 2
9.1 A fina ironia
Perguntado, certa vez, sobre o modo com que constrói seus personagens,
Luis Fernando Verissimo respondeu:
Isso varia muito. Às vezes a personagem nasce da necessidade de
você fazer um comentário usando os recursos da ficção, da
personalização. Se você quer escrever alguma coisa sobre a falta de
credibilidade do governo pode dizer que só uma minoria acredita
nele ou, como o humor é a arte do exagero, pode reduzir esta
minoria a uma pessoa, uma velhinha que mora no interior de São
Paulo e que é a última que acredita, e que assim passa a existir
apenas em função desta idéia, desta crítica. (VERISSIMO apud RIO
GRANDE DO SUL, 1984, p. 4-5).
128
Nessa fala, o jornalista, escritor, cartunista e humorista expõe o processo que
o levou à criação de uma de suas mais famosas personagens: a Velhinha de
Taubaté, aquela que sempre acreditava nos governos brasileiros. Verissimo a criou
durante o governo do último presidente do Regime Militar, João Figueiredo (19791985), e anunciou sua morte em 2005, ano em que o PT – partido pelo qual
Verissimo sempre manifestou simpatia – viu-se envolvido em graves acusações de
corrupção. O próprio escritor explicou o ‘fato’: “A Velhinha estava com a saúde
abalada desde que soube da compra de votos para reeleger o Fernando Henrique.
As acusações contra o [ex-Ministro da Fazenda, Antônio] Palocci, seu ídolo atual,
foram demais” (apud VELLOSO, 2006). A Velhinha de Taubaté era uma grande
metáfora, que Verissimo utilizava para, de maneira irônica, criticar a falta de
credibilidade dos governos federais brasileiros.
Filho do escritor Erico Verissimo, Luis Fernando nasceu em Porto Alegre, em
1936. Quando criança, mudou-se com a família para a Califórnia, nos Estados
Unidos, onde foi alfabetizado. De volta ao Brasil, estudou no Instituto Porto Alegre
até os 16 anos, quando foi novamente morar nos EUA. Lá, freqüentou a Roosevelt
High School e desenvolveu sua paixão pelo jazz, tendo, inclusive, assistido a um
show do saxofonista Charlie Parker. Foi nessa época que Verissimo começou a
estudar música e a tocar saxofone (RIO GRANDE DO SUL, 1984).
O retorno a Porto Alegre deu-se em 1956. Nesse ano, Verissimo começou a
trabalhar no setor de arte e planejamento da Editora Globo. Tempos depois, em
1962, ele foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou por cinco anos no jornal da
Câmara de Comércio Americana. Voltando a Porto Alegre, em 1967, Verissimo
tornou-se copidesque; depois, redator e – como ele mesmo já disse – “editor de
frescuras” do jornal Zero Hora (NOGUEIRA JR., 2006).
O jornalista passou a ter uma coluna diária no periódico gaúcho, em abril de
1969. Torcedor do Internacional, ele tratou do time em sua primeira crônica, na qual
falou também do então recém-inaugurado Estádio Beira-Rio e da rivalidade com o
Grêmio:
129
[...] se você notou um tremor nas entrelinhas não o atribua à emoção
do momento. Ele vem da constatação, que todo colorado consciente
traz há dias camuflada na sua confiança, de que existe uma
assustadora diferença entre o Grêmio que acabou com o mito
húngaro e os 11 orientales patetas que nos alegraram o domingo.
Moral por moral, estamos empate. Se é verdade que o estádio e a
festa são nossos, não é menos verdade que estragar a nossa festa
vale quase um estádio novo para eles. (VERISSIMO, 2006b, p. 3).
A estréia na literatura aconteceu três anos depois, com o lançamento do livro
“O popular”, uma coletânea de crônicas e cartuns de sua autoria. Depois de um
período trabalhando na Folha da Manhã, Verissimo voltou para a Zero Hora em
1975, firmando-se como cronista. Em seus textos, o autor já se marcava pelo humor
e pelo espírito crítico.
Ainda em 1975, Verissimo começou a publicar seus textos no Jornal do
Brasil, do Rio de Janeiro. Além disso, lançou a coletânea “A grande mulher nua” e
criou o cartum “As cobras”. Sobre esse, afirmou: “As cobras surgiram porque eu
sempre gostei muito de desenhar, mas nunca desenhei muito bem. Cobra é fácil de
desenhar porque não tem mão, só pescoço e uma cabeça” (apud RIO GRANDE DO
SUL, 1984, p. 14).
Nos anos subseqüentes, Verissimo publicou vários livros de sucesso, como
“A mesa voadora”, em 1978, e “Ed Mort e outras histórias”, em 1979 – nesse livro,
lançou um de seus mais conhecidos personagens, o detetive Ed Mort. A
consagração definitiva veio em 1981, com a publicação de “O analista de Bagé”. O
personagem – que combinava a “[...] rude sinceridade e franqueza do homem do
interior gaúcho, com a sofisticação da psicanálise” (in VERISSIMO, 1981) –
transformou o livro num best-seller instantâneo. Foram dois anos na lista de mais
vendidos. O psicanalista Abrão Slavutzky considerou a obra “[...] o melhor texto de
humor de psicanálise conhecido até nossos dias” (apud RIO GRANDE DO SUL,
1984, p. 16).
Desde então, são mais de 40 títulos publicados. Entre esses, incluem-se “O
gigolô das palavras”, de 1982, e “A Velhinha de Taubaté”, de 1983. Em 1995,
Verissimo lançou “Comédias da vida privada”, que virou uma elogiada série da TV
130
Globo. As histórias de “O analista de Bagé”, “Brasileiros e brasileiras”, “A família
Brasil” e O marido do Dr. Pompeu” foram adaptadas para o teatro (LUIS..., 2002).
Verissimo também já escreveu para a televisão. O escritor e jornalista elaborava
quadros para o programa de humor “Planeta dos homens” e foi um dos roteiristas do
célebre humorístico “TV Pirata”, da TV Globo.
Luis Fernando Verissimo já escreveu, também, para a revista Veja e para a
Folha de São Paulo. Lançou os romances “O jardim do diabo”, em 1988, “O clube
dos anjos”, em 1998, “Borges e os orangotangos eternos”, em 2000, e “O opositor”,
em 2004. Atualmente, além de colaborar com vários jornais e revistas, Verissimo
assina uma coluna semanal em Zero Hora e em O Estado de S. Paulo, para os
quais também escreve, aos domingos, uma crônica ilustrada com os personagens
de A família Brasil. Nas suas colunas, Verissimo aborda desde temais ligados ao
cotidiano até literatura, cinema, música, esporte e política. O tom dos textos varia do
humor ligeiro à desilusão, proporcionada, especialmente, pelas injustiças da
sociedade brasileira (LUIS..., 2006). Verissimo cunhou frases memoráveis, como “O
grande sonho secreto de todo porto-alegrense é cair no riacho da Ipiranga”; “Hoje
em dia, a única profissão 100% masculina é a de drag queen”; e “A velhice é a zona
do rebaixamento” (apud CULTURA, 2006, p. 3).
