rádio colmundo

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rádio colmundo
PARTE IV
4
DTI
Educomunicação
Educomunicação: uma reflexão teórica sobre a rádio escola
Educommunication: a reflection theory abouth radio school
Angélica Moreira Pereira 1
Resumo: O presente artigo aborda uma reflexão teórica das práticas educomunicativas, em específico a Rádio Escolar, cruzando com as reflexões dos autores
Boaventura de Souza Santos e Edgar Morin, a partir das obras Renovar a Teoria
Crítica e Reinventar a Emancipação Social e Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, respectivamente. Percebeu-se que muitos dos saberes e dos preceitos abordados pelos autores dialogam com a epistemologia da educomunicação.
Palavras-chave: Educomunicação, Ecologia dos saberes, Rádio escola.
Abstract: This article approaches a theoretical contemplation of the educommunicational practices, particularly the School Radio, crossing with the reflections
of the authors Boaventura de Souza Santos and Edgar Morin, based on the
works Renewing the Critical Theory and Reinvent the Social Emancipation and
The Seven Knowledge Required for Future Education, respectively. It became
clear that many of the knowledge and the precepts approached by the authors
dialogue with the epistemology of the educommunication.
Keywords: Educommunication, Knowledge Ecology, School Radio.
INTRODUÇÃO
ESTE ARTIGO apresenta-se uma reflexão teórica a respeito do campo da Edu-
N
comunicação e dos saberes que podem emergir com esta prática, por meio do
cruzamento teórico entre os autores Boaventura Souza Santos e Edgar Morin. O
objetivo que permeia esta pesquisa é refletir sobre possíveis competências que podem
surgir com as práticas educomunicativas por meio da rádio escola.
Uma das obras que darão sustento para o presente artigo é livro Renovar a Teoria
Crítica e Reinventar a Emancipação Social, cuja autoria é do sociólogo Boaventura Souza
Santos. Na visão do autor, a sociedade atual cresceu e se emancipou muito rápido,
gerando problemas de regulação e ordem, surgindo assim, a necessidade de novas
soluções para problemas antigos. Santos defende a necessidade de uma reinvenção da
emancipação social, pois as teorias das ciências sociais que existem hoje, são elaboradas
pelos países do Norte, o que acarreta em problema para os países do Sul. A proposta
apresentada no livro é a união de cientistas sociais do Sul para propor a realização de
um projeto que se chamaria “Reinventar a Emancipação Social a Partir do Sul”, ou seja, a
partir de países periféricos e semiperiféricos do sistema mundial, totalizando seis países:
1. Mestranda em Tecnologias Educacionais em Rede da Universidade Federal de Santa Maria. Artigo
produzido na disciplina de Mídia e Pluralismo. E-mail: [email protected]
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Portugal, Colômbia, Brasil, África do Sul, Índia e Moçambique. O objetivo foi pensar
sobre as contradições mais persistentes entre o Norte e o Sul, aliando cinco temas, tais
como: 1º) democracia; 2º) produção não capitalista - as formas de economia solidária,
de economia social e popular; 3º) multiculturalismo -diversidade cultural, cidadania
cultural, direitos indígenas, entre outros; 4º) conhecimentos rivais – a capacidade que o
Norte tem de negar a validade ou a existência dos conhecimentos científicos (populares,
indígenas) e por fim o novo intervencionismo operário.
As abordagens destes temas levaram os cientistas a várias reflexões, entre elas, a de
que as transformações sem compreensão levam a sociedade para situações de desastre,
pois as dicotomias e as hierarquias não nos permitem pensar fora das totalidades. Não
se pode pensar o Norte sem pensar no Sul; pensar no escravo sem pensar no homem;
pensar no homem sem pensar na mulher. O que deve ser questionado é se nessas
realidades não há coisas que estão fora dessa totalidade: o que há na mulher que não
depende do homem; o que há no Sul que não depende do Norte?
A partir destes questionamentos é que surgem as cinco monoculturas, que
posteriormente são transformadas em ecologias, conforme mostra o quadro a seguir:
Quadro 1. Ecologia dos saberes
Monocultura do rigor científico
Ecologia dos saberes
Monocultura do tempo linear
Ecologia das temporalidades
Monocultura da naturalização das diferenças
Ecologia do reconhecimento
Monocultura da escala dominante
Ecologia da transescala
Monocultura do produtivismo capitalista
Ecologia da produtividade
Fonte: elaborado pela autora baseado em Boaventura de Souza Santos (2005)
O segundo livro que oferece suporte para o presente trabalho é de autoria de Edgar
Morin - Os Sete Saberes Necessários para a Educação do Futuro. Estes saberes surgiram
de uma reflexão geral sobre os problemas da educação para o atual século, chegando
aos sete “buracos negros” que tangem todos os sistemas de educação conhecidos, desde
o Ensino Fundamental até o Ensino Superior.
Os conceitos das ecologias apresentadas por Santos (2005) serão dialogados com as
práticas educomunicativas, por meio da rádio escola, e com os conceitos dos saberes de
Edgar Morin, esperando-se, assim, que a partir destes cruzamentos teóricos o trabalhado
dos educomunicadores possa ser complementado e conduza a uma reflexão sobre o
campo educacional e comunicacional.
O CAMPO DA EDUCOMUNICAÇÃO
No Brasil, o campo de estudo que uniu as áreas da Educação e Comunicação surgiu
na Universidade de São Paulo (USP), em 1996. No mesmo ano foi criado o Núcleo de
Comunicação e Educação (NCE), que congrega pesquisadores engajados em temas que
circundam as áreas citadas. Segundo o Profº Dr. Ismar de Oliveira Soares, Coordenador
do Núcleo de Comunicação e Educação da ECA/USPO, o conceito de Educomunicação
está associado como um conjunto de ações destinadas a:
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1) integrar às práticas educativas o estudo sistemático dos sistemas de comunicação; 2) criar
e fortalecer ecossistemas comunicativos em espaços educativos (o que significa criar e rever
as relações de comunicação na escola, entre direção, professores e alunos, bem como da
escola para com a comunidade, criando sempre ambientes abertos e democráticos. Muitas
das dinâmicas adotadas no Educom apontam para as contradições das formas autoritárias
de comunicação); 3) melhorar o coeficiente expressivo e comunicativo das ações educativas.
Com a revolução tecnológica, as possibilidades de comunicação expandiram-se
e os educadores passaram a ter novas possibilidades de contribuir com o ensino em
sala de aula, consequentemente, potencializando o processo didático-pedagógico. A
inserção de aparatos tecnológicos ao ensino é essencial, pois amplia as possibilidades de
aprendizado, além de exercitar novas capacidades e habilidades dos jovens, entretanto,
essa aliança requer um cuidado de não apenas inserir uma nova tecnologia, mas de
adaptá-la dentro de uma linha pedagógica.
Segundo Citelli et al. (2014), nas primeiras décadas do século XX no Brasil, o rádio
tinha enorme importância cultural, informativa e mesmo educacional. Cabe observar
que 75% da população vivia no campo e 80% da população total era analfabeta. Dois
educadores, Roquette-Pinto e Anísio Spínola Teixeira, identificaram no veículo radiofônico
uma enorme possibilidade para ajudar a reverter o cenário de abandono dos brasileiros
à educação formal. Ambos os educadores revelaram uma profunda compreensão sobre a
importância do rádio para auxiliar nos processos de alfabetização e de difusão cultural.
Neste panorama, de acordo com Gaia (2001), o rádio vem sendo utilizado experimentalmente, de maneira bem sucedida, com outras mídias, tornando-se uma valiosa fonte
de informação e propostas pedagógicas, que tenham “a midialidade e a intermidialidade
com base metodológica” (p.85). O objetivo da rádio escola é transmitir em circuito aberto
ou semifechado, no interior da escola, conteúdos que possibilitam aos alunos a produção
de seus próprios conteúdos radiofônicos, sob a orientação de educadores.
A escola, por muito tempo, foi uma estrutura isolada da sociedade em que seu aluno
está inserido. Na procura por essa interação da escola com a sociedade, a comunidade escolar busca utilizar-se dos recursos que os meios de comunicação têm a oferecer.
Fazendo com que o seu aluno se aproxime, havendo uma comunicação de mão dupla
entre a escola e o aluno.
Diante desse contexto, para que esse aprendizado seja efetivado, é necessário
compreender a educomunicação. Ela é entendida como “um campo de mediações, um
referencial teórico que sustenta a inter-relação comunicação/educação como campo de
diálogo, espaço para o conhecimento crítico e criativo, para a cidadania e a solidariedade”
(SOARES, 2000, p.12).
Com essa aproximação entre aluno e escola com a ajuda dos meios de comunicação,
o estudante passa a ser produtor e não somente um sujeito passivo, de modo que esses
elementos geram a capacidade de decisão do que é importante para a comunidade em
que está inserido, constituindo-se como sujeito crítico. A escola e a comunidade nesse
momento se beneficiam dessa prática para fazer com que os alunos se tornem sujeitos
participativos e opinativos que podem mudar a sua realidade e da comunidade que o
rodeia. A Educomunicação busca a ligação entre escola e sociedade de uma maneira
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diferente, de modo que o aluno se identifique com questões do dia a dia, oportunizando
práticas de cidadania, autoestima e a capacidade de julgamento do mundo que o cerca, o
que faz com que a escola, além de ensinar as matérias básicas, também forme cidadãos
aptos para vivência social.
E é neste contexto que os conceitos de Edgar Morin, sobre os sete saberes necessários
para a educação do futuro dialogam com as práticas educomunicativas. Ele acredita que
qualquer reforma de educação deverá, antes de mais nada, começar pela reforma dos
educadores.
O primeiro saber apresentado é o conhecimento, pois segundo Morin (2000), não é
ensinado o que significa esta palavra, a sua importância. Muitos conhecimentos e crenças
do passado contém erros ou ilusões, pois o conhecimento nunca é o “espelho do reflexo
da realidade” (p.82), ele é uma tradução seguida de uma reconstrução. Ele é marcado pelo
“imprinting cultural”, ou seja, são as impressões que os pais, a escola e demais instituições
sociais imprimem nas crianças desde cedo. Essa visão que é imposta para as crianças
desde cedo é puramente cultural, mas não quer dizer que não seja fundamentado sobre
uma experiência verdadeira.
Este primeiro saber de Morin (2000) vai ao encontro com as ecologias dos saberes
de Boaventura de Souza Santos (2005), que defende a ideia de não utilizar a ciência
apenas como monocultura, mas como parte de uma ecologia dos saberes, em que o saber
científico possa dialogar com o laico, com o popular, com o indígena, com o saber das
populações urbanas marginais, com o camponês, etc. Todo saber cultural é válido e o
principal argumento é contrariar a hierarquia abstrata do conhecimento.
O segundo saber é o conhecimento pertinente, que não se constitui em pertinente
por conter uma grande quantidade de informações. O problema consiste em como
organizamos essa grande quantidade de informação. Esse segundo saber tenta lidar/
situar as informações a partir de um conceito global, e se possível, num contexto
geográfico e histórico, para isso, é necessário ter uma visão do todo, do conjunto e
entender que as partes também compõem esta totalidade.
O terceiro saber é o da identidade humana, da condição humana. Quem somos nós?
Qual a nossa condição? Morin (2000) defende que somos indivíduos de uma sociedade
e fazemos parte de uma espécie, mas estamos em uma sociedade e a sociedade está em
nós, pois desde o nosso nascimento a cultura se imprime em nós. O conhecimento hoje
em dia se encontra separado, compartimentado, tais como a sociologia, a psicologia,
história, economia, etc. Esse terceiro saber dialoga muito com o segundo saber, pois
para conhecermos algo, é necessário que haja alguma distância, ao mesmo tempo em
que haja um pertencimento comum.
O quarto saber é o da identidade terrena, a compreensão humana, que visa entender
o ser humano não apenas como objeto, mas também como sujeito. Compreender não só
os outros como também a si mesmo, pois é necessário se auto examinar, se olhar, pois
o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão entre os seres humanos.
Este quarto saber de Morin pode ser relacionado com a ecologia das temporalidades de
Boaventura de Souza Santos que contrapõe a monocultura do tempo linear, constituindose em diferentes concepções de tempo, principalmente para algumas tribos, como
camponeses, comunidades africanas, indígenas, etc, pois estas acreditam que cada
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pessoa individual ou grupos de pessoas possuem tempos diferentes para compreender
e assimilar fatos/acontecimentos.
O quinto saber refere-se a entender as incertezas, ou seja, aprender a enfrentar as
incertezas, pois o que se ensina são apenas as certezas históricas e científicas. Ensinar
as incertezas é incitar à coragem, incentivar futuras decisões que devem ser tomadas
levando em conta o risco do erro e de estabelecer estratégias que possam ser corrigidas
no processo de ação. Este saber também é bem próximo a ecologia do reconhecimento,
que propõe a descolonização das mentes para produzir algo que se distinga dos produtos
advindos da hierarquia e só aceitar as diferenças depois que a hierarquia for descartada.
O sexto saber é ensinar a compreensão, ou seja, compreender a era planetária, os
tempos modernos, a globalização do século XX. Torna-se necessário compreender que
vivemos em uma era constituída por uma comunidade de destinos sobre a Terra. Como
então, compreender partes da humanidade sem chegar a uma homogeneização, ou seja,
sem destruir ou nivelar as culturas? Morin (2000) diz que conhecer nosso planeta é difícil,
pois os processos de todas as ordens sociais, econômicas, ideológicas estão imbricadas
e são tão complexas que tornam-se um desafio para o conhecimento.
O sétimo e último saber é a antropoética, ou seja, a ética em escala humana que exige
que desenvolvamos simultaneamente nossa autonomia pessoal, nosso individualismo,
responsabilidade e participação no gênero humano. É a ética que conduz os humanos a
uma ideia de democracia, a ética do gênero humano com associações não governamentais,
como Médicos Sem Fronteiras, Green Peace, etc.
A RÁDIO ESCOLA E O ESPAÇO PARA A CONSTRUÇÃO
DO SABER COLETIVO
Estas intersecções teóricas com o campo da educomunicação mostram-se muito eficazes para analisar as propostas educomunicativas que as escolas têm trabalhado com
os alunos em sala de aula. É sabido que as escolas, durante muito tempo, foram consideradas como um espaço isolado da sociedade em que o aluno está inserido. Na procura
por essa interação da escola com a sociedade, a comunidade escolar busca utilizar-se dos
recursos que os meios de comunicação têm a oferecer. Isso faz com que o seu discente se
aproxime, havendo uma comunicação de mão dupla entre a escola e o aluno.
A aproximação entre os estudantes, a escola e as mídias escolares pode acontecer
por diversas maneiras, seja através do rádio, do jornal, da fotografia, desenhos, histórias
em quadrinhos ou através de um programa de televisão. A possibilidade encontrada
nestas práticas é a de incentivar no aluno o desenvolvimento pessoal, a capacidade de
refletir criticamente o que está sendo produzido e como este processo ocorre. O projeto
rádio escola, por exemplo, realizado em escolas de Ensino Fundamental e Médio, visa
que o aluno trabalhe no rádio a interdisciplinaridade e a participação, ou seja, o que
está sendo ensinado em sala de aula sobre química, português, matemática ou redação,
também seja trabalhado no rádio e contextualizado com a sua realidade social.
A educomunicação, neste contexto, busca um elo entre escola e comunidade,
inserindo o aluno não apenas como um sujeito passivo, mas como um cidadão crítico,
que compreenda onde está inserido, que ele abranja o seu mundo. A autonomia, o
protagonismo e o empreendedorismo juvenil são elementos essenciais estimulados pela
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produção coletiva de comunicação. Trata-se de um tempo e espaço onde a criança, o
adolescente e o jovem podem exercer livremente sua criatividade e expressar seus anseios.
Ele busca sua pauta, pesquisa, escreve, analisa e opina com o suporte do ambiente escolar,
mas não subordinado a ele. Uma das consequências dos processos educomunicativos é a
aproximação dos educadores e educandos nas conversas, ocasionando a desmistificação
da figura dos educadores como únicos detentores de saber, podendo causar uma tensão
inicial, pois transforma as relações de poder e hierarquia, trazendo como ponto positivo
a possibilidade de se criar novos espaços de diálogos dentro do ambiente escolar.
O uso das mídias nas escolas, como o exercício da rádio escolar possibilita, inclusive,
interação com diversos temas. É possível realizar entrevistas sobre meio ambiente,
divulgar uma competição da escola, criar campanhas para a melhoria da convivência na
escola e para a promoção de uma cultura de paz. Uma rádio escola pode, ainda, ser uma
ferramenta poderosa para trabalhar o direito à livre expressão e à opinião. É, também,
uma estratégia para se debater a responsabilidade inerente ao exercício desse direito
com os estudantes, professores e demais pessoas da comunidade escolar.
Para a escola implementar a sua rádio, é necessário criar um projeto que esteja de
acordo com o projeto pedagógico da escola. O Programa Mais Educação2, por exemplo,
disponibiliza um kit de rádio escolar que é composto por uma série de materiais de
apoio à atividade de comunicação na escola. São eles: aparelho microsystem; microfones
que podem ser utilizados para o exercício de rádio ao vivo e para a gravação de notícias
e spots educativos; gravador digital; fones de ouvido para uso dos locutores na rádio e
para gravação dos conteúdos e caixas de som. Na maioria das vezes, as rádios escolares
funcionam no horário do recreio, do almoço ou entre os intervalos das aulas.
RELATOS DE WEB RÁDIOS NO BRASIL
É sabido que a escola precisa estar em sintonia com a comunidade, envolvendo
em suas atividades, além do corpo docente, familiares e amigos dos alunos. Com as
constantes mudanças mundiais, torna-se necessário que as escolas acompanhem a
evolução tecnológica e as alterações comportamentais relacionadas com o processo
de ensino e aprendizagem, bem como o fluxo de informações e conhecimento. Em
detrimento disso, muitas são as Rádios Escolas que trabalham por meio da internet,
transmitindo virtualmente a sua programação.
Com o intuito de exemplificar algumas práticas educomunicativas por meio das
Rádios Web, será citado apenas algumas iniciativas adotadas por Escolas da Rede Pública
que vão ao encontro dos objetivos do presente artigo. Por saber da importância deste
tema e da diversidade de escolas que adotaram estas práticas, o assunto não será esgotado
neste capítulo, e sim apresentado de maneira a elucidar o que já foi colocado.
Um exemplo é a Rádio Escola Web de São Paulo3, pioneira neste formato de rádio
no Estado e oportuniza crianças e adolescentes da Rede Municipal a participar das
2. O Programa Mais Educação, instituído pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo
Decreto 7.083/10, constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para induzir a ampliação da jornada
escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral.Fonte: http://portal.mec.gov.br/
index.php?option=com_content&view=article&id=16690&Itemid=1113. Acessado em 08 de dezembro de 2014.
3. Disponível em http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Projetos/educom/Anonimo/wr/wr.htm.. Acesso
em 20 de maço de 2015.
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Educomunicação: uma reflexão teórica sobre a rádio escola
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produções e edições de diversos programas. A rádio faz parte do Projeto de Educomunicação “Programa Nas Ondas do Rádio”, que busca nesta iniciativa integrar as rádios
escolares em um canal comunitário de promoção do protagonismo infanto – juvenil e
de direito a comunicação.
Com o intuito de complementar a formação de alunos dos cursos de Comunicação
Social, a Escola de Rádio Web4, localizada no Rio de Janeiro, foi fundada em 1994 e oferece
cursos presenciais e online profissionalizantes para jovens que desejam se aperfeiçoar
nesta área.
Na cidade de Santa Maria, localizada no Estado do Rio Grande do Sul, algumas
Escolas Públicas implementaram em 2011 as Rádios Escolares, em parceria com a 8ª
CRE (Coordenadoria Regional de Educação) e contando com o apoio de um Projeto de
Extensão do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria. No
total foram contabilizadas 18 escolas5 que estão com o projeto em andamento, tais como:
Rádio Fala Galera; Rádio Conexão CESS; Rádio Escola Revolução Jovem; Rádio Escola
Castelo Branco; Rádio CB; Rádio Voluntários em Ação; Rádio Ruschi; Rádio Caetaninho
Tribal Show, entre outras.
Dentro deste esforço coletivo das Instituições promotoras da educomunicação é que
os sete saberes necessários para a educação do futuro e as ecologias dos saberes se cruzam
e se entrelaçam com o exercício da rádio escola, pois são preceitos básicos não apenas
para a vida acadêmica dos estudantes, mas para a vida pessoal, para a convivência em
grupo, para a compreensão e transformação da realidade que cada indivíduo está inserido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A rádio escola se constitui como uma prática educomunicativa que visa a construção
do saber, a formação cidadã e crítica, que compreende o mundo a sua volta. Muitos dos
preceitos fundamentais da educomunicação e da rádio escola vão ao encontro dos Sete
Saberes Necessários para a Educação do Futuro, pois o foco não é somente no conteúdo
exposto em sala de aula, nas ciências exatas ou humanas, mas se completa através da
reflexão de que vivemos em uma sociedade e que entender as partes para compreender
o todo, torna-se fundamental.
A compreensão humana, quem somos, onde estamos inseridos, a existência de
múltiplas culturas, são saberes que Morin aborda e que dialoga com o exercício da rádio
escolar, com a intenção que os educadores esperam poder trazer para o âmbito escolar
e refletir com os estudantes durante suas práticas. Da mesma maneira que Boaventura
de Souza Santos apresenta as Ecologias dos Saberes, pode-se fazer uma conjectura com
os saberes que são desenvolvidos através do exercício nos laboratórios radiofônicos,
visando a compreensão e o entendimento das diferentes culturas, o saber trabalhar
no coletivo, aceitar opiniões contrárias e advindas a partir de um ponto de vista que
é baseado na realidade social e econômica de cada aluno, aceitar os diferentes tempos
que cada estudante tem para assimilar as notícias e os produtos radiofônicos que estão
sendo produzidos ou desconstruídos na rádio escola.
4. Disponível em http://escoladeradioweb.com.br/. Acesso em 20 de março de 2015.
5. A lista de Escolas Estaduais é um relatório do Projeto, constando a data de 12 de maio de 2014 como
sendo a última atualização das informações.
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Educomunicação: uma reflexão teórica sobre a rádio escola
Angélica Moreira Pereira
A proposta deste artigo era de dialogar com estes dois autores – Morin e Boaventura que trazem conceitos extremamente importantes para a melhor compreensão e a reflexão
das práticas educomunicativas que utilizam diferentes mídias, em especial o meio rádio.
Acredita-se que foi de grande valia a reflexão teórica, pois muitos dos saberes abordados
neste artigo possibilitam o cruzamento com as intenções da educomunicação.
REFERÊNCIAS
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ambiências midiatizadas. Santa Maria, RS: Centro Universitário Franciscano, 2014.
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FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 16. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
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MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. 3. ed. São Paulo,
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NUNES, Roseli Pereira. A educomunicação como ferramenta para trabalhar questões socioambientais na escola. In: V Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade. 21 a 23 de
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SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação: um campo de mediações. Comunicação & Educação,
ECA/USP. Nº 19, ano VII, 2000.
SOUZA SANTOS, Boaventura de. A Globalização e as Ciências Sociais. 4ª. ed. São Paulo: Cortez, 2005
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada
Meritocracy in education to a society deschooled
C a r o l i n a C a r d o s o D u t r a E va n g e l i s t a 1
Resumo: Este excerto tenta discorrer sobre a sociedade meritocrática e sua inserção
no contexto da rede de ensino. Para isso, é dada uma contextualização de como
ocorreu esta inserção, primeiramente mundial e depois no contexto brasileiro,
considerando a hipótese de que ela foi difundida também pela democratização
do ensino. É tratado também da meritocracia como razão para uma sensação de
injustiça, que leva a uma “sociedade da desconfiança”, passando pela descrença
no sistema de ensino, até a ideia de uma sociedade “desescolarizada”.
Palavras-Chave: Meritocracia, Educação, Sociedade Desescolarizada, Sociedade
da Desconfiança.
Abstract: This excerpt aims to discuss the meritocratic society and its place in the
context of the school system. For it is given a context of how this insertion occurred,
first in the world and then in the Brazilian context, considering the hypothesis that
it was also broadcast by the democratization of the education. It is also treated of
meritocracy as a reason for a sense of injustice, which leads to a “society of distrust”,
through unbelief in the education system, until the idea of a “deschooling society”.
Keywords: Meritocracy, Education, Deschooling Society, Society of Distrust.
INTRODUÇÃO
MBORA SEMPRE presente no senso comum das sociedades individualistas e igua-
E
litárias, modernas e tradicionais, a meritocracia é há muito um tema que gera
controvérsias (BARBOSA, 1999, p. 29), sobretudo nos sistemas de ensino. E é deste
“incômodo” que surgiu a ideia de aprofundar os estudos sobre este contexto (meritocracia e educação) e tentar entender o porquê deste sistema me parecer tão “injusto”.
Temos pela definição dicionarizada de meritocracia2: “predomínio numa sociedade,
organização, grupo, ocupação etc. daqueles que têm mais méritos (os mais trabalhadores,
mais dedicados, mais bem dotados intelectualmente etc.)”. No sentido que aqui proponho,
a palavra “meritocracia” apareceu provavelmente pela primeira vez no livro Rise of the
meritocracy, de Michael Young (1958). Para Young meritocracia é “a caracterização de um
sistema de governo ou gestão que utiliza o mérito individual para a ascensão social e
política”. o livro de Young me interessou particularmente, pois uma das críticas que
o autor fez sobre esse sistema é a alusão ao fato de que as medidas referentes a esse
mérito, que pode ser validado em inteligência ou esforço, não são muito específicas e,
geralmente, são arbitrárias, elegidas pela classe social ou modo de vida dominante.
1. Mestranda na área de Ciência da Informação (ECA-USP). Bacharel em Letras, habilitação Português/
Alemão (FFLCH-USP) e em Licenciada em Português e Alemão (FE-USP), [email protected].
2. HOUAISS. Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada
Carolina Cardoso Dutra Evangelista
Em minha hipótese inicial, a meritocracia funciona de maneira justa como sistema
de oportunidades em tipos de comunidades reduzidas, em que as condições das pessoas
costumam ser restritas de distinção; dentro destes nichos, é habitual que as chances
das pessoas sejam similares, como, em times de futebol, ou mesmo empresas em que
os profissionais tenham currículos, objetivos e aspirações parecidos. Não adentrei nesta
hipótese, é claro, no contexto da lógica de mercado ou da seleção que é feita para que
se possa atingir esse tipo de comunidade. E por isso, parto do pressuposto que não dá
para se trabalhar pequenos nichos como “justos” se a sociedade se mostra meritocrática
como um todo. Assim, acabo por renegar esta primeira hipótese e um clássico exemplo
disso é nosso sistema de ensino, altamente meritocrático.
Voltada à educação, muitos defendem – e concordo – a hipótese de que em um
sistema educacional lidamos com pessoas diferentes, e mesmo que adaptado à realidade
da comunidade de uma escola, de um “pequeno” nicho, a meritocracia não tratará a todos,
necessariamente, com a igualdade e justiça que ela supostamente pressupõe. E muito
mais, uma escola meritocrática contribui para a propagação e dá sustentação para uma
sociedade baseada no sistema da meritocracia, o que, segundo Souza (2013): “exacerba
o individualismo e a intolerância social, supervalorizando o sucesso e estigmatizando
o fracasso, bem como atribuindo exclusivamente ao indivíduo e às suas valências as
responsabilidades por seus sucessos e fracassos”.
A FUGA DA MERITOCRACIA DESENFREADA 3
O artigo de Bucci (2009a) inicia citando o filósofo Baudrillard, cujo texto inspirou
o filme Matrix, dos irmãos Wachowskis, que simula o planeta terra em um futuro em
que a realidade é fruto de um poder único que controla todas as nossas ações. Sob essa
perspectiva, vivemos em uma cena escrita e dirigida por uma máquina chamada Matrix.
Os seres humanos são apenas peça de uma grande máquina e não trabalham com o
pensamento realmente criativo (apesar de não saberem). Eles movem um mundo que, em
realidade, não participa. Na sequência, o artigo apresenta a teoria de Charles Darwin, a
Evolução das Espécies, que postula, basicamente, que as espécies competem entre si: a
espécie que melhor se adapta sobrevive. Bucci (2009) e antes dele Jacques Lacan (também
citado no artigo) acreditam que essa teoria pode ser lida “como a aplicação do ideário
liberal” à vida no planeta Terra, principalmente pela época em que ela foi apresentada
à comunidade científica. A natureza, assim, seria a expressão final do liberalismo.
Da teoria de Darwin temos uma metáfora da ação capitalista. Sobrevive quem tem
mais recursos para isso, assim como é no capitalismo o fenômeno da hereditariedade: o
capitalista acumula a riqueza e os meios de vida para sua família, e compete com outros
pela riqueza: “Por meio da ideia de que competir é um valor vital, Darwin consagrou,
indiretamente, a ação humana em busca da sobrevivência (ou da riqueza) como um
vetor natural, instintivo, vital” (Bucci, 2009). Portanto:
VIDA = MÉRITO
3. Este tópico foi livremente inspirado no texto: “Aquilo de que o humano é instrumento descartável: sensações
teóricas”, do Professor Dr. Eugênio Bucci. In: NOVAES, Adauto (Org.). A condição humana: as aventuras do
homem em tempos de mutações. Rio de Janeiro: Agir e São Paulo: Edições SESC SP, 2009. p. 375-394.
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada
Carolina Cardoso Dutra Evangelista
A teoria de Darwin prega, nada mais, do que a “predação” que acontece dia a dia
não só na natureza, mas na sociedade econômica. Bucci (2009) faz ainda um paralelo:
“o espécime de Darwin é análogo ao empresário de Adam Smith” ... “o seu laissez-faire
na natureza reverbera a ‘livre’ iniciativa” (reverbera o próprio liberalismo).
Contextualizando Darwin (1809-1882) em sua época, o autor lembra que o século XIX
foram os anos da ascensão e propagação dos direitos fundamentais, dos direitos sociais:
Prosperaram aí os valores da fraternidade e da igualdade, mas, que fique bem claro, sem a
liberdade econômica, que supõe egoísmo e a ambição, a sociedade não avançará. Portanto,
o que alguns passaram a chamar de “darwinismo social” é, desde logo, contrabalançado
pela vigência de direitos fundamentais, que redundariam mais tarde também nos direitos
sociais. Bucci (2009)
Assim, não foi só a meritocracia que ascendeu naquele século, mas os direitos
sociais também. Esses direitos vinham para deixar a sociedade mais igualitária, porque
se fosse depender apenas da economia, em tese, sempre haveria pessoas com recursos
insuficientes para a sobrevivência. Apenas a conquista do pensar sobre esses direitos
significou que a humanidade evoluiu em relação aos bichos, a conquista deles significa
a evolução para o estado civilizado. No entanto, o questionamento que faço é sobre o
quanto nossa sociedade é realmente “civilizada”, o quanto os direitos sociais alcançados
suprem a necessidade de uma sociedade tão revigorada pelos simulacros da meritocracia?
O SISTEMA MERITOCRÁTICO E A DESCONFIANÇA PROVOCADA
Eles não suprem. Mesmo com todos os direitos conquistados, continuamos selecionando e diferindo exacerbadamente. “Toda a seleção de um é a rejeição de muitos” (Young, 1958). E analisando significadamente, é muito difícil mensurar o que uma
rejeição pode causar na individualidade do ser social, que ao nascer, segundo Freud,
já é castrado e vive sempre em busca do objeto de sua castração4. Este ser nem sempre
está preparado para lidar com a rejeição, e a possibilidade dessa rejeição, causada pelo
sistema meritocrático exacerbado, gera uma sensação de eterna desconfiança que nos é
intrínseca, que não é natural, mas já nos acostumamos.
A socióloga Claudine Haroche, em seu artigo escrito em 2010, fala da “sociedade
da desconfiança”, em que os valores podem ser difusos e mutáveis, pois se baseia no
medo causado pela constante avaliação que passamos em nossas vidas, que vem desde o nascimento até nossa morte, que não respeitam a individualidade do ser; e que
homogeneízam as pessoas.
Seguindo este raciocínio, em meu ponto de vista, o sistema meritocrático contribui
para uma sociedade contrária ao que ele propõe inicialmente. Em vez de justiça, é a
sensação da falta dela que ele propaga. Muito da sensação de que a vida é “injusta”, que
temos a impressão de estar em nossa essência pelo simples fato de sermos “humanos”,
parece-me vir da ideia da sociedade moldada pelas questões do mérito.
4. Para um melhor entendimento ver o texto de Eugênio Bucci e Rafael Venâncio: “O valor de gozo: um
conceito para a crítica da indústria do imaginário” (2014).
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada
Carolina Cardoso Dutra Evangelista
A MERITOCRACIA NO CONTEXTO ESCOLAR
Foi na Revolução Intelectual, que teve início na Inglaterra em 1870, que o mérito se
tornou árbitro decisivo na sociedade moderna ocidental em detrimento da hierarquização
de pai para filho5. Nessa época, em várias áreas a hereditariedade foi sendo substituída
pela compensação do talento. As guerras do século XX foram o ápice da competição
entre nações, e representaram grande justificativa para o princípio do mérito. Os testes
de crianças de escolas elementares que entrariam no serviço militar eram por mérito,
pelo medo da nação perder as guerras em que estava inserida, a escola incorporou
definitivamente a base meritocrática. Muito disso foi postulado pelo pensamento
tecnocrata, que diferente da meritocracia, mas muitas vezes complementar a ela, é
fundamentado na supremacia técnica.
Foi em busca do sonho de oportunidades iguais, que denunciavam a herança da
propriedade intelectual que o processo de mudança social legitimou uma sociedade
do mérito, que acabou apropriando seu sistema de ensino baseada nessa premissa. E
minha hipótese é que este sistema foi difundido pela democratização do ensino no Brasil.
José Mario Pires Azanha (2004) discorre acerca da apropriação de qualquer ideologia6 sobre o ideal da democracia7, ele fala de um ponto histórico “em que foi a premissa
fundamental de todas as posições: a valorização do ideal democrático” que mesmo com
certas controvérsias, “todos concordaram na ‘aceitação da democracia como a mais alta
forma de organização política e social’8” (Azanha, 2004). E é por essa aceitação e pela
ambiguidade da noção de democracia, ainda segundo Azanha, que a noção de “ensino
democrático” se distorceu. Neste período, os governos pelo mundo tomaram o ensino
como responsabilidade sua e o disponibilizaram como obrigatório. Em muitos países
essa “democratização” atingiu um ensino público dito de “qualidade” – mesmo que
sirva apenas para a reprodução de um sistema, para a reprodução da “sociedade do
espetáculo”9.
Em nome do ensino democrático, deu-se a “democratização do ensino” – o ensino
para todos –, que se mostrou tão aceitável e tomou forma de solução milagrosa para
diversos problemas, o qual a educação estava inserida no Brasil10 – principalmente como
bloqueio do crescimento econômico.
5. Ver Toledo Piza, apud Young, 1985, p. 212-213.
6. Saliento aqui os postulados sobre ideologia de Louis Althusser em seu livro Aparelhos ideológicos do estado,
que olham a ideologia do plano social e são citados e didaticamente explicados por Cassian (2005) e Bucci
(1997). Althusser diz: 1. “A ideologia é uma ‘representação’ da relação imaginária dos indivíduos com suas
condições reais de existência.” – no caso da democratização do ensino, é perceptível como a apropriação
do ideal da democracia foi determinante em como as pessoas iriam agir em sociedade (a apropriação da
democracia levou a suposta democratização de inúmeras coisas); 2. “A ideologia tem existência material.”:
é a própria ideologia da democracia, neste exemplo, que traça o plano de ação; e 3. “A ideologia interpela
os indivíduos enquanto sujeitos”: no exemplo, a interpelação da ideologia foi tamanha, que fez com que o
indivíduo enquanto sujeito pensasse no coletivo.
7. Para Weber, a democracia é uma operação impessoal, que dá condições para que o estado não seja
clientelista, não seja privado, para que o estado seja administrado sem amor ou ódio (Weber, 1994).
8. Azanha cita nestas aspas o estudo: McKleon, R. (Ed.) Democracy in a world of tensions (a symposium
prepared by Unesco), The University of Chicago Press, 1951.
9. Ver o texto “O olho que vaza”, de Eugênio Bucci em que o autor explica que o “espetáculo do mundo”
é o trabalho.
10. Veja o texto de J. Nagel citado por Azanha (2004): “Educação e sociedade na Primeira República”, E. P.
U. – EDUSP, São Paulo, 1974, p. 206-207.
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada
Carolina Cardoso Dutra Evangelista
No País, a falácia da “democratização” foi ainda maior, ainda mais ilusória do que
em outros lugares. Em grande parte das abordagens das políticas públicas, as medidas adotadas acabaram por diminuir a qualidade do ensino, com o intuito de que se
abrangesse mais pessoas. Como exemplo, cito a Reforma Sampaio Dória, instituída
pelo então diretor de instrução pública do Estado de São Paulo em 1920 (Azenha, 2004).
À época, havia a necessidade de duplicar a rede de ensino para abranger toda a população que precisava ser escolarizada, precisava-se erradicar, de uma vez por todas, o
analfabetismo, sem grandes recursos financeiros para tal. Um dos principais objetos
da Reforma era reorganizar o ensino básico, que passou a ter sua obrigatoriedade
não mais a partir dos sete, mas a partir dos nove anos, as séries foram concentradas
e o ensino primário passou a ter duração não mais de quatro, mas de dois anos. A
Reforma, munida do ideal democrático optou pelo mínimo para todos ao melhor para
poucos. Nas palavras de Azanha (2004): “Esta trivialidade do credo democrático em
educação, tão facilmente aceita no plano teórico, parece que causa repugnância na
prática, porque exaspera a sensibilidade pedagógica dos especialistas preocupados
com a qualidade do ensino.”
No entanto, o próprio Azanha defende a “inevitabilidade e desejabilidade de
planos para a educação”11. Considera-a vencedora, porque hoje a exigência de um
plano educacional foi um triunfo elencado pela Constituição. Azanha extrapola suas
considerações aos planos sociais, fala sobre “a necessidade de planos como uma
aspiração politicamente assentada”, para que se viva em sociedade é necessário os planos
governamentais, e esses planos são sim outra conquista social. Hoje, por exemplo, é
praticamente impossível, na nossa sociedade, um candidato se eleger sem colocar em
pauta seus planos diretivos.
No entanto, há quem tenha uma ligeira discordância quando o caso é a educação.
Em Educação para além do capital, o filósofo húngaro István Mészaros critica, de certa
ponto, planos como esses, apelando para concepção de educação mais vasta:
Apenas a mais ampla das concepções de educação nos pode ajudar a perseguir o objetivo
de uma mudança verdadeiramente radical, proporcionando instrumentos de pressão que
rompam a lógica mistificadora do capital. Essa maneira de abordar o assunto é, de fato, tanto
a esperança como a garantia de um possível êxito. Em contraste, cair na tentação dos reparos
institucionais formais – “passo a passo”, como afirma a sabedoria reformista desde tempos
imemoriais – significa permanecer aprisionado dentro do círculo vicioso institucionalmente
articulado e protegido dessa lógica autocentrada do capital. Essa forma de encarar tanto os
problemas em si mesmos como as suas soluções “realistas” é cuidadosamente cultivada e
propagandeada nas nossas sociedades, enquanto alternativa genuína e de alcance amplo e
prático é desqualificada aprioristicamente e descartada bombasticamente, qualificada como
“política de formalidades”. Essa espécie de abordagem é incuravelmente elitista mesmo
quando se pretende democrática. Pois define tanto a educação como a atividade intelectual,
da maneira mais tacanha possível, como a única forma certa e adequada de preservar os
“padrões civilizados” dos que são designados para “educar” e governar, contra a “anarquia
11. AZANHA, José Mário Pires. “Política e planos de educação no Brasil: alguns pontos para reflexão”.
Caderno de Pesquisa, n. 85, pp. 70-78, 1993.
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada
Carolina Cardoso Dutra Evangelista
e subversão”. Simultaneamente, ela exclui a esmagadora maioria da humanidade do âmbito da ação como sujeitos, e condena-os, para sempre, a serem considerados como objetos (e
manipulados no mesmo sentido), em nome da suposta superioridade da elite: “meritocrática”,
“tecnocrática”, “empresarial”, ou o que quer que seja.
Esta passagem de Mészaros é interessante porque ele critica os processos de
mudanças graduais, os quais chama de resoluções “realistas”, dizendo que estamos
“conformados” com elas. Ele coloca “realistas” entre aspas porque são realmente realistas
apenas para alguns setores da sociedade. E este “setores realistas” desqualificam qualquer
transformação social profunda, a visão elitista chama de “política de formalidades”
qualquer medida mais aprofundada. Mészaros coloca este termo também entre aspas
para transcrever um discurso comum hoje em dia: a política, ao ver de muitos, seria
uma mera formalidade frente aos interesses do mercado.
Mais adiante ele fala e critica a educação tecnocrata, seguida dos estudos de Gramsci,
que “argumentava enfaticamente, há muito tempo que ‘não há nenhuma atividade
humana da qual se possa excluir qualquer intervenção intelectual – o Homo faber não
pode ser separado do homo sapiens...’”. Gramsci difere o trabalho fabril da atividade
intelectual que pode ser realizada pelo ser humano, ressaltando a crítica à educação
tecnocrata e meritocrática.
Sabemos que o discurso de Mészaros, na maioria de sua obra é por uma sociedade
que clame por uma política de transição, o que fica bem explícito no subtítulo de seu
livro Para além do capital: “rumo a uma teoria da transição”, mas entendemos que no
caso da educação, o filósofo tende a ser mais radical.
Além disso, ainda sobre o contexto escolar, vamos ao encontro da tese da já citada
pensadora Claudine Haroche: as avaliações meritocráticas nas escolas, isto é, as mais
tradicionais e completas de austeridade, com notas afixadas e com modelos únicos para
todos, sem distinção, são também quantificadas por valores que não respeitam o ser
humano, são uma afronta a individualidade.
DESCRENÇA
Observando linearmente, a diferença entre o início e o término do século XX,
segundo Toledo Piza (1985) é que nos tempos mais recentes, vemos concretamente a
luta de classes e as formas de inteligência divididas entre essas classes como processo
social, ou seja, as “formas de inteligência” mais bem remuneradas economicamente,
geralmente,12 pertencem aos que fazem parte das classes dominantes, dos que já detém
o capital, tornando a passagem de uma classe social para outra mais difícil. Toledo
Piza cita uma frase do livro de Young13 “a civilização não depende da massa sólida,
mas da minoria criativa”, como base para explicação dessa mudança de paradigmas
na detenção da inteligência. Hoje, conseguimos observar uma tendência intensificada
desse pensamento na educação brasileira.
12. Frisei a palavra geralmente na passagem a fim de salientar o fato de saber e assumir que há exceções,
que podem não ser tão raras.
13. YOUNG, Michael. The rise of the meritocracy (classics in organization and management series). Nova
Jersey: Transaction Publishers, 1994.
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada
Carolina Cardoso Dutra Evangelista
Vemos o empobrecimento dos valores da instituição escola para seus jovens
usuários, que deixam de ser agentes do sistema educacional, para se tornarem meros
“frequentadores”, já que estar ali, muitas vezes, não representará mudanças efetivas em
sua vida, pelo contrário, representará apenas a reprodução do seu já estabelecido papel
social em um sistema que precisará dele apenas como uma engrenagem, não como
protagonista14. É exatamente esse tipo de sociedade que Young preconiza em seu livro,
baseada no conceito já defasado do QI (coeficiente de inteligência) e do esforço individual.
Uma sociedade em que “Não há revoluções, somente o acréscimo lento de mudanças
incessantes que reproduzem o passado enquanto o transformam.”15 (Young, 1994).
Soma-se a isso, que tal sensação de descrédito no sistema educacional brasileiro é
visível também no fato de que nem o próprio sistema consegue se reproduzir por meio
deste ensino defasado. A imprensa está sempre a expor notícias sobre a falta de mão
de obra qualificada16, influenciando e inserindo a sensação de descrédito, mesmo que
tacitamente, na opinião pública17.
A educação está circunscrita, hoje, e na história do País como um todo, muito mais
como um “distanciador” social do que uma escolha18. Com uma visão ainda, no início
do século XX, a educação demarcava os lugares do privilégio (a exemplo das República
das Oligarquias; o voto de cabresto, entre outros). Mudamos. Com a democratização
do ensino passamos para um estágio diferente. Mas ainda há um caminho árduo para
uma escola justa.
DESESCOLARIZAÇÃO COMO MEIO
Ivan Illich, pensador e polímata austríaco, já no início dos anos 1970, vai além na
sensação de descrédito do sistema do ensino. Ele não fala de uma “sensação”, sequer
restringe o descrédito ao sistema educacional brasileiro, em seu Sociedade sem escolas,
defende o fim da institucionalização da sociedade: “Não é possível uma educação
universal através da escola.”, ele diz que preconizando uma atitude em que o sujeito
buscará transformar sua vida, a escola como instituição, se esvaece. O autor cita
brevemente a palavra latina schola, que significa “tempo ocioso”, “folga”. Em tempos
em que até o olhar e o entretenimento19 podem ser considerados “força de trabalho”, em
nossa sociedade moderna e supramoderna20, a “folga” também foi roubada da escola.
14. Este jovem está estaria inserido em uma espécie de Matrix?
15. E por isso, quando se faz um estudo histórico sobre derterminado assunto, muitas temos a impressão
de vivermos loopings históricos.
16. Veja: “Falta de mão de obra especializada se agrava e atinge 91% das empresas” (matéria de Renée Pereira,
em O Estado de São Paulo, de 12 de janeiro 2014); e “Pesquisa revela que falta de mão de obra qualificada
prejudica empresas” (matéria do Bom Dia Brasil, de 29 de outubro de 2013).
17. Usando o conceito de Habermas, citado por Bucci e Venâncio: “opinião pública é o recurso por meio do
qual a esfera pública faz a mediação entre o estado e a sociedade”. (Bucci, 2014).
18. Até bem pouco tempo, há 44 anos, o Brasil contava com pouco menos de cinco milhões matriculados
no Ensino Médio Veja: IBGE, Séries Estatísticas Retrospectivas, 1970; IBGE, Estatísticas da Educação Nacional,
1960-1971; INEP/MEC, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, n. 101.
19. Para saber mais, ver: Bucci, Eugênio. “Em torno da instância da imagem ao vivo”. MATRIZes, ano
3, n. 1, p. 65-79, ago./dez. 2009; e “O olho que vaza o olho”. In: NOVAES, Adauto (org.). A experiência do
pensamento. São Paulo: Edições Sesc-SP, 2010, pp. 289-321.
20. Conceito de Marc Augé, que considera que ainda não ultrapassamos os tempos modernos, discordando
do conceito de pós-modernidade do pensador David Harvey. Marc Augé é citado por Egênio Bucci em
“Ubiquidade e instantaneidade no telespaço público: algum pensamento sobre televisão”. Caligrama, v. 2,
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada
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Para completar, Illich vê a escola como forma de “emburrecimento” dos alunos,
uma instituição que não é transformadora, e sim formadora. Ser meramente “formadora”,
em nosso tempo, acaba sendo insuficiente, já que está muito mais perto de apenas
moldar os alunos para a reprodução do sistema do que para uma transformação social.
Ele relaciona, sobretudo, os estudantes de baixa renda, que no Brasil são, em geral, os
alunos da rede pública de ensino:
Muitos estudantes, especialmente os mais pobres, percebem intuitivamente o que a escola
faz por eles. Ela os escolariza para confundir processo com substância. Alcançado isto,
uma nova lógica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, melhores os resultados;
ou, então, a graduação leva ao sucesso. O aluno é, desse modo, “escolarizado” a confundir
ensino com aprendizagem, obtenção de graus com educação, diploma com competência,
fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. (Illich, 1985)
E não é só a escola, como instituição que está fadada ao fracasso na concepção
de Illich. Ele elenca também, em uma lógica única, que as instituições que devem ser
mantidas na sociedade são as que contribuem para para ela, não as que fazem os seres
humanos agirem como dependentes. Essas instituições não transformam o ser, apenas
o utilizam como forma de sua própria manutenção.
O autor cita o exemplo das instituições sociais que trabalham desta forma, pois em
seu entendimento, esse tipo de instituição não deveria existir, pois elas só existem porque
há um problema. Enxerga-se a escola assim delineada como uma dessas instituições,
que hoje coloca a formação das pessoas como solução, sendo que teria de fazer muito
mais. Para Illich, a escola não consegue transformar, por conta da maneira de como
está institucionalizada.
O aprender está, afinal, muito além da institucionalização:
Pobres e ricos dependem igualmente de escolas e hospitais que dirigem suas vidas, formam
sua visão de mundo e definem para eles o que é legítimo e o que não é. O medicar-se a si
próprio é considerado irresponsabilidade; o aprender por si próprio é olhado com desconfiança; a organização comunitária, quando não é financiada por aqueles que estão no poder,
é tida como forma de agressão ou subversão. (Illich, 1985)
COMENTÁRIOS FINAIS
O debate sobre o ensino, seja ele público ou privado, é um assunto da esfera pública,
por isso a discussão sobre mudanças viáveis em um sistema escolarizado e meritocrático
como o nosso serão debatidas e enfrentadas com muito mais cautela e implicará muito
mais tempo, muito mais gerações do que o desejado.
Mas o fato é que não há como pensar meritocracia sem estourarmos a bolha. Não
vivemos também em uma tela de vídeo game em que esforço, sucesso e riqueza sempre
parecem ser uma premiação “justa”. Os “esforços” dados por cada um são relativos, são
diferentes e individuais, e isso é decisivo na hora de educar e transformar nossas crianças,
p. 1-27, 2007.
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Da meritocracia na educação a uma sociedade desescolarizada
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pois “habilidade, conhecimento, importância” são valores individuais “e não em valores
sociais universais (direito à vida, justiça, liberdade, solidariedade, etc.)” (Souza, 2013).
Por isso, pensamos em uma escola cada vez mais abrangente, quanto mais fatos
sociais forem aceitos por elas, mais comportamentos sociais serão considerados
bem-sucedidos.
Quando comecei a escrever este excerto já não acreditava na meritocracia implicada
no sistema educacional, agora tenho dúvidas também sobre a escolarização como melhor
maneira de transformar as pessoas.
No entanto, sabemos que a história da humanidade, sobretudo a história da
sociedade, é feita de processos e passagens, é só percorrendo um estágio, que atingiremos
outro. Nossa história é fadada ao desafio constante. Assim, o processo de concepção das
escolas, da criação das escolas públicas, da democratização da escola foram extremamente
importantes. Processos esses que foram necessários e nos levaram a pensar em uma
sociedade desescolarizada, apesar de ela ser hoje quase uma utopia.
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Carolina Cardoso Dutra Evangelista
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Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,
1994.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1254
Educomunicação como proposta metodológica
na formação em Comunicação Social
Educommunication as a proposed methodology
in Social Communication formation
D i va S o u z a S i lva 1
C h r i st i a n e P i ta n ga Se r a fi m
da
S i lva 2
Resumo: Este artigo relata pesquisa em desenvolvimento sobre práticas
educomunicativas no ensino superior, fruto do projeto interdisciplinar que
vem sendo realizado há dois anos pelas disciplinas ‘Comunicação e Educação’
e ‘Mídias e Comunicação’, que integram o currículo do Curso de Comunicação
Social – habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal de Uberlândia. São
objetivos da pesquisa: investigar a educomunicação como processo e metodologia
na formação do saber jornalístico dos estudantes; analisar como acontece a
intervenção social das práticas educomunicativas e sua contribuição na formação
dos sujeitos atores do processo; e investigar se as práticas sociais dos projetos
contribuem para o repertório crítico, de conteúdo e tecnológico dos estudantes.
Assumiu-se a pesquisa de abordagem qualitativa com procedimentos de análise
de conteúdo dos planos de ensino das disciplinas, dos projetos e produtos do
trabalho interdisciplinar, bem como entrevistas narrativas com professores,
alunos e membros da comunidade onde os projetos são desenvolvidos. As análises
iniciais apontam que o estudo e empoderamento do campo de educomunicação
têm contribuído para o desenvolvimento de práticas educativas críticas em
diferentes espaços e ampliado o diálogo entre educação, comunicação e mídias.
Palavras-Chave: Educomunicação. Práticas Educomunicativas. Comunicação e
Educação. Interdisciplinaridade. Comunicação Social.
Abstract: This paper reports on research in developing educommunicatives
practices in higher education, based to the interdisciplinary project that has
been realized along two years through by the subjects: ‘Communication and
Education’ and ‘Media and Communication’, which form the curriculum of Social
Communication Course - qualification in Journalism, from the Federal University
of Uberlândia. The objectives of the research are: to investigate the educational
communication as a process and methodology in the formation of journalism
students; analyze how happens social intervention of educommunicatives
practices and their contribution to the formation of the subjects actors in the
process; and investigate whether the social practices of the projects contribute
to the growing of critical repertoire, contents and technology by the students.
We assumed the qualitative research with content analysis procedures of
1. Doutora em Educação, Mestre em Comunicação Social, Graduada em Pedagogia. Professora da
Universidade Federal de Uberlândia - UFU - e-mail: [email protected].
2. Mestre em Comunicação Social, Graduada em Design Gráfico. Professora da Universidade Federal de
Uberlândia – UFU - e-mail: [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1255
Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social
Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
teaching plans of disciplines, projects and products of interdisciplinary work
and narrative interviews with teachers, students and members of the community
where the projects are developed. Initial analyzes indicate that the study and
empowerment of educational communication field have contributed to the
development of critical educational practices in different spaces and expanded
dialogue between education, communication and media.
Keywords: Educommunication. Educommunicatives practices. Communication
and Education. Interdisciplinarity. Social Communication.
EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO
S PROCESSOS de educação e comunicação, hoje permeados pelas tecnologias
O
midiáticas, são, também, elementos constituintes da prática cotidiana e demandam melhor entendimento. Há muito já se reconhece a ação educativa como uma
prática social, concebida coletivamente numa reciprocidade estrutural, isto é, numa
interlocução respeitosa entre as realidades culturais e sociais nas quais estão inseridos
educadores e educandos. Nesse sentido, o saber do educando não pode ser negado, pois
a construção do conhecimento é conjunta. Tal perspectiva, cuja base teórica principal
encontra-se no trabalho de Paulo Freire (1985), reforça que os homens se educam entre
si e, na medida em que constroem o conhecimento e a prática pedagógica, transformam
a realidade e libertam o ser humano.
Por outro lado, o avanço das tecnologias da informação e comunicação (TICs)
contribuiu com a democratização do acesso ao ferramental de produção e publicização
de conteúdos (textos, sons e imagens) os mais diversos. A criação de plataformas digitais
com interfaces amigáveis facilitou o manuseio de softwares e a produção de conteúdos
midiáticos, que não se limita mais a profissionais da comunicação. Atualmente, qualquer
indivíduo, mesmo com pouca habilidade nas áreas de informática e/ou comunicação,
é capaz de produzir informação e disponibilizá-la na internet, seja nas redes sociais
digitais, seja em sites ou blogs próprios.
A disseminação das TICs influenciou e têm influenciado o comportamento de muitos
segmentos da sociedade, alterando a maneira como as pessoas se comunicam, que em
grande parte ocorre de forma mediada e interativa. A internet, por exemplo, transformouse numa rede na qual os indivíduos passaram a se conectar não só para terem acesso
a informações, mas para realizarem transações comerciais, pesquisas, entretenimento,
compartilharem conteúdos, interagirem, manifestarem e expressarem opiniões. Castells
(1999) enfatiza que a constituição das sociedades em rede vem permitindo um fluxo de
informações sem precedentes. O acesso e o compartilhamento de informações abrem
perspectivas nas mais variadas áreas, incluindo a educação, pois, as novas gerações
tendem a absorver conhecimento, dentro ou fora das instituições educacionais, através
de novos suportes tecnológicos e midiáticos.
No universo educacional, é cada vez mais crescente o uso das mídias em sala de
aula, seja como recurso didático, seja como ferramentas que colaboram para a construção
de um conhecimento mais amplo e multidisciplinar do aluno. O fazer pedagógico deve
estimular a investigação, a reflexão, a produção do próprio conhecimento pelos alunos
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social
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de forma mais participativa e dinâmica. Freire (1985) destaca, em sua clássica obra
Extensão ou Comunicação, a importância da participação coletiva, da troca, do diálogo e
da comunicação para a arte do ensino.
Dessa forma, a utilização de mídias e das tecnologias digitais pelas escolas tornouse quase um imperativo para despertar interesse nos alunos e inseri-los no processo
de construção do conhecimento. Na visão de Barbosa (2010), as tecnologias digitais são
recursos mediadores a serem agregados ao processo educativo e ao projeto pedagógico
das escolas. E o professor passa a atuar como uma interface do processo de interação,
estimulando os alunos a utilizarem tecnologias digitais no contexto da aprendizagem.
O uso fluente e especializado dos recursos de comunicação tem modificado alguns conceitos de aprendizagem, dando destaque a uma dinâmica em que o estudante demonstra
maior autonomia para a experimentação, o improviso e a autoexpressão. Nesse sentido, a
tecnologia se torna, igualmente, uma aliada do educador interessado em sintonizar-se com
o novo contexto cultural vivido pela juventude (Soares, 2011, p.29).
Numa sociedade cada vez mais midiatizada e que faz uso frequente das tecnologias
digitais, percebe-se que as crianças e os jovens, principalmente, assimilam os
avanços tecnológicos paralelamente ao seu desenvolvimento educacional, acessando
e compartilhando conteúdos a que são expostos de maneira rápida e intensa. Tal
comportamento desafia profissionais de educação, comunicação e tecnologias, exigindo
conformações por parte das instituições de ensino e de seus educadores para melhor
compreender a realidade social de seus alunos.
(...) meios e tecnologias são para os mais jovens lugares de um desenvolvimento pessoal
que, por mais ambíguo e até contraditório que seja, eles converteram no seu modo de estar
juntos e de expressar-se. Então, devolver aos jovens espaços nos quais possam se manifestar
estimulando práticas de cidadania é o único modo pelo qual uma instituição educativa, cada
vez mais pobre em recursos simbólicos e econômicos, pode reconstruir sua capacidade de
socialização. Cortar o arame farpado dos territórios e disciplinas, dos tempos e discursos,
é a condição para compartilhar, e fecundar mutuamente, todos os saberes, da informação,
do conhecimento e da experiência das pessoas; e também as culturas com todas as suas linguagens, orais, visuais, sonoras e escritas, analógicas e digitais (Martín-Barbero, 2014, p.120).
O que se apresenta neste artigo é um relato da pesquisa em andamento que pretende
discutir as práticas educativas do ensino superior, em especial do curso de Jornalismo,
diante da revolução tecnológica e a relação do professor com o mundo da informação e
os saberes do aluno. Partindo do pressuposto que os alunos ingressam na universidade
trazendo um repertório tecnológico e certo domínio das ferramentas midiáticas, surgem
algumas inquietações: para os alunos que já têm habilidade com as ferramentas
midiáticas, como aproveitar os seus saberes e estimular a produção de conhecimento?
Ou melhor, numa visão freireana, como aproveitar o repertório tecnológico dos alunos
para produzir conhecimento e potencializar a aprendizagem? E ainda, como alinhar
o conhecimento e experiência do professor com os saberes do aluno no processo de
aprendizagem?
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social
Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
EDUCOMUNICAÇÃO
Uma prática pedagógica que, aparentemente, contribui para sanar essas inquietações
é a educomunicação, uma conjugação entre educação e comunicação, que pretende
estimular a aprendizagem, aproveitando os saberes dos alunos numa construção coletiva
do conhecimento. Soares (2002, p.24) apresenta uma definição de Educomunicação como
“o conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos,
programas e produtos destinados a criar a fortalecer ecossistemas comunicativos e
espaços educativos presenciais ou virtuais”. Articula-se a esse processo diferentes
sujeitos e cenários permeados por expressões de criatividade. Para Soares,
os trabalhos em educomunicação têm hoje um papel fundamental em canalizar essas habilidades já evidentes para a produção de mídia de qualidade, marcada pela criatividade, motivação, contextualização de conteúdos, afetividade, cooperação, participação, livre expressão,
interatividade e experimentação (Soares, 2011, p.8).
A Educomunicação trilha o caminho apontado pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases)3
para uma educação revolucionária, que compreenda e respeite a trajetória do aluno,
que caminhe no mesmo ritmo do mundo e acompanhe as transformações ocorridas no
ambiente onde o aluno se insere. Uma educação pautada pela pedagogia de projetos,
pela interdisciplinaridade, buscando despertar e valorizar as habilidades e competências.
Essa concepção de educação exige ousadia e criatividade de professores e alunos, numa
constante preparação pessoal que visa a solução de problemas que surgem a partir da
própria prática social.
As perspectivas teórico-metodológicas desse novo campo do saber apontam para
ações de intervenção social. Assim, as ações oriundas dos projetos são reunidas em seis
áreas de intervenção: educação para a comunicação; expressão comunicativa através das
artes; mediação tecnológica nos espaços educativos; pedagogia da comunicação; gestão
da comunicação nos espaços educativos; e reflexão epistemológica sobre a própria prática.
A práxis social é a essência das práticas educomunicativas, isto é, para a educomunicação não importa o ferramental tecnológico ou a mídia utilizada, mas se o processo
de mediação promove o diálogo social e educativo. De acordo com Martín-Barbero (apud
SOARES, 2011, p. 43), “o desafio que o ecossistema comunicativo coloca para a educação
não se resume apenas à apropriação de um conjunto de dispositivos tecnológicos (tecnologias da educação), mas aponta para a emergência de uma nova ambiência cultural”.
Na verdade, interessa à educomunicação o uso que as audiências/receptores dos meios
de comunicação fazem dos conteúdos compartilhados, como reagem e articulam as
informações e ressignificam o seu cotidiano e as suas relações sociais.
É desse encontro de sujeitos à busca da significação do significado, momento particular de
ativação dos princípios da reciprocidade, ou da retroalimentação, que os atos comunicativos ganham efetividade, conquanto sustentados por mediadores técnicos ou dispositivos
amplificadores do que está sendo enunciado (Citelli e Costa, 2011, p. 64).
3. Ver em BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Brasília, 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2014.
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social
Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
O caráter transformador da educomunicação consiste em possibilitar o acesso dos
jovens ao mundo da comunicação e de suas tecnologias, dentro de uma perspectiva a
serviço do bem comum e da prática da cidadania (SOARES, 2011). Os projetos educomunicativos estimulam a criatividade dos jovens, ampliam o vocabulário, instigam
a participação e a visão crítica do mundo. Ou seja, a educomunicação é processo de
aprendizagem que parte dos saberes e fazeres que o aluno traz consigo, coloca-o em
contato com outros saberes e, por meio da prática social (ações de intervenção social),
busca ressignificar esses saberes e fazeres.
Ao vislumbrar a educomunicação como uma metodologia aplicada à formação de
jovens jornalistas, surgem outras questões: de que forma as práticas sociais redefinem
o repertório tecnológico? E mais, essas práticas sociais provocam alguma intervenção
no curso, nas práticas educativas? Dessa forma, aponta-se uma hipótese: se a educomunicação, como prática educativa e social, parte do pressuposto que os alunos possuem
repertórios e habilidades (saberes e fazeres), então a formação do saber jornalístico
ocorre pelas ressignificações dos saberes por meio das relações sociais estabelecidas
no processo da aprendizagem. Daí, a pergunta norteadora desta pesquisa: é possível a
educomunicação perpassar a formação do saber jornalístico, implicando numa metodologia, como forma de absorver o repertório tecno-midiático dos alunos, estimular o
aprendizado, a criatividade, a visão crítica, e promover uma intervenção social por meio
dos projetos educomunicativos?
PRÁTICA EDUCOMUNICATIVA COMO PROPOSTA METODOLÓGICA
A proposta desta pesquisa é buscar respostas às inquietações aqui expostas,
analisando as práticas educomunicativas que ocorrem no curso de Comunicação
Social - Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Uberlândia/
MG. O curso foi escolhido por possuir em sua gênese a interface com a educação, pois
está instalado na Faculdade de Educação (FACED). O projeto pedagógico do curso
indica que a relação entre educação e comunicação não é apenas institucional, mas
vivenciada na prática. No primeiro período, é ofertada a disciplina Comunicação e
Educação que, juntamente com a disciplina Mídias e Comunicação, realiza um trabalho
interdisciplinar em que os alunos experimentam as práticas educomunicativas e
desenvolvem um trabalho educomunicativo em ambientes escolares ou comunidades,
grupos sociais ou culturais.
A relação com as duas disciplinas, Comunicação e Educação e Mídias e Comunicação,
de forma interdisciplinar tem possibilitado o desenvolvimento de postura crítica de
conhecimento, pois relaciona teoria e prática a partir do envolvimento com uma realidade
e a construção coletiva e cooperativa de compreensão dessa realidade a partir de uma
intervenção educomunicativa. É uma vivência de uma proposta metodológica que os
graduandos têm a possibilidade de se envolverem como atores também desse processo.
As ementas das disciplinas estão assim constituídas através das respectivas Fichas de
Disciplinas (PPC, 2009).
Comunicação e Educação
A demanda do mundo contemporâneo por educação e comunicação. A constituição do
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social
Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
campo de estudos da Educomunicação. A interface educação/comunicação e seus reflexos
nas práticas educativas e na formação de professores.4
Mídias e Comunicação
Conceitos de Comunicação e suas áreas de confluência. Introdução conceitual sobre Jornalismo, Publicidade, Rádio e TV, Relações Públicas e sobre as mídias impressas, eletrônicas
e digitais. Jornalismo e Responsabilidade Social. Os meios de comunicação e o jornalismo
no Brasil. Introdução à linguagem Jornalística.5
O objetivo principal desse trabalho interdisciplinar é despertar no aluno a
consciência da intervenção social da prática jornalística por meio da educomunicação,
considerando suas habilidades e competências. Esse trabalho contempla um dos âmbitos
da educomunicação na prática educativa ao propor que “os educandos se apoderem das
linguagens midiáticas, ao fazer uso coletivo e solidário dos recursos da comunicação tanto
para aprofundar seus conhecimentos quanto para desenhar estratégias de transformação
das condições de vida à sua volta” (SOARES, 2011, p.19).
Diante do objeto de investigação, a abordagem de pesquisa que melhor dialoga
com os propósitos apresentados é a qualitativa. Bogdan e Biklen (1994) afirmam que “a
investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a idéia de que nada é
trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer
uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo” (p. 49). Denzin e
Lincoln (2006) afirmam que a pesquisa qualitativa consiste em um conjunto de práticas
materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo.
Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa,
para o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários
naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que
as pessoas a eles conferem. (Denzin e Lincoln, 2006, p.17).
Metodologicamente a pesquisa tem se firmado nessas bases qualitativas e procedimentos de análise de conteúdo do Projeto Pedagógico do Curso, dos Planos das
Disciplinas, da Proposta Educomunicativa e o desenvolvimento dessas etapas durante o
semestre letivo. Segundo os procedimentos a serem adotados, a pesquisa é documental,
pois deverá consultar documentos que ainda não receberam um tratamento analítico,
mas que são relevantes para cumprir os objetivos propostos (GIL, 2008). Para Bardin
(2002, p. 38) “a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utilizam procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens”. Assim, estão sendo consultados os seguintes documentos: as Diretrizes
Curriculares dos cursos de Jornalismo (BRASIL, 2014), o Projeto Pedagógico do Curso
de Jornalismo da UFU, os planos de ensino e cronogramas das disciplinas envolvidas
nas práticas educomunicativas, o roteiro dos projetos e os produtos educomunicativos
resultantes do processo. Os mesmos têm sido analisados no sentido de compreender o
4. Ficha de Disciplina – Comunicação e Educação no Projeto Pedagógico do Curso. Disponível em: http://
www.faced.ufu.br/sites/faced.ufu.br/files/Ficha%20de%20Disciplina%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20
e%20educa%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 01 de março de 2015.
5. Ficha de Disciplina – Mídias e Comunicação no Projeto Pedagógico do Curso. Disponível em http://
www.faced.ufu.br/sites/faced.ufu.br/files/1P_midias_comun.pdf. Acesso em: 01 de março de 2015.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1260
Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social
Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
processo da Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social. A partir desses dados categorias têm emergido para que auxilie melhor
no processo investigativo, em consonância com os objetivos propostos.
A partir dessas análises procedem-se as entrevistas narrativas onde os envolvidos se
constituem a partir das narrativas. Para Bolívar (2001, p.220), “a narrativa é uma estrutura
central no modo como os seres humanos constroem o sentido. O curso da vida e a identidade pessoal são vividos como uma narração.” Esse procedimento compreende mais
diretamente os envolvidos no processo educomunicativo na tentativa de compreender
como ocorre o processo, em que medida há a ressignificação dos saberes e fazeres dos
alunos, ou seja, em quê os projetos educomunicativos, como processo de aprendizagem,
acrescentam/modificam os seus saberes. Da mesma forma serão entrevistados alguns
membros das comunidades onde são realizados os projetos, para saber se ocorreu e em
que medida ocorreu a intervenção social.
Um procedimento paralelo é a entrevista em profundidade no sentido de uma conversação orientada, em que os objetivos e os procedimentos metodológicos devem ser
bem definidos para validar as informações coletadas. Trata-se de uma “técnica qualitativa
que explora um assunto a partir da busca de informações, percepções e experiências de
informantes para analisá-las e apresentá-las de forma estruturada” (DUARTE e BARROS, 2012, p.62). Essa técnica foi escolhida justamente pela flexibilidade e por explorar
ao máximo determinado tema, permitindo ao entrevistado liberdade para abordar
os temas investigados. Dessa forma, pretende-se entrevistar o (a) coordenador (a) do
curso de Jornalismo da UFU e os professores das disciplinas que utilizam a prática
educomunicativa para compreender como se estabelece a interface entre educação e
comunicação, como são planejados e elaborados os projetos educomunicativos, e quais
são os resultados esperados dessa prática. Todos os procedimentos contemplam as
questões éticas de pesquisa.
As entrevistas narrativas e em profundidade procuram investigar e compreender
a educomunicação como processo e metodologia na formação do saber jornalístico dos
estudantes. Saberes mobilizados e articulados com outros conhecimentos, bem como
perceber se as práticas sociais dos projetos contribuem para o repertório crítico, de conteúdo e tecnológico dos estudantes. Para Bruner (1997, p. 34), “a narrativa é um modo de
pensamento, pois ela se apresenta como princípio organizador da experiência humana
no mundo social, do seu conhecimento sobre ele e das trocas que ele mantém.”
Os procedimentos em movimento tendem a levar à compreensão do cenário
educomunicativo de forma mais ampla, requerendo dos pesquisadores uma imersão no
campo e na análise de como acontece a intervenção social das práticas educomunicativas
e sua possível contribuição na formação dos sujeitos atores do processo.
CONSIDERAÇÕES
A educomunicação, uma interface entre educação e comunicação, contribui para uma
educação revolucionária, que compreenda e respeite a trajetória dos sujeitos envolvidos e
promova ressignificações dos seus saberes, pois, as práticas educomunicativas pretendem
estimular a aprendizagem, aproveitando os saberes dos sujeitos numa construção coletiva
do conhecimento.
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Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social
Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
A educomunicação possui, em sua essência, pressupostos que visam superar
possíveis limites conceituais entre as áreas da educação e da comunicação, configurandose como a interface entre estes campos. A educação enquanto ação comunicativa é um
fenômeno que permeia todas as maneiras de formação de um ser humano e, assim, sob
a mesma ótica, toda ação de comunicação tem, potencialmente, uma ação educativa.
Nesse sentido, a construção de uma comunicação dialógica e participativa no ambiente
educacional, pautada em uma eficaz gestão compartilhada por órgãos governamentais,
administração escolar, docentes, alunos e a comunidade abre oportunas perspectivas
de melhoria motivacional e de fortalecimento dos laços entre alunos e professores ao
longo do processo de aprendizagem.