A ironia de Verissimo manifesta-se de modo mais forte nas crônicas sobre
política. Essas são, também, suas produções que mais geram polêmica. Na década
de 1990, o colunista notabilizou-se por suas críticas contundentes aos governos de
Fernando Henrique Cardoso. Simpatizante do PT, Verissimo não esconde, em seus
atuais textos, a decepção com o governo Luiz Inácio Lula da Silva – tanto que
chegou a matar a Velhinha de Taubaté. Nas eleições de 2006, porém, reafirmou o
voto no presidente Lula, candidato à reeleição. Nas colunas que publicou em 2005,
durante a crise política desencadeada pelas denúncias de corrupção contra o
governo, Verissimo lamentava desde o “lodaçal” em que o PT havia se metido até o
“massacre” promovido por “certos políticos” da oposição (VELLOSO, 2006). Na
‘ocasião’ da morte da Velhinha – que aconteceu, como já mencionado, em plena
crise política –, Verissimo escreveu:
131
Todas as CPIs em andamento disputam a prioridade em convocar o
Zé (o gato da Velhinha) para depor em Brasília, o que tem acirrado o
conflito entre elas, que muitos temem acabar numa guerra aberta
com congressista brigando com congressista pelos corredores e
todos se juntando para pegar o ACM Neto. (VERISSIMO, apud
VELLOSO, 2006).
Uma das características pessoais de Luis Fernando Verissimo é a timidez.
Essa, porém, já foi mais forte, segundo o próprio. Ele já disse que é ‘o anti-social
mais social’ que conhece. Gosta de estar num grupo de pessoas, desde que não
seja o centro das atenções: “Já me disseram que meu ideal é encher a casa de
amigos, me certificar de que todos estão bem servidos e se divertindo, e ir deitar
para ler um pouco. Exagero, claro” (apud RIO GRANDE DO SUL, 1984, p. 7). Sobre
o que prefere fazer, jornalismo ou literatura, Verissimo já comentou:
Me considero um jornalista, embora habite esta terra de ninguém, ou
de muita gente, entre a literatura e o jornalismo, que é a crônica.
Seria ótimo ser apenas um escritor, mas esta é uma profissão que
continua não existindo no Brasil. Agora, é duro ser colunista diário. A
obrigação de produzir diariamente, de tentar ser minimamente
original todos os dias, não é sopa. Mas é bem melhor do que ser
pedreiro. (VERISSIMO, apud RIO GRANDE DO SUL, 1984, p. 6).
De seus leitores, Luis Fernando Verissimo espera apenas uma coisa:
“Compreensão. Em todos os sentidos. O de compreender o que eu estou querendo
dizer e o de compreender que às vezes a gente tenta, mas não dá” (apud RIO
GRANDE DO SUL, 1984, p. 6).
132
9.2 Análise de colunas
9.2.1 “Lubos Michel não mudou minha vida”, publicada no caderno Jornal da
Copa, de Zero Hora, em 1.º de julho de 2006
É pouco provável que o sr. Lubos Michel e eu nos encontremos algum dia.
Sei pouca coisa a seu respeito. Foi o juiz do jogo Brasil e Gana e ontem apitou
Alemanha e Argentina. Parece que é eslovaco. Ele, claro, não sabe que eu existo. E
nunca saberá como chegou perto de ser uma pessoa importantíssima em minha
vida. Num segundo, Lubos Michel poderia ter mudado minha opinião sobre a
espécie humana e restabelecido minha fé no futuro do mundo. Um segundo. Era o
tempo que levaria para ele dar aquele pênalti no Rodriguez que possivelmente
liquidaria o jogo em favor da Argentina. Lubos Michel talvez sacrificasse sua carreira
apitando o pênalti, mas daria uma prova inspiradora de isenção e coragem. Um
efeito secundário do seu gesto destemido seria o de convencer muitos desiludidos
como eu de que ainda é possível acreditar na humanidade. Ele viraria um pária na
Alemanha mas um herói moral para o resto do mundo, além de poder concorrer à
presidência da Argentina quanto quisesse. Mas Lubos Michel não deu o pênalti.
Pior, mostrou o cartão amarelo para Rodriguez, acusando-o de ter simulado a falta.
Além de medroso, hipócrita. Resultado, minha vida não mudou, minha opinião sobre
a humanidade piorou e a Alemanha vai para as semifinais.
***
Claro que torci pela Argentina. Há momentos na vida em que o impensável se
impõe. Seria muito melhor enfrentar a Argentina em campo neutro na final do que
uma Alemanha com a frau Merkel e todo o país gritando nos nossos ouvidos. Mas o
técnico argentino não colaborou, tirou o Riquelme por alguma misteriosa razão
quando o nosso time mais precisava dele, e batedores de pênalti incompetentes se
encarregaram de completar o trabalho iniciado por Lubos Michel.
***
italianos e ucranianos destruíram nossa esperança de que o futebol fosse
melhorar nas quartas-de-final. Piorou. Itália e Ucrânia só serviu para confirmar que o
italiano Fabio Cannavaro é o melhor zagueiro da Copa, junto com o Juan. Agora a
Alemanha pega a Itália e nós pegamos o vencedor de Inglaterra e Portugal. Falta o
detalhe de derrotar a França, certo. O futebol é um jogo de detalhes. Mas acho que
dá.
133
Luis Fernando Verissimo fez parte da equipe de Zero Hora que foi à
Alemanha cobrir a Copa do Mundo de futebol. Esta coluna foi publicada no dia em
que o Brasil perdeu para a França e foi desclassificado do campeonato. O autor faz
menção ao jogo que iria acontecer, no final do texto.
O assunto principal da coluna, porém, é a partida entre Alemanha e
Argentina, pelas quartas-de-final, ocorrida no dia anterior. Verissimo expõe o
pensamento que elaborou a respeito do juiz que apitou o jogo, Lubos Michel: ele
seria uma pessoa importantíssima na sua vida, a ponto de ‘mudar sua opinião sobre
a humanidade’, se tivesse marcado um pênalti em favor da Argentina, time para o
qual Verissimo, depois, assume ter torcido. Lubos Michel, no entanto, não fez isto.
Conforme o colunista, fez algo “pior”: deu cartão amarelo ao jogador argentino,
acusando-o de ter forjado a falta. Verissimo, então, considera o juiz “Além de
medroso, hipócrita” (VERISSIMO, 2006d, p. 2). O autor começa o texto, assim,
projetando Lubos Michel como a pessoa que o faria acreditar na vida novamente –
ou seja, valoriza-o –, para, em seguida, chamá-lo de medroso e hipócrita,
desvalorizando-o. Esta perspectiva, mais uma vez, corrobora a observação de Beth
Brait (1996): um ironista descreve em termos valorizantes uma realidade que ele
trata de desqualificar. Nesse sentido, Verissimo também demonstra que não
apreciava a Seleção Alemã, pois, com ironia, a inclui nas conseqüências negativas
da atitude do juiz: “[...] minha vida não mudou, minha opinião sobre a humanidade
piorou e a Alemanha vai para as semifinais” (VERISSIMO, 2006d, p. 2).
No texto, ainda, Verissimo usa humor para justificar sua torcida pela
Argentina, time com que o Brasil tem uma tradicional rivalidade – segundo o autor,
isto foi algo “impensável” que acabou se impondo. Ele explica que seria melhor jogar
contra a Argentina em campo neutro, na final, do que contra a Alemanha, “com a
frau Merkel e todo o país gritando nos nossos ouvidos” (VERISSIMO, 2006d, p. 2).
O objeto da ironia de Verissimo – os alemães – é considerado, por ele, insuportável.
Além disso, este texto também expõe o modo com que o colunista tem se
referido, nos últimos tempos, à primeira-ministra alemã, Ângela Merkel, eleita em
2005. Sempre que a menciona, Verissimo ‘faz questão’ de chamá-la de “frau”,
pronome de tratamento alemão que significa “senhora”. Tal postura também é
134
irônica, pois Verissimo ‘brinca’ com a idéia de ‘autoridade’ que parece destacar-se
da figura da primeira-ministra alemã.
9.2.2 “Prevendo o jacaré”, publicada no caderno Jornal da Copa, de Zero
Hora, em 03 de julho de 2006
Os da minha geração sabem que o melhor Tarzan de todos os tempos, no
cinema, foi Johnny Weissmuller. Desde o primeiro filme da série, nos anos 20, até o
último, acho que nos anos 60, vários atores com o tórax du role interpretaram o
personagem, mas nenhum se igualou a Weissmuller. Só havia um problema. Como
ele se tornara conhecido e ganhara o papel porque era um campeão de natação,
todos os filmes de Tarzan tinham que ter pelo menos uma cena em que ele
mergulhava no rio para dar umas braçadas. E todos da minha geração sabiam o que
aconteceria em seguida. Era Tarzan cair na água e a gente pensava: lá vem o
jacaré. Pois, para que a cena não fosse apenas uma gratuita exibição de
Weissmuller mostrando o que sabia fazer melhor, era preciso lhe dar densidade
dramática. O que significava que todos os filmes da série, na época, continham uma
previsível luta de Tarzan com um jacaré.
***
Pensando na insistência do Parreira com o Ronaldo me lembrei do Johnny
Weissmuller. Escalar o Ronaldo equivalia a escalar o célebre nadador como Tarzan.
Ninguém melhor para o papel, mas algumas exigências do script se tornavam
inevitáveis. Era preciso prever cenas na água e, prevendo a água, prever o jacaré. E
ficou parecendo que, fora confiar nos lançamentos pelo meio do Ronaldinho, que
raramente aconteceram, e nas suas próprias arrancadas para o gol, que também
foram escassas, não prepararam um script adequado para o Ronaldo. As cruzadas
da linha de fundo não vieram porque os laterais veteranos quase nunca chegaram
lá. Resultado: Ronaldo ficou parecendo um Weissmuller fora d’água. Nem nadou,
nem matou jacaré. Script errado.
***
A verdade é que o Brasil começou a perder esta Copa quando ganhou a
Copa das Confederações. Aquela vitória nos deu – o “nos” aí inclui eu, você, o time
e o Parreira – tamanha confiança, que nenhuma mudança parecia necessária.
Ninguém se deu conta de que aqui o filme seria outro.
Neste texto, veiculado após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do
Mundo, Luis Fernando Verissimo faz uma associação bem-humorada entre o
135
trabalho do ator e nadador Johnny Weissmuller, nos filmes da série “Tarzan”, e o
trabalho do jogador Ronaldo, na Copa. O escritor e jornalista comenta que, assim
como Weissmuller era adequado para o papel de Tarzan, Ronaldo era apropriado
para a Seleção Brasileira. Lembra, no entanto, que as histórias dos filmes de que o
ator participou eram bastante previsíveis, ao contrário do que se revelou a atuação
do jogador. Muitos fatores ‘previstos’ para um bom trabalho de Ronaldo acabaram
não acontecendo. Nestes termos, Verissimo afirma que Ronaldo “ficou parecendo
um Weissmuller fora d’água” (VERISSIMO, 2006g, p. 2), ironizando o jogador:
apesar de adequado para a função, não fez o que deveria ter feito.
Sutilmente, o colunista também faz, no texto, ironia consigo mesmo, ao frisar
bem que pessoas da sua “geração” conhecem Johnny Weissmuller e o enredo dos
filmes em que ele atuou. Assim, reconhece – de modo discreto, mas espirituoso –
que já é uma pessoa de idade.
9.2.3 “Zidane l’Africain”, publicada em Zero Hora, em 13 de julho de 2006.
As queixas com o mau futebol podem dar a impressão de que a Copa da
Alemanha foi uma grande provação também para os jornalistas, que não pagaram
para se frustrar, como foi o caso dos torcedores. Impressão errada. Copa sempre é
bom, cobri-la é sempre um privilégio. A gente trabalha muito, roda muito, se
exaspera com as falhas de comunicação que parecem aumentar quanto mais se
avança na era da comunicação, é obrigado a mudar de hábitos, a lavar sua própria
cueca (não foi o meu caso), a comer o que muitas vezes nem sabe o que é, a mudar
de hotel justamente quando está começando a ficar íntimo do travesseiro etc. Mas
há o convívio diário com os outros jornalistas, muitos dos quais são grandes figuras
humanas, e com quem o assunto é sempre futebol – afinal, a paixão que nos une e
nos levou até lá – e, a maior compensação de todas, a oportunidade de ver os jogos
do melhor lugar do estádio. Não importa se o futebol foi ruim. Numa Copa do
Mundo, a emoção de ver um mau jogo é igual a de ver um bom. Bem, quase igual.
***
Depois da vitória da França sobre o Brasil, um jornal francês publicou um
anúncio que era a lista de todos os jogadores franceses com um “inho”
acrescentado a seus nomes. Barthezinho, Vierainho, Henryinho, Zidaninho... Uma
bem-bolada lembrança que, no jogo, os franceses foram mais brasileiros do que os
brasileiros. E que padrão de futebol espetacular nos últimos anos tinha “inho” no fim.
136
Parte da desgraça brasileira foi que o “inho” original, Ronaldinho, não fez jus ao
sufixo.
***
E a grande questão da Copa acabou sendo não que fim levou o futebol do
Brasil, mas o que o Materazzi disse pro Zidane para merecer aquela cabeçada.
Estou escrevendo antes da entrevista em que o Zidane contaria tudo, mas o
Materazzi já declarou que nem chamou o Zidade de terrorista nem botou a mãe no
meio, já que mãe é sagrada. Uma das explicações que circularam era que o
Materazzi teria insultado a irmã do francês. Não procede a versão de que Materazzi
teria dito a Zidane que ele estava jogando como um brasileiro.
***
A extrema direita francesa, claro, já atribuiu a derrota na Copa à falta de
identidade nacional, ou européia, da seleção da França, em contraste com a da
Itália, em que todos são brancos de origem italiana que jogam no seu país. Um líder
de uma organização chamada Chrétienté-Solidarité, citado no Liberation de ontem,
chegou a ver na derrota da França um triunfo do que chamou de “une certain forme
de romanité grandiose” e imaginou sua celebração no Circo Máximo como nas
melhores épocas do Império, num espetáculo em que não faltaria nem um “Zidane
l’Africain” acorrentado...
***
Nada justifica o gesto, mas que tem gente que pede uma cabeçada no peito,
tem.
Luis Fernando Verissimo faz, nesta coluna, comentários sobre seu trabalho
na Copa do Mundo da Alemanha, que, à publicação do texto, já havia encerrado.
Com humor, relaciona algumas coisas que se é obrigado a fazer, quando se cobre
uma Copa. Entre estas, “lavar sua própria cueca” (VERISSIMO, 2006h, p. 3). O
autor, porém, diz que este não foi ‘o caso dele’. Assim, pode-se dizer que Verissimo
faz ironia com quem ‘lava sua própria cueca’, colocando-se num patamar acima, por
não ser obrigado a fazer isto. Como já citado, o filósofo Hegel refere que o ironista
eleva-se acima das demais coisas, brincando com elas do modo que bem entende.