A investigação em desenvolvimento, a partir da análise inicial de documentos e
primeiras imersões em campo, tem revelado que os estudos e o empoderamento do campo
de educomunicação têm contribuído para o desenvolvimento de práticas educativas
críticas em diferentes espaços e ampliado o diálogo entre educação, comunicação e
tecnologias da informação e comunicação.
Os estudantes do curso de Comunicação Social da UFU têm vivenciado há pelo
menos dois anos a proposta educomunicativa e as vivências têm possibilitado um
desenvolvimento crítico e formativo para todos os atores do processo. A pesquisa
continua e pretende contribuir no cenário de processos educomunicativos como proposta
metodológica no ensino superior.
REFERÊNCIAS
Barbosa, R. M. (2010). Ambientes virtuais de aprendizagem. São Paulo: Penso.
Bardin, L. (2002). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Bogdan, R. C.; Biklen, S. K. (1994). Investigação Qualitativa em Educação. Tradução Maria J. A.;
Sara B. S. e Telmo M. B. Porto: Porto Editora.
Bolívar, A. (2001). Profissão Professor: o itinerário profissional e a construção da escola. Porto
Alegre: EDIPUCRS.
Brasil. Ministério da Educação e Cultura. (1996). Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília. Recuperado em 15 de agosto, 2014, de: http://portal.mec.gov.br/arquivos/
pdf/ldb.pdf
Brasil. Ministério da Educação e Cultura.(2013). Conselho Nacional de Educação. Câmara de
Educação Superior. Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Jornalismo,
bacharelado. RESOLUÇÃO nº 1, de 27 de setembro de 2013.
Bruner, J. (1997). Atos de significação. Tradução por Sandra Costa. Porto Alegre: Artmed.
Castells, M. (1999). A sociedade em rede – a era da informação: economia, sociedade e cultura –
volume 1. São Paulo: Paz e Terra.
Citelli, A. O.; Costa, M. C. C. (Org.). (2011). Educomunicação: Construindo uma nova área de
conhecimento. 2. ed. São Paulo: Paulinas.
Denzin, N. K.; Lincoln, Y. S. (2006). O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens.
Porto Alegre: Artmed.
Duarte, J.; Barros, A. (Org.). (2012). Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. 2. ed. São
Paulo: Atlas.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1262
Educomunicação como proposta metodológica na formação em Comunicação Social
Diva Souza Silva • Christiane Pitanga Serafim da Silva
Freire, P. (1985). Extensão ou Comunicação? 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Gil, A. C. (2008). Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas.
Martín-Barbero, J. (2014). A comunicação na educação. São Paulo: Contexto.
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para a reforma do Ensino Médio. São Paulo: Paulinas.
Soares, I. O. (2002). Gestão comunicativa e educação: caminhos da Educomunicação. Comunicação & Educação, São Paulo: ECA/USP [23]. issn: 2316-9125
Universidade Federal de Uberlândia. UFU (2009). Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social: Jornalismo. Uberlândia, MG. Recuperado em: 15 de fevereiro, de 2015,
de: http://www.faced.ufu.br/graduacao/comunicacao-social/projeto- pedagogico
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1263
Comunicação Pública, Educação e Cidade Educadora
Public Communication, Education and City Educator
P r i s c i l a A n aya
da
S i lva P i va t o 1
Resumo: A comunicação pública caminha de mãos dadas com a educação
instruindo e orientando os novos cidadãos, educandos, que constroem novas
maneiras de se relacionar. O poder público precisa agilidade para acompanhar
a imediata atualização de novos conceitos e informações. Desafio constante para
uma esfera conhecida por sua morosidade, que muitas vezes é desacreditada e
recolhida à insignificância quando o assunto é eficiência. Surge como opção de
política pública o conceito de Cidade Educadora, modelo de gestão em que municípios tomam para si a responsabilidade de proporcionar aos cidadãos acesso e
permanência à educação garantindo assim, desenvolvimento humano e social.
O município de Santos adota a ideia de Cidade Educadora como política pública.
Palavras Chave: Comunicação Pública, educação, cidade educadora, política
pública, espaço público.
Abstract: The public communication goes hand in hand with education
instructing and guiding the new citizens, students, building new ways of
relating. The government needs agility to monitor the immediate update of
new concepts and information. Constant challenge for a ball known for its
slowness, which is often discredited and retracted into insignificance when it
comes to efficiency. Arises as a public policy option the concept of Educating City,
management model in which municipalities take on the responsibility to provide
citizens access to education and permanence thus ensuring human and social
development. The city of Santos adopts Educating City of idea as public policy.
Keywords: Public Communication, education, educating city, public policy,
public space.
A
CIDADE DE Santos ocupa hoje o 6º lugar no IDHM - Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal, de acordo com o Pnud, órgão das Nações Unidas que realiza
a pesquisa mediante dados do IPEA e do IBGE. O IDHM de Santos é de 0,840,
em 2010, considerado muito alto (IDHM entre 0,8 e 1)2. Entre 2000 e 2010, a dimensão
que mais cresceu em termos absolutos em Santos foi a da Educação (com crescimento
de 0,093), seguida por Longevidade e por Renda.
A política educacional de uma cidade interfere na qualidade de vida dos cidadãos.
No caso do município de Santos, destaca-se a participação na Associação Internacional
1. Mestranda em Educação pela UNISANTOS, especialista em Gestão Empresarial também pela UNISANTOS
e Relações Públicas pela UNIFACS. Email:[email protected]
2. http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_m/santos_sp#idh
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1264
Comunicação Pública, Educação e Cidade Educadora
Priscila Anaya da Silva Pivato
das Cidades Educadoras (AICE) que é uma organização cujos membros são cidades
engajadas em projetos para melhoria de vida de seus cidadãos. A educação é levada
para fora dos muros da escola, promovendo o encontro entre o poder público, a escola
e a comunidade.
A cidadania é construída mediante o conhecimento de direitos e deveres cívicos. A
informação e o conhecimento fazem parte da formação de um indivíduo participativo,
que conhece o seu papel na sociedade e que toma para si a responsabilidade de cuidar
do espaço onde interage.
A Comunicação Pública tem grande importância na construção desta cidadania.
Realizada com eficiência, transmite informação e orienta com relação aos direitos
e deveres da população. Heloíza Matos & Patrícia Guimarães Gil 2013 discutem a
Comunicação Pública atribuindo papéis ao estado, que deve construir “vínculos entre
projeto de redução de desigualdade (de renda, por exemplo) e experiências de exercício
político”3. As autoras acreditam que a CP deve recuperar à esfera pública a democracia
que permite à sociedade o poder de interpelação do Estado e consequentemente
direciona-lo ao atendimento do interesse coletivo. As propagandas massivas precisam
dar lugar aos debates de como resolver problemas gerando discussões em torno do que
é publico – todos os atores envolvidos neste processo são responsáveis pela formulação
das políticas que beneficiam a sociedade em geral. Esse objetivo só poderá ser atingido
mediante o entendimento de que o processo é educacional, cultural e econômico, e além
de tudo, contínuo. Desta maneira, é possível o empoderamento da sociedade através
da participação social.
A autora Mariana Koçouski conceitua a Comunicação Pública relacionando o
interesse público ao papel do agente responsável pelos direitos dos cidadãos. O Estado
toma para si a comunicação pública tendo em vista a exigência que suas atividades
emanam com relação à transparência.
KOÇOUSKI 2013 define CP como:
“estratégia ou ação comunicativa que acontece quando o olhar é direcionado ao interesse
público, a partir da responsabilidade que o agente tem (ou assume) de reconhecer e atender o direito dos cidadãos à informação e participação em assuntos relevantes à condição
humana ou vida em sociedade. Ela tem como objetivos promover a cidadania e mobilizar
o debate de questões afetas à coletividade, buscando alcançar, em estágios mais avançados,
negociações e consensos”.
Assim, a CP respeita a perspectiva ética do interesse público, reconhecendo o direito
do cidadão e assim, a comunicação deve utilizar as lentes da coletividade.
A coletividade deve se traduzir na ideia da vivência em comunidade, que é um
entendimento mais complexo a respeito da interação humana. Muniz Sodré 2012 cita
John Dewey, filósofo e educador, para definir o que é comunidade – que é a percepção
coletiva de efeitos sociais de interesse comum que engendram uma vida em comum.
SODRÉ 2012 cita também apud Pogrebinschi que entende que viver em comunidade é ter
um mote ético e moral, e que poder participar fará a diferença entre uma mera associação
3. MATOS p. 100
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Comunicação Pública, Educação e Cidade Educadora
Priscila Anaya da Silva Pivato
de indivíduos e efetivamente uma comunidade, além disso, os membros se tornam
cidadãos quando engajados em atividades coletivas e também quando reconhecem as
consequências compartilhadas destas atividades. Para que isso seja possível, a educação
deve fazer parte do ideal comunitário sendo a comunicação a maneira pela qual os
cidadãos podem compartilhar interesses comuns que visam criar e manter a própria
comunidade.
Vivemos em um momento em que as informações estão ao acesso de todos e que o
acúmulo de cultura e conhecimento é uma decisão solitária. A educação cidadã perpassa
os limites das salas de aula. Para Jésus Martín Barbero 2014 a os meios e a tecnologia são
considerados hoje, para os jovens, palco de manifestação de suas expressões. Assim,
para que seja possível a socialização e consequentemente a formação para o exercício
da cidadania, se faz necessário a construção de espaços nos quais os jovens possam se
manifestar. Para BARBERO 2014, é importante “cortar o arame farpado dos territórios e
disciplinas (...)”, essa atitude permite a construção do saber que deve ser compartilhado
respeitando as diversas culturas e linguagens. BARBERO 2014 acredita que o sistema
educativo atual não atende as demandas de vincular a educação com a cultura, a
capacitação e formação de cidadãos. É preciso que se busque uma educação de saberes
compartilhados proporcionando a diversidade para a construção deste saber.
Maria da Gloria Gonh Marcondes 2004 explica a relação da educação com a sociedade
na qual se destaca a interação escola e comunidade e o caráter educativo da educação
não-formal. A autora define comunidade educativa que abrange um amplo conceito
de educação e engloba todos envolvidos com o processo educacional dentro e fora do
ambiente escolar, sendo que seu propósito é formar cidadãos.
Um aspecto a ser comentado é que MARCONDES 2004 acredita que a democracia
é construída mediante a participação sociopolítica. Esta participação para ocorrer de
maneira expressiva, precisa acontecer de maneira institucionalizada, seu objetivo é
lutar para que o Estado cumpra o dever de ofertar educação de qualidade para todos.
“Democratizar a escola exige consciência social de todos”. Além disso, a construção da
cidadania é possível mediante as lutas pela educação já que estas lutam também por
direitos dos cidadãos, e isso ultrapassa os limites da sala de aula.
O papel do Estado gira em torno da definição das políticas estabelecidas. As políticas
públicas definem o dia-a-dia dos cidadãos, tendo em vista o pertencimento social, que
envolve a todos, independente de participação ou posição política. As políticas públicas
educacionais, em especial, dão norte ao futuro do que está sendo implantado hoje, sendo
que seus investimentos são, na maioria das vezes, apreendidos à longo prazo, tendo
em vista que atinge um público jovem que está em formação com relação aos valores
e princípios.
Jefferson Mainardes 2006 relata as contribuições da ‘abordagem do ciclo de políticas’
para análise de políticas educacionais. Essa abordagem foi formulada por apud Stephen
Ball e colaboradores e é utilizada para analisar políticas sociais e educacionais.
Essa teoria quando aplicada a realidade brasileira permite uma análise minuciosa de
como o processo educacional ocorre, pois articula seus processos micropolíticos assim
como enfatiza quem são seus principais atores. Qualquer mudança estrutural precisa
ser avaliada em todos os contextos e quais serão as consequências.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1266
Comunicação Pública, Educação e Cidade Educadora
Priscila Anaya da Silva Pivato
Como proposta de política pública educacional surge o conceito de Cidade Educadora,
que se aplica a ideia de que a educação aliada a comunicação pública promovendo a
construção de uma cidadania questionadora dos seus direitos para com o Estado e
conhecedora dos seus deveres. As CE promovem discussões em espaços democráticos
nos quais a educação não-formal é imperativa e também exerce função educadora.
Avaliar o contexto social em busca do entendimento da política pública que impera na
comunidade educativa provoca ajustes necessários ao bem-estar social.
Analisar a “Cidade Educadora” sob a ótica das políticas públicas educacionais é
oferecer uma alternativa para municípios desenvolverem sua cidadania. Um estudo
científico se faz necessário na medida em que se percebe o grande número de cidades
(4794) engajadas pelo mundo. No Brasil, 14 cidades fazem parte da AICE - Associação
Internacional de Cidades Educadoras – que têm os seguintes objetivos:
“Para anunciar e reivindicar a importância da educação na cidade.
Destacar os aspectos educacionais dos projetos políticos das cidades membros.
Promover, inspirar, incentivar e garantir o cumprimento dos princípios contidos na Carta
das Cidades Educadoras (Declaração de Barcelona) nas cidades participantes, bem como
conselhos e informações para os membros na promoção e implementação dos mesmos.
Representar os IPs dos fins associativos, interagindo e colaborando com as organizações
internacionais, estados, entidades territoriais de todos os tipos, de modo que o AICE é um
processos de influência válidos e significativos, negociação, decisão e elaboração de parceiro.
Estabelecer relacionamento e colaboração com outras associações, federações, associações
ou redes territoriais, especialmente as cidades, em áreas de ação semelhante, complementar
ou concorrente.
Cooperar em todas as áreas territoriais dentro dos propósitos desta associação.
Para promover a adesão à Associação de cidades ao redor do mundo.
Para promover o aprofundamento do conceito de Cidade Educadora e suas aplicações práticas nas políticas de cidades por meio de intercâmbios, encontros, projectos conjuntos,
conferências e todas as actividades e iniciativas para fortalecer os laços entre as cidades
membros, no campo de delegações, Redes Territoriais, redes temáticas e outros grupos.”5
As Cidades Educadoras buscam projetos que permitam a construção de uma cidadania
responsável pelo seu próprio crescimento. No próprio site da AIEC existe uma publicação
a respeito de artigos, entrevistas, etc., que se referem à estudos relacionados ao tema.
A primeira publicação é de 20096, portanto trata-se de um tema relativamente novo, a
AICE foi inaugurada em 1994, assim, é pressuposto um restrito acervo bibliográfico.
Com o objetivo de impulsionar a educação nas cidades participantes da AICE,
foi confeccionada “A Carta das Cidades Educadoras” – Anexo I. A Carta baseia-se na
”Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), no Pacto Internacional dos Direitos
Económicos, Sociais e Culturais (1966), na Declaração Mundial da Educação para Todos
(1990), na Convenção nascida da Cimeira Mundial para a Infância (1990) e na Declaração
Universal sobre Diversidade Cultural (2001)”7.
4. http://www.edcities.org/listado-de-las-ciudades-asociadas/
5. http://www.edcities.org/quien-somos/
6. http://www.edcities.org/listado-de-las-ciudades-asociadas/
7. http://www.edcities.org/listado-de-las-ciudades-asociadas/
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1267
Comunicação Pública, Educação e Cidade Educadora
Priscila Anaya da Silva Pivato
Com o ideal de democratizar as relações Estado-Comunidade o município de Santos
as Cidades Educadoras propõe os seguintes objetivos: “Trabalhar a escola como espaço
comunitário; trabalhar a cidade como grande espaço educador; aprender na cidade, com
a cidade e com as pessoas; valorizar o aprendizado vivencial; e, priorizar a formação
de valores8”.
No município de Santos a escolha por aglutinar projetos a partir das AICE – Associação
Internacional das Cidades Educadoras faz parte da decisão do poder público desde 2008,
o que reflete a tentativa de envolver governo, escola e comunidade em busca da qualidade
da educação. O objetivo da cidade é levar a educação para todos os espaços do município9.
A proposta de sugerir um caminho para a construção de uma sociedade participativa
envolve abordagens da comunicação pública e da educação. O entendimento de como a
Cidade Educadora se propõe a discutir novos espaços responsabilizando a todos poder
da educação é uma alternativa de política pública educacional aqui apresentada.
BIBLIOGRAFIA
Associação Internacional das Cidades Educadoras. Disponível em: http://www.edcities.
org. Acesso em 07 mar 2015.
Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.
br/2013/pt/perfil_m/santos_sp#idh. Acesso em 07 mar 2015.
Ciudades Educadoras/ AICE Asociación Internacional de ciudades educadoras. Disponível
em: http://www.edcities.org/quien-somos/. Acesso em 21 mar 2015.
KOÇOUSKI, Marina. Comunicação Pública: Construindo um conceito. Comunicação Pública:
interlocuções, interlocutores e perspectivas. São Paulo: ECA/ USP, 2013
MAINARDES, Jefferson. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação & Sociedade. v. 27, n. 94, p.47-69, enero-abril 2006.
MARCONDES, Maria da Glória Gohn. A educação não formal e a relação escola-comunidade.
Eccos Revista Científica, v. 6, n. 2, p. 39-65, dez. 2004.
MATIN-BARBERO, Jesus. A Comunicação na educação. Trad. Maria Immacolata Vassalo de
Lopes e Dafne Melo – São Paulo: Contexto, 2014.
MATOS, Heloíza; GIL, Patrícia Guimarães. Quem é o cidadão na comunicação pública? Uma
retrospectiva sobre a forma de interpelação da sociedade pelo Estado em campanhas de saúde.
Comunicação Pública: interlocuções, interlocutores e perspectivas. São Paulo: ECA/
USP, 2013.
Prefeitura de Santos – Santos Cidade Educadora. Disponível em: http://www.portal.santos.
sp.gov.br/seduc/page.php?156. Acesso em 08 mar 2015.
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Memorial da Gestão da Educação Municipal.
Santos. SP. 2005/ 2012.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23 ed. rev e atual. – São
Paulo: Cortez, 2007.
SODRÉ, Muniz. Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes. 2. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2012.
8. http://www.portal.santos.sp.gov.br/seduc/page.php?156
9. Memorial da Gestão da Educação Municipal. Santos/ SP/ 2005-2012
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ANEXO I
CARTA DAS CIDADES EDUCADORAS
PREÂMBULO
OJE MAIS do que nunca as cidades, grandes ou pequenas, dispõem de inúmeras
H
possibilidades educadoras, mas podem ser igualmente sujeitas a forças e inércias deseducadoras. De uma maneira ou de outra, a cidade oferece importantes
elementos para uma formação integral: é um sistema complexo e ao mesmo tempo
um agente educativo permanente, plural e poliédrico, capaz de contrariar os factores
deseducativos.
A cidade educadora tem personalidade própria, integrada no país onde se situa
é, por consequência, interdependente da do território do qual faz parte. É igualmente
uma cidade que se relaciona com o seu meio envolvente, outros centros urbanos do seu
território e cidades de outros países. O seu objectivo permanente será o de aprender,
trocar, partilhar e, por consequência, enriquecer a vida dos seus habitantes.
A cidade educadora deve exercer e desenvolver esta função paralelamente às suas
funções tradicionais (económica, social, política de prestação de serviços), tendo em vista
a formação, promoção e o desenvolvimento de todos os seus habitantes. Deve ocupar-se
prioritariamente com as crianças e jovens, mas com a vontade decidida de incorporar
pessoas de todas as idades, numa formação ao longo da vida.
As razões que justificam esta função são de ordem social, económica e política,
sobretudo orientadas por um projecto cultural e formativo eficaz e coexistencial. Estes
são os grandes desafios do século XXI: Primeiro “investir” na educação de cada pessoa,
de maneira a que esta seja cada vez mais capaz de exprimir, afirmar e desenvolver
o seu potencial humano, assim como a sua singularidade, a sua criatividade e a sua
responsabilidade. Segundo, promover as condições de plena igualdade para que todos
possam sentir-se respeitados e serem respeitadores, capazes de diálogo. Terceiro,
conjugar todos os factores possíveis para que se possa construir, cidade a cidade, uma
verdadeira sociedade do conhecimento sem exclusões, para a qual é preciso providenciar,
entre outros, o acesso fácil de toda a população às tecnologias da informação e das
comunicações que permitam o seu desenvolvimento.
As cidades educadoras, com suas instituições educativas formais, suas intervenções
não formais (de uma intencionalidade educadora para além da educação formal) e informais
(não intencionais ou planificadas), deverão colaborar, bilateral ou multilateralmente,
tornando realidade a troca de experiências. Com espírito de cooperação, apoiarão
mutuamente os projectos de estudo e investimento, seja sob a forma de colaboração
directa ou em colaboração com organismos internacionais.
Actualmente, a humanidade, não vive somente uma etapa de mudanças, mas uma
verdadeira mudança de etapa. As pessoas devem formar-se para uma adaptação crítica
e uma participação activa face aos desafios e possibilidades que se abrem graças à
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1269
CARTA DAS CIDADES EDUCADORAS
Priscila Anaya da Silva Pivato
globalização dos processos económicos e sociais, a fim de poderem intervir, a partir
do mundo local, na complexidade mundial, mantendo a sua autonomia face a uma
informação transbordante e controlada por certos centros de poder económico e político.
Por outro lado, as crianças e os jovens não são mais protagonistas passivos da
vida social e, por consequência, da cidade. A Convenção das Nações Unidas de 20
de Novembro de 1989, que desenvolve e considera constrangedores os princípios da
Declaração Universal de 1959, tornou-os cidadãos e cidadãs de pleno direito ao outorgarlhes direitos civis e políticos. Podem associar-se e participar em função do seu grau de
maturidade.
A protecção das crianças e jovens na cidade não consiste somente no privilegiar a
sua condição, é preciso cada vez mais encontrar o lugar que na realidade lhes cabe, ao
lado dos adultos que possuem como cidadã a satisfação que deve presidir à coexistência
entre gerações. No início do século XXI, as crianças e os adultos parecem necessitar de
uma educação ao longo da vida, de uma formação sempre renovada.
A cidadania global vai-se configurando sem que exista ainda um espaço global
democrático, sem que numerosos países tenham atingido uma democracia eficaz
respeitadora dos seus verdadeiros padrões sociais e culturais e sem que as democracias
de longa tradição possam sentir-se satisfeitas com a qualidade dos seus sistemas. Neste
contexto, as cidades de todos os países, devem agir desde a sua dimensão local, enquanto
plataformas de experimentação e consolidação duma plena cidadania democrática e
promover uma coexistência pacífica graças à formação em valores éticos e cívicos, o
respeito pela pluralidade dos diferentes modelos possíveis de governo, estimulando
mecanismos representativos e participativos de qualidade.
A diversidade é inerente às cidades actuais e prevê-se que aumentará ainda mais
no futuro. Por esta razão, um dos desafios da cidade educadora é o de promover o
equilíbrio e a harmonia entre identidade e diversidade, salvaguardando os contributos
das comunidades que a integram e o direito de todos aqueles que a habitam, sentindose reconhecidos a partir da sua identidade cultural.
Vivemos num mundo de incerteza que privilegia a procura da segurança, que se
exprime muitas vezes como a negação e uma desconfiança mútua. A cidade educadora,
consciente deste facto, não procura soluções unilaterais simples, aceita a contradição e
propõe processos de conhecimento, diálogo e participação como o caminho adequado
à coexistência na e com a incerteza.
Confirma-se o direito a uma cidade educadora, que deve ser considerado como
uma extensão efectiva do direito fundamental à educação. Deve produzir-se, então
uma verdadeira fusão da etapa educativa formal com a vida adulta, dos recursos e do
potencial formativo da cidade com o normal desenvolvimento do sistema educativo,
laboral e social.
O direito a uma cidade educadora deve ser uma garantia relevante dos princípios
de igualdade entre todas as pessoas, de justiça social e de equilíbrio territorial.
Esta acentua a responsabilidade dos governos locais no sentido do desenvolvimento
de todas as potencialidades educativas que a cidade contém, incorporando no seu
projecto político os princípios da cidade educadora.
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CARTA DAS CIDADES EDUCADORAS
Priscila Anaya da Silva Pivato
PRINCÍPIOS
I – O DIREITO A UMA CIDADE EDUCADORA
1- Todos os habitantes de uma cidade terão o direito de desfrutar, em condições
de liberdade e igualdade, os meios e oportunidades de formação, entretenimento e
desenvolvimento pessoal que ela lhes oferece. O direito a uma cidade educadora é
proposto como uma extensão do direito fundamental de todos os indivíduos à educação.
A cidade educadora renova permanentemente o seu compromisso em formar nos
aspectos, os mais diversos, os seus habitantes ao longo da vida. E para que isto seja
possível, deverá ter em conta todos os grupos, com suas necessidades particulares.
Para o planeamento e governo da cidade, tomar-se-ão as medidas necessárias tendo
por objectivo o suprimir os obstáculos de todos os tipos incluindo as barreiras físicas que
impedem o exercício do direito à igualdade. Serão responsáveis tanto a administração
municipal, como outras administrações que têm uma influência na cidade, e os seus
habitantes deverão igualmente comprometerem-se neste empreendimento, não só ao
nível pessoal como através de diferentes associações a que pertençam.
2- A cidade deverá promover a educação na diversidade para a compreensão, a
cooperação solidária internacional e a paz no mundo. Uma educação que deverá combater
toda a forma de discriminação. Deverá favorecer a liberdade de expressão, a diversidade
cultural e o diálogo em condições de igualdade. Deverá acolher tanto as iniciativas
inovadoras como as da cultura popular, independentemente da sua origem.
Deverá contribuir para a correcção das desigualdades que surjam então da promoção
cultural, devido a critérios exclusivamente mercantis.
3- A cidade educadora deverá encorajar o diálogo entre gerações, não somente
enquanto fórmula de coexistência pacífica, mas como procura de projectos comuns
e partilhados entre grupos de pessoas de idades diferentes. Estes projectos, deverão
ser orientados para a realização de iniciativas e acções cívicas, cujo valor consistirá
precisamente no carácter intergeracional e na exploração das respectivas capacidades
e valores próprios de cada idade.
4- As políticas municipais de carácter educativo devem ser sempre entendidas no seu
contexto mais amplo inspirado nos princípios de justiça social, de civismo democrático,
da qualidade de vida e da promoção dos seus habitantes.
5- Os municípios deverão exercer com eficácia as competências que lhes cabem
em matéria de educação. Qualquer que seja o alcance destas competências, elas
deverão prever uma política educativa ampla, com carácter transversal e inovador,
compreendendo todas as modalidades de educação formal, não formal e informal, assim
como as diferentes manifestações culturais, fontes de informação e vias de descoberta
da realidade que se produzam na cidade.
O papel da administração municipal é o de definir as políticas locais que se revelarão
possíveis e o de avaliar a sua eficácia, assim como de obter as normas legislativas
oportunas de outras administrações, centrais ou regionais.
6- Com o fim de levar a cabo uma actuação adequada, os responsáveis pela política
municipal duma cidade deverão possuir uma informação precisa sobre a situação e
as necessidades dos seus habitantes. Com este objectivo, deverão realizar estudos
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1271
CARTA DAS CIDADES EDUCADORAS
Priscila Anaya da Silva Pivato
que manterão actualizados e tornarão públicos, e prever canais abertos (meios de
comunicação) permanentes com os indivíduos e os grupos que permitirão a formulação
de projectos concretos e de política geral.
Da mesma maneira, o município face a processos de tomada de decisões em cada
um dos seus domínios de responsabilidade, deverá ter em conta o seu impacto educador
e formativo.
2 – O COMPROMISSO DA CIDADE
7- A cidade deve saber encontrar, preservar e apresentar sua identidade pessoal
e complexa. Esta a tornará única e será a base dum diálogo fecundo com ela mesma e
com outras cidades. A valorização dos seus costumes e suas origens deve ser compatível
com os modos de vida internacionais. Poderá assim oferecer uma imagem atraente sem
desvirtuar o seu enquadramento natural e social.
À partida, deverá promover o conhecimento, a aprendizagem e a utilização das
línguas presentes na cidade enquanto elemento integrador e factor de coesão entre as
pessoas.
8- A transformação e o crescimento duma cidade devem ser presididos por uma
harmonia entre as novas necessidades e a perpetuação de construções e símbolos que
constituam referências claras ao seu passado e à sua existência. O planeamento urbano
deverá ter em conta as fortes repercussões do ambiente urbano no desenvolvimento de
todos os indivíduos, na integração das suas aspirações pessoais e sociais e deverá agir
contra toda a segregação das gerações e pessoas de diferentes culturas, que têm muito
a aprender umas com as outras.
O ordenamento do espaço físico urbano deverá estar atento às necessidades de
acessibilidade, encontro, relação, jogo e lazer e duma maior aproximação à natureza. A
cidade educadora deverá conceder um cuidado especial às necessidades das pessoas
com dependência no planeamento urbanístico de equipamentos e serviços, a fim de lhes
garantir um enquadramento amável e respeitador das limitações que podem apresentar
sem que tenham que renunciar à maior autonomia possível.
9- A cidade educadora deverá fomentar a participação cidadã com uma perspectiva
crítica e co-responsável. Para este efeito, o governo local deverá oferecer a informação
necessária e promover, na transversalidade, as orientações e as actividades de formação
em valores éticos e cívicos.
Deverá estimular, ao mesmo, a participação cidadã no projecto colectivo a partir
das instituições e organizações civis e sociais, tendo em conta as iniciativas privadas e
outros modos de participação espontânea.
10- O governo municipal deverá dotar a cidade de espaços, equipamentos e serviços
públicos adequados ao desenvolvimento pessoal, social, moral e cultural de todos os
seu habitantes, prestando uma atenção especial à infância e à juventude.
11- A cidade deverá garantir a qualidade de vida de todos os seus habitantes.
Significa isto, um equilíbrio com o ambiente natural, o direito a um ambiente sadio,
além do direito ao alojamento, ao trabalho, aos lazeres e aos transportes públicos, entre
outros. Deverá promover activamente a educação para a saúde e a participação de todos
os seus habitantes nas boas práticas de desenvolvimento sustentável.
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CARTA DAS CIDADES EDUCADORAS
Priscila Anaya da Silva Pivato
12- O projecto educador explícito e implícito na estrutura e no governo da cidade,
os valores que esta encoraja, a qualidade de vida que oferece, as manifestações que
organiza, as campanhas e os projectos de todos os tipos que prepara, deverão ser objecto
de reflexão e de participação, graças à utilização dos instrumentos necessários que
permitam ajudar os indivíduos a crescer pessoal e colectivamente.
3 – AO SERVIÇO INTEGRAL DAS PESSOAS
13- O município deverá avaliar o impacto das ofertas culturais, recreativas,
informativas, publicitárias ou de outro tipo e as realidades que as crianças e jovens
recebem sem qualquer intermediário. Neste caso, deverá empreender, sem dirigismos
acções com uma explicação ou uma interpretação razoáveis. Vigiará a que se estabeleça
um equilíbrio entre a necessidade de protecção e a autonomia necessária à descoberta.
Oferecerá, igualmente espaços de formação e de debate, incluindo os intercâmbios entre
cidades, para que todos os seus habitantes possam assumir plenamente as inovações
que aquelas geram.
14- A cidade deverá procurar que todas as famílias recebam uma formação que lhes
permitirá ajudar os seus filhos a crescer e a apreender a cidade, num espírito de respeito
mútuo. Neste mesmo sentido, deverá promover projectos de formação destinados aos
educadores em geral e aos indivíduos (particulares ou pessoal pertencente aos serviços
públicos) que intervêm na cidade, sem estarem conscientes das funções educadoras.
Atenderá igualmente para que os corpos de segurança e protecção civil que dependem
directamente do município, ajam em conformidade com estes projectos.
15- A cidade deverá oferecer aos seus habitantes a possibilidade de ocuparem
um lugar na sociedade, dar-lhes-á os conselhos necessários à sua orientação pessoal e
profissional e tornará possível a sua participação em actividades sociais. No domínio
específico das relações escola-trabalho, é preciso assinalar a relação estreita que se deverá
estabelecer entre o planeamento educativo e as necessidades do mercado de trabalho.
Para este efeito, as cidades deverão definir estratégias de formação que tenham em
conta a procura social e colaborar com as organizações sindicais e empresas na criação
de postos de trabalho e de actividades formativas de carácter formal e não formal,
sempre ao longo da vida.
16- As cidades deverão estar conscientes dos mecanismos de exclusão e
marginalização que as afectam e as modalidades que eles apresentam assim como
desenvolver as políticas de acção afirmativa necessárias. Deverão, em particular, ocuparse dos recém-chegados, imigrantes ou refugiados , que têm o direito de sentir com toda
a liberdade, que a cidade lhes pertence. Deverão consagrar todos os seus esforços no
encorajar a coesão social entre os bairros e os seus habitantes, de todas as condições.
17- As intervenções destinadas a resolver desigualdades podem adquirir formas
múltiplas, mas deverão partir duma visão global da pessoa, dum parâmetro configurado
pelos interesses de cada uma destas e pelo conjunto de direitos que a todos assistem. Toda a
intervenção significativa deve garantir a coordenação entre as administrações envolvidas
e seus serviços. É preciso, igualmente, encorajar a colaboração das administrações com a
sociedade civil livre e democraticamente organizada em instituições do chamado sector
terciário, organizações não governamentais e associações análogas.
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CARTA DAS CIDADES EDUCADORAS
Priscila Anaya da Silva Pivato
18- A cidade deverá estimular o associativismo enquanto modo de participação e
corresponsabilidade cívica com o objectivo de analisar as intervenções para o serviço
da comunidade e de obter e difundir a informação, os materiais e as ideias, permitindo
o desenvolvimento social, moral e cultural das pessoas. Por seu lado, deverá contribuir
na formação para a participação nos processos de tomada de decisões, de planeamento
e gestão que exige a vida associativa.
19- O município deverá garantir uma informação suficiente e compreensível e
encorajar os seus habitantes a informarem-se. Atenta ao valor que significa seleccionar,
compreender e tratar a grande quantidade de informação actualmente disponível , a
cidade educadora deverá oferecer os recursos que estarão ao alcance de todos. O município
deverá identificar os grupos que necessitam de uma ajuda personalizada e colocar à
sua disposição pontos de informação, orientação e acompanhamento especializados.
Ao mesmo tempo, deverá prever programas formativos nas tecnologias de informação
e comunicações dirigidos a todas as idades e grupos sociais a fim de combater as novas
formas de exclusão.
20- A cidade educadora deverá oferecer a todos os seus habitantes, enquanto objectivo
cada vez mais necessário à comunidade, uma formação sobre os valores e as práticas
da cidadania democrática: o respeito, a tolerância, a participação, a responsabilidade e
o interesse pela coisa pública, seus programas, seus bens e serviços.
**********
Esta Carta exprime o compromisso assumido pelas cidades que a subscrevem com
todos os valores e princípios que nela se manifestam. Define-se como aberta à sua própria reforma e deverá ser adequada aos aspectos que a rápida evolução social exigirá
no futuro.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de
comunicação e a educação
McLuhan and “Project 69”: media and education
R i c h a r d R o ma n c i n i 1
Resumo: O artigo analisa a pioneira proposta de educação midiática realizada
por McLuhan, num relatório conhecido como “Projeto 69”, divulgado em 1960.
Este trabalho foi o embrião do livro Understanding media (1964) e, embora não
tenha tido desdobramentos práticos, relaciona-se com as ideias que o autor
continuou a elaborar sobre a educação. Procura-se mostrar como a proposta
do “Projeto 69” possui similaridade com as ideias posteriores e mais gerais de
McLuhan sobre a educação e a comunicação, contextualizando ainda o impacto
que o autor canadense teve entre os educadores brasileiros. O “Projeto 69” é
também discutido em termos do contexto atual de debate sobre a educação para
os meios. Em conclusão, percebe-se que o tema da educação midiática é encarado pelo autor como uma resposta à crise da instituição escolar e da educação,
cuja causa é localizada na emergência do novo ambiente midiático eletrônico.
Palavras-chave: McLuhan, educação midiática, educomunicação, comunicação
e educação
Abstract: The article analyzes the pioneer media education proposal held by
McLuhan, in 1959, in a report known as “Project 69”. This work was the genesis
of the book Understanding media (1964) and, although not having practical ramifications, relates to the ideas that the author has continued to draw up on education. We intend to show how the proposal of “Project 69” has similarity with the
ideas later and more general McLuhan talked on education and communication,
contextualizing still the impact that the author Canadian has had between the
Brazilian educators. The “Project 69” is also discussed in terms of the current
context of the debate on media education. In conclusion, it is perceived that the
subject of media education is regarded by the author as a response to the crisis
of the school and education, whose cause is derived from the emergence of the
new electronic media environment.
Keywords: McLuhan, media education, educommunication, communication
and education
INTRODUÇÃO
CLUHAN COMEÇOU a trabalhar, em 1959, num projeto, comissionado pela
M
Associação Nacional das Emissoras Educativas, dos EUA, que resultou no
“Report on Project in Understanding New Media” (McLuhan, 1960). Este relatório, conhecido pelo nome de “Projeto 69”, foi concluído no ano seguinte e tinha como
1. Professor do Departamento de Comunicações e Artes da ECA/USP. E-mail: [email protected]
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McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
Richard Romancini
objetivo desenvolver um currículo para o ensino médio com ênfase nos efeitos dos então
novos meios. O estudo não teve implicações práticas, mas esteve na origem do livro
Understanding media: the extensions of man (“Os meios de comunicação como extensões
do homem”), de 1964, que alçou McLuhan à fama.
Esta proposta didática destaca-se pelo pioneirismo em termos das iniciativas de
reflexão sobre a incorporação do estudo dos meios na educação. Na verdade, mais
amplamente, tratava-se de um projeto de reforma educativa, considerando que os
estudantes formariam, já naquela época, sua cultura real a partir do consumo dos meios,
particularmente da televisão. Outro ponto de vista incomum do trabalho era a adoção de
um viés não propriamente moralista, a despeito de suas preocupações de “adaptação” e
“proteção” dos indivíduos. Em outros termos, McLuhan também vislumbrava dimensões
estéticas e possibilidades pedagógicas positivas nos meios de comunicação.
Neste texto, temos como objetivo detalhar aspectos deste trabalho pioneiro de
educação midiática, de modo a compreender a concepção de McLuhan sobre o tema,
esclarecendo como tal ponto de vista possui relação com as ideias mais gerais do autor
sobre os meios de comunicação de massa e a educação.
Um ponto de partida inicial para a discussão, e para a própria justificativa do estudo,
no contexto brasileiro, é salientar o impacto e influência das ideias de McLuhan entre
os educadores do país. A recepção de McLuhan entre os educadores no Brasil ocorreu
de maneira mais calorosa do que entre os estudiosos da comunicação.
A OBRA DE MCLUHAN E SUA RECEPÇÃO NO BRASIL
Nascido em 1911 e com formação na área de estudos literários, o canadense Herbert
Marshall McLuhan aproximou-se do universo dos meios de comunicação de massa em
seu primeiro livro, The Mechanical Bride: Folklore of Industrial Man, publicado em 1951, em
que faz uma análise de peças publicitárias. No entanto, não foi essa abordagem imanente
de conteúdos que o celebrizou. McLuhan voltou-se, posteriormente, para uma linha de
investigação sobre o impacto específico dos “meios enquanto meios” na sociedade que
o alça ao estrelato acadêmico e midiático, a partir dos anos de 1960, quando publica The
Gutenberg Galaxy (1962), Understanding Media (1964) e várias outras obras.
O redirecionamento da perspectiva do autor foi bastante influenciado pelo pesquisador
também canadense Harold Innis (1894-1952), sendo que McLuhan popularizou a ideia
de Innis sobre a sociedade ser radicalmente modificada pela introdução de novos meios
de comunicação. No entanto, há diferença de preocupações, ainda que no marco do
determinismo tecnológico, entre os dois autores:
McLuhan difere de Innis, pois estava preocupado, principalmente, com o impacto da tecnologia da mídia no sensório humano, não com a relação entre a comunicação e a estrutura
social (Czitrom, 1982). McLuhan defende que uma mudança no meio dominante influencia
quais sentidos usamos, alterando assim nossa visão de mundo2. (Lee, 1996, p. 212)
2. Original: “Marshall McLuhan shares Innis’ idea that society is radically reshaped with the introduction
of new media. McLuhan differs from Innis in that he was primarily concerned with the impact of media
technology on human sensorium, not the relationship between communication and social structure
(Czitrom, 1982). McLuhan argues that a change in the dominant medium influences which senses we use,
thereby altering our world view”.
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1276
McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
Richard Romancini
A correlação que existe entre esta perspectiva de McLuhan e a maior difusão e
importância dos meios eletrônicos – particularmente a televisão – é notada por vários
estudiosos.
A televisão, que ganhava importância na década de 1960, era vista então como um
objeto de desprezo, entre os estudiosos e os educadores, sendo pouco levada a sério
pelos intelectuais ou percebida como um elemento que provocava a decadência da
cultura. Neste sentido, conforme Carey (1998), McLuhan adotou um posição singular:
“foi o primeiro intelectual não somente a encarar o meio seriamente, mas também por
ver possibilidades nele para algo mais do que a veicular a alta cultura ou rebaixar os
produtores populares”3. Pode-se dizer que McLuhan, no contexto das sociedades industriais desenvolvidas de então, foi o autor “quente” de um tema visto como importante,
ou cool (na linguagem que o autor empresta dos jovens da época): o modo como a mídia
afeta o homem e a sociedade.
Novamente de acordo com Carey (1998), McLuhan apontou a história da evolução
social como uma história da evolução da comunicação, definindo as tecnologias como
extensões do homem, capazes de “tornaram-se literalmente parte de nós, modificandonos, e alterando as bases de nosso relacionamento com nós mesmos”4.
Porém, a recepção das ideias de qualquer autor sempre depende dos contextos locais,
bem como das tradições e práticas intelectuais de cada área acadêmica. No Brasil, a
obra comunicacional de McLuhan logo chamou a atenção, sendo que trabalhos do autor
foram inseridos em duas coletâneas influentes e conformadoras dos então nascentes
estudos da comunicação no país, organizadas por Luiz Costa Lima e Gabriel Cohn, com
edição original, respectivamente, em 1970 e 1973. No entanto, a avaliação feita pelos dois
editores (em textos de introdução aos trabalhos de McLuhan) revela ceticismo sobre a
perspectiva teórica do autor.
Sem entrar nos detalhes do debate, pois o objetivo é simplesmente contrastar o modo
como o autor canadense foi lido no Brasil pelos comunicadores e pelos educadores, podese notar que Cohn censura, no encaminhamento reflexivo feito por McLuhan, a ênfase
na ideia dos mecanismos de percepção individual, em relação aos efeitos da mídia, pois
tais mecanismos, mesmo se explicados, são vistos por McLuhan como subliminares.
Desse modo, uma solução propriamente social ou política para a questão se colocaria
apenas em termos do controle técnico dos meios. “A partir do momento em que a
ênfase é posta nos mecanismos de percepção, condicionados por um ambiente criado
pelo homem mas ‘invisível’ e, sobretudo, ‘subliminar’, fecham-se as portas da história
e fica-se no reino da natureza” (Cohn, 1977, p. 370). Já Costa Lima apresenta um juízo
paradoxal. Por um lado, McLuhan é visto como “curiosamente antiquado”, por propor
um esquema de interpretação “evolucionista”, que faria com que perspectiva teórica
do autor fosse “anticientífica, defasada e ideológica” (Lima, 2000, p. 150-151). Por outro,
Costa Lima acredita que McLuhan teve o mérito de ressaltar aspectos concernentes à
linguagem dos meios nos quais as mensagens são elaboradas.
3. Original: “was the first intellectual not only to take the medium seriously but to see possibilities in it
for something more than transmitting high culture or debasing the popular arts”.
4. Original: “become literally part of us, modify us, and alter the basis of our relationship to ourselves”.
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1277
McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
Richard Romancini
No trabalho de Sousa e Geraldes (2013) sobre a recepção de McLuhan na pesquisa
em comunicação no Brasil, o período inicial descrito pelas autoras, que vai das décadas
de 1960 à de 1980, seria marcado pela ambiguidade e polêmica com relação às ideias do
autor canadense. Tal aspecto é interpretado em termos tanto da instabilidade social e
política no país, com o advento da ditadura militar, quanto no mundo, com a Guerra Fria.
A visão de que as mídias eram um elemento de controle social nas ditaduras direcionara
parte da academia para o estudo de seu conteúdo, enxergando McLuhan (avesso a essa
dimensão dos meios) como reacionário. Outros, interessados na abordagem peculiar
e que considera aspectos da percepção humana, se engajaram em estudá-lo, mas sem
lograr constituir uma tradição ou perspectiva consolidada e duradoura no país. Desse
modo, para as autoras, a etapa seguinte, nas décadas de 80 e 90 do século passado,
caracteriza-se pelo “silêncio” em relação à abordagem mcluhiana. Somente da década
de 1990 aos dias de hoje haveria uma fase, de retomada e “apropriação” das ideias de
McLuhan, em outro contexto político e tecnossocial (com o surgimento e ascensão da
internet), mais favorável.
O ceticismo e crítica direcionados a McLuhan, porém, foram bem menores entre os
educadores brasileiros. Essa recepção diferencial talvez se deva, em parte, ao fato de que
McLuhan tenha sido introduzido por um educador conceituado como Anísio Teixeira,
que traduziu A galáxia de Gutenberg, com Leônidas Gontijo de Carvalho, fazendo ainda
a apresentação do livro e redigindo um texto para a orelha da edição, publicada em
19725. O educador brasileiro também publicou um artigo, bastante elogioso, no qual
diz que: “Como homem cem por cento deformado pelo meio gutenberguiano, a leitura
de McLuhan vem sendo para mim um nascer de aurora, no entardecer opaco da minha
exclusiva lucidez visual e racional de homem tipográfico” (Teixeira, 1970).
O pedagogo Lauro de Oliveira Lima também publicou, em 1971, um pequeno volume
abordando o pensamento de McLuhan relacionado com a educação. Esta obra, cuja
provável última edição foi em 1998 (a 22ª do livro), teve uma ampla circulação (além de
ter sido traduzida para o espanhol), de acordo com o número expressivo de reimpressões.
Diante disso, a pergunta que se coloca é: o que o levou (e eventualmente ainda atrai) os
educadores brasileiros à obra de McLuhan?
No caso específico de Anísio Teixeira, havia a aceitação da tese mcluhiana de que
as tecnologias de comunicação reconfiguram a sociedade. De acordo com ele, “esta
seria a grande novidade trazida por McLuhan: o meio é a mensagem, porque é o meio
que transforma a cultura e a civilização, alterando ‘o nosso modo de perceber e sentir a
vida’” (Arena, 2004, p. 175). Essa importância dada à dimensão da técnica na sociedade
certamente singulariza a perspectiva de McLuhan e possui implicações para o campo
educativo. Como nota Moraes (2012), ao desenvolver algumas aproximações entre
McLuhan e Anísio Teixeira em relação ao tema da tecnologia, ambos os autores foram
entusiastas da tecnologia eletrônica, percebendo nela possibilidades para a entrada
da humanidade numa era de “aldeia mundial”. Porém, essa experiência somente
poderia ocorrer, de maneira consciente e planejada, em prol da humanidade, se as
5. Os primeiros livros de McLuhan traduzidos e editados no Brasil foram, em 1969, Os meios são as massagens
e Os meios de comunicação como extensões do homem, este uma tradução de Understanding Media, feita pelo poeta
Décio Pignatari, que foi um divulgador das ideias de McLuhan entre os comunicólogos e de maneira geral.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
Richard Romancini
características da experiência do homem com as tecnologias fossem efetivamente
compreendidas.
Anísio Teixeira acreditava que McLuhan lançara ideias para tanto, de modo a
que o homem pudesse dirigir e orientar conscientemente o processo que envolve a
“cultura tecnológica”. Teixeira (1971) mostrava-se preocupado com a subordinação da
tecnologia ao poder econômico, bem como com a possibilidade das tecnologias limitarem
a natureza crítica do conhecimento. No entanto, acreditava que seria possível conceber
uma educação humanista que evitasse a direção mencionada. Desse modo, combinando
diferentes autores e contribuições (entre estas a concepção de tecnologia derivada de
McLuhan),
Teixeira [1971] desenvolve uma concepção de educação que, ao mesmo tempo em que adapta,
ajusta o homem à sua cultura, lhe fornece as bases para uma compreensão que ultrapasse
os limites da pura especialização para o trabalho, tornando-o partícipe no controle, revisão e
reforma dessa mesma cultura, que é a grande marca do seu pensamento liberal progressista.
(Moraes, 2014, p. 100)
A morte trágica e precoce de Anísio Teixeira, em 1971, impediu que ele tivesse
aprofundado o tema ou discutido outros aspectos e trabalhos de McLuhan. Porém,
essa reflexão sobre McLuhan e a educação, a partir de uma perspectiva macrossocial
–o impacto da tecnologia no mundo –, é sem dúvida relevante e caracteriza o próprio
pensamento educativo do autor canadense. Na verdade, pode-se dizer que esta reflexão
geral se articula à outra que recomenda ou prescreve mudanças no sistema educativo.
O pequeno livro de Lauro de Oliveira Lima (1985 [1971]), com o significativo título
de Mutações em educação segundo McLuhan, também toca nessa articulação, mas com
mais ênfase nos processos escolares. Formalmente, trata-se de um ensaio em que o
autor comenta um artigo sobre educação publicado por McLuhan, em 1969 (no livro
Mutation – 1990, editado na coleção Medium, em Paris6). Lima observa que a mudança
na realidade social, a partir da emergência de um amplo panorama midiático, fazia
com que a informação, já na década de 1960, se tornasse abundante. Por isso, a ideia de
escola como uma guardiã do conhecimento perdia sentido e o próprio papel do professor
necessitasse mudar. “O professor atual não é mais informador: a informação vem através
do rádio, televisão, cinema, revistas, livros, cartazes” (Lima, 1985, p. 8).
É deste ponto de vista que o autor apresenta ideias que aproximam McLuhan de
pedagogias construtivistas e ativas. Nesse sentido, acompanhando McLuhan, Lima faz
uma defesa de métodos (como as dinâmicas de grupo) que procuram engajar os alunos,
estabelecendo um potencial lúdico (como o dos meios de comunicação) na educação,
com base em princípios de cooperação. Tal mudança deveria levar em conta o papel
de alunos e professores, produzindo um fortalecimento da comunicação nos processos
educativos, personalizando-a. “A aprendizagem padronizada [tradicional] estimula o
isolamento, porque priva da necessidade de comunicação: ninguém tem nada a dizer
a ninguém...” (Ibid., p. 29).
6. Parte deste trabalho foi traduzido para o português e publicado com o título de “O futuro da educação”,
no livro de Gadotti (1999).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
Richard Romancini
Em suma, o autor busca destacar no pensamento de McLuhan sobre a educação uma
tendência ligada aos autores pedagógicos modernos, que enfatizam a aprendizagem mais
do que o ensino. Essa aproximação é abonada pelas três características que Black (2010,
p. 26-27) percebe como constituintes de uma abordagem pedagógica relacionada com
a “media ecology”: 1) aprendizagem imersiva, 2) promoção de conexões entre teorias,
indo do particular ao universal, e 3) conversão das salas de aula em “antiambientes”,
isto é, locais em que os pressupostos implícitos de qualquer fenômeno são expostos,
permitindo enxergar suas propriedades estruturais de maneira original.
Como discute Tremblay (2011), a perspectiva geral sobre a educação de McLuhan
é crítica, mas otimista. Ele associa o sistema educativo de massa com a emergência
da sociedade industrial, e tendo em vista as transformações tecnológicas vislumbra
a possibilidade de uma reforma educativa, enfatizando o lúdico e a criatividade. “As
novas tecnologias da informação e da comunicação permitirão criar, num mundo
globalizado, novos ambientes pedagógicos interativos e lúdicos, nos quais se praticarão
valores caros a McLuhan de engajamento e de participação” (Tremblay, 2011, p. 92-93).
Nesse sentido, McLuhan pode ser aproximado dos defensores de pedagogias ativas
(Summerhil, Freinet), que seriam potencializadas pelas TIC, o que teria a capacidade
de mudar radicalmente o papel de educadores e alunos. Esperançosa, a reflexão
pedagógica mcluhiana acredita que “as tecnologias da informação e comunicação
constituem os instrumentos indispensáveis ao posicionamento da pedagogia no
mundo moderno globalizado, que valoriza a interação, a participação e a diversidade”
(Ibid., p. 94).
Tal enfoque continua a ressoar entre educadores brasileiros, e também entre aqueles
que se interessam pelas questões que envolvem a comunicação e a educação. Assim,
Martins (1999, 2000) afirma que, apesar dos limites que possui, a obra de McLuhan
contém observações certeiras e visionárias sobre o sistema educativo, como a necessidade
deste enfatizar a comunicação, num mundo saturado de informação. Avaliação parecida
é feita por Almeida que abona a crítica de McLuhan à “estandardização do ensino,
ou seja, a modelagem dos indivíduos sem respeitar suas diversidades” (2006, p. 4),
aproximando, de maneira inusual, a reflexão de McLuhan da realizada por Adorno,
notando que
a escola planeta preconizada por McLuhan (1969) pressupõe pensar a educação contemporânea sob uma nova perspectiva, atravessada pela mídia com suas redes, tecnologias
e linguagens, capaz de aportar contribuições que visem à politização/emancipação do
indivíduo cuja essência está na polifonia de vozes. (Ibid., p. 10)
A questão é polêmica, tendo em vista que o modo como a “politização” entra no
contexto das ideias de McLuhan não é problematizado, assim como o fato de que há
diferença na compreensão da tecnologia por Adorno e outros pensadores da Teoria
Crítica em comparação com McLuhan.
De qualquer modo, os autores voltados à educação, bem como à educomunicação, no
Brasil, tomam de McLuhan a visão de uma inevitável mudança nas relações educativas,
particularmente escolares, ensejada pela transformação social que os meios de
comunicação teriam provocado. No entanto, a discussão específica sobre os conteúdos de
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1280
McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
Richard Romancini
uma educação midiática, que constitui um elemento da reforma educativa preconizada
por McLuhan, é praticamente ignorada. Em que consiste a educação midiática para
McLuhan? A partir da análise do “Projeto 69” serão apresentados alguns dos aspectos
que respondem a esta questão.
A EDUCAÇÃO MIDIÁTICA E O “PROJETO 69”
Uma definição preliminar útil, para a compreensão da proposta de McLuhan, é a respeito do significado de “educação midiática”. Podemos entender este termo como sinônimo
de “educação para os meios” ou media education7 remetendo, simplificadamente, à ideia
de “ensinar” a respeito dos meios. Mas ensinar o que e com quais objetivos? Isso depende
das assunções teóricas das propostas, bastante diversificadas (Buckingham, 2014, Hobbs
e Jensen, 2009), desse tipo de educação. Como nota Meyrowitz (2001, p. 88), “diferentes
formas de pensar sobre os media nos levam a diferentes concepções de competências, ou
alfabetizações, do que pode ser desejável para o educado e consciente cidadão”.
Embora se reconheça a complexidade do tema, parece válido discernir grandes
tendências a propósito da educação midiática. Como a reflexão de McLuhan caracterizase pela centralidade no papel da tecnologia, a tipologia de abordagens sobre o assunto
associadas a suas implicações educativas, no âmbito da educação midiática, elaborada
por Lee (1996), é interessante. São então evidenciadas, conforme a tabela a seguir,
características de três grandes compreensões a propósito do relacionamento entre
tecnologia e sociedade.
Tabela 1. Tipologia de abordagens sobre o impacto social das tecnologias de comunicação
Determinismo da tecnologia
Tecnologia determinada
Tecnologia socialmente construída
Ponto de
vista
(Tecnologia tanto como causa
(Tecnologia como causa)
(Tecnologia como um efeito)
quanto como efeito)
• As novas tecnologias de comuni- • As tecnologias de comuni• A tecnologia de comunicação
cação estabelecem as condições
cação são reconfiguradas, a
é tanto causa quanto efeito;
para a mudança social
partir de uma formação social
é uma parte do processo de
específica
• A tecnologia possui uma lógica
formação social
interna de desenvolvimento
• O uso e o desenvolvimento
da tecnologia são determi- • A tecnologia possui relação
nados por uma única força
interativa com os sistemas
social
político, econômico, social e
intelectual. Ela é influenciada
por esses sistemas, porém não
controlada por nenhum deles
Implicações
Educacionais
• Abordagem ideológica
• Abordagem de limitação de
• (Orientada ao produto)
danos
• Interpretação crítica
• (Orientada ao produto)
das mensagens dos
• “Redução de dano”: resistência
meios massivos para
e discernimento em relação aos
“emancipação”
meios massivos, mensagens e
formatos de mídia, ou
• Adaptação para sobrevivência
• Abordagem socialmente
participativa
• (Orientada ao processo)
• Processo de compreensão e
configuração das instituições
midiáticas (de modo que a tecnologia de comunicação possa
desenvolver-se de um modo
saudável e democrático)
Fonte: adaptado de Lee (1996, p. 211)
7. Conforme Pinto, uma definição comum na Europa para “educação para os media” é a seguinte: “o
conjunto de conhecimentos, capacidades e competências (e os processos da respectiva aquisição) relativas
ao acesso, uso esclarecido, pesquisa e análise crítica dos media, bem como as capacidades de expressão e
de comunicação através desses mesmos media” (2011, p. 24).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1281
McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
Richard Romancini
A perspectiva teórica comunicacional de McLuhan coloca-o próximo da abordagem
determinista, ao lado de outros autores, como Jacques Ellul, Joshua Meyrowitz e Neil
Postman. Estes teóricos, a despeito de diferenças de ênfase e interpretações a respeito da
temática, possuem a visão de que a tecnologia é uma causa central da mudança social.
Com respeito à relação entre essa concepção teórica geral e suas implicações
educativas, no caso específico de McLuhan, Lee observa que ele
defende que a mídia eletrônica constitui uma transformação da cultura, valores e atitudes
quase instantânea e integral. Essa convulsão social gera grande dor e perda de identidade,
amenizada apenas por uma percepção consciente de sua dinâmica. Em seu ponto de vista, se
entendermos as transformações revolucionárias causadas pelos novos meios, poderemos
antecipar e controlá-las. Mas se continuarmos num estado de arrebatamento subliminar,
nós seremos seus escravos (Playboy Interview, 1989). [...] Sua noção de educação midiática é na
verdade uma espécie de controle da anomia para sobreviver na nova era da comunicação8. (1996, p.
223-224, destaque nosso)
Em contraste com as outras abordagens mostradas na tabela, o esclarecimento
produzido pela educação midiática com base na abordagem determinista visa uma
“adaptação” ao ambiente e não que o indivíduo – como sujeito político – busque uma
“emancipação” a partir da análise crítica de conteúdos (tecnologia determinada) ou da
atuação junto aos meios para alterar o funcionamento destes (tecnologia socialmente
construída). A “emancipação” associa-se a autores de correntes críticas do pensamento
social e da comunicação, como Adorno e demais pesquisadores da Escola de Frankfurt,
bem como os que adotam modelos derivados da economia política. Já os autores ligados
aos estudos culturais, como Williams, tendem a ver a implicação educacional da
pedagogia voltada aos meios em termos de seu processo, objetivando a formação de uma
recepção participativa e também crítica. Isso ocorre, pois há a crença na possibilidade de
que a transformação associada às tecnologias seja influenciada pela ação dos indivíduos.
Meyrowitz (2001) também desenvolve uma tipologia a respeito das “múltiplas
alfabetizações” midiáticas relacionadas com diferentes concepções sobre os meios de
comunicação. Os três tipos propostos (“mídia como condutora” – ênfase no conteúdo;
“mídia como linguagem” – enfoque na gramática específica de cada meio, e “mídia
como ambiente” – abordagem das características particulares de cada veículo) possuem
diferenças, mas também zonas de relacionamento ou complementaridade no estudo
dos meios. A última modalidade proposta (mídia como ambiente) remete diretamente a
McLuhan e à chamada “teoria do meio”, envolvendo “a compreensão de como a natureza
do meio condiciona aspectos chaves da comunicação tanto ao nível micro como macro,
como é o caso da sociedade” (Ibid., p. 95).
Também é válido referir-se à diferenciação entre modelos de educação midiática,
de acordo com a discussão de Pérez Tornero e colaboradores (2007, p. 44-45), sendo que
8. Original: “McLuhan argues the electronic media constitute a total and near instantaneous transformation
of culture, values and attitudes. This upheaval generates great pain and identity loss, ameliorated
only through a conscious awareness of its dynamics. In his view, if we understand the revolutionary
transformations caused by the new media, we can anticipate and control them. But if we continue our
self induced subliminal trance, we will be their slaves (Playboy Interview, 1989). [...] His notion of media
education is in fact a kind of anomie control for surviving the new communication era”.
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McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
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um deles é caracterizado pelo objetivo da “proteção” do educando (em nível moral,
de valores, e também ideológico), o outro enfatiza a “promoção” do uso das mídias,
de modo a obter vantagens desta prática. Por fim, um modelo mais eclético combina
os dois anteriores, destacando a ideia de “produção criativa”. O modelo relacionado
com a proteção associa-se às diferentes correntes teóricas que enfatizam os efeitos dos
meios, enquanto a ideia de promoção é derivada de modelos preocupados com o modo
como os usuários utilizam a mídia. As propostas podem combinar-se, porém indicam
preocupações comuns nas correntes da educação midiática.
Feita esta explanação, é possível iniciar o estudo do “Projeto 69” dentro de uma
matriz analítica sobre a educação midiática e suas abordagens relacionadas com a
tecnologia que ajude a compreender melhor o esforço de McLuhan e suas especificidades.
Do ponto de vista da contextualização histórica, esta proposta inicial de McLuhan
para a educação midiática surge a partir de um convite da National Association of
Educational Broadcasters (NAEB), dos EUA, para a qual McLuhan havia feito, em 1958,
uma conferência, apresentando suas ideias. A fala de McLuhan chamou a atenção dos
dirigentes desta associação, e houve o convite para ele elaborasse um projeto de estudo
dos meios de comunicação nas escolas secundárias. Este trabalho, financiado pelo
National Defense Education Act em conjunto com o United States Office of Education, do
governo estadunidense, foi realizado em 1959 e teve seu relatório – Report on Project in
Understanding New Media (McLuhan, 1960) – concluído no ano seguinte.
É consenso entre os estudiosos de McLuhan, o papel importante deste trabalho no
desenvolvimento do pensamento do autor, tendo em vista que o manuscrito do relatório
continha as ideias centrais, embora com foco mais limitado, do livro Understandig Media
que é publicado alguns anos depois (1964). No relatório do “Projeto 69”, Carey afirma que
McLuhan, ao tentar convencer o Office of Education que suas ideias poderiam ser uma
alavanca para a reforma do sistema educacional, fazia uma proposta na qual a educação
deslocava-se de “uma dependência da literatura clássica para um compromisso com
a ‘nova mídia’, a mídia que formava e apoiava a cultural real dos estudantes”9 (1998).
Carey ainda observa o estilo pouco ortodoxo do texto, com sua mistura de gêneros
e escrita inventiva que parece antecipar a abordagem pós-moderna – aspectos que
caracterizam o trabalho de McLuhan de maneira continuada (cf. Kellner, 2010) –, e diz
que imagina que o relatório deve ter sido recebido com perplexidade no Congresso dos
EUA, para onde foi enviado. De fato, as recomendações práticas do trabalho não tiveram
desdobramento; por outro lado, na visão de Black (2010), o “fracasso” de McLuhan
como consultor educacional foi contrabalançado por este trabalho ter servido para que
ele sistematizasse suas ideias (depois apresentadas em livro): “O caráter pedagógico
pretendido pela NAEB levou-o a apresentar sua perspectiva detalhadamente, de modo
mais coerente e compreensível do que jamais fizera, e permiti-nos conhecê-lo melhor a
partir deste texto”10 (Ibid., p. 25).
9. Original: “a dependence on classical literature to an engagement with the ‘new media’, the media which
formed and carried the real culture of students”.
10. Original: “The pedagogical role invited by the NAEB compelled him to render his vision in high
definition, as coherently and comprehensively as he ever would, and allowed us to know him best through
this text”.
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McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
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Em sua Iniciação Científica, Gabriela Vasconcelos fez uma comparação entre o
relatório do “Projeto 69” e o livro Understanding Media, e mostra que há forte convergência
entre as obras, pois:
Dois pilares mantêm a essência teórica em ambos os trabalhos de McLuhan, pilares que
essencialmente explanam a relação do homem com os meios e a relação dos meios entre
si. “O meio como extensão do homem” diz respeito à primeira relação, uma dinâmica pautada
pelo efeito causado no homem através da percepção das estruturas das formas midiáticas.
A segunda relação é contemplada pela frase “O meio é a mensagem”, que dita a dinâmica
de que a forma estrutural do meio é em si o que reconfigura nossos padrões conceituais,
e que esse padrão estrutural é a tradução de outro meio diante de uma nova configuração
perceptiva. (Vasconcelos, 2015, p. 18)
Existem também diferenças (desenvolvimentos) que mostram maior detalhamento
teórico do livro posterior, mas a coerência entre os trabalhos é significativa. Naturalmente,
o relatório tem maior enfoque e direcionamento prático, de intervenção na realidade
escolar, numa proposta curricular de educação midiática, em certo sentido sui generis.
Assim, após uma introdução teórica geral, o autor parte para o estudo de determinados
meios de comunicação. McLuhan busca destacar o “impacto estrutural” – isto é, a
extensão sensorial provocada por um meio/percepção – de cada mídia, pelo qual se
produz um “resultado subjetivo” – ou seja, uma experiência sensória no indivíduo. E
sintetiza as principais conclusões em gráficos de teor didático (Figura 1).
Figura 1. Exemplo de gráfico para estudo de meio de comunicação do “Projeto 69”
A partir dessa compreensão, o principal do projeto é proteger os indivíduos contra os
efeitos subliminares dos meios (McLuhan, 1960, p. 3) – o que se mostra consequente com
o determinismo do autor –, de modo a “sustentar a civilização”, a partir da pressuposição
(derivada de Innis) de que os meios sustentam a civilização (Crystal, 2012, p. 1). Ao
mesmo tempo, o projeto pressupõe uma ampla reforma pedagógica, ao redor do objetivo
exposto. A abordagem de “proteção” ou “limitação de dano”, resultado do estudo da
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McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
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mídia, ganha uma centralidade com respeito à educação incomum. A percepção de
McLuhan sobre a educação é que, como aponta Kuskis (2011), quando há mudanças
expressivas nos ambientes comunicativos – como a migração de uma cultura baseada
no impresso para uma eletrônica – a educação deve necessariamente mudar, uma vez
que ela relaciona-se totalmente com a comunicação.
Assim, o currículo para o ensino secundário proposto no “Projeto 69” enfoca
uma dezena de meios de comunicação. Às discussões sobre cada um dos meios de
comunicação, apresentadas no relatório, segue-se um roteiro de leituras e questões de
estudo, envolvendo, muitas vezes, uma observação ativa do estudante – que é levado a
refletir sobre seu consumo midiático (ver exemplo na Figura 2).
Figura 2. Exemplo de questões para estudo de um meio no “Projeto 69”
A proposta relaciona-se diretamente à perspectiva teórica e metodológica de
McLuhan, daí sua ênfase na educação da percepção (Friesen, 2011; Marchessault, 2008) e
estudo dos “efeitos” dos meios, que os textos de discussão e exercícios propostos exploram.
Cabe notar, observando o tipo de atividade e discussão com os estudantes planejados
pelo autor que, em que pese o tecnocentrismo ou determinismo tecnológico de McLuhan,
há uma centralidade da análise cultural e da experiência das pessoas com os meios.
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McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de um olhar informado pelos desenvolvimentos sociais e teóricos
posteriores, é possível dizer que angulação teórica é um eixo de força e de fraqueza
da pioneira proposta mcluhinana para a educação midiática. A fraqueza diz respeito
ao fato de que alguns aspectos da teoria do autor envelheceram mal (como a distinção
entre meios “quentes” e “frios”, no relatório abordada em termos das diferenças entre
meios de “alta” e “baixa definição”); já a força relaciona-se a uma unidade de propósitos,
relativa ao estudos dos meios, significativa. Em outras palavras, foi a primeira proposta
educativa com base na teoria do meio, que então se forjava. Tal abordagem continuou
sendo menos comum na educação midiática, tendo em vista que “o ambiente criado
por um meio é muito menos observado diretamente do que o conteúdo e a gramática
dos veículos. O ambiente do meio é mais visível quando um meio está começando a
ser usado por uma porção significante da população”, conforme analisa Meyrowitz
(2001, p. 97).
Para este autor, nada impede, pelo contrário, que essa abordagem seja complementada por variáveis socioculturais, pois os meios não surgem e se desenvolvem
num vácuo histórico. Esta interpretação, sem dúvida, pode contrabalançar as tendências tecnocentristas do modelo teórico de McLuhan, dando maior complexidade
ao mesmo.
Percebeu-se que, embora a questão da “proteção” – a partir do entendimento sobre
a atuação sensória do meio – seja relevante, como se acredita que o uso das mídias é
inevitável, há também por isso algum elemento de “promoção” desta atividade. Porém,
a “produção criativa” não era enfatizada no projeto, o que se relaciona ao contexto social
e histórico em que foi elaborado. Naquele momento, esse tipo de trabalho, em relação
aos meios, não era tão acessível aos amadores e não especialistas.
Há uma forte dificuldade para colocar em prática a proposta de McLuhan, relacionada
à sua amplitude, pois ela possui o caráter de reforma educativa geral; mas ao mesmo
tempo a ideia do autor para a educação midiática tem o mérito da ousadia – destacando
que não se trata apenas de inserir meios na educação (tecnologia didática), mas sim
repensar seus fundamentos.
Vale notar que houve elementos de continuidade quanto à temática da educação
entre o “Projeto 69” e trabalhos posteriores do autor. Assim, além de diversos artigos e
entrevistas nas quais aborda temáticas educativas, McLuhan dedica em 1977 todo um
livro, escrito com outros autores (McLuhan et al., 1977), ao tema da educação em meios.
Nele, assim como no Report, há estudos e exercícios. E o que se destaca – sendo talvez o
elemento que tornou McLuhan atrativo a tantos educadores – é a abordagem pedagógica que
enfatiza a atividade do aluno, num contexto que ele percebe como de “crise da educação”
– situada entre modelos de sociedade baseadas na escrita e nos meios eletrônicos.
Com efeito, a emergência do panorama digital tornou a temática mais relevante e
atual, o que se relaciona ao próprio debate contemporâneo sobre a educação midiática,
em diversos países. Neste sentido, qualquer proposta que se volte ao estudo do “meio
como meio” tem a aprender com a proposta de McLuhan e é, de alguma maneira,
devedora das explorações pioneiras do autor canadense.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1286
McLuhan e o “Projeto 69”: os meios de comunicação e a educação
Richard Romancini
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1288
Recepção e consumo da divulgação científica em educação
Reception and absorption on scientific divulgation in education
R o s e ly A . R o ma n e l l i 1
Resumo: Este artigo relata a análise comparativa entre revistas especializadas em
educação e periódicos utilizados pelos pesquisadores para divulgação de seus
trabalhos. São analisadas a Revista Nova Escola, da Editora Abril; e a Revista
Educação, da Editora Segmento. Estas, escolhidas na modalidade de divulgação
cientifica. Como periódicos científicos escolheu-se a Revista Brasileira de Educação
e Revista Educação & Realidade. A problematização surgiu da curiosidade de se
compreender se existe uma relação entre os assuntos divulgados nas revistas especializadas e os que são veiculados nos periódicos cientificos. Pela leitura de uma
amostragem destas revistas no período de um ano, percebeu-se em que medida
estes assuntos pesquisados podiam ser encontrados nas revistas de divulgação
aos professores da educação básica, considerados os principais leitores das revistas de especializadas. Busca-se o entendimento deste material como gerador de
competência em informação (PINHEIRO et al., 2013). A pesquisa conclui que não há
correspondencia direta entre a temática de periódicos científicos e revistas especializadas, mas que as mesmas ainda cumprem uma função de divulgação científica
e popularização da ciência na área da educação, na medida em que a recepção
e o consumo das mesmas contribui para a prática cotidiana na educação básica.