Na outra retranca da coluna, Verissimo comenta um anúncio de um jornal da
França em que os nomes dos jogadores daquele país apareciam com um “inho” no
final. Como se sabe, isto é comum para os jogadores brasileiros, que costumam
acrescentar este sufixo aos seus nomes. O colunista, então, indica que esta foi uma
137
“bem-bolada lembrança que, no jogo, os franceses foram mais brasileiros do que os
brasileiros” (VERISSIMO, 2006h, p. 3). Ironiza, dessa maneira, os jogadores do
Brasil, que, mesmo sendo ‘brasileiros’ – e, portanto, mundialmente conhecidos por
seus ‘talentos’ para o esporte –, tiveram uma atuação desastrosa na Copa.
Verissimo foi irônico, para afirmar que, no mundial da Alemanha, o tão propalado
futebol brasileiro foi superado pelo dos franceses.
A ironia sobre o desempenho dos jogadores brasileiros é reforçada mais
adiante, no texto, quando o colunista trata do jogo final, entre França e Itália.
Referindo-se ao episódio da agressão do jogador Zinedine Zidane contra o italiano
Marco Materazzi, Verissimo escreve que “Não procede a versão de que Materazzi
teria dito a Zidane que ele estava jogando como um brasileiro” (VERISSIMO, 2006h,
p. 3). Com isto, o autor dá a entender, bem-humoradamente, que ser comparado
aos jogadores brasileiros era até ofensivo.
No texto, Verissimo também se apresenta com seu olhar crítico em relação à
chamada ‘direita’, uma de suas características como colunista. Ao comentar que “A
extrema direita francesa, claro, já atribuiu a derrota na Copa à falta de identidade
nacional, ou européia, da seleção da França [...]” (VERISSIMO, 2006h, p. 3), o autor
ironiza esta corrente política, classificando-a como previsível. O fato de Verissimo
usar um “claro” para se referir a uma opinião da extrema direita da França indica
que ele percebe esta ideologia como dona de um discurso que não muda nunca.
Deste modo, desvaloriza o objeto de sua ironia, indo ao encontro das considerações
de Beth Brait (1996).
Para finalizar, Verissimo, novamente referindo-se à agressão de Zidane,
lança um comentário breve e direto, também com intenção irônica: “Nada justifica o
gesto, mas que tem gente que pede uma cabeçada no peito, tem” (VERISSIMO,
2006h, p. 3). O colunista, assim, condena a atitude violenta, mas não totalmente.
Afirma que certas pessoas merecem levar uma “cabeçada” no peito. Usa a ironia,
assim, para fazer crítica a determinadas pessoas, que ele não especifica quem são.
138
9.2.4 “O estadista Bush”, publicada em Zero Hora, em 27 de julho de 2006
Dizem que falar “shit” para o Blair e massagear as costas da sra. Merkel não
foi só o que o Bush aprontou na reunião do Grupo dos Oito em São Petersburgo, na
última semana. Ele teria passado todo o tempo fazendo e lançando aviõezinhos de
papel, um dos quais quase acertou o Chirac no olho, e contando piada de
canadense para o premier do Canadá, que também não gostou muito. E massagear
as suas costas não foi a única surpresa que Bush preparou para Frau Merkel.
Felizmente, as câmeras não registraram o tapa na bunda, que a alemã tentou
revidar com um soco. Os outros só reagiram quando Bush propôs que, em
homenagem aos seus anfitriões, se agarrassem pela cintura e circulassem a mesa
de reuniões dançando a conga, que, segundo ouvira, era uma dança folclórica
russa.
Está certo, não se pode levar o Bush a nenhum lugar sério, mas eu acho que
neste caso ele foi o único que se comportou de acordo com a ocasião. Lá estavam
os compenetrados donos do mundo reunidos como se adiantasse alguma coisa,
como se seus conchavos fizessem qualquer diferença para os males do mundo além
de agravá-los. Enquanto se banqueteavam, o Oriente Médio explodia – de novo. A
situação no Oriente Médio foi historicamente criada pelas potências ocidentais e
hoje é mantida pela sua hipocrisia e omissão, ou, no caso dos Estados Unidos, pela
sua conveniência política. Nada de novo com relação ao Oriente Médio saiu da
reunião dos oito, talvez nem tenham tocado no assunto. Bush entendeu, como os
outros sete não entenderam, que não dava para dignificar aquela farsa com
seriedade. Talvez tenha exagerado. Arrancar o tupê da cabeça do Putin e sair
correndo com ele pode ter sido demais. Mas nunca Bush demonstrou as virtudes de
um estadista, correta avaliação da realidade e autocrítica, como na semana
passada, em São Petersburgo.
***
Sou dunguista, mas acho que Dunga foi chamado para técnico da seleção
como uma reação direta às mãos no bolso do Parreira. Devem ter se reunido e
debatido quem seria o técnico menos capaz de ficar com as mãos no bolso
enquanto o mundo ruía à sua volta e, já que o Felipão não quis, escolheram o
Dunga. É um critério como qualquer outro. Pode dar certo. Não vale reclamar que
ele não tem experiência como treinador. Nos times em que jogou, Dunga orientava,
motivava, cobrava e mostrava como se faz. Tudo que se espera de um treinador.
Agora ele só vai ficar fora do campo.
Nesta coluna, a ironia de Luis Fernando Verissimo está bem mais explícita,
em relação às outras, de sua autoria, já analisadas neste trabalho. Os alvos do
colunista são alguns dos seus preferenciais: o presidente norte-americano, George
W. Bush, e os países mais ricos do mundo.
139
Verissimo é irônico logo no título. Ao referir-se a Bush como “estadista”, o
autor diz o contrário do que quer sugerir. É possível, porém, apreender o que ele
realmente quis transmitir – e isto corrobora os apontamentos de Sigmund Freud
(apud BRAIT, 1996) sobre o ironista. Sabe-se que o atual presidente dos Estados
Unidos não é um político brilhante, nem é reconhecido como um governante
sensato. Portanto, não poderia ser chamado de ‘estadista’. A posição política de
Verissimo também contribui para o entendimento da ironia – o escritor e jornalista
sempre manifestou um pensamento mais à ‘esquerda’, o que tornaria altamente
improvável uma referência como esta.
Na coluna, Verissimo alude a polêmica participação do presidente Bush na
reunião do grupo dos oito países mais ricos do mundo, na Rússia. Sem perceber
que seu microfone estava ligado, Bush falou um palavrão, em conversa com o
primeiro-ministro britânico, Tony Blair. O assunto era a crise no Oriente Médio, e o
presidente norte-americano referia-se às ações do grupo Hezbollah. Tal atitude não
condiz com o comportamento esperado de um Presidente da República e não
constitui as características de um estadista. Neste sentido, a ironia que Verissimo
manifestou no título do texto é avigorada.
O colunista ainda cria situações envolvendo o objeto de sua ironia, o qual
transforma quase num personagem seu. Diz que George W. Bush teria passado o
tempo todo da reunião “fazendo e lançando aviõezinhos de papel, um dos quais
quase acertou o Chirac no olho, e contando piada de canadense para o premier do
Canadá, que também não gostou muito” (VERISSIMO, 2006f, p. 3). Por meio deste
artifício, Verissimo expõe, indiretamente, que considera Bush infantil e primitivo.