Palavras-Chave: Educação; Periódicos científicos; Divulgação científica;
Consumo. Recepção.
Abstract: This paper reports the comparative analysis between specialized magazines and journals in education used by researchers to disseminate their work. It
is analyzed Nova Escola Magazine, published by Editora Abril; and the Education
Magazine, published by Editora Segmento. These chosen in the scientific dissemination mode. As scientific journals Revista Brasileira de Educação and Revista
Educação & Realidade are chosen. The questioning came from the curiosity of
understanding whether there is a relationship between the matters disclosed in
journals and those conveyed in scientific journals. By reading a sample of these
journals in the period of one year, it was realized to what extent these issues
surveyed could be found in magazines disclosure teachers of basic education,
considered the main readers of the specialized magazines. The aim is to understand this material as generator of competence in information (Pinheiro et al., 2013).
The research concludes that there is no direct correspondence between the theme
of scientific journals and periodicals, but that they still meet a scientific dissemination function and popularization of science in education, in that the reception
and sbsorption of the same contributes to everyday practice in basic education.
Keywords: Education. Scientific journals. Scientific divulgation. Absorption.
Reception.
1. Professora doutora em Educação pela FEUSP, docente adjunto nível C-III na Universidade do Estado de
Mato Grosso – UNEMAT, [email protected] .
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1289
Recepção e consumo da divulgação científica em educação
Rosely A. Romanelli
INTRODUÇÃO
STE ARTIGO relata a análise comparativa entre revistas especializadas em educação
E
e periódicos utilizados pelos pesquisadores para divulgação de seus trabalhos.
São analisadas a Revista Nova Escola, da Editora Abril – NE; e a Revista Educação,
da Editora Segmento – RE. Estas, escolhidas na modalidade de divulgação cientifica.
Como periódicos científicos escolheu-se a Revista Brasileira de Educação e a Revista
Educação & Realidade.
A problematização surgiu da curiosidade de se compreender se existe uma relação
entre os assuntos divulgados nas revistas especializadas e os que são veiculados nos
periódicos cientificos. Pela leitura de uma amostragem destas revistas no período de um
ano, percebeu-se em que medida estes assuntos pesquisados podiam ser encontrados
nas revistas direcionadas aos professores da educação básica, considerados os seus
principais leitores.
Esta discussão desenvolve-se sob o referencial teórico de Bourdieu (1983, 2010, 2013a,
2013b). Para conceituar jornalismo científico, jornalismo especializado e divulgação
científica, utiliza-se Pinheiro, Chalhub e Nisenbaum (2013), Capozzolli (2005), Massarani
e Moreira (2005 e 2012) e Schneider (2006) entre outros. Para problematizar a análise das
revistas especializadas escolhidas quanto ao conteúdo veiculado escolheu-se o campo
dos estudos culturais, voltados para mídia como Hall (2003), Kellner (2001) e Romanelli
e Schneider (2014), por entender que existe uma possibilidade de que a mídia impressa
para a área de educação seja discutida como material gerador de competência em informação
(PINHEIRO et al., 2013).
A intenção era perceber em que medida estes assuntos pesquisados podiam ser
encontrados nas revistas especializadas funcionariam como divulgação científica aos
professores da educação básica. Para isso, foi necessário conceituar jornalismo científico,
jornalismo especializado e divulgação científica. As leituras prévias sobre o assunto
sugeriam que existe uma fronteira tênue entre os conceitos. Capozzoli (2005, p.8)
diferencia pesquisa científica de jornalismo científico, mas esclarece que distinto não é
necessariamente oposto, apontando para a superação dos obstáculos entre ambos para
o benefício comum, em especial da sociedade brasileira. Para ele, “a nova cidadania não
pode prescindir da cultura científica, (...) na busca de inteligibilidade para a natureza
do mundo e do desfrute lúdico da investigação. Ele também afirma que para ajudar a
promoção da cultura científica, o jornalismo científico é indispensável.
Na trajetória de estudos e pesquisas sobre o tema da divulgação científica o vínculo
com o Programa Avançado de Cultura Contemporânea - PACC/UFRJ, tanto quanto à
filiação desta pesquisadora ao Grupo de Pesquisa Perfil da Informação - Perfil-i, apontou
paraa o aprofundamento na área de Estudos Culturais voltada para a análise de mídia,
bem como da área da Ciência da Informação.
Ambas as vertentes se preocupam com o escopo da informação no que tange à teoria
da recepção (HALL, 2003; KELLNER, 2001) e da divulgação do conhecimento científico
como forma de empoderamento através da informação. Estas preocupações vieram ao
encontro da preocupação inicial desta pesquisa em saber como uma área acadêmica
na qual se pode perceber um avanço enorme, como a área da pesquisa em educação no
Brasil, apresenta tantas deficiências em seus resultados práticos.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1290
Recepção e consumo da divulgação científica em educação
Rosely A. Romanelli
Acreditava-se que poderia existir uma relação entre as revistas especializadas e os
periódicos científicos de uma mesma área de conhecimento, no que tange ao conteúdo
e ao público leitor. Constatou-se, após a levantamento inicial dos temas e títulos dos
periódicos científicos, que não havia uma correspondência direta entre estes e as revistas
especializadas escolhidas. O encadeamento de ideias entre as diferentes publicações
acontece apenas na medida em que os assuntos de pauta das revistas costumam girar
em torno do que a comunidade/sociedade civil está discutindo, sobre os temas que se
tornam mais relevantes a cada época.
Ao examinar a produção e o consumo da informação científica da área de educação,
bem como sua divulgação e vulgarização e como funciona a intervenção desta produção
no cotidiano da escola de educação básica, buscou-se o papel da revista especializada
como divulgadora das inovações educacionais e das novas descobertas teóricas
apresentadas nos periódicos científicos e mapeou-se o alcance de distribuição das revistas
pesquisadas. Optou-se por verificar o público leitor das duas revistas especializadas,
com base nas informações fornecidas pelas respectivas editoras. Estes dados serão
apresentados na descrição das mesmas.
Pelos dados coletados junto às respectivas editoras, contata-se que os professores2
atuantes neste nível de ensino constituem o público alvo destas revistas, possibilitando
que eles fiquem atentos para o aprofundamento de outras leituras como aquelas que
encontrarão nos periódicos científicos nos quais os assuntos que lhes interessem são
tratados do ponto de vista acadêmico e que a partir disso podem obter conhecimentos
que venham subsidiar sua prática cotidiana. Durante a análise dos dados e, com base
nestes, percebeu-se que os sites e fan pages de ambas são uma fonte de pesquisa tanto para
esta pesquisa, como para os leitores, uma vez que ampliam sobremaneira as informações
e conteúdos divulgados por cada revista.
O QUADRO TEÓRICO
Resume-se o referencial teórico devido ao espaço deste artigo, que fundamentase nestes autores, com descrições sobre as ideias ou tópicos principais, indicando aos
interessados quais obras foram relevantes para se chegar à conclusão que ora se apresenta.
Assim, inicialmente utilizou-se Maria das Graças Targino para entender a redação
técnico científica e suas implicações acadêmicas. Palmira Moriconi, Marcos Ramos,
Ulisses Capozoli, Luísa Massarani, Ildeu de Castro Moreira, Lena Vania Pinheiro, entre
outros que pesquisam a divulgação científica propiciaram o entendimento do papel deste
campo de conhecimento que se vislumbra imenso, que é a Ciência da Informação e as
primeiras leituras esclarecedoras sobre o tema. Com Pierre Bourdieu nas leituras de O
Campo científico, A Distinção, O Homo Academicus, que, entre outros títulos, possibilitam o
entendimento da hierarquia entre os saberes institucionalizados com os quais, tenha ou
não consciência plena disso, os educadores em todos os níveis de ensino são obrigados
a se confrontar cotidianamente.
Das leituras sobre divulgação científica, um dos melhores conceitos encontrados é o
de José Reis (Reis e Gonçalves, 2000, p.36 apud Pinheiro et al, 2009, p. 2) pela simplicidade
2. Fala-se em professores, mas os gestores também são considerados pelas editorias. Considera-se, no
entanto, que a base de formação é a mesma, pois o gestor é também professor.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Recepção e consumo da divulgação científica em educação
Rosely A. Romanelli
e objetividade: “...é a veiculação em termos simples da ciência como processo, dos
princípios nela estabelecidos, das metodologias que emprega”. Já Bueno (1984,1995,
apud Pinheiro et al, 2009), afirma que esta atividade “pressupõe a transposição de uma
linguagem especializada para uma linguagem não especializada, com o objetivo de
tornar o conteúdo acessível a uma vasta audiência”.
Segundo Pinheiro (et al, 2009) Bueno também introduz um conceito intermediário,
de difusão científica, por ele considerado de “limites bastante amplos” pois “... na
prática, faz referência a todo e qualquer processo ou recurso utilizado para veiculação
de informações científicas e tecnológicas”: periódicos especializados, bases de dados,
sistemas de informação, serviços de alerta de bibliotecas etc. (Bueno, 1984, p. 14, 1995,
p.1420-21 apud Pinheiro et al, 2009).
Dentro de toda a discussão sobre divulgação científica, que também beira a fronteira
do jornalismo científico e da comunicação científica, estes dois conceitos acima permitem
compreender o tipo de veículo que são as revistas NE e RE, pois eles permitem que se
perceba ambas no papel de divulgadoras científicas neste campo vasto de conhecimento
que é a educação. Complementa-se esta percepção com a nota de rodapé de outro texto
de Pinheiro:
“Para ser competente em informação, uma pessoa deve ser capaz de reconhecer quando
uma Informação é necessária e deve ter a habilidade de localizar, avaliar e usar efetivamente a informação [...] Resumindo, as pessoas competentes em informação são aquelas
que aprenderam a aprender. Elas sabem como aprender, pois sabem como o conhecimento
é organizado, como encontrar a informação e como usá-la, de modo que outras pessoas
aprendam a partir dela” (American Library Association. Presidential Committee on Information Literacy, 1989 apud Pinheiro 2013, p. 238, notas de rodapé)
A descrição das revistas e dos dados sobre os leitores fornecidos pelas editorias,
esclarecem em que medida elas funcionam como geradoras de competência em
informação.
OS PERIÓDICOS E AS REVISTAS
Iniciando a comparação percebe-se que as próprias revistas apresentam mensagens
iniciais em que procuram esclarecer porque publicam, para quem publicam, e por isso
porque e como publicam. Assim, na orelha da capa frontal da Revista Brasileira de
Educação – RBE3 pode-se ler:
A Revista Brasileira de Educação, periódico trimestral da ANPEd, é voltada à publicação
de artigos acadêmico-científicos, visando fomentar e facilitar o intercâmbio acadêmico no
âmbito nacional e internacional. Em consonância com a lógica da Associação, dirige-se a
professores e pesquisadores, assim como a estudantes de graduação e pós-graduação das
áreas das ciências sociais e humanas.
Sobre a Revista Educação e Realidade, encontra-se esta mensagem na página inicial
de seu site, mas não na edição impressa:
3. A Revista Brasileira de Educação – RBE é classificada no sistema WebQualis-Capes como A1.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Recepção e consumo da divulgação científica em educação
Rosely A. Romanelli
Periódico da área de educação que reúne artigos de diferentes aportes teóricos com temas
ligados a vários campos do conhecimento, em sintonia com os debates que acontecem no
meio acadêmico nacional e internacional. Classificada como revista A1 pelo Qualis-Capes.
Em 2013, passou a ter quatro números por ano e foi indexada no SciELO. Educação & Realidade
é publicada ininterruptamente desde 1976. É importante destacar a visão que os professores da Faculdade de Educação tiveram ao criarem uma revista científica de educação, já
nos primeiros anos da instituição. Nesses muitos anos de vida, Educação & Realidade tem
contribuído de maneira central, para a divulgação da produção de conhecimento científico,
filosófico e artístico na área da educação. Mais do que simplesmente espelhar a produção
do campo educacional brasileiro – o que já seria um grande mérito –, Educação & Realidade
sempre procurou incentivar o debate acadêmico que produz novo conhecimento na nossa
área e ampliar as fronteiras do pensamento e da prática em educação.
Na Revista Nova Escola encontra-se na página de índice, que também contém os
créditos da equipe responsável pela publicação, abaixo exatamente destes, a mensagem
da Fundação Victor Civita que diz:
Criada em 1986, NOVA ESCOLA é a maior revista de Educação do Brasil. Vendida a preço
de custo, é editada pela Fundação Victor Civita, entidade sem fins lucrativos que tem como
missão a melhoria da Educação Básica, produzindo conteúdo que auxilie na capacitação e
valorização de professores e gestores e influencie políticas públicas. NOVA ESCOLA não
permite publicidade redacional.
A Revista Educação traz também, situada abaixo dos créditos da equipe editorial
a mensagem abaixo:
Educação é uma publicação mensal da Editora Segmento destinada a mantenedores, educadores e interessados em educação. Esta publicação não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias assinadas, que expressam apenas o pensamento dos
autores, não representando necessariamente a opinião da revista. A publicação se reserva
o direito, por motivo de espaço e clareza, de resumir cartas e artigos.
Ao tomar contato com a edição impressa das revistas e dos periódicos escolhidos,
tornou-se importante perceber que suas intenções editoriais diferem do editorial
propriamente dito. Estas mensagens querem expressar aquilo que vai perpassar todas
as edições publicadas, enquanto o editorial muda em cada edição, de acordo com o
tema apresentado, artigos publicados e outros conteúdos que compõem cada número
editado.
Sobre a escrita nos periódicos, Targino (2012) fala do impacto exercido pela
normalização imposta nas diretrizes e parâmetros específicos para publicação,
segundo ela enunciados sob títulos distintos como normas editoriais, instruções para os
autores ou ainda, normas para apresentação de originais. Isto determina o alcance dos
periódicos científicos uma vez que eles veiculam os resultados das pesquisas da área
educacional. Quem escreve e quem lê são questões fundantes para a compreensão do
papel deste formato de publicação que constitui, atualmente, a forma mais prestigiada
pelos órgãos de fomento e avaliação da produção acadêmica do pesquisador.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1293
Recepção e consumo da divulgação científica em educação
Rosely A. Romanelli
Também se entende, na sequência deste raciocínio, que para as revistas especializadas servirem como divulgadoras deste trabalho científico para os que deverão ser
atualizados por ele e para ele em suas práxis, deve acontecer um encadeamento de
ideias que conduzam aos mesmos assuntos, apresentando possibilidades de aplicação
de pesquisas de última geração no ensino cotidiano nas escolas de nível básico. Parte-se
deste pressuposto pela compreensão de que isso é uma necessidade real e um caminho
válido para que haja uma melhoria sensível no ensino do país. Sendo assim, discutir os
conceitos de jornalismo especializado, jornalismo científico e publicação/comunicação
científica são meios necessários para que esta reflexão aconteça.
Um dos aspectos que se considera para compreender todos os anteriores é a noção
de habitus na perspectiva bourdieusiana. Acredita-se, a partir deste autor, que a forma
como os diferentes segmentos docentes utilizam – ou não – as leituras dos periódicos e
das revistas especializadas seja importante na sua atuação cotidiana. Também parte-se
do pressuposto de que o fato destas leituras serem – ou não – parte da formação docente
e de suas práxis seja decorrente da formação deste habitus. Por definição:
O habitus é, com efeito, principio gerador de práticas classificáveis e, ao mesmo tempo, sistema
de classificação (principio divisionis) de tais práticas. Na relação entre as duas capacidades que
definem o habitus, ou seja, capacidade de produzir práticas e obras classificáveis, além da
capacidade de diferenciar e de apreciar essas práticas e esses produtos (gosto), é que se constitui o mundo social representado, ou seja, o espaço dos estilos de vida (BOURDIEU, 2013b, p. 162).
Bourdieu (2013b) estabelece uma relação entre as características pertinentes da
condição econômica e social, tais como volume e estrutura do capital, cuja apreensão
é sincrônica e diacrônica e que fornece os traços distintivos associados à posição
correspondente no espaço dos estilos de vida tornados em relações inteligíveis
pela construção do habitus como fórmula geradora que justifica práticas e produtos
classificáveis bem como julgamentos classificados que constituem estas práticas e estas
obras num sistema de sinais distintivos.
Dessa forma, condições diferentes de vida geram habitus diferentes, uma vez que os
esquemas geradores que se aplicam a cada uma das condições implicam em diferentes
sistemas geradores que engendram práticas diversas e seus consequentes habitus. É
sabido que existe uma diferença muito grande entre as condições de vida e trabalho dos
professores que seguem a carreira acadêmica no ensino superior e aqueles que dedicam
sua vida ao magistério na educação básica.
No que tange a esta pesquisa, é importante considerar estas diferenças e perceber
o quanto elas podem causar uma lacuna na formação continuada dos professores da
educação básica, caso se chegue à conclusão de que existem mais pontos de silêncio
do que de diálogo entre a produção dos pesquisadores na academia e a divulgação da
mesma para que seja popularizada e contribua de fato com a prática docente que se faz
na escola básica.
No caso dos periódicos científicos, a qualidade de sua produção é direcionada
e validada ao sistema Qualis-Capes, e determinada para alcançar os patamares de
excelência em pesquisa exigidos para que os pesquisadores e seus programas de
pesquisa e pós-graduação sejam considerados como pertencentes a este grupo seleto
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Recepção e consumo da divulgação científica em educação
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que congrega os melhores. Conseguir publicar em revistas altamente qualificadas e
manter-se informado das pesquisas mais recentes através destes periódicos é parte da
exigência feita aos docentes pesquisadores, baseando-se na meta de que este habitus é
o único caminho de estar no topo das listas de produtividade.
No que diz respeito às revistas de divulgação científica / popularização da ciência,
sua qualidade será com certeza avaliada pelos parâmetros do mercado de publicação.
Neste caso, compreende-se como estes parâmetros agem e influenciam o gosto pela
leitura destes veículos de informação conforme Schneider (2006) convida a refletir:
Por que se tornou natural que se conceba sabor e saber, ou prazer e conhecimento, como níveis
distintos e até antagônicos da experiência vital? Por que se deu essa cisão? De que forma a
indústria cultural contribui para reproduzi-la na atualidade? Quais são as consequências
sociais dessa reprodução? (SCHNEIDER, 2006, p. 168).
O autor ainda sugere que no campo simbólico houve uma cisão ao longo da história
que pode explicar a distância entre o saber e o sabor, que levou a dicotomia entre prazer
e conhecimento:
Já a cisão do gosto em sabor e saber deve ter ocorrido a partir do momento em que se estabeleceu nas sociedades humanas a divisão do trabalho em braçal (inferior/sabor–labuta) e
intelectual (superior/saber–governo), cuja representação no campo simbólico manifesta-se na
divisão religiosa entre corpo (sede do pecado) e alma (sede da virtude), e na divisão platônica
entre sentidos (percepção–distorção) e ideias (saber–verdade) (SCHNEIDER, 2006, p. 169).
Para se superar as dicotomias entre a notícia e a ciência conforme afirmação de
Massarani e Moreira (2005):
Os artigos científicos passam por uma série de transformações ao serem adaptados para
textos de divulgação científica. Muitas dessas transformações ocorrem na linguagem: “tradução” dos jargões científicos para a linguagem não especializada, introdução de passagens
explicativas, omissão de textos referentes às técnicas e aos métodos usados, etc. (MASSARANI e MOREIRA, 2005, p.16)
Estes autores ainda dizem que existem mudanças que “emergem no nível retórico
propriamente dito, com o surgimento de diferenças de estilo, de ênfases, de argumentações e com o uso diversificado de recursos visuais” (idem). Para eles no caso jornalístico,
particularmente:
A estruturação do texto sofre alterações, adotando-se, em geral, o formato de um texto
“piramidal”, em que a novidade da pesquisa é o ponto de partida do autor da matéria
divulgativa. Outro aspecto relevante no processo acomodativo é a mudança de enfoque
no texto, mudança esta que está também correlacionada com a linha editorial do jornal ou
revista e com os aspectos culturais e a tradição divulgativa existente no país (MASSARANI
e MOREIRA, 2005, p.16).
É importante ver como as revistas especializadas são e como se descrevem, segundo
informação das editorias. A Revista NE tem periodicidade mensal durante os semestres
letivos, sendo que no final do ano é veiculado um exemplar para Dezembro/Janeiro e
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no meio do ano outro para Julho/Agosto. Isso totaliza dez exemplares ao ano. Além da
edição impressa existe o formato digital para PC, tablet ou celular. Existe também uma
fan page no Facebook e o site da revista que é vinculado ao site da Revista Gestão Escolar
num portal chamado Gente que Educa. Segundo o material de marketing mídia-kit-2015,
são 1,8 milhões de leitores, para uma circulação média de 470 mil exemplares; que 73%
destes leitores são mulheres, 69% tem de 20 a 49 anos de idade, 14% são da classe “A”
e 84% são da classe “BC”. Dentre estes leitores, 57% possuem pós-graduação e “76%
declaram que em algum momento mudaram sua prática em sala de aula por causa de
uma reportagem de NE; 77% dos professores tem NE como top of mind de revistas de
Educação” (midia-kit-2015).
Sobre o site da revista afirma-se que se trata de “O maior site voltado para educação
do Brasil”. Segundo o marketing da Editora Abril, trata-se do “maior banco de recursos
pedagógicos do País: mais de 3000 planos de aula, Projetos didáticos para todas as disciplinas, 28 jogos on line, vídeos e muito mais4.”. Além disso, afirmam que são “2 milhões
de visitantes únicos5 por mês” e “6,8 milhões de páginas vistas por mês”. A informação
sobre o internauta de NE diz que “84% são mulheres” e “60% têm de 30 a 49 anos”. E
que “72% deles declaram que em algum momento mudaram sua prática em sala de aula
por causa de uma reportagem do site NE”. Há ainda “770 mil seguidores no Facebook e
16 mil assinantes no Youtube”.
O site de NE está vinculado ao Gente que Educa, que se apresenta como uma comunidade
profissional para educadores, do qual fazem parte também o site da Revista Gestão Escolar,
o Prêmio Educador nota 10 e o site ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS. Neste
é possível encontrar quatro volumes com artigos científicos escritos por pesquisadores
de renome nacional e internacional, os quais foram encomendados para as referidas
publicações. Há um link que dá acesso a uma lista com diversas revistas científicas na
área de educação, em ordem alfabética e Qualis A1.
A RE tem periodicidade mensal, sendo publicada inclusive nos meses de janeiro e
julho em edições completas. A edição é impressa e não existe versão para tablet ou celular.
Seu site é hospedado no portal UOL e há uma fan page no Facebook. De acordo com o
diretor editorial6, a RE tem uma tiragem média de 27 mil exemplares em 12 edições no
ano. Há 3.309 assinantes, além de uma distribuição dirigida para 12 mil mantenedores
e diretores de escolas em todo o Brasil. O público-alvo é o professor em função de
coordenação pedagógica ou direção, ou que faz parte do grupo de profissionais dispostos
a refletir sobre o processo educacional e sobre suas próprias práticas, enxergando‐se
como sujeitos ativos. No caso da versão on line, metade dos usuários que acessam o site
são da rede pública. O público que acessa a versão impressa é, em média, mais velho e
há mais presença de pessoas com cargos diretivos ou de coordenação; na internet, há
um público mais jovem”. As pesquisas também indicam que há uma convergência de
40% entre os leitores da versão impressa e da versão on line. No caso da internet, em
4. grifo meu, pela ênfase que a editora coloca na informação. Nada nesse documento é por acaso.
5. grifo meu, uma vez que me parece ser uma palavra colocada para enfatizar a relevância do número, e, embora
não fique muito claro, suscita uma reflexão ou curiosidade...
6. Os dados foram obtidos através de contato via e-mail com o diretor editorial Rubem Barros. As informações
foram retiradas do texto-resposta escrito por ele em 16/12/2015.
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2014 (janeiro a novembro) houve uma média de 100 mil visitantes únicos/mês e 200 mil
pessoas que já curtiram a revista no Facebook e 36.100 seguidores no tweeter. Segundo
o diretor editorial, a revista utiliza “bastante pesquisas desenvolvidas por professores
pesquisadores do ensino superior, mas estas não são prioridade”. O ponto de partida
para as pautas, conforme ele diz, “são os grandes temas educacionais, em especial aqueles
que, por um motivo ou por outro, estejam em destaque naquele momento”.
O site da RE oferece um link com o Portal Guias de Educação, de onde se pode acessar
as outras publicações da Editora Segmento. Além disso, neste guia há ofertas de cursos
de aperfeiçoamento em nível de pós-graduação e MBA (Master Business Administration),
informações sobre vestibular e carreiras, agenda de provas e datas de inscrições em
diversos cursos e suas respectivas provas de seleção. Agenda também eventos, pós
graduação e intercâmbios para estudos, com possibilidades de bolsas de estudo. Há
um link para cursos on line e gratuitos com professores da pós-graduação da FEUSP7.
Ao buscar indícios do diálogo entre as diferentes formas de publicação analisadas
percebe-se a relevância da produção dos periódicos científicos em relação com a relevância
dos assuntos divulgados nas revistas especializadas. A superação dos possíveis silêncios
pelo desenvolvimento de uma linguagem jornalística que ao mesmo tempo em que
divulgue a ciência, possa também despertar o gosto pelo conhecimento (ROMANELLI
e SCHNEIDER, 2014), sem perder a cientificidade dos temas apresentados:
É necessário, portanto, desconstruir a concepção corrente de que algo “cientificamente
comprovado” possuiria um estatuto de verdade definitiva, enfatizando, sempre, o caráter
histórico, aberto, aproximado, polêmico e autorretificador de todas as ciências. Tal desconstrução envolve uma problematização da hierarquia dos saberes ditos científicos, entre si e
em relação àqueles não científicos, sem, contudo, cair no niilismo relativista pós-moderno
de sumariamente eliminar a priori qualquer possibilidade de hierarquização de saberes.
(ROMANELLI e SCHNEIDER, 2014, p.2).
Pode-se dizer que o “niilismo relativista pós-moderno de sumariamente eliminar
a priori qualquer possibilidade de hierarquização de saberes.” citado por Romanelli e
Schneider (2014) perpassa por uma linha editorial que é marcada por uma característica
encontrada em todo veículo de comunicação midiática: o determinismo de relevância
de assuntos que vendem notícia e consequentemente vendem os produtos que são
anunciados nas páginas. Cada revista especializada analisada possui, em média,
vinte páginas de material publicitário por exemplar. Este fato, por si só, merece um
outro capítulo de análise. Por ora, arrisca-se a afirmação de que o mercado relativiza a
hierarquização dos saberes em sua relação com as descobertas científicas e suas aplicações
no cotidiano escolar, gerando um silêncio onde poderia estabelecer um diálogo.
Esta postura das revistas especializadas gera um ponto de silêncio em relação
à pesquisa feita nas universidades que poderiam contribuir de maneira efetiva com
a melhoria do ensino no país, o que seria esperado na medida em que os próprios
periódicos e revistas se dizem dispostos a isto. Em vez de gerar o empoderamento
dos professores da educação básica e um espaço de resistência no qual eles possam
7. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
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se fortalecer em sua prática e formação (KELLNER, 2001; HALL, 2003), estabelecendo
diálogo entre a ciência/teoria e a prática cotidiana, cria-se a lacuna, o silêncio, pelo
determinismo econômico da relevância dos assuntos a serem tratados.
Retomando Romanelli e Schneider (2014), à divulgação científica, cabe transformar
em “conhecimento comum a íntima relação entre o debate teórico e epistemológico inerente ao campo científico e as disputas de poder que o constituem, sem perder de vista
a relativa autonomia dos debates e disputas, uns em relação às outras”, especificamente
destes em relação às pressões dos campos econômico e político que inevitavelmente
atuam neste campo, em graus maiores ou menores. Este aspecto torna-se uma exigência
de que seja incorporada a esta discussão e também à divulgação científica, “a dimensão
ético-política da ciência, das razões econômicas e políticas que condicionam os financiamentos da pesquisa, teórica e aplicada, aos impactos sociais da ciência e da tecnologia”
(ROMANELLI e SCHNEIDER, 2014, p.2-3). Na intenção de suscitar o debate e a reflexão
sobre estes aspectos é que se propõe aqui a comunicação desta pesquisa.
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Recepção e consumo da divulgação científica em educação
Rosely A. Romanelli
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¿A dónde acuden los estudiantes para
obtener información científica?
Where do students search for scientific information?
S i lv i a D o m í n g u e z G u t i é r r e z 1
Resumen: El objetivo principal de este trabajo consistió en indagar acerca de dónde se nutrían los alumnos universitarios cuando requerían información científica
y cuáles eran los motivos para dichas elecciones; es un primer acercamiento,
fundamentado conceptualmente en el marco de “la sociedad del conocimiento”.
Participaron 234 estudiantes de pregrado de la Universidad de Guadalajara quienes contestaron un cuestionario de opciones múltiples y preguntas abiertas. Los
alumnos refieren que la Internet es su medio preferido por diferentes razones,
entre ellas, porque está más a la mano, es rápida y de fácil acceso. No obstante,
reconocen que son los docentes en quienes mayormente confían. De cualquier
manera, estos primeros resultados dan pie para abrir mayores interrogantes y
cuestionar hasta qué grado los docentes siguen siendo pieza clave en el manejo
de información sin ser desplazados completamente por las nuevas tecnologías
de la información y la comunicación (TIC).
Palabras clave: Estudiantes, Internet, Profesores, Información científica.
Abstract: The main purpose of this work was to find out where do university
students look for when they require scientific information and what are their
motives for such elections. It is an approximation based on Knowledge Society
concepts. In our sample, participated 234 undergraduate students from Guadalajara University, Mexico, who answered a open/close questionnaire. These students refer that Internet is the most used source and also the favorite one because
it is at hand, fast, and easy to handle. Nevertheless, it is teachers who they trust
the most, when they search for scientific information. These preliminary results
open wider questions, since information and communication technologies are
growing too fast, but teachers have not yet been replaced by them.
Keywords: Students, Internet, Teachers, Scientific information.
INTRODUCCIÓN
N EL presente Siglo XXI se hacen más visibles los nuevos medios a través de los cuales
E
recurrimos para obtener cualquier tipo de información. Ello, en parte, debido a los
avances que desde el siglo pasado se han desarrollado a través de las TIC (tecnologías
de la información y la comunicación), además de los abaratamientos y disponibilidad en
1. Profesora investigadora en el Departamento de Estudios de la Comunicación Social (DECS-CUCSH),
Universidad de Guadalajara, México. [email protected]
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¿A dónde acuden los estudiantes para obtener información científica?
Rosely A. Romanelli
el mercado de algunos productos como computadoras, teléfonos celulares, Ipads o tabletas,
que nos facilitan el acceso a lo que queremos saber con relativa prontitud.
Aunado a esto, los jóvenes actuales, de acuerdo a la literatura anglosajona sobre las
generaciones2, serían integrantes de la generación “Y”, la que es considerada como global
y digital, con un libre acceso a la información (Lay, 2013). Específicamente, de acuerdo a
Fonseca (2003), la generación “Y” comprende a los jóvenes nacidos entre 1981 y 2000 y se
distingue por una actitud desafiante y retadora, aunque según Twenge y Kasser (2013)
dicha generación (conocida también como “Millenial” o “Me”) se caracteriza además
por ser arrogante, egocéntrica, malcriada y dar por hecho que merecen cosas sin trabajar
por ellas3. Dice Fonseca (2003, pág. 2):
Nosotros, los adultos, no entendemos que el mundo ha cambiado. Los jóvenes de hoy día
nos retan porque tiene el poder para retarnos. El poder viene del acceso continuo que ellos
tienen a la información y el conocimiento. La tecnología, el internet, el Cable TV y el mundo
globalizado les da un poder a los jóvenes de hoy día que no existía antes. Hoy día, un niño
de 15 años sabe muchas más cosas de lo que sabía un “baby-boomer”4 a los 30 años. La
generación “Y” está en posición de retar, no por indisciplina, sino porque se ha criado con
un conocimiento que le da poder.
A pesar de los avances de las nuevas tecnologías y de que los jóvenes viven en
una era eminentemente digital, tales manifestaciones no necesariamente reflejan una
mayor calidad y aprovechamiento de dichos recursos en esta sociedad llamada “del
conocimiento”, más aún cuando se requiere de información específica, particularmente
de tipo científica. Ante tales circunstancias, hemos partido de los cuestionamientos
siguientes: ¿A dónde acuden los estudiantes de pregrado en la obtención de temas
científicos? ¿Cuáles son los preferidos y los motivos de estas preferencias? ¿A cuáles se
les tiene más confianza y por qué? Estamos hablando específicamente de estudiantes
de una carrera profesional del Centro Universitario de Ciencias de la Salud de la
Universidad de Guadalajara. En particular, se busca analizar las fuentes en la obtención
de información científica que realizan los jóvenes estudiantes, los motivos de ello y la
confianza depositada en dichos medios.
MARCO CONCEPTUAL
Se parte de algunos acercamientos a lo que se ha denominado sociedad de la información, sociedad del conocimiento o sociedad red, como fundamentos conceptuales del
tema en cuestión. Dichos conceptos tienen aspectos en común; no obstante, guardan
ciertas diferencias que están más relacionadas con su surgimiento y difusión en algunos
países, como claramente lo ha expuesto Karsten Krüger (2006).
Sin embargo, los conceptos anteriores no son los únicos que circulan en el ambiente
académico. Néstor García Canclini (2011) habla de diferentes términos que conciernen
2. Que va desde la llamada “Gran” generación con la que inició el Siglo XX (1901) hasta la generación “Z”,
cuyos integrantes nacieron entre 1994 y 2004.
3. Llegan a dichos hallazgos tras estudiar a 355 mil 296 estudiantes norteamericanos entre 1976 y 2007.
4. Los “baby-boomers” pertenecen a la generación “X”, que se distingue por adaptarse mejor a los cánones
que impone la sociedad y ajustarse a las reglas de juego (Fonseca, 2003).
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¿A dónde acuden los estudiantes para obtener información científica?
Rosely A. Romanelli
a cuestiones muy similares pero que guardan más diferencias que coincidencias como
lo serían la concepción informacional de la sociedad y la concepción sociocultural de la
información, y los desafíos teóricos y políticos que implica el pasar de la simple designación de “sociedad de la información o del conocimiento”, a hablar de una “sociedad
del reconocimiento” que considere los conflictos interculturales como parte del análisis comunicacional. Su análisis socio antropológico, sin lugar a dudar enriquecedor,
demarca cuestiones que deben ser retomadas con mayor amplitud en otros estudios;
por lo pronto, sólo haremos mención, a partir de lo anterior, de que la jerga académica
sobre el tema es más amplia.
No obstante, nos vamos a inclinar por el concepto de sociedad del conocimiento
por las razones siguientes: 1. Porque tiene un lugar primordial en la discusión mundial,
tanto en las ciencias sociales como en la política. 2. Porque resume las transformaciones
sociales que se están produciendo en la sociedad moderna y sirve para el análisis de
estas transformaciones. 3. Porque ofrece una visión del futuro para guiar normativamente las acciones políticas (Krüger, 2006), y 4. Porque la participación ciudadana en
las políticas públicas sobre ciencia y tecnología son un condicionante importante para
la gobernabilidad en la actual sociedad del conocimiento (López Cerezo, 2007).
Nos suscribimos precisamente a la postura de López Cerezo (2007) quien dice que “al
hablar del conocimiento hago siempre referencia al conocimiento científico y tecnológico,
sin incluir otras formas de conocimiento a menos que se indique lo contrario.” (pág. 125).
Anota, retomando a Stehr en 1994, que en términos económicos, se puede decir que el
conocimiento en la actualidad es la fuente crucial de valor añadido en la producción
de bienes y servicios, particularmente en los países desarrollados, no obstante alcance
al resto de las naciones (aunque no en las mismas condiciones o proporciones), debido
a las redes transnacionales del comercio y la comunicación.
Ejemplo de lo anterior es el mantenimiento o mejora de la calidad a un menor costo
por: 1. La rápida obsolescencia de los bienes y servicios intensivos en conocimiento
(computadoras, asesoramiento especializado, etc.), y por 2. La “desmaterialización” de la
producción por el incremento de la eficiencia de máquinas o por mejoras organizativas,
es decir, el avance tecnológico hace que cada vez necesitemos menos materiales o menos
energía para obtener los mismos o mejores resultados (teléfonos celulares, computadoras,
nuevos materiales, mejora genética para cosechas agrícolas, etc.).
Dicha importancia económica del conocimiento ha repercutido en el campo de
la experiencia y del poder, ya que los grandes y pequeños grupos y sus roles sociales
están mediados por el conocimiento científico y tecnológico, mismos que han desplazado otras formas de conocimiento y penetrado casi todas las esferas de la vida
en la sociedad actual. En otras palabras, esto significa que a nivel de la experiencia
dichos impactos se dan a través de interacciones individuales y de la búsqueda de
la satisfacción de las necesidades; y a nivel político, se observa con la creciente institucionalización del asesoramiento especializado con miras a la práctica del poder
(López Cerezo, 2007).
En el ámbito latinoamericano, espacio en que se circunscribe este estudio, ¿cómo
ha sido el proceso -o imposición- de la sociedad del conocimiento? Marques de Melo
(2008) manifiesta que desde 1996 la Comisión de Ciencia y Tecnología para el Desarrollo
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¿A dónde acuden los estudiantes para obtener información científica?
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de la ONU (Organización de las Naciones Unidas), ante los avances revolucionarios de
la tecnologías de la comunicación y de la información, advirtió sobre la brecha digital,
distancia sobre todo entre los países del primer mundo y los periféricos, es decir, entre
los países ricos y pobres. Intentando reducir dicha brecha, la misma ONU creó grupos
de trabajo con la tarea de producir manuales explicando cómo los países periféricos
podrían disponer de tecnologías apropiadas para acelerar los procesos internos de
desarrollo. Pero,
Esta “ilusión digital” es hija del mismo voluntarismo de los años 60, cuando la ONU estimuló el desarrollo de redes mediáticas en el entonces llamado Tercer Mundo. Prevalecía,
en aquella coyuntura, la esperanza de que el proceso de desarrollo fuera desencadenado
por los aparatos de difusión masiva. América Latina pronto se presentó como el continente
detenedor de la mayor cantidad de aparatos de radio, televisión o cupos en las salas de
cine del planeta. Pero no cambió, absolutamente, el fenómeno de la marginalidad social,
económica y cultural. (Marques de Melo, 2008, pág. 2).
En pleno siglo XXI, aún cuando tengamos acceso a informaciones rápidas,
condensadas y simplificadas que fluyen a través de los medios electrónicos, repunta
Marques de Melo (2008), los contingentes mayoritarios de nuestra sociedad no han
asimilado los contenidos culturales que les permitan aprender integralmente los
sentidos diseminados por productos de la industria cultural. Se encuentran privados
de la libertad de expresión en la medida en que no tienen competencia cognitiva.
Recuerda el autor que para entrar en la sociedad del conocimiento no es suficiente
tener a la mano la disponibilidad de datos, equipos, productos de las tecnologías;
sino que urgen incrementar los procesos cognitivos capaces de alcanzar a toda la
población, llevando a cada ciudadano a usar los contenidos y por lo tanto actuar en la
construcción de una nueva sociedad. No obstante, reconoce que la misma no puede ser
reducida solamente a la dimensión cognitiva, pues la garantía de la universalización
de los bienes simbólicos está fundamentada en la democracia representativa y en la
economía distributiva.
De igual manera, en el contexto mexicano Delia Crovi (2004) declara que este tipo de
sociedad ha tenido un acceso desigual y limitado a las nuevas tecnologías de información
y comunicación. Señala que el abismo o brecha digital se manifiesta por lo menos en
cinco dimensiones: 1.Tecnológica (relacionada con la infraestructura material disponible
y actualización de la misma); 2. De conocimiento (las habilidades y los saberes de las
personas sobre la apropiación adecuada de los nuevos medios y de las TIC); 3. De
información (apunta a dos sectores sociales: uno sobre-informado con acceso a diferentes
medios y generaciones tecnológicas, y el sector desinformado con acceso limitado a las
innovaciones tecnológicas, sus actualizaciones y sus contenidos); 4. Económica (falta de
recursos para acceder a las TIC tanto a nivel personal, del sector gubernamental como de
algunos sectores privados), y 5. De participación (referida a que los recursos aportados
por las innovaciones tecnológicas puedan emplearse en un contexto democrático que
permita la igualdad de oportunidades para expresarse e intervenir en las decisiones
de un mundo global).
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¿A dónde acuden los estudiantes para obtener información científica?
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La investigadora refiere que hasta ahora la solución a la brecha digital se ha avocado
a resolver carencias de infraestructura tecnológica, pero se ha olvidado, entre otras
cosas, de dotar a las personas de las capacidades cognitivas para seleccionar, jerarquizar,
interpretar y hacer uso de la información con el propósito de mejorar su calidad de vida.
Estas condiciones han llevado a algunos autores a cuestionar la existencia misma de la
sociedad de la información y el conocimiento, SIC. No obstante, el proyecto “México ante la
sociedad de la información y el conocimiento” acepta la existencia de este tipo de sociedad,
no porque constituya una realidad concreta y unívoca, sino porque ha sido impuesta por los
discursos hegemónicos como un ideal de desarrollo, que orienta las acciones que planean y
realizan los Estados para alcanzar esa meta. En este contexto, más que negarla, nos parece
fundamental delimitar las condiciones específicas en que la SIC se ha ido estableciendo
tanto en el país como en otras naciones ( Crovi, 2004, pág. 18).
Como veremos más adelante, tales consideraciones se vuelven más significativas
cuando el asunto se vuelca hacia las búsquedas de información científica entre los
estudiantes universitarios, objeto de estudio del presente trabajo.
MÉTODO
Informantes. Participaron 234 estudiantes de seis carreras de un centro universitario de de la Universidad de Guadalajara durante 2010 y 201, elegidos al azar tomando
como parámetro un horario de clase, de primeros y últimos semestres. Son jóvenes de
entre 18 y 22 años de edad, de clase media; tres cuartas partes se dedica a sus estudios
profesionales y solo una cuarta parte divide su tiempo entre trabajar y estudiar.
Producción de la información. Se elaboró un cuestionario compuesto por 27 preguntas
con opciones múltiples y preguntas abiertas, que corresponde a una sección de una
herramienta más amplia para determinar las representaciones sociales de la ciencia en
estudiantes de pregrado (Domínguez, 2012). Algunas de las preguntas que forman el
cuestionario, son: “De los siguientes medios, señala 5 a los cuales recurres con mayor
frecuencia para obtener información científica. El número 1 es para el medio de donde
obtienes mayor información y el 5 para el que obtienes menor información”, “Si utilizas
la Internet ¿por cuánto tiempo DIARIO te conectas?”, “¿Qué es lo más haces cuando
estás en Internet?”, “En ese tiempo que estás en Internet, ¿buscas información de corte
científica?”, entre otras. Se presentan solamente los análisis de las preguntas relevantes a
este trabajo, que tienen que ver con los medios o fuentes formales (escuela o universidad,
profesores, libros), informales (medios de comunicación), y no formales (familia, amigos,
compañeros) de donde los estudiantes obtienen la información científica, como variables
u observables del presente estudio.
Técnicas de análisis. Después de un trabajo de codificación y categorización de las
respuestas a las preguntas del cuestionario, se utilizaron hojas Excel para el vaciado
de la información y facilitar el proceso del predominio en las respuestas, así como su
graficación posterior. Cabe resaltar que la información recabada, no obstante de alcance
descriptivo, ha sido objeto de diversas lecturas, es decir, relacionándola con los referentes
conceptuales y empíricos, así como con investigaciones personales previas.
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¿A dónde acuden los estudiantes para obtener información científica?
Rosely A. Romanelli
RESULTADOS Y SU ANÁLISIS
Primeramente, todos los alumnos del estudio dijeron tener una computadora en
casa (ya fuera de escritorio o portátil), y de éstos el 95% dijo tener acceso a Internet
en el hogar; el 5% restante accede a la red en la escuela o trabajo. Es decir, ninguno de
ellos se queda sin ingresar a la web, la que consideran vital en estos días. Parece ser,
entonces, que nuestros estudiantes en particular pertenecen a un grupo distinto de la
media nacional (44% de acuerdo al World Internet Projet México, 2012), y no se aprecia
a simple vista la brecha digital en cuanto al uso de esta tecnología en particular. Es
importante aclarar que con la muestra del presente estudio, no pretendemos hacer
ningún grado de generalización con la población, sino en todo caso, con la del centro
universitario donde se llevó a cabo la investigación.
El tiempo en la red varía, pero de acuerdo a los estudiantes informantes, predominan
buenas horas frente a ésta. En la gráfica 1 se muestran las horas diarias que navegan
en Internet.
Gráfica 1. Horas diarias conectados a Internet
Si sumamos todas las frecuencias con excepción de “una hora”, “menos de una
hora” y “otras”, tenemos 167 estudiantes de 234 que navegan entre 2 y 4 horas diarias en
la red, esto es, casi tres cuartas partes de los alumnos, lo que los ubica en una posición
mayor que lo reportado por el Conacyt (2012, 2013) en el que se muestra que el 30.6% lo
hace por más de dos horas diarias. Incluso, en la opción de “otras” hubo siete alumnos
que señalaron que navegaban por la red hasta por más de 6 horas diarias. Quiere decir
que los estudiantes pasan buena parte de su tiempo frente a la red.
En particular, al preguntarles si buscaban información científica cuando navegaban
en la web, la mayoría de los estudiantes informantes dijeron hacerlo.
Gráfica 2. ¿Buscas información científica cuando estás en Internet?
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¿A dónde acuden los estudiantes para obtener información científica?
Rosely A. Romanelli
Esto es, la mayor parte de los estudiantes (59.4%) contestaron que sí buscan
información de tipo científica5 cuando están en Internet, esto es, bajo sus criterios, ellos
consideran que la información recabada es de corte científica (más adelante se muestran
las páginas o portales web que visitan para obtener dicha información). Entre los que
contestaron que no, que a veces y los que de plano no contestaron a la pregunta, tenemos
un buen porcentaje (40.60%), es decir, poco menos de la mitad refiere no hacer este tipo de
búsquedas, que puede llevarnos a sugerir o que no les interesa, o que no distinguen aún
la información de tipo científica, lo que veremos se redondea con respuestas posteriores.
Entrando con mayor detenimiento en el tema de las opciones de los diferentes
medios para obtener información científica, los muchachos refirieron que en primer
lugar prefieren a la red:
Gráfica 3. Medios preferidos en la obtención de información científica
Es clara la elección de Internet, de entre las otras fuentes, como el medio favorito
para hacer búsquedas científicas. Más ¿por qué la eligen los jóvenes estudiantes por
sobre los otros medios? De acuerdo a sus respuestas, porque es el medio más accesible,
cómodo, fácil y económico; hay que recordar, además, que son jóvenes digitales, producto
de la Generación “Y”, y esto implica que Internet sea su primer elección, casi de manera
“natural”. Notamos que las fuentes no formales como la familia y amigos/compañeros
prácticamente son nulas (apenas un 1.7% prefiere preguntarle a los compañeros o
amigos); la familia quedó completamente fuera de esta primera elección, no obstante ser
una fuente muy importante para los estudiantes como lo hemos constatado previamente
en otros estudios (Domínguez, 2012, 2009a, 2009b), y aún a pesar de lo reportado por el
5. Lo que los informantes entienden por información científica la clasificamos en dos: 1. Aquella que remite
al proceso científico, a la investigación, a documentos que tienen un aval universitario, y que implica
un proceso de sistematización, comprobación y de muestra de resultados. En esta opinión coinciden los
estudiantes que cursan los últimos semestres; y 2. Los estudiantes de primer ingreso consideran que
“Información científica es aquella que está bien escrita por un autor reconocido y que se puede comprobar”.
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¿A dónde acuden los estudiantes para obtener información científica?
Rosely A. Romanelli
IMJUVE (2010, 2012), la familia constituye una de las instituciones de mayor credibilidad
para los jóvenes mexicanos, pero no es una fuente de donde se obtenga información
científica en particular, específicamente para los estudiantes del presente estudio.
Si hacemos un corte para agrupar a los diferentes medios o fuentes formales -como
profesores y libros-, no formales -como la familia y los amigos/compañeros-, y los medios
informales o medios de comunicación -como Internet6, tv, radio, revistas y periódicos-,
nos damos cuenta de que los alumnos prefieren a los medios de comunicación (en que
sobresalen Internet y la televisión) para informarse sobre temas científicos, es decir, los
medios informales, por sobre los medios formales, como se aprecia enseguida.
Gráfica 5. Medios informales7
Gráfica 4. Medios formales
Por otra parte, causa cierto desconcierto que siendo jóvenes estudiantes de una
carrera de licenciatura o de pregrado, prefieran los medios informales que a los medios
propiamente académicos o formales, aunque hay que reconocer que en Internet
encontramos espacios académicos (desde enciclopedias y diccionarios hasta páginas
web especializadas). ¿Será acaso que los profesores universitarios están perdiendo,
hasta cierto punto su glamour como entes de conocimiento? Afortunadamente no, y se
constata cuando se les preguntó a quién o a qué se le tiene mayor confianza para recibir
información científica, respuestas que favorecen en un 82% a los profesores, a los libros
con un 7%, Internet con 3% y periódicos, revistas, televisión con un 2%.
Si bien los profesores no son la primera fuente a la que acuden los alumnos
universitarios en la obtención de información científica, sí son en quienes mayormente
confían. No obstante que los profesores están también al alcance de los alumnos (por lo
menos en clases), y que por alguna razón (cuestión que habrá que estudiar detenidamente)
no acuden a éstos en primera instancia, sí se reconoce al maestro o profesor como un
ente confiable en la obtención de información científico-académica. Nuestros datos
coinciden con la encuesta que llevara a cabo el IMJUVE (2010, 2012) con respecto a las
6. La Internet, para muchos estudiosos, no es un medio de comunicación en sí; pero para otros reúne algunas
de las características de los medios tradicionales de comunicación, sólo que Internet tiene la peculiaridad
de ser interactiva (Castells, 2009).
7. La suma de los porcentajes de los medios formales e informales no da el cien por ciento (98.3%) debido a
que en estas categorías no se incluyeron a las fuentes no formales como la familia y los amigos o compañeros.
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¿A dónde acuden los estudiantes para obtener información científica?
Rosely A. Romanelli
instituciones que mayor confianza le tienen los jóvenes mexicanos, lo que refuerza la
idea de que el imaginario social sobre el profesor es fuerte, a pesar de que en ocasiones
les represente ser una figura ambivalente, es decir, de amor/odio (Cf. Domínguez, 2012).
Los libros, que en otrora época fueran elementos indispensables, ya no parecen
serlo tanto por lo menos para parte de estos alumnos en lo que a su forma impresa se
refiere. Ahora encontramos muchísimos libros digitales, que bien pudieran sustituir
a los de papel; no obstante, son después de los profesores en quienes más confían los
alumnos. Es notorio que dentro de las fuentes formales son los libros a quienes primero
recurren los estudiantes, pero la confianza está depositada más en los profesores para
esta cuestión en particular.
Por otra parte, no extraña que de los medios de comunicación tradicionales e
interactivos, es Internet la que sobresale dentro de estas fuentes como la más confiable,
aunque por poca diferencia. Enseguida vemos los portales o lugares en que los estudiantes
realizan sus búsquedas.
Gráfica 6. Páginas web consultadas para obtener información científica
Cuando se les preguntó a los alumnos que si buscaban información de tipo científica
en Internet (ver gráfico 2), el 59.40% (139 estudiantes) contestó que sí. Pero cuando se les
pidió que mencionaran las páginas o portales de las que obtenían dicha información 103
no contestaron, es decir, el 44.02% prefirió dejar en blanco la respuesta, tal como podemos
apreciar en la gráfica 6. Es notorio que son pocos los que recuerdan o saben el nombre
de las páginas o portales que visitan, de las que destacan PubMed, la Biblioteca Virtual
de la Universidad de Guadalajara (UDEG), Scielo y Redalyc. Hubo quienes dijeron que
buscaban en revistas científicas, pero sin especificar el nombre de las mismas. Huelga
decir el auge de Google y Wikipedia, que en primera instancia son buenos inicios para
búsquedas de toda clase, mas hablando en términos académicos, las revistas científicas
especializadas son fundamentales, pero desgraciadamente pocos saben cuáles son las
características de estas, y cómo acudir a ellas de manera más directa, con excepción de
muy pocos estudiantes.
Lo anterior es apenas un indicio de la presencia de la brecha digital, aún para
nuestros informantes que han roto varias barreras económicas, sociales y académicas:
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los alumnos tienen la tecnología al alcance, pero todavía está lejos el manejo más certero
para cuestiones tan específicas como una búsqueda científica en particular. Como decían
Marques de Melo (2008) y Crovi (2004), falta atención en los procesos cognoscitivos en
las apropiaciones de las TIC, y le añadimos un factor más, el desconocimiento de las
características esenciales para distinguir información científica de la que no lo es, y
aducimos que por ello gran parte no contestó a la pregunta referida.
Recapitulado, la pregunta inicial hace referencia a los medios preferidos para
informarse sobre cuestiones científicas, donde Internet aparece en primer lugar y los
profesores en la sexta opción. No obstante, a quien le tienen mayor confianza para
recibir información sobre temas de corte científico es el profesor. Se observa también
que nuestros informantes no distan mucho de los reportes e informes nacionales y de
los de Estados Unidos de Norte América –EUA- (National Science foundation, 2012, 2014;
Pew Reserch Center, 2013); asimismo, forman parte de un grupo favorecido, quizá hasta
de un subgrupo de los “sobre informados” por el uso y acceso a las nuevas TIC, pero
hay que notar que dicho rubro no se cubre en todos los aspectos (el cognoscitivo, por
ejemplo). Por lo habrá que ver con mayor detalle si en el uso de la red manifiestan sus
capacidades analíticas para diferenciar la enorme cantidad de información que reciben
día con día y el uso que hacen de dicha información.
Más aún, los estudiantes universitarios de esta investigación han superado algunos
obstáculos educativos (deserción escolar, por ejemplo), gozan del estatus de ser de la
generación “Y”, y en ese sentido es que la brecha digital es menos notable. No obstante,
estamos hablando de un área muy particular: la obtención de información de índole
científica, la que por ser tan específica no es del interés de muchos a menos que sea por
demandas escolares, y en este sentido, la brecha digital, es aún más notoria.
BREVE COROLARIO
¿Profesores vs Internet? Pudieran parecer contrincantes, pero más que eso hay que
apelar a la complementariedad. En esta era de acelerados cambios, los que se dedican a
la docencia con varios años de servicio corren siempre el riesgo de quedarse fuera del
juego, más si no son producto de las generaciones “Y” y “Z”. Por lo que para entrar en la
era del conocimiento, habrá que tener en cuenta muchísimo más que buena voluntad y
buenas intenciones. Como bien señalara Crovi (2010), la aparición de Internet ha puesto
a las universidades (profesores incluidos) en un doble juego: por un lado se oscurece su
superioridad en la distribución del saber, pero a la vez se les da un lugar notable por
ser instituciones capaces de avalar el conocimiento.
Este es el contexto en el cual la distribución social del conocimiento se recompone orientando
su interés hacia las redes, aunque sin dejar de lado a los medios tradicionales. La razón es
que Internet ofrece ahora las mejores condiciones para su ejercicio. Ofrece la posibilidad
de acercar significaciones y responder a intereses específicos de los receptores. (Crovi, 2010,
pág. 16).
Y en este sentido, habrá que significar y reorientar muchas de las prácticas didácticas
y pedagógicas de los profesores, e incluso de investigadores, en esta era de aceleradas
transformaciones.
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Rosely A. Romanelli
REFERENCIAS
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Divulgação Científica:
uma ação educomunicativa entre ciência e sociedade?
Scientific Disclosure:
an educommunication action between science and society?
St e l l a
de
M e l l o S i lva 1
M á r c i a R e am i P e c h u l a 2
Resumo: Esta pesquisa destina-se a olhar a Divulgação Científica (DC) como
viabilizadora de ações educomunicativas em defesa, inclusive, da possibilidade
de aproximação entre Ensino Superior e Ensino Básico. O estudo mostra, portanto,
resultados parciais do processo de produção de matérias de DC elaboradas
por alunos e professores de ambas as frentes de ensino e publicadas no jornal
online Biosferas (http://www.rc.unesp.br/biosferas/) em 2014, no Instituto de
Biociências da UNESP-Rio Claro. Notou-se, a partir dos textos produzidos, que
dois dos principais objetivos da DC (ALBAGLI, 1996) foram – de certa forma
- atingidos: o educacional, em que há o esclarecimento dos indivíduos sobre
questões cientificamente já estudadas; e o cívico, que se propõe a revolver a
opinião pública sobre os impactos da ciência, ampliando a consciência do
cidadão. Concomitantemente a estes resultados, conclui-se que há a necessidade
de valorização de outro objetivo da DC ainda não contemplado pelo projeto que é o
da “mobilização popular”, responsável por ampliar a possibilidade de participação
da sociedade tanto nas políticas públicas como na escolha de opções tecnológicas.
Palavras-Chave: Divulgação Científica. Educomunicação. Ensino Superior.
Educação Básica.
Abstract: This research is intended to look to science communication (DC) as
enabler of educommunication actions in defense, including the possibility of
rapprochement between Higher Education and Basic Education. The study
therefore shows partial production process of DC materials prepared by
students and teachers of both educational fronts and results published in the
online journal biospheres (http://www.rc.unesp.br/biosferas/) in 2014 in the
Biosciences Institute of UNESP-Rio Claro. It was noted from the produced texts
that two of the main objectives of the DC (ALBAGLI, 1996) were - somehow
- achieved: the education, where there is clarification of the individuals on
scientific issues already studied; and the Civic, which aims to stir public opinion
on the impacts of science, increasing citizen awareness. Concurrent with these
results, it is concluded that there is the need to value another objective of DC
not yet approached the project which is the “popular mobilization”, responsible
for expanding the possibility of participation of society both in public policy
and in the choice of technological options.
Keywords: Science Disclousure. Educommunication Action. Higher Education.
Basic Education.
1. Doutoranda em Educação pela UNESP-Rio Claro. Professora do UNASP-EC. [email protected]
2. Doutora em Educação e Semiótica pela PUC-SP. Professora da UNESP-Rio Claro. [email protected]
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Divulgação Científica: uma ação educomunicativa entre ciência e sociedade?
Stella de Mello Silva • Márcia Reami Pechula
BIOSFERAS: O QUE É E QUEM SÃO?
JORNAL ONLINE Biosferas é publicado desde 2009 e tem como objetivos – con-
O
forme se lê no histórico do próprio veículo – “criar e alimentar um ‘jornal
científico’ on-line, cujo intuito é o de divulgar estudos, pesquisas e reflexões
sobre temas relevantes e polêmicos das diversas áreas que envolvem a Biologia e as
Ciências Naturais, bem como suas interfaces com a sociedade, a política, a educação
e a cultura”.
Caracteriza-se como um projeto de extensão do Instituto de Biociências da Faculdade
de Educação da UNESP de Rio Claro e, atualmente, sua comissão editorial é composta por
9 alunos da graduação e pós-graduação da universidade, além da docente responsável
pelo projeto e de 4 colaboradores.
O Biosferas tem um caminho marcado pela interdisciplinaridade, estabelecendo
diálogos com profissionais da educação, do jornalismo e da ciência. Por isso, além do
processo de produção de matérias e artigos para o periódico – basicamente de cunho
científico - o jornal também entende que as imagens são textos; que suas disposições,
cores, fontes e tamanhos são relevantes porque comunicam discursos, conforme se
observa nos “logos” abaixo (edições especiais de 2012, 2013 e 2014, respectivamente):
Figura 1. Fonte: http://www.rc.unesp.br/biosferas/page_artigos.php
A despeito do olhar estético-jornalístico, o periódico preocupa-se em postar em
sua página matérias e/ou artigos periodicamente, contando com as contribuições de
professores, pesquisadores e alunos que estejam interessados em divulgar ciência na
rede. Agregado à atividade da produção de informação e reflexão sobre DC, o Biosferas
estabelece parcerias e promove eventos relacionados à ela, como o XIX Encontro Nacional
de Empresas Juniores da Unesp e a II Jornada de Divulgação Científica: Diálogo entre
Ciência, Mídia e Cultura, – ambos realizados em 2013.
A escolha das produções textuais que constarão do jornal online é realizada pela
comissão editorial, que prioriza alguns critérios de seleção ao mesmo tempo em que
orienta os coautores a redigirem diferentes tipos estruturais de textos jornalísticos; dão
dicas de escrita; informam os direitos de conteúdo (informações detalhadas no endereço:
http://www.rc.unesp.br/biosferas/page_publicacao.php. O periódico compartilha seu
conteúdo também no Facebook, possibilitando maior interação entre a produção
científica e seu leitor, na tentativa de estabelecer uma DC mais eficaz por meio dos
compartilhamentos e das postagens que essa rede social proporciona. Abaixo, algumas
das temáticas de 2013 e 2014 disponibilizadas no site da UNESP-Rio Claro.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Divulgação Científica: uma ação educomunicativa entre ciência e sociedade?
Stella de Mello Silva • Márcia Reami Pechula
Figura 2. Fonte: http://www.rc.unesp.br/biosferas/page_artigos.php
A partir da estrutura descrita até aqui, o jornal tem compreendido que ainda são
necessários mais (e contínuos) esforços para o avanço do Biosferas como uma ação
educomunicativa entre ciência e sociedade. Entretanto, tomando como parâmetro o
início do projeto e comparando-o com as produções atuais, muito já se avançou.
UM PANORAMA EDUCOMUNICATIVO
Indiscutível parece ser o papel (e o valor) da informação na educação, bem como o
da educação para se ler uma informação na contemporaneidade. O esvaziamento dos
discursos, a democracia mal interpretada, a super valorização do sujeito em detrimento de
suas relações coletivas… Todas estas questões têm trazido discussões sobre a coexistência
do velho e do novo: a imprensa, a televisão, o rádio, a internet, passam pela necessidade
de, segundo Burke (2006, p.263), “terem sua estrutura institucional repensada”. Não se
anulam, mas se ressignificam.
É neste contexto que se discute se a educação, assim como a comunicação, têm
pensado em si mesmas como produtoras de conhecimento. Afinal, ambas carregam
consigo a obrigatoriedade de perceber as múltiplas racionalidades a partir das quais
podem ser pensadas as mudanças civilizatórias atuais, inclusive os processos de
elaboração, divulgação e percepção da ciência.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Divulgação Científica: uma ação educomunicativa entre ciência e sociedade?
Stella de Mello Silva • Márcia Reami Pechula
Atualmente, o conhecimento – inclusive o científico - apresenta-se como algo a
ser discutido tanto do ponto de vista espacial (onde está e como circula) quanto do
antropológico (quem o constrói e porque o divulga). Sobre essa circunstância, MartínBarbero comenta que
A dispersão e a fragmentação, cuja culpa atribui-se aos meios, como se se tratasse de um
efeito perverso, adquirem no plano das relações entre produção social e conhecimento um
sentido outro, já que é disperso e fragmentado que o saber está podendo escapar ao controle
e à reprodução que imperam em seus lugares legitimados de circulação. (Martín-Barbero,
2014. p.80)
Sendo assim, nota-se a importância dos espaços educativos – formais ou informais –
serem lugares de comunicação significativa; o inverso também é verdadeiro: os espaços
comunicacionais precisam ser lugares de educação crítica, “ecossistemas comunicativos”,
segundo conceito de Soares (2011, p.44).
Buscando compreender e apreender as sobreposições inegáveis entre educação
e comunicação, a Divulgação Científica surge como possibilidade educomunicativa,
tentando dar conta das demandas colocadas anteriormente. Sobre tal necessidade, Citelli
(2011) afirma:
A questão central, quando se busca alcançar políticas emancipatórias e de vida – ambas
vinculadas e interdependentes, no compósito de construção identitária e autorrealização - ,
tendo em mira o amplo quadro educativo em suas interfaces com a comunicação […] está
em atualizar as relações entre sujeitos/agentes professores e alunos, atentando para as mediações
patrocinadas pelas múltiplas circunstâncias comunicacionais que os circundam. (Citelli,
2011, p.75)
Tentar estabelecer, portanto, uma textura dialógica entre o símbolo e a constituição
da subjetividade é o que se propõe a fazer o jornal online Biosferas, apresentado e
contextualizado no capítulo seguinte.
DIVULGANDO CIÊNCIA – RELATANDO EXPERIÊNCIA
As produções do Biosferas em 2014 tiveram um diferencial, se comparadas às
anteriores: o diálogo do Ensino Superior com a Educação Básica. Além de ter sido
usado como material didático de leitura em sala de aula e facilitador pedagógico para
o professor de Ensino Médio, o jornal viabilizou a produção de textos de divulgação
científica através da ótica adolescente, estimulada pela leitura do Biosferas.
A partir da primeira reunião de pauta do jornal na UNESP-Rio Claro (2014),
começaram as discussões sobre possibilidades de troca entre a graduação e o ensino
médio. Cogitou-se visitação à uma escola particular do município de Engenheiro Coelho,
no estado de São Paulo, a fim de que o jornal fosse apresentado a seus discentes como
um caminho de inteiração social e divulgação de saberes. A proposta se fundamentaria
na coautoria desses alunos nessa mídia e, em caso de aceite da escola indicada, todos os
textos seriam avaliados pela comissão editorial do Biosferas mediante critérios técnicos
de adequação de linguagem e conteúdo.
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Divulgação Científica: uma ação educomunicativa entre ciência e sociedade?
Stella de Mello Silva • Márcia Reami Pechula
Como resultado dos primeiros contatos entre Universidade e Ensino Médio, alunos
de 17 e 18 anos (2ºs e 3ºs anos do E.M.) produziram textos que versavam sobre Biologia e
Física, a partir dos recortes que mais lhe interessavam em sala de aula. Como exemplo,
seguem os últimos parágrafos dos artigos selecionados para a Edição Especial de 2014:
Portanto, não existe milagre para se alcançar uma boa forma física com saúde: decisão,
persistência e paciência. #partiu #corposaudável (Aluna A)
Então, você, antes de dizer que minha irmã e eu somos “clones” um do outro, lembre-se:
Não é clonagem. É mais do que genética... É brotheragem! (Aluno B)
Nunca se deve deixar a vida em segundo plano! Um momento de descuido pode custar a
vida de alguém e, por isso, a informação e a prevenção são a alma do negócio! (Aluna C)
Quando o embrião é fecundado, ele é implantado no útero da mulher. Mas, dependendo da
idade da mulher, mais de um embrião é implantado, por isso muitas mulheres que passam
pelo procedimento acabam gestando gêmeos, trigêmeos etc. (Aluno D)
O que se repara de inovador nos textos dos alunos-autores da escola parceira
tangencia questões da ordem da gramática de uso e da do deslizamento de discursos:
a)o uso de hashtags no corpo do texto (#partiu #corposaudável);
b)o neologismo a partir do anglicismo na concepção das ideias (“brotheragem”);
c) a paráfrase na resignificação do discurso (“a informação e a prevenção são a alma
do negócio”);
d)a reiteração de termos na confirmação de um processo (“embrião”, “mulher”).
Notadamente se vê a “marcação de território” do adolescente, tanto por meio de
seus registros linguísticos quanto do sentido que dá à escolha dos temas: saúde/regime;
clonagem; acidentes domésticos; fecundação. Tais marcadores, ao mesmo tempo em
que contrapõem, igualmente complementam a multidiversidade do jornal quando
comparados aos textos de professores e jornalistas, também coautores do Biosferas. Destes
últimos, alguns exemplos seguem abaixo:
Colaborar para uma mudança de atitude desses futuros cientistas e engenheiros em relação
à mídia exige um movimento por parte de outras universidades e instituições do país de
oferecimento de disciplinas semelhantes, bem como cursos voltados para cientistas, técnicos e interessados atuantes na pesquisa brasileira. Com uma geração de cientistas mais
consciente sobre seu papel no diálogo e transferência do conhecimento com a sociedade,
todos têm a ganhar com a melhoria da qualidade da divulgação científica. (Pesquisadora e
professora no Ensino Superior)
Assim, ainda que a sensação final seja a de que “há muito o que fazer”, é preciso reconhecer
que em termos de tecnologia e inovação o país tem avançado muito e sua projeção internacional nesta área é motivo de orgulho e compromisso em divulgar que há pesquisadores
muito qualificados desenvolvendo sérias e importantes pesquisas para o mundo! Estamos
na era digital e cada vez mais conectados com o futuro! (Professor de Biologia no Ensino Médio)
O que quis exemplificar com este relato é que o processo de “ministrar aulas” é parecido,
a meu ver, com o de “fazer ciência” em laboratório: tanto professor quanto cientista precisam dar/criar condições à informação científica de poder se tornar útil ao beneficiário da
“descoberta” (seja ela feita em laboratório ou em sala de aula). A partir da apropriação e do
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Divulgação Científica: uma ação educomunicativa entre ciência e sociedade?
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entendimento do conceito científico, o receptor da informação passa a opinar sobre temas
que envolvam a ciência do cotidiano. (Professor de Física no Ensino Médio)
Enfim, a ferida está aberta. E sangra. Antes de serem benéficos, os TDC parecem mais um
corpo estranho no organismo estudantil, infeccionando mais do que restabelecendo... Fica
o convite a professores, alunos e pesquisadores de todos os níveis para pesquisas-ação que
proponham intervenções mais dialógicas na Educação Básica quanto ao ensino de ciências.
Os resultados do IDEB estão aí como sintomas. Lamentá-los não seria a cura. (Professora e
pesquisadora no Ensino Superior)
Já nestes registros (igualmente retirados dos parágrafos finais dos textos dos autoresespecialistas) observa-se que:
a) os períodos sintáticos são complexos e há um apego maior ao registro formal;
b) há presença recorrente de elementos de coesão lexical;
c) a preocupação com questões sociais relacionadas à questões educacionais é
marcante;
d) o IDEB como fator delimitador do contexto educacional no Brasil é algo que
preocupa docentes e pesquisadores.
Estabelecendo um comparativo entre as produções textuais de alunos e professores,
é interessante perceber que a despeito do registro linguístico diferenciado, a
intencionalidade comunicativa de ambos os sujeitos é muito semelhante; há uma vontade
de contribuir para a melhoria do social, do estilo de vida, do conhecimento, do “ser e
estar no mundo”. Esta necessidade de produzir e comunicar informação relevante apenas
reitera o que Kaplún disse em 1998:
[…] quando se aspira a uma sociedade global humanizante, não avassalada pelo mercado,
pela competitividade e pela homogeneização cultural, e sim edificada sobre o diálogo, a
cooperação solidária e a reafirmação das identidades culturais, o desenvolvimento da competência comunicativa dos sujeitos atuantes aparece como fator altamente necessário, e em
torno do qual gravitam outros aspectos; como acontece, alias, com a participação política
e social. (Kaplún, 1999, p.75)
E aqui se entrelaçam a educomunicação com a divulgação científica: comprometemse com uma convivência saudável entre escola e informação, professores e alunos,
especialistas e leigos, currículo e vida.
DIVULGANDO (CONS)CIÊNCIA?
Um jornal online de cunho científico e utilitário; uma linguagem acessível; uma
significação ao conteúdo escolar; uma divulgação maciça de informação; um ambiente
democrático de participação: o que mais pode se esperar de uma ação educomunicativa
de sucesso?; é possível compreender que a Divulgação Científica seja uma ação educomunicativa entre ciência e sociedade?
A resposta talvez venha do contraponto entre os propósitos da DC, de acordo com
Albagli (1996) – educacional, cívico e de mobilização popular – e da Educomunicação
que, segundo Soares (2011), são:
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• Dialogar com o poder público – e mesmo com a iniciativa privada que atua no campo
– sobre a necessidade e viabilidade de aplicar as propostas inovadoras da abordagem educomunicativa ao contexto pragmático […];
• Promover a formação de educomunicadores;
• Fortalecer o Ensino Médio Integrado – […] garantir que a educomunicação possa efetivamente contribuir para a construção de novas práticas pedagógicas, com maior interconexão
entre áreas, docents e projetos didáticos. (Soares, 2011, p.83)
A partir destas costuras, conclui-se que o projeto Biosferas, dentro de seu escopo,
corresponde aos anseios educativos e cívicos do pensamento educomunicativo; porém,
ainda se faz necessário um trabalho especificamente destinado à “mobilização popular”, ao “dialogar com o poder público”, ao “sair do papel/da rede”, e “ir pras ruas”. Se
isso não tem aconteceido, é provável existir algum fator bloqueador entre o descobrir da
ciência e sua mobilização popular.
Talvez ambas as instituições – educação e ciência – estejam competindo pelo domínio
do poder-saber em lugar de compartilharem o conhecimento para a necessária reflexão
dos múltiplos conteúdos que são disponibilizados por uma e por outra.
Aqui caberiam as indagações lidas na apresentação da obra de Agamben (2009),
quando propõem uma tentativa revolucionária de “profanação”:
Como, nos nossos dias, (...) parar a máquina governamental em que parece ter se transformado toda a política, e ter acesso a uma nova política, uma política da amizade, calcada
numa outra experiência do tempo e capaz de nos expor às exigências de compartilhamento
da existência das quais não podemos nos esquivar. (Agamben, 2009, p.11)
Quem sabe, a partir dos levantamentos desta pesquisa, as ações educomunicativas
possam oferecer caminhos para estas questões, reiterando, inclusive, o pensamento de
Rancière (2010, p.11): “Quem estabelece a igualdade como objetivo a ser atingido, a partir
da situação de desigualdade, de fato a posterga até o infinito. A igualdade não vem após,
como resultado a ser conseguido; mas, sim, deve ser entendida como pressuposto de
seus participantes e projetos, principalmente nos sócio-políticos.
REFERÊNCIAS
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Honesko. Chapecó: Argos.
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São Paulo: CCA-USP-Moderna, 14, 68-75.jan./abr.
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Lílian do Valle – 3.ed. – Belo Horizonte: Autêntica.
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seus professores. Contato, Brasília: Senado Federal, n.2.
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Concursos infantis de beleza:
uma forma de se projetar profissionalmente
Children’s beauty pageants:
a way to project oneself professionally
A n t o n i o J o r g e F e r r e i r a K n u pp 1
Resumo: Na contemporaneidade, os concursos infantis de beleza vêm se difundindo por diversos países do mundo, inclusive o Brasil. Pais e mães que desejam
projetar os filhos, especialmente as meninas, como modelos, atrizes, apresentadoras de programas infantis etc., vêem esses eventos como uma forma de alcançar tais objetivos. Este trabalho busca investigar como a cultura dos concursos
infantis de beleza vai modelando pensamento e comportamento das aspirantes
a miss, bem como problematizar como a competição, a vitória e a exposição
da imagem tem sido acionada dentro de tais eventos, levando a um consumo
exagerado e valorização excessiva da beleza, pregando a cultura da magreza
e da espetacularização. Para isso, optou-se em analisar três concursos infantis
de beleza: regional, estadual e nacional respectivamente. A pesquisa situa-se
no campo dos Estudos Culturais e dos Estudos de inspiração Etnográfica Pós-Moderna. Foram feitos diários de campo (fontes de informações enriquecedoras no que diz respeito às transformações ocorridas nas sociedades ocidentais
atuais). Além disso, outros artefatos (jornais, revistas, programas de televisão
e sites) que circulam em múltiplas instâncias da cultura foram articulados a
esses diários. Também foram consideradas discussões sobre beleza, mídia e
espetáculo.
Palavras-Chave: Infância. Concursos Infantis de Beleza. Consumo. Espetáculo.
Gênero.
Abstract: Children’s beauty pageants have spread through several countries,
including Brazil. Parents who wish to project their children, especially girls, as
models, actresses and presenters of children’s programs, see these events as a
way to achieve these goals. This paper aims to investigate how the culture of
children’s beauty pageants has been modeling the thoughts and behavior of
aspiring misses, as well as discuss how competition, victory and image exposure have been incorporated into such events, leading to over-consumption
and excessive appreciation of beauty, stimulating the culture of thinness and
show business. Three children’s beauty pageants: regional, state and national,
respectively, were chosen to be examined in this paper.
The research is situated in the field of Cultural Studies and Postmodern
1. Professor do curso Superior de Tecnologia em Estética e Cosmética da Universidade Luterana do Brasil
(ULBRA) e Mestrando em Educação da referida universidade. E-mail: [email protected]
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Concursos infantis de beleza: uma forma de se projetar profissionalmente
Antonio Jorge Ferreira Knupp
Ethnographic Studies. Field diaries were filled since they are source of enriching
information regarding the changes in today’s Western societies. In addition,
newspapers, magazines, television programs and websites were linked to these
diaries. Beauty, media and entertainment discussions were also considered.
Keywords: Childhood. Children’s Beauty Pageants. Consumption. Show Business. Gender.
INTRODUÇÃO
TÍTULO DESSE artigo funciona como uma provocação para pensar sobre algumas
O
estratégias perversas adotadas pelos pais e mães para projetarem suas filhas, com
idade entre 1 e 12 anos, em carreiras profissionais de modelos, atrizes, apresentadoras de programas televisivos etc. Busquei investigar como a cultura dos certames
infantis de beleza modela pensamento e comportamento das pequenas misses. Além
de problematizar como a competição, a vitória e a exposição da imagem têm contribuído para a valorização excessiva da beleza infantil feminina e práticas exageradas
e descontroladas de consumo. Para isso, analisei concursos infantis de beleza locais,
estaduais e nacionais a partir da perspectiva teórica dos Estudos Culturais2 e de estudos
de inspiração etnográfica3.
A BELEZA CONTEMPORÂNEA
Segundo Vigarello (2006) o padrão de beleza do século XX, valorizava a altura, o
bronzeamento, privilegiando um corpo magro, musculoso e que se movimentava com
leveza. Ainda de acordo com esse autor a criação, na década de 1930, do cinema colorido
impulsionou “uma fábrica de belezas” com o surgimento de linhas próprias de produtos
que carregam o nome das “estrelas” ou dos profissionais que as produzem (Max Factor
e Helena Rubinstein, por exemplo). Valendo-se do cinema, a beleza se metamorfoseou
nesse século: “maquiagem, penteado, roupa aproximavam bruscamente a jovem banal
da estrela de cinema” (VIGARELLO, 2006, p. 163).
Em pleno século XXI, a beleza do século XX permanece, mas vem acrescida de
diversas outras exigências. Essa beleza contemporânea apresenta-se diante de nós como
uma obrigação de fazermos investimentos para “atingir o inatingível”. Investimos em
maquiagens; em produtos para os cabelos; em bronzeamentos artificiais; em cremes
para rejuvenescer a pele e/ou retardar o envelhecimento; em práticas para (re)modelar
os corpos (lipoescultura, massagem modeladora, musculação, natação, caminhada
etc.); em alimentos diets, lights, cápsulas da beleza etc.; em cursos de especialização
2. Adota-se neste artigo a constituição dos Estudos Culturais em Educação como uma “ressignificação e/
ou uma forma de abordagem do campo pedagógico em que questões como cultura, identidade, discurso
e representação passam a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da cena pedagógica” (COSTA,
SILVEIRA e SOMMER, 2003, p. 54).
3. Segundo Winkin (1998, p. 132) a etnografia hoje é ao mesmo tempo uma arte e uma disciplina científica,
que consiste em primeiro lugar em saber ver. É em seguida uma disciplina que exige saber estar com, com
outros e consigo mesmo, quando você se encontra perante outras pessoas. Enfim, é uma arte que exige que
se saiba retraduzir para um público terceiro (terceiro em relação àquele que você estudou) e, portanto que se
saiba escrever. Arte de ver, arte de ser, arte de escrever. São estas três competências que a etnografia convoca.
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Concursos infantis de beleza: uma forma de se projetar profissionalmente
Antonio Jorge Ferreira Knupp
(além dos referidos cito mais alguns: a nutrição, a educação física, a medicina estética,
a biomedicina) para podermos executar tais procedimentos.
Na próxima seção faço uma breve contextualização das competições infantis de
beleza.
CONCURSOS INFANTIS DE BELEZA
Neste momento é importante informar que os primeiros certames infantis de beleza
surgiram na década de 1960 nos Estados Unidos e na Inglaterra e tiveram inspiração
nos certames adultos. No Brasil, os registros de concursos de beleza, categoria adulta,
datam de 1900, quando a jovem Violeta Lima Castro conquistou o primeiro título de
Miss Brasil. Nesta época, os espetáculos não tinham uma continuidade e as vencedoras
não viajavam para disputar títulos no exterior conforme acontece hoje, até mesmo porque estes eventos não existiam. Já os certames infantis de beleza no Brasil têm origem
borrada, pois em conversa com alguns promotores e organizadores dessas competições,
obtive respostas divergentes. Mas, de acordo com as reportagens de alguns jornais,
os certames surgiram no final da década de 1970 e se expandiram com muita rapidez
tornando-se uma “febre”. Muito provavelmente, esta multiplicação se deve ao incrível
retorno financeiro que geram:
[...] concursos de beleza infantis têm produzido uma série de indústrias de apoio, incluídos
os estilistas, os consultores de preparação, os treinadores para entrevista, os fotógrafos e os
editores, isso sem mencionar as outras indústrias de “ajuda” de beleza, tais como cosméticos,
redução de peso. [...] Em alguns casos, os pais investem muito dinheiro em maquiadores,
cabeleireiros e treinadores para ensinar as crianças determinados estilos de modelagem e
desfiles na passarela (GIROUX, 1998, p. 43).
É importante mencionar que existem, na atualidade, pelos menos quatro eventos com
o nome Miss Brasil Infantil. Segundo reportagens em jornais e revistas sobre o tema, isso
acontece porque nenhum evento pode registrar o nome do país para obter exclusividade.
Assim com o escopo de ganhar dinheiro, os promotores criam diversos concursos com
o mesmo nome. No Brasil, por exemplo, tanto uma empresa quanto uma pessoa física
podem realizar um concurso de beleza, sendo o único requisito ter interesse nesse tipo
de evento. Não existem leis que determinam como os certames devem ser administrados
e as regras são criadas de acordo com os interesses de cada promotor.
UM CERTO TIPO DE SER MENINA NA CONTEMPORANEIDADE
Na atualidade as transformações sociais, políticas e econômicas inventam diversas
possibilidades de viver a infância, ou seja, tem-se a infância midiática, a erotizada,
a digital, a adultizada etc. Todos esses tipos de ser criança são construções sociais
presente no meio cultural em que elas estão inseridas. Dentro dessa lógica, as infâncias
contemporâneas, entendidas nesse artigo são como um artefato social e histórico, e
não simplesmente como uma entidade biológica (STEINBERG e KINCHELOE, 2004).
Na Idade Média, por exemplo, não havia diferença entre crianças e adultos, ou
seja, elas participavam diretamente do mundo deles, pois não havia ainda o discurso
de que as crianças precisavam de um tratamento diferenciado. Já na modernidade as
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Concursos infantis de beleza: uma forma de se projetar profissionalmente
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crianças eram tidas com seres ingênuos e dependentes dos adultos. Nesse período,
professores, psicólogos, pais e a sociedade em sua amplitude consideravam os estágios de
desenvolvimento biológico da criança como fixos e imutáveis (FELIPE e GUIZZO, 2003).
Pensando nos concursos infantis de beleza, as meninas, em especial, estão cuidando
de seus corpos, se embelezando de forma sensual e muitas vezes erotizadas, enfim,
tornado-se meninas-mulher. A preocupação com a produção corporal dessas meninas
começa muito cedo com hidratação, bronzeamento, depilação de sobrancelha, buço,
pernas, alisamentos dos cabelos, massagem, escovas, próteses e clareamentos dentários,
maquiagens, cílios artificiais, unhas postiças e pintadas, seios e bumbuns postiços. Todos
esses recursos estéticos, antes inimagináveis, são oriundos das representações de beleza
que emergem na contemporaneidade. Para Beck e Guizzo (2014):
É característica cultural e social (...) fortes e maciços investimentos nos corpos com o intuito
de constituí-los dentro de padrões que reforçam sinônimos de moda e embelezamento,
veiculados pelas instâncias sociais e culturais (p.180).
Na sociedade contemporânea os certames infantis de beleza4 reforçam, especialmente
nas meninas, a importância de esconder, atenuar, disfarçar marcas, pintas e cicatrizes
corporais, mesmo aquelas que, de modo geral, consideramos “simples”. Em prol da
beleza, por exemplo, mesmo que se tenha uma cabeleira sem sinais de envelhecimento
(quase impossível na infância) e farta, se aconselha colocar uma extensão, pois a miss
vale-se de uma produção excessiva para atingir a beleza. Tais práticas vão reforçando,
nessas meninas, que é preciso investir em embelezamento para se atingir os padrões de
beleza “produzidos na esteira da cultura e do social” (BECK e GUIZZO, 2014, p. 181) e
“que os investimentos e [essas] práticas são empreendidos não somente para se aceitarem,
mas – principalmente – para serem aceitos aos olhos de quem as vê” (BECK e GUIZZO,
2014, p. 181). Nessas competições busca-se investir na aparência do corpo, em produções
estéticas e práticas corporais atravessadas pelo consumo e pela espetacularização que
conduzem a um borramento de fronteiras entre a infância e a fase adulta.
Percebo que na cultura dos certames infantis de beleza são construídas e
disseminadas várias formas de comportamentos, de atitudes, de desejos de conquistas
que são celebrados como valores dominantes. Desta forma, mães, candidatas, familiares,
patrocinadores etc. são capturados por determinadas ideias de competição e vitória e,
portanto, capazes de se sujeitarem a determinadas práticas (cílios e unhas postiças,
apliques de cabelos, coloração e mechas nas madeixas, bronzeamento artificial, tom de
voz adequado, sorriso e gestos programados etc.) impostas dentro de tais eventos. Esse
conjunto de coisas (muitas consideradas recentes) está adentrando dentro do universo
da beleza, capturando a menina-mulher que faz carreira dentro da beleza a partir do
instante em que há uma visualização espetacularizada de sua imagem. Tais práticas
vão compondo uma série de “lições” cujo aprendizado seria obrigatório e necessário
para se tornar uma pequena miss.
4. Julgo importante ressaltar nesse momento que outros concursos de beleza, além do de miss, também se
valem de tais práticas, mas percebo que níveis bem menores. Já ouvi de promotores e diretores de eventos
de beleza a afirmação de que “uma miss é montada” e “miss funciona no truque”.
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Segundo assertivas de Costa (2009, p. 36), “as crianças de hoje nascem dentro da
cultura consumista e crescem modelando-se segundo seus padrões e suas normas”. Nesse
sentido, as aspirantes a miss infantil, e, talvez suas mães e seus pais, são interpelados/
as pela sociedade do consumo e do espetáculo, ambicionando serem “famosas”,
“comentadas”, “desejadas”, “vitrines”. Além disso, desejam ser filmadas fotografadas,
vistas e admiradas.
ALGUNS ENSINAMENTOS DOS CONCURSOS INFANTIS
Nas competições infantis a busca por uma beleza inalcançável é constante e
permanente, sendo preciso investir em produções, em treinos de passarela, de postura
e de comunicação (não só em saber se expressar bem, mas saber o que pode e o que não
se pode falar). Todas essas condutas vão servir para demonstrar que a beleza nesse tipo
de competição “precisa ser paga” (GIROUX, 1998, p. 13) e com grandes investimentos
financeiros. Em um dos concursos que eu observei, a mãe da vencedora investiu
aproximadamente 20 mil reais para desbancar as demais concorrentes na disputa
estadual. Entre os gastos estavam à contratação de cabeleireiro, maquiador, estilista,
dentista, acompanhante para o show de talento, treinador para entrevista, professor de
dança. Além de investimentos em roupas, calçados, acessórios, brindes para jurados,
despesas com deslocamento, alimentação, hospedagem, aluguel de ônibus para torcida,
valor de inscrição etc. Essas práticas elaboradas para o universo da preocupação com
a beleza vão subjetivando essas pequenas meninas e inventado novos modos de ser/
estar/viver a infância. Trago dois excerto de um dos concursos que observei para pensar
sobre essas práticas de subjetivação:
‘Só em sapatos eu gastei aproximadamente dois mil reais. Não existe numeração dessas coisas
(sapatos) para crianças pequenas. Eu tiver que mandar fazer seis pares para o evento: uma bota azul
marinho escura para usar com vestido de mesma cor, outra bota azul claro para usar com vestido
claro, mais uma bota para o traje típico, uma sandália de salto alto na cor prata para desfilar com o
vestido de gala, um sapato preto básico, outro vermelho para usar com a roupa de couro vermelha.
Além disso, mandei fazer também boinas, bolsas e cintos para combinar com diversas roupas. As
boinas eu mandei fazer, pois são acessórios a mais que o cabeleireiro dela gosta de usar nos penteados’.
Relato informal da mãe da vencedora infantil
Minha filha tem 4 anos, mas não sai de casa sem maquiagem e não gosta de andar sem
salto alto.
Relato informal da mãe de uma aspirante a miss infantil
Nessas competições a miss ou aspirante a miss coleciona guarda-roupas de vestidos,
sapatos, trajes típicos, trajes para apresentações de “talentos”, trajes para desfile gala
etc. Estes a partir do momento em que são adquiridos já começam a perder o brilho
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e novos desejos por objetos inéditos surgem de forma inextinguível. A curta duração
dos produtos usados por uma miss nada mais é do que estratégia de marketing e sede
de lucros que movimentam o concurso visto como uma forma de se obter retornos
financeiros. A apoteose das novas ofertas do agora e a difamação das antigas [referindose aos produtos usados pela pequena miss ontem e/ou que ela estar usando nesse
instante] faz “a maioria das coisas perder seu brilho e sua atração com rapidez (...)”
(BAUMAN, 2008, p. 31 e 45).
A menina que já ostenta títulos de beleza acaba sempre sendo convidada a fazer shows
de talento, apresentação de dança, desfilar em aberturas ou intervalos de competições
para exibir a coroa/tiara, a faixa conquistada etc. Essa pequena miss que vai aos eventos,
abrilhantar e espetacularizar, se torna um corpo performance. Dela se exige competências
e habilidades, destrezas, atitudes, capacidade de relacionamento, dinamismo, liderança
etc. permanentes que vão agregando valor no mercado competitivo da cultura dos
certames. Trago um excerto de um concurso estadual que trata dessas exigências:
As meninas entravam na sala do júri sozinhas, sentavam em uma cadeira e os
jurados faziam perguntas. Percebi que as meninas pareciam “treinadas”, dando
respostas previsíveis e ensaiadas.
Concurso estadual
Nesse momento ela se transforma em trabalhadora infantil. Dela se exige e se
cobra responsabilidade, preparação, prestação de serviço para o promotor do evento
(declamar uma poesia, dançar ou cantar etc.). Ela se torna um produto, sempre buscando
aperfeiçoamento e investimentos em si mesma para ser uma mercadoria vendável,
desejável e competitiva (MACHADO, 2013). A realização desse tipo de trabalho funciona
como o “abrir das portas” para essas crianças se projetarem no mercado de trabalho
remunerado seja como modelo, atriz, apresentadora de programa infantil etc. Essas
meninas passam por diversas seções de fotos, assim como as modelos profissionais que
fazem campanhas publicitárias; participam de entrevistas para avaliar desenvoltura,
habilidades, competências, disponibilidades para se dedicar ao título caso seja a
vencedora (igual a um adulto que é submetido a uma entrevista de emprego); desfilam
como profissionais, entre tantas outras práticas.
Segundo a reportagem “Miniatura de Miss”, da revista Veja (edição online de vinte
e oito de maio de 2014), a vencedora do Mini Miss Brasil 2014, Lívia Monteiro, de oito
anos de idade, recebeu a faixa e a coroa aos prantos e comentou: “Estou muito feliz, acho
que vai ser bom para minha carreira”. Certamente que isso ocorreu, pois dias depois de ser
anunciada com a menina mais bela do país ela viajou para São Paulo e para o Rio de
Janeiro acompanhada pelos assessores (empresários que gerenciam sua carreira) para
fechar contratos de imagens.
Sim! Projeção profissional antes dos 12 anos de idade! Em diversas reportagens
(jornais, programas de televisão e revistas) feitas com a pequena miss ela afirmou que na
primeira semana após o concurso ela recebeu mais de duas mil solicitações de amizade
no Facebook. O mesmo já havia acontecido com a Miss Brasil Infantil 2008 Natália do
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Amaral Stangherlin, duas vezes Little Miss World (2008 e 2009)5. As meninas participantes
de tais eventos são inseridas no mundo da publicidade e da moda “desde sempre” e
acabam tendo suas imagens comodificadas, mercantilizadas e consumidas.
Os certames vão ensinando as meninas que para se obter sucesso na vida e se tornar
ganhadoras é preciso cuidar do corpo (serem e permanecerem magras) e investir em
práticas de embelezamento. Essa preocupação com o corpo de acordo com Felipe (2014)
tem acontecido desde muito cedo, pois a mídia tem representado os corpos infantis
gordos como resultados de descontrole e indisciplina. Nesse sentido, “o corpo feminino
parece estar sempre colocado para devendo ‘arrasar a exibição, em qualquer lugar’”
(FELIPE, 2014, p. 37).
As pedagogias dos concursos infantis têm ensinado as meninas que para elas
obterem sucesso, serem valorizadas e admiradas, precisam estar dentro de padrões de
beleza estipulados e ainda consumindo produtos para fazer girar o mercado.
E para finalizar esse recorte da minha dissertação, retomo a palavra perversa
que inicie esse artigo, pois ela me levou a (re)pensar nas atitudes de pais e mães
que expõem as filhas que estão começando a dar os primeiros passos ou ainda
que nem sabem andar em competições de beleza. Essas meninas são apresentadas
em roupas provocativas, com caminhar e coreografias erotizadas, excessos de
maquiagens, penteados rebuscados, salto alto etc. ficando expostas diante de pessoas
desconhecidas, plateias barulhentas e comissões avaliadoras. Muitas meninas ficam
assustadas, choram, pedem para sair da passarela, mas são forçadas a permanecerem
para satisfazer os desejos de pais obcecados em transformá-las em personalidades
famosas. Esses pais são capazes de atitudes perversas, desumanas e muitas vezes
inimagináveis. A revista News de 17 de maio de 2011 apresentou uma reportagem na
qual a mãe confessa ter aplicado injeções de botox no rosto da criança de oito anos
para que ela pudesse se destacar em competições de beleza. Já a revista online The
mirror, de outubro de 2012, trouxe a imagem de uma menina de 1 ano e 3 meses (fig.
1) usando peruca loura comprida, unhas das mãos e dos pés pintadas, maquiagem
carregada e bronzeamento artificial.
Figura 1. Aloka-Romanine Liddle
5. Concurso realizado na cidade de Guayaquil (Equador) que recebe aspirantes a miss de todas as partes
do mundo.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1326
Comunicação, Consumo cultural e Educação:
as mediações e os mediadores nas práticas sociais
de jovens universitários de São Paulo
Communication, Cultural consumption and Education:
the mediations and agents in social practices of
young university students from São Paulo
D ay s e M a c i e l
de
A r aujo 1
M a r c i a P e r e n c i n To n d a t o 2
Resumo: O objetivo deste artigo é compreender como os jovens conseguem
ter foco para agir e tomar decisões na sociedade contemporânea, na qual os
sujeitos podem acessar informações convergentes e divergentes, com velocidade,
e em diferentes contextos de Comunicação e Educação. Buscou-se identificar a
produção de sentidos de diferentes fontes de informação, para os entrevistados,
na escolha de sua carreira e construção do seu futuro. Como hipótese partiu-se
da reflexão de Daniel Goleman: “num momento em que a tecnologia e o excesso
de informação geram distrações a cada minuto criou-se um geração sem foco,
com dificuldade de desenvolver a capacidade de concentração.” O método de
“entrevista individual focalizada” tomou por base os apontamentos de Lopes,
Bauer & Gaskell, Haguette e Tondato. Os discursos foram analisados segundo
os fundamentos teóricos da Análise de Discurso de linha Francesa (Orlandi)
e conceitos da Sociologia sobre a sociedade contemporânea de Maffesolli,
Oliveira, Cortella e Sayão. A interface “Comunicação e Educação” embasou-se em
Baccega e Citelli. A investigação científica ancorou-se em modelos metodológicos
qualitativos aplicáveis aos estudos de recepção. Os resultados revelaram que os
universitários entrevistados - legítimos representantes da “tribo pós-moderna”
de Maffesolli - administram seus problemas com informações advindas do
mundo digital e material e em permanente interação com pares e familiares.
Palavras-Chave: Comunicação e Educação; Juventude contemporânea; Sociedade
da informação.
Abstract: The purpose of this paper is to understand how young people can
be focused to act and make decisions in contemporary society, in which people
can access convergent and divergent information with speed, and in different
contexts of Communication and Education. We tried to identify the production
of meanings of different sources of information for the respondents, in choosing
1. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior
de Propaganda e Marketing (São Paulo-SP), email [email protected].
2. Pós-Doutora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior
de Propaganda e Marketing (São Paulo-SP), email [email protected].
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1327
Comunicação, Consumo cultural e Educação: as mediações e os mediadores nas práticas sociais de jovens universitários de São Paulo
Dayse Maciel de Araujo • Marcia Perencin Tondato
their career and build their future. As a hypothesis, starting point was the
reflection of Daniel Goleman: at a time when technology and information
overload generate distractions every minute, has been created a generation
without focus, hard to develop the ability to concentrate. The chosen method
was an individual interview based on the authors Lopes, Bauer & Gaskell,
Haguette and Tondato. The answers were analyzed according to the theoretical
foundations of the French Discourse Analysis (Orlandi). Concepts of Sociology
on contemporary society included the authors Maffesolli, Oliveira, Cortella and
Sayão. The interface “Communication and Education” is based in the authors
Baccega and Citelli. Scientific research anchored on qualitative methodological
models applied to audience studies. The results revealed that students legitimated representatives of the “postmodern tribe” of Maffesolli - manage
their problems with the information coming from digital and the material world
and in constant interaction with peers and family.
Keywords: Communication and Education; Contemporary youth; The
information society.
1. INTRODUÇÃO
TEMA DESTA investigação surgiu de uma reflexão sobre uma afirmação do psi-
O
cólogo norte-americano, Daniel Goleman (Revista Exame, 2013) o qual defende
que “num momento em que a tecnologia e o excesso de informação geram distrações a cada minuto criou-se um geração sem foco, com dificuldade de desenvolver
a capacidade de concentração.”
Através da técnica de entrevista focalizada buscou-se identificar a produção de
sentidos de diferentes fontes de informação para jovens universitários de São Paulo
(abril/maio 2014) na escolha de sua carreira e construção do seu futuro.
O problema de pesquisa prendia-se à seguinte pergunta: como os jovens conseguem
ter foco para agir e tomar decisões na sociedade contemporânea, na qual os sujeitos
podem acessar informações convergentes e divergentes, com velocidade, e em diferentes
contextos de comunicação?
Ao final das análises verificou-se que os jovens utilizam simultaneamente fontes
físicas (anotações manuais, livros, revistas) e digitais (internet) para buscar informações.
Em paralelo, ouvem e respeitam as instituições tradicionais como a escola e a família,
além de interagir com pessoas de sua confiança (amigos, profissionais especializados).
Dessa maneira filtram, hierarquizam as informações e mantém o foco para tomar
decisões − no âmbito pessoal e profissional − com o intuito de construir um futuro
seguro e prazeroso.
1.1. PRINCÍPIOS DE ESCOLHA DA ABORDAGEM DO OBJETO DE PESQUISA
Metodologia quantitativa e qualitativa
No âmbito dos processos de recepção e contextos socioculturais articulados ao
consumo, a pesquisadora Dra. Marcia Perencin Tondato esclarece que “diferentes tipos
de informação sobre o homem e a sociedade são coletados em maior profundidade e de
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Dayse Maciel de Araujo • Marcia Perencin Tondato
forma mais econômica de maneiras diferentes, e é o problema sob investigação que dita
o método de investigação” (Tondato, 2014). Para Tondato, a maioria dos investigadores
sociais reconhece que não existe uma oposição entre o qualitativo e o quantitativo, mas
uma complementaridade.
O processo de pesquisa no campo da Comunicação
Com relação à pesquisa científica no campo da Comunicação, a pesquisadora Maria
Immacolata Vassalo de Lopes considera que “a historicidade é um a priori essencial para
se compreender e avaliar a situação da pesquisa em determinado lugar” (Lopes, 2005,
p.15). A socióloga aponta como ponto de partida de uma pesquisa em Comunicação a
identificação do paradigma científico que fornece como que um “reservatório disponível”
das possibilidades teóricas, metodológicas e técnicas num dado momento de uma
situação social determinada (2005, p. 95).
Metodologia qualitativa: o objeto da pesquisa
Haguette (1999) defende que a pesquisa qualitativa não é apenas uma alternativa
aos métodos quantitativos. Aquelas permitem a compreensão profunda de ações sociais
nas quais se privilegia conhecer seus aspectos subjetivos: “os métodos qualitativos
enfatizam as especificidades de um fenômeno em termos de suas origens e de sua razão
de ser” (Haguette, 1999, p. 63).
Ao optar pelo método qualitativo e coleta de dados através de entrevista, o
pesquisador poderá originar vieses na construção de seu roteiro tanto pela forma
(palavras, expressões, uso ou apresentação pessoal muito diferente da situação social do
entrevistado, entre outros) como pela seleção dos pontos a serem abordados. Os fatores
subjetivos que podem causar distorções em entrevistas incluem desde o nervosismo do
informante perante o entrevistador até o fato de, eventualmente, se sentir subjugado
pelo entrevistador.
Metodologia qualitativa: a entrevista em profundidade
Sanchez-Vilela (2004) também aponta que os sentidos produzidos na recepção
e circulação são tecidos na oralidade cotidiana. Alertando para as limitações desta
metodologia (interferência não intencional do investigador que supostamente pode
alterar as respostas dos sujeitos observados) refletiu sobre a fase de análises dos dados
coletados. Para autora, em todos os fenômenos sociais observáveis há opacidades a serem
analisadas pelos conceitos da Análise de Discurso. As “descrições densas”, advindas
de trabalho empírico pela técnica de entrevista em profundidade, irão complementar e
melhorar a compreensão do processo de recepção.
Metodologia qualitativa: a construção do corpus
Bauer e Aarts (2002) apresentaram a ideia de “construção do corpus”, a partir
da linguística, como um substituto, em pesquisas qualitativas, para a amostragem
representativa: uma coleção finita de materiais, determinada de antemão pelo analista,
com a inevitável arbitrariedade conforme já apontada por Barthes em 1967. Os autores
indicam que um caminho da investigação é a abordagem específica projetada para
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uma finalidade de pesquisa estritamente delimitada. Salientam que tal corpora deve ser
composto de materiais relevantes, homogêneos e sincrônicos no período de tempo. No
presente estudo optou-se por este caminho.
Metodologia qualitativa: a técnica de entrevista individual
Gaskell alerta que “o mundo social não é um dado natural, sem problemas: ele é
ativamente construído por pessoas em suas vidas cotidianas, mas não sob condições que
elas mesmas estabeleceram” (Gaskell, 2002, p. 65). Desta forma, parte-se do pressuposto
que a compreensão da vida dos entrevistados é o objetivo principal de uma pesquisa
qualitativa. Através de entrevistas individuais, se houver uma boa interação entre
entrevistado e entrevistador pode-se explorar os detalhes, ouvir sua história de vida,
resgatar a memória, porém se houver constrangimento o objetivo não será atingido.
O pesquisador aconselha que dados devam ser coletados até observar o ponto de
saturação.
Análise dos dados coletados: os fundamentos teóricos da ADF
O objetivo da Análise de Discurso, segundo Eni Orlandi (2007, 31-57), é descrever
o funcionamento do texto. Nesta ótica realizar a “leitura” de um texto passou a ser
conhecer a sua discursividade que leva em consideração a subjetividade do autor do
discurso, os elementos linguísticos utilizados e, principalmente, a história contextual
na qual o discurso foi produzido. Segundo Fiorin (2007), “o enunciador é o suporte da
ideologia, vale dizer, de discursos que constituem a matéria-prima com que elabora seu
discurso. Seu dizer é a reprodução inconsciente do dizer de seu grupo social. Não é livre
para dizer, mas coagido a dizer o que seu grupo diz” (Fiorin, 2007, p. 41-42).
Para interpretar as vozes dos estudantes que participaram da pesquisa empírica,
tomamos primeiramente como referência Baccega (1998), a qual considera que a ADF
é muito mais eficaz para as complexas pesquisas no campo da Comunicação: “lugar
para onde convergem os discursos sociais e de onde emergem os discursos outros
que, amplificados pela tecnologia, ocupam espaços e promovem silêncios” (Baccega,
1998, p. 81).
1.2. A INTERFACE DAS SUBJETIVIDADES DO ENTREVISTADOR E ENTREVISTADO
Subjetividades do sujeito autor, sujeito analista e do sujeito leitor
Apreendemos pela visão de Eni Orlandi que o papel do analista de discurso é
oferecer diferentes leituras de um texto a um sujeito leitor.
A pesquisadora explica que o gesto do analista é determinado pelo dispositivo
teórico enquanto o gesto do sujeito autor é determinado pela sua ideologia. E lembrando
que estão presentes nas interpretações as subjetividades, simultaneamente, do sujeito
autor, do sujeito analista e ainda do sujeito leitor.
Ao escrever, o analista deverá explicar a produção de sentidos que levaram à
sua proposta de leitura, relacionando a base teórica à metodologia utilizada. Orlandi
recomenda, enfaticamente, que a compreensão deve preceder a interpretação. E, através
da escrita, isto deve ficar claro ao leitor.
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1.3. O SUPORTE TEÓRICO PARA A ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS
A cultura contemporânea
De acordo com Don Slater (2002), a ideia de uma cultura contemporânea está
claramente ligada aos fatores: predomínio da informação, da mídia e dos signos;
desagregação da estrutura social em estilos de vida; prioridade geral do consumo sobre
a produção na vida cotidiana e constituição de identidades e interesses.
Slater (2002, p. 188) advoga, referindo-se ao slogan baudrillardiano, de “que já não
consumimos coisa, mas somente signos”. Em sua visão, no contexto atual, ocorre um
fenômeno no qual se desmaterializam objetos, mercadorias com reflexo na economia e
na sociedade como um todo. E indica pelo menos quatro processos sociais diferentes:
1. Os bens não materiais desempenham um papel cada vez maior na economia e no
consumo. Em termos gerais, há uma mudança notável no centro de gravidade econômica
das atividades manufatureiras para as de prestação de serviços.
2. As mercadorias materiais vêm sempre acompanhadas de um componente
simbólico abstrato como a “estética da mercadoria” que inclui design, embalagem e
imagens de propaganda.
3. Esse conjunto, materialidade + simbolismo, se espraia na mediação dos bens sob
a forma de representações nos produtos midiáticos.
4. O processo de produção está sendo cada vez mais governado por funções
intelectuais que envolvem saber, ciência e conhecimentos especializados.
Com uma visão mais otimista, o filósofo francês Michel Maffesoli acredita que
a pós-modernidade se caracteriza pela “sinergia” do arcaico e do desenvolvimento
tecnológico. Na contemporaneidade as “tribos pós-modernas” florescem justamente
graças à expansão da internet e da tecnologia. Maffesoli argumenta que se trata de um
paradoxo, pois “ao longo de todo o século XIX e de boa parte do século XX a técnica
se empregava, essencialmente, para racionalizar a vida social e eliminar tudo o que
pudesse ser da ordem do emocional, do afetivo e das paixões” (Mafesolli, em entrevista
concedida a Castelo, 2012).
A juventude do Século XXI
Na sociedade contemporânea, temos um fato novo, profundo e abrangente, o qual
afeta as pessoas de todas as gerações. A grande mudança é o aumento da expectativa
de vida. E a maior longevidade dos seres humanos resulta na convivência de diferentes
gerações.
Para analisar os dados coletados em nossa pesquisa, nos concentraremos na
observação dos valores das gerações dos pais e dos próprios entrevistados que se
encontram na faixa dos 17 aos 24 anos. Provavelmente seus pais encontram-se na faixa
dos 45 aos 55 anos. Assim, estamos falando das gerações conhecidas como Babyboomers e
X, dos pais, convivendo com a geração Y, dos filhos conforme Oliveira (2012) sintetizou,
no Quadro 1:
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Quadro 1. Classificação geracional
Nome
Nascidos nas décadas
Centro da geração
Características
Principal ansiedade
Belle Époque
1920 / 1930
75 anos
Idealistas
Sonhadores
Disciplina
Baby Boomers
1940 / 1950
60 anos
Estruturados
Construtores
Revolução
Geração X
1960 / 1970
45 anos
Céticos
Tolerantes
Facilidade
Geração Y
1980 / 1990
22 anos
Desestruturados
Contestadores
Inovações
Geração Z
2000 / 2010
10 anos
Conectados e
relacionais
Equilíbrio (?)
Fonte: Sidnei Oliveira, 2012.
Os Babyboomers questionaram as intolerâncias de todas as ordens − étnicas, poder
patriarcal, preferência sexual − e alteraram para sempre o papel da mulher. Como
consequência, a educação dos filhos passou a ser mais liberal.
Quando as pessoas das gerações Babyboomer e X tornaram-se pais procuraram
proporcionar aos filhos mais bens materiais, mais conforto, mais privacidade e
principalmente mais tempo de estudo. Vale lembrar que essa geração cresceu na era
da sociedade da informação, com a popularização da internet a partir de 1995. Porém,
ficou apenas mais fácil acessar os dados, não necessariamente compreendê-los.
De acordo com a “Classificação Brasileira de Ocupações” (Manual do Ministério
do Trabalho e Emprego) há, no mercado de trabalho brasileiro, 147 áreas profissionais,
com 2.511 diferentes ocupações. E a maior variedade, muitas vezes, provoca dispersão
e insegurança. Sobre este aspecto, a psicóloga Rosely Sayão afirma que existe hoje um
grande equívoco de pais e jovens: a tentativa de escolher a profissão perfeita. Para
Sayão uma consequência dessa ilusão é o altíssimo número de matrículas de alunos
que já haviam começado outro curso, mas desistiram por achar que a nova opção seria
determinante para sua vida profissional. Em sua opinião, “as carreiras mudaram muito,
e hoje as pessoas podem ser mais criativas sobre as várias possibilidades de atuação em
uma mesma área, respeitando suas aptidões” (Sayão, 2012).
A internet e a escola
A internet é um marco definitivo no comportamento global da sociedade e,
certamente, a principal ferramenta na transposição de comportamentos entre os diversos
países e culturas. Os jovens da geração Y já perceberam isso e são os mais engajados
nessa transformação cultural. Como veremos mais adiante, os entrevistados vivem
conectados às redes sociais e utilizam a web para realizar suas pesquisas escolares.
Em paralelo, não dispensam as fontes tradicionais de informação (livros, revistas e as
aulas presenciais).
Neste sentido, Cortella (2009) ressalta que a geração Y adora a escola, pois é um
local de encontro e uma “experiência sociocultural insubstituível”. E esclarece que uma
parte do conteúdo escolar é que parece ultrapassada ou extremamente datada para esses
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jovens, ao contrário de antigamente, quando a escola era quase que fonte exclusiva para
acesso ao conhecimento letrado. E lembra ainda que “hoje há uma multiplicação de
fontes de informação tornando-a apenas mais uma” (Cortella, em entrevista concedida
a Mesquita, 2009).
Mediações
Os conceitos da obra de Jesús Martin-Barbero, “Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia” foram abordados no paper de Desirée Cipriano Rabelo
(1998) que analisou esta e outras obras do autor. A autora observou que Martín-Barbero
transformou definitivamente os estudos da recepção propondo um trabalho qualitativo
e uma perspectiva teórico-metodológica distinta de outros aportes como as das pesquisas de audiência: “o estudo de recepção segundo Barbero quer resgatar a iniciativa, a
criatividade dos sujeitos, a complexidade da vida cotidiana como espaço de produção
de sentido, o caráter lúdico e libidinal na relação com os meios” (Rabelo, 1998).
Para o propósito do nosso trabalho destacaremos o que Rabelo qualificou como uma
reflexão brilhante de Martín-Barbero: o cotidiano, por não estar inscrito diretamente
na estrutura de produção, é considerado despolitizado e insignificante pelas teorias
críticas. A investigação e a análise do cotidiano trazem outras informações: nas
práticas cotidianas estão as chaves para a recepção. Os diferentes modos de ler as
mensagens estão muito ligados às tradições, preocupações e expectativas da vida
prática de cada um.
Em linha com as reflexões de Rabelo, Luiz Signates aponta que Orozco-Gómez se
apropriou do conceito de “mediação” e o estendeu uma vez que Martín-Barbero não o
elaborou em termos mais concretos. Para Orozco-Gomez “as fontes de mediação são
várias: cultura, política, economia, classe social, gênero, idade, etnicidade, os meios, as
condições situacionais e contextuais, as instituições e os movimentos sociais” (Signates,
1998, p. 44).
2. A PESQUISA EMPÍRICA
2.1. O PASSO A PASSO PARA A COLETA DOS DADOS
Para a investigação, elegeu-se a abordagem qualitativa para a metodologia e a técnica
de “entrevista focalizada” para a coleta de dados. Foram entrevistados dez estudantes
de gêneros diferentes, cinco no início e os demais no final da graduação, pertencem à
camada socioeconômica alta portanto não representam a diversidade dos universitários
paulistanos.
O roteiro de entrevista individual começava com uma pergunta de “aquecimento”,
investigando o cotidiano do estudante. Evoluía para perguntas sobre as diferentes
formas de informação para estudar, tomar decisões e iniciar a carreira profissional
para, finalmente, abordar a questão central da nossa pesquisa: qual era o conceito de
foco para o estudante?
2.2. SOBRE O CORPUS
Observa-se no Quadro 2 que os entrevistados nasceram entre 1990 e 1997 fazendo
parte, portanto, da denominada geração Y a qual descrevemos anteriormente.
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Quadro 2. Dados dos entrevistados
Entrevistado
Idade
Fase da Graduação
Curso e Instituição
Gabriel
17 anos
1º semestre
Administração de Empresas na FEA-USP (SP)
Lucas
19 anos
1º semestre
Publicidade e Propaganda na ESPM (SP)
Alessandra
23 anos
2º semestre
Publicidade e Propaganda na ESPM (SP)
Isabela
18 anos
3º semestre
Comunicação Social na ESPM (SP)
Paulo
20 anos
3º semestre
Jornalismo na ESPM (SP)
Fernanda
21 anos
6º semestre
Relações Internacionais na ESPM (SP)
Guilherme
22 anos
7º semestre
Relações Internacionais na FAAP (SP)
Angelina
21 anos
último ano
Comunicação Social na ESPM (SP)
Jaqueline
24 anos
último semestre
Administração de Empresas na PUC (SP)
Rafael
21 anos
último ano
Comunicação Social na ESPM (SP)
Fonte: Elaborado pelas autoras (2014).
2.3. A ANÁLISE DOS DADOS
No contato inicial com os jovens, observamos que se encontram inseridos em famílias
estruturadas da forma tradicional, com a presença dos pais e dos irmãos convivendo no
mesmo ambiente de forma harmoniosa (Gabriel: pra praia... é o que a gente gosta de fazer,
então eu minha mãe, meu pai e meu irmão...). Jaqueline, por exemplo, declara que “a gente
se dá super bem” e que seus pais “moram juntos”, paráfrase para indicar que não são
divorciados. Angelina contou que nas férias viaja com a família.
Apreendemos de seus discursos que os estudantes convivem em um ambiente
participativo e liberal no qual suas opiniões são ouvidas e respeitadas. Este quadro
é compatível com a descrição de Sidnei Oliveira que explicou as razões de a geração
Babyboomer e X serem pais liberais em relação aos seus filhos, em oposição aos avós,
disciplinados, da geração Belle Époque. A evidência dessa prática vem de Lucas que
relatou sua estratégia de sair de Vitória (ES) para vir estudar na ESPM em São Paulo:
“minha família é muito liberal.[...] A única coisa que foi muito difícil de convencer foi a de morar
em outro estado.”
A palavra “liberal” opõe-se à “conservadora” no contexto familiar. No interdiscurso
sobre o perfil comportamental das famílias, trata-se de atores sociais que respeitam as
vontades e necessidades de seus membros sem descuidar de sua segurança (os pais
tinham medo que ele saísse de um ambiente conhecido e seguro para viver em outro
desconhecido). Porém, Lucas é um autêntico “Y”, busca a inovação. E fica implícito,
pelo não-dito, que respeita os pais, isto é, não os contesta frontalmente, pois buscou
convencê-los a apoiá-lo argumentado e negociando. Inferimos ainda, com base em
Fiorin, que Lucas revela, no seu discurso, sua ideologia ao valorizar a família. Não
buscou desconectar-se dela como faziam os jovens rebeldes dos anos 1960: “seu dizer é
a reprodução inconsciente do dizer de seu grupo social” (Fiorin, 2007).
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Atividades cotidianas dos jovens e o contexto familiar
Gabriel: não sou aquele aluno que não vai nas aulas. Tô acompanhando tudo direitinho...
Jaqueline: tenho 2 irmãos... A gente se dá super bem...
Lucas: no sábado eu costumo sair pra balada,...domingo, eu gosto muito de cozinhar.
Fernanda: duas vezes por semana eu vou pra academia / no final de semana... eu gosto bastante
de assistir televisão, a noite ir pra bar, balada / Eu faço italiano de sábado.
Alessandra: fico estudando sozinha de final de semana / pra praia a minha programação é
sempre convidar alguém pra ir, pegar o meu carro e ir... tb, não ligo se eu for sozinha.
Guilherme: eu costumo sair pra ir pra balada com meus amigos / vou pro treino de jiujitsu
Rafael: moro com meu pai, minha mãe e meus irmãos.
Angelina: alguns dias vou para um Happy Hour (após o trabalho) / Férias: viajo, com minha
família.
Paulo: eu estudo na ESPM pela manhã, trabalho às tardes / ocasionalmente pratico esportes
Isabela: eu trabalho das três às nove horas da noite / chega em casa e tem a família ... tem
namorado, tem rede social que acaba chamando atenção.
A rotina típica desses jovens inclui estudar, trabalhar, sair com amigos, conviver
com a família inclusive nos momentos de lazer (apenas Alessandra demonstra ser a mais
independente), ver televisão (Fernanda) e praticar esportes com uma conotação de vida
bem organizada (Isabela) e previsível. Outro aspecto que surgiu refere-se à frequente
e intensa convivência pessoal com os amigos. Esta prática foi mencionada por Cortella
ao se referir ao fato que os jovens adoram a escola, local de “experiência sociocultural
insubstituível”. Por analogia, inferimos que os jovens não dispensam a convivência
pessoal com seus colegas e familiares em paralelo à conexão pelas redes sociais. Dessa
maneira demonstraram pertencer às “tribos pós-modernas” descritas por Maffesoli.
Fontes de informação: tudo junto e misturado, agora!
De acordo com Don Slater (2002, p. 188), uma das características da sociedade
contemporânea prende-se a uma ótica do autor, segundo a qual “o processo de produção
está sendo cada vez mais governado por funções intelectuais que envolvem saber, ciência
e conhecimentos especializados.”
Dessa forma, inferimos que os universitários entrevistados tenham sido educados
em instituições que disponibilizaram todas as plataformas de conteúdo para o processo
de ensino-aprendizagem. Implicitamente, no interdiscurso da sociedade contemporânea,
uma escola boa é aquela que melhor prepara seus alunos para obter os melhores
empregos ou ser um empreendedor de sucesso. Em ambos os casos vencerá o que tiver
melhor domínio das ferramentas para conectar-se, informar-se e destacar-se no seu
campo de competição.
O primeiro aspecto que surge é a diversidade de fontes e a forma natural com que
os jovens incluem em suas pesquisas objetos físicos e digitais (Jaqueline: Uma ferramenta
que eu uso muito é o Google Acadêmico). E sem deixar de dar importância aos familiares,
professores (Rafael: pede indicação para os professores de livros), pares (Lucas: Quando eu tô
com dúvida, vou muito atrás de amigo meu) e profissionais especializados (Gabriel: fiz uma
orientação vocacional) na temática que buscam se aprofundar.
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Gabriel: fiz uma orientação vocacional... a certeza total que era Administração que eu ia fazer
foi no dia que eu passei, que saiu o resultado.
Jaqueline: Uma ferramenta que eu uso muito é o Google Acadêmico... livros na biblioteca / na
fase de procurar o primeiro estágio... (empresa SAP) eu entrei no site, pesquisei bastante, entrei em
contato com este meu amigo... para a dinâmica, eu conversei bastante com os meus pais.
Lucas: Quando eu tô com dúvida, vou muito atrás de amigo meu, mais do que de professor/
(lazer). A gente pega uma agenda da semana, sempre sai no jornal, no site.
Fernanda: prefiro primeiro estudar sozinha e depois estudar em grupo / acabo usando ou o slide
ou o livro do professor, eu anoto bastante em sala de aula.
Alessandra: (conectada à internet quando estuda);“não, não fico”/ Eu tenho déficit de atenção,
eu tenho que estar 100% focada pois qualquer coisinha me desfoca muito fácil.
Guilherme: Tem matéria que eu pego só assistindo aula e tem matéria que eu preciso parar e
ler depois.
Rafael: busca a informação muito mais pela Internet. TCC precisa buscar em bastantes lugares...
pede indicação para os professores de livros... também tem que entrevistar aos profissionais que
trabalham no projeto ou consumidores... biblioteca eu tenho que ir bastante.
Angelina: fico sempre (conectada), volto a olhar o celular.
Paulo: recorro bastante... aos meios de comunicação tradicionais... fontes confiáveis... os jornais
Estadão, Folha, O Globo (do Rio de Janeiro) e revistas / recorro a uma rede de contatos para poder
buscar um especialista.
Isabela: estudo muito na véspera, eu tenho as minhas anotações de aulas... e tenho os slides dos
professores... um livro que eles passam... caso eu não tenha tudo no meu caderno...vou ver na Internet,
coisas práticas / pontos turísticos, pergunto para quem já conhece aquele destino.
Além de manipular com destreza todas as fontes de informação (ninguém falou
que não sabia navegar na internet, consultar um livro ou dialogar com um especialista),
confiam em si próprios:
Isabela: estudo muito na véspera, eu tenho as minhas anotações de aulas;
Fernanda: prefiro primeiro estudar sozinha;
Gabriel: a certeza total que era Administração que eu ia fazer foi no dia que eu passei, que saiu
o resultado.
Como já registramos anteriormente neste trabalho, Rabelo (1988), ao estudar a obra
de Jesus Martín-Barbero considerou brilhante a reflexão do pensador sobre a importância
do cotidiano na América Latina e criticou as teorias que “só apontam para manipulação
e dependência, para um sistema impositivo e de fonte única onde só existem dominantes
e dominados”. O estudante Paulo revelou a sua condição de sujeito social crítico quando
declarou: “recorro bastante... aos meios de comunicação tradicionais... fontes confiáveis... os jornais
Estadão, Folha, O Globo (do Rio de Janeiro)... recorro a uma rede de contatos para poder buscar um
especialista”. Paulo tem consciência que pode haver manipulação dos dados nas matérias
veiculadas pelos meios de comunicação “tradicionais” por ele mencionados. Assim ao
diversificar as suas fontes de informação o estudante considera um operador cultural
da sociedade contemporânea, o qual intui não ser neutro, e também representantes
do seu cotidiano. O especialista pode ser um consultor profissional, um professor, um
empresário, enfim, atores sociais ao alcance de sua rede de contatos.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1336
Comunicação, Consumo cultural e Educação: as mediações e os mediadores nas práticas sociais de jovens universitários de São Paulo
Dayse Maciel de Araujo • Marcia Perencin Tondato
Vale a pena interpretar a palavra “tradicional” que Paulo utilizou para qualificar
os jornais.
Dependendo do contexto, “tradicional”, no sentido polissêmico, pode significar
velho, ou conservador e até mesmo atemporal. Se o estudante considerasse os jornais
velhos, com viés pejorativo de serem descartáveis, não os incluiria em suas pesquisas.
Se adotar o significado de conservador, talvez, neoliberal, pode ser que queira
comparar o conteúdo a uma visão oposta, possivelmente de cunho socialista. Neste
caso estaria operando dialeticamente ao buscar elementos antagônicos − tese e antítese
− para propor a síntese. Neste aspecto revela ser um sujeito crítico.
E, finalmente, na hipótese de considerar aqueles veículos de comunicação atemporais,
revelaria um poder de julgamento característico de um sujeito articulado ao raciocínio
complexo e longe de representar o perfil da geração Y apontada por Sidnei Oliveira
como “desestruturado”. Adotando qualquer uma das hipóteses, encontramos em Paulo
um sujeito social com boa base educacional e ainda jovem, revela sua maturidade e
criticidade em relação aos interdiscursos presentes na sociedade relacionados aos meios
de comunicação.
Processo para priorizar atividades
Para conhecer os critérios de escolha e as formas de agir dos universitários ao
resolver problemas difíceis elegemos a técnica de registro das histórias de vida dos
estudantes. Selecionamos nos trechos abaixo dois dilemas frequentes que os jovens
relataram. Um se refere ao conflito interno de concentrar-se em apenas uma atividade
quando têm compromisso no curto prazo:
Angelina: um trabalho na faculdade tenho tudo aberto (na tela) mas quando...precisa de muita
concentração eu fecho tudo.
Guilherme: eu vou colocando pequenos objetivos pra mim / acabo essa página dou uma pausa
de 10 minutos, tomo um café,...vejo se aconteceu alguma coisa no Facebook.
Lucas: eu sou muito metódico... eu boto um horário.
O outro envolve decisões dos jovens que, na ótica do momento, repercutirão ao longo
de suas vidas, como a carreira (Jaqueline) ou um relacionamento afetivo (Alessandra):
Jaqueline: eu fiz gastronomia,... eu tava um pouco frustrada, porque não era o que eu queria...
com quem eu mais conversei foi a minha irmã... dicas da profissão busquei com amigos.
Alessandra: Convencer a minha mãe de que meu namorado quer ser alguém na vida, porque
só pelo fato dele ser uma pessoa humilde e não ter dinheiro ela acha que ele não é um cara pra mim...
Nas duas situações foram recorrentes as menções da influência das mediações
conceituada por Jesús Martín-Barbero em 1987 e, de acordo com Signates, estendida
por Guillermo Orozco-Gómez posteriormente.
No contexto em que há, hoje, no Brasil, mais de duas mil possibilidades de ocupações
profissionais é esperado que um adolescente se sentisse angustiado, aos 16 anos, ao
escolher um caminho profissional na hora que se inscreve no vestibular. E a psicóloga
e educadora Rosely Sayão afirma “que existe hoje um grande equívoco de pais e jovens:
a tentativa de escolher a profissão perfeita.” (2012).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1337
Comunicação, Consumo cultural e Educação: as mediações e os mediadores nas práticas sociais de jovens universitários de São Paulo
Dayse Maciel de Araujo • Marcia Perencin Tondato
Orozco-Gomez incluiu as instituições nas fontes de mediação. Dentre elas,
destacamos a família como influenciadora na produção de sentidos dos sujeitos em
diálogo. Jaqueline se aconselhou principalmente com a irmã para convencer os pais da
necessidade de recomeçar seus estudos no Ensino Superior. Alessandra negocia com a
mãe e defende sua confiança no namorado para poder namorar em paz.
Aparentemente as interações pelas redes sociais estão mais presentes no conflito
de administração do tempo quando o jovem se vê obrigado a escolher entre estar ou
não conectado. E esta escolha não é sem sofrimento. Já nas situações ligadas à esfera da
independência para fazer escolhas pessoais prevalecem as influências das mediações
familiares.
Conceito de foco
E finalmente discute-se o problema de pesquisa: como os jovens conseguem
ter foco para agir e tomar decisões na sociedade contemporânea, na qual os sujeitos
podem acessar informações convergentes e divergentes, com velocidade, e em diferentes
contextos de comunicação?
Gaskell (2002) recomendou coletar dados até observar o ponto de saturação, isto
é, o ponto a partir do qual não surgem novos fatos a serem interpretados. Embora a
amostra fosse de apenas dez entrevistadas observou-se que o conceito de foco para os
estudantes é muito similar: identificar o objetivo, hierarquizar as atividades e agir até
chegar ao resultado esperado. Em geral, quase todos explicaram “foco” da mesma forma.
A única ressalva a ser apontada é que fazer escolhas para um tem conotação renúncia,
de sofrimento (Gabriel), mas para outro é uma motivação positiva de realizar um sonho
(Lucas). Em suas vozes:
Gabriel: acho que é quando você consegue, ... é ter determinação.
Jaqueline: é você definir uma direção, você traça estratégias para alcançar isso.
Lucas: Eu acho que foco é uma projeção, é um sonho.
Fernanda: Eu acho que é você sentar e pensar em alguma coisa, meio que se esforçar para aquilo
Alessandra: No momento da minha vida é a faculdade.
Guilherme: Não se distrair com coisas supérfluas e se manter..
Rafael: O objetivo é concluir aquela tarefa... sem deixar que nada te atrapalhe.
Angelina: Foco é começar e terminar uma atividade.
Paulo: Foco é... Você ir direto ao centro de uma determinada questão.
Isabela: eu diria traçar metas, mas realizar ações que tenham relação com este assunto.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Identificamos que os jovens entrevistados utilizam todos os recursos disponíveis
para buscar informações. Em suas práticas sociais estabelecem conexões concretas e
virtuais em interação com dispositivos físicos e digitais, sem dispensar o calor do contato
humano para refletir, tomar decisões e atingir seus objetivos.
Para Martín-Barbero, a revolução tecnológica afeta todos os meios de comunicação
que hoje são constituídos não só por novas máquinas, mas também novas linguagens,
escritas e saberes. Para o autor, estamos diante de um novo “ecossistema educativo”. Na
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1338
Comunicação, Consumo cultural e Educação: as mediações e os mediadores nas práticas sociais de jovens universitários de São Paulo
Dayse Maciel de Araujo • Marcia Perencin Tondato
interface do campo da Comunicação e Educação Citelli observa que o tema da educação
“em particular no seu âmbito formal, [...] pede, de maneira crescente, o estreitamento
dialógico com informações e conhecimentos gerados em fontes indiretamente escolares”
(Citelli, 2014, p. 71).
Os entrevistados, mediados pelas instituições e pelos dispositivos de comunicação
físicos e digitais, são privilegiados pela sua condição socioeconômica e apoio familiar. Fica
a pergunta: quais seriam as práticas sociais de um estrato diferente das características
desses entrevistados?
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1340
A imagem da língua portuguesa na mídia
The image of the portuguese language and the media
Maria
do
Carmo Souza
de
A l meida 1
Resumo: Em maio de 2011, um episódio sobre questões relacionadas ao ensino
de língua portuguesa de grande repercussão nos meios de comunicação do
Brasil foi denominado de “a polêmica do livro didático”. Neste ano, em virtude
de resultados negativos nas redações do ENEM, em um jornal audiovisual
matinal, ouviu-se que “a Língua está virando um dialeto confuso”, e a afirmativa
rapidamente gerou discussões nas redes sociais. Compreendendo a cultura
como trocas de significados entre os membros de uma sociedade, podemos
afirmar que a cultura da mídia contribui para a permanência e a fixação de
certos discursos e fenômenos e para a disseminação de certos valores. Pensando
desse modo, defendemos que os diferentes cursos de formação de professores
necessitam abrir espaço para a reflexão sistemática sobre os discursos veiculados
pelos diferentes meios de comunicação. Logo, o objetivo deste trabalho é refletir
como a língua portuguesa e o ensino dela têm sido representados pela grande
mídia brasileira e, consequentemente, como essa representação repercute nas
mídias sociais. Os resultados apontam para uma imagem distorcida do ensino de
língua portuguesa que vai de encontro ao que preconiza a educação linguística
no Brasil nos últimos anos.
Palavras-Chave: Língua Portuguesa. Mídia. Imagem.
Abstract: In May 2011, there happened an episode of great repercussion in Brazilian mass media concerning portuguese language teaching called “the issue
on the textbook” because one of the books that Brazilian government had said to
be good accepted language variation – which is correct, but not accepted in/by
mass media. In the present year, the negative results presented by high school
students in the ENEM Exam brought up a comment in a morning news program
that said “Portuguese language is becoming a blurred dialect”, a generalized
misunderstanding which echoed around the social networking. Comprehending culture as the exchanges of meanings between members of a society, we
can say that media culture does contribute to setting and maintaining certain
discourses and phenomena as well as to disseminating values. Considering this
preview, the aim of the present study is to think over how portuguese language
and portuguese teaching have been represented lately in/by the great Brazilian
media, and show how this representation reflects on social networking. The
results point out that the latest studies in Applied Linguistics and language
learning and teaching have a distorted image, being totally disregarded in/by
1. Doutora em Ciências pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Mestre em
Linguística Aplicada pela Universidade de Taubaté. Professora do Mestrado em Linguística Aplicada da
Universidade de Taubaté. [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1341
A imagem da língua portuguesa na mídia
Maria do Carmo Souza de Almeida
the great media. Therefore we believe that teachers graduate and post graduate
courses should systematically reflect and discuss about discourses conveyed
by different mass media comments so they reflect what is actually being done
to improve language teaching and learning in Brazil.
Keywords: Portuguese Language. Media. Image.
INTRODUÇÃO
O CONTEXTO pós-moderno, dentre os múltiplos fatores que provocam alterações
N
nos modos de vida social e também na construção identitária do indivíduo estão
a centralidade e a influência dos meios de comunicação. Deste modo, para Citelli
(2014. p.1), os estudos que permeiam a interface comunicação e educação precisam ser
compreendidos à luz de várias que variáveis que vão da “abrangência dos meios de
comunicação” – as reconfigurações e as operacionalidades – às “novas formas de ser e
estar dos sujeitos sociais frente à comunicação, aos processos de ensino e aprendizagem,
ao acesso à informação e ao conhecimento”.
Considerar as muitas transformações ocorridas na vida social inclui também denotar
inúmeras possibilidades de escolhas do indivíduo, o que acarreta a necessidade de uma
ação reflexiva por parte dele. Desse modo, a era pós-moderna caracteriza-se justamente
pela ideia de constante aperfeiçoamento, isto é, pela possibilidade de reorganizar-se ou
refazer-se. E isso vale para as identidades em contínua construção. Destarte,
a construção da identidade assumiu a forma de uma experimentação infindável. Os experimentos jamais terminam. Você assume uma identidade num momento, mas muitas outras,
ainda não testadas, estão na esquina esperando que você as escolha. Muitas outras identidades não sonhadas ainda estão por ser inventadas e cobiçadas durante a sua vida. Você
nunca saberá ao certo se a identidade que agora exibe é a melhor que pode obter e a que
provavelmente lhe trará maior satisfação. (Bauman, 2005, p.91-92)
As identidades, na “modernidade tardia”, portanto, nunca são unificadas; ao contrário, são “cada vez mais fragmentadas e fraturadas; não são nunca singulares, mas
multiplamente construídas ao longo de discursos e práticas que podem se cruzar ou
ser antagônicas” (Hall, 2007, p.108). Em decorrência de serem construídas no interior
do discurso e não fora dele, precisam ser compreendidas “como produzidas em locais
históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas2
específicas, por estratégias e iniciativas específicas”. Não podem, pois, ser pensadas fora
dos contextos dos quais fazem parte.
Considerar o exposto acima significa também atentar para a seguinte questão: se
no mundo hodierno vivenciamos inúmeras transformações, envolvendo tanto aspectos
socioculturais quanto sociocognitivos, por que – ainda insistem alguns – a língua
2. Stuart Hall usa formação discursiva no sentido que lhe atribui Michel Foucault em A Arqueologia do
Saber: “no caso que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder
definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos,
por convenção, que se trata de uma formação discursiva” (FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. 4.ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária,1995).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1342
A imagem da língua portuguesa na mídia
Maria do Carmo Souza de Almeida
permaneceria inalterada? Se observarmos, o caso específico da língua portuguesa
(trazida para o Brasil há mais de quinhentos), sob uma vertente histórica, perseverar
na hipótese da permanência, é, no mínimo, absurdo. A heterogeneidade faz parte da
constituição das línguas, em virtude de ser por meio delas
que temos de dar conta das muitas situações sociais em que nos envolvemos, em nosso dia
a dia. Elas são também inevitavelmente voltadas para as mudanças, pois grupos humanos são dinâmicos, e as línguas que eles falam precisam adaptar-se às novas situações
históricas. Variação e mudança são propriedades que não impedem a intercompreensão,
porque obedecem a uma sistematicidade e uma regularidade, comprovadas por pesquisas
de sociolinguistas e de linguistas históricos. Entre outras, a teoria da variação e mudança
focaliza essa característica das línguas (Castilho, A., 2010, p.197).
Em maio de 2011, um conjunto de matérias veiculadas pela mídia brasileira ficou
conhecido como “a polêmica do livro didático” – falsa polêmica, segundo a visão de
Bagno (2011). Um portal de notícias da Internet afirmou que o Ministério da Educação e
Cultura havia distribuído um livro que “ensinava a falar errado”. A partir dessa notícia
– a frase foi repetida exaustivamente – jornalistas e outros “especialistas”, em diferentes
meios midiáticos, censuraram o próprio Ministério da Educação e Cultura, os autores
dos livros, o livro e pesquisadores da área da linguagem.
De acordo com a visão de linguistas, estudiosos das especificidades da língua portuguesa, dentre os quais citamos Ataliba (2010) e Bagno (2011, 2013, 2014, 2015), o que ocorreu
foi um grande equívoco acerca da visão que se tem do que seja uma língua e do que significa ensiná-la seja no Brasil seja em várias outras partes do mundo. Naquele momento, nos
principais jornais audiovisuais e portais de notícias da internet, não foi dada aos linguistas
pesquisadores da temática ampla oportunidade de posicionamento sobre o fato ocorrido
– o que ocorreu, sobretudo, em sites de redes sociais e ou de mídias vinculadas a instituições educacionais –, mas “todas as entidades representativas dos linguistas e educadores
brasileiros se manifestaram favoráveis à coleção e protestaram contra a deturpação que a
mídia promoveu no conteúdo da obra”, conforme aponta Bagno (2011, p. 942).
Neste ano, em comentários acerca dos resultados negativos nas redações do Exame
nacional do Ensino Médio (ENEM3), feitos por um jornalista de expressividade em um
jornal televisivo matinal da emissora líder de audiência na TV aberta do país, ouviu-se,
dentre outras assertivas, que “a língua está virando um dialeto confuso”, e a afirmativa
rapidamente gerou comentários nas redes sociais. Desse modo, o objetivo deste artigo
é refletir sobre como a língua portuguesa e o ensino dela têm sido representados pela
grande mídia brasileira e, consequentemente, como essa representação repercute nas
mídias sociais.
Para o exame do problema, partimos principalmente dos comentários do jornalista
acerca do ensino da língua portuguesa – e seus usos – e a repercussão deles em sites
de redes sociais. A observação do fenômeno se faz a partir de campo teórico interdisciplinar. Inicialmente discorremos sobre as implicações entre comunicação, cultura e
3. Não vamos discutir aqui em profundidade os resultados do ENEM, nem as repercussões nas redes
acerca desses resultados, pois isso exige uma discussão mais aprofundada; o que faremos em outro texto.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A imagem da língua portuguesa na mídia
Maria do Carmo Souza de Almeida
linguagem; em seguida, pontuamos as relações entre a educação, mídias e língua (e seu
ensino) de onde partimos para então ponderar a respeito dos “fluxos de influência” dos
discursos entre mídia e escola.
COMUNICAÇÃO, CULTURA, E LINGUAGEM
Compreendendo a cultura como trocas de significados entre os membros de
uma sociedade, Geertz (2008) defende que a compreensão da cultura de determinada
comunidade passa pela assimilação da “teia de significados” que dela emergem. Para
o antropólogo:
como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis [...] a cultura não é um poder, algo ao
qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as
instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos
de forma inteligível — isto é, descritos com densidade. (Geertz, 2008, p. 10).
A cultura pensada como “um processo, um conjunto de práticas” (Hall, 1997,
p.2) , depende de como seus participantes interpretam de forma significativa o que
está acontecendo ao seu redor e dão sentido ao mundo de formas muito semelhantes.
No entanto, isso não quer dizer que os significados são sempre compreendidos da
mesma forma; ao contrário, há uma grande diversidade de significados sobre qualquer
tópico e mais de um caminho para interpretar ou representar esse tópico em qualquer
cultura (Hall, 1997).
Ocorre que se podemos entender a cultura como “um compartilhamento de
significados”; eles só podem ser partilhados pela linguagem que é “o meio pelo qual nós
damos sentido às coisas e onde os significados são produzidos e trocados”. A linguagem
opera, portanto, como um sistema de representações; isto é, como signos e símbolos –
sons, palavras, imagens, notas musicais e outros – que representam outras pessoas,
objetos, ideias, sentimentos, conceitos. No dizer do autor, “a linguagem é uma mídia por
meio da qual pensamentos, idéias e sentimentos são representados na cultura” (Hall,
1997, p.2, tradução nossa).
Essa relação intrínseca entre cultura e linguagem pode ser percebida, segundo
Costa (2010), ao observarmos que onde existe diferença de linguagem, existe diferença
de cultura. Ela afirma também que a linguagem permite
4
ao ser humano distanciar-se de sua contingência – do “aqui/agora” que a experiência imediata propõe. É ela que nos projeta para o futuro, permitindo-nos organizar nossas metas
e objetivos, assim como sistematiza o passado, sob a forma de memória. Dessa forma, o
simbolismo e a linguagem tornaram o homem um ser histórico, sempre em trânsito entre
passado e futuro, um ser não determinado pelos condicionamentos naturais do presente e
da herança genética. (Costa, 2010, p.13).
É por meio da linguagem que o significado é construído, ela que o faz circular nas
diferentes mídias e nos diferentes momentos ou práticas do nosso circuito cultural – na
construção da identidade e da diferença; na produção e no consumo e na regulação da
4. “Culture, is argued, is not so much a set of things [...] as a process, a set of practices”.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A imagem da língua portuguesa na mídia
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conduta social. Logo, conforme aponta Hall (1997), as linguagens – verbal, imagética,
visual, etc – são sistemas de representação justamente porque usam algum elemento
– sons, palavras, imagens, cores, roupas, gestos, etc. – para significar ou representar o
que queremos dizer. Os significados não estão neles mesmos visto que são somente
“veículos ou media” que os carregam porque operam com símbolos que representam
os sentidos que desejamos comunicar. São signos. É, portanto, por meio da cultura e da
linguagem, que os significados são construídos e partilhados.
Na contemporaneidade, ou pós-modernidade, a cultura “passa por desafios
imperiosos decorrentes das características históricas” do momento (Costa, 2010, p.65).