Além disso, o colunista faz, em seguida, outra ironia, com que também critica
indiretamente o presidente dos EUA: escreve que Bush teria proposto aos russos
dançarem a “conga”, dança que, ‘segundo o presidente ouvira’, era do folclore
daquele país. A conga é, na verdade, uma dança de origem africana. Desse modo,
Verissimo pode ter querido fazer uma relação com a ‘capacidade’ de o presidente
Bush anunciar informações que apenas ‘ouve falar’. Nesta construção, o autor
provavelmente se remeteu à Guerra do Iraque, ocorrida em 2003, quando os
Estados Unidos, sob o comando de Bush, atacaram o país árabe com base em
140
‘informações’ de que o ditador Saddam Hussein possuía armas de destruição em
massa. Posteriormente, no entanto, comprovou-se que não havia estas armas no
Iraque.
Na segunda parte do texto, Verissimo muda o alvo de sua ironia. Seus
comentários passam a ser direcionados a Carlos Alberto Parreira, que, então, havia
recém sido demitido do cargo de técnico da Seleção Brasileira de futebol. O
colunista diz acreditar que Dunga, o novo treinador, fora chamado como uma
resposta “às mãos no bolso do Parreira” (VERISSIMO, 2006f, p. 3). Ele deveria,
conforme Verissimo, ser o técnico “menos capaz de ficar com as mãos no bolso”
enquanto o mundo ruía ao seu redor. A ironia do colunista, nesta passagem, pode
ser associada mais uma vez às idéias de Sigmund Freud, para quem uma das
técnicas utilizadas pelos chistes é a representação mediante algo muito pequeno.
Verissimo concentrou-se num detalhe da ‘figura’ do ex-técnico da Seleção – as
mãos no bolso –, para lançar suas ironias. No final do texto, Verissimo comenta que,
“Nos times em que jogou, Dunga orientava, motivava, cobrava e mostrava como se
faz. Tudo que se espera de um treinador” (VERISSIMO, 2006f, p. 3). Desse modo,
mais uma vez emprega ironia para criticar, indiretamente, o trabalho de Parreira: o
ex-técnico não fez, na Seleção Brasileira, tudo o que se esperava de um profissional
deste tipo.
No quadro a seguir, é possível vislumbrar, de modo mais direto, as
características da ironia e do ironista encontradas nas colunas de Luis Fernando
Verissimo:
Características da
ironia e do ironista
Elevar-se acima das
demais coisas, brincando
com elas a seu “belprazer”
Desvalorizar o objeto de
sua ironia
Trecho em que a característica é encontrada
A gente trabalha muito, roda muito, [...] é obrigado a
mudar de hábitos, a lavar sua própria cueca (não foi o
meu caso) [...]. (VERISSIMO, 2006h, p. 3).
A extrema direita francesa, claro, já atribuiu a derrota
na Copa à falta de identidade nacional, ou européia, da
141
seleção da França [...]. (VERISSIMO, 2006h, p. 3)
Dizer o contrário do que
quer sugerir,
possibilitando, porém, ao
receptor compreender
suas reais intenções
Basear-se em um detalhe
da natureza do objeto
(representação mediante
algo pequeno)
O estadista Bush (VERISSIMO, 2006f, p. 3)
Devem ter se reunido e debatido quem seria o técnico
menos capaz de ficar com as mãos no bolso enquanto
o mundo ruía à sua volta [...]. (VERISSIMO, 2006f, p. 3)
Quadro 3: Características da ironia e do ironista, encontradas em textos de Luis
Fernando Verissimo
142
As verves irônicas de Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Luis Fernando
Verissimo assemelham-se em vários pontos. Nos textos dos três colunistas, são
encontradas as mesmas características da ironia e do ironista. Independentemente
de quem são os alvos, os procedimentos para atingi-los são parecidos.
Entrecruzando-se os dados apresentados nas análises das colunas de cada
um, tem-se o seguinte quadro, com os pontos em comum das ironias de Jabor,
Mainardi e Verissimo:
Características
da ironia e do
ironista,
apontadas nos
textos analisados
de Arnaldo Jabor,
Diogo Mainardi e
Luis Fernando
Verissimo
Tratar o seu objeto
com desdém,
desqualificando a
realidade sobre a
qual faz o
comentário
Trecho em que a característica é encontrada
[...] nossos craques não perderam quase nada com a
derrota, tiveram apenas um mau momento entre milhões de
dólares e chuteiras douradas pela Nike. (JABOR, 2006b).
Estou enjoado do Lula. Quero me desatrelar dele. Quero
parar de comentar suas asneiras. (MAINARDI, 2006f, p.
199).
A extrema direita francesa, claro, já atribuiu a derrota na
Copa à falta de identidade nacional, ou européia, da
seleção da França [...]. (VERISSIMO, 2006h, p. 3)
Basear-se em um
detalhe da
natureza do objeto
(representação
mediante algo
pequeno)
Eu nego aos bigodudos ter escrito aquele ditirambo
farroupilha [...]. (JABOR, 2006a)
Devem ter se reunido e debatido quem seria o técnico
menos capaz de ficar com as mãos no bolso enquanto o
mundo ruía à sua volta [...]. (VERISSIMO, 2006f, p. 3)
Dizer o contrário do
Entrevista com um político do bem (JABOR, 2006c)
que quer sugerir,
possibilitando ao
receptor, porém,
Quem parte pensando em encontrar lá fora algo
compreender suas muito melhor do que o Brasil se estrepa. Comigo isso nunca
143
reais intenções
acontece. Vou embora do Brasil com o único propósito de
ficar longe do Brasil. Qualquer lugar suficientemente
distante daqui serve. Por pior que ele seja. (MAINARDI,
2006f, p. 119).
O estadista Bush (VERISSIMO, 2006f, p. 3)
Diminuir-se diante
do seu objeto
(ironia socrática)
E nada do sinal abrir [...]. Eu quase pedia ao menino
piedade para mim, tolerância para meus privilégios, pois
afinal, eu trabalhava também e merecia aquele carro,
apesar de ele estar descalço e seminu (JABOR, 2006d).
Ignoro o que seja economia solidária. Mas sei
reconhecer um psicopata quando vejo um. (MAINARDI,
2006c, p. 123).
Fico o dia inteiro esparramado na poltrona, solucionando as
grandes questões internacionais. Ontem dei um jeito
definitivo na Coréia do Norte. Hoje é a vez do Líbano. [...]
Colocar-se acima da
Se sobrar um tempinho, no fim da tarde prometo derrubar
lei e das coisas,
Hugo Chávez. (MAINARDI, 2006b, p. 127).
brincando com elas
a seu “bel-prazer”
A gente trabalha muito, roda muito, [...] é obrigado a mudar
de hábitos, a lavar sua própria cueca (não foi o meu caso)
[...]. (VERISSIMO, 2006h, p. 3).
Quadro 4: Características da ironia e do ironista, igualmente encontradas em textos
de Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Luis Fernando Verissimo
144
10 O RECEPTOR: A IRONIA FECHA SEU CÍRCULO
Para acontecer com sucesso, a ironia necessita, verdadeiramente, da
participação ativa do receptor. Francisco Paulo da Silva (2001), no texto “A
construção da ironia: ‘uma pittada de veneno’?”, comenta – com base, novamente,
em Beth Brait – que o discurso irônico convida o receptor a uma dupla
decodificação: lingüística e discursiva. Ou seja: o leitor de um texto irônico precisa
entender a ironia e a informação que lhe deu origem, que é seu alvo. Desse modo, a
participação ativa do receptor alça-o à posição de co-produtor da significação do
texto irônico.
Pode-se dizer que os leitores de Jabor, Mainardi e Verissimo contribuem para
seus estilos. Eles já sabem, mais ou menos, o que encontrarão, ao ler os textos
desses colunistas. Já têm idéia da forma com que os assuntos serão abordados. A
ironia é esperada. O receptor, assim, faz parte do ‘sistema’ formado pela ironia de
Jabor, Mainardi e Verissimo. Sem ele, obviamente, esses colunistas não seriam
quem são, nem se manifestariam do modo como o fazem.
Essa perspectiva concorda com as premissas das visões contemporâneas da
Teoria da Comunicação, em que o processo é visto de modo complexo e sistêmico,
com a recepção ocupando um dos momentos/lugares do sistema, tão significativo
quanto qualquer um dos outros elementos. Nesse sentido, é interessante mencionar
Mauro Wilton de Souza (1995). O autor afirma, justamente, que emissor e receptor
são indissociáveis. Como sujeito da comunicação, o receptor é componente de um
sistema. Ele influencia as informações emitidas.
Claro que não se trata, aqui, de realizar também um estudo de recepção, em
função da abrangência que isso envolveria. A perspectiva é fundamental e, por isso,
está sendo considerada neste trabalho. É importante ressaltar, contudo, que um
estudo aprofundado de recepção implicaria uma amostragem bem maior e um
trabalho mais denso, nesse sentido.
145
Para obter, então, algumas opiniões sobre os trabalhos de Arnaldo Jabor,
Diogo Mainardi e Luis Fernando Verissimo, fiz entrevistas com três artistas (o
mesmo número de colunistas analisados neste trabalho). Cada um deles é destaque
na área em que atua. São pessoas gabaritadas, que, acostumadas a trabalhar com
as ‘entrelinhas’, com os ‘jogos’ de palavras, têm opiniões consideráveis sobre o
artifício da ironia e sobre a obra de Jabor, Mainardi e Verissimo.
Os entrevistados são o diretor de teatro e coordenador do festival ‘Porto
Alegre em Cena’ Luciano Alabarse; a escritora Monique Revillion, que lançou seu
primeiro livro, “Teresa, que esperava as uvas”, em 2006; e a diretora e produtora de
curtas-metragens Flávia Seligman. Os três lêem (ou já leram) os textos de Jabor,
Mainardi e Verissimo e fazem considerações interessantes a respeito.
Comecemos por Luciano Alabarse. O diretor de teatro sempre lê as colunas
de Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Luis Fernando Verissimo. Para ele, os três são
nomes imprescindíveis, no jornalismo brasileiro contemporâneo. Sobre o modo com
que esses colunistas lançam suas críticas, Alabarse comenta:
“São homens que construíram reputações diferentes, a partir do seu imenso
talento. Mainardi e Jabor parecem sempre invocar o inesquecível Paulo Francis,
Verissimo menos. Mas são todos os três apaixonados e, às vezes, a paixão –
desculpa o clichê – é cega. Quero dizer com isso que defendem brilhantemente
seus pontos de vista, sem muito espaço para o contraditório. Eles me parecem
sempre ter certeza de suas opiniões. Eu, ao contrário, mergulho profundamente nas
minhas dúvidas e nas múltiplas possibilidades de consideração acerca de um
mesmo fato.”
Essa impressão de Luciano Alabarse a respeito dos colunistas em análise –
de que eles nem sempre abrem espaço para o contraditório – é interessante, pois
indica que um ironista pode, muitas vezes, passar a imagem de alguém ‘elevado’,
que se coloca num patamar superior aos demais. Isso vai ao encontro das idéias de
Hegel (apud SILVA, Antonio, 2006), já expostas neste trabalho.
146
Alabarse acrescenta que, ao se fazer uma crítica, é extremamente agradável,
desejável e bem-vindo usar ironia – numa medida pequena. No momento em que tal
recurso se torna, hegemonicamente, o principal elemento da crítica, porém, o diretor
pensa que esta “perde em objetividade”. Conforme Alabarse, “a ironia é autoapaixonante”, e isso, na opinião dele, deve ser muito bem dosado.
Em relação aos aspectos positivos e negativos que poderiam ser destacados
do viés irônico presente nos textos de Jabor, Mainardi e Verissimo, o diretor afirmou:
“As considerações políticas dos três me parecem carecer de um senso mais
justo em relação aos seus desafetos. Mainardi falando de Lula é um homem
totalmente exagerado e injusto, apesar de Lula merecer cada vez mais críticas.
Verissimo falando de Fernando Henrique sempre me pareceu injusto. Jabor oscila
entre o ódio e a paixão. Às vezes são brilhantes, às vezes são exagerados, às vezes
são injustos.”
Por fim, ao ser perguntado a respeito de algum texto desses colunistas que
tivesse chamado a sua atenção, em especial, Alabarse preferiu tecer um comentário
a respeito de crítica jornalística:
“Em algum momento do exagero, quando um jornalista está totalmente
envolvido em trucidar com sua inteligência algo ou alguém, eu perco o interesse em
continuar lendo. Não gosto quando se fala mal de um artista, por exemplo, sem
equilíbrio, sem ponderação, sem reconhecimento. Em relação aos três, continuo
lendo tudo o que escrevem e, às vezes, presumivelmente, não concordo com tudo o
que opinam.”
Já a escritora Monique Revillion tem opiniões mais incisivas sobre as obras
de Arnaldo Jabor e Diogo Mainardi, e nem tanto em relação a Luis Fernando
Verissimo. Ela diz que sempre lê os textos do colunista da Zero Hora – a quem
considera “brilhante”. O mesmo não ocorre com o colunista da Veja e o de O Globo:
a escritora “eventualmente” lê Diogo Mainardi e “raramente”, Arnaldo Jabor. Para
147
Monique, Verissimo é, muitas vezes, superior aos outros dois, dos quais ela não
aprecia os estilos:
“O Mainardi, na minha opinião, criou uma ‘persona’ que ele cultiva, num estilo
mordaz, quase raivoso, seguindo a linha editorial da revista onde trabalha (Veja).
O Jabor, na minha opinião, é menos contundente. Ele tenta se equilibrar entre o
humor e um estilo ‘engraçadinho’, mas acho que peca, às vezes, pela falta de
profundidade e de embasamento para seus textos. Fica superficial ao querer ser
mais ‘popular’”.
Esta observação de Monique a respeito de Diogo Mainardi – ele, segundo a
escritora, criou uma “persona” para si mesmo – corrobora a concepção do lingüista
Dominique Maingueneau (apud BRAIT, 1996), citado nesta monografia: o ironista
meio que interpreta um personagem, que defende uma opinião assumidamente
contrária à da maioria.
A concepção de Monique sobre o uso da ironia para fazer crítica, por sua vez,
vai ao encontro das considerações iniciais deste capítulo. Para a escritora, o ironista
estabelece certa cumplicidade com o leitor, que se sente como um “co-autor” da
informação divulgada, visto que a ironia precisa de um “conhecimento prévio” para
ser entendida:
“Penso que a ironia é uma ‘faca de dois gumes’. Pode ser uma
ferramenta/estilo poderoso, mas também pode ser um tiro no pé: pode ser mal
compreendida, não compreendida ou irritar o leitor. Porém, ao usar a ironia, o autor
cria uma espécie de ‘cumplicidade’ com o leitor, que se sente co-autor das idéias
reveladas, já que, para ser entendida, necessita de uma espécie de ‘iniciação’, ou
como um conhecimento prévio que seria a chave de sua compreensão. Como um
‘dialeto’ ou uma piada que só é compreendida por um determinado grupo. Na
maioria das vezes, não gosto da ironia ‘pesada’, acho que ela é uma saída
pretensiosa e indefensável (para quem é atacado), que desqualifica os oponentes
(pessoas, idéias) e impede um debate franco e esclarecedor. Quando bem usada,
148
porém, é interessante, e causa uma sensação de cumplicidade e de ‘endosso’ que é
gratificante para o leitor.”