Há um vínculo estreito entre cultura e meios de comunicação constituindo o que
Kellner (2001, p.52) denomina de “cultura da mídia”. Para o autor, a definição hodierna
de cultura está estreitamente ligada à comunicação, ou seja, não há mais distinção entre
cultura e comunicação, visto que “não há comunicação sem cultura e não há cultura sem
comunicação”. Desse modo, a cultura da mídia contribui para a permanência e a fixação
de determinados discursos e fenômenos e para a disseminação de certos valores:
as narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os
recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em
muitas regiões do mundo de hoje. A cultura veiculada pela mídia fornece o material que
cria identidades pela quais os indivíduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporâneas, produzindo uma nova forma de cultura global (Kellner, 2001, p.9).
Deste modo, uma educação, em harmonia com o momento coevo, implica a inclusão
de estudos a cerca da mídia e dos processos comunicativos; pois, para nos informar
e instruir, é preciso considerar o conteúdo propagado pelos meios de comunicação
(Costa, 2013). O espaço educativo formal, em todos os níveis, e com especial atenção às
Licenciaturas, exige atentar para essa cultura midiática.
EDUCAÇÃO, MÍDIAS E LÍNGUA
Para Martín-Barbero (2014), a educação formal – o “espaço-tempo escolar” não
pode mais ser considerado o único local do “saber”, pois está atravessado por inúmeros
outros saberes sem lugar próprio e com lógicas de aprendizagens bastante diferentes
daquelas estabelecidas pelo modelo escolar. Ele pontua que esses outros discursos não
substituem o livro, mas o retira de
sua centralidade ordenadora das etapas e modos de saber que a estrutura-livro havia imposto
não só à escrita e à leitura, mas também ao modelo inteiro de aprendizagem: linearidade
sequencial de esquerda para a direita, tanto física como mental, e verticalidade, de cima
para baixo, tanto especial como simbólica (Martín-Barbero, 2014, p.81).
A escola ainda é o local de sistematização dos conhecimentos, porém é urgente
considerar a “complexidade social e epistêmica dos dispositivos e processos em que
se refazem as linguagens, as escrituras e as narrativas” (Martín-Barbero, 2014, p.82).
No dizer de Citelli (2014), a educação formal está em interlocução com os aparatos e
dispositivos sociotécnicos, entretanto, é preciso ter em conta que
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O fato de televisores, vídeos, computadores, poderem estar fisicamente ausentes do dia-a-dia
da escola não significa que o mesmo ocorra quando se trata das mensagens nele geradas.
Elas acompanham o cotidiano dos estudantes e dos professores, sendo reveladas, referidas,
discutidas, afirmadas, negadas, promovendo valores, incindindo em comportamentos, etc.,
ganhando portanto, independência com relação ao lócus maquínico de sua produção. As
linguagens ganham tal força simbólica ao se encarnarem materialmente nos compósitos de
signos que serão expressos. [...]. Equivale dizer que amplo processo de midiatização circula
por sujeitos, grupos, instituições, ajudando a compor modos de vida, formas de cultura,
expectativas sociais. (Citelli, 2014, p. 3)
De acordo com o Lopes e Gómez (2014, p.25), “a TV aberta segue sendo o meio que
concentra a maior audiência e importância em termos de repercussão no panorama da
comunicação ibero-americana”. No Brasil, a televisão ainda é o mais importante meio
de comunicação, embora seja crescente o avanço do uso da internet. Segundo Baccega
(2003, p.31), o que não está na televisão é como se não tivesse acontecido, porque os
meios de comunicação, principalmente a televisão, são os responsáveis por divulgar
“as informações (fragmentadas) hoje tomadas como conhecimento, construindo, desse
modo, o mundo que conhecemos”. A autora ressalta que informação não é conhecimento,
o qual implica observação crítica e
prevê a construção de uma visão que totalize os fatos, inter-relacionando todas as esferas
da sociedade, percebendo que o que está acontecendo em cada uma delas é resultado da
dinâmica que faz com que todas interajam, dentro das possibilidades daquela formação
social, naquele pensamento histórico; permite perceber, enfim, que os diversos fenômenos
da vida social estabelecem suas relações tendo como referências a sociedade como um
todo. Para tanto, podemos perceber, as informações – fragmentadas – não são suficientes
(Baccega, 2003, p.31-32).
Para pensar a relação entre as mídias e a escola, Citelli (2012)5 traz o conceito de
“trânsitos discursivos multidisciplinares” e pontua a força da linguagem verbal como
ponto de intersecção entre os dois campos. Trânsitos, porque, nos dias atuais, esses dois
universos estão continuamente conectados e executam movimentos de retroalimentação
entre si. Eles têm temporalidades diferentes e níveis de relação igualmente diferenciados.
Os discursos das mídias em direção ao espaço educativo são mais frenéticos e
fragmentados do que o inverso, em virtude de o tempo da escola ser mais lento. A
escola necessita de mais tempo para cogitar os discursos que por ela circulam; talvez,
por isso, o faça com mais profundidade, de forma mais sistematizada.
Com o termo discurso, Citelli (2012) nos remete às ordens discursivas ou formas
de constituição de poderes, isto é, aos “mecanismos de controle” ou “princípios de
coerção” que, segundo Michel Foucault (2007), perpassam todas as instituições, em
decorrência de determinada ordem de sentido predominar sobre outras em alguns
momentos. De acordo com esse princípio focaultiano, não se tem o direito de dizer tudo
5. Esse conceito foi discutido por Adilson Citelli em Mesa Redonda intitulada Comunicação e culturas de
consumo: novos desafios para a educação que ocorreu dia 16 de outubro no II Congresso Internacional em
Comunicação e Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing – Comunicon 2012.
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em qualquer circunstância, ou melhor, “qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer
coisa” (Foucault, 2007, p. 9); ou ainda, “ninguém entrará na ordem do discurso se não
satisfizer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo” (Foucault,
2007, p.37). “A polêmica do livro didático”, citada na introdução deste artigo, ilustra bem
as ordens discursivas na percepção do autor francês.
Já multidimensional abrange três aspectos presentes na escola: a) dinâmicas
expressivas diversas, ou seja, diferentes signos circulam pela escola – linguagem verbal,
sonora, visual, audiovisual, etc; b) variados dispositivos – embora o discente esteja
presente na escola, ele está acompanhada de diferentes meios: telefone celular, notebooks,
tablets, etc.; c) muitas possibilidades de produção, pois o aluno pode expressar-se de
forma plural. Por fim, Citelli (2012) alerta que “a indústria cultural faz parte do discurso
institucional escolar”, visto que é ela produz os milhões de exemplares de livros didáticos
utilizados pelos alunos a cada ano. Desta maneira, dentre os diferentes códigos presentes
nesses livros e nos discursos que transitam entre a comunicação e a educação está a
linguagem verbal.
A perspectiva que nos orienta em relação aos usos e ao ensino da língua portuguesa
advém da dialogia bakhtiniana, para quem, a língua não pode ser pensada fora de
uma situação concreta de utilização, ou seja, a língua é entendida em “sua integridade
concreta e viva e não a língua como objeto específico da lingüística” (Bakhtin, 2005,
p.181). Destarte, ela “vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não
no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos
falantes” (Bakhtin, 1995, p.124).
Os enunciados, ou “unidades de comunicação discursiva”, realizam-se, portanto, em
função das necessidades diárias de comunicação do indivíduo (Bakhtin, 2003, p.261). Isso
significa que a interação social na qual estejamos envolvidos em diferentes circunstâncias
do dia a dia desempenha uma função social em concordância com o papel social que
representamos. Deste modo,
a linguagem verbal é prática social, mediação, sistema simbólico, possibilidade de ação,
ancorada em procedimentos interlocutivos e dialógicos que facultam a construção dos
sentidos e seus efeitos, respeitados os diferentes níveis, planos e trânsitos contextuais, cuja
realização ocorre segundo fluxos comunicativos presentes na geração/produção, circulação
e recepção de mensagens (Citelli, 2006, p. 32).
Perceber a língua ou discurso como prática social (Dijk, 2008, p.12). implica
compreendê-lo como um modo de ação, visto que por meio dele os indivíduos podem
agir sobre o mundo e uns sobre os outros. Além disso, denota compreender que há uma
relação dialética entre o discurso e a estrutura social, isto é, ele colabora para a construção
de todas as dimensões da estrutura social e essas mesmas estruturas o moldam e o
restringem. Desse modo, discurso contribui para a construção das identidades sociais,
das relações sociais entre as pessoas, e da construção de sistemas de conhecimento
e crença (Fairclough, 2001). Não existe discurso neutro, visto que “a linguagem está
sempre carregada dos pontos de vista, da ideologia, das crenças de quem produz o
texto” (Fiorin, 2014, p.74).
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Visto que não existe linguagem neutra, as falas dos jornalistas em relação às
afirmativas que originaram a (falsa) “polêmica do livro didático” ou as falas mais
recentes6 do comentarista do jornal matinal de grande audiência têm diferentes
implicações – vamos nos ater àquelas que remetem à educação linguística: “a língua
está virando um dialeto confuso”; “a nossa língua já é muito pouco conhecida no mundo,
agora ser pouco conhecida no nosso próprio país, isso nos emudece um pouco”; “com a falta
de leitura, o vocabulário é limitado, e aí se usam palavras mais compridas para ter tempo
de achar a palavra seguinte. Avião virou aeronave, fim de semana virou final de semana,
vender é comercializar; oferecer, disponibilizar, ver, pequenininho, virou visualizar, crime
é criminalidade, arma virou armamento”; “ainda se apoiam em muletas da língua: não se
veste camisa, não se calça o sapato, apenas se coloca”. As repercussões nos sites de reses
sociais, twitter e facebook, acerca desses comentários, em sua grande maioria foram positivas,
embora também houvesse posicionamentos contrários. Os compartilhamentos do link do
site do jornal demonstram, sobretudo, a boa recepção.
Considerar o aspecto dialógico dos discursos midiáticos, como práticas sociais que
são, permite-nos compreender a capacidade que eles têm não só de “representar ou
designar”, mas também de “construir e inventar” situações, fatos, acontecimentos (Citelli,
2006, p.41). No caso em tela, os comentários do jornalista acabam por evidenciar o
desconhecimento das teorias atuais acerca da variação linguística ou de pesquisas sobre
as especificidades do português brasileiro (Castilho, 2010; Bagno, 2011, 2013), para ficar
só no plano superficial da questão que têm muitas camadas sobrepostas.
Voltando-nos, portanto, sucintamente ao aspecto da história da língua, cumpre
lembrar que o português brasileiro que falamos hoje foi trazido para o Brasil por
mercadores, marinheiros, baixos funcionários, pequenos artesãos, etc. Uma população
predominantemente masculina e muito pouco letrada que vinha de diversas regiões de
Portugal, por isso falava diferentes variantes do português medieval. Ao amalgamar-se
com as línguas indígenas e, depois, com as africanas trazidas pelos homens e mulheres
que foram sequestrados de suas terras e escravizados aqui, o português passou por
inúmeras transformações (Bagno, 2011, 2013). Assim,
a matriz genética do povo brasileiro é resultante da ampla miscigenação de elementos africanos, indígenas e europeus. E a língua que falamos não poderia ficar imune a todos esses
profundos e complexos processos sociais, culturais e étnicos. (Bagno, 2011, 2013, p. 28-29)
Importa recordar também, conforme já mencionado na introdução, a heterogeneidade
constitutiva das línguas, ou seja, a diversidade decorre de variantes; dentre elas,
a variação geográfica (os falantes de um a língua procedem de diferentes lugares),
sociocultural (os falantes são de segmentos diferentes da sociedade – escolarizados e
não escolarizados, por exemplo), individual (registro – português formal ou informal
–, idade, sexo), de canal (português oral e português escrito) e temática (português
corrente e português técnico). É interessante ressaltar que essas variações não impedem
a comunicação e a intercompreensão entre locutor e interlocutor, que “fazem diferentes
6. Disponível em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2015/01/lingua-esta-virando-um-dialetoconfuso-comenta-alexandre-garcia.html. Acesso em: 15 jan. 2015.
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escolhas no multissistema linguístico, as quais deixarão marcas formais em sua produção
linguística” (Castilho, 2010, p197).
As mudanças linguísticas são decorrentes, portanto, de diferentes processos sociais
(a força das instituições sociais, variações, contatos linguísticos, etc.) e cognitivos (a
economia linguística, a gramaticalização e a analogia), conforme aponta Bagno (2014).
Ele afirma também que, em geral,
as formas linguísticas novas surgem normalmente da fala mais descontraída e, principalmente, das camadas sociais menos prestigiadas (classes média baixa ou classe operária).
Com o avanço do tempo, se essas inovações linguísticas passarem a ser usadas também
pelas classes médias altas e pelas classes altas, deixam de ser vistas como “erro” e se transformam numa forma “certa”, aceita pela maioria. Quando se incorporam na escrita de textos
formais, é porque a mudança já se completou e não tem como voltar atrás (Bagno, 2013, p. 49).
Em síntese, a perspectiva adotada aqui em relação aos usos e ensino da língua
portuguesa reconhece que toda situação de comunicação materializada em um texto é
“um evento sociocomunicativo que ganha existência dentro de um processo interacional.
Todo texto é resultado de uma coprodução entre interlocutores: o que distingue o texto
escrito do falado é a forma como tal coprodução se realiza” (Koch; Elias, 2009, p.13).
Tendo em vista os aspectos aqui sumarizados em relação aos fenômenos que
influenciaram e continuam interferindo nas mudanças linguísticas da língua portuguesa
falada no Brasil – uma língua está sempre se modificando, porque, nós os falantes a
transformamos o tempo todo (Bagno, 2011, 2013) – e que precisam ser considerados
no ensino dessa língua, podemos asseverar que a “nossa língua não está se tonando
um dialeto confuso” e também “não é pouco conhecida no Brasil” pelos falantes da
língua que lhes é materna. Já afirmativa do jornalista sobre o vocabulário limitado, em
decorrência da pouca leitura, mereceria uma discussão mais cuidadosa, mas não é isso
o que certamente instiga o falante a “usar palavras mais compridas para ter tempo de
achar a palavra seguinte” ou “o motivo de se apoiar em muletas da língua”.
Em relação aos comentários e às repercussões nos sites de redes sociais, facebbok e
twitter, interessa-nos ainda fazer remissão ao que afirmou o Prof. Adilson Citelli em
entrevista concedida à UNIVESP acerca do profissional da Educomunicação: “muitas
vezes, as pessoas formadas no âmbito da educação não têm condições de entrar nesse
mundo da comunicação, nem tem obrigação” e o mesmo se passa como o comunicador,
o qual não é obrigado a discutir questões relativas à educação. Por isso, segundo o
professor, a necessidade de um diálogo mais profícuo entre aos dois campos a fim de
aproximar as relações da educação com a comunicação. Seria uma forma de estreitar as
reflexões sobre “o que a educação pode fazer para a comunicação e o que a comunicação
pode fazer para a educação”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos que nossas reflexões reafirmam a importância dos estudos que
se processam na interface comunicação e educação e a urgência em intensificar nas
licenciaturas as discussões que envolvem reconhecer a diferença entre informação
fragmentada e o conhecimento da totalidade de um fenômeno a fim de pensar criticamente
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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a realidade a partir de um cotejo de conhecimentos oriundos das várias agências de
socialização, para, assim, ser possível analisar como se dá a reconfiguração dos sentidos
(Baccega, 2011). Logo, significa perceber que a escola, os meios comunicativos e o cotidiano
formam um complexo amálgama onde as particularidades de cada um complementam-se
enquanto se conflitam (Citelli, 2009). É essencial, portanto, a compreensão, principalmente
por quem vai se tornar professor, de que as realidades construídas e divulgadas pelos
meios fazem parte da nossa formação identitária (Baccega, 2011). Em virtude de os meios
possuírem esse poder de influência, ainda que saibamos que a recepção não acontece
de forma passiva, acreditamos que as reflexões sobre os conteúdos midiáticos deveriam
ser sistematicamente discutidas na educação formal.
REFERÊNCIAS
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Bagno, M. (2011). Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial.
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Citelli, A. (2011). Comunicação e Educação: implicações contemporâneas. Em A. Citelli,
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Costa, C.(2010). Sociologia: questões da atualidade. São Paulo: Moderna.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A imagem da língua portuguesa na mídia
Maria do Carmo Souza de Almeida
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Martín-Barbero J. (2014). A comunicação na educação. São Paulo: Contexto.
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Cognição/representação visual: estudo com livros didáticos
de ciências e matemática para o ensino fundamental
Cognition/visual representation: a study with science
and mathematics textbooks at elementary school
M aria Ogécia Drigo 1
L u c i a n a C o u t i n h o Pa g l i a r i n i
de
Souza2
Resumo: O artigo apresenta resultados de pesquisa, desenvolvida com apoio da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, cujo contexto aproxima Comunicação e Educação. Com o propósito de averiguar em que medida as
representações visuais contribuem para desencadear processos cognitivos, neste
artigo, tomamos como corpus as representações visuais de livros de Ciências e
de Matemática que compõem a amostra estratificada com 20% do total de livros,
entre os resenhados no Guia de Livros Didáticos – PNDL 2011 – para as séries
finais do Ensino Fundamental de Ciências, Matemática, História, Geografia,
Língua Portuguesa e Língua Estrangeira. Após uma primeira sistematização,
as diversas modalidades de representação por imagens são classificadas e analisadas sob a perspectiva da semiótica peirceana. A relevância do artigo está na
reflexão desenvolvida sobre a relação entre tais imagens e a cognição.
Palavras-Chave: Comunicação Visual. Educação. Representação visual. Cognição. Livro didático.
Abstract: The present paper is a result of a research developed with support
from São Paulo State Foundation for Research Supporting (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP), whose context approaches
Communication and Education. Its aim is to investigate to what extent visual
representations contribute to engender cognitive processes; the paper has, as its
corpus, the visual representations from the textbooks of Science and Math that
compose the 20% sample of selected books, from the ones reviewed in the Textbooks Catalog - PNDL 2011 (Guia de Livros Didáticos – PNDL 2011) for the final
grades of Elementary School, namely: Science, Mathematics, History, Geography,
Portuguese Language and Foreign Language. After an initial systematization,
the several types of image representation are classified and analyzed from the
perspective of Peirce’s Semiotics. Thinking about the relationship between such
images and cognition constitutes the relevance of this paper.
Keywords: Visual Communication. Education. Visual Representation. Cognition.
Textbooks.
1. Pós-doutora pela ECA/USP. Professora do Programa de Comunicação e Cultura, da Universidade de
Sorocaba – Uniso. [email protected]
2. Pós-doutora com estágio na Universidade de Kassel/Alemanaha. Professora do Programa de Comunicação
e Cultura, da Universidade de Sorocaba – Uniso. [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Cognição/representação visual: estudo com livros didáticos de ciências e matemática para o ensino fundamental
Maria Ogécia Drigo • Luciana Coutinho Pagliarini de Souza
INTRODUÇÃO
STE ARTIGO apresenta resultados de uma pesquisa, desenvolvida sob os auspícios
E
da FAPESP, cujo contexto se faz de interseções entre Comunicação e Educação. Do
lado da comunicação, há a presença da imagem enquanto representação visual,
compondo as mais diferenciadas linguagens; do lado da Educação, o material didático
indicado pelo MEC no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2011.
A onipresença da imagem em todos os níveis de representação e da psique do homem
ocidental ou ocidentalizado torna premente um olhar mais especializado para este fenômeno, inscrito sobretudo na imagem midiática que, conforme Durand (2004, p. 34):
Está presente desde o berço até o túmulo, ditando as intenções de produtores anônimos
ou ocultos: no despertar pedagógico da criança, nas escolhas tipológicas (a aparência) de
cada pessoa, até nos usos e costumes públicos ou privados, às vezes como ‘informação’,
às vezes velando a ideologia de uma ‘propaganda’, e noutras escondendo-se atrás de uma
‘publicidade’ sedutora.
Para Maffesoli (2005), as imagens podem ser agregadas aos fatores que tecem as
relações que configuram a sociedade contemporânea. Trata-se de imagens que brincam,
num jogo irônico, com aspectos do cotidiano e que permeiam todas as relações, quer
seja por se deixarem ver ou se apresentarem – as representações visuais, de modo geral
–, quer seja por incorporarem, em algum aspecto, o imaginário das pessoas.
Partimos do princípio de que a imagem invade o contexto pós-moderno de modo
anárquico e conforme Maffesoli (2005), pela natureza ecológica de sua construção, ela
estabelece correspondências sociais e naturais que favorecem interações. Tais interações
podem ser percebidas também no ambiente educacional e nos mais diversos meios,
inclusive nos livros didáticos, corpus de nossa pesquisa. Assim se efetiva a interface
com a Educação.
Para este artigo, como um desdobramento da pesquisa, voltamos nossa atenção
para as representações visuais dos livros das coleções de Ciências e Matemática
selecionados, uma vez que, considerando-se a primeira sistematização das imagens –
exibida em gráficos (Gráfico 1 e Gráfico 2) -, constatamos que há vários aspectos relativos
à classificação das representações visuais presentes nos livros didáticos analisados que
merecem um olhar mais atento, bem como o excesso delas e a pertinência à cognição.
Este segundo aspecto é nosso foco.
A observação de coleções de livros didáticos de Ciências e de Matemática levou-nos aos
seguintes tipos ou modalidades de representações visuais: reprodução de fotografia (com
ou sem pessoas); ilustração ou desenho, que foi subdividida em ilustração com pessoas,
sem pessoas e a que utiliza fotografia; mapa; gráfico; tabela; esquema; infografia; retrato
(obra de arte, fotografia ou reprodução de ilustração); obra de arte e produto midiático.
Nas duas coleções de Ciências, designadas por Coleção A e Coleção B, ambas com quatro
volumes destinados aos 6o, 7o, 8o e 9o anos do Ensino Fundamental, encontramos o total
de 1.304 e 976 páginas, respectivamente. Contamos 2.067 representações visuais na
Coleção A e 2.199, na B, com média de 1,85 representações visuais, por página. Nas duas
coleções de Matemática, designadas por Coleção A e Coleção B, com quatro volumes e
destinados aos 6o, 7o, 8o, e 9o anos do Ensino Fundamental, encontramos o total de 1.236
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Cognição/representação visual: estudo com livros didáticos de ciências e matemática para o ensino fundamental
Maria Ogécia Drigo • Luciana Coutinho Pagliarini de Souza
e 1.488 páginas, respectivamente. Contamos 5.095 representações visuais ou imagens
na Coleção A e 4.120, na B, com média de 3,4 representações visuais, por página.
Gráfico 1. Distribuição das representações visuais nas duas coleções de Ciências por modalidade
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados obtidos nas coleções da amostra de livros de Ciências
Gráfico 2. Distribuição das representações visuais nas duas coleções de Matemática por modalidade
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados obtidos nas coleções da amostra de livros de Matemática
Consideramos, na perspectiva da semiótica peirceana, que uma disciplina escolar,
a Matemática, por exemplo, pode ser vista como linguagem constituída com outras
modalidades de representação ou signos, distintas da palavra, como fórmulas, gráficos,
tabelas, desenhos, esquemas etc. A gramática especulativa nos fornece as definições e
as classificações para análise de todos os tipos de linguagens. Nas palavras de Santaella
(2002, p. XIV), este ramo da semiótica ou lógica, além de “nos fornecer definições rigorosas
do signo e do modo como os signos agem, (...) contém um grande inventário de tipos
de signos e misturas sígnicas, nas inumeráveis gradações entre o verbal e o não verbal
até o limite do quase-signo”.
Com o objetivo de avaliar a pertinência destas imagens, ou representações visuais,
à cognição, apresenta-se uma classificação das representações visuais encontradas nos
livros selecionados e, em seguida, a partir da lógica que engendram enquanto signos,
realizam-se análises, valendo-se de estratégias metodológicas advindas gramática
especulativa, pois deste “manancial conceitual, podemos extrair estratégias metodológicas
para a leitura e análise de processos empíricos de signos” (SANTAELLA, 2002, p. XIV).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Cognição/representação visual: estudo com livros didáticos de ciências e matemática para o ensino fundamental
Maria Ogécia Drigo • Luciana Coutinho Pagliarini de Souza
CLASSIFICAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES VISUAIS E COGNIÇÃO
As representações visuais apresentadas: fotografias, ilustrações (desenhos), gráficos,
tabelas e outras podem ser classificadas, na perspectiva da semiótica peirceana, considerando-se sua relação com o objeto. Nessa instância em que signo é sinônimo de representação
(lembrando que “representar” é o mesmo que “estar para” ou “fazer as vezes de”), o signo
pode ser classificado como ícone, índice e símbolo. Iniciemos com o ícone e suas subdivisões.
O signo icônico ou hipoícone se constitui quando a mente do leitor/intérprete resgata
relações de comparação entre o signo e o “provável” objeto, que é apresentado pelo
signo. Trata-se de uma representação frágil, pois a mediação estabelecida numa relação
de comparação tem a natureza de uma hipótese, passível de contestação. São três as
modalidades de hipoícone: 1. imagem; 2. diagrama e 3. metáfora. Peirce assim as define:
As imagens participam de simples qualidades (...). Os diagramas representam as relações
principalmente as relações diádicas ou relações assim consideradas – das partes de uma coisa,
utilizando-se de relações análogas em suas próprias partes. (...) As metáforas representam o
caráter representativo de um signo, traçando-lhe um paralelismo com algo diverso. (CP 2.277)
As imagens oferecem qualidades ao olhar do leitor/intérprete. Cor, forma, textura
e jogos construídos com estes aspectos qualitativos levam a mente do leitor/intérprete
a divagações e associações que tecem analogias. As imagens quando muito sugerem
seu referente. Já as formas que se relacionam com o objeto e o alcançam, em diferentes
nuances, são as figurativas. Sendo assim, no caso específico destas imagens, o caráter
icônico é frágil, o que leva a mente do leitor/intérprete à identificação ou à constatação,
aspecto reforçado também pela palavra.
Para os diagramas, a segunda modalidade do hipoícone, a aparência da representação,
ou a semelhança da aparência entre a representação e o representado, não é a condutora
do processo interpretativo, mas as relações, “principalmente as diádicas, ou as que são
consideradas, das partes de uma coisa através de relações análogas em suas próprias
partes” (CP 277). Gráficos, mapas, fórmulas matemáticas são exemplos de diagramas.
Em Giovanni (2012, p. 188), encontramos a fórmula: y = -x2 + 4x – 5 (Fig. 1). Diante
de duas grandezas “y” e “x”, depreende-se que a primeira é dependente e a segunda
independente e que relações se estabelecem entre elas. Estas foram modelizadas, logo,
as grandezas “x” e “y” podem ser as mais diferenciadas, ou seja, a generalização está
envolvida na construção de modelos, tipo de operação mental presente no “fazer” da
matemática. Assim, com a fórmula, as relações são construídas ou reconhecidas com base
nas mesmas operações mentais que realizamos quando as percebemos, independentes
da matéria em que se realizam.
Figura 1. Fórmulas e gráficos
Fonte: Giovanni (9º ano, 2012, p. 188)
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Mas não seria a fórmula um signo de lei, uma vez que essa relação pode se adequar
ou se aplicar a contextos diferenciados, ou ainda, por ser construída baseando-se em
convenções? Sobre isso, as explicações de Peirce:
São particularmente merecedores de notas os ícones cuja semelhança é ajudada por
regras convencionais. Assim, uma fórmula algébrica é um ícone tornada tal pelas regras
de comutação, associação e distribuição de símbolos. À primeira vista, pode parecer
uma classificação arbitrária denominar uma expressão algébrica de ícone; e que ela
poderia ser da mesma forma, ou pela mesma razão ainda, convencionada como um
signo convencional (...). Mas não é assim, pois uma importante propriedade peculiar
ao ícone é a de que, através da sua observação direta, outras verdades relativas a seu
objeto podem ser descobertas além das que bastam para sua determinação. (CP 279)
Assim, não é a aparência ou os aspectos qualitativos da materialidade da
representação visual que orientam, de modo preponderante, a semiose ou a ação do signo,
mas a maneira como os objetos “x” e “y”, no caso, entram na composição da fórmula.
Por essa razão, esta se insere na modalidade de hipoícone denominado diagrama.
No entanto, quando o aluno vale-se da fórmula para construir o gráfico, outra
modalidade de representação das mesmas relações, ou seja, quando ele segue regras
e normas que compõem a linguagem matemática, ela se faz símbolo. Neste aspecto,
podemos reforçar a ideia de que o signo pode se fazer ícone, índice e símbolo e, num
momento ou outro, um deles prepondera. As tabelas e os gráficos também são diagramas.
A tabela (Fig. 2), um diagrama um tanto rudimentar, leva a mente do leitor/intérprete
a obter informações ao cruzar linhas e colunas.
Figura 2. Tabela
Fonte: Trivellato (et al.) (2008, 9º ano, p. 242)
Trata-se de uma representação que utiliza poucas palavras e que permite a
construção de caminhos na busca de informações, ou seja, os olhos do intérprete não
desenham as linhas em que a escrita se assenta, mas estabelecem cruzamentos. As
imagens que constam na tabela, procedimento que não é usual, são desnecessárias, pois
são redundantes em relação aos nomes dos seres vivos, postos na coluna ao lado. O uso
das imagens, neste caso, reforça a ideia de que os livros didáticos tentam se equiparar
aos meios de comunicação, que fazem da emissão – desenfreada – de imagens, a sua
marca, para competir com meios audiovisuais.
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O gráfico, como o exibido pela representação visual (Fig. 3), faz uma síntese de dados
que, devidamente organizados, mostram detalhes de um fenômeno. As informações
podem ser coletadas, quando o leitor/intérprete observa o título que consta no gráfico –
o qual informa sobre o fenômeno –, bem como as duas grandezas envolvidas, que estão
nos eixos horizontal e vertical, o ano em que a Olimpíada se realizou e a quantidade de
medalhas conquistadas, respectivamente.
Possivelmente, a medalha (em desenho) foi utilizada como escala para reforçar
a memorização e auxiliar na atenção concentrada. As barras – enquanto desenhos –
facilitam comparações. Sendo assim, este modo de apresentar, na verdade, propicia tais
comparações, com conhecimentos usuais e do cotidiano sobre medidas.
Figura 3. Tabela
Fonte: Giovanni (9º ano, 2012, p. 18)
Os mapas também são diagramas. As mesmas relações existentes entre todas
as partes do representado devem estar presentes num mapa, o que é possível pelas
convenções de diversos matizes: os modos de identificar rodovias, construções, bem
como comparações entre grandezas, distâncias, áreas edificadas, objetos diversos e
pessoas. Enquanto representação, o mapa também está no lugar do que foi representado,
portanto, não é idêntico a ele. Nos livros didáticos analisados, 0,75% das representações
visuais eram mapas ou utilizavam mapas para compor ilustrações nas coleções de
Ciências e 1,2%, para as de Matemática. Na representação visual (FIG. 4), o mapa compõe
uma ilustração, que por agregar informações não relativas ao mapa propriamente dito,
no sentido convencional, aproxima-se de um infográfico, que veremos mais adiante
detalhadamente.
Figura 4. Mapa compondo ilustração
Fonte: Giovanni (2012, 6º ano, p. 12)
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Também podemos denominar diagramas outras modalidades de representação
visual, como as plantas (Fig. 5), desenhos que representam particularidades de um
edifício projetadas numa superfície horizontal; os esquemas (Fig. 6) e os infográficos
(Fig.7).
Figura 5. Planta
Fonte: Giovanni (2012, 6º ano, p.263)
Esquema, outra modalidade de representação visual presente nos livros didáticos,
também pode ser visto, na perspectiva da semiótica peirceana, como diagrama (FIG.
6). O esquema privilegia o percurso de um fenômeno, ou seja, mostra a sequência de
suas etapas ou fases. O esquema em questão mostra a sequência de processamento de
substâncias químicas por três tipos de bactérias.
Figura 6. Esquema
Fonte: Trivellato (et al.) (7º ano, 2008, p. 88)
Em relação aos infográficos (Fig. 7), que recebem um olhar especial, notadamente nos
jornais, não tem origem recente. Os primeiros vieram com os estudos de Michelangelo e
Leonardo da Vinci sobre o corpo humano. Tais ilustrações constam de um dos volumes
da Coleção de Ciências (Fig. 8).
Figura 7. Infografia
Fonte: Santana (8º ano, 2012, p.135)
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Figura 8. Infografias
Fonte: Trivellato (et al.) (8º ano, 2008, p. 9)
Conforme Sancho (2001), a infografia remonta mais de quinze mil anos, quando o
homem das cavernas gravava, junto a pinturas rupestres, caracteres que corresponderiam a uma escrita. No contexto atual, o desenvolvimento da informática e dos softwares
gráficos deu novas possibilidades à produção desta modalidade de representação. Trata-se de um sistema híbrido de comunicação, pois conjuga a linguagem verbal e a visual,
ao empregar tanto palavras e sentenças como imagens e outras representações visuais.
Graças ao seu poder de síntese, tal representação tem ampla utilização nos informes e
catálogos empresariais, na ciência, na física, na engenharia, na estatística, na publicidade,
no design de produtos, na educação presencial e on-line, na tecnologia da informação, nas
empresas de comunicação e entretenimento, nos manuais de instruções, na divulgação
científica e no jornalismo.
As imagens que constam nas infografias oferecem informações adicionais e propiciam a atenção concentrada, por demarcar pontos importantes num arranjo espacial,
o que leva o leitor/intérprete a fazer conjeturas, suposições. Tal modalidade de representação deve ser análoga ao modelo mental espacial-analógico necessário à compreensão do conteúdo, pois sendo assim, pode operar, praticamente, a reconstrução de um
modelo; enquanto o emprego da linguagem verbal demanda, inicialmente, a construção
de uma representação diagramática do conteúdo para, em seguida, vir a elaboração de
um modelo espacial-analógico.
Colle (2004), Sancho (2001) e Ribas (2004) elaboraram várias classificações para a infografia jornalística. Para nossa pesquisa, consideramos adequada a classificação dada por
Peltzer (1991): infografia de vista, explicativa e reportagem infográfica. Vejamos cada uma
dessas modalidades. A infografia de vista apresenta desenhos explícitos, que mostram
os elementos reais colocados em seu lugar, com detalhes e proporção, acompanhados ou
não de legendas e números explicativos. Eles podem ser subdivididos em: a) plano, como
a representação gráfica em uma superfície, um terreno, um ambiente ou um local externo
qualquer; b) corte, vista do interior de um corpo; c) perspectiva, que faz a representação
de objetos em três dimensões e d) panorama, que constrói a vista de um horizonte.
A segunda modalidade, infografia explicativa, como o próprio nome indica, explica
fatos, acontecimentos, fenômenos ou processos. As subdivisões são as seguintes: a) de
causa-efeito, que explica a causa e o efeito do fato, fenômeno, acontecimento ou processo; b)
retrospectiva, que explica algo que ocorreu no passado, respondendo às questões: o quê?,
quando?, onde? e por quê); c) antecipativa, que explica com previsões, suposições sobre algo
que pode ocorrer; d) passo a passo, que expressa as etapas e sequências de um processo;
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e, por fim, e) de fluxo, que descreve as conexões e os passos de um processo ou uma
série de procedimentos.
A reportagem infográfica, terceira modalidade de infografia e adequada ao jornal,
principalmente, apresenta o relato informativo de um fato e pode ser subdividida em: a)
realista, na qual as pessoas ou coisas são representadas sob a perspectiva do infografista
e b) simulada, na qual as representações seguem o processo criativo do infografista, no
entanto, baseia-se em dados reais.
As infografias de vista e explicativa são as que predominam nos livros didáticos da
amostra selecionada. A exibida pela figura 7 pode ser classificada como infografia de vista,
na modalidade corte. Considerando-se a pertinência desta modalidade de representação,
por exibir a síntese de uma ideia, conceito ou conteúdo, de forma diagramática, podemos
dizer que a presença destas na amostra foi pouco significativa, em comparação com a
quantidade de fotografias e ilustrações. Nas coleções de Matemática, os percentuais
foram imperceptíveis (0,2% e 0,1%), enquanto que nas coleções de Ciências, foram de 2,5%
e 5,3%. O percentual maior foi encontrado nos volumes que tratam do corpo humano,
onde tradicionalmente, na educação, elas são mais utilizadas.
Após caminhar pelos livros da amostra e classificar as representações visuais encontradas, retomemos a subdivisão do ícone. Mencionamos duas delas: imagem e diagrama.
Resta comentar a metáfora. Se a imagem caracteriza-se pela similaridade na aparência; o
diagrama, pela similaridade de relações; a metáfora caracteriza-se pela similaridade de
significados. As metáforas constroem novos significados ao associarem o caráter representativo do signo com o de um possível objeto. Elas aproximam o significado de duas
coisas distintas e transferem, transformam a linguagem literal (denotativa) para a figurada (conotativa). Assim, em “A aurora da minha vida”, o significado de aurora entra em
paralelo com o de vida e vice-versa, enfatizando uma relação de semelhança entre ambos.
Metáforas também são encontradas na imagem. As formas visuais que correspondem
à metáfora “são aquelas que, mesmo reproduzindo a aparência externa das coisas, essa
aparência é utilizada apenas como meio para representar algo que não está visualmente
acessível e que, via de regra, tem um caráter abstrato e geral” (SANTAELLA, 2001 p.59).
Encontramos nas coleções de Ciências apenas duas imagens metafóricas (Fig. 9 e Fig. 10).
Figura 9. O céu é o limite?
Fonte: Santana (2012, 6ª. série, p. 12)
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Cognição/representação visual: estudo com livros didáticos de ciências e matemática para o ensino fundamental
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As duas metáforas visuais referem-se a interpretações relativas à Terra e oriundas
de outras culturas. A figura 9, uma gravura do século XVI, exibe a crença dos povos
antigos sobre a relação entre o aparecimento de estrelas e as chuvas, enquanto a figura
10 é uma representação visual elaborada a partir da explicação que os hindus davam
para a forma da terra. Enquanto ícone, esta modalidade de representação visual incita
o leitor/intérprete a fazer conjeturas, instiga a imaginação e a curiosidade. Sendo assim,
os livros didáticos deveriam utilizar mais as metáforas visuais.
Figura 10. O que sustenta a tartaruga?
Fonte: Santana (2012, 6ª. série, p. 12)
Tratamos do ícone e, ao mesmo tempo, percorremos os livros que compõem a
amostra. Vamos tratar, em seguida, do índice. As fotografias, que aparecem em grande
quantidade, nas duas coleções, considerando-se a sua relação com o referente – o
representado – predominam como índices. Vale lembrar que o percentual de fotografias
(com pessoas ou sem pessoas) foi de 33,95% e 10,55%, para as Coleções de Ciências e
Matemática, respectivamente. A fotografia é um signo que prepondera como índice,
devido o seu vínculo com o real, pois o referente (o objeto fotografado), de alguma
maneira esteve diante da câmera. Nos livros das coleções de Ciências a quantidade de
fotografias é significativa. Mas, em que medida elas auxiliam a cognição?
O índice nos conecta ao mundo real e este elo vem como uma força que impele,
aponta, impulsiona. Para Peirce, o índice, “como um dedo apontando, exerce sobre a
atenção uma força fisiológica real, como o poder de um magnetizador, dirigindo-a para
um objeto particular dos sentidos” (CP 8.41). O índice, portanto, nas palavras de Peirce:
Refere-se a seu objeto não tanto em virtude de uma similaridade ou analogia qualquer com
ele, nem pelo fato de estar associado a caracteres gerais que esse objeto acontece ter, mas
sim por estar numa conexão dinâmica (espacial inclusive) tanto com o objeto individual,
por um lado, quanto, por outro lado, com os sentidos ou a memória da pessoa a quem serve
de signo. (CP 2.305)
Conforme Drigo e Souza (2013,) os índices, de modo geral, não são semelhantes
aos objetos para os quais apontam ou sinalizam; referem-se a individuais, unidades,
singulares, coleções singulares de unidades ou a contínuos singulares e, por fim, dirigem
a atenção para seus objetos com uma compulsão cega. Não há índices absolutamente
puros, ou seja, sem resquícios icônicos, e signos absolutamente desprovidos de
qualidades indiciais. Psicologicamente, a ação do índice depende de uma associação
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por contiguidade, e não de uma associação por semelhança, como requer o ícone, ou de
operação intelectual, imprescindível para o símbolo. Os efeitos do índice estão na seara
da constatação, da ação-reação. Na linguagem matemática, como exemplo, são índices as
letras maiúsculas que aparecem junto aos vértices do sólido geométrico da representação
visual; as setas que indicam a altura do sólido representada por um segmento de reta
e o segmento de reta que exibe o comprimento da sombra (Fig. 11).
Figura 11. Sólido geométrico
Fonte: Souza e Pataro (9º ano, 2012, p. 141)
Retomando a questão das fotografias, podemos inferir que, enquanto índices, elas
estão presentes nos livros didáticos para testemunhar, documentar (Fig.12). Os efeitos,
em relação ao conteúdo ou conceito tratado, pode ser o de redundância, auxiliando
na memorização, portanto. No entanto, considerando-se que as fotografias inundam
outras mídias, como a internet, então outras modalidades de representação visual
mais adequadas à cognição poderiam ocupar este espaço, que é vasto, tal como já foi
comentado a partir dos gráficos 1 e 2.
Há ilustrações que utilizam fotografias para documentar a diversidade presente
nos ambientes escolares, bem como, neste caso, para construir uma espécie de diálogo
com o leitor/intérprete. As explicações que deveriam vir no texto aparecem compondo
as ilustrações, como em histórias em quadrinhos. Os dois aspectos contribuem para
aproximar o modo de apresentação do livro didático de especificidades de outras mídias.
Figura 12. A fotografia como registro do real
Fonte: Santana (8º ano, 2012, p. 56)
O símbolo, a terceira classificação de signo quando tomamos a relação deste com
o objeto, ganha novas roupagens, pois não só as palavras constituem a linguagem das
ciências e a da matemática. Há símbolos que representam os elementos químicos, as
operações matemáticas, os números. Conforme Drigo e Souza (2013), segundo Peirce,
o símbolo designa um signo convencional, ou que depende de um hábito que pode ser
adquirido ou nato. Ele não indica uma coisa particular, mas uma coleção de coisas.
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Assim, são símbolos, um estandarte ou insígnia, uma senha, um emblema, um credo
religioso – porque serve como senha ou emblema –, um bilhete ou talão qualquer que
autorize alguém a receber algo, uma entrada de teatro.
Peirce, em um dos seus exemplos, menciona a palavra “estrela”. Tal palavra não
é em si mesma imaginável, uma vez que mesmo quando transposta para o papel ou
pronunciada, apenas um de seus aspectos pode ser considerado. É uma palavra quando
quer dizer “astro com luz própria”, outra quando significa “celebridade” e outra ainda
quando vem no lugar de “sorte”. “Podemos escrever a palavra ‘estrela’, porém isso não
faz de quem a escreveu o criador da palavra, assim como, se apagarmos a palavra, não
a destruímos. A palavra vive na mente de quem as usa” (CP 2. 301). E é por força da
“ideia da mente-que-usa-o-símbolo” (CP 2.299) que o símbolo se conecta ao objeto e sem
ela tal conexão seria impossível.
A razão de ser do símbolo enquanto signo deve-se ao interpretante – terceiro elemento
constituinte do signo responsável pelo sentido que põe em curso a semiose. O caráter do
símbolo está na generalidade e sua função é crescer nos interpretantes que produzirá.
O símbolo é abstrato, tem o caráter de lei, logo, ele requer manifestações, atualizações,
que são denominadas réplicas. Retomemos a Figura 1. A sentença matemática: “y = -x2
+ 4x – 5” é um símbolo quando o estudante executa as regras nela explicitas, enquanto
a representação gráfica obtida constitui uma outra réplica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, ícones, índices e símbolos constituem as linguagens das Ciências e da
Matemática, enquanto disciplinas escolares. A linguagem matemática, que requer
tabelas, diagramas e fórmulas, predomina como icônica. Além deste aspecto, o processo
de produção dos livros investe em ícones que, na perspectiva da semiótica peirceana,
são classificadas como imagens, bem como nos índices, os que têm forte conexão com o
real, as fotografias. Priorizar as imagens em detrimento dos diagramas não é a melhor
opção, uma vez que são os diagramas – pelo seu caráter de síntese e de modelo – que
podem contribuir para a conexão de ideias, para o crescimento delas. Sugerimos que
os textos dos livros didáticos estabeleçam uma relação de maior proximidade com os
diagramas, a ponto de necessitar de infografias, de metáforas visuais.
Os livros didáticos, em geral, deveriam amenizar os efeitos deste bombardeamento
por imagens, não só zelando pela diminuição delas como também priorizando as
mais profícuas à cognição, bem como se fazem necessárias estratégias metodológicas
para interpretar visualmente ideias, ou seja, para elaborar e interpretar diagramas,
em geral –, e para análise de imagens ou representações visuais. Os educadores, de
modo geral, também precisam se preocupar com a educação do olhar para as imagens.
REFERÊNCIAS
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1363
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1364
Representações sociais, Meio ambiente e Educomunicação:
da construção de sentidos à proatividade cidadã
Social representations, Environment and Educommunication:
the construction of meaning to citizen proactivity
S a n d r a P e r e i r a Fa l c ã o 1
Resumo: Trata-se de verificação e análise de nexos entre percepção socioambiental
e construção de sentidos proativos mediados pela comunicação ambiental em
área urbana ambientalmente prejudicada. Citelli (2006), Soares (2011), Loureiro
(2004), Novicki (2007), Moscovici (2011), Ribeiro (2004), Reigota (2010), Coimbra
(2004), Goothuzem (2009), Sêga (2000), Lopes (2005) e Pontuschka (2011) integram
o arcabouço teórico do trabalho. Os elementos conclusivos apontam para a
necessidade de: a) ampliar discussões em torno do cuidado ambiental urbano;
b) estimular a proatividade cidadã nesse campo; c) reforçar as mediações
educomunicativas (nas escolas, com maior frequência, e também em outros
espaços coletivos) referentes à inter-relação indivíduo-meio ambiente nas urbes
contemporâneas.
Palavras-Chave: educomunicação socioambiental – comunicação ambiental
urbana – educação ambiental emancipatória – educomunicação - trânsitos
discursivos multidimensionais
Abstract: This paper treats about verification and analysis links between
environmental awareness and building proactive way mediated by
environmental communication in environmentally impaired urban area.
Citelli (2006), Soares (2011), Loureiro (2004), Novicki (2007), Moscovici (2011),
Ribeiro (2004), Reigota (2010), Coimbra (2004), Goothuzem (2009), Sêga (2000
), Lopes (2005) and Pontuschka (2011) are part of the theoretical framework of
the work. The conclusive elements point to the need to: a) expand discussions
on urban environmental care; b) encourage citizen proactivity in this field; c)
strengthen educommunicative mediations (in schools, more often, and also in
other collective spaces) concerning the inter-relationship between individual
and environment in contemporary cities.
Keywords: environmental educommunication - urban environmental communication - emancipatory environmental education – educommunication discursive multidimensional transits
1. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo. Bolsista CNPq, sob orientação do prof. Dr. Adilson Citelli. E-mail:
[email protected].
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1365
Representações sociais, Meio ambiente e Educomunicação: da construção de sentidos à proatividade cidadã
Sandra Pereira Falcão
INTRODUÇÃO
REVISITAÇÃO TEÓRICA dos processos comunicacionais de natureza socioam-
A
biental envolvendo as relações munícipe e diferentes esferas sociais − poder
público, sistema educacional, igrejas, empresas, meios de comunicação de massa,
organizações da sociedade civil − revela faces da comunicação sobre o meio fortemente
vinculadas com o papel das representações nas Ciências Sociais. O intuito de amarrar os
contributos dessa vertente ao objetivo de estudar os processos de comunicação ambiental
enquanto produtores de sentido e proatividade entre cidadãos urbanos conduz-nos às
reflexões aqui propostas. Organizamos o artigo, portanto, em três momentos coadunados: no primeiro, revisitamos contributos teóricos acerca das representações sociais e
suas relações com a problemática socioambiental nas cidades; no segundo, analisamos
alguns resultados de pesquisa diretamente vinculados à relação representações sociais-meio ambiente urbano e, na terceira e última parte, reunimos elementos conclusivos
que sinalizam o papel da educomunicação nessa rede de relações.
1. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PROBLEMÁTICA AMBIENTAL
URBANA: UM OLHAR COMUNICATIVO-EDUCATIVO
Revisitando o estudo das representações sociais desenvolvido por Émile Durkheim,
Reigota (2010, p. 67) traz-nos à lembrança o fato de que o estudioso do século passado –
um dos fundadores da Sociologia − discutiu “a importância das representações dentro
de uma coletividade e como elas influem nas decisões que os seres humanos tomam
individualmente”. A partir da discussão das formulações de Durkheim, frutificaram
estudos capazes de nos auxiliar na melhor compreensão da natureza das representações,
entre eles os de Moscovici (2011).
O interesse de Moscovici pela inovação e a mudança social, afirma Gerard Duveen,
seu editor, levaram-no a perceber que, da perspectiva sociopsicológica, não convém
considerar as representações como algo dado nem tomá-las como simples variáveis
explicativas. A partir da perspectiva tecida é que, ao contrário, a construção dessas
‘formulações’ transforma-se na questão a discutir. Na introdução da obra Representações
Sociais, de Serge Moscovici, Duveen realça o fato de que as representações ilustram o papel
e a influência da comunicação em nossas vidas, pois adentram nosso mundo cotidiano,
circulam na mídia que lemos e olhamos, integram nossas conversas e discussões com
amigos e colegas. “Sustentadas pelas influências sociais da comunicação, constituem
as realidades de nossas vidas cotidianas” e funcionam “como o principal meio para
estabelecer as associações com as quais nos ligamos uns aos outros” (DUVEEN, 2011, p. 8).
As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se entrecruzam e se
cristalizam continuamente, através duma palavra, dum gesto, ou duma reunião, em nosso
mundo cotidiano. Elas impregnam a maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos
que nós produzimos ou consumimos e as comunicações que estabelecemos. Nós sabemos
que elas correspondem, dum lado, à substância simbólica que entra na sua elaboração e, do
mesmo modo como a ciência ou o mito, correspondem a uma prática científica ou mítica
(MOSCOVICI, 1976, ap. DUVEEN, 2011, p. 10).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1366
Representações sociais, Meio ambiente e Educomunicação: da construção de sentidos à proatividade cidadã
Sandra Pereira Falcão
Sêga (2000), analisando os olhares de Jodelet e Moscovici acerca da representação social,
assegura que ela é um conhecimento prático, conferidor de sentido aos acontecimentos
que nos são normais, forjador de evidências em nossa realidade consensual e auxiliar na
construção social da realidade na qual nos inserimos. Isso se dá porque as representações
emergem como uma forma de interpretar a realidade cotidiana e refletir sobre ela, um
modo de conhecimento da atividade mental que os indivíduos e os grupos desenvolvem
“para fixar suas posições em relação a situações, eventos, objetos e comunicações que
lhes concernem” (SÊGA, 2000, p. 128). O contexto concreto no qual estão situados os
grupos e as pessoas individualmente, a comunicação estabelecida entre eles, o quadro
de apreensão disponibilizado por sua bagagem cultural, os códigos, símbolos, valores e
ideologia ligados às posições e vinculações sociais específicas demonstram a intervenção
multifacetada do social nesse processo (SÊGA, 2000).
No tocante à realidade ambiental, a sociedade igualmente traduz seu modo de ver
ou sua opinião corrente por intermédio das representações sociais. Tais representações
alteram-se conforme as regiões e os patamares sociais, entretanto permanecem ligadas
à cultura dominante (REIGOTA, 2010; COIMBRA, 2004). Coimbra (2004) afirma que isso
é resultado de fatores históricos, culturais e naturais, considerando-se o paradigma
norteador da formação nacional, a visão religiosa de mundo, a organização política, os
modelos econômicos adotados, bem como os componentes físicos do ambiente natural
e suas influências no meio.
Quanto aos influxos ambientais, alinhamo-nos a Sêga, a partir do seguinte argumento:
os resultados das pesquisas em psicologia social mostram que existe uma certa impermeabilidade à informação. As informações são dispersas e se manifestam em diversas
circunstâncias. Tantos que os sábios ingênuos, as pessoas que tendem a resistir aos
fatos, não aceitam as teorias implícitas do conhecimento. Eles tendem a excluir certas
informações e apegar-se a outras menos importantes. Essas crenças conservam todas
as informações que lhes confirmam e se livram de todas as que lhes invalidam (SÊGA,
2000, p. 131-132, grifo do autor).
No Brasil, pari passu com o desperdício e um sem-número de agressões ao meio
ambiente originadas de representações questionáveis, bem como da inconsciência,
da ignorância ou da ganância, aparece uma sensibilização vaga e tímida acerca dos
problemas ambientais regionais e nacionais. Habitualmente, confirmam pesquisas, o
brasileiro age “seguindo a conjunção de ideias, sentimentos e ações, nem sempre em
equilíbrio” (COIMBRA, 2004, p. 546), o que dificulta a percepção objetiva dos desmandos
ambientais e suas soluções. Tal fenômeno, considerado contraditório por Coimbra,
faz-se notadamente perceptível “quando se comparam as representações sociais do
meio ambiente com as representações sociais do desenvolvimento e do progresso”. São
incoerentes, para o autor, as práticas adotadas e o discurso ambiental em uma sociedade
na qual o consumismo se impõe como costume cotidiano da maioria.
A trilha de mudanças urgentes a implantar “aponta para as comunidades locais
ou pequenas comunidades, para os grupos de militância e os formadores de opinião”
(COIMBRA, 2004, p. 546). A abordagem de temas de interesse local contribui para melhorar
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a percepção social do meio ambiente e, assim, torna-se capaz de criar motivações para
uma ação ambiental participativa, à maneira do que disse Goothuzem (2009). Coimbra
(2004) agrega a esse raciocínio um velho aforismo filosófico: “nada pode ser desejado
se antes não for conhecido” – e a partir daqui vislumbramos um elo adicional entre a
comunicação e a questão ambiental, dessa vez condicionado à circulação do discurso
produzido nessa interface.
O vetor principal da formação das representações sociais é perceptível através
das formações discursivas pelas quais circula, segundo Jodelet (1998). Para ela, as
representações sociais “circulam no discurso, são realizadas pelas palavras e transmitidas
nas mensagens e imagens de mídia, cristalizadas nos equipamentos condutivos e nos
agenciamentos materiais ou espaciais” (JODELET, 1998, p. 32, tradução nossa).
Associadas ao discurso circulante, as especificidades que explicam a complexidade
das representações auxiliam, pois, na construção de sistemas de pensamento e
compreensão e, de outro ângulo, prestam-se à adoção de visões consensuais de ação as
quais permitem aos indivíduos manter um vínculo social, ou, ainda, “a continuidade
da comunicação da ideia” (MOSCOVICI, 2011, p. 216).
Outrossim, o status simbólico constituinte dos fenômenos de representação social
estabelece um vínculo, constrói uma imagem, evoca, diz e faz com que se fale, partilha
um significado por meio de “algumas proposições transmissíveis” (MOSCOVICI, 2011,
p. 216). Grize lembra que um indivíduo imerso num dado momento sócio-histórico
desenvolve modelos mentais que são em grande medida um reflexo das representações
coletivas do corpo social do qual faz parte (GRIZE, 1993). Vignaux, por seu turno,
considera o processo de esquematização discursiva inseparável de uma categorização
permanente e fixa qualquer expressão simbólica dos nossos relatórios cognitivos como
algo que só pode ser expresso simbolicamente, por meio de argumentos que estabelecem
as formas comuns dos discursos e representações do mundo (VIGNAUX, 1991).
As representações são vistas tanto em Grize e Vignaux quanto em Moscovici como
fenômenos que interferem em todas as relações simbólicas criadas e mantidas por
uma sociedade e que se interconectam a tudo que gera efeitos em termos de economia
ou poder. Não se trata de uma questão ideológica, diz Moscovici − apoiado em Grize
(1993) e Vignaux (1991) − mas de “todas aquelas interações que, das profundezas às
alturas, das matérias brutas até as efemeridades das estruturas sociais, são transmitidas
através do filtro das linguagens, imagens e lógicas naturais” (MOSCOVICI, 2011, p.
216, grifo nosso).
As interações referidas por Moscovici objetivam a constituição de mentalidades ou
crenças capazes de influenciar os comportamentos (MOSCOVICI, 2011), cuja tessitura,
no campo da problemática ambiental urbana concernente à proatividade ou à inação
cotidiana dos indivíduos, envolve disfunções específicas de comunicação vivenciadas
pelos munícipes (algumas delas capazes de produzir interpretações equivocadas e
mesmo a incomunicabilidade socioambiental). Tais trocas informativas merecem
atenção redobrada, portanto, quando o assunto é gestão do meio ambiente. Ribeiro
considera existir um problema de comunicação quando o público recebe informações
inapropriadas ou inadequadas, tecidas e impingidas de maneira autoritária; em
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contraposição a isso, sugere, os interlocutores precisam reconhecer-se nos objetivos
traçados pelos gestores ambientais, pois somente assim se alcançará a comunicação
eficaz. “Os objetivos da comunicação devem ser coerentes com as opções de ação
escolhidas, pois elas devem influenciar as pessoas, fazendo com que mudem suas
atitudes e comportamentos no sentido desejado” (RIBEIRO, 2004, p. 82).
Importa observar a disponibilidade, apontada pela autora, tanto dos canais massivos
de comunicação quanto dos canais que ela lista como alternativos, categorizando-os
a partir de três chaves: a) impressos; b) audiovisuais e c) interativos. A pesquisadora
menciona cinquenta e quatro possibilidades dialógicas para a interação socioambiental.
Quaisquer que sejam, entretanto, as formas de comunicação sobre meio ambiente
disponibilizadas ao cidadão hoje, cientes delas, havemos de refletir continuamente
sobre o valor da palavra como dispositivo magno, capaz de gerar a multiplicidade de
representações que conduzirão ou não a uma postura proativa do indivíduo em plano
glocal. Fazendo uso da palavra, pois, seguimos no encalço de pistas capazes de sinalizar
proatividade no campo socioambiental urbano: elaboramos um caderno de questões
com diversas perguntas envolvendo representações sociais, a ser respondido por nossos
sujeitos de pesquisa. Alguns dos resultados serão apresentados e analisados a seguir.
2. REPRESENTAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS DE JOVENS E ADULTOS
DO DISTRITO VILA MEDEIROS 2
Para reunir em nossa investigação um conjunto de dados consistente, adotamos
a multiplicidade de técnicas, conforme sugerem Lopes (2005) e Pontuschka (2011):
revisão teórica meticulosa, entrevistas em profundidade gravadas em áudio e vídeo,
levantamento e planilhamento de dados, observação in loco, registros fotográficos,
questionários aplicados aos moradores do espaço pesquisado. Trabalhamos, quanto
aos respondentes dos questionários, com uma amostra estratificada e não probabilística,
constituída de 179 sujeitos de pesquisa: 57 adultos (denominado grupo azul), 62 jovens
do ensino médio (grupo laranja) e 60 jovens do ensino fundamental (grupo verde). Do
total de respostas colhidas, selecionamos algumas, vinculadas com mais intensidade à
abordagem teórica empreendida neste artigo.
A partir delas, trazemos à discussão a busca de sentidos promotores de maior
compreensão da atitude de distanciamento predominante entre os moradores
(comprovada no conjunto de nossa investigação). Em dado momento do questionário,
propusemos a escolha de apenas um entre uma série de comportamentos possíveis face
à degradação ambiental presenciada no lócus de pesquisa − com a intenção de apurar
as posturas comunicacionais mais frequentes, para, em ocasiões posteriores, traçar
planos de ação local visando à interação com o morador a partir da análise coletiva
dessas mesmas atitudes.
Iniciaremos a análise pelas respostas dos mais jovens à proposição: “Quando você
percebe, por meio da observação direta, que algo vai mal no meio ambiente do bairro,
você, primeiramente...”
2. O distrito Vila Medeiros (São Paulo, capital, subprefeitura Vila Maria-Vila Guilherme) possui 7,80km2,
população total de 129.919 habitantes (de acordo com o censo 2010 do IBGE) e apresenta múltiplos problemas
socioambientais.
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Figura 1. Primeira atitude dos jovens do ensino fundamental ao observar
um problema ambiental em seu bairro (fonte: FALCÃO, 2013)
Destacam-se entre os resultados: 1º) o sentimento de não empoderamento dos mais
jovens face a questões ambientais do lugar em que vivem: a maioria deles acredita
não ter chance de interferir nesses assuntos; 2º) a conversa com a família seria o canal
mais empregado caso sentissem necessidade de agir, e não a internet, mencionada
em respostas anteriores por esse grupo como o canal mais importante para tratar de
assuntos ambientais da região; 3º) uma parcela bastante significativa desses jovens
sequer conseguiu responder à questão, o que pode ser um indício da dificuldade de
reflexão sobre sua relação com o meio ambiente local. Poderíamos pensar também em
cansaço face à quantidade de perguntas feitas no estudo, porém notamos que essa
indagação teve alto índice de não respostas, enquanto outras perguntas mais para o
final do questionário foram respondidas normalmente. Perguntamos a alguns jovens,
no decurso da atividade, por que não responderam àquela questão e duas respostas
comuns foram “Achei difícil” ou “Não sei”. Imaginamos que os jovens encontraram,
portanto, dificuldade de se localizar em um processo de empoderamento cidadão.
Como nossa quarta observação sobre esse conjunto de dados, está o fato de que o
jovem parece pensar pouco em procurar a escola, representada na figura de um professor,
quando a ideia é tomar alguma providência com relação a agravos ambientais. Isso
configuraria mais um distanciamento da escola em relação ao que acontece no espaço
exterior a seus muros e pode ter relação com a não aplicação dos princípios propostos
pelo Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA, 2008).
A dimensão pedagógica responsável por gerar os saberes sobre o meio, do ponto de
vista global e local, a partir das interações dos indivíduos entre si e com a natureza, bem
como a partir da produção cultural em torno dessas trocas (PRONEA, 2008, p. 10) acha-se
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de algum modo prejudicada em nosso locus de pesquisa. Assim, parecem dissociadas,
no momento, as questões ambientais e sociais e o fazer-pensar dos atos educativos e
comunicativos (PRONEA, 2008, p. 10) relacionados a elas. O item outra atitude, é bom
lembrar, foi criado para investigar se haveria outras conexões educomunicativas que
nos tivessem escapado à primeira vista. Apenas dois jovens o assinalaram, mas não
esclareceram qual seria sua outra atitude.
O gráfico subsequente traz os resultados dos grupos azul (adultos) e laranja (jovens
do ensino médio) para a mesma questão3:
Figura 2. Primeira atitude dos adultos e jovens do ensino médio ao observarem um problema
ambiental no bairro
(fonte: FALCÃO, 2013)
Esses dois grupos também apresentaram índice de ‘não respostas’, o que pode ter
acontecido pela mesma razão suspeitada no grupo dos jovens de ensino fundamental
(dificuldade de reflexão), mas também por outras possibilidades, entre as quais a seguinte:
3. Elaborada com os mesmo conteúdos, porém com termos ligeiramente diferentes daqueles empregados
para os jovens de ensino fundamental I, dada a maior maturidade dos respondentes.
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Representações sociais, Meio ambiente e Educomunicação: da construção de sentidos à proatividade cidadã
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nesses grupos, o “índice de anulação” existiu, porque vários respondentes assinalaram
duas ou três atitudes, quando o enunciado da questão solicitava que assinalassem apenas
o primeiro comportamento que lhes era habitual. Como não houve dificuldade de
compreensão do enunciado durante os pilotos que realizamos, não foi possível controlar
as distorções advindas desse entendimento parcialmente impreciso por parte de alguns
respondentes, resultando daí o índice de respostas não tão esclarecedoras na casa dos
18%. Optamos, entretanto, por conservar tais resultados no trabalho, inclusive como
forma de alertar outros pesquisadores sobre cuidados adicionais a ter com os pré-testes
na fase anterior ao campo. Passemos, então, à avaliação dos demais itens constantes do
gráfico, pois estes não se incluem na problemática acima referida.
Entre os jovens de ensino médio, empatam como primeira atitude comunicacional
diante de uma mazela ambiental detectada em seu bairro a decisão de “não pensar
nisso, pois não acreditariam estar em suas mãos a chance de tomar providências” e a
“reflexão sobre soluções, com subsequente ‘engavetamento’”. A terceira atitude mais
comum declarada por esse grupo foi “pensar por alguns instantes, concordar com a
existência do problema e continuar vivendo sua vida como sempre foi”. Em todas as
opções destaca-se a atitude de distanciamento face à problemática ambiental urbana. O
item outra atitude foi preenchido por apenas três jovens, um com a palavra ‘nenhuma’,
outro grafou a frase ‘nunca ocorreu’ e a terceira pessoa trouxe uma reflexão próxima
da quinta opção oferecida na questão: “Eu penso, sei que tem problema, mas não tomo
nenhuma atitude”. Essa reflexão, embora aponte para a passividade, indica também
um grau de consciência em relação ao que é vivenciado cotidianamente no espaço
público do bairro.
Quanto ao grupo dos adultos, prevaleceu, com ligeira diferença em relação aos
demais itens majoritários, a atitude “pensa por um tempo e contata amigos e conhecidos
para juntos tomarem providências”, evidenciando uma postura um pouco mais proativa
em relação à dos jovens, mas não muito, pois uma observação mais acurada do gráfico
revelará que entre os adultos empatam diversas outras posturas comunicacionais além
dessa, inclusive as que se referem ao distanciamento.
Os índices mais baixos verificados para a opção que envolve o “tentar resolver
sozinho” podem indicar uma valorização do fazer coletivo, característico da Educação
Ambiental Emancipatória (LOUREIRO, 2004), a partir da qual seria possível engrenar
ações educomunicativas para trazer os cidadãos à participação. (O item outras atitudes
foi assinalado por quatro respondentes. Apenas três disseram qual atitude costumam
tomar, porém as respostas não se conectam de modo direto ao que foi perguntado ).
Esse fazer coletivo, desejável do ponto de vista da ação proativa em favor do
ambiente, conectava-se, em nosso questionário, a mais algumas perguntas. Os gráficos
resultantes de duas delas serão comentados a seguir, pois exemplificam com maior
nitidez sentidos coletivos observados (ou não) pelo respondente na região onde reside.
Partindo do particular para o geral, indagamos primeiramente qual o seu grau imediato
de disposição para engajar-se em um projeto em favor do meio ambiente do bairro.
Surgiram as seguintes respostas:
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Figura 3. Disposição atual para engajar-se em uma ação em favor do meio ambiente local
(fonte: FALCÃO, 2013)
Os dados evidenciam, para os três grupos pesquisados, uma tendência a situar-se
em uma zona de conforto, representada por responder ao pesquisador que tem ‘média
disposição’ para participar. Trata-se de uma inclinação importante, embora só possa
tornar-se auspiciosa se convertida em maior disposição, que conduza à ação proativa.
Do mesmo modo, torna-se possível perceber que a oscilação dos três grupos entre
nenhuma, pouca e muita disposição para participar remetem à possibilidade de se
ganhar definitivamente a adesão dos grupos a partir de ações educomunicativas que
poderiam ser pensadas tanto pelas equipes de educação ambiental e de saúde que
trabalham no distrito, quanto pelas escolas e demais instituições/entidades locais. Uma
dessas ações pode incluir, por exemplo, grupos de discussão sobre as representações dos
moradores acerca de sua relação com o espaço físico do bairro, como ponto de partida
para a reflexão sobre a necessidade de ação individual e coletiva no combate aos agravos
ambientais vivenciados cotidianamente.
Todavia, ao analisar os sentidos produzidos pelos vários discursos em circulação, é
preciso estar atento para o que argumenta Adilson Citelli (2006, p.17) : “o que se afirma
como o real costuma esconder um mero exercício discursivo, algo cuja consistência diz
respeito apenas ao âmbito da própria palavra”.
Assim, ainda que exista, desse ponto de vista, uma certa fragilização do termo
representação, a qual teria dado, como pondera o pesquisador, “continuidade, apenas, ao
desejo de mostrar coisas onde só existem formas de composição delas” (CITELLI, 2006,
p.17), pensamos que a análise das representações sociais (MOSCOVICI, 2011; DUVEEN,
2011; REIGOTA, 2010; SÊGA, 2000; COIMBRA, 2004; JODELET, 1998; GRIZE, 1993;
VIGNAUX, 1991) permanece insumo indispensável para a compreensão de determinados
fenômenos – como o discurso ambiental em trânsito nos centros urbanos. “Não há
outros meios, com exceção do discurso e dos sentidos que ele contém, pelos quais as
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pessoas e os grupos sejam capazes de se orientar e se adaptar” à busca e realização de
“uma coerência argumentativa, de uma racionalidade e da integridade normativa” do
conjunto (MOSCOVICI, 2011, p.216). Em nossa pesquisa, dado o intervalo de tempo disponível para o trabalho analítico
do que se recolheu com o conjunto de métodos adotado, não nos foi possível agregar
também a coleta de representações por meio de grupos de discussão, mas o fizemos
com o auxílio de outro expediente: reunimos algumas representações correntes de que
tivemos conhecimento em conversas informais com moradores e gestores ambientais do
distrito e montamos uma questão. Pedimos que o respondente assinalasse percepções
coadunadas, a seu ver, com as da maioria dos moradores da sua região.
O quadro a seguir as organiza:
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No grupo dos adultos, a representação majoritária associa-se à preocupação com o
desconhecimento das leis ambientais do município. Em segundo lugar, para esse grupo,
aparece a preocupação com o fato de que a maioria dos moradores não percebe a piora
da qualidade do ar da cidade nos últimos tempos. Essas duas representações sugerem
deficiências quanto aos fluxos ou quanto à interpretação dos fluxos de informação
ambiental circulantes na região.
Em terceiro lugar, aparece a ideia de que faltam aos moradores atitudes concretas,
embora muitos digam que é importante cuidar do meio ambiente. Tal representação
remete à pesquisa feita por Loureiro em 1997, na qual o autor observou que muitos diziam
apoiar a causa ecológica, porém alegavam falta de tempo para envolver-se, enquanto
outros expressavam sua desmotivação absoluta para enfrentar o agravado quadro
ambiental brasileiro. Daí porque o pesquisador argumenta que “a simples percepção e
sensibilização para a problemática ambiental não expressa aumento de consciência, o que
faz com que se retome o argumento sobre cidadania: a consciência, para ser ecológica,
precisa ser crítica” (LOUREIRO, LAYRARGUES e CASTRO, 2008, p. 32, grifo nosso).
Sempre em busca da consciência ecológica e crítica dos grupos, portanto, vejamos
agora os resultados dos jovens de ensino médio: para estes, empatam em primeiro plano duas representações: ‘a maioria dos moradores não nota a piora da qualidade do ar
urbano’ (item em segunda posição para o grupo de adultos) e ‘as pessoas do bairro não
recebem informações sobre como podem melhorar o ambiente de sua casa, rua, bairro,
sem gastar muito dinheiro’.
Em segundo lugar, aparecem, também empatadas, a ideia de que a maioria das
pessoas do bairro desconhece as leis ambientais do município e a ideia de que estão
acostumadas com o ‘feio’ e sua criatividade não é estimulada para deixar o lugar onde
vivem mais bonito e mais saudável. Em terceiro plano surge o pensamento que no
grupo dos adultos também se encaixa como terceira representação mais frequente:
há moradores que afirmam ser importante cuidar do meio ambiente, mas não tomam
atitudes concretas para contribuir.
Entre os estudantes de ensino fundamental, repetem-se alguns resultados: em
primeiro lugar para eles está a ideia de que os moradores não percebem a piora na
qualidade do ar urbano; em segundo, empatam a ‘falta de informações dos moradores
sobre como deixar o ambiente mais bonito e mais saudável gastando pouco’ e a ideia
de ‘as pessoas estarem acostumadas com o feio e não terem sua criatividade estimulada
para alterar o quadro’. Em terceiro, para esse grupo, também está o fato de que muitos
moradores confirmam a importância de se cuidar do meio ambiente, mas não são proativos nesse aspecto.
ALGUMAS CONCLUSÕES
As representações eleitas nos três grupos pesquisados (ver TOTAL DOS RESPONDENTES, em fig. 4) parecem conectar-se à falta de contato com ações educomunicativas
de natureza socioambiental. O terceiro aspecto assinalado, coincidente para todos os
respondentes, leva-nos a pensar na ‘dogmatização’ mencionada por Goothuzem (2009).
Quase dogma torna-se hoje a frase “cuidar da natureza é importante”, entretanto as ações
requeridas para tanto ficam, não raro, apenas no plano das ideias. Entre os objetivos da
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comunicação ambiental inclui-se a mudança de atitudes e de comportamentos, considera Goothuzem (2009, p. 1), para quem “a utilização dos mecanismos de comunicação,
portanto, não deve se limitar à mera transmissão de conhecimento, e sim abordar e até
sugerir os meios pelos quais esses objetivos podem ser alcançados”.
O movimento comunicacional ora aludido é determinante, pois pode ajudar a
combater as chamadas “falsa consciência ambiental”, “falsa consciência tranquila” ou a
“falta de consciência ambiental crítica” − mencionadas por Novicki (2007), Foladori (2001),
Coimbra (2004), Berna (2010) e Loureiro, Layrargues e Castro (2008). Tanto para o distrito
Vila Medeiros quanto para outros espaços geográficos em situação semelhante seriam
importantes ações educomunicativas irradiadas de vários pontos do tecido social local,
as quais poderiam partir da reflexão em grupos focais acerca das três representações
principais para a totalidade dos respondentes: 1) a falta de percepção dos moradores
quanto à piora da qualidade do ar na região; 2) o desconhecimento das leis ambientais
do município e 3) a discussão de modos pelos quais se torne possível, sem gastar muito
dinheiro, melhorar o ambiente doméstico e o espaço público do bairro.
Nessa perspectiva, a discussão da legislação ambiental poderia iniciar-se, em um
eventual grupo focal, com a apresentação do que existe no Brasil (legislação ambiental
em nível federal, estadual e municipal) e comparação com o que se põe em prática
noutras cidades, estados e nações − respondendo, de certa forma, à preocupação
expressa por muitos munícipes quanto ao desconhecimento da maioria acerca das leis
ambientais vigentes. Quanto à análise da problemática referente à contaminação do ar
nas megaurbes, faceta medular para a cidade de São Paulo e metrópoles análogas, não
faltam elementos em inúmeros aportes midiáticos capazes de alimentar esse debate. E
se quisermos sair das questões de ordem prática para tratarmos de questões de ordem
ético-estética que envolvem o ambiente urbano, teremos bom ponto de partida na
argumentação em torno da ideia de que as pessoas estão acostumadas com o ‘feio’ e
sua criatividade não é estimulada para deixar o lugar onde vivem mais bonito e mais
saudável (item assinalado por 48 % de nossos respondentes, número nada desprezível).
Tendo em vista que a Educomunicação constitui-se paradigma orientador da gestão
de ações em sociedade, configurando-se como um campo de intervenção social (SOARES,
2011), propomos, por fim, que discussões em torno do cuidado ambiental urbano sejam
mediadas educomunicativamente − nas escolas, com maior frequência, e também em
outros espaços coletivos, a fim de: “abordar e até sugerir meios” (GOOTHUZEM, 2009,
p. 1) para eliminar ou minimizar as mazelas socioambientais reinantes nas urbes
contemporâneas.
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Social midia and the extension of educational
opportunities in media education
C át i a Lu zi a O l i v ei r a
da
S i lva 1
A n d r e a P i n h e i r o P a i va C ava l c a n t e 2
Resumo: O “Curso de Capacitação em Educomunicação – Novas Práticas
Metodológicas na Escola Pública”, em nível de extensão, constituiu-se como
uma iniciativa pioneira no estado do Ceará para fortalecer a cultura do trabalho
educomunicativo no cotidiano das atividades didático-pedagógicas das escolas
da rede pública. Foi promovido pela Célula de Educomunicação do Instituto
UFC Virtual em parceria com o Centro de Educação a Distância do Ceará).
Sendo semipresencial, o curso combinou momentos de aprendizagem a distância
(para estudo e discussão do corpus teórico da área da Educomunicação), com
momentos presenciais (para capacitação prática, através de oficinas). Os momentos
ofertados a distância contaram com o uso do ambiente virtual de aprendizagem
SOLAR 2.0 que possibilitou não só a gerência dos participantes, mas também
a publicação de material multimídia, uso de ferramentas de comunicação e
interação pelos participantes (web fórum, bate-papo e mensagens eletrônicas).
Conforme solicitação dos próprios cursistas, um grupo foi também criado na rede
social Facebook para socialização, postagem dos exercícios realizados durante
as oficinas; postagem de fotos; discussão de temas administrativos do curso e
compartilhamento de arquivos. As mídias sociais serviram para oportunizar
a reflexão, o diálogo, a expressão individual e coletiva, bem como o encontro
entre todos os envolvidos no curso.
Palavras-Chave: Educomunicação. Educação a distância. Capacitação docente.
Design Instrucional. Mídias Sociais.
Abstract: The Professional development Course on Educational Communication - New Methodological Practices in Public School”, in extension level, was
established as a pioneering initiative in the state of Ceará to strengthen the
culture of educational midia work in daily educational activities at the public
schools. It was promoted by Instituto UFC Virtual in partnership with Centro
de Educação a Distância do Ceará. As an example of the use of blended learning, the course combined distance learning moments (for study and discussion
of the theoretical corpus of the area), with face-to-face moments (for practical
training through workshops). The distance education part was offered using the
1. Doutora, Professora da Universidade Federal do Ceará, e-mail: [email protected].
2. Doutora, Professora da Universidade Federal do Ceará, e-mail: [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1378
As mídias sociais e a ampliação da oferta de oportunidades educacionais em educomunicação
Cátia Luzia Oliveira da Silva • Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante
virtual learning environment SOLAR 2.0 which allowed not only the management of the participants, but also the publication of multimedia resources, the
use of communication tools and the interaction among the participants (using
bulletin boards, chat and electronic messages). As requested by the course participants themselves, a group was also created on the social network Facebook
for socialization, publication of exercises performed during the workshops; posting photos; discussion of administrative issues of the course, and file sharing.
Social media served to create opportunities for reflection, dialogue, individual
and collective expression and the meeting of all those involved in the course.
Keywords: Midia education. Distance Education. Professional development.
Instructional Design. Social Media.
INTRODUÇÃO
“CURSO DE Capacitação em Educomunicação – Novas Práticas Metodológicas
O
na Escola Pública”, ofertado entre os meses de setembro e novembro de 2014,
em nível de extensão e na modalidade semipresencial, constituiu-se como uma
iniciativa pioneira no estado do Ceará para fortalecer a cultura do trabalho educomunicativo no cotidiano das atividades didático-pedagógicas das escolas da rede pública.
A opção pela modalidade semipresencial deveu-se à busca da democratização dessa
oportunidade educacional, tendo-se o intuito de atingir mais cidades do estado. Os
momentos presenciais foram planejados como oportunidade para encontro e para aplicação prática dos fundamentos estudados.
A primeira oferta do “Curso de Capacitação em Educomunicação – Novas Práticas
Metodológicas na Escola Pública”, foi promovida pela Célula de Educomunicação do
Instituto UFC Virtual(http://www.virtual.ufc.br), em parceria com o Centro de Educação a Distância do Ceará – CED, inaugurado recentemente em 2014(http://www.ced.
virtual.ufc.br). A Célula de Educomunicação, atualmente, constitui-se de um grupo de
docentes, alunos e pesquisadores da UFC interessados nos estudos interdisciplinares
entre educação e comunicação. A referida célula busca propiciar iniciativas de Educomunicação, alinhando-se à missão do Instituto UFC Virtual ao desenvolver ações,
tanto na educação formal quanto não-formal, que transcendam a instrumentalidade
técnica, promovendo a conversão da comunicação em processo educativo. É também
objetivo da Célula de Educomunicação formar futuros educomunicadores para sua
atuação em diferentes esferas: na mídia, na escola, nos movimentos sociais, no terceiro
setor e nas empresas de modo geral.
Já o Centro de Educação a Distância atua na formação de diretores, professores,
estudantes e de todos os profissionais da rede pública de educação básica do Estado
do Ceará, da capital e do interior, com ênfase no uso das tecnologias digitais de
informação e comunicação e no desenvolvimento de sistemas, mídias e multimídias
digitais com foco na melhoria da qualidade da educação por meio da modalidade de
ensino semipresencial e da educação a distância (EaD). A certificação dos concludentes
é conferida, por sua vez, pela Pró-Reitoria de Extensão da UFC, tendo em vista que se
trata de um curso de extensão.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1379
As mídias sociais e a ampliação da oferta de oportunidades educacionais em educomunicação
Cátia Luzia Oliveira da Silva • Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante
No âmbito da Universidade Federal do Ceará (UFC), uma disciplina optativa
em nível de graduação intitulada “Educomunicação” foi planejada e desenvolvida
pela Célula de Educomunicação para o Bacharelado em Sistemas e Mídias Digital
e está atualmente em sua quinta oferta. A disciplina tem congregado não só alunos
provenientes do bacharelado mencionado, mas também estudantes de Comunicação
Social, Pedagogia e Filosofia. É comum também a presença de alunos-ouvintes, bem como
de alunos especiais (que já concluíram a graduação, mas retornam para complementar
sua formação). As experiências construídas ao longo da disciplina inspiraram a proposta
do curso de capacitação semipresencial ora tratado aqui.
Iniciamente voltado a professores e gestores da rede pública de ensino, houve a
necessidade de ampliar o público-alvo do “Curso de Capacitação em Educomunicação
– Novas Práticas Metodológicas na Escola Pública”, devido a uma demanda de
comunicadores e também de estudantes, interessados em adquirir ou ampliar seus
conhecimentos na área da educomunicação. Ofertado de forma inteiramente gratuita, o
curso inicialmente contou com um total de 121 inscritos. Desses, pouco mais da metade
realmente engajou no ritmo do curso e houve 41 aprovados ao final das atividades.
Um formulário de sondagem aplicado no início do curso, com 49 respondentes,
detectou que um pouco mais da metade (51%) nunca tinha ouvido falar sobre Educomunicação antes de realizar a inscrição no curso. Em termos de expectativas com relação ao
curso, dentre os itens relatados, destacou-se o anseio de melhorar a prática pedagógica,
no caso de cursistas docentes. Nas palavras de um dos cursistas: “Aprender, melhorar
a minha dinâmica em sala e tornar a minha aula mais atrativa”. Também chamou a
atenção, neste mesmo quesito, a errônea concepção de educomunicação como sendo
similar a informática educativa: “Minhas expectativas são as melhores possiveis, pois
esse é um tema que me chamou muito a atenção usando a tecnologia e a comunicação na
educação, isso se aproxima muito de uma certa forma da informatica educativa assunto
que tenho muito interesse”. Outro cursista manifetou a intenção de “maximizar o uso
dos laboratórios de informática educativa pelos alunos”.
Ainda dentre os respondents do formulário de sondagem, 14 cursistas (28,57%)
responderam expressamente que nunca tinham participado de um curso semipresencial
antes. Perguntados sobre como acessam a internet, caso não tenham computador em
casa, quatro (8%) alunos responderam que ainda utilizam lan house e quatro reportaram
acessar somente no trabalho. Sobre sua participação em redes sociais (Facebook, Twitter,
Instagram), 45% consideraram-na boa e 39% muito boa.
DESIGN INSTRUCIONAL DO CURSO SEMIPRESENCIAL
O planejamento do curso semipresencial, como oportunidade educacional, levou em
conta princípios de design instrucional. O design instrucional pode ser definido como
“a ciência e a arte de criar especificações detalhadas para o desenvolvimento, avaliação
e manutenção de situações que facilitam a aprendizagem e a performance”. (Richey,
Klein & Tracey, 2011, p. 3) É um processo sistêmico, apoiado nos conhecimentos sobre
a aprendizagem humana e apresenta fases cujo alcance tanto pode ser mais imediato
quanto mais longo. (Gagné, Wager, Golas & Keller, 2005) É uma área de estudo, de pequisa
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e também de atuação professional que aplica um processo sistêmico e se ocupa com o
processo de aprendizagem, intencional e significativa. Para o planejamento do curso,
foram levados em consideração o público-alvo, o tempo e os recursos disponíveis, bem
como uma proposta metodológica que valorizasse o próprio fazer educomunicativo.
O Curso de Capacitação em Educomunicação – Novas Práticas Metodológicas na
Escola Pública, apresentou os seguintes objetivos específicos: 1) Elevar a qualidade
da formação de profissionais da educação básica do Estado do Ceará; 2) Preparar e
compartilhar experiências práticas relacionadas ao contexto da Educomunicação; 3)
Favorecer a elaboração de projetos educomunicativos, através do desenvolvimento de
uma atitude pró-ativa e da cultura da autoria, em atividades docentes com caráter
interdisciplinar.
Já a ementa do curso, planejado para ter 40 há, foi a seguinte: Fundamentos
epistemológicos da inter-relação entre comunicação e educação; Aspectos históricos da
educomunicação; Mídia e educação; As contribuições ibero-americana, europeia e norteamericana; A teoria das mediações; Educomunicação, movimentos sociais e terceiro
setor; O perfil do profissional educomunicador; Pesquisa acadêmica em educomunicação;
Políticas públicas na área de educomunicação.
Metodologicamente, o Curso de Capacitação em Educomunicação teve natureza
teórico-prática, possibilitando aos interagentes uma vivência diferenciada da prática
educomunicativa. Combinou momentos de aprendizagem a distância (para estudo e
discussão do corpus teórico da área da educomunicação), com momentos presenciais
(para capacitação prática, através de oficinas), tais como: contos digitais, podcasts, fanzines,
fotografia científica.
Os momentos ofertados a distância utilizaram o ambiente virtual de aprendizagem
SOLAR 2.0, que é acessado através do site http://www.solar.virtual.ufc.br. Este ambiente,
desenvolvido e mantido pela própria UFC, possibilitou não só a gerência de participantes
(alunos, tutores e professores), mas também a publicação de material multimídia (conteúdo
e textos de apoio) e uso de ferramentas de comunicação e interação pelos participantes
(web fórum, bate-papo e mensagens eletrônicas). O SOLAR busca oferecer um ambiente
integrado e otimizado para ser utilizado com máxima eficiência pelos alunos participantes. Ao todo, o curso compreendeu cinco atividades de forum, duas atividades de
bate-papo e duas atividades de portifolio. Houve o cuidado de intercalar tais atividadcas,
alternando-as nas unidades temáticas, a fim de não se sobrecarregar os cursistas.
Já os momentos presenciais, planejados para ocorrerem na cidade sede do Centro de
Educação a Distância, Sobral, foram dedicados à aplicação prática do que foi estudado
na teoria, através de oficinas já mencionadas anteriormente. Ao todo, ocorreram quatro
encontros presenciais, sendo um encontro para ambientação dos cursistas e outros três
para atividades de oficinas.
A avaliação dos alunos foi feita na perspectiva formativa, onde o aluno foi avaliado
através de sua participação em cada etapa do curso. O interagente foi avaliado durante
toda a realização do curso através de atividades, interações em discussões on-line (Web
Fórum), presença nos encontros presenciais, entrega dos produtos das oficinas e entrega
do trabalho final.
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As mídias sociais e a ampliação da oferta de oportunidades educacionais em educomunicação
Cátia Luzia Oliveira da Silva • Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante
Cada turma ofertada contou com a presença de um tutor a distância. Houve,
também, a presença de um professor especialista, responsável pelos conteúdos tratados,
bem como pela proposta didático-metodológica adotada. Tratando-se de um curso de
capacitação semipresencial, foi necessário garantir eficiente orientação dos interagentes
por parte dos tutores. Já o acompanhamento do trabalho dos tutores foi realizado pela
coordenadora do curso.
Conforme solicitação dos próprios cursistas, um grupo chamado “Educom_CE” foi também criado na rede social Facebook (https://www.facebook.com/groups/698671906881296/)
para socialização, postagem dos exercícios realizados durante as oficinas; postagem de
fotos; discussão de temas administrativos do curso e compartilhamento de arquivos,
constituindo assim uma cultura de participação (JENKINS, 2009). As mídias sociais, no
contexto do curso, mostraram-se eficazes como ferramenta de acompanhamento e de
aprendizagem e serviram como veículo de estreitamento do vínculo entre os cursistas.
Acima de tudo, a utilização dessas mídias fortaleceu o caráter teórico-prático deste curso
semipresencial.
AVALIAÇÃO DA PRIMEIRA OFERTA DO CURSO DE
CAPACITAÇÃO SEMIPRESENCIAL – METODOLOGIA
Com o intuito de aprimorar o “Curso de Capacitação em Educomunicação – Novas
Práticas Metodológicas na Escola Pública”, visando a novas ofertas, realizou-se uma
avaliação com os egressos da primeira edição. Tal avaliação, vountária e anônima, deu-se
tanto em cartáter quantitativo quanto em qualitativo. A investigação ocorreu no início
do primeiro semestre de 2015, usando dois instrumentos principais de coleta de dados:
um questionário (https://docs.google.com/forms/d/1NICyvQAONUgaF59tUNCIcO6pdBHSjdCnKT4OVA1j20/edit) e uma entrevista semi-estruturada (https://docs.google.
com/forms/d/1GnUKCGgtz8DOL0T8dfgKFgFDlLq_Lk9X1FVa_uMIh3Q/edit). Ambos
foram elaborados e disponibilizados através da ferramenta Google Drive (Formulários
Google). A aplicação dos dois instrumentos de pesquisa se deu para que houvesse
complementaridade de informações e para que se aprofundassem, através da entrevista,
questões tratadas de forma genérica no questionário.
No questionário quantitativo, além de itens de múltipla escolha, optou-se também
pelos itens de resposta livre (dissertativos). A montagem dos itens seguiu uma organização em áreas de conteúdos afins. Assim, além de itens personográficos, o questionário
investigou o nível de concordância dos interagentes a respeito de questões ligadas ao
conteúdo do curso, sua metodologia, os recursos e os materiais utilizados, a tutoria
dada a distância, o papel da coordenação, o sistema de avaliação. Foram recebidas 28
respostas.
Com a entrevista semi-estruturada, buscou-se investigar com mais profundidade a
própria experiência do aluno ao longo do curso, suas opiniões sobre a didática adotada,
seu nível de familiaridade com as ferramentas tecnológicas utilizadas, bem como suas
sugestões para o aprimoramento da experiência de futuros alunos. Ao todo, ocorreram
seis entrevistas.
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As mídias sociais e a ampliação da oferta de oportunidades educacionais em educomunicação
Cátia Luzia Oliveira da Silva • Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante
RESULTADOS
Entre os respondentes da pesquisa, a faixa etária predominante é de 30 a 40 anos.
A maioria (75%) declarou-se como docente. Houve grande polarização das áreas do
conhecimento em que atuam profissionalmente (Linguagens e Códigos, História,
Geografia, Matemática, Ciências, Artes, Educação Física, dentre outras). Ampla maioria
declarou ter se inscrito no curso para adquirir novos conhecimentos (82%). Na entrevista,
um cursista respondeu:
Nunca havia antes participado de curso a distância. Achei o formato interessante e o ambiente virtual é fácil de se trabalhar. O curso me apresentou a novos textos e isso ajudou no
conhecimento de autores que são referência sobre o tema. A parte mais relevante foram
os debates em sala de aula, nos encontros presenciais. Por exemplo, podemos perceber as
diferentes realidades enfrentadas em escolas de todo o Ceará. (Entrevistado 6)
Em decorrência de sua participação no curso, 60,7% concordaram totalmente que seu
interesse pelo tema (Educomunicação) cresceu. Isto é corroborado pelo seguinte relato:
A Educomunicação hoje “conversa” com minhas práticas pedagógicas no “ensino” de ciências
com muito mais sentido que antes, em que aplicava quase que exclusivamente abordagens
instrucionistas, onde o(a) educando(a) não participava em quase nada de seus processos
nas construções cognitivas. Fato que verticalizavam os saberes, inversamente do que a
educomunicação nos chama, para a horizontalidade dos processos entre professores, educandos, currículos e canais de comunicação. Atribuo que a Educomunicação me trouxe uma
outra concepção construtiva nos processos sociais de aprendizagem: coletivos e criativos.
Cria-se assim, uma nova possibilidade, um novo canal, uma nova prática de produções
em que os empoderamentos e autorias são bases nos diálogos de uma nova sociedade do
conhecimento. (Entrevistado 2)
A relevância dos encontros presenciais foi atestada por 60,7% dos respondentes, que
concordaram totalmente com esse item no questionário de pesquisa. Entretanto, dentre
os grandes desafios relatos pelos participantes durante o curso, figurou justamente
o deslocamento para os encontros presenciais, realizado na cidade de Sobral, sede
do Centro de Educação a Distância do Ceará, parceiro do curso. Contudo, durante a
entrevista, um aluno afirmou o seguinte, a respeito da validez do desafio manifestado:
Grandes desafios, já que moro em Maranguape e as aulas presencias eram em Sobral e tinha
que sair 5:30h da manhã para às 8h estar em Sobral - mais de 500Km de locomoção ida e
volta. Com relação ao conteúdo do curso foi tranquilo porque o assunto é encantador. Com
certeza tenho pleno interesse em estudar mais o assunto e ficarei grato aos organizadores
de novas oportunidades de me avisarem. Nosso país hoje trabalha com uma educação que
não consegue chegar nos jovens. Precisamos mudar essa realidade e a educomunicação é
uma grande oportunidade para ocorrer essa transformação. (Entrevistado 5)
A respeito da preparação dos materiais usados no curso, 71,6% concordaram
totalmente que eles foram bem preparados. E 60,7% concordaram totalmente que os
objetivos propostos estavam de acordo com o que foi trabalhado no curso. Um aluno
relatou o seguinte:
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As mídias sociais e a ampliação da oferta de oportunidades educacionais em educomunicação
Cátia Luzia Oliveira da Silva • Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante
Minha introdução ou encontro com a Educomunicação se deu através de um encontro casual
com a teoria, que me fez casar concepções pedagógicas fundamentais nos processos da construção do conhecimento. Assim, a participação nesse curso foi uma forma de sedimentar os
conhecimentos teóricos junto a outros educadores(as) para reflexões partilhadas, princípio
da educom. Nesse caso, os conteúdos que pra mim foram de maior relevância estão ligados
as reflexões de uma nova proposta educativa, participativa e que acontece nos coletivos.
Todo o curso foi tecido numa sequência lógica para o bom entendimento e de forma que os
participantes, principalmente os educadores, pudessem refletir sobre o que e como exercem
suas metodologias e abordagens disciplinares. (Entrevistado 2)
Sobre as atividades de bate-papo ocorridas através do ambiente virtual de
aprendizagem SOLAR, 64,3% manifestaram que delas participaram e 57% concordam
totalmente que elas contribuíram para o melhor entendimento do tópico estudado. Os
que não participaram dessas atividades informaram que não o fizeram simplesmente
pelo fato de os horários agendados pelas tutoras a distância, segundo a disponibilidade
da maioria dos cursistas, não ter lhes servido. Já a respeito das atividades de fórum,
estas mostraram-se relevantes para os tópicos de estudo, concordaram totalmente 60,7%
dos respondentes.
Geralmente, as redes sociais são evitadas em ofertas de cursos da educação formal.
Atendendo ao pedido dos próprios participantes, incorporou-se um espaço dentro do
Facebook para troca de ideias e de experiências. Perguntado sobre a relevância do uso
dessa ferramenta para o curso, um entrevistado respondeu que
É uma ferramenta digital rápida e dinâmica, e contribuiu de forma efetiva para a comunicação e informações acerca do grupo, além de poder conhecer um pouco cada participante
do grupo, já que os momentos presenciais são poucos. As informações de algumas tarefas
eram mais rápidas. (Entrevistado 1)
Contudo, outro entrevistado ponderou o seguinte, a respeito desse assunto:
Acho que exploramos pouco os recursos do Facebook. Mas, podemos exercitar mais o curso
com essa outra linguagem - em rede. Assim, no curso (apesar do pouco uso) tivemos a
oportunidade de agrupar a turma e criar momentos de discussões e partilhar atividades,
como a fotografia, as experiências em cada realidade dos cursistas e os momentos dos
encontros presenciais. Por isso que, não só foi legal o curso no presencial, como o perfil
do Facebook criou o ambiente online que favorece outros encontros e partilhas. Redes são
criadas e oportunizadas nesse ambiente (Facebook), discursos, amadurecimento de ideias...
A rede online sedimenta um ambiente que proporciona e potencializam outros momentos
do presencial. Acredito que o curso pode e deve acontecer nas redes sociais, local de maior
praticidade... E tem a vantagem dos cursistas estarem ligados 24h através dos aplicativos e
seus telefones móveis, cujos aparelhos atualizam instantaneamente as postagens do perfil.
(Entrevistado 4)
Finalmente, perguntados sobre o que modificariam no curso, os interagentes
manifestaram o desejo de incorporação de mais oportunidades para prática, bem
como o aumento do tempo dedicado a essas atividades nos encontros presenciais, que
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ocorreram nas manhãs de alguns sábados, planejados conforme a disponibilidade da
agenda e também de espaço no Centro de Educação a Distância do Ceará. Assim, para um
respondente, o curso deveria ser “mais prático em relação às atividades, principalmente
nos encontros presenciais. Creio inclusive que os mesmos deveriam ser o dia todo e
não só de 8:00 às 12:00” (Entrevistado 1). Indo para além desse ponto e manifestando o
desejo de outras oportunidades educativas, outro aluno manifestou:
Considerando o fato de ser professor e usar esta concepção na educação, acredito que diante
da ineficácia dos cursos de licenciaturas, muitos profissionais não sabem com clareza que
concepção adotar em sua vida profissional. Assim, acabam levando suas experiências da
vida escolar e replicam o que todos sempre fizeram. Como proposta, a concepção educomunicativa requer que este profissional tenha clareza em suas abordagens e saiba manusear
os processos de forma coletiva com seus pares e educandos. Por isso, tal concepção deve
vir atrelada às teorias e práticas em que seus adeptos (e futuros) construam de forma clara
campos epistêmicos, gnósios e cognitivos que os fortaleçam em sua jornada de professor e
pesquisador. Assim, este curso deve sim ser de caráter semipresencial (poderia ser até uma
graduação a distância de forma semipresencial), como forma de socializar a educom, mas que
neste possamos vivenciar práticas colaborativas e coletivas em suas autorias. (Entrevistado 2)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo esta a primeira oferta do “Curso de Capacitação em Educomunicação – Novas
Práticas Metodológicas na Escola Pública”, há que se tecer considerações que vão além
das estatísticas de inscrição e de conclusão. Como iniciativa pioneira no estado do Ceará,
há que se levar em conta, também, as adversidades e as restrições de condições e de
recursos. Não obstante, houve vários fatores favoráveis e também resultados satisfatórios.
Conforme se lê no que foi expresso pelos próprios interagentes, o curso de capacitação em Educomunicação ousou, em seu formato teórico-prático e na escolha da
modalidade semipresencial, ao apostar na relevância dos encontros presenciais para
a prática da teoria, ainda que desafios de locomoção tenham sido manifestados pelos
cursistas. Durante o planejamento do curso já se tinha previsto tal dificuldade, afinal
os cursistas estavam espalhados em várias cidades do estado. Desta forma, tomou-se
o cuidado de bonificar a participação dos presentes nesses momentos, mas também de
não penalizar quem não pôde atender.
Outro ponto relevante dessa primeira oferta foi servir de ponto de encontro para
vários educadores que trabalham em áreas do conhecimento diversas e lhes propiciar o
vislumbre de diferentes realidades educacionais dentro do próprio estado. Tal visibilidade leva, também, ao conhecimento sobre diferentes formas de ensinar e de aprender,
à socialização de práticas exitosas e inusitadas.
Já no que diz respeito às próprias mídias sociais, estas serviram para a democratização do curso como oportunidade educacional, mas sua incorporação foi além de
meras ferramentas de comunicação. Elas serviram para oportunizar a reflexão, o diálogo,
a expressão individual e coletiva, bem como o encontro entre todos os envolvidos no
curso.
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As mídias sociais e a ampliação da oferta de oportunidades educacionais em educomunicação
Cátia Luzia Oliveira da Silva • Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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De que inclusão falamos? Desconstruindo o mito do
“nativo digital” numa escola de periferia de Porto Alegre
Which inclusion are we talking about? Deconstructing the myth
of the ‘digital native’ in an outskirts school in Porto Alegre
E d e lv i r a A í d a
da
S i lva M o r e i r a 1
C l áu di a P r esser Sepé 2
Resumo: É voz corrente que as escolas devem estar instrumentalizadas para
assegurar, ou qualificar, o acesso dos estudantes às mídias digitais, notadamente
o uso do computador em suas múltiplas funcionalidades, que vão além do simples
acesso à internet. Parte-se da premissa de que os alunos são nativos digitais e que,
por isso, dominam os recursos oferecidos pelas novas TIC. Porém, essa premissa
pode ser equivocada, quando nosso lugar de saída é uma escola pública de
periferia que, embora seja equipada com laboratório de informática, não é capaz
de assegurar a inclusão digital, quer por incapacitação dos docentes, quer por
limitações dos alunos ou do espaço destinado a trabalhos com o computador. Isto
posto, este artigo mostrará o resultado de um trabalho desenvolvido pela biblioteca
e pela disciplina de Língua Portuguesa, cujo objetivo foi a produção de resumos
de obras lidas por alunos de uma escola municipal, para serem compartilhados
no grupo da biblioteca no Facebook. Constatou-se que os alunos demonstraram
dificuldade em editar e postar os arquivos com os textos no Facebook, o que
invalidou nosso pressuposto de que a atividade seria realizada com desembaraço.
Palavras-Chave: TIC. Inclusão digital. Ensino. Rede social.
Abstract: It is a consensus that schools should be equipped to ensure, or qualify,
students’ access to digital media, especially the use of the computer in its multiple
functionalities, which go beyond the simple access to the internet. It is assumed
that students are digital natives and that they therefore are familiar with the
resources offered by the new Information and Communication Technologies
(ICT). This assumption, however, may be wrong when we consider an outskirts
school that has a computer laboratory but it is not able to ensure digital inclusion
to its students because of the inability of its teachers or due to the students’
incapacities or to the number of hours destined to working with the computer.
Having this in mind, this paper will show the results of an initiative by the school
library and the Portuguese language discipline which aimed at the writing
of summaries on books read by the students of a local school to be shared in
1. Graduada em Letras – Português e Literatura; Mestre em Linguística Aplicada; Doutora em Linguística
Aplicada. Professora da Instituição Educacional São Judas Tadeu nas Faculdades Integradas São Judas
Tadeu e na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. [email protected].
2. Graduada em Letras – Português e Literatura; Mestre em Aquisição da Linguagem (ênfase – Sociolinguística);
Doutora em Comunicação – Mídias e Processos Socioculturais. Professora na Universidade do Vale do Rio
dos Sinos e na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1387
De que inclusão falamos? Desconstruindo o mito do “nativo digital” numa escola de periferia de Porto Alegre
Edelvira Aída da Silva Moreira • Cláudia Presser Sepé
the library community page on the Facebook. We realized that the students
had difficulty in editing and posting their files to the Facebook page, which
invalidated our assumption that the activity would be easily carried out by them.
Keywords: ICT. Digital Inclusion. Teaching. Social Network.
1. INTRODUÇÃO
AVANÇO DAS novas tecnologias (já não tão novas assim, a julgar pela velocidade
O
com que se tornam obsoletas), de forma irreversível, põe em discussão o papel
do professor e do ensino hoje. Se antes o primeiro era visto como detentor absoluto do conhecimento a ser transmitido, e o segundo, por extensão, concebido de forma
verticalizada, hoje o que vemos é a descentralização, a fluidez, a incerteza.
Não é à toa que Lévy (2000, p. 173) explica que o tom da contemporaneidade, no que
tange ao que ele chama de “saberes estáveis”, é o da obsolescência, com isso querendo
dizer que, hoje, indivíduos e grupos não estão mais confrontados com
[...] a classificação de conhecimentos legados e confortados pela tradição, mas sim um saber
– fluxo caótico, de curso dificilmente previsível, no qual deve-se agora aprender a navegar.
A relação intensa com a aprendizagem, a transmissão e a produção de conhecimentos não
é mais reservada a uma elite, diz respeito à massa de pessoas em suas vidas cotidianas e
seus trabalhos. [...]
Dessa forma, o mesmo autor sustenta que a ideia de que alguém escolhe uma
profissão para seguir a vida toda também é posta em xeque – aliás, para o autor, a própria
noção de profissão parece ter ficado anacrônica; tanto que propõe ser mais adequado
falarmos, na atualidade, em desenvolvimento de competências. Segundo Lévy (2000, p.
173), existem competências diversas, das quais “cada um possui uma coleção particular”,
que deverá sofrer incremento permanentemente ao longo do tempo. Para tanto, entende
que o melhor caminho é a “aprendizagem cooperativa” (2000, p. 171), como a que ocorre,
por exemplo, em cursos a distância e mesmo em atividades que se valem das redes
sociais, sem a presença física do professor. Nesse processo, os participantes contribuem
e se enriquecem com a colaboração de todos, inclusive o docente, que passa a assumir
o papel de mediador, ao contrário de mero transmissor de conteúdos já cristalizados
pela tradição cartesiana de ensino.
Isso significa, usando as palavras de Lévy (2000, p. 171), que
[...] a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos conhecimentos, que
agora é feita de forma mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no
sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento. O professor torna-se um animador
da inteligência coletiva dos grupos que estão a seu encargo [...] (grifo do autor)
Na esteira de Lévy, Sodré (2002, p. 87) enfatiza que a educação deve ser concebida
como processo e não como “[...] mero adestramento para a eternização de valores
estabelecidos (a pura e simples transmissão de um passado)”. No entanto, pondera o
autor, isso não quer dizer que a transmissão deva ser excluída do processo educacional,
visto que é uma das condições para que esse processo ocorra, embora não a única.
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Pensar dessa forma é reavaliar o próprio entendimento do que seja escola, termo via
de regra confundido com o espaço físico onde se concentram alunos e mestres. Para
Sodré, ainda que a imprensa, a cultura da escrita tenham sido decisivas em mudanças
ocorridas na forma de ensinar, não é nisso que residiria a definição de escolarização, mas
“a singularidade do processo interativo”. (2002, p. 106). Por esse motivo, pensar em escola
significa entendê-la como um constructo, cujo funcionamento é atravessado também
pelo que ocorre para além do espaço físico e que a constitui histórica e socialmente,
como “[...] a crise dos vínculos familiais, o aumento da violência urbana, a multiplicação
dos socialmente excluídos [...]”, como afirma o mesmo autor. E nós acrescentaríamos: a
massificação das tecnologias móveis, praticamente acessíveis a todos, o que possibilita
aprendizagem em qualquer tempo e lugar, de tal sorte que não dependemos mais
exclusivamente da escola nem de professor para ter acesso aos conteúdos formais.
Diante disso, a questão que se nos coloca é: afinal, como devemos, professores que
somos, fruto de uma educação tradicional, agir no meio de todas essas mudanças?
Nosso entendimento é que não se trata de abandonar radicalmente tudo o que sempre fizemos ou ensinamos, aqui pensando nas disciplinas, mas de fazer um upgrade em
nossos discos rígidos, tentando, pelo menos, fazer uma transição, o menos dramática
possível, do quadro verde às novas tecnologias; ou fazendo com que ambos coexistam
harmonicamente nesse processo. Para tanto, é necessário que, antes de tudo, façamos
algumas reflexões.
A primeira delas, o que não é novidade, mas vale reforçar, é que não é a simples
inclusão de aparatos tecnológicos no ambiente escolar que garantirá a aprendizagem
e a inovação nas práticas pedagógicas: de nada vale um computador, se o que a escola
propõe continua sendo mais do mesmo. A segunda é desconfiar de nossas certezas
acerca do quanto os alunos efetivamente dominam das novas tecnologias. E, finalmente,
ter a clareza do que nós, educadores, realmente sabemos fazer com essas tecnologias e
se, de fato, queremos fazer.
De acordo com Miranda (2007, p. 44), apoiada em estudos de outros teóricos3, se, na
essência, as práticas costumeiramente desenvolvidas na escola continuarem as mesmas,
de nada vale a inserção da tecnologia; porém, sustenta a autora, é exatamente o que tem
ocorrido, devido aos seguintes fatores que ela aponta:
[...] falta de proficiência que a maioria dos professores manifesta no uso das tecnologias,
mormente as computacionais [...]; a integração inovadora das tecnologias exige um esforço
de reflexão e de modificação de concepções e práticas de ensino que grande parte dos professores não está disponível para fazer.
E são justamente esses fatores que, no entendimento de Miranda, fazem com que
muitos profissionais adotem e muitas vezes acreditem que práticas como deixar os alunos
plugados em algum site na internet, ou usar softwares educativos, sejam o suficiente
para promover mudança no paradigma vigente de ensino.
Não se trata aqui de, mais uma vez, colocar rocha sobre as costas já tão pesadas dos
professores – especialmente se levarmos em conta o local-sede do trabalho que a seguir
3. Entre os citados pela autora, De Corte (1993) e Jonassen (1996).
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descreveremos: uma escola municipal em zona de periculosidade, assolada pelo tráfico
e por limitações socioeconômicas; uma escola que tem como baliza a inclusão, aqui
entendida de forma ampla: inclusão de alunos com necessidades especiais; de alunos
que, talvez, tenham na escola o único local de referência para conseguirem, de fato, se
emancipar e ter uma vida mais digna; de alunos cujas famílias (outro conceito buscando
redefinição), na esmagadora maioria, são desestruturadas; alunos que seguidamente
afrontam os docentes que, encurralados, já não sabem mais o que fazer. Como, então, falar
em novas tecnologias num contexto desses e promover a tão propalada inclusão digital?
Antes de tentarmos responder a esse questionamento, é preciso que tenhamos em
mente que, se de fato o que se espera hoje de um sujeito que será absorvido pelo mercado
de trabalho é o manejo de diferentes competências, seguramente aquelas associadas ao
uso das novas tecnologias serão exigidas. É o que defendem Campello apud Kuhlthau
(2013, p. 9-10), ao retomarem os PCNs, quando dizem que o exercício da cidadania só
é possível se for garantido o acesso aos saberes elaborados socialmente que, segundo
eles, são “instrumentos para o desenvolvimento da socialização e, consequentemente, da
cidadania democrática”; mas além disso: se tal instrumentalização permite ao indivíduo
agir sobre e a partir desses saberes. E se pensarmos que cada vez mais esses saberes
estão arquivados digitalmente, é preciso que os alunos sejam capazes não só de acessálos, mas também de produzir conteúdos de forma autônoma e autoral. Se assim o é,
precisamos achar as brechas possíveis para garantir minimamente que nossos alunos
de escolas de periferia não sofram mais um tipo de exclusão: aquela que os interditará
para o mercado de trabalho, por serem, além de analfabetos funcionais, digitais. Com
essas reflexões em mente, passemos à contextualização do trabalho desenvolvido.
2. JUSTIFICATIVA: COM A PALAVRA A PROFESSORA DA BIBLIOTECA
No ano de 2013, eu e a professora Edelvira, que atua como docente de Língua
Portuguesa na EMEF Leocádia Felizardo Prestes, onde somos colegas, decidimos
propor um trabalho diferenciado aos alunos sob sua responsabilidade, considerando a
costumeira apatia por eles revelada durante as aulas. Como trabalho na biblioteca de
nossa escola, pude constatar esse fato, nos momentos em que minha colega levava suas
turmas para realizarem atividades de leitura. Convém destacar que minha formação
guarda semelhança com a da professora Edelvira: sou formada em Letras, com Mestrado
em Sociolinguística, e doutorado em Mídias e Processos Socioculturais. Essa aproximação
epistemológica igualmente nos irmanou em reflexões acerca das possíveis causas desse
(não) envolvimento dos alunos nas aulas de Língua Portuguesa, bem como sobre as
consequências inevitáveis disso: a formação de alunos que não sabem escrever nem
interpretar o que leem. Foi então que propus à professora Edelvira que ela tentasse
sugerir aos alunos a produção de resumos digitais – para serem postados no Facebook
da biblioteca, a partir das leituras que estavam realizando em suas aulas. Detalhe: já
era um trabalho em andamento, proposto por minha colega. O que sugeri foram alguns
caminhos para reorientar o trabalho com vistas ao interesse dos alunos. Além disso, eles
deveriam fotografar a capa do livro para ser postada junto com o resumo. O objetivo,
além de motivá-los, era criar um banco digital de resumos dos livros da biblioteca,
para serem veiculados na Rede Social em pauta e, a partir dessa espécie de propaganda
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literária, estimular os alunos a buscarem outros títulos no acervo. Complementarmente,
esperávamos dar conta do que chamamos autoria, no sentido de construir com os alunos
a ideia de que o resumo não seria meramente cópia do que leram nem da sinopse do livro.
Nossa expectativa ancorava-se em nossas observações diárias: invariavelmente os
alunos andavam colados aos celulares, ouvindo música e trocando mensagens nas redes
sociais, mais especificamente o Facebook. Assim, imaginávamos que a possibilidade
de usar as redes sociais os instigaria a participar, ativamente, tanto dos trabalhos da
disciplina de português, quanto do acesso aos títulos disponíveis em nossa biblioteca,
ao mesmo tempo que o fato de termos instituído um polo de recepção claro – todos os
colegas de diferentes turmas, vinculados ao projeto, e as professoras – levaria a uma
qualificação do fazer escrito: se os resumos seriam lidos por todos, então haveria mais
apuro nas produções. Movidas nessa direção é que partimos para o planejamento das
etapas do projeto.
3. METODOLOGIA
Esta pesquisa foi realizada na EMEF Leocádia Felizardo Prestes, localizada na
COHAB - Cavalhada, em Porto Alegre, tendo como público-alvo alunos do II e III Ciclos
do Ensino Fundamental, perfazendo, de uma população aproximada de 700 alunos, uma
amostragem de 71 sujeitos, durante o segundo semestre de 2013. Esse recorte formou-se
com base no critério de maturidade dos alunos selecionados para realizarem múltiplas
tarefas, segundo a percepção da professora regente.
Por este trabalho ter como objetivo inicial a produção de resumos a partir da leitura
de livros, foram apresentadas, em sala de aula, a estrutura e a organização do resumo.
Após, os alunos foram conduzidos à biblioteca da escola para que fosse iniciada a leitura
dos livros escolhidos por cada um deles.
Posteriormente, solicitamos aos alunos que dessem início à escritura dos resumos.
Como percebemos resistência de muitos deles em realizar a tarefa proposta, além de
dificuldades na realização dos resumos, decidimos, para motivá-los, propor que os textos
fossem digitalizados e postados no Facebook da biblioteca, que já havia sido criado para
a divulgação do acervo. Esses resumos deveriam ser enviados, primeiramente, para a
professora da disciplina de Língua Portuguesa para que fossem corrigidos e indicados
os aspectos indicados com vistas à reescritura. Após essa etapa, os resumos foram
reenviados para os alunos realizarem as correções apontadas para, só então, postá-los
no Face, juntamente com a fotografia da capa do livro (a sugestão é que usassem os
celulares para a captura das imagens).
Uma vez postados os resumos com as respectivas fotos, montamos no próprio
Facebook uma enquete, a fim de que os alunos votassem nos resumos que julgassem
mais autorais; nosso objetivo, aqui, era aferir a percepção dos alunos quanto à diferença
entre o que seria um texto-cópia e um texto com a identidade de quem o produziu.
Na etapa final, elaboramos um questionário, a fim de mapear a avaliação dos alunos
sobre o trabalho e sobre o desempenho deles, onde constavam, entre outras, as seguintes
perguntas que destacamos como principais para este artigo: “Você gostou do trabalho?
Por quê?”; “Você teve alguma dificuldade para realizar o trabalho? Qual?”; “Você tem
fácil acesso à internet fora da escola? Como?”
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4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Como podemos observar na figura 1, uma parte significativa dos sujeitos participantes
desta pesquisa responderam que gostaram de realizar o trabalho, não tanto pela leitura
dos livros e pela realização dos resumos, mas principalmente pelo uso das mídias
digitais e das redes sociais.
Figura 1. Questão 1: Você gostou do trabalho? Por quê?
Fonte: As autoras, 2013.
Tal constatação é ancorada pelas justificativas dadas pelos alunos, que consideraram
a atividade inovadora, “diferente”.
No entanto, é preciso mencionar que houve dificuldade para a realização do trabalho
(figura 2), ainda que 36% dos informantes tenham respondido que “sim”.
Figura 2. Questão 2: Você teve alguma dificuldade para realizar o trabalho? Qual?”
Fonte: As autoras, 2013.
A análise das justificativas dadas para essas questões evidenciaram que os principais
problemas se concentraram notadamente na edição de textos (a maioria não sabia
como usar as ferramentas do Word, por incrível que isso possa parecer), nem atachar
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arquivos para serem enviados por e-mail, fora o fato de muitos não terem acesso à
internet. E quando conseguiram produzir os resumos, fizeram-nos no bloco de notas ou
manuscritos, neste último caso, quando não dispunham de computador. Vale lembrar
que, na época, estávamos sem laboratório de informática em nossa escola, visto que
todos os prédios estavam em reforma.
Com relação à pergunta 3, a figura 3 evidencia que 69% dos sujeitos responderam
que “sim” a essa pergunta, porém, verificou-se, pelas dificuldades enfrentadas para a
realização da tarefa que o acesso à internet era limitado e, quando ocorria, era basicamente
a troca de mensagens e postagens no Facebook.
Figura 3. Questão 3: “ Você tem fácil acesso à internet fora da escola? Como?”
Fonte: As autoras, 2013.
Mesmo assim, foi interessante observar como os alunos conseguiram, mesmo no
caos que se instaurou durante a execução do trabalho, dar conta dos problemas que
enfrentaram: os que tinham computador e sabiam usar editor de texto se ofereciam
para ajudar os demais; os que sabiam anexar documentos e postar no Face faziam
para os outros; nós auxiliávamos os alunos, usando o único computador disponível
na biblioteca, sempre que era possível, de tal sorte que se constituiu uma verdadeira
rede de auxílio mútuo para que a tarefa pudesse ser concluída. Se a aprendizagem
colaborativa de que tanto os autores falam é isso, acreditamos ter conseguido, ainda
que não fosse um dos nossos objetivos.
Por outro lado, o objetivo que previa a criação de resumos autorais não foi
totalmente atingido, porque a maioria dos alunos copiou na íntegra ou em parte de
resumos prontos, como podemos ver na figura 4. Primeiro, por falha nossa, que, no
afã de fazer algo “novo” (é difícil ainda aceitar que o que fizemos foi inédito, quando
já é lugar comum para tantos), atropelamos o processo, particularmente no que diz
respeito às técnicas de como fazer um resumo – isso podia ter sido aprofundado – e,
segundo, na presunção de que, para todos os alunos, seria fácil editar um texto e
enviá-lo por e-mail.
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Figura 4. Capa do livro e resumo
Fonte: As autoras, 2013.
Da mesma forma que isso nos surpreendeu, também o fato de os alunos não saberem
explorar todas as potencialidade do Facebook, caso da enquete (figura 5), visto ser uma
rede social tão usada por eles em seus acessos via telefone celular, ainda que só o façam
quando conseguem ter créditos para acessar a internet.
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Figura 5. Enquete
Fonte: As autoras, 2013.
Quanto ao objetivo relacionado ao aumento da procura pelos livros do acervo da
biblioteca, também foi atingido parcialmente. Nossa hipótese é que pode ter havido uma
rejeição aos livros do projeto por parte dos alunos que demonstraram mais dificuldade em
realizar o trabalho, ao contrário dos demais pares que apresentaram maior desenvoltura
ao lidar com as tarefas propostas; neste último caso, os sujeitos locaram os livros que
foram divulgados no Face.
CONCLUSÃO
Se levarmos em conta os resultados obtidos com nosso trabalho, podemos afirmar
que, seguramente, não basta a simples presença física do aparato tecnológico para que
se faça inclusão digital; especialmente se considerarmos a realidade dos alunos-sujeitos
de nossa investigação. Fosse assim, todos os alunos da Rede Municipal de Ensino de
Porto Alegre estariam muito bem no quesito uso do computador, uma vez que, até onde
sabemos, todas as escolas dispõem de laboratórios de informática.
Some-se a isso o fato de que devemos duvidar daquilo que nossos olhos veem, pois,
ainda que a grande maioria de nossos alunos ande sempre com celulares na mão, por
exemplo, isso não significa que saibam usar todos os recursos que ele oferece – quer
por limitações financeiras, quer por falta de conhecimento; o mesmo vale para o uso
que fazem do computador. O que queremos dizer, ao fim e ao cabo, é que, em qualquer
trabalho que se proponha no universo escolar, particularmente no que diz respeito às
TIC é aconselhável que não se dê por natural aquilo que não é. No caso de nosso trabalho,
partir do pressuposto de que os alunos, por estarem imersos num mundo digital – nem
tanto assim, como pudemos constatar – sejam proficientes no uso que delas fazem.
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Da mesma forma, há que se questionar o papel do professor nesse contexto: usar
as novas tecnologias e, por extensão, laboratórios de informática, requer planejamento,
domínio dessas tecnologias e conhecimento do universo onde irá atuar. Do contrário,
seu papel será o de propagador de mais uma forma de exclusão dos alunos, no caso dos
que atendemos, já excluídos socioeconomicamente.
Ainda que nossos objetivos tenham sido alcançados parcialmente, o que se deveu,
principalmente, às dificuldades enfrentadas por nossos alunos no manejo no editor de
texto, na falta de conexão à internet e de acesso a computadores, o maior ganho que
tivemos foram as descobertas que fizemos acerca do quanto nossos alunos não sabem:
produzir e editar textos usando ferramentas digitais, por exemplo. Esse dado aponta,
de forma dramática, para o quanto não estamos preparando nossos alunos para um
ingresso mais qualificado no Ensino Médio, nem no mercado de trabalho, que exige, via
de regra, pelo menos o manejo correto do Word e do correio eletrônico – conhecimentos
básicos de informática, se pensarmos bem.
Se nosso trabalho, além de tudo o que já foi exposto, mostrou também que nossos
alunos precisam aprender a escrever dizendo a sua palavra e não só a do outro; a
organizar o pensamento de forma lógica, a ler mais, também pôs em evidência que
não devemos ter medo de ser propositivos, mesmo em contextos adversos como onde
trabalhamos, nem de enfrentar nossas próprias limitações – se não sabemos, vamos
aprender. Para tanto, acreditamos que devemos mudar nossa postura de professorestransmissores de conteúdos para o de professores animadores da consciência coletiva,
tal como postula Lévy (2000), e enfrentar o novo, adotando o jeito piagetiano de ser:
conhecendo para modificar, transformar e compreender.
REFERÊNCIAS
Kuhlthau, Carol C (2013). Como usar a biblioteca na escola: um programa de atividades para
o ensino fundamental. Tradução e adaptação de Bernadete Santos Campello et al. Belo
Horizonte: Autêntica.
Lévy, Pierre (2000). Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34.
Sodré, Muniz (2002). Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear em rede.
Petrópolis, RJ: Vozes.
Miranda, Guilhermina Lobato (2007). Limites e Possibilidades da TIC na educação. Sísifo/
Revista de Ciências da Educação. 3 (41-50). Recuperado de: http://portaldoprofessor.
mec.gov.br
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1396
O engajamento com a plataforma Khan Academy
na escola pública: um olhar educomunicativo
Elisangela Rodrigues
da
Co sta 1
Resumo: O artigo demonstra que é possível o uso da plataforma digital Khan
Academy no ensino da Matemática, na escola pública formal, por meio de um
olhar educomunicativo. Os resultados de Barueri comprovam.
Palavras-Chave: Comunicação, Internet, Educomunicação, Cultura escolar.
Abstract: The article demonstrates that the use of digital platform Khan Academy is possible in the teaching of mathematics, the formal public school,
through a educomunicativo look. The results of Barueri show.
Keywords: Communication, Internet, Educommunication, School culture.
1.DOS CONTEXTOS ÀS CONDIÇÕES TECNOCOMUNICATIVAS
1.1. Contexto comunicativo
CONDIÇÃO CONTEMPORÂNEA exige a adoção dos processos comunicacionais
A
em espaços diversos, na medida em que não é mais possível pensar em sociedade
sem a incorporação de recursos tecnológicos; com isto, locais que antes priorizavam apenas uma característica foram invadidos por dispositivos e informações que
circulam por meio de uma infinidade de mediações, alterando a sua finalidade inicial,
caso da escola.
A entrada das tecnologias em espaços de educação formal e o desenvolvimento das
mídias resultaram em novas maneiras de produção, mediação e recepção do conhecimento. Neste contexto, os meios tecnológicos e comunicacionais são estratégicos nas
reconfigurações sociais “obrigando” a incorporação de suas linguagens no espaço escolar,
também como alternativa de aproximação com os alunos, para auxiliá-los no processo
de articulação dos conteúdos de diferentes fluxos.
O sociólogo Manuel Castells (2003, p.255) defende que, para situar a questão da
condição comunicativa hoje, é imprescindível falar de internet, pois “é o tecido de nossas
vidas neste momento. Não é futuro. É presente. Internet é um meio para tudo”.
O autor chama o atual modelo social de “a sociedade em rede”, justamente por
acreditar que “ela é - e será ainda mais – o meio de comunicação e de relação essencial
sobre o qual se baseia uma nova forma de sociedade que nós já vivemos” (CASTELLS,
2003, p. 256). Para ele, o momento é caracterizado pela revolução tecnológica, centrada
nos espaços digitais, com uma estrutura societária em rede em todos os âmbitos de
atividade e com interdependência global.
1. Jornalista, pedagoga, Mestre e doutoranda em Ciências da Comunicação, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). e-mail: [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O engajamento com a plataforma Khan Academy na escola pública: um olhar educomunicativo
Elisangela Rodrigues da Costa
A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2012, sob o comando do Comitê Gestor da
Internet no Brasil (CGI.br), ressalta a frequência de uso entre crianças e jovens que
acessam a Internet no país: 47% afirmam que acessam todos os dias; 38% entram no
sistema uma ou duas vezes por semana; 10%, uma ou duas vezes por mês; apenas 5%
o fazem menos de uma vez por mês. Em outras palavras, 85% das crianças e jovens
usuários de Internet do país já mantêm um relacionamento com o mundo virtual com
alguma regularidade.
Os dados apontam, contudo, para diferentes níveis de contato e interferências, como,
por exemplo, as condições econômicas familiares. Nas famílias com maiores rendas, a
frequência de uso da Internet pelos sujeitos pesquisados é maior. Os jovens com maiores
poderes aquisitivos têm a própria residência como local privilegiado de acesso diário,
enquanto os demais buscam espaço de uso fora do lar.
No caso das crianças e jovens das classes com baixo poder aquisitivo, bem como
seus pais, o acesso vem sendo garantido por ambientes coletivos, como as escolas e as
lanhouses (42% do público infantojuvenil entrevistado acessa a Internet na escola).
Sendo a escola um local que abre espaço para o acesso de um grande público à
Internet é necessário apresentar o atual contexto educacional.
1.2. Contexto educacional e as tecnologias digitais
Ao pensarmos na sala de aula como um local propício para a manifestação dessas
transformações sociais, depreendemos que o professor tem a função de orientador na
medida em que os conteúdos dos meios tornam-se “invasores” desse universo – assim,
a questão do acesso passa a não ser a única preocupação, como anteriormente.
Neste momento histórico, a relação em torno do consumo com esses meios, ou seja,
o impacto que eles provocam no comportamento da juventude, resulta numa lacuna nos
diálogos entre aluno e professor. Por isto se propaga a independência, cada vez maior,
do estudante, perante o educador, obrigando reflexões acerca das metodologias em sala.
Sendo assim, torna-se importante a elucidação da metáfora do americano Marc
Prensky (2010), quanto aos “nativos e imigrantes digitais”. Os conceitos são utilizados
para exemplificar as relações pedagógicas entre indivíduos de gerações diferentes.
De acordo com Prensky, no primeiro grupo (nativos digitais) encontram-se as crianças e jovens que nasceram com a Internet, que aprendem sozinhos com as tecnologias
e fazem delas uma verdadeira extensão de si mesmos. O segundo (imigrantes digitais)
é formado por indivíduos que não nasceram no mundo digital e que, em determinada
altura, sentiram-se atraídos por ele. Para estes, serão necessárias adaptações ao ambiente
e a aquisição de novas aprendizagens, situação contrária à dos nativos, para quem a
evolução tecnológica fará sempre parte do processo natural de desenvolvimento.
O americano descreve os infantojuvenis como acostumados à rapidez do hipertexto2,
a baixar músicas, a usar celulares de bolso, a recorrer às bibliotecas nos laptops, enviar
2. O conceito é de Pierre Lévy, definido como o estudo das dimensões técnicas e coletivas da cognição. “O
meio ecológico no qual as representações se propagam é composto por dois grandes conjuntos: as mentes
humanas e as redes técnicas de armazenamento, de transformação e de transmissão das representações.
A aparição de tecnologias intelectuais como a escrita ou a informática transformam o meio no qual se
propagam as representações.” (Lévy, 1993, p. 138).
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O engajamento com a plataforma Khan Academy na escola pública: um olhar educomunicativo
Elisangela Rodrigues da Costa
mensagens instantâneas, a passar a maior parte de suas vidas “conectados”, daí a
impaciência destes com metodologias que utilizem de palestras, lógica passo a passo,
ou as instruções sobre “o como fazer”.
O autor ressalta a distância entre as gerações, afinal, “nativos e imigrantes digitais
são termos que explicam as diferenças culturais entre os que cresceram com a era digital
ou não” (PRENSKY, 2010, p.39).
A noção de que os jovens vivem na manifesta e-life é apontada por Marc Prensky
como um dos grandes desafios da escola formal na medida em que os alunos que nasceram
há poucos mais de uma década se transformaram em verdadeiros “especialistas”.
Além de processarem com maior rapidez as informações, eles dão primazia às
imagens, enquanto os indivíduos mais velhos priorizam o texto. Contudo, a inserção de
suportes no ambiente educacional, como lousas digitais e laboratórios de informática,
não é garantia de sucesso na prática pedagógica. Na leitura de Prensky, introduzir
novas tecnologias na sala de aula não melhora o aprendizado automaticamente, porque
a tecnologia dá apoio à pedagogia e não vice-versa.
Adilson Citelli (2012, p.8), ao tratar da interface comunicativo-educacional, afirma
que “a difusão de computadores/tablets na escola proporcionou aos docentes e discentes
não apenas diversificadas estratégias de acesso ao conhecimento e à informação, mas
também reposicionamentos”.
Por isso a urgência dos ajustes entre as duas áreas. Citelli elucida que a escola pode
e deve proceder à incorporação dos recursos tecnológicos, sejam eles digitais ou não,
sem, no entanto, cair no perigoso reducionismo tecnicista.
Neste aspecto Jesús Martín Barbero (2014, p.120) fala do paradoxo “é uma ardilosa
instrumentalização das ‘novas tecnologias’, para cobrir com ruído e brilho digital a
profundidade da crise, que atravessam as relações da escola com a sua sociedade”.
O autor ressalta ainda o papel das tecnologias para os mais jovens:
Pois meios e tecnologias são para os mais jovens lugares de um desenvolvimento pessoal
que, por mais ambíguo e até contraditório que seja, eles converteram no seu modo de estar
juntos e de expressar-se. Então, devolver aos jovens espaços nos quais possam se manifestar
estimulando práticas de cidadania é o único modo pelo qual uma instituição educativa, cada
vez mais pobre em recursos simbólicos e econômicos, pode reconstruir sua capacidade de
socialização (MARTÌN- BARBERO, 2014, p.120).
Martín- Barbero (2014) enumera o fundo da crise que está deslocando o sistema
escolar na América Latina, primeiramente aponta um modelo de comunicação escolar
ultrapassado, em termos de espaço e tempo, destaca a inexistência de idade ideal para
a aprendizagem e que, hoje, pode-se aprender em qualquer lugar.
Ainda quanto as mudanças que atingem o sistema educacional, o autor elenca as
seguintes dificuldades: a da vinculação com a cultura, a falta de transmissão da herança
cultural; do seu real papel de capacitação e da crescente desvalorização da escola pública
fazendo com a educação se transforme cada vez mais numa espécie de “carga” que o
Estado deve suportar e não como investimento social.
Neste sentido, Martín- Barbero (2014, p.122) ressalta que;
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O engajamento com a plataforma Khan Academy na escola pública: um olhar educomunicativo
Elisangela Rodrigues da Costa
não por culpa dos professores ou dos alunos, mas pela existência de um ecossistema comunicativo que, ao catalisar as sinergias entre a perda da vitalidade das grandes instituições
modernas e o surgimento de outras formas de sociabilidade torna o sistema educativo
incapaz de conectar-se a tudo o que os alunos deixam de fora para estar na escola.
Hoje, o fato é que o circuito comunicativo-tecnológico é tão inerente ao cotidiano das
novas gerações de alunos que marcam o seu perfil, obrigando os docentes a buscarem
apoio e novos conhecimentos no tratamento com as questões midiáticas
Contudo os educadores, preocupados com este cenário, expõem suas maiores
necessidades na pesquisa “Conselho de Classe: a visão dos professores sobre a educação
no Brasil” realizada pelo IBOPE Inteligência e Fundação Lemann.
Foram entrevistados 1000 professores do Ensino Fundamental (I e II) de escolas
públicas de todo o Brasil, acerca de inúmeros assuntos, entre eles sobre a inovação
tecnológica em educação.
Na pesquisa a questão acerca da temática era sobre “De que maneira a implementação
de propostas inovadoras em tecnologia contribuiria para a qualidade da educação nas
escolas públicas brasileiras?”
As respostas demonstram a grande preocupação dos docente, pois para 92% deve-se
formar os professores para o uso da tecnologia aplicada ao ensino e materiais didáticos
digitais de qualidade (jogos, vídeos); 85% deve existir mais e melhores computadores e
acesso rápido à Internet na sala de aula; 81% acreditam na aprendizagem personalizada
para cada aluno e o acompanhamento pelo professor com o apoio de tecnologias.
Os dados comprovam que plataformas digitais de aprendizagem possibilitam um
acompanhamento em tempo real e personalizado de cada aluno. Sem contar que, com
ofertas de exercícios por meio de vídeos, relatórios e diferentes mídias, ganham cada
vez mais adeptos na rede pública educacional brasileira.
Um exemplo, disto, é o Projeto Khan Academy nas escolas, uma parceria entre a
Fundação Lemann, a Khan Academy.com, com apoio do Instituto Natura, Instituto
Península, ISMART e Fundação Telefônica.
2. A PLATAFORMA KHAN ACADEMY: HISTÓRICO E FUNÇÕES
Retomando a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2012, os resultados revelam que
na faixa etária de 10 a 15 anos, 67% dos brasileiros são usuários de Internet e 66% são
consumidores de diferentes mídias como o YouTube.
E foi justamente por meio de gravações caseiras na plataforma YouTube que, há
mais de uma década, em 2004, o norte-americano Salman Khan, um analista financeiro
com graduações pelo Massachusetts­Institute of Technology (MIT) e MBA pela Harvard
Business School­, decidiu ajudar sua prima mais nova que estava tendo dificuldades com
os conteúdos de matemática.
Como a garota morava na cidade de Nova York e ele em Boston, as aulas eram por
telefone. Logo começou a ajudar outros primos e surgiu, então, a ideia de gravar vídeos
e colocá-los no YouTube. Assim, Khan só precisaria dar a aula uma vez e os primos
poderiam assistir às explicações quando fosse mais conveniente.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O engajamento com a plataforma Khan Academy na escola pública: um olhar educomunicativo
Elisangela Rodrigues da Costa
Os vídeos não ficaram restritos ao círculo familiar. Em pouco tempo milhares de
jovens estavam assistindo às suas aulas. Entre os estudantes fãs do matemático estavam
os filhos Bill Gates, que passou a fazer grandes doações à Khan Academy e impulsionou
seu crescimento e divulgação mundial, juntamente com o Google.
No Brasil em 2013, a plataforma da Khan Academy (organização sem fins lucrativos),
parceria com a Fundação Lemann, afirma ter por objetivo educação gratuita em qualquer
lugar. Este projeto, inicialmente, teve seu uso restrito às escolas integrantes na cidade de
São Paulo e ABC. Em 2014, foi ampliado para várias cidades e regiões metropolitanas,
inclusive, o município de Barueri, experiência a ser explicada mais adiante.
Na plataforma (com vídeo traduzidos do inglês) é divulgada a ideia da experiência
de aprendizagem personalizada com vídeos e exercícios, sendo o principal foco a área
da Matemática (devido as vídeos-aulas de Salman Khan) recomendada do 3º ano ao 9º
ano do Ensino Fundamental e também ao Ensino Médio.
Vale retomar Castells quando descreve as características de um sistema digital (em
relação a Internet) em que a realidade em si (ou seja, a existência material/simbólica
das pessoas) está imersa por completo em um ambiente de imagens virtuais, no mundo
do “faz-de-conta”, em que os símbolos não são apenas metáforas, mas contemplam a
experiência real, o que ele denomina de Cultura da virtualidade real.
Apesar do enfoque em Matemática, a plataforma da Khan Academy também
oferece outros conteúdos em: Ciências, Programação de computador, História, Artes e
Humanidades, Economia e Finanças, além de acesso a grandes museus do mundo.
Outro estudioso, Henry Jenkins (2009, p.29) fala em A cultura da convergência como “o
fluxo de conteúdos por meio de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre inúmeros mercados e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação”.
Sob a perspectiva de Jenkins, é possível a compreensão de que os velhos meios
comunicacionais não estão sendo substituídos pelos novos, como se pensava; o que
ocorre, em sua visão, é a mudança nas funções com a introdução de tecnologias.
O autor explica que a convergência não deve ser compreendida apenas como um
processo tecnológico que une várias funções dentro dos mesmos aparelhos já que
“representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são incentivados a
procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos”
(JENKINS,2009, p. 30).
O processo de seleção dos municípios para implantar o projeto da Khan, ocorre
por meio de parceria com a Fundação Lemann, inscrição em um edital, visita técnica,
adesão das equipes gestoras da rede em questão, uma vez selecionada, a cidade-parceira
recebe formação inicial para professores e gestores, os alunos são cadastrados e recebem
suas senhas para acesso à plataforma.
Para tanto, a principal exigência é a disponibilidade de um professor responsável
pela Khan na Secretaria de Educação que acompanhará, com os formadores da Khan, o
desempenho dos alunos e escolas de sua rede por meio de relatórios e controle semanais.
Com a combinação de tecnologia adaptativa e feedback instantâneo, na Khan
Academy os alunos acabam se tornando corresponsáveis pelo seu próprio progresso.
Toda conta é uma conta de aluno e de “tutor”, os pais também acesso às atividades dos
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O engajamento com a plataforma Khan Academy na escola pública: um olhar educomunicativo
Elisangela Rodrigues da Costa
filhos para acompanhamento e das habilidades atingidas. Portanto, todos os recursos
estão disponíveis tanto para os alunos como tutores e pais.
O termo tutor (neste projeto) é usado para qualquer pessoa que orienta um aluno.
Ele pode ser um instrutor, um pai, um mentor, ou até mesmo um colega.
Em matemática, os alunos podem usar o painel personalizado para acessar o
conteúdo de maior importância para eles, e ainda têm liberdade de escolha e horário para
realizarem determinadas tarefas. Esse painel se adapta ao nível do aluno e recomenda
as habilidades para as quais está preparado.
É válido ressaltar que a Fundação Lemann em seus vários cursos voltados às “Técnicas
Didáticas” e programação direciona suas formações à ideia de “altas expectativas”
em relação ao alunado, tanto que Doug Lemov (diretor executivo da organização não
governamental Uncomon Schools), autor do livro Aluno nota 10: 49 técnicas para ser
um professor campeão de audiência adotado pela Lemann, frisa a necessidade de criar
uma forte cultura escolar.
No referido livro, o autor afirma aos docentes que:
para construir uma cultura escolar que conduza e sustente a excelência, você deve levar
em consideração cinco aspectos de sua relação com os alunos. Professores excelentes oferecem aos alunos muita oportunidade de dizerem sim, de se envolver, de mergulhar em
um tema. Engajam seus alunos intensamente em tarefas positivas, desviando sua atenção
do que é contraproducente e concentrando suas energias no que é interessante e relevante
(LEMOV, 2011, p. 165)
Os cinco pontos que trata o autor são disciplina, gestão, controle, influência
e engajamento. É válido ressaltar que o conceito de engajamento, utilizado neste
artigo, é sinônimo de envolvimento, interesse e ocupação, como adotado, há cerca
de uma década no Brasil pelos pesquisadores do marketing.
A plataforma elaborou em 2014 um ranking nacional com os melhores alunos,
a mensuração era feita por meio da maior quantidade de habilidades dominadas
e horas acessadas. A cada término de determinada quantidade de exercícios de
Matemática, os alunos passavam para outra fase e eram condecorados virtualmente
com uma medalha de prata, ouro, bronze, de acordo com as habilidades.
2.1. A experiência da Khan em Barueri: do engajamento ao olhar educomunicativo
A cidade de Barueri localizada na região oeste da grande São Paulo possui uma
população de 240.656 habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) censo de 2010. Faz divisa territorial com cinco municípios: ao norte,
Santana de Parnaíba; ao sul, Carapicuíba; a leste, Osasco; a oeste, Jandira e Itapevi.
Atualmente a rede educacional municipal possui 58 escolas do Ensino Fundamental
sendo 4 escolas de período integral e dois complexos educacionais (compostos de escola
maternal, pré-escola e Ensino Fundamental I e II no mesmo espaço).
A experiência da Khan Academy no município ocorreu após a inscrição da Secretaria
de Educação no edital da Fundação Lemann para este e outro curso denominado
“Técnicas Didáticas” ofertado aos gestores.
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O engajamento com a plataforma Khan Academy na escola pública: um olhar educomunicativo
Elisangela Rodrigues da Costa
O projeto piloto em Barueri foi implantando, em junho de 2014, em três escolas do
Ensino Fundamental (EMEF´s) Professora Maria Meduneckas (Jardim Silveira), Levy
Gonçalves de Oliveira (Parque Imperial) e Prefeito Nestor de Camargo (Jardim Mutinga),
esta última de período integral, totalizando 1889 alunos participantes.
As unidades escolares foram escolhidas considerando alguns critérios, tais como:
infraestrutura dos laboratórios de informática, disponibilidade de conexão de internet,
com no mínimo 8 Mbps de velocidade, um computador por aluno e um gestor da
Secretaria responsável pela mediação com as escolas e equipe Khan.
Em três meses de uso na rede de Barueri, professores de Matemática começaram
a relatar que a plataforma estimulava os alunos a serem mais autônomos, embora a
mediação do docente seja fundamental na escolha dos exercícios, e desafiados a retomar
pontos de conteúdos que até desconheciam. Das três escolas envolvidas no projeto, uma
se destacou mais.
A EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Professora Maria Meduneckas,
parte do chamado Complexo Educacional (Maternal, pré-escola e Fundamental) teve seis
alunos que se destacaram nacionalmente. Para exemplificar, a experiência, os próprios
alunos relataram sobre o projeto.
“Muita gente usa a Internet, mas não para aprender” disse o aluno Davi Serrano,
12 anos, 6º ano, que quer seguir carreira de Engenheiro Civil, classificado em 6º lugar
em 2014 no ranking nacional.
“O Khan Academy tem vídeos para entender melhor a Matemática. Eu fico umas
quatro horas por dia para conseguir ser a primeira na pontuação”, relatou Carina Silva, 14 anos, do 9º ano, que ficou em 1º lugar. “O professor tira sua dúvida na hora que
você está fazendo o exercício em casa. Ele vê em tempo real se estamos acertando ou
errando, e isso ajuda muito”, explicou o aluno Leandro Reis, 14 anos, também do 9º ano,
que ficou 4º lugar.
Outro item importante da plataforma é o auxílio, em tempo real, que o professor pode
oferecer aos alunos de qualquer lugar que acesse a plataforma. O docente tem condições
de mensurar as maiores dificuldades por meio de relatórios e acompanhamento dos
exercícios realizados, certos ou errados, pelos educandos.
Em outro aspecto, é preciso admitir o grande perigo deste tipo de projeto, com o
universo digital, que é reduzi-lo ao puro tecnicismo, por isto a ênfase na importância
do olhar educomunicativo.
A educomunicação, definida como área da prática social, está preocupada com a
natureza dos ecossistemas comunicativos em que os sujeitos sociais estão inseridos. A
mediação tecnológica, uma área de intervenção, na prática educomunicativa, de acordo
com Ismar Soares (2013), tem como objetivo:
Não apenas garantir o acesso aos recursos da informação, mas essencialmente facilitar que
o domínio dos novos instrumentos esteja sintonizado com um projeto político que garanta
o exercício universal do direito à expressão, no contexto de uma sociedade solidária que
faça a cidadania prevalecer sobre o mercado (SOARES & VIANA, 2013, p.50).
A investigação se pautou na diferença desta unidade escolar, em relação às demais,
pois, em três meses de projeto, conseguiu colocar sete alunos no ranking nacional da
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O engajamento com a plataforma Khan Academy na escola pública: um olhar educomunicativo
Elisangela Rodrigues da Costa
Khan, inclusive o 1º colocado do Brasil (disputando com centenas de escolas de outros
44 municípios, inclusive da cidade de São Paulo).
Com reportagens de grandes emissoras, visitas da família Lemann e oferta gratuita
de formação aos docentes da escola pelo YouTube com orientações sobre vídeos (gravação,
câmera, redação), as ações educomunicativas foram estimulando a aprendizagem e
desenvolvimento dos alunos envolvidos.
Vale dizer que a preocupação dos educomunicadores não são as TIC´s, em si
mesmas, nem suas ferramentas, o foco desta perspectiva é a possibilidade do diálogo
entre o poder público, o sistema educacional, os pais e estudantes, além do estimulo do
desenvolvimento do protagonismo juvenil, cidadania e da livre expressão comunicativa.
Neste sentido, a equipe de gestão escolar elaborou painéis informativos, disponibizou
espaços na biblioteca para uso, e pesquisa sobre a plataforma, horários de plantão para os
alunos acessarem. Estimulou a produção de vídeos e depoimentos, além da elaboração
de reportagens, feitas pelos próprios alunos da escola, os professores, à medida que o
projeto ia se desenvolvendo, iam inserindo-se nele com temáticas interdisciplinares.
A pesquisa semanal realizada pela Fundação Lemann (com as três escolas
participantes) apontou que os alunos desta EMEF Professora Maria Meduneckas
iniciaram com 5% de uso e terminaram 75% com picos de 83% (de junho a dezembro).
Outra ação desta unidade escolar é que nas reuniões de pais, a gestão convidava-os
à acessarem a plataforma. Assim, por meio do projeto, muitos também tinham acesso
à Internet e observavam a evolução do filho em Matemática.
A importância do olhar educomunicativo, em outras palavras:
A educomunicação não pergunta sobre a atualidade dos equipamentos instalados numa
escola ou mesmo sobre o tipo de treinamento que se deve oferecer a professores e alunos
– isso já faz parte do ideário que preside a modernização do ensino – mas, essencialmente,
sobre como pais, professores e alunos devem transformar os recursos da rede em instrumentos de estreitamento de suas relações em benefício do potencial solidário que esse
consórcio pode gerar em benefício do conjunto da comunidade educativa em geral (SOARES
& VIANA, 2013, p.51).
De acordo com a mensuração dos resultados fornecida pelo relatório de fechamento
da Khan Academy nas escolas de Barueri, em dezembro de 2014, por Maristela Alcântara
(responsável pela tecnologia educacional) o mínimo de pontos semanal, por aluno, era
de 1600 pontos para compor o ranking de habilidade atingidas. Em Barueri, 77% dos
alunos envolvidos ultrapassaram o número mínimo. A escola que adotou a perspectiva
educomunicativa atingiu 87% dos alunos.
Segundo a diretora da EMEF Professora Maria Meduneckas, Márcia Pereira, na
avaliação de final de ano, “houve 60% de melhora dos alunos do projeto Khan em
Matemática, alteração na ideia de disciplina, melhora significativa da expressão
comunicativa, com produtos midiáticos, tanto pelos alunos como professores”
A Secretaria Municipal de Educação de Barueri, em 2015, ampliou o projeto para
mais escolas, contudo a escola com o olhar educomunicativo tornou-se referência para
as outras, com abertura para visitação e trocas de experiências.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O engajamento com a plataforma Khan Academy na escola pública: um olhar educomunicativo
Elisangela Rodrigues da Costa
3. CONCLUSÃO
Quanto às tecnologias no contexto educativo, o problema não é estreitar a
proximidade entre as dinâmicas comunicativo-tecnológicas, mas realizar esta ligação
sob um enfoque não instrumental, observação feita, por Raymond Williams acerca dos
perigos do determinismo tecnológico.
Com isto:
O lugar das tecnologias na escola – e mesmo para o chamado ensino a distância - deve ser
aquele voltado para o interesse de uma educação anteriormente definida como emancipadora, capaz de facultar autonomia de pesquisa, e, sobretudo, reconhecimento do sujeito no
mundo. (CITELLI, 2011, p.80)
Ainda neste sentido, outro autor, Hugo Assmann (2000) enfatiza que a espécie
humana alcançou hoje uma fase evolutiva inédita na qual os aspectos “cognitivo e
relacional” da convivência se “metamorfoseiam” com rapidez nunca antes experimentada.
O autor explana sobre a metamorfose do processo de aprendizado e afirma que a
instrumentalização e a reflexão não são alternativas contrapostas, mas racionalidades
conjugáveis e complementares. Pressupõe que a resistência de muitos professores a usar
livremente as novas tecnologias na pesquisa pessoal e na sala de aula “tem muito a ver
com a insegurança derivada do falso receio de estar sendo superado, no plano cognitivo,
pelos recursos informáticos” (2000:8).
Quanto à crítica à razão instrumental, o autor ressalta ser um desafio permanente,
porém, para evitar mal-entendidos, esclarece:
Nada de redução do Lógos à Techné. Mas, doravante, já não haverá instituição do Lógos sem
a cooperação da Techné. As duas coisas se tornaram inseparáveis em muitas das instâncias
– não em todas, é claro – do que chamamos aprender e conhecer. Estamos desafiados a assumir um novo enfoque do fenômeno técnico. Na medida em que se tornou co-estruturador
de nossos modos de organizar e configurar linguagens, penetrou também nas formas do
nosso conhecimento (ASSMANN, 2000, p.10).
Em resumo, o autor defende que as novas tecnologias têm um papel ativo e estruturante nas formas de aprendizagem e conhecimento, daí a importância de aproveitá-las
ao máximo, mas sem desconsiderar as implicações antropológicas e epistemológicas
da relação entre seres humanos e maquinário.
Em relação ao projeto Khan Academy é fundamental que o professor e a gestão
escolar tenham conhecimento da perspectiva educomunicativa para que a autonomia
apregoada pelo projeto não transforme os alunos em meros reprodutores de fórmulas,
e alimentadores do acesso à plataforma e um espírito altamente competitivo. E que
a Secretaria de Educação dê os devidos suportes para que o projeto de desenvolva
estruturalmente.
Em resumo, o grande questionamento é quanto as razões de uso e do para que fazer.
Afinal existe uma dicotomia evidente, toda vez que observamos a realidade das escolas
públicas brasileiras, quanto à presença e usos pedagógicos da Internet no ensino formal.
É verdade que:
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1405
O engajamento com a plataforma Khan Academy na escola pública: um olhar educomunicativo
Elisangela Rodrigues da Costa
Para que tais transformações ocorram, são absolutamente necessárias políticas públicas no
campo da educação, da comunicação e da cultura que favoreçam a inserção crítica e educativa
dos recursos tecnológicos digitais, de seus produtos culturais e da Internet, como parte dos
processos educativos a carago especialmente do Ensino Básico (SOARES &VIANA, 2013, P.52).
Ainda há muito o que se fazer neste sentido, contudo, experiências como essa
vivenciada em Barueri, podem ser multiplicadas para outras regiões, desde que tenhase o cuidado de entender a importância de um olhar educomunicativo para a questão.
4. REFERÊNCIAS
ASSMANN, Hugo. (2000). A metamorfose do aprender na sociedade da informação. Ciência
da Informação. Brasília, isnn: 1518-8353 v. 29, nº 2, p. 7-15.
CASTELLS, M. (2003). A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
CITELLI, Adilson Odair. (2011). Ensino a distância na perspectiva dos diálogos com a comunicação. Revista Comunicação, mídia e consumo. São Paulo, issn: 1983-7070, v. 8, nº 22, p.
187-209.
_______. (2010). Comunicação e educação: convergências educomunicativas. Revista Comunicação, mídia e consumo. São Paulo, issn: 1983-7070, v. 7, nº 19, p. 67-85.
JENKINS, Henry. (2009). Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph.
LEMANN, F. (2015). Conselho de Classe: a visão dos professores sobre a educação no Brasil. São
Paulo: Lemann.
LEMOV, D. (2011). Aula nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência. São Paulo:
Da boa prosa, Fundação Lemann.
LÉVY, Pierre. (1993) As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na Era da Informática.
Rio de Janeiro: Editora 34.
MARTÍN-BARBERO, J. (2014). A comunicação na educação. São Paulo: Contexto, 2014.
PRENSKY, M. (2010, julho). O aluno virou o especialista. Entrevista Revista Época. Editora
Globo, edição 634.
SOARES, I & VIANA, C. (2013). Pais, filhos e Internet: a pesquisa TIC Kids online Brasil
2012, na perspectiva da educomunicação. In: TIC Kids online Brasil 2012 pesquisa sobre o
uso da Internet por crianças e adolescentes – ICT Kids Brazil online 2012: survey on Internet
use by children in Brazil. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, páginas 47-54.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1406
O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
The use of ICT in schools: the voice of teachers
M aír a Da rido
da
Cunha 1
José Luís Bizelli 2
Resumo: As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação passaram a se
inserir sistematicamente nos centros metropolitanos, disseminando-se gradativamente entre as diferentes classes sociais, sobretudo a partir do século XX.
Em meio a este amplo desenvolvimento tecnológico que caracteriza a sociedade
moderna e suas diferentes instâncias sociais é possível identificar uma preocupação corrente advinda das políticas públicas no que diz respeito à inserção
significativa das tecnologias na escola. O avanço de projetos governamentais
voltados para a utilização do computador como ferramenta pedagógica, integrada ao projeto da escola, é evidente. Dessa forma, torna-se fundamental dar
voz ao agente protagonista dessa mudança: o professor. Nesse estudo, buscou-se
investigar a visão dos professores acerca das TICs no ambiente escolar, como
estão sendo incorporadas na escola e quais os limites e possibilidades do uso
das TICs no processo de aprendizagem. A pesquisa apresentada é de natureza
qualitativa e foi realizada no município de Piracicaba, interior do Estado de São
Paulo. Foram aplicados questionários para 150 professores que lecionam no Ensino
Médio da rede estadual de ensino de São Paulo e diretores das respectivas escolas.
Observou-se que, apesar dos esforços para implementação, ainda há problemas
com infra-estrtura das escolas, formação de professores e condições de trabalho.
Palavras-Chave: TICs. Visão dos Professores. Políticas Públicas.
Abstract: The New Information and Communication Technologies began to
systematically enter in metropolitan centers, spreading gradually among the
different social classes, especially from the twentieth century. Amid this broad
technological development that characterizes modern society and their different social levels can identify a current concern arising of public policies with
regard to the significant inclusion of technology in school. The forward facing
government projects to use the computer as a pedagogical tool, integrated into
the school project, is evident. Thus, it is essential to give voice to the agent protagonist of this change: the teacher. In this study, we sought to investigate the
teachers’ view on ICTs at school, how they are being incorporated into the school
and the limits and possibilities of the use of ICT in the learning process. The
presented research is qualitative in nature and was carried out in Piracicaba, in
the state of São Paulo. Questionnaires were administered to 150 teachers who
1. Mestre pela Faculdade de Ciências e Letras – UNESP Araraquara.
2. Professor Doutor do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia da Faculdade de Ciências e
Letras – UNESP Araraquara.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1407
O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
Maíra Darido da Cunha • José Luís Bizelli
teach in high school in the state network of São Paulo teaching and directors of
their respective schools. It was observed that, despite efforts to implementation,
there are still problems with infrastructure estrtura schools, teacher training
and working conditions.
Keywords: ICT. Teachers View.
INTRODUÇÃO
SOCIEDADE ESTÁ enfrentando um processo acelerado de transformações que
A
provocam modificações nos pilares que solidificam os valores da sociedade
moderna. Essa nova configuração tem como agente responsável o constante
desenvolvimento tecnológico.
Lévy (2004) analisa o aprimoramento das tecnologias como um novo momento
do desenvolvimento humano, em que, por meio de múltiplas formas de produzir
conhecimento, refletem-se outras necessidades, desejos e comportamentos, que assumem
diferentes direcionamentos na organização social.
Transportando a discussão para o cenário da educação, pode-se afirmar que o
aperfeiçoamento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (as chamadas TICs),
conduz um novo paradigma do processo ensino/aprendizagem, modificando os papéis
dos agentes envolvidos na esfera educacional.
As TICs ocupam um espaço significativo dentro dessa nova ordem social, criando
diferentes maneiras de se comunicar, informar e interagir, permeando ambientes cada
vez mais diversificados. Muitas questões na modernidade envolvem as tecnologias,
principalmente em relação a sua utilização em ambientes educacionais. Debates sobre
os limites e as dificuldades que os professores encontram em abordá-las no contexto
pedagógico, por exemplo, são cada vez mais recorrentes.
No que tange especificamente ao contexto educacional, faz-se necessário ampliar
os espaços de debate, visto que a inserção das tecnologias na escola parece não ter
acompanhado o mesmo ritmo das demais instituições sociais, originando a necessidade
de entender como este processo tem ocorrido.
Acredita-se, nesse estudo, que não se pode negar a importância das TICs no cotidiano
escolar e do auxílio destas para o processo educativo, mas é ingenuidade considerar que
elas resolverão todos os problemas educacionais. Muitos acreditam que as TICs são um
requisito para uma educação de qualidade, porém, se a melhora do ensino dependesse
apenas da introdução das TICs nas escolas, melhores soluções teriam sido encontradas
há muito tempo. Desse modo, deve-se pensar como inseri-las de maneira efetiva na
escola para proporcionar aos alunos uma aprendizagem significativa. Para isso, é preciso
conhecer não só a dimensão técnica, mas, também, o que fazer com as TICs. Parte daí a
importância de reflexões e debates sobre o uso das TICs em sala de aula e seu processo
de implementação nas escolas.
Com essa demanda, alimentada pela inserção das TICs no ambiente escolar, nota-se
um enorme esforço do ponto de vista político para a compra e elaboração de programas
que garantam o seu uso nas escolas. Os altos gastos com programas que visam à
inserção das TICs nas escolas, muitas vezes, se mostram pouco eficientes, já que não
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1408
O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
Maíra Darido da Cunha • José Luís Bizelli
vêm acompanhados de medidas que melhorem as condições de trabalho do professor,
a infraestrutura das escolas, a formação continuada dos professores e que repensem as
metodologias utilizadas no processo de ensino/aprendizagem.
Nessa esteira, buscou-se, nesse estudo, investigar a visão dos professores acerca
das TICs no ambiete escolar. De que forma, na voz dos docentes, as novas tecnologias
da informação e da comunicação, as TIC, estão sendo incorporadas na escola? No que
concerne à visão dos professores, quais os limites e possibilidades do uso delas no
processo de ensino/aprendizagem?
A pesquisa apresentada é de natureza qualitativa e foi realizada no município de
Piracicaba, interior do Estado de São Paulo. Para tanto, foram aplicados questionários
para 150 professores que lecionam no Ensino Médio da rede estadual de ensino de São
Paulo. Em continuidade, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com um grupo de
professores e diretores para que houvesse um aprofundamento das questões levantadas
pelos professores no questionário. A pesquisa tem uma amostragem de 150 professorese
7 diretores, distribuídos em 10 escolas do município de Piracicaba, escolhidas aleatoriamente pelo dirigente de ensino responsável pela Diretoria de Ensino de Piracicaba.
A VOZ DOS PROFESSORES QUANTO À INSERÇÃO DAS TICS NAS ESCOLAS
Questionados sobre a importância do uso das TICs, 49% dos professores acreditam
que o uso das TICs nos espaços escolares é muito importante, 39% acha importante,
11% julga pouco importante e 1% acredita que o uso das TICs nas escolas é irrelevante.
Se agruparmos os professores que julgam muito importante ou importante o uso das
TICs no contexto escolar, temos o total de 88% dos professores; já os que acham pouco
importante ou irrelevante somam 12%.
Os dados apresentado aponta uma consonância entre os esforços para implementação
das TICs nas escolas e a opinião dos professores. As TICs estão em todos os contextos da
vida dos adolescentes, dessa forma, seria estranho se não estivesse presente no processo
de ensino/aprendizagem.
Segundo a fala de um professor entrevistado, “É preciso ter tecnologia nas escolas,
e tecnologia de ponta. É inaceitável que os alunos tenham, na escola, menos do que
têm em casa. As tecnologias fazem parte do dia a dia de qualquer cidadão, seria muito
estranho elas estarem fora da escola”.
Compreendendo que os professores consideram como muito importante ou
importante o uso das TICs, é necessário reconsiderar as práticas e refletir sobre o
uso das TICs como um meio e uma ferramenta para repensar o processo de ensinoaprendizagem. Há uma tendência em abordar a questão das TICs e pensar nas “velhas”
maneiras de abordar a educação.
Segundo afirma Lévy (1999, p.30), a educação conta com diversos benefícios da
cibercultura, em termos de tecnologias e possibilidades comunicacionais e relacionais.
Por outro lado, conforme explica Magalhães e Mill (2013),
Há também riscos e dificuldades no ensino-aprendizagem em tempos de cibercultura, como
por exemplo: o isolamento potencial, a sobrecarga cognitiva, a dominação e a exploração,
a “bobagem coletiva”, a dependência. (2013, p. 322).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
Maíra Darido da Cunha • José Luís Bizelli
Apesar de entender os perigos de usar as TICs sem uma reflexão prévia, entende-se
que as TICs dominam o cotidiano de pessoas de diferentes idades, principalmente dos
jovens, dos diversos níveis de escolaridade e classes sociais. São utilizadas no trabalho,
nos serviços domésticos, na comunicação, no lazer e na educação (MORAN, 1995).
Corroborando com Belloni (2005) sobre a importância das TICs,
[...] é preciso também não se esquecer que, embora estas técnicas ainda não tenham demonstrado toda sua eficácia pedagógica, elas estão cada vez mais presentes na vida cotidiana
e fazem parte do universo dos jovens, sendo esta a razão principal da necessidade de sua
integração à educação (BELLONI, 2005, p. 25).
Outra questão presente no questionário diz respeito a se os professores acreditam
que há alguma mudança na aula com uso das TICs, e, se caso acreditasse que há, se
poderiam apontá-las, e, caso não acreditasse, se poderiam justificar a resposta.
Assim, 62% apontaram que há muitas mudanças na aula com o uso das TICs, 28%
dos professores apontaram que há mudanças com o uso das TICs, 9% dos professores
apontaram que há poucas mudanças com o uso das TICs e 1% apontou não acreditar
haver mudanças nas aulas com o uso das TICs.
Assim, 90% dos professores acreditam que há muitas mudanças ou que há mudanças
em uma aula com o uso das TICs e 10% acreditam que há poucas mudanças ou que não
há nenhuma mudança. Nesse sentido, um dos entrevistados, afirma que “Os alunos
prestam mais atenção quando eu uso as TICs em sala de aula, sinto diferença, mas isso
não é determinante, é preciso ter claro qual o objetivo da aula e qual conteúdo quer
passar. As TICs ajudam a gente a dar aula, mas não nos substitui nessa empreitada”.
O processo de inserção das TICs na escola gera transformações na prática docente
e na revisão de metodologias do processo de ensino-aprendizagem. Esse novo processo
interfere diretamente na relação professor/aluno, fomentando a necessidade de reflexão
sobre as mudanças, vantagens e desvantagens das TICs em sala de aula.
FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA:
METODOLOGIA E AÇÕES PEDAGÓGICAS
Quando os professores foram questionados se sentiam-se preparados para o uso
das TICs em sala de aula, as respostas chamaram a atenção. Apenas 15% dos professores
apontam se sentirem preparados para utilizar as TICs na sala de aula, enquanto 79%
deles afirmam não estarem preparados e 6% apontam estarem preparados parcialmente.
Esse dado reflete a relação complexa do professor perante as TICs, pois, apesar de
majoritariamente acreditarem que o uso destas é importante, apenas 15% se sentem
seguros em usá-las. É preciso pensar nos impactos que o bombardeamento das TICs
pode causar no ambiente escolar. O uso das TICs sugere uma nova lógica no modelo de
aulas, planejamento, currículos e até na comunicação e organização escolar. O processo
de inserção das TICs nas escolas extrapola a questão da infra-estrutura e caminha
para uma reflexão sobre o choque cultural promovido pela convivência e mudanças
geracionais. A inserção das TICs no ambiente escolar é também uma inserção na vida
dos professores, que, por vezes, não usam frequentemente as TICs, ou tanto quanto os
seus alunos.
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
Maíra Darido da Cunha • José Luís Bizelli
A questão geracional, de fato, é algo que nos chama a atenção. Se essa questão fosse
tabulada por faixa etária, 100% dos professores com até 30 anos se sentem preparados
para o uso das TICs em sala de aula, enquanto 90% dos professores acima de 50 anos
afirmam não estarem preparados, dados que remetem à questão dos nativos digitais.
A gente nunca precisou disso (as TICs) para aprender. Eu acredito que seja importante,
mas é uma questão de geração; fui aprender a ligar um computador com mais de 40 anos.
Hoje em dia, parece que as crianças já nascem sabendo. A minha geração demorou a fazer
uso das tecnologias, eu vou tentando, mas reconheço minhas limitações até mesmo para
digitar uma prova.
As mudanças desenfreadas causadas pela Modernidade Líquida (BAUMAN, 2001),
se refletem na necessidade de reconstruir frequentemente os elementos cotidianos o que,
para Bauman (2001), gera uma insegurança para lidar com questões que se renovam cotidianamente e de forma brusca. Para o autor (BAUMAN, 2001, p. 35), esse é o mal estar da
docência: “[...] no admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não funcionam”.
O professor é peça chave para o desdobramento das TICs em um processo de ensino e
aprendizagem mais eficaz. Dessa forma, é preciso se aprofundar nas reflexões e entender
que muitos docentes são “imigrantes digitais” com o compromisso de ensinar “nativos
digitais”, que aprendem em ritmos e de maneiras diferentes, havendo, desse modo, um
choque cultural geracional muito grande na relação professor e aluno, acentuando ainda
mais a crise dessa relação.
Assim, este estudo corrobora com os autores (BELLONI, 2005; BIANCHI, 2008;
KENSKI, 2007; SILVA, 2011; MORAN 2001) e considera que os docentes precisam de
capacitação para utilizar adequadamente essas tecnologias, com preparo para desenvolver
metodologias que promovam aprendizagem por meio dessas ferramentas. Isso deve ser
acompanhado de condições adequadas de formação continuada, estruturas, recursos,
tempo e remuneração.
A formação continuada para o uso das TICs deve ser algo sistemático ao longo de uma
carreira, já que as TICs têm como característica o constante processo de aperfeiçoamento.
Dessa forma, um curso feito há dois anos já está, hoje, obsoleto, uma vez que os programas e software recebem atualizações periódicas, modificando atalhos básicos para uso.
INFRAESTRUTURA E CONDIÇÕES DO TRABALHO DOCENTE
Para Arendt (2000), a crise na educação é um reflexo da crise por que a sociedade
moderna passa. Dessa forma, para compreender os problemas na escola, é preciso
analisar a sociedade em que ela está inserida. Segundo Cambi (1999, p. 203),
[...] a modernidade nasce como uma projeção pedagógica que se dispõe, ambiguamente, na
dimensão da libertação e na dimensão do domínio, dando vida a um projeto complexo e
dialético, também, contraditório, animado por um duplo desafio: o de emancipação e o de
conformação, que permaneceram no centro da história moderna e contemporânea como uma
antinomia constitutiva, talvez não superável, ao mesmo tempo estrutural e caracterizante
da aventura educativa do mundo moderno.
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
Maíra Darido da Cunha • José Luís Bizelli
A crise na educação, como a própria Arendt (2000) sugere no início de sua discussão,
não é má em si mesma, ela é uma possibilidade de se repensar práticas cotidianas
inerentes à sociedade moderna. A dicotomia se centra na questão da novidade e
conservação que experimentamos na existência humana histórica.
Essa dicotomia pode ser observada quando os professores são questionados sobre
se usam as TICs em sala. Dos entrevistados, 45% dos docentes apontaram que usam
quando possível; 23%, que usam raramente; 17%, que usam muito; 8%, que nunca usam
e 7% diz não usar por não ter acesso na escola.
Dado relevante é o fato de que 88% dos professores apontaram achar importante
o uso das TICs em sala de aula e apenas 62% apontarem que usam muito ou quando
possível. Essa reflexão ajuda a desvendar dois aspectos centrais: o motivo por que 26%
dos professores não usam, apesar de acharem as TICs na sala de aula importantes e o
porquê de 38% dos professores apontarem que usam raramente, nunca usam ou que
não têm acesso às TICs nas escolas.
Apenas 17% dos professores apontaram que usam muito as TICs em sala de aula, e
45% usa quando possível. Mas, se somarmos aqueles que usam raramente, nunca usam
ou não têm acesso às TICs nas escolas, chegamos à porcentagem de 38%. O discurso
em questão gera embates dentro do próprio contexto escolar e permeiam a esfera da
condição de trabalho do professor da Rede Estadual de São Paulo.
O número apresenta o retrato das escolas de Piracicaba, onde calcula-se um
investimento grande na infraestrutura e não se considera uma porcentagem efetiva
de professores que afirmam utilizar as TICs nas escolas. Sobre os apontamentos feitos
pelos professores nos questionários e na entrevista:
Esse ano eu dou aula em três escolas. Tive que fazer isso para complementar minha carga.
Em todas as escolas que dou ou já dei aula, todas elas têm um monte de computador dentro
de caixas que demoram anos ou nunca foram instalados [..] E aí quando a gente questiona a
situação, eles [a equipe gestora] falam que já abriram chamado na Secretaria de Educação e
que não podem fazer nada se não esperar [..]. Também tem quando o computador quebra e
não tem mais jeito, não tem o que fazer com ele, não pode jogar fora porque é bem, ai eles
ficam lá, ocupando espaço e poluindo a visão de todo mundo na escola, parece um grande
cemitério de computadores que mau foram usados.
O professor, durante a entrevista, afirmou que a maior dificuldade no uso das TICs
envolve a baixa quantidade e diversidade de materiais que a escola oferece e o grande
processo burocrático para manutenção e instalação dos equipamentos.
Infelizmente, o uso das TICs na educação ainda esbarra nas questões estruturais, na
falta de equipamentos e sua manutenção (CHAMPANGNATTE; NUNES, 2011), requisitos
básicos para que o trabalho com as tecnologias seja realizado de modo adequado. Mesmo
com todo o investimento dos programas governamentais, verificou-se que, nas escolas,
segundo os professores, a manutenção das TICs não é realizada nem frequente nem
adequadamente.
Outra questão levantada pelos professores foi o tempo disponível para elaboração
das aulas com as TICs, ou, até mesmo, o tempo para instalação do recurso a cada aula:
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
Maíra Darido da Cunha • José Luís Bizelli
Tenho dois cargos na Rede, preciso disso para pagar minhas contas e sustentar minha
família. Trabalho de manhã, tarde e noite, os ATPCS são para resolver questões burocráticas
e dar dura nos professores. Que horas que vou preparar minhas aulas?
De outro entrevistado: “Eu poderia me esforçar mais para aprender a usar, mas
dou 50 aulas semanais, não tenho tempo de organizar minhas cadernetas, muito menos
pensar numa aula em que eu possa inserir as TICs”.
As condições de trabalho refletem diretamente na qualidade de ensino ofertado.
Devido aos baixos salários, os professores sentem a necessidade de acumular funções,
jornadas de trabalho ou mais de um emprego. No questionário, 69% dos professores
apontaram acúmulo de função, ou seja, além de darem aula como efetivos em alguma
escola, possuem outros empregos ou dão aulas em escolas particulares. Número
alarmante e na contramão da busca de melhorar a qualidade da educação. Evidencia-se,
portanto, a necessidade de melhoria dos salários dos professores, condições de trabalho
e valorização social da função docente.
A falta de tempo, a falta de capacitação e a falta de infraestrutura da escola foram
duas respostas que apareceram com frequência nas entrevistas realizadas com os
professores quando questionados do porquê não usavam as TICs em suas aulas:
[...] Fiz alguns cursos para usar o computador, o celular, sei ligar e fazer as coisas básicas.
Mas as vezes que tentei usar em sala de aula, só me deu dor de cabeça, faltava cabo, faltava
adaptador, não tinha tomada suficiente, ninguém achava a caixa de som. Ou seja, fiquei
mais da metade da aula para tentar ligar o equipamento e não deu certo. A gente planeja a
aula em casa, faz tudo “esquematizadinho” e, na hora, é vencido por uma extensão. Material
tem, mas é preciso organizar tudo isso também.
A mesma questão foi feita aos diretores que apresentaram diferentes hipóteses para
o baixo uso das TICs na escola e confirmaram a baixa adesão dos professores quanto
ao seu uso. Apenas 1 diretora, da única escola de Tempo Integral, teve uma resposta
oposta às dos demais diretores:
Os professores usam todos os dias os recursos tecnológicos. Foi preciso implementar um
sistema de reserva e compramos mais computadores, telões e projetores. Hoje quase todas
as salas são equipadas com esses recursos, mas é porque os professores usam bastante,
tiveram cursos, há momentos de troca de experiência, aprenderam a usar os recursos para
prender a atenção dos alunos e para dinamizar suas aulas.
A fala da diretora da escola de tempo integral destoa dos demais diretores, fazendonos refletir sobre a nova proposta da escola de tempo integral, em que o professor deve
ter dedicação exclusiva, espaços para troca de experiência com os demais professores e
cursos e aperfeiçoamentos que a direção da escola julgue necessário para aquele contexto.
Todos os outros 7 diretores foram na contramão desse discurso, apontando, no geral,
3 hipóteses para o não uso das TICs em sala de aula: a resistência do professor com as
TICs e novas possibilidades na educação; a insegurança do professor, fator que pode
estar relacionado com as poucas formações para uso e; a falta de tempo para estudo e
preparo das aulas utilizando as TICs. Conforme a fala de um diretor:
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
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A gente sabe que os professores não usam, porque, para usar, têm que preparar bem a
aula, coisas que a gente sabe que pouquíssimos fazem, a maioria usam uma seqüência de
exercícios e textos que prepararam há anos atrás e usam por muito tempo, não querem
saber de coisas novas.
Nessa fala, evidencia-se a questão da resistência do professor em renovar suas
práticas e repensar as metodologias no processo de ensino/aprendizagem. O diretor
em questão coloca que a maioria dos professores não quer saber de coisas novas, ou
não se sente motivada a aprender a utilizar as TICs. Por outro lado, um diretor afirma:
É preciso dar tempo para essa renovação, o professor, por sua condição de trabalho, não
tem tempo nem motivação para pensar em aulas que usem computadores, tablets e outros
recursos, acabam fazendo mais do mesmo com as tecnologias.
Sobre a insegurança dos professores, um diretor aponta:
Alguns professores têm medo de usar, porque eles sabem que os alunos sabem usar melhor
que eles. É como se der algo errado, ele vai ser menos que os alunos. Tem professor que não
gosta de pedir ajuda para o aluno, ou acha que isso é mostrar que não é um bom professor.
Aqui, o diretor entrevistado aponta para o medo e insegurança do professor para
usar as TICs em sala de aula. O fato das TICs serem dominadas pelos jovens rompe com
a visão tradicional de educação, onde o professor seria o detentor do conhecimento e
teria como função depositar no aluno todo seu conhecimento – a chamada educação
bancária (FREIRE, 1993).
A escola pública enfrenta muitos problemas, como a falta de estrutura, recursos e
de professores. De acordo com Belloni (2005), “[...] tentativas de melhoria da qualidade
do ensino de 1º grau, através da introdução de inovações tecnológicas e metodológicas
esbarram de modo geral em obstáculos pedagógicos e institucionais que as condenam
ao fracasso” (BELLONI, 2005, p. 87)
Ainda segundo Belloni (2005) e Pretto (2008), a escola pode diminuir as desigualdades
existentes em relação ao acesso às tecnologias, incluindo-as no seu contexto. Além da
introdução de um suporte tecnológico adequado, os autores consideram a necessidade
de transformações metodológicas no processo de ensino-aprendizagem. Segundo um
professor:
Acho importante usar, mas sinto um pouco de exagero, sempre é necessário comprar algo
novo, antes era fios, hoje são softwares, parece que nunca vai ser o suficiente para eles
aprenderem. O que é novo pra gente pros alunos já é tudo normal, corriqueiro [...] na verdade é uma tentativa da escola de se situar no tempo deles, já que a escola está anos luzes
atrás deles e de suas vontades.
A fala do professor remete a questões ainda mais profundas do que as de
infraestrutura ou de formação continuada para professores. A afirmação refere-se ao
constante desinteresse dos alunos na sala e reprodução daquilo que vivem no âmbito
escolar. A constante mudança, característica da sociedade atual, traz à tona reflexões
sobre a velocidade das transformações.
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
Maíra Darido da Cunha • José Luís Bizelli
Bauman (2001) afirma que a marca da modernidade é a “vontade de liberdade”,
capaz de acompanhar a velocidade das mudanças econômicas, tecnológicas, culturais
e do cotidiano. Neste mundo, não há como se sentir seguro e estável, pois é tudo muito
incerto e porque não dizer, assustador. Isso porque as questões modernas não encontram
utilidade para a “certeza”, para a “segurança”, ou mesmo para a “estabilidade”. Como
afirma Bauman (2001), aquele desejo imenso de poder que animou a busca do definitivo
desperta, agora, pouco entusiasmo. Já o que desperta grande paixão é o que a sociedade
atual incita-nos a fazer, que é desempenhar o papel de consumidor.
Outro professor lembra um problema inerente à vida em sociedade, as relações de
poder:
O que adianta ter wi-fi nas escolas se os coordenadores não querem passar a senha? Os
coordenadores não confiam nos professores, eles veem a gente como inimigos, como se a
gente fosse preguiçoso, até parece que não sabem como está a sala de aula. [...] Eles não
passam a senha com medo dos professores passarem para os alunos. Como se os alunos
precisassem de wifi pra entrar na internet. Fora o que, alguns alunos sabem rackear a senha,
independente de quantas vezes por dia os coordenadores mudem.
O relato nos direciona às relações de poder e problemas presentes em várias escolas,
o confronto interno entre professores e professores, professores e alunos e professores
e coordenadores. Dessa forma, a vida do professor na escola é permeada de conflitos,
dificultando a formação de um espaço aberto para o novo, que se readapte ou que se
reconfigure para receber as TICs.
É na escola que coexistem inúmeras relações de poder, reformulando as estruturas
hierárquicas internas a todo mundo. Logo, é preciso compreender as estruturas de
poder de uma sociedade para que se possa entender a dimensão da reprodução social
(BOURDIEU, 1997) que existe no espaço escolar. É difícil pensar nos múltiplos problemas
sociais, sem entender o seu reflexo na escola.
A partir dessa constituição, a relação entre poder e educação é muito aproximada,
uma vez que os moldes escolares modernos têm suas bases firmadas em modelos disciplinares. Assim, ao invés de considerar que existe a construção do saber somente na
ausência dos poderes coercitivos, Foucault (1979) faz o caminho reverso e considera que
é justamente o poder que se produz o saber. Não há saber que não construa relações de
poder e nem poder que não pressuponha um campo de saber.
Baseado no disciplinamento, na vigilância, nas práticas de controle e poder, nas provas e exames, é possível construir um retrato das práticas e estruturas escolares. Desde
a disposição das carteiras, da construção dos corredores até a postura dos professores
em sala de aula e na construção do currículo escolar, refletem hierarquias e relações
de poder que impõem a uma multiplicidade de indivíduos condutas unificadas, que
formam sujeitos disciplinados, obedientes e que, assim, respondem às necessidades
das instituições geradas pela sociedade moderna. Dessa maneira, é possível dizer que
a escola possibilita a realização da modernidade da maneira como ela está (DARIDO
& SANTOS FILHO, 2013).
O que Foucault (1979) chama de “positividade do poder” pode ser retratado pela
forma como as práticas disciplinares passaram de violentas para sutis e se tornaram,
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
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assim, mais eficazes. O poder não reprime a ponto de nos impedir de fazer coisas; ele
molda no sentido de nos tornar atuantes de uma produtividade social enquanto sujeitos.
Por um “bom adestramento”, se atinge uma “boa disciplina”. A escola é um ambiente
propício para a construção de identidade, de sentimento, de responsabilidade, enfim,
de um sujeito capaz de atuar dentro dos moldes que a sociedade moderna exige. É,
portanto, neste ambiente também que se criam os sujeitos através do poder e do saber.
Nesse sentido, é preciso aproximar-se da escola, entender as relações de poder, em
qual contexto e sobre quais reflexões se apoiam a inserção das TICs nas escolas para
compreender seus usos e desdobramentos dentro das relações de poder e apropriação do
conhecimento. Dessa forma, assuntos que deveriam ser compartilhados e recursos que
deveriam ser utilizados para a melhoria pedagógica acabam esbarrando em questões
hierárquicas e questões que tangem, principalmente, as relações de poder. É preciso ter
um bom diálogo entre gestores e professores, com o intuito de ambos objetivarem uma
melhoria no processo de ensino/aprendizagem.
Quando questionados, dentre os que usam, de que formas usam as TICs em sala
de aula, foram assinaladas 112 respostas para transmissão de vídeos, 72 respostas
para transmissão de slides e apresentações dos conteúdos sistematizados em aula, 43
respostas para apresentação de trabalho de alunos, 5 respostas para outros fins e apenas
2 respostas para realização de trabalhos em rede. Nessa questão, os professores poderiam
assinalar mais de uma opção, sendo as respostas tabuladas por quantidade total e não
por porcentagem.
Majoritariamente, as respostas indicam que o uso das TICs nas escolas são restritos
à transmissão de vídeos, para projeção de slides e apresentação de trabalhos dos alunos.
Apesar dos esforços e investimentos para implementação das TICs nas escolas, nota-se
que elas ainda não são usadas como forma de produção do conhecimento.
O movimento de transmissão de vídeo na escola começa na década de 1960, dessa
forma, a prática de transmissão de vídeos em sala de aula é tratada desde a época de
sua inserção como uma prática não reflexiva. Segundo Tardy (1976) é desde os anos de
1960 a escola não faz uma discussão reflexiva a respeito da gradativa assimilação das
imagens cinematográficas e objetivo claro do uso dos vídeos na escola.
Ressalta-se a dificuldade de uso das TICs através de outras metodologias. Valente
(1993) defende que o computador é a ferramenta mais presente no cotidiano dos alunos,
devendo ser utilizada na escola. Sua inserção exige a mudança do paradigma educacional,
promovendo aprendizagem ao invés de ensino, saindo da pedagogia instrucionista para
construcionista, sendo importante que o aluno construa o conhecimento por meio desta
tecnologia. Parece que esse modelo não vem sendo implementado nas escolas.
Além disso, Valente (2013) aponta que a educação com as TIC só tem sentido se
estiver integrada ao currículo escolar, quando não se tornam apenas apêndices das aulas
ou marketing para a escola. O mesmo afirma aponta que é importante o letramento
digital dos professores e alunos, ou seja, de “[...] não ser um mero apertador de botões
(alfabetizado digital), mas sim de ser capaz de usar essas tecnologias em práticas sociais”
(VALENTE, 2013).
Nessa esteira, segundo Lévy (2004), é importante entender as mídias como um meio
de transmitir o conhecimento, já que quem direciona o conteúdo ainda é o professor.
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
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Mas, não é possível descartar a necessidade de se refletir acerca das novas metodologias
para uso das TICs, porque, para fazer “mais do mesmo”, não é preciso usar o aparato
tecnológico, mas, sim, encontrar caminhos que possibilitem a produção do conhecimento
através da ótica digital.
Ainda segundo a autora, há, nesses nossos tempos, uma supervalorização do poder
do audiovisual. É preciso refletir para quê se quer as TICs nas escolas, já que elas podem
ser usadas de três maneiras distintas: 1) como uma forma instrumental, de sistematizar as disciplinas em sala de aula, ou seja, como forma ilustrativa; 2) como forma de
conhecer a gramática audiovisual, através das linguagens e usufruto dos códigos digitais, voltada para uma lógica de preparação do aluno para o mercado de trabalho; ou,
por último, 3) como forma de produção do conhecimento, explorando as facilidades e
possibilidades de edição e criação por meio das TICs para inovar a relação do processo
de ensino-aprendizagem.
O grande desafio, porém, é delinear estratégias e formas de apropriação das TICs
para a produção do conhecimento. É preciso repensar a prática docente no sentido de
uma formação para mediar novos conhecimentos através das TICs, direcionando os
caminhos rumo à aprendizagem significativa e auxiliando no alcance dos objetivos e
expectativas de aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES
Pela fala dos professores e pelas análises a partir das faixas etárias, observa-se que
estamos em uma transição do quadro docente. Já há muitos professores da Rede que
são “nativos digitais”, mas, para a grande maioria, tudo é novo, ligar o computador e
lidar com as TICs no processo de ensino/aprendizagem ainda é um grande desafio.
Esse desafio apareceu nas falas dos professores, derivado em medo e insegurança.
A inserção das TICs nas escolas fomenta a discussão sobre a crise da prática docente.
É a primeira vez que se vê uma mudança tão brusca protagonizada pelos jovens sendo
refletida nos âmbitos escolares. Essa transformação evoca a necessidade de romper de
uma vez com os modelos conservadores de educação, que posiciona o professor como
detentor do conhecimento e o aluno como um ser desprovido de conhecimento.
Para tanto, é preciso repensar as práticas escolares, entender as TICs como um meio
a mais de fomentar uma discussão crítica entre os professores a fim de traçar caminhos
que orientem uma prática docente criativa e reflexiva, em que as TICs poderiam ser
compreendidas como um espaço de possibilidade de criação, individual ou colaborativa, e
não apenas utilizada como uma forma de chamar a atenção dos alunos ou de sensibilizálos aos conteúdos propostos na aula.
REFERÊNCIAS
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Barbosa de Almeida. 3ª reimpressão da 5. ed. de 2000. São Paulo: Perspectiva.
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Zahar Ed.
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O uso das TICs nas escolas: a voz dos professores
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In: Composição, Revista de Ciências Sociais da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
n. 12, Ano 17, p. 165-183.
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Temática Digital. V.2.
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Valente, J. A.. (Org.). (1993) Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas:
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TICs nas escolas, o que fazer com elas?
ICT in schools, what to do with them?
Manuela Pereira
de
A l meida 1
Resumo: Seria um equívoco dizer que a escola pública é hoje um espaço onde
as tecnologias de informação e comunicação (TICs) estão presentes de forma
significativa? O cenário das escolas estaduais situadas em Petrolina, sertão pernambucano mostra que não. Assim, o presente trabalho discute sobre os usos das
TICs valendo-se das contribuições de Cunha (2014) e Cunha (2010) sobre práticas
de letramento, assim como de Kleiman (2010) e Street (1994) sobre letramento
escolar e letramento social respectivamente. Com isso, é possível perceber como
estes estudos convergem para as práticas de Educomunicação tendo com base
de referência Soares (2011) e Gómez (1998). Portanto, é pretensão deste trabalho
aproximar estes campos de estudos buscando perceber o potencial de ambos
para a construção de um conhecimento significativo na escola.
Palavras-chave: Educomunicação. Práticas de letramento. Tecnologias de informação e comunicação.
Abstract: It would be a mistake to say that the public school is now a space where
information and communication technologies (ICTs) are present in a significant
way? The scenario of the state schools in Petrolina, Pernambuco backwoods
shows that not. Thus, this paper discusses the uses of ICTs by drawing on the
contributions of Cunha (2014) and Cunha (2010) on literacy practices as well as
Kleiman (2010) and Street (1994) on school literacy and social literacy respectively
. This makes it possible to see how these studies point to the practices of Educomunication having with baseline Soares (2011) and Gomez (1998). Therefore,
this work is closer claim fields these studies seeking to realize the potential both
for building school significant knowledge.
Keywords: Educommunication. Literacy practices. Information technology and
communication.
1 INTRODUÇÃO
M QUE medida é possível considerar os espaços onde haja práticas de Educomu-
E
nicação como ambientes propícios para pensar e compreender as práticas de letramento? É importante sopesar que esta questão se refere ao contexto escolar, onde
as práticas de letramento são variadas, incluindo aí o uso das tecnologias de informação
e comunicação (TICs). Neste sentido, o presente trabalho a partir de um levantamento
1. Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos, Departamento
de Ciências Humanas III/Universidade do Estado da Bahia (DCH III/UNEB), [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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TICs nas escolas, o que fazer com elas?
Manuela Pereira de Almeida
sobre a presença das TICs nas escolas estaduais de Petrolina (PE), busca refletir como
as práticas de letramento ou o uso das TICs na escola são potencializadoras paras as
práticas de Educomunicação.
É necessário questionar ainda, o que tem a ver as práticas de letramento com a
Educomunicação no contexto escolar? Tentando respondê-la e compreendê-la, este
trabalho buscou nas pesquisas de Cunha (2014) e Cunha (2010), aproximar ambas as
práticas, já que tais investigações tratam sobre letramento se valendo do uso das TICs na
escola. A primeira autora em questão realizou um estudo em uma escola periférica na
cidade de Feira de Santana (BA), o qual trata das práticas de letramento dos estudantes de
Ensino Fundamental II e EJA a partir do uso das TICs. Já a segunda autora desenvolveu
um Jornal Escolar em uma escola do interior de São Paulo e a partir disso investigou
as práticas de letramento na formação continuada de professores e a ressignificação do
ensino da língua portuguesa.
Embora ambos os trabalhos não tratem diretamente de Educomunicação eles se
materializam também neste campo por investigar as práticas de letramento a partir da
elaboração e uso de mídias na escola (jornal escolar, blog, audiovisual) com a participação
direta dos estudantes e professores.
Com isso, considerando as pesquisas citadas acima, é exercício deste artigo
aproximar ambos os campos de estudo considerando que a base de discussão sobre
Educomunicação está apoiada nas contribuições de Soares (2001) e Gómez (1998) que
debate sobre o uso pedagógico dos meios de comunicação, sobretudo da televisão.
Desta forma, para efeito de organização dos temas e conceitos a serem abordados o
artigo está dividido da seguinte forma: primeiramente estão descritas as TICs presentes
nas escolas estaduais de Petrolina (PE). Após isto, o percurso dos estudos de Cunha (2014)
e Cunha (2010), posteriormente o trabalho busca situar conceitualmente Educomunicação
e práticas de letramento. E ao fim as considerações sobre o debate em questão.
2 A PRESENÇA DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO NAS ESCOLAS ESTADUAIS EM PETROLINA (PE)
Antes de adentrar nos dados propriamente ditos é importante ponderar que
a obtenção destas informações se deu a partir do Mapeamento como perspectiva
metodológica. O uso desta metodologia é baseado na proposta de Santos (2002), no
qual o autor trata dos mapas como formas de representação da realidade fazendo uma
analogia com o Direito.
Para Santos (2002) o mapa ocupa na sociedade, um lugar de representação; o mapa
uma representação distorcida de um espaço real, e, o direito uma representação distorcida
de exclusividade, pois detém o monopólio da regulação e controle da ação social. “Os
mapas são distorções reguladas da realidade, distorções organizadas de territórios que
criam condições creditáveis de correspondência, o Direito tal qual os mapas, é uma
distorção regulada de territórios sociais” (SANTOS, 2002, p. 198).
Na pesquisa, os mapas servem como instrumentos que norteiam o percurso da
investigação revelando traços relevantes da realidade que se apresenta. Numa abordagem
educacional desta mesma metodologia, Biembengut (2003) sugere uma ferramenta que
seja capaz de romper a barreira entre o discurso e a ação. Neste sentido, a autora fala
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1420
TICs nas escolas, o que fazer com elas?
Manuela Pereira de Almeida
que o mapeamento contribui como forma de investigação com a finalidade de perceber
o contexto que a problemática da pesquisa está situada, para então construir, através
da pesquisa, respostas ou propostas capazes de atender às demandas educacionais.
Biembengut (2003) ressalta que mapear não pode ser entendido como um “acúmulo de
informações, nem tão pouco como gráficos, porém como um conhecimento mais próximo de uma realidade através de detalhes significativos e relevantes” (BIEMBENGUT,
2003, p. 297).
Para saber quais tecnologias de informação e comunicação estão presentes na escola
pública foi necessário visitar a 15ª Gerência Regional de Ensino - Sertão do Médio São
Francisco, sediada em Petrolina e que compreende mais seis municípios circunvizinhos:
Afrânio, Cabrobó, Dormentes, Lagoa Grande, Orocó e Santa Maria da Boa Vista,
totalizando assim a abrangência de sete municípios. Ao todo são oitenta e duas escolas
urbanas e rurais, incluído quatorze escolas indígenas situadas nas cidades de Cabrobó
e Orocó. Conforme dados da 15ª GRE foi possível ver a presença de uma variedade de
equipamentos adquiridos através de programas diversos voltados para inserção e uso
das TICs nas escolas, as quais estão discriminadas na tabela abaixo:
Tabela 1:
Laboratórios fixos de
informática com internet
Oriundos de programas mais antigos do MEC, os laboratórios não representa uma
novidade nas escolas, a não ser pelos programas de conectividade.
Laboratório móvel de
informática
Presente em escolas que não tem espaço para comportar um laboratório fixo. Consiste
num armário móvel contendo trinta e seis notebooks e assim pode ser transportado
para qualquer espaço da escola
Projetor Multimídia
Projetor que já inclui teclado, caixas de som, microfone e sistema operacional Linux, por
isso não necessita de um computador. Está disponível em todas as escolas da rede
Lousa digital
Equipamento semelhante a uma lousa tradicional, mas com uma tecnologia touchscreen, sensível ao toque que permite a visualização mais de um conteúdo. Presente em
40 escolas de abrangência da 15ª GRE.;
Softwares educativos
da P3D
Programas voltados para o ensino das disciplinas de Biologia, Química e Geografia
utilizando imagens em três dimensões. Estão presentes em 7 escolas de abrangência
da 15ª GRE.
Tablets
Na rede estadual é destinado a todos os estudantes do 2º e 3º ano do ensino médio e
também é distribuído pelo MEC para todos os professores em regência de classe.
Quiosque digital
Mesa onde ficam acoplados 3 computadores. Projetado para as bibliotecas, servem
para pesquisas rápidas e complementares. Presente em todas as escolas.
Conectividade
A internet está presente nas escolas através de dois programas: PE Conectada, da rede
estadual e Escola Conectada, do MEC. Pretende conectar todas as escolas à internet,
inclusive as unidades localizadas na zona rural, através de parceria com o Ministério das
Telecomunicações;
Professor conectado
Programa que distribuiu um notebook para cada professor da rede em todo estado de
Pernambuco.
Aprender TI on line
Cursos em formato Ead voltados para os professores para uso das TICs na sala de aula.
Contudo, há de se fazer uma ressalva sobre a distribuição destas tecnologias, já
que são nas escolas urbanas que se encontram boa parte delas. Em alguns casos como
as unidades denominadas de escolas de referência, todas as tecnologias citadas estão
presentes. As escolas semi-integrais também dispõem de algumas destas tecnologias
e nas demais unidades da área urbana, localizadas nas áreas periféricas da cidade,
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TICs nas escolas, o que fazer com elas?
Manuela Pereira de Almeida
alguns equipamentos mais sofisticados como a lousa digital ou software P3D ainda
não chegaram.
Já nas escolas da zona rural nem todos estes equipamentos estão à disposição de
alunos e professores, apenas os laboratórios de informática com um acesso muito precário
ou sem nenhum acesso a internet. E, dentre as quatorze escolas indígenas, apenas três
dispõem de cinco computadores com internet através do programa PROINFO Rural
do MEC.
As informações complementares sobre o uso e política de distribuição das TICs
nas escolas foram obtidas por meio de entrevista semiestruturada com uma professora
que atua no setor Tecnologia da Educação da 15ª GRE. Para efeito de preservação de sua
identidade ela é denominada aqui de “Professora”. No que diz respeito a distribuição
das TICs ela afirma
A secretaria manda de Recife e nós distribuímos conforme a demanda, por exemplo, o tablets
que os professores receberam foi enviado diretamente do MEC para os professores em
regência de classe, foi outro programa diretamente do governo federal, já os notebooks foi o
programa de nossa rede, o Professor Conectado, que distribuiu para todos os professores da
rede estadual. Já os tablets que os alunos recebem nós que distribuímos conforme o critério
da secretaria, o aluno está cursando o ensino médio, não ter sido reprovado. Algumas outras
como o P3D as escolas que receberam foram aquelas que os professores participaram das
formações para o uso do software. Então assim, buscamos atender os critérios propostos
pela secretaria, pelo programa. (Professora, 2014)
Sobre a ausência destas TICs nas escolas indígenas e da zona rural a Professora
pontua o seguinte:
Na maioria das vezes essas TICs nem são usadas de forma satisfatória nestas escolas, pelo
difícil acesso, pela precariedade nas instalações elétricas, o sinal da internet é muito ruim.
Nós estamos passando por uma mudança nos programas de conectividade para melhorar
o sinal da internet no interior. Tem escolas que os alunos não tem energia em casa, eles
carregam os tablets na escola para usar em casa. Então assim, são muitas realidades diferentes. As escolas indígenas os professores são indígenas e eles nem sempre querem seguir
os programas, usam uma pedagogia própria. (Professora, 2014)
Sobre o uso das TICs nas escolas ou um acompanhamento para o uso a Professora
revela que não existe uma avaliação sobre estes programas:
Não avaliamos, nós temos aqui um espaço para o professor se qualificar para o uso das
tecnologias e a maioria dos professores não vem. Alguns participam dos cursos que são
disponibilizados, mas a maioria não. E também às vezes nem sabemos o que vai chegar, os
aparelhos chegam e nós distribuímos. (Professora, 2014)
Importante considerar que dentre os programas disponibilizados para s escolas, os
únicos questionados pelos professores ou gestores são os programas de conectividade,
pois a internet quase sempre é insatisfatória. Os programas estaduais são sintetizados
em uma espécie de módulo denominado Tecnologias na Escola e lá o professor conhece
as TICs e como trabalhar com elas, assim como há o ambiente virtual para cursos. No
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TICs nas escolas, o que fazer com elas?
Manuela Pereira de Almeida
entanto, a carga horária de trabalho do professor quase sempre é o fator de impedimento
para que participe destas formações. “o professor trabalha semana inteira e aí nem
sempre pode vir aos sábados para participar dos cursos e os que ocorrem durante a
semana é quando ele está em sala de aula” reforçou a Professora.
3 PRÁTICAS DE LETRAMENTO A PARTIR DO USO DAS TECNOLOGIAS
DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO.
Considerando o contexto dos dados é inevitável questionar: o que fazer com estas
TICs, diante de tantos desafios apontados na fala da Professora, sejam eles a falta de
planejamento pedagógico para uso destas TICs ou outras questões de infraestrutura
de algumas escolas para recebê-las. Foi nos estudos sobre práticas de letramento que
se buscou algumas pistas sobre este ponto.
O primeiro estudo a ser descrito é de Úrsula Nascimento de Souza Cunha, que
se dedicou a pesquisar as práticas de letramento escolar e social na Escola Campo,
localizada num bairro da periferia da cidade de Feira de Santana (BA). Seu estudo está
descrito no livro: Letramento Escolar e cotidiano – Análise de experiências sobre práticas
de letramento à luz da Crítica Cultural.
Cunha (2014) apresenta as práticas de letramento a partir da produção textual de
estudantes do Ensino Fundamental II e EJA que mesmo em contato com textos de
diversos gêneros, sobretudo no meio digital, ainda assim são considerados, por parte
do grupo docente da escola, como não leitores e não escritores. Principalmente pelo fato
destes docentes desconsiderarem a leitura e a escrita de textos via internet ou através de
suportes eletrônicos, como celular, computador, como uma não leitura ou uma leitura
e escrita.
Importante ressaltar que a autora tem o cuidado de abordar em seu trabalho que o
motivo desta concepção de alguns docentes em desconsiderar a leitura e a escrita dos
estudantes em blogs, sms, post em redes sociais dá-se por conta do próprio modelo de
ensino escolar, problematizando assim o que se considera leitura e escrita para a escola.
Deste modo, Cunha (2014) expõe que no contexto pesquisado o uso das TICs é algo
periférico da escola, que de uma forma geral está ainda apoiada num modelo canônico
do ensino da língua
As instituições de ensino nos moldes atuais estão sendo consideradas por diversos educadores, inclusive professores da escola campo como instituições falidas, que não cumprem
mais com sua missão: integrar o indivíduo ao meio social em vive. Isto se deve, porque a
escola impõe um modelo único de saber, não se adaptando ao pluralismo epistemológico e
tecnológico da contemporaneidade. Por isso, mudanças de paradigmas são necessárias com
objetivo de tornar mais eficiente o dia-a-dia escolar. (CUNHA, 2014, p. 103)
A autora aponta em seu estudo que o uso do blog permitiu aos alunos da EJA darem
sentido aos seus escritos. Em depoimento um dos sujeitos participantes da investigação
relatou que escreveu e publicou um poema por conta da possibilidade de ser publicada
no blog e que se não fosse pelo blog não teria oportunidade de se expressar, já que os
textos que produz na escola “só serve para o professor dar nota, não tem serventia para
nada” (CUNHA apud sujeito de sua pesquisa, 2014, p.119). Importante destacar que este
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TICs nas escolas, o que fazer com elas?
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estudante é um pedreiro que ficou afastado da escola durante 20 anos, pois segundo ele
não via na escola algo significativo para sua atividade profissional. É neste aspecto, que
a autora destaca a relevância do uso das TICs no ambiente escolar, mais precisamente
com foco na escrita e na leitura
O trabalho com uso das TICs na escola deve potencializar o diálogo entre o mundo real e o
virtual, fornecendo aos sujeitos que as utilizam ao passaram a utilizá-las uma ferramenta
para a leitura do mundo e, em sua escrita, uma possível transformação dos textos e de realidades que fazem parte do cotidiano desses indivíduos. (CUNHA, 2014, p. 120)
Outra produção deste estudo foi um documentário sobre a localidade onde está situada a escola e parte dos discentes residem. A comunidade local convive com a precariedade de infraestrutura básica como coleta de lixo, saneamento, transporte público e ainda
convivem com a poluição do Rio Jacuípe (que serve de fonte de renda para as famílias de
pescadoras e pescadores, que são estudantes ou pais de estudantes da escola). O grupo
fez do recurso audiovisual um mecanismo para expressar sua indignação com a situação
do lugar e denunciar os problemas vivenciados cotidianamente. Sobre isso Cunha (2014,
p. 121) evidencia “O momento da idealização do projeto é, também um instante de letramento, em que a oralidade e a escrita foram mecanismos significativos para os sujeitos”.
Ao refletir sobre como os diferentes grupos e indivíduos tem encontrado diversos
usos para o letramento, inclusive na esfera digital a autora conclui que o professor deve
perceber que a inovação pedagógica não está ligada a inclusão das TICs na sala de aula
Mas de um processo de interação permanente com esses suportes, conhecendo seus limites, possibilidade e as concepções textuais oriundos do mundo digital, com objetivo que a
escola possa efetivamente representar um ambiente de interação e aprendizagem com os
pressupostos da sociedade pós-moderna. (CUNHA, 2014, p. 131)
Já o trabalho de Rosana Cristina da Cunha (2010) trata das práticas de letramento
e formação do professor por meio de elaboração de duas edições do jornal escolar
“Jornal do Pedro Wolf” juntamente com estudantes de três turmas do ensino médio
da escola (duas do 2º ano e uma do 3º ano), ambas sob a supervisão da professora de
língua portuguesa. O locus da pesquisa foi a Escola Estadual Pedro Wolf, localizada no
interior do estado de São Paulo.
A produção dos textos, assim como a diagramação dos jornais era feita pelos alunos
que se dividiam em grupos de 3 a 5 pessoas. Para a autora era importante manter a
autonomia deles em se agruparem e pensarem nos temas para as seções sugeridas por
eles próprios.
Com isso, é possível visualizar como o desenvolvimento de projetos com uso de
suportes comunicacionais, neste caso o jornal escolar, reflete o potencial para as práticas
de letramento social. Importante ressaltar que o foco da autora era se inspirar na prática
do fazer jornalístico, no que diz respeito a seleção de temas, elaboração conteúdos
conforme os gêneros presente no jornal para investigar as implicações de um Projeto
de Letramento. E, assim sendo a autora conceitua Projeto de Letramento como
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TICs nas escolas, o que fazer com elas?
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Um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na vida dos alunos e cuja
realização envolve a escrita, isto é, a leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade e a
produção de textos que serão realmente lidos, em um trabalho coletivo de alunos, professor,
cada um segundo sua capacidade. O projeto de letramento é uma prática social em que a
escrita é utilizada para atingir algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da
escrita (a aprendizagem dos aspectos mais formais apenas) transformando objetivos circulares com “escrever para aprender escrever” e “ler para aprender a ler” em ler e escrever
para compreender aquilo que for relevante para o desenvolvimento do projeto. (CUNHA,
2010, p. 21 apud KLEIMAN, 2000, p. 38)
A autora que participou de todo processo a elaboração do jornal fez sua investigação
utilizando os textos produzidos pelos alunos; para Cunha (2010, p. 160) o Sistema
de Atividade Jornalística, com suas próprias práticas sociais “conferem ao aluno a
perspectiva de retórica e a motivação necessária para considerar os gêneros textuais,
como ações realizadas em contexto específico visando um objetivo específico”.
Para ela o jornal escolar contribuiu para a ressignificação do ensino da língua
portuguesa, além de favorecer para que os estudantes envolvidos no projeto assumissem
uma posição de atores sociais, pois participaram da construção de seu conhecimento
(CUNHA, 2010, p. 162).
Como resultado a pesquisa de Cunha (2010) evidencia que ao fazer o jornal houve
uma promoção do uso social da escrita, além de mostrar como o uso da tecnologia
favorece para a prática de letramento
O trabalho com Projetos de Letramento foge da arraigada tradição do ensino da escrita de
uma forma descontextualizada, vazia, mecanizada, em que o aluno escreve apenas para a
avaliação do examinador. Mas, especificamente ao trazer a escrita jornalística para a escola,
trabalhou-se numa ótica em que mais diferentes tipos de escrita tornaram-se significativos
para os alunos e não pela aquela tipicamente escolar. (CUNHA, 2010, p. 163)
4 O QUE TEM A VER PRÁTICAS DE LETRAMENTO E EDUCOMUNICAÇÃO?
Para este trabalho é importante considerar qual a relevância das práticas de
letramento no contexto escolar para Educomunicação ou como a partir do uso das
TICs. Assim, esta parte do artigo existe a preocupação de tratar sobre os conceitos de
Educomunicação e Práticas de Letramento.
Primeiramente, para pontuar do que se tratam as práticas de letramento em questão
consideradas para este trabalho é necessário recorrer a contribuição de Kleiman (2010)
afirmando que “o letramento surge como forma de explicar o impacto da escrita em
todas as esferas de atividade e não somente as atividades escolares” (KLEIMAN, 2010,
p. 10). Daí é possível entender que o letramento está na escola em diversas formas, mas
não apenas na escola, ele está presente também em outros espaços formativos, como
sindicatos, associações. Outro ponto relevante apresentado pela autora é que
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TICs nas escolas, o que fazer com elas?
Manuela Pereira de Almeida
O letramento significa compreender o sentido, numa determinada situação, de um texto ou
qualquer outro produto cultural escrito, por isso uma prática de letramento escolar poderia
implicar um conjunto de atividades visando o desenvolvimento de estratégia ativas de
compreensão da escrita, à ampliação do vocabulário e das informações para aumentar o
conhecimento do aluno e à fluência da leitura. (KLEIMAN, 2010, p. 11)
Sobre Educomunicação é importante considerar que o entendimento sobre o
tema se apoia em Soares (2001) que a define como práxis social “a Educomunicação é
essencialmente práxis social, originando um paradigma orientador da gestão de ações
em sociedade. Não pode ser confundido com a mera aplicação das TICs (Tecnologias da
Informação e Comunicação) no ensino” (SOARES, 2011, p. 13). Assim, é evidente como a
Educomunicação busca suprir uma demanda dos jovens e da comunidade escolar como
um todo por conhecimento, por autonomia e isto implica a sua ativa participação no
processo de ensino. Este viés contradiz a inserção das TICs nas escolas como demanda
meramente política e estatística, sobre este ponto é importante recorrer ainda a Gómez
(1998) que destaca
Não adianta a tecnologia reforçar o processo educativo tradicional. Isso não contribui. É
preciso pensar na educação em primeiro lugar. Repensar a educação e repensá-la a partir
das contribuições dos próprios educandos e, a partir daí pensar um novo desenho do
processo educativo, ver o replanejamento desse processo e verificar para que pode servir
a tecnologia. (GÓMEZ, 1998, p. 81)
O autor se refere as escolas mexicanas, a forma como o ministério da educação
daquele país está promovendo esta política, porém é necessário destacar que a partir da
fala da Professora da 15ª GRE não existe muita diferença do encaminhamento político
do México e Brasil neste aspecto.
Para o autor é necessária uma mudança de paradigmas sobre a educação, uma
mudança filosófica e metodológica, esta seria a forma de aproveitar melhor as tecnologias.
Na maneira como se está entendendo, há um suposto implícito de que a escola parou, está
muito atrasada com relação aos aparelhos tecnológicos e que, então a solução é trazer a
tecnologia para que a educação tenha êxito. Parece-me que existe um reducionismo, porque
a educação não depende só das tecnologias e sim de outras coisas. (GÓMEZ, 1998, p.80)
Neste aspecto, o que se pretende a partir do entendimento do que seja Educomunicação
e práticas de letramento é um uso implicado destes recursos com o contexto com o
conhecimento e com a participação dos atores sociais presentes na escola. Neste sentido,
a Educomunicação se coloca diante da escola a partir de três âmbitos:
Gestão escolar, desta forma convida a escola a identificar, e se possível, rever suas práticas
comunicativas que caracterizam e norteiam as relações entre a direção, os professores e os
alunos, no ambiente educativo. No âmbito disciplinar faz sugestões que a comunicação,
enquanto linguagem, processo e produto cultural se transforme em conteúdo disciplinar, isto
é, objeto específico do currículo da área “Linguagens, códigos e suas tecnologias.”. E, âmbito
transdisciplinar propondo que os educandos se apoderem das linguagens midiáticas, ao
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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TICs nas escolas, o que fazer com elas?
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fazer uso solidário dos recursos de comunicação tanto para aprofundar o conhecimento
quanto para desenhar estratégias de transformação das condições de vida. (Soares, 2011, p.19)
Contextualizando estes âmbitos com as práticas de letramento, principalmente o
âmbito transdisciplinar, vale destacar um estudo relatado por Street (1992) sobre textos
de adolescentes produzidos dentro e fora da escola traçando um paralelo entre eles.
O autor relata que neste estudo a própria pesquisadora teve que abandonar algumas
crenças e suposições sobre a escrita que ela, enquanto professora sustentava, pois se
deparara com práticas de letramento, as quais os adolescentes produziam: “letras de
rap e notas de ensaio, cartas, diários, páginas de agendas, poemas, rimas e paródias e
textos copiados em cadernos”. Assim, conclui que os jovens estavam “se apoderando”
do letramento, (Street, 1992, p. 479).
O termo “se apoderar”, no relato de Street (1992) espontaneamente se adaptar ao que
Soares chama de “estratégias de transformação das condições de vida” (SOARES, 2001, p.
8). Em ambos os casos, os estudiosos estão tratando de jovens que se deparam com uma
escola que não diz muito sobre sua realidade, e se diz, é de forma transversal, pois os
conteúdos não fazem muito sentido para eles. Isto é pontuado por Soares ao afirmar que
Uma educação eficiente precisa inserir-se no cotidiano de seus estudantes e não ser um
simulacro de suas vidas. Fazer sentido para eles significa partir de um projeto de educação
que caminhe no mesmo ritmo que o mundo os cerca e que acompanhe essas transformações. Que entenda o jovem. E não dá para entendê-lo sem sequer escutá-lo. (SOARES,
2011, p. 8)
Com isso, é necessário destacar ainda que nos estudos de práticas de letramento
intercultural proposto por Street (1992) estão voltados para investigar, perceber, olhar
para as práticas de letramento dos grupos marginalizados por conta de suas diferenças
culturais. Algo que pode ser percebido através da Educomunicação, já que o campo
busca dialogar com os jovens e suas diversas formas de vida, seja no campo, seja na
periferia das cidades. Tal fato é constatado quando ao buscarmos onde estão as ações
educomunicativas fica perceptível que elas atingem predominantemente um público
marginalizado. Assim o é no Projeto Casa Grande, desenvolvido em Nova Olinda (CE) e
também a Educom.rádio desenvolvido incialmente como instrumento de enfrentamento
a violência das escolas públicas de São Paulo (SP). E, assim Street (1992) apresenta focos e
olhares diferentes para os estudos de letramento, mas apontando para o que todos têm
em comum que é o fato das práticas de letramento não serem isoladas da constituição
de pessoa, ideologia e por isso, nem do contexto histórico e social.
Finalmente necessário se faz pontuar que a Educomunicação não pretende centralizar
na escola todo processo de formação do sujeito, nem propor ao professor mais tarefas
do que ele já cumpre. A leitura de Soares é que o
Ensino não precisa ser totalmente prazeroso, utópico no seu fazer, e que não exija muito
do educando, não impondo a ele desafios. Estaríamos assim repetindo um erro novamente
ao distanciar a educação da realidade da vida real, essas muitas vezes difícil. (SOARES,
2011, p. 16)
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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TICs nas escolas, o que fazer com elas?
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir destas leituras, sobretudo dos dados sobre a presença das TICs nas escolas
estaduais em Petrolina (PE) é importante trazer o seguinte questionamento, qual sentido
se produz com a presença destas tecnologias no espaço escolar para aprendizagem e
conhecimento dos sujeitos diretamente situados nas escolas?
Os trabalhos de Cunha (2014) e Cunha (2010) dão pistas sobre isso e estão plenamente
em diálogo com a Educomunicação embora estas autoras não os situem conceitualmente
neste campo do conhecimento. Para os estudos em Educomunicação é interessante
visualizar que investigações que trazem resultados como estes estudos das autoras
relacionadas são significativos para sua consolidação enquanto campo prático e teórico.