Ao indicar, ainda, que a ironia, quando “pesada”, pode desqualificar o seu
objeto e impedir um verdadeiro debate de idéias, Monique remete, novamente, à
perspectiva de Beth Brait (1996). Segundo esta autora, o ironista desvaloriza a
realidade que é alvo de seu comentário. No modo como Diogo Mainardi e Arnaldo
Jabor empregam a ironia, Monique não vê aspectos positivos. A escritora critica-os,
ao mesmo tempo em que enaltece a obra de Luis Fernando Verissimo:
“Em Mainardi, a ironia é mais agressiva, onde ele deixa claro suas posições
políticas, ideológicas. Na minha opinião, ele é mais virulento que os demais. O
Jabor, do pouco que eu li, usa também a ironia, mas buscando um jogo de
palavras/sentidos, um humor de gosto duvidoso e um estilo ‘engraçadinho’,
‘moderno’, que eu não gosto muito. O Verissimo usa a ironia em doses muito
menores e mais certeiras, de uma forma mais inteligente, sutil e mais nobre,
forçando o leitor, às vezes, a uma reflexão sobre suas próprias convicções, como se
buscasse esta auto-crítica. Ele, freqüentemente, usa a ironia contra si mesmo,
quando fala nos seus ‘17 leitores’, por exemplo, ou coisas deste tipo. Às vezes,
ele usa seus personagens (por exemplo: Dorinha ‘Ravissante’) e quase sempre
parte de uma sólida reflexão teórica prévia, ou de citações de textos/autores
interessantes, conduzindo o raciocínio para um desfecho brilhante. Entre estes, é o
único que admiro.”
A escritora finaliza, novamente reprovando o estilo de Mainardi, de quem
lembra de um texto em que o colunista fez acusações sem provas contra o governo
Lula:
“O Mainardi quase sempre me desagrada, ou porque não concordo com o
texto, ou porque acho o texto ruim, ou ambos. Dele, lembro de um texto sobre um
cineasta gaúcho (esqueci o nome), fazendo acusações sobre uso indevido de
verbas. O ofendido entrou com uma ação e ganhou. Recentemente, ele [Mainardi]
publicou um texto acusando o presidente Lula de ter dado dinheiro para a revista
149
Istoé, através de publicidade da Petrobrás (o que pode ser verdade, não sei). Do tal
fato, ‘ouviu falar’, e assim quebrou a regra número um de qualquer tipo
de jornalismo. Acho que ele perde credibilidade com este tipo de atitude,
principalmente pela declarada linha de ‘imprensa’ da revista Veja, tendenciosa
demais. Do Jabor, não posso falar muito, pouco leio. Do Verissimo, já falei acima!”
A cineasta Flávia Seligman, por sua vez, traz considerações semelhantes às
de Monique Revillion. Ela costuma ler apenas as colunas de Luis Fernando
Verissimo. Arnaldo Jabor, segundo Flávia, é “um pouco ácido com o mundo a sua
volta”, e de Diogo Mainardi, a cineasta realmente não gosta. Para Flávia, o escritor e
colunista da Zero Hora “é extremamente inteligente e constrói um texto claro e
mordaz”. Ela diz “adorar” a maneira como Verissimo se refere ao cotidiano, ao dia-adia.
Em relação a Diogo Mainardi, a cineasta tem sérias restrições. Flávia
considera a ironia “essencial”, mas ressalta que esta deve ser feita “com respeito e
veracidade” – algo que, segundo ela, não acontece com o colunista da Veja: “O
Diogo Mainardi levanta falsos testemunhos, acusa indiscriminadamente, e está,
inclusive, respondendo processo judicial, movido pela Casa de Cinema de Porto
Alegre. Espero que ele perca e tenha que pagar até a alma pelo que escreveu sobre
o Jorge Furtado.”
A coluna em que Diogo Mainardi falou do cineasta gaúcho Jorge Furtado, a
propósito, foi uma das produções desse autor que chamou bastante a atenção de
Flávia Seligman. Entre os três colunistas focalizados nesta pesquisa, contudo, a
diretora destaca, positivamente, apenas Verissimo, que, segundo ela, “consegue
pensar e questionar a política do dia-a-dia com ironia, porém com respeito”. Os
textos do escritor e jornalista são os que mais lhe atraem, principalmente aqueles
que ele produz em época de eleições: “O Verissimo escreve muito bem em todas as
campanhas eleitorais, abrindo o voto para o PT. Acho que estes são os melhores
momentos”, conclui.
As impressões dos entrevistados acerca da ironia e do trabalho de Arnaldo
Jabor, Diogo Mainardi e Luis Fernando Verissimo cruzam-se em alguns pontos.
150
Monique e Flávia, por exemplo, não aprovam a ironia de Jabor e Mainardi e
enaltecem a de Verissimo, considerada por elas mais respeitosa e sutil. Para
Alabarse, Jabor e Mainardi fazem, sim, comentários injustos, mas Verissimo
também. Segundo o diretor, assim como Mainardi é injusto em suas ironias
direcionadas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Verissimo também o é, quando
se refere ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
As falas dos três entrevistados também se encontram, quando Alabarse
afirma que a ironia, “numa medida pequena”, é bem-vinda, em um texto opinativo;
Monique salienta a ‘sutileza’ de Verissimo e Flávia condena o ‘desrespeito’ de
Mainardi. Pode-se dizer que o uso exagerado da ironia não agrada a nenhum dos
artistas entrevistados.
Há, porém, discordâncias, entre as opiniões de Alabarse, Monique e Flávia.
De Diogo Mainardi, as duas lembraram-se do mesmo texto, em que o colunista da
Veja fez acusações contra o cineasta gaúcho Jorge Furtado. Elas também não
gostam do estilo de Arnaldo Jabor. Este, porém, para Alabarse, tem “imenso
talento”, assim como Verissimo e Mainardi. O diretor de teatro, além disso, afirma
que os três colunistas “defendem brilhantemente seus pontos de vista”. Já para
Monique e Flávia, apenas Verissimo produz bons textos. Vê-se, assim, como os
sujeitos recebem diferentemente os discursos de cada colunista.
151
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ei-lo. Depois de meses lendo e pesquisando sobre ironia, humor, opinião no
jornalismo, O Pasquim, Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Luis Fernando Verissimo,
concluo este Trabalho, que também é de Conclusão.
Nesse ano de 2006, muita coisa aconteceu: o Brasil foi desclassificado da
Copa do Mundo; o Oriente Médio entrou novamente em crise, com o conflito entre
Israel e a milícia Hezbollah; petistas foram presos, às vésperas das eleições, ao
tentarem comprar um dossiê contra tucanos; e Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito
Presidente da República. Além disso, vários escritores, cineastas e músicos
lançaram obras interessantíssimas, as quais ainda não pude fruir. Em meio a tudo
isso, estudei o uso da ironia no jornalismo e gostei muito. O resultado desse
processo já foi apresentado. Longe de ser uma obra definitiva sobre o tema, esta
monografia pode, isso sim, contribuir para que outras pesquisas, nessa linha,
também sejam realizadas.