De uma forma geral, as ações e atividades vinculadas a Educomunicação estão muito
visíveis nas atividades do Programa Mais Educação do Ministério da Educação. Parte
do programa é dedicada para o uso das TICs através do desenvolvimento de projetos
de Jornais Escolares, Rádios Escolares e Mídias Digitais.
As práticas investigadas por Cunha (2014) e Cunha (2010) não se propõe a ser uma
face da Educomunicação, mas desvelam algo que podem está presente em outras escolas,
muitas vezes de forma pontual e silenciosa, mas fazendo uma grande diferença aos
sujeitos ali presentes. É neste sentido, que os trabalhos apontam para a possibilidade
de se aliar os estudos sobre letramento com as práticas de educomunicação e vice-versa
dando pista do que se faz com tamanha inserção de tecnologia nas escolas e que muitas
vezes parece não dá conta de atingir um objetivo muito claro, fazer sentido para os
sujeitos mais interessados, professores e estudantes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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educacional. In: Linguagem, Conhecimento e Ação: ensaios de epistemologia e didática
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Rosana Cristina da Cunha.-- Campinas, SP : [s.n.]. Orientador: Angela Del Carmen
Bustos Romero de Kleiman. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas,
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da
interatividade na construção coletiva de saberes
Virtual Learning Environment: the role of
interactivity building knowledge collectively
M a r c e l o V i c t o r Te i x e i r a 1
Resumo: O artigo apresenta reflexões que buscam indicações para os motivos da
evasão em cursos oferecidos na modalidade de educação a distância. Apoia-se
nas características da interação e da imersão que podem ocorrer nesses ambientes
virtuais de aprendizagem e posiciona o interagente (aluno) como protagonista no
exercício ativo e colaborativo da aprendizagem. Nessa arena participam ainda
os professores e os recursos oferecidos pelo ambiente. Faz uso como objeto
empírico de estudo o curso de Inteligência Artificial oferecido pela Universidade
de Edimburgo através da plataforma gratuita Coursera onde o autor aplicou a
metodologia de observação participante no papel de sujeito educando (aluno).
Palavras-Chave: Educomunicação. e-Learning. Ensino a Distância. Ambientes
Virtuais de Aprendizagem. Coursera.
Abstract: This article delivers reflexions that seek for indicators for the purpose
of abandonment in courses offered through the modality of distance education. It
is based in the characteristics of interaction and immersion that could be present
in these virtual learning environment and centers the student as responsible
in the active and collaborative role in the learning process. In these scenario
teachers and technological resources are together. Elected as study object the
course offered by Edimburgo University through Coursera free plataform
Artificial Intelligence where the autor used the methodology of participant
observation acting as student.
Keywords: Educomunication. e-Learning. Distance Learning. Virtual Learning
Environment. Coursera.
INTRODUÇÃO
O CAMPO da educação na contemporaneidade, capturar a disputada atenção
N
dos sujeitos educandos (alunos) é fundamental para o engajamento e imersão
em conteúdos de aulas que se apresentam nos ambientes virtuais de aprendizagem. Desenvolvidos e utilizados de forma destacada no contexto da educomunicação,
esses ambientes enfrentam desafios também na busca pela retenção dos alunos a partir
das atividades propostas que incluem, em sua maioria, leitura de textos, observação
1. Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
Email: [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes
Marcelo Victor Teixeira
de vídeos, participação em chats, entre outros. Este artigo procura avaliar como esses
ambientes utilizam estratégias comunicacionais de interação, objetivando centralizar o
aluno como protagonista no ato educacional, integrando-o num processo de criação coletiva e compartilhamento de saberes. Parte-se do entendimento de que a interatividade,
característica do meio digital, pode possibilitar aos alunos a atuação como construtores
e distribuidores de conteúdos informativos, contribuindo assim na formação de sujeitos
mais participativos e ativos no processo de aprendizagem.
Esse papel de protagonista que o aluno assume, afeta sua participação nestes ambientes, pois ele deixa de ser mero espectador e receptor de conteúdos prontos. Desse modo,
através da aquisição de capital social (BOURDIEU) na forma de autoridade e reputação
no grupo a partir de sua curiosidade, senso crítico, colaboração no processo, o aluno
pode garantir participação mais efetiva, contribuindo para a diminuição das taxas de
abandono (evasão). Diante desse novo paradigma para a educação, alguns alunos podem
reagir negativamente ao método participativo, “assustados com a queda do autoritarismo
no processo educacional” (PRIMO, 2003, p. 207).
Na visão de Sevcenko (2001, p. 60), “assim como as inovações tecnológicas alteram
as estruturas econômica, social e política, mudam ao mesmo tempo a condição de vida
das pessoas e as rotinas do seu cotidiano”. Com essa referência, podemos entender que
esses ambientes digitais de aprendizagem são um exemplo significativo de como as
características da atualidade foram incorporadas pela indústria da educação.
O acesso a conteúdo via múltiplas plataformas oferecidas ao público, segundo Castells
(2009, p. 135) é “uma das características da comunicação na era digital globalizada”. O
autor reforça que “novas tecnologias fazem com que todas as formas de comunicação
se combinem em um ambiente digital, global, multicanal e multiplataforma”.
O aparato tecnológico se faz presente na vida de muitos usuários que buscam a rede
como espaço que se confunde e se completa com sua própria existência fora das telas. “A
tecnologia da sociedade contemporânea é [...] hipnótica e fascinante” (JAMESON, 1996,
p. 64) e permite, dentre outras possibilidades, que ambientes digitais estejam disponíveis
em esfera global e em diversos dispositivos periféricos, além do computador, tais como
celulares, smartphones e tablets. Computadores e a internet como espaço de comunicação
foram decisivos nesse processo e o Brasil tem se empenhado em fazer parte desse
cenário, já apresentando dados que demonstram a utilização dos mesmos para processos
de educação. Segundo dados da Pesquisa TIC Domicílio 2013, divulgada em junho de
20142, entre os brasileiros que utilizam a internet (85,9 milhões de pessoas), já chega
a 12% o percentual de praticantes de educação a distância (EaD). Isso significa mais
de 10 milhões de pessoas, ou cerca de 9 vezes mais que o número de alunos contados
formalmente em cursos de graduação a distância credenciados pelo MEC.
Contudo, entre os usuários, a exposição é intensa e com um padrão semelhante:
76% das pessoas acessam a rede todos os dias, com uma exposição média diária de 4h59
de 2ª a 6ª-feira e de 4h24 nos finais de semana. Eles estão em busca, principalmente, de
informações (67%) – sejam elas notícias sobre temas diversos ou informações de um
2. Disponível em http://www.cetic.br/media/docs/publicacoes/2/TIC_DOM_EMP_2013_livro_eletronico.
pdf. Recuperado em 22/03/2015.
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes
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modo geral –, de diversão e entretenimento (67%), de uma forma de passar o tempo livre
(38%) e de estudo e aprendizagem (24%)3. Nesse cenário, é importante compreender
como acontece o processo de educação a distância e um de seus maiores obstáculos
para o avanço: a evasão escolar.
Por outro lado, a Pesquisa brasileira de mídia 2015 destaca que apesar da sua crescente importância, ainda é alto o percentual de entrevistados que não utilizam a internet
(51%).
INTERAÇÃO E IMERSÃO EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM
Igarza (2008) contextualiza que os indivíduos que habitam este universo e utilizam
os meios de comunicação digital vivenciam um modelo comunicativo que conjuga
algumas características fundamentais, onde se destaca a interatividade, que permite
aos usuários influenciarem diretamente suas experiências nos meios de comunicação
e entre outros usuários. Em estudo sobre interfaces telemáticas e comunicação mediada
por computador, Bretas e Silva (2006) explicitam a importância da interação como sendo
o momento que define a existência de comunicação. “O simples encontro dos interlocutores não é suficiente para que haja comunicação: eles precisam estar em interação”
(Ibid., p. 5), dizem os autores, que definem como “o momento da interface” aquele em
que a relação social se efetiva em interação social.
Assumindo a interatividade como característica inerente aos meios digitais, resta
investigar se o ambiente que se apresenta com finalidades de aprendizagem é capaz
de promover interações. Nesse sentido se fazem presentes três agentes: (1) o próprio
ambiente em seus aspectos de design, navegabilidade e recursos; (2) a atuação do professor e (3) a participação dos alunos.
Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) consistem em mídias que utilizam o
ciberespaço para veicular conteúdos e permitir interação entre os atores do processo
educativo (PEREIRA, 2007, p. 4). Como sistemas computacionais, têm utilização destacada no suporte às atividades comuns de um ambiente de aprendizagem pois permitem
integrar múltiplas mídias, linguagens e recursos, apresentando de maneira organizada
as informações. A esses ambientes também é atribuída a capacidade de promover ou
facilitar interações entre os alunos e os objetos de aprendizagem ali presentes, bem
como entre os próprios alunos.
Alex Primo (2003) apresenta uma concepção sobre a interação mediada por
computador a partir da importância da comunicação interpessoal e a partir da crítica
tecnicista onde se percebe o uso do termo em diferentes contextos. Em conclusão, adota e
sugere o termo interação, entendido como uma “ação entre” os interagentes participantes
do encontro. Concordamos com tal visão pois a mesma reforça a relação estabelecida
entre os interagentes, e não nas partes que compõem o sistema global. Sintetiza em dois
enfoques: (1) a interação mútua, na qual os interagentes reúnem-se em torno de contínuas
problematizações, existindo modificações recíprocas durante o processo e (2) interação
reativa, que depende da previsibilidade e da automatização nas trocas baseadas em
relações potenciais de estímulo-resposta por pelo menos um dos envolvidos na interação.
3. Pesquisa brasileira de mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. – Brasília:
Secom, 2014. (p. 49).
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes
Marcelo Victor Teixeira
Quando se fala em “interatividade”, a referência imediata é sobre o potencial multimídia
do computador e de suas capacidades de programação e automatização de processos. Mas
ao estudar-se a interação mediada por computador em contextos que vão além da mera
transmissão de informações (como na educação a distância), tais discussões tecnicistas são
insuficientes. Reduzir a interação a aspectos meramente tecnológicos, em qualquer situação
interativa, é desprezar a complexidade do processo de interação mediada. É fechar os olhos
para o que há além do computador. Seria como tentar jogar futebol olhando apenas para
a bola. Ou seja, é preciso que se estude não apenas a interação com o computador, mas
também a interação através da máquina. (PRIMO, 2003, p. 32)
Em estudos desenvolvidos com jogos digitais, Santaella (2007) entende a interatividade
como uma propriedade intrínseca da comunicação digital, que pode se apresentar de
formas variadas.
Há os níveis mais baixos de interatividade em que a ação do usuário é meramente reativa,
pois, embora suas respostas sejam imprescindíveis ao jogo, elas se dão sempre dentro de
parâmetros que são regras do jogo estabelecidas pelas variáveis do programa. Mas há também um limiar alto de interatividade quando o programa está imbuído de complexidade,
permitindo ao jogador a liberdade de participação, de intervenção, de criação (Ibid. p. 410).
Como um processo que se faz presente em AVA, a interatividade está condicionada à
exigência de que o aluno realize alguma ação - participar de um chat, assistir e publicar
vídeos, ler textos, responder a testes – e não o simples ato de navegar pressionando
teclas, pois essas ações são projetadas para ter um significado específico no ambiente
digital. Sendo assim, tomando a interatividade como possibilidade de participação na
criação de uma obra aberta e dinâmica, podemos afirmar que a aula pode se modificar
a cada ato de interação.
Assim como a interatividade, a imersão é outra propriedade fundamental da
comunicação digital e implica no quanto o sujeito consegue agir sobre o ambiente digital
onde está inserido. Para cada vez mais gente, a experiência de navegar nas telas se dá
em plataformas móveis como celulares e tablets. A rapidez do desenvolvimento de
modalidades de ensino e aprendizagem mediadas por tecnologias digitais e o acesso
fácil a atualizações contribui para potencializar esse fenômeno.
O DESAFIO DE CAPTURAR ATENÇÃO
Ao avaliarmos algumas das características da contemporaneidade tais como a sobrecarga de estímulos e de informação e os impactos da alta velocidade com que bens
materiais e simbólicos são criados e consumidos, podemos considerar que “vivemos
cada vez mais em uma economia da atenção, na qual o olhar é uma das mercadorias
mais cobiçadas” (SANTAELLA, 2010, p. 302). Em frente ao computador, flanando entre
múltiplas telas, encontram-se audiências cada vez mais disputadas por diversos meios
de comunicação. Capturar a atenção desse público é o desafio das corporações que ali
se apresentam e dividem espaço com outras mídias.
Muito da nossa atenção se espalha por uma série de elementos de uma só vez, e é
cada vez mais difícil parar e prestar atenção às coisas, às pessoas e aos acontecimentos
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes
Marcelo Victor Teixeira
do mundo à nossa volta. Entretanto, nosso tempo médio de atenção é mesmo limitado
e muitos de nós subestimamos sua importância. Como o autor de The Information Diet,
Clay Johnson4, aponta, não basta somente estender seu foco para prestar atenção por
mais tempo, é preciso escolher quando isso realmente importa.
Santaella (2010) avalia o papel desempenhado pela atenção sob os impactos das
características da sociedade atual, com destaque para a alta velocidade, a sobrecarga
de estímulos e informação e a fragmentação do tempo:
De fato, vivemos cada vez mais em uma economia da atenção, na qual o olhar é uma das
mercadorias mais cobiçadas e, à medida que novas opções entulham o menu, incessantes
apelos à mente reativa impõem-se na forma de cores brilhantes, alusões ao sexo, comidas
apetitosas etc. […] o trabalho dessa nova economia, a da atenção, consiste grandemente
no design e implementação de efeitos simbólicos e retóricos voltados para o fisgamento da
demora perceptiva de audiências distraídas (Ibid., p. 302).
Continua a autora: “Embora cada época seja desafiada pelas tecnologias que lhe
são próprias, as tecnologias atuais estão nos programando para sermos continuamente
interrompidos. Estímulos novos acionam nossa adrenalina e nosso corpo assim nos
recompensa por prestarmos atenção ao que é novo” (Ibid. p. 304). O ato de navegar pela
rede exemplifica o entendimento da autora nos dias de hoje. Essas interrupções são
comuns, quando recebemos mensagens instantâneas sobre os mais variados assuntos,
durante o período em que estamos conectados, tais como convites para eventos, novas
músicas e vídeos, amigos convocando para bate-papo, promoções e descontos, etc.
A pesquisa brasileira de mídia 2015, que traz dados referentes ao ano anterior, destaca
as formas de uso concomitante da internet com outras atividades que fragmentam a
atenção. Entre os usuários, as principais respostas foram: comer alguma coisa (31%),
conversar com outras pessoas (23%), usar o celular (20%), assistir à televisão (18%) e
trocar mensagens instantâneas (16%). Mas os dados mostraram que a internet também
possui um bom índice de atenção exclusiva: 32% relataram não realizar nenhuma outra
atividade enquanto a utilizam.
Podemos admitir assim que, no contexto contemporâneo, a atenção é vista como um
bem individual, finito, raro e desejado. Sua gestão é objeto de práticas e saberes, dentro
e fora dos estudos psicológicos, médicos e pedagógicos. Salientamos que não é escopo
desse trabalho aprofundar-se na economia da atenção. Pretende-se apenas estabelecer
uma ligação com um tema que nos parece fundamental na contemporaneidade e que
aqui se apresenta na forma de indagação. Trata-se de procurar refletir sobre como os
AVAs conseguem capturar a atenção de seu público, que por vezes dedica algumas
horas diárias estudando.
Dentre os possíveis Ambientes Virtuais de Aprendizagem, destacamos os MOOC.
Trata-se de modalidade de curso online aberto e massivo (MOOC, do inglês Massive
Open Online Course) que visa oferecer para um grande número de alunos, a oportunidade de ampliar seus conhecimentos num processo de co-produção. É um desenvolvimento na área de educação a distância e uma progressão dos ideais de educação aberta.
4. Disponível em http://jezebel.uol.com.br/lifehacker-o-preco-da-sua-atencao/. Último acesso julho/2012.
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes
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Embora o projeto e participação em um MOOC possa ser semelhante ao de um curso em
uma faculdade ou universidade, normalmente não exigem pré-requisitos mas também
não oferecem certificados de participação.
De modo a avaliar as possibilidades de interação e imersão em AVA, tomamos como
objeto de estudo um curso oferecido gratuitamente na plataforma de ensino Coursera5.
Reforçando o caráter massivo, o curso contava com vinte e quatro mil inscritos em sua
primeira aula (19/01/2015), sendo que ao longo das seis semanas de desenvolvimento
outros cinco mil alunos se inscreveram. Coursera hospeda cursos de várias Universidades como Edimburgo, Stanford, Illinois, La Sapienza ao redor do globo onde também se apresnetam as brasileiras Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de
Campinas e ainda cursos promovidos pela Fundação Lemann.
Característica importante nos cursos dessa plataforma é a concessão de licensa de
uso do tipo Creative Commons onde os usuários inclusive remixar os conteúdos. Num
ambiente denominado “reutilização do conteúdo do curso”6, essas orientações são fornecidas aos alunos que são convidados a compartilhar os documentos, modificá-los e
assim produzirem outros.
O curso selecionado foi o de Inteligência Artificial, oferecido pela Universidade
de Edinburgo (Inglaterra) entre os dias 09/01 e 23/02 de 2015. No período destacado
para o estudo não havia oferta de cursos nacionais, uma das razões que levou o pesquisador a optar pelo curso em pauta. A outra reside na afinidade que o tema traz às
suas pesquisas. Além da pesquisa bibliográfica, a pesquisa empírica se baseou em
observação participante onde o pesquisador atuará como aluno do curso selecionado
por objeto de estudo. Serão apresentadas algumas estratégias de interação empregadas
pelo desenvolvedor do curso avaliando-se seu potencial como promotoras da construção coletiva de saberes.
As interações do curso de Inteligência Artificial ocorrem mediante a utilização
de emails. O primeiro dá as boas vindas (uma semana antes do início do curso), o
segundo convida a visitar o ambiente das aulas (ainda anterior à primeira aula) e o
terceiro anuncia o ínicio. Ao entrar na sala de aula pela primeira vez, o aluno responde
2 questões: (1) define seu interesse com o curso e (2) confirma, mediante atestado de
leitura oo código de honra7. Uma vez no ambinet das aulas (sala de aula), nota-se que
os conteúdos são apresentados de forma organizada e padronizada com outros cursos
da mesma plataforma, embora cada Universidade defina seus conteúdos e relatórios de
conclusão. A navegação é intuitiva e facilitada pela leveza do design. A cada nova aula,
o aluno recebe orientações específicas sobre o plano de estudos para aquela aula. Essas
consistem basicamente de vídeos e textos, além de algumas ferramentas convidam à
interação tais como chats e fóruns de discussão.
Embora sejam convidados a participar desses espaços de debate, o que se observa
é sua baixa adesão. A figura 1 apresenta, em reprodução de uma das telas a efetividade
de participação num desses fóruns.
5. www.coursera.org
6. Traduzido pelo autor: Reuse of Course Content.
7. O conteúdo de honra do Coursera reforça o papel do interagente nas atividades do curso.
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes
Marcelo Victor Teixeira
Apesar da garnde quantidade de fóruns criados (mais de 100 ao longo das seis aulas),
e destacando que os alunos também são convidados a criar seus próprios ambientes
de debata, a participação é pouco significativa (vide quantidade de posts8) incluindo
o número de visualizações (views). Vale lembrar que o curso em questão possuía mais
de vinte mil alunos inscritos.
Figura 1. Tela com performance de Fóruns de Discussão no curso Inteligência Artificial.
Retomando dados do censo EAD.br de 2013, enquanto as instituições indicam que
a evasão entre alunos que cursam apenas disciplinas a distância é a menor verificada
(10,49%), entre os alunos de cursos regulamentados totalmente a distância há uma evasão
indicada pelas instituições como a mais alta – 19,06% em média. Dificilmente deixará de
ser uma preocupação, já que os alunos de cursos a distância estão efetivamente expostos
a muito mais estímulos concorrenciais em suas residências, no trabalho ou em qualquer
outro ambiente no qual escolha estudar.
É interessante notar que os cursos livres, para os quais seria natural esperar uma
evasão maior, já que os alunos não necessitam sempre se matricular ou vencer ciclos
como os semestres, não são necessariamente os mais problemáticos nesse quesito. Em
termos percentuais, quase empatam com os cursos credenciados pelo MEC – 18,08%
contra 16,94%.
As principais causas da evasão apontadas pelas instituições são a falta de tempo
dos alunos para estudar e participar dos cursos (32,1%) e o acúmulo de atividade de
trabalho (21,4%).
No MOOC estudado, os indicadores de evasão e participação ativa paercem mais
problemáticos. Como se observa na figura 2, apenas 349 alunos obtiveram algum tipo
de certificação (que se paresenta em 3 tipos: com performance superior a 75%, com
performance entre 60% e 75% e entre 35% e 60%).
8. Qualquer comentário lançado pelos participantes do fórum.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes
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Figura 2. Quantidade de alunos que concluíram o curso e receberam
certificados com aproveitamento superior a 35%.
A tabela 1 apresenta dados importantes para reflexão acerca dos aspectos aqui trabalhados. Assim, considerando que na última semana de curso haviam 29.483 alunos
registrados, a aprovação representa pouco mais de 1%. Notamos ainda que a quantidade
de alunos ativos alcançou a média aproximada de 6.300 nas três primeiras semanas,
chegando contudo ao final com 1.871. Considerando as aprovações sobre a base de
ativos na última semana, chega-se a 18,6% (isso representa evasão da ordem de 80%).
Tabela 1. Resumo de registros no curso de Inteligência Artificial 2015.
Na mesma tabela observa-se ainda, a quantidade de usuários ativos que acessaram
vídeos chegando ao final do curso ao número de 9.615. Como esse número é superior
à quantidade de alunos ativos, pode-se pensar que muitos usuários apenas acessam
a plataforma para ter contato com os mesmos – seja para fins de pesquisa ou mesmo
experimentação da plataforma – o que reforça a caracterítica desse ambiente que mantém
seus arquivos acessíveis, mesmo após o final do curso.
Para compararmos aos dados do censo EAD.br de 2013, o uso de mídias de acesso
a vídeo é um recurso utilizado por 84,5% das instituições pesquisadas, sendo que a
internet é a mais utilizada por 42% das instituições. São vídeos de todos os tipos, desde
tutoriais até aulas propriamente ditas, além de objetos de aprendizagem (produzidos e
utilizados por 57% das instituições), animações ou exercícios, que são divulgados por
internet, DVD, CD, MP4 e outros meios.
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como observado, o índice de evasão do curso selecionado para objeto desse estudo ultrapassa 80%. Esse dado difere dos índices enconrados nos cursos de educação a
distância brasileiros, conforme o censo realizado em 2013 (próximo de 17% nos cursos
regulamentados pelo MEC).
Algumas razões podem ser apontadadas, porém demandariam estudos mais aprofundados e comparativos com outros cursos no mesmo ambiente. Talvez o próprio
ambiente e as condições de oferta indiquem que os cursos gratuitos tendem a ter sua
retenção diminuída ao longo do tempo de desenvolvimento. Parece coerente afirmar
que apesar dos esforços dos desenvolvedores criando ambientes onde a interação é
favorecida, os interagentes acabam por dispersar sua atenção e não concluem os estudos. A obrigatoriedade de um curso ou o fato de ser um curso pago parecem ser fator
relevante para diminuir a evasão.
Pode-se assim observar que a abertura de espaços de interação mútua nos ambientes virtuais de aprendizagem não garantem em si um processo transformador. A mera
disponibilização dos recursos não basta para a concretização de uma proposta de educação. Ou seja, a educação a distância não é simplesmente um problema tecnológico.
Exige também uma postura transformadora das instituições promotoras dos cursos, dos professores e da própria conscientização dos alunos. Para os participantes do
censo EAD.br de 2013, tais instituições enfrentam: (1) desafios organizacionais de uma
instituição presencial que passa a oferecer educação a distância (12,8%); (2) resistência
dos educandos (10,7%); (3) resistência dos próprios educadores (9,8%) além da (4) evasão
(19,6% das instituições apontaram a falta de adaptação dos alunos à metodologia como
elemento que a provoca).
Com a inserção cada vez maior do computador nas práticas educacionais, uma
problematização sobre o desenvolvimento do saber através da interação demanda ainda
maior atenção. “Disso decorre, que o pensar sobre a educação mediada por computador
não deve apenas patinar em torno de questões tecnológicas, sob o risco de submergir
numa discussão tecnicista, útil apenas para reafirmar a educação tradicional e autoritária” (PRIMO, 2003, p. 192).
Nesse sentido, é importante reforçar o papel do aluno, sujeito ativo nesse processo
educacional.
O aluno deverá estar constantemente interessado no aprimoramento de suas idéias e habilidades e solicitar (puxar) do sistema educacional a criação de situações que permitam esse
aprimoramento. Portanto, deve ser ativo: sair da passividade de quem só recebe, para se
tornar ativo caçador da informação, de problemas para resolver e de assuntos para pesquisar.
Isso implica ser capaz de assumir responsabilidades, tomar decisões e buscar soluções para
problemas complexos que não foram pensados anteriormente e que não podem ser atacados
de forma fragmentada. Finalmente, ele deve desenvolver habilidades, como ter autonomia,
saber pensar, criar, aprender a aprender, de modo que possa continuar o aprimoramento de
suas idéias e ações, sem estar vinculado a um sistema educacional. Ele deve ter claro que
aprender é fundamental para sobreviver na sociedade do conhecimento (Valente, s/d, p. 41).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Ambientes Virtuais de Aprendizagem: o papel da interatividade na construção coletiva de saberes
Marcelo Victor Teixeira
REFERÊNCIAS
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Jameson, F. (1996). Pós Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática,
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Verón, E. (2014). Teoria da midiatização: uma perspectiva semioantropológica e algumas de
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São Paulo: Paulus.
Sevcenko, N. (2001). A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo:
Companhia das Letras.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Mídias sociais e mediação:
quem medeia e quem é mediado?
Social media and mediation:
who mediates and who is mediated?
Marciel A. Consani1
Resumo: A pesquisa fundante realizada pelo Núcleo de Comunicação e Educação
da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (NCE-ECA/
USP) em 1998 apresentou a Mediação Tecnológica na Educação como uma vertente
do campo educomunicativo em franca expansão, por conta, principalmente, da
inserção crescente das tecnologias digitais na educação, dentro e fora das escolas.
O conceito educomunicativo de “mediação”, aportado da Teoria das Mediações
referenciada em Jesus MARTÍN-BARBERO, embasou as reflexões iniciais sobre
a natureza e a significação social daquela abordagem, visando afastá-la de orientações tecnocráticas e acríticas. Passada uma década e meia daquela investigação
inicial consideramos cabível uma reavaliação profunda das interações entre a
educação e a tecnologia pelo viés da Educomunicação. Como justificativa para
esta revisão invocamos o surgimento de novos objetos de interesse investigativo para o campo educomunicativo, tais como as Redes Sociais e a Web 2.0. A
contribuição esperada de nosso texto é a de atualizar o debate sobre o papel
das mídias e tecnologias digitais, apontando novas perspectivas para a práxis
educomunicativa, fundamentais para apoiar o trabalho dos educomunicadores.
Palavras-Chave: Educomunicação, Redes Sociais Digitais, Mediação, Tecnologia,
Web 2.0.
Abstract: The foundational research conducted by the Center for Communication
and Education of the School of Communications and Arts, University of São
Paulo (NCE-ECA/USP) in 1998, introduced Technology Mediation in Education,
an aspect of Educommunication, a field in rapid expansion due to growing
inclusion of digital technologies in education, inside and outside schools. The
educommunicative concept of “mediation”, as described by Jesus Martin-Barbero
in his Theory of Mediation, supported the initial reflections about the nature and
social relevance of this approach, distancing itself from a technocratic, acritical
orientation. After a decade and a half since that early research, we aim at reassessing the interactions between education and technology through the lens of
Educommunication. This revision is warranted, based on the emerging of new
topics in Educomunnication, such as social networks and Web 2.0. Our contribution updates the discussion about the role of media and digital technology,
offering new perspectives for Educommunication praxis, essential to support
the work of educommunicators.
Keywords: Educommunication, Social Networks, Mediation, Technology, Web 2.0.
1. Doutor em Ciência da Comunicação, Professor Doutor efetivo da Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, contato: [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Mídias sociais e mediação: quem medeia e quem é mediado?
Marciel A. Consani
INTRODUÇÃO
Apresentação
M MEADOS de 2001, eu mal debutara como professor no ensino superior (embora
E
já acumulasse doze anos de trajetória profissional na educação), quando pude
assistir a uma inspiradora série de palestras promovidas pela faculdade na qual
eu lecionava. O evento versava sobre as últimas tendências em comunicação, alavancadas pelo “boom” que a Internet brasileira experimentava, naquele início de milênio
(o ano era 2001).
Um dos convidados era o representante da renomada Fundação Roberto Marinho,
indissociável do maior conglomerado de canais de comunicação do país: a Rede Globo
de Televisão.
Ante o meu questionamento sobre os esforços daquela empresa para estender a
proeminência conquistada no mundo analógico ao ciberespaço, o palestrante assegurou
que o objeto de sua explanação — o portal Globo.Com — era a resposta à minha pergunta.
Intimamente a resposta me encheu de ânimo, ainda que por motivos totalmente
opostos aos do meu interlocutor: pude vislumbrar uma perspectiva de democratização da
comunicação digital, embalado por uma dose considerável de otimismo (que hoje sei, ilusório) quanto às promessas fabulosas encampadas, então, pela recém consolidada Internet.
O aparente desconhecimento dos pretensos gatekeepers em relação ao potencial
da web, principalmente, de sua dinâmica como ambiente comunicacional, realmente
inspirava os entusiastas da nova mídia a acreditar que estávamos diante de uma revolução
tecnológica pronta para subverter a ordem hegemônica dos meios de produção cultural.
Esta é uma ilusão que se desvaneceu aos poucos, mas de forma inexorável. É certo
que os grandes conglomerados que pautam o agenda setting constritor da informação e
da comunicação não lograram estender seu monopólio além da relativa insignificância
dos seus portais, os quais funcionam muito menos como postos de parada obrigatória
e mais como atrações eventuais, diluídas como outras, num mar de páginas virtuais.
Apesar desta dinâmica niveladora da grande rede, a verdade é que hoje, mais do
que nunca, nos encontramos enredados em novos tipos de dominação, mais difíceis de
se detectar e cerceados por grupos e marcas monopolizadores cujo domínio aumenta
na mesma proporção em que viceja a ilusão dos internautas que ainda se acreditam
protagonistas no mudo virtual.
Sobre este texto
Embora já não tão recente, o fenômeno das Redes Sociais Digitais2 (RSD) persiste como um hábito cultural cada vez mais arraigado: hoje, pertencer ao Facebook, ao
LinkedIn ou a qualquer RSD mais popular é quase uma questão de cidadania digital,
uma garantia de inclusão em nossa contemporaneidade, cujas implicações merecem
ser investigadas.
O viés crítico do presente artigo almeja ser apenas o pano de fundo para uma
discussão mais ampla sobre o conceito de ação mediadora, que pode ser considerada
2. A escolha desta terminologia específica – a qual traduziremos, doravante por seu acrônimo – procura
ser o mais favorável possível à desambiguição do termo. Também busca aproximar-se da completude,
contemplando assim o elemento estrutural (R/Rede), social (S) e tecnológico (D/Digital).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1440
Mídias sociais e mediação: quem medeia e quem é mediado?
Marciel A. Consani
uma modesta tentativa de acréscimo à Teoria das Mediações de Martín-Barbero (2003)
à luz das práticas e desenvolvimentos teóricos vivenciados por este pesquisador junto
ao Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da USP
(NCE-ECA USP)3.
Para conduzir nossa argumentação, dividimos o texto em três partes principais.
Na primeira, resgataremos a origem do conceito de Mediação Tecnológica na Educação,
oriundo da chamada Pesquisa Fundante desenvolvida pelo referido núcleo no ano de 1998.
A segunda parte apresenta a tese “Mediação Tecnológica na Educação: conceito e
aplicações”, defendida por este autor junto ao Centro de Comunicação e Artes (CCA)
da ECA-USP, a qual se propunha a aprofundar as implicações teóricas e práticas da
Mediação no campo educomunicativo.
Na terceira parte procuraremos responder a pergunta proposta no título deste paper
fazendo uso da abordagem analítica apoiada no conceito da MTE, agora acrescida de
atualizações e direcionada para o objeto de estudo constituído pelo fenômeno das RSD.
Ao final, agregaremos algumas considerações que consideramos pertinentes.
1. A MTE COMO UMA VERTENTE EDUCOMUNICATIVA
ORIUNDA DA PESQUISA FUNDANTE DO NCE-ECA/USP
Embora o NCE não tenha criado, mas tão somente, re-semantizado o termo “Educomunicação”, é inegável que ele construiu um arcabouço de saberes que sustentam hoje,
posições bem esclarecidas dentro da interface Comunicação/Educação.
O chamado Paradigma Educomunicativo alcançou, ao longo das últimas duas décadas, avanços decisivos em seu intento de se consolidar como um campo de conhecimento
na intersecção entre a Comunicação e a Educação. Tal desenvolvimento conceitual deve
sua solidez a uma trajetória concomitante de pesquisas acadêmicas que se somam e se
complementam e, também, a um cabedal de vivências práticas acompanhadas junto aos
diversos contextos educativos formais e informais.
Segundo nos relata Soares (2011) o marco referencial deste processo foi a pesquisa
“O Perfil do Educomunicador”, na qual ocorreu o mapeamento preliminar de práticas
que viriam a ser aglutinadas como vertentes educomunicativas de intervenção:
Para comprovar as hipóteses levantadas a respeito da presumível emergência do campo
de inter-relação comunicação/educação, a equipe do Núcleo de Comunicação e Educação
— NCE realizou uma pesquisa cujos instrumentos investigatórios foram: aplicação de
questionário exploratório junto a uma amostragem significativa (400 questionários respondidos por 178 especialistas de 12 países do continente); entrevistas com 25 especialistas
latino-americanos de reconhecido renome, além da promoção de workshops, seminários
e de congressos para coleta de dados posteriormente incorporados ao trabalho. (Soares,
2011, 27-28).
Com base naquela recolha de dados, o grupo de pesquisadores do NCE definiu
quatro vertentes principais a partir das quais os educomunicadores atuam. Com o
3. Trata-se de uma instância caracterizada como núcleo de extensão ligada à Escola de Comunicações e
Artes da USP e que se dedica a identificar e estudar as interfaces sociais entre Comunicação e Educação,
principalmente para sustenta projetos de intervenção pedagógica no âmbito das políticas públicas.
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acréscimo de trabalhos posteriores, o leque de intervenções cresceu e abrange, hoje, seis
modalidades: (1) educação para a comunicação; (2) expressão comunicativa através das
artes; (3) mediação tecnológica nos espaços educativos; (4) a pedagogia da comunicação; (5)
a gestão da comunicação nos espaços educativos e, por fim, (6) a reflexão epistemológica
sobre a prática educomunicativa (Soares, 2012, 47).
Uma das áreas de intervenção presentes no levantamento original e que mais
chamou a nossa atenção, foi a de número (3) que, à época da pesquisa, foi chamada
simplesmente como “Mediação Tecnológica na Educação”, designação que manteremos
neste artigo sob o acrônimo MTE.
Nosso interesse específico foi alimentado por dois motivos, sendo o primeiro, a
trajetória pessoal do pesquisador, que, entre 1998 e 2002, atuou intensamente como
formador de docentes para o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)
na rede pública municipal da cidade de São Paulo. O outro motivo de interesse adveio do
fato de que a abordagem comunicativa demonstrava ser muito mais (sócio) interacionista
em relação aos agentes do processo pedagógico4 do que as orientações instrucionistas
que proliferavam, muitas vezes, sob o guarda-chuvas amplo da “Informática Educativa”.
Àquela altura, a reposta para as contradições que nós (educadores) constatávamos
na relação Educação/Tecnologia apontava para a práxis educomunicativa no processo
pedagógico. Esta privilegiava o aspecto relacional pelo viés da comunicação interpessoal,
sobre a abordagem tecnológica, a qual, muitas vezes, era entendida pelos docentes como
uma instância técnica que se resumia à necessidade de “dominar a máquina”.
Esta conjunção de fatores motivou nosso ingresso no grupo de pesquisadores do
NCE (no ano de 2004) com foco, essencialmente, no aprofundamento da investigação
sobre a pertinência da MTE como um aporte significativo da educomunicação para a
demanda crescente por contextualizar a cultura digital dentro nos espaços educativos.
Após um período inicial necessário à definição do recorte da pesquisa que realizaríamos, ficou claro que a própria área de intervenção ser constituiria no objeto da pesquisa,
uma vez que existiam ainda poucas pesquisas referenciadas naquele conceito ou que
com ele dialogassem, uma vez que faltava-lhe um maior enquadramento epistemológico.
A orientação do trabalho ficou a cargo do Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares, que
levou a conta o envolvimento do NCE intenso, na época, com projetos importantes
baseados em ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs) no âmbito das redes públicas.
Dois destes projetos merecem ser mencionados: o Educom.TV 5 e o Programa de Formação
continuada em Mídias na Educação6.
Assim se delineou a construção da tese (Consani, 2008) que será o tema da próxima
seção.
4. É assim que designaremos, quando necessário, os alunos, professores e demais membros da comunidade
escolar — no caso da educação formal, como nas escolas — e também os diferentes protagonistas
envolvidos em processos comunicativos que promovam a educação — nos contextos não-formais, como
nas Organizações da Sociedade Civil.
5. O Educom.TV foi um projeto de educação online desenvolvido em 2002 junto a 2.240 professores do
Estado de São Paulo voltado para o uso e análise do audiovisual e da TV no espaço escolar (Soares, 2003).
6. O “Mídias na Educação” foi concebido como um curso de especialização Lato Sensu de professores da rede
pública para a implementação de projetos educativos envolvendo uma ou mais linguagens midiáticas. O NCE
manteve esta parceria com o Ministério da Educação (MEC) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
entre os anos de 2005 e 2013, finalizando sua participação com a emissão de cerca de 450 certificados finais.
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Mídias sociais e mediação: quem medeia e quem é mediado?
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2. A TESE “MEDIAÇÃO TECNOLÓGICA NA EDUCAÇÃO E SUAS
POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES PARA ANALISAR A PROBLEMÁTICA
DAS REDES SOCIAIS DIGITAIS
O ponto de partida desta pesquisa consistiu na detecção de que a Mediação
Tecnológica na Educação (MTE) era um conceito central para a Educomunicação,
faltando-lhe, porém, a consistência e a clareza necessárias para que ele se constituísse
numa referência significativa e epistemologicamente confiável.
Assim, a investigação buscou, antes de tudo, definir um sentido preciso para a
expressão MTE, no afã de validar e legitimar o seu uso, obtendo os resultados esperados
de ampliação e fortalecimento do quadro teórico que sustenta a Educomunicação.
A abordagem introdutória escolhida partiu da apresentação da trajetória pessoal,
profissional e acadêmica do pesquisador, seguida da recapitulação e reavaliação dos
principais projetos educomunicativos desenvolvidos pelo NCE (Núcleo de Comunicação
e Educação) da ECA-USP, com destaque para aqueles que implicassem diretamente na
relação Educação/Tecnologia.
O levantamento dos aspectos filosóficos, epistemológicos e históricos que convergem
no conceito de mediação, contextualizam e embasam a discussão nos capítulos centrais
da tese, que culminam na análise comparativa de diversos modelos mediadores da
interface Comunicação/Educação e sua síntese num modelo inovador denominado
“Metáfora da Orquestra”.
Antes das considerações finais, um último capítulo é dedicado ao esboço do
que seriam as aplicações possíveis da MTE, com ênfase no conceito de Tecnologia
Educacional, desde seus primórdios até a problemática relacionada com a chamada
Educação a Distância.
As considerações finais se concentraram na tarefa de apontar as perspectivas para
possíveis desdobramentos investigativos apontados pela tese.
Por fim, uma seção de anexos, razoavelmente extensa, procurou apresentar um
material de apoio (“Guia do Tutor”) desenvolvido para o curso “Formação Mídias
na Educação” como um pequeno compêndio de práxis educomunicativa aplicada ao
ambiente virtual específico no qual o curso foi desenvolvido.
Apresentaremos, a partir deste ponto, um maior detalhamento do conteúdo do
referido trabalho, capítulo a capítulo.
2.1. Capítulo I: os projetos do NCE como exemplos de mediação
Como capítulo inicial nos pareceu importante fazer uma espécie de “declaração
de princípios”, apresentando o referencial educomunicativo para que o leitor pudesse
apreender o contexto dentro do qual as linhas de raciocínio da tese se desenvolveram.
A extensão e detalhamento do capítulo, se justificam pelo enfoque do estudo,
centrado na análise da mediação com base na atitude dos mediadores. A intenção central
foi a de demonstrar que a figura do mediador esteve presente em todas as intervenções
desenvolvidas pelo NCE em seus projetos.
Assim procedeu-se a uma análise comparativa, organizada em quadros sinópticos,
de todos os projetos desenvolvidos pelo referido núcleo de extensão entre 2002-2008.
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Mídias sociais e mediação: quem medeia e quem é mediado?
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2.2. Capítulo II: discutindo a Mediação
O Núcleo da Tese pode ser identificado na soma dos capítulos II e III, nos quais se
discutem, respectivamente, a problemática em torno do conceito da mediação (II) e sua
possível ressignificação (III).
A análise da problemática em si objetivou:
(a) entender o uso corrente da expressão Mediação partindo de sua etimologia;
(b) contextualizar o uso da expressão dentro do referencial educomunicativo na
vertente MTE com base nos modelos de mediação abstraídos de algumas correntes de pensamento presentes na Comunicação e na Educação.
A pesquisa etimológica, ainda que considerando o apoio oferecido pela linguística
e a semântica, não buscava um aprofundamento nessas duas abordagens, mas, tão
somente, alguns subsídios que pudessem alavancar a discussão.
A origem do termo “mediar” foi mapeada desde sua matriz latina (“medium”) e,
de modo particular, também na língua inglesa (“mediation”). A informação relevante
ali apresentada consistiu na multiplicidade de sentidos assumidos pelo termo mas,
também, sua transformação em algo que não fosse apenas a idéia básica de “um objeto
interposto entre dois elementos”.
Complementando essa análise, por assim dizer, filológica, a reconstituição do
percurso histórico em que o termo ocorre começa na filosofia clássica de Aristóteles a
Hegel e adentra pela sociologia marxista, antes de chegar aos estudos comunicacionais
contemporâneos. Neles, destacamos os trabalhos de Martín Serrano, Jesus MartínBarbero e Néstor Garcia Canclini. Esta última tríade de pensadores pode ser apontada,
sem dúvida nenhuma, como a fonte que origina o uso corrente do termo “mediação”
no campo da Comunicação Social, tal como dele se apropriou a Educomunicação.
O desenvolvimento da mediação como um conceito central dentro das novas
teorias de comunicação e que tem como marco o livro “De los medios a las mediaciones” de
Martin-Barbero (2003), pode ser interpretado como uma apropriação de uma abordagem
sociológico-socialista dentro de um arcabouço cultural radicalmente diverso: cultura
do colonizador versus cultura do colonizado.
2.3. Capítulo III: trazendo a mediação para o campo da educação
A esta altura o objetivo da tese de aclarar o conceito de mediação, mesmo longe
de se esgotar já havia atingido um patamar propício ao ponto seguinte: a aplicação do
conceito no contexto da Mediação Tecnológica na Educação.
O capítulo que mais se ocupa desta questão, o de número III, articula-se com o
desenvolvimento de três aspectos básicos:
(a) uma abordagem ontológica do conceito de mediação;
(b) a análise esquemática de alguns modelos de mediação oriundos dos campos
da Comunicação e da Educação;
(c) a construção de um modelo hipotético que alinhavasse todas estas análises: a
Metáfora da Orquestra.
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Mídias sociais e mediação: quem medeia e quem é mediado?
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A contextualização destes modelos emprestados ao campo da Educação resultou
no resgate de um “elo perdido” entre a referência pedagógica mais frequentemente
invocada pela Educomunicação — a obra do brasileiro Paulo Freire — e o principal
estruturador da abordagem sócio-interacionista: L. S. Vigostky.
2.4. Capítulo IV: o recorte histórico da MTE
Podemos considerar como função principal deste capítulo o esforço de aproximar
uma discussão eminentemente teórica desenvolvida ao longo dos dois capítulos
precedentes para o universo “concreto” dos projetos de intervenção vivenciados com
proximidade pelo pesquisador.
A abordagem escolhida consistiu no levantamento de pontos de equivalência entre
os campos da Pedagogia, da Tecnologia e da Comunicação, visando demonstrar que as
diferentes denominações para o trabalho educativo envolvendo tecnologias e mídias
consistiam, fundamentalmente, em estratégias de mediação referenciadas nos enfoques
específicos das áreas de origem.
Deste modo, concluiu-se que o conceito de MTE poderia ser proposto como uma
abordagem aproximadora de áreas do conhecimento tradicionalmente apartadas entre si.
2.5. Capítulo final: considerações em aberto
O último capítulo de nossa tese assumiu como leitor preferencial o educomunicador,
identificado como o profissional no efetivo exercício desta atividade ainda em construção,
mas também aquele interessado munido de disposição e receptividade suficientes para
identificar-se, em algum aspecto, com as propostas sustentadas pela Educomunicação.
Ali, procuramos oferecer a possibilidade de diferentes modos de apropriação
do trabalho, orientados da seguinte forma: (a) possíveis itinerários na leitura deste
trabalho; (b) contribuições conceituais da pesquisa; (c) contribuições metodológicas da
pesquisa; (d) tendências e pontos para desenvolvimento futuro e (e) prováveis omissões
e incompletudes.
Tais pontos de reflexão serviram, inclusive, para a releitura posterior da tese por seu
próprio autor, permitindo o necessário distanciamento histórico que permite separar as
contribuições ainda válidas para a análise do contexto contemporâneo, daqueles preceitos
já datados ou superados pelas rápidas transformações do paradigm comunicacional
verificadas no intervalo de quase uma década.
Assim, na próxima seção, reafirmamos nossa disposição em lançar alguma luz
sobre a mediação no âmbito das Redes Sociais Digitais.
3. AFINAL, QUEM MEDEIA QUEM? MEDIADORES EVIDENTES
E MEDIADORES OCULTOS
Para responder aquela questão colocada desde o título de nosso artigo é preciso
estabelecer alguns pressupostos.
I. Tomando-se como hipótese de trabalho a dinâmica própria das redes sociais
digitais, é preciso, primeiro, definir o escopo da dupla questão presente em
nosso enunciado. De antemão, devemos estabelece a pertinência de alguns
denominadores, tais como
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Mídias sociais e mediação: quem medeia e quem é mediado?
Marciel A. Consani
a. O processo da Mediação
b. O sujeito da Mediação
c. O objeto da Mediação
Assim, observe-se o quadro abaixo:
Quem Medeia?
Quem é mediado?
Elemento que é o sujeito e protagonista do processo de
mediação.
Elemento que é objeto e sofre os efeitos da mediação.
II. Algo a ser reiterado e que consideramos o ponto fulcral estabelecido em nossa
mencionada tese de doutoramento (Consani, 2008) é o fato de que a mediação
nada tem de espontânea, sendo um processo consciente e ativo conduzido por
um ou mais agentes identificáveis.
III. Um outro pressuposto importante é o de que a mediação é um processo consensual, ou seja, que todos os agentes envolvidos desejam que o processo educativo
se desenvolva e cumpra seus objetivos.
Nos dias de hoje, diríamos que a mediação ocorre no jogo de interações (ou forças,
no sentido consagrado pela Física) entre os distintos agentes envolvidos, o que aparece
de maneira bastante clara quando o mediador nominado — isto é, aquele que assume, ou
ao qual se atribui ação mediadora — não dispões das condições suficientes protagonizar,
sozinho, o processo em questão.
Tomemos como exemplo de cenário da mediação a sala de aula, lócus preferencial
da escola como instituição educadora. Aqui, o professor representaria o mediador
nominado, ao qual se confia a condução do processo de mediação pedagógica entre o
grupo de alunos e a instituição educadora representada na própria escola e seus atributos
(currículo, conteúdos, Projeto Político Pedagógico).
Caso as orientações que norteiam o professor sejam demasiado limitantes, definidas
aprioristicamente, fechadas, inegociáveis; seu poder de mediação enquanto agente se
torna bastante reduzido. De outro lado, isto também pode acontecer se os alunos não
se considerarem parte do processo7. Uma vez que os discentes se sintam excluídos
do consenso necessário, eles deixam de atuar na dinâmica do processo pedagógico,
manifestando desatenção e desinteresse em diversos graus.
Por falta de um termo mais adequado, no momento, daremos a este processo o título
provisório de “Mediação Evidente”.
Já numa dinâmica ideal desse tipo de mediação deve haver, realmente, um balanço
de forças entre as instâncias que orientam o professor (“acima” dele = os gestores) e as
instâncias sobre as quais recaem suas orientações (“abaixo” dele = os discentes). Num
quadro de equilíbrio, ou, num ecossistema comunicativo harmônico (Soares, 2012), o
7. Naquilo que Moore & Kearley (2008) denominariam de “uma grande distância transacional”, referindo-se,
não a uma grandeza física de distância, mas sim a um distanciamento relacional entre docente e discente.
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Mídias sociais e mediação: quem medeia e quem é mediado?
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processo pedagógico fluiria sem impedimentos, somando a participação de todas as
instâncias envolvidas, as quais perseguem os mesmos objetivos e caminham juntas na
mesma direção.
Tais exemplos de Mediação Evidente, facilitam o entendimento do que chamamos
aqui de “mediar”, quando personificamos o mediador na figura do docente. De fato, este
papel, corresponde à maior parte dos contextos em que a educomunicação intervém,
ainda que o termo “professor” seja, por vezes, substituído por outras denominações,
tais como educador, facilitador, tutor e, até mesmo, mediador.
Em contraposição, o processo mediador pode ocorrer de forma bem menos explícita,
o que dificulta a transposição do modelo de mediação descrito como “evidente” para o
chamado ciberespaço, que é, a rigor, um não-lugar. Além da abstração física do processo
mediador, ao ambiente virtual apresenta dinâmicas específicas, que se aplicam, por
exemplo, no âmbito das Redes Sociais Digitais.
Diferentemente de um AVA8, que é administrado centralmente pelos gestores
localmente pelo tutor/mediador, os espaços de interação virtual como o Facebook, o
Instagram e o Twitter — só para citar algumas das RSD mais populares, se apresentam
como instâncias “livres”, dentro das quais os membros — na verdade, usuários inscritos
mediante a aceitação plena ou tácita de um contrato de serviços — podem fazer tudo o
que quiserem dentro das restrições técnicas e regimentais inerentes a cada rede social
específica.
Esta percepção superficial, entretanto, escamoteia o fato de que as RSD mencionadas
foram criadas e são mantidas por empresas comerciais de capital aberto que lucram com
seus serviços. O fato do preço de tais “produtos” ser absorvido por uma amálgama de
publicidade, investimento especulativo e custo diluído no acesso do usuário às redes,
ilsutra bemo conceito aqui proposto de “mediadores ocultos”.
Levando-se em conta que o desconhecimento dos aspectos ligados à gestão financeira
e técnica da web alimenta uma espécie de confiança irrestrita naqueles que acessam a rede,
nos recordamos daquela palestra relatada na apresentação deste artigo, o que corresponde
a um alerta: somos efetivamente mediados de forma constante, invasiva e disfarçada.
O alerta cabe, não para despertar impulsos de uma vaga paranóia ou de trazer de
volta a atitude “denuncista” da leitura crítica dos meios de comunicação, abordagem
já esgotada há algumas décadas, e que não dá conta da atual dinâmica hipermidiática
que não corresponde ao contexto da comunicação “de massa”.
O que pontuamos, aqui, é a urgência para entendermos os processos comunicacionais
que operam neste novo paradigma de cultura digital, virtual e permanentemente
conectada. Ou, no dizer de Recuero (2009):
Na verdade, a abordagem de rede fornece ferramentas únicas para o estudo dos aspectos
sociais do ciberespaço: permite estudar, por exemplo, a criação das estruturas sociais; suas
dinâmicas, tais como a criação de capital social e sua manutenção, a emergência da cooperação e da competição; as funções das estruturas e, mesmo, as diferenças entre os variados
grupos e seu impacto nos indivíduos. (Recuero, 2009, 21)
8. Ambiente Virtual de Aprendizagem, conjunto de ferramentas criado para funcionar online dando suporte
a todas as etapas do processo pedagógico virtual.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Mídias sociais e mediação: quem medeia e quem é mediado?
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O fato é que defendemos a ideia de que o corpus epistemológico da educomunicação,
no recorte da MTE pode oferecer contribuições significativas para a compreensão e o
emprego consciente das RSD em contextos educativos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância da mediação no processo comunicativo não se limita a um aporte
teórico das ciências sociais que contaminou os estudos culturais nas últimas décadas.
Ao contrário, vemos a possibilidade nada remota de, aquilo que a Educomunicação
chama de Mediação ser, de fato, uma ressignificação do próprio conceito original. Este já
se apresentaria reformado dentro de um novo programa e embasado numa vasta gama
de vivências práticas em projetos de intervenção social.
Assim, entendemos que o objeto de estudo da Educomunicação evidencia-se não
como uma construção arbitrária, partilhada por um pequeno grupo de iniciados, mas
como um conjunto de tecnologias sociais para o entendimento e resolução de problemas
bastante aplicado, razoavelmente estudado e em adiantado estado de sistematização.
Dentro deste entendimento, propomos aos educomunicadores que assumam sua
função-chave de mediadores nos contextos educativos e que desenvolvam, intensamente,
ações que incentivem o questionamento e a reflexão, visando a construção de uma
sociedade verdadeiramente democrática e plural, seja no mundo concreto, seja no campo
do virtual.
REFERÊNCIAS
Consani, M. A. (2008) Mediação Tecnológica na Educação: conceito e aplicações. Tese (Doutorado em Ciência da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, USP. São Paulo.
Recuperado em 10 de março, 2015, de: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27154/
tde-27042009-115431/es.php .
Martín-Barbero, J. (2003) Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de
Janeiro, UFRJ.
Moore, M. & Kearsley, G. (2008) Educação a Distância: uma visão integrada. São Paulo, Cengage,
Recuero, R. (2009) Redes Sociais na Internet. Porto Alegre, Sulina.
Soares, I. O. (2012). Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação. São Paulo, Paulinas.
(________). (2011) Educomunicação: um campo de mediações. In Citelli, A. O. & Costa, M. C.
C. Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo, Paulinas.
Soares & cols. (2003) O Projeto Educom.TV: formação online de professores numa perspectiva
educomunicativa. Separata em format digital disponível para download. Recuperado
em 10 de março de 2015 em http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/4.pdf.
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1448
A relação entre capital cibercultural e empoderamento
cidadão nas redes sociais de internet das classes populares
The relationship between cybercultural capital and
empowerment in citizen networks internet class popular
M i c h e l C a r va l h o
da
S i lva 1
Resumo: O artigo reflete sobre as possibilidades de empoderamento cidadão das
classes populares, levando em conta a ambiência forjada na ciberdemocracia. O
acesso às plataformas digitais e a consciência política contribuem para a reflexão
sobre a realidade cotidiana, além de estimular diferentes formas de participação
(petições online, fóruns, ciberativismo). A partir dessa relação entre capital
cibercultural e empoderamento cidadão nas redes sociais de internet (RSI),
investigamos o comportamento de estudantes de cursinhos vestibulares de
caráter comunitário no que se refere ao ativismo no ciberespaço. Neste trabalho,
consideramos o capital cibercultural como um conceito que atualiza o sentido
de capital cultural de Bourdieu, relacionando-o à apropriação de tecnologias de
comunicação e aos processos instrutivos, a cultura participativa e a autonomia
criativa. O referencial teórico é norteado pelas contribuições de Levy, Lemos,
Benkler, Gomes, Hamelink, Bredarioli e Castells.
Palavras-Chave: democracia digital; redes sociais; educação cidadã; engajamento
político.
Abstract: The article reflects on the possibilities for citizen empowerment of the
working classes, taking into account the ambience forged in cyberdemocracy.
Access to digital platforms and political awareness contribute to the reflection
on the everyday reality and stimulating different forms of participation
(online petitions, forums, cyber-activism). From this relationship between
capital and citizen empowerment cybercultural on social networks internet
(RSI), we investigated the behavior of students in college preparatory courses
of community character in relation to activism in cyberspace. In this paper,
we consider the cybercultural capital as a concept that updates the sense of
cultural capital of Bourdieu, relating it to the appropriation of communication
technologies and instructional processes, participatory culture and the creative
autonomy. The theoretical framework is guided by the Levy contributions,
Lemos, Benkler, Gomes, Hamelink, Bredarioli and Castells.
Keywords: digital democracy; social networks; citizenship education; political
engagement.
1. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Comunicação
Púbica e Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo. Atualmente, é jornalista na
Câmara Municipal de Cubatão (SP). Email: [email protected]
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1449
A relação entre capital cibercultural e empoderamento cidadão nas redes sociais de internet das classes populares
Michel Carvalho da Silva
INTRODUÇÃO
PARTIR DOS pressupostos de Bourdieu, que indicam que fatores extra-escolares
A
(econômicos e culturais) são determinantes para o aproveitamento do estudante,
podemos estender essa ideia ao campo do engajamento cívico online e levantar a
hipótese de que esses mesmos aspectos influenciam, sobremaneira, o empoderamento
político dos cidadãos nas redes sociais de internet (RSI).
Em tempos de ciberdemocracia (Lemos; Levy, 2010), em que novas modalidades
de intervenção sociopolítica se abrem no ciberespaço, o processo de empoderamento
exige tanto um novo capital cultural do cidadão quanto um elevado grau de consciência
política, de modo que o “empoderado” possa elaborar conteúdos que expressem um
posicionamento crítico diante dos problemas cotidianos.
O presente artigo visa compreender, dentro desse novo contexto político-comunicacional, como o processo de empoderamento cidadão nas RSI pode ser segmentado e
heterogêneo, apresentando diferentes capacidades de compreensão, produção, compartilhamento e recepção de conteúdos ligados à promoção da cidadania.
Se, por muito tempo, as classes populares reivindicavam somente os direitos
tradicionalmente reconhecidos pelo Estado, agora, com as mudanças ocorridas no
cenário socioeconômico nos últimos anos, os mais pobres têm a possibilidade de
ter acesso a práticas sociais e culturais que lhe dão sentimento de pertencimento.
Essa inserção permite sua participação em espaços tanto como consumidor quanto
como cidadão. Mesmo que a posse de capital econômico não seja determinante para
se alcançar um grau razoável de consciência política, ter mais dinheiro significa,
ao menos, maiores possibilidades de acesso às tecnologias de comunicação e uma
melhor educação formal.
O trabalho está dividido em duas partes principais: na primeira, contextualizamos
teoricamente a relação entre democracia digital e empoderamento cidadão, assim como
capital cibercultural; na segunda parte, descrevemos o procedimento metodológico e
analisamos os dados empíricos recolhidos para lançarmos algumas hipóteses sobre o
fenômeno investigado.
ESFERA PÚBLICA INTERCONECTADA E CIBERDEMOCRACIA
A mudança do ambiente comunicacional, impulsionada pelo crescente uso da
internet, influencia as regras de construção de significado e, assim, as relações de ser e
estar no mundo. Com isso, surgem novos padrões de sociabilidade, que transcendem
o tempo e o espaço.
Com a internet, Benkler (2006) enxerga o alargamento desse espaço público, que
passa a ser organizado em redes. Cidadãos, que historicamente foram excluídos do
processo de deliberação política, ganham voz e visibilidade na arena virtual. Essa esfera
pública interconectada (networked public sphere) amplia a produção aberta e coletiva
de sentidos, favorecendo novas formas de ação engajada nas e a partir das redes.
O autor defende que a esfera pública interconectada emerge da arquitetura
distribuída e multidirecional das redes e também pela redução de custos para se tornar
um produtor de conteúdo:
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Michel Carvalho da Silva
A esfera pública interconectada não é feita de ferramentas, mas das práticas de produção
social que essas ferramentas possibilitam. O efeito primário da internet na esfera pública
em sociedades liberais recai na produção informacional e cultural de atores que estão fora
do mercado: o trabalho de indivíduos sozinhos e em cooperação com outros, ou associações formais como ONGs, bem como o feedback do seu efeito sobre a mídia tradicional
(BENKLER, p. 219).
Corroborando com Benkler, Lemos (2010) considera que a transformação da esfera
pública midiatizada se dá com o surgimento de funções conversacionais pós-massivas,
que permitem a qualquer pessoa, consumir, produzir e distribuir informação, sem ter
acumular elevado capital econômico ou pedir autorização a quem quer que seja.
Indubitavelmente, a internet produz um efeito democratizante nessa nova esfera
pública. No entanto, é preciso pontuar que o ciberespaço, de certa forma, ainda reproduz
a estrutura social das sociedades capitalistas, como veremos adiante quando falarmos
em acesso às redes pelas camadas mais pobres.
Na realidade, vivemos uma reconfiguração da vida social, cultural e política, com
reflexos nos comportamentos, nos hábitos de consumo e no exercício da cidadania. A
internet promove um novo elo entre o Estado e o cidadão enquanto ator participante
da democracia que ajuda a construir.
Para esse trabalho, consideraremos que expressões como “democracia digital”,
“democracia eletrônica”, “e-democracy”, “democracia virtual”, “ciberpolítica” e
“ciberdemocracia” dizem respeito a um mesmo fenômeno, que pode ser assim descrito:
[...] qualquer forma de emprego de dispositivos (computadores, celulares, smart phones,
palmtops, ipads), aplicativos (programas) e ferramentas (fóruns, sites, redes sociais, medias
sociais) de tecnologias digitais de comunicação para suplementar, reforçar ou corrigir aspectos das práticas políticas e sociais do Estado e dos cidadãos, em benefício do teor democrático
da comunidade política (GOMES, 2011, p.27-28).
Como atravessamos uma crise de representação política que evidencia o esgotamento
de instituições tradicionais da democracia liberal, a ciberdemocracia se apresenta como
uma oportunidade de superação da fraca participação política dos estratos populares e
do distanciamento entre as esferas civil e política.
Partindo dessa ideia, podemos dimensionar o real impacto da Web no empoderamento
cidadão da sociedade e refletir como as ferramentas online qualificam a participação
política das pessoas nos debates travados na esfera pública. Essa transformação seria
capaz de fazer com que articulações cidadãs forjadas no ciberespaço possam transpor
as plataformas digitais e ganharem as ruas?
Os levantes ocorridos nos países árabes em 2011 e as Jornadas de Junho no Brasil
em 2013 mostraram que o engajamento online pode alcançar um alto patamar de
massificação na sociedade e produzir capital social. Coleman (1988) relaciona esse capital
aos recursos que motivam e alinham as ações dos sujeitos dentro dos grupos sociais. Ele
se desenvolve a partir do momento em que os atores se encontram e com eles estabelecem
uma interação colaborativa.
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As “ágoras virtuais” despertaram uma nova espécie de ativismo, em que indivíduos
conectados se mobilizam para fazer algo em questão de minutos, coletivos sociais organizam movimentos, disseminam opinião e informação, agregam pessoas, promovendo
ações físicas ou virtuais a fim de manifestar insatisfações em relação aos problemas
cotidianos.
Segundo Lemos (2003), o ciberativismo pode ser entendido por redes de cidadãos
politicamente ativos que criam arenas, até então monopolizadas pelas instituições, para
expressar suas ideias e valores, para agir sobre o espaço concreto das cidades ou para
desestabilizar instituições virtuais através de ataques pelo ciberespaço.
Essa nova modalidade de ativismo expressa um novo tipo de ecologia da ação
humana, tecnológica e comunicativa. A respeito desse fenômeno, Felice (2008) aponta
algumas características identitárias:
Utilização das redes digitais, internet, videocâmeras, máquinas fotográficas, satélites, enfim,
todos os meios que tornam disponíveis a todos, em tempo real, as informações e sua produção; colocação na pauta das políticas locais da problemática global; desenvolve uma atuação
política em nível global e local ao mesmo tempo; não produz formas personalísticas nem
confia sua sorte à personalidade e qualidade comunicativa de um político/líder; encoraja o
indivíduo não somente à participação, mas à informação; não tem necessidade de vultosos
recursos econômicos; não luta pelo poder, mas pela solução colaborativa para uma problemática específica; não é necessariamente ligada a uma ideologia ou uma determinada
orientação política; promove ações sem objetivo nem conteúdo iniciais e convida todos à
participação, à construção e à sua escolha, com resultados não previstos (2008, p. 54).
O ativismo em tempos de democracia digital se dá principalmente nas redes sociais
de internet, lembrando que esse marcador “social” só pode ser vinculado quando uma
tecnologia digital de comunicação é apropriada socialmente pelos usuários. A partir
disso, e para efeito de terminologia, consideramos as RSI como um conjunto formado por
dois elementos: atores (pessoas/ instituições/grupos) e suas conexões (interações ou laços
sociais), que possibilitam a criação e o intercâmbio de conteúdo pelos usuários da Web.
A introdução dessa nova infraestrutura tecnológica renova as esperanças de modelos
alternativos de democracia, que propugnam uma terceira via entre a democracia
representativa, que retira do povo a decisão política, e a democracia direta, que a quer
inteiramente consignada ao cidadão. O cibercidadão (netizen), sujeito que exerce sua
cidadania a partir do espaço virtual, é um novo ator social que se apropria de mídias e
estratégias digitais para influenciar a agenda política, expressando suas demandas aos
agentes de governo, ampliando seu campo de ação na esfera pública.
CONSIDERAÇÕES SOBRE INTERNET E CLASSES POPULARES
Em função da estabilidade econômica e de uma série de políticas sociais adotadas
pela gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo federal para o público de
baixa renda, o Brasil vive um período de intensa mobilidade em termos de ascensão
social. Segundo dados da pesquisa do Observador Brasil 2012 (Cetelem), constatou-se
que entre 2010 e 2011, 2 milhões e 700 mil brasileiros deixaram a classe DE e mais de
230 mil brasileiros entraram na classe AB.
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Com essa mobilidade, muitos brasileiros saírem da pobreza e passarem a integrar o
universo do consumo. Além do acesso a bens materiais, esse estrato populacional passou a
consumir bens que representam inclusão sócio-simbólica, como o acesso ao ensino superior
e a aquisição de tecnologias de comunicação digital. Como as condições materiais de existência determinam a produção simbólica de um sujeito ou grupo social, as classes populares, com o uso da internet, reivindicam atenção e buscam alternativas de comunicação.
Porém, desde sua implementação, a internet se desenvolve num ambiente de
desigualdades entre gêneros, idades, etnias e, principalmente, classes econômicas. Na
realidade, o universo da Web nunca esteve acessível para todos da mesma forma, até
porque ele requer determinada capacidade econômica, geográfica e cognitiva. A tardia
apropriação de tecnologias digitais por parte das classes populares evidencia as marcas
de uma hierarquização sociocultural, marca do capitalismo cognitivo2.
A respeito disso, Castells diz:
A centralidade da internet em muitas áreas da atividade social, econômica e política equivale
à marginalidade para aqueles que não têm acesso a ela, ou têm apenas um acesso limitado,
bem como para os que são incapazes de usá-la eficazmente [...] A diferenciação entre os
que têm e os que não tem internet acrescente uma divisão essencial às fontes já existentes
de desigualdades e exclusão social, numa interação complexa que parece aumentar a disparidade entre a promessa da Era da Informação e sua sombria realidade para muitos em
todo o mundo (2003, p. 203).
Desse modo, temos níveis diferentes de qualidade e velocidade de conexão entre
os usuários de internet, principalmente da tecnologia móvel. Quanto maior o poder
aquisitivo, melhores são a conectividade e o conjunto de ferramentas interativas do
aparelho celular. Essa realidade influencia desde a manipulação de dados, textos, sons,
imagens e vídeos até o download de arquivos passando pelo o uso de aplicativos.
Apesar de nosso objetivo não ser a discussão em torno dos antagonismos de classe, é
importante entender a diferença entre situação de classe e posição de classe. Sodré (2015)
entende que um dos efeitos do turbo-capitalismo é tornar as classes menos visíveis. O
autor comenta que os setores populares vivem um sentimento de desclassificação, em
que o pobre não pertence a nenhuma classe social definida, uma vez que, por meio do
consumo de objetos, ele transita imaginariamente, para outra classe social. No entanto,
as classes sociais continuam, mesmo sendo mais móveis.
Eu posso estar em uma situação de classe social subalterna e me comportar como uma
posição de classe média alta. Isso ocorre no Brasil. O problema disso é a ilusão de ascensão,
de que a passagem de classe se dá por moradia plena, saúde e educação. Isso não tem. O
consumo faz transitar imaginariamente para outra classe. Mas as classes sociais, ao meu
entender, continuam (SODRÉ, 2015, p. 122).
O aumento no número de internautas oriundos das classes populares é reflexo da
reconfiguração socioeconômica da sociedade brasileira. Segundo estudo do instituto
2. Trata-se de uma teoria centrada nas mudanças socioeconômicas provocadas pelas tecnologias digitais,
as quais têm transformado o modo de produção e a natureza do trabalho.
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DataPopular, as próximas gerações dessa classes emergentes apresentarão patamares de
conectividade muito próximos aos das classes mais privilegiadas. No entanto, como sustenta Souza (2012), os brasileiros que entraram no mercado de consumo nos últimos doze
anos não fazem parte de uma classe média, mas sim de uma nova classe trabalhadora.
Retomando a discussão em torno do uso da internet no país, de acordo com a
Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República, quase metade da população brasileira tem acesso à internet, sendo que desse
total 37% a utilizam todos os dias, com uma intensidade de quase cinco horas diárias. O
estudo mostra que existem níveis desiguais de conectividade entre os diferentes estratos
sociais. Entre os inquiridos com renda familiar mensal de até um salário mínimo (R$
724), a proporção dos que acessam a Web, pelo menos, uma vez por semana é de 20%.
Quando a renda familiar é superior a cinco salários mínimos (R$ 3.620 ou mais), a
proporção aumenta para 76%.
No recorte por escolaridade, a pesquisa também evidencia grandes disparidades,
sendo que 87% dos respondentes com ensino superior acessam a internet pelo menos
uma vez por semana, enquanto apenas 8% dos entrevistados que estudaram até quarta
série do ensino fundamental o fazem com a mesma frequência.
CAPITAL CIBERCULTURAL E EMPODERAMENTO
Quem tem elevado capital cultural e reúne mais competências digitais exerce melhor
sua cidadania na ciberdemocracia? Talvez sim. O empoderamento cidadão e a ação
engajada nas redes exige a aquisição de um novo capital cultural, que associa o saber
informal digital ao conhecimento formal escolar, o que, neste trabalho, denominamos
de capital cibercultural.
A ideia de capital cibercultural remete à teoria de Bourdieu (2007), que entende o
capital cultural sob três formas: no estado incorporado, como disposição duradoura do
corpo; no estado objetivado, sob a forma de bens culturais – quadros, livros, dicionários,
instrumentos, máquinas; e, enfim, no estado institucionalizado, em que é socialmente
legitimado por instituições (títulos escolares). Observamos que o capital cultural
está ligado aos recursos econômicos do sujeito, mas também aos laços familiares, às
experiências de aprendizagem do indivíduo, entre outras agências de socialização.
Com a instauração do ciberespaço, é preciso ampliar a ideia de capital cultural.
Hamelink (2000) define capital informacional como a capacidade financeira de pagar
pela utilização de redes eletrônicas e serviços avançados de informação, e também a
habilidade técnica