Redigi grande parte deste trabalho ao som de Astor Piazzolla e Gerry
Mulligan, Amadeus Mozart, João Bosco e Caetano Veloso. Penso que uma trilha
sonora adequada para sua leitura (e para qualquer ocasião) seria jazz. Assim como
esse gênero musical, a ironia é repleta de nuances, tem estrutura complexa e vários
matizes, como já disse Joan Brossa. A obra desse poeta, a propósito, também
esteve bastante presente, “em espírito”, durante a elaboração desta monografia.
Além dele, li Machado de Assis, Raymond Carver e muitos textos dos colunistas
estudados, afora outros que analisei.
A ironia é um artifício intenso, com o qual é possível, entre outras coisas,
desvalorizar o objeto que é alvo do comentário, desvalorizar-se em relação a ele,
dizer o oposto do que se sugere, superar situações restritivas e, ainda, aferir os
traços pessoais de quem a produz. Um fenômeno complexo – enfatizo novamente –
e bastante presente na contemporaneidade, em que o humor é uma forte marca.
Acima de tudo, porém, a ironia é uma arma de polêmica – como entende Beth Brait
(1996). Com este trabalho, visualizei o quão estreita é sua ligação com a crítica.
152
Ironia e jornalismo, quando juntos, portanto, formam algo realmente poderoso. As
relações entre esses dois elementos, além disso, tornam ainda mais inadequadas
as visões pequenas, assépticas, de Jornalismo, que não levam em conta a
complexidade do processo e os diversos elementos – inclusive, subjetivos –
envolvidos nele. Da mesma maneira, não permitem perceber os textos opinativos
como produções isoladas, que não são atravessadas (nem atravessam) por vários
outros discursos.
As histórias do jornal O Pasquim e os perfis de personalidades irônicas da
imprensa brasileira possibilitam obter mais algumas idéias a respeito das condições,
ambientais e pessoais, em que se dá a ironia – em outras palavras, permitem
vislumbrar o “terreno” em que este recurso brota, com todo o vigor. A partir das
histórias dos célebres ironistas do jornalismo nacional, conhece-se, ainda, o
caminho que leva o leitor de jornalismo a Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi e Luis
Fernando Verissimo, ironistas da imprensa brasileira contemporânea. Como tudo no
mundo, essas figuras não surgiram do nada – fazem parte da grande “teia” da ironia
e do humor no jornalismo brasileiro. No campo das influências de cada um, isso é
evidente: Jabor é assumidamente “discípulo” de Nelson Rodrigues, assim como
Mainardi o é de Ivan Lessa e Paulo Francis, e Verissimo, de Millôr Fernandes.
O Jornalismo é uma atividade apaixonante, e, nesta monografia, pude tratar,
também, de alguns produtos, práticas e ‘figuras’ desse ‘mundo’ que considero
extremamente interessantes, entre muitos: jornalismo cultural, jornalismo político,
opinião, crítica, O Pasquim, Millôr Fernandes, Paulo Francis... De igual modo, tive
oportunidade de abordar, por meio das teorias apresentadas, alguns pontos que
defendo, no campo do Jornalismo. As considerações de Cremilda Medina (1996),
por exemplo, contribuíram para um fortalecimento de minhas idéias acerca do
trabalho de um jornalista: é preciso pensar em termos complexos e evitar
‘escorregar’ em concepções simplistas e limitadas. A realidade – matéria-prima de
todo jornalista – é intrincada, e, portanto, impossível de ser tratada por meio de
fórmulas fragmentadoras e “cruas”, mecânicas. Não condeno, nem defendo
modelos jornalísticos reducionistas, como o lide. Estes têm a sua função. Apenas
saliento o encantamento proporcionado por um jornalismo mais elaborado, mais
profundo, mais refinado.
153
E onde a ironia e o humor, tão propalados neste trabalho, poderiam ser
inseridos? Na esfera das possibilidades para o jornalismo. Para aquele tipo de
jornalismo em que a opinião é expressa de modo mais evidente, a ironia pode ser
um meio interessante e eficaz de se lançar uma crítica ou promover um debate de
idéias. Identifiquei isso nos textos de Jabor, Mainardi e Verissimo, que – como bem
disse o diretor Luciano Alabarse, em entrevista a esta monografia – são três nomes
imprescindíveis no jornalismo brasileiro contemporâneo. Eles empregam a ironia
cada um a sua maneira e, assim, compõem seus estilos. Pode-se dizer, também,
que esses colunistas têm uma visão de mundo – ou “cosmovisão”, novamente
lembrando Cremilda Medina (1996) – também irônica, o que acabam transferindo
aos seus textos. Isso os torna donos de um discurso muito particular, facilmente
percebido. São jornalistas-autores, de fato. Muitos gostam deles e outros tantos
não, mas é preciso concordar num ponto: os três têm estilo. Já comentei isso na
Introdução desta monografia e repito aqui: é impossível passar incólume pelos
textos de Jabor, Mainardi e Verissimo. E também por outras produções jornalísticas
que se marcam por uma abordagem mais criativa e sofisticada dos fatos.
Gostaria de deixar claro, aqui, que não pretendi julgar os trabalhos de Jabor,
Mainardi ou Verissimo – ou seja, dizer se eles são bons ou ruins. O que fiz foi uma
análise das produções desses autores, no sentido de explicitar a ironia presente
nelas e, desse modo, verificar minha hipótese, de que a ironia é empregada, no
jornalismo opinativo, como um instrumento de crítica. Unanimidade, realmente, não
é algo que Jabor, Mainardi e Verissimo provocam com suas opiniões. Polêmica, sim.
Esta decorre tanto do modo irônico com que abordam os fatos quanto das posições
políticas que defendem. Os três, no entanto, para o bem ou para o mal, geram
discussão, e isso é muito importante em qualquer lugar do mundo, principalmente
num país tão carente de debates como o Brasil.
No âmbito pessoal, obtive novas experiências. Com a elaboração desta
monografia, passei a ter uma postura mais irônica e bem-humorada perante o
mundo. Determinadas coisas continuam me aborrecendo, mas, agora, trato-as com
ironia e levo-as com humor. Em minha prática jornalística, penso que posso utilizar
mais estes recursos, quando assim for possível. Já comprovei que isso pode ser
154
uma interessante ferramenta. Trata-se de uma mudança de postura, em relação ao
que manifestei na Introdução deste trabalho.
Estudar o emprego da ironia no jornalismo proporcionou-me, além de mais
conhecimento sobre minha atividade profissional, momentos de verdadeira
descontração. Ao escrever sobre O Pasquim, por exemplo, não só percebi suas
influências sobre a atual produção jornalística brasileira e passei a apreciar ainda
mais essa publicação: também me diverti bastante. O mesmo aconteceu com as
análises das colunas de Jabor, Mainardi e Verissimo – além de tudo, foi divertido.
Por falar em diversão, eu e minha professora orientadora demos boas risadas, em
nossas reuniões.
É esse humor que recomendo àqueles que dizem “não suportar” as ironias de
Arnaldo Jabor e Diogo Mainardi (Verissimo não é odiado, como o são estes dois).
Como afirmou, certa vez, a cantora Elis Regina, “Vamos pelo menos conservar o
bom humor. Senão, você se flagra comprando um revólver e dando um tiro na
cabeça” (apud PIMENTA..., 1997, p. 13). A essas pessoas, novamente sugiro um
pouco mais de bom humor. A vida pode ser levada a sério ou com ironia, já disse
Joan Brossa. A mi, me gusta la ironia.
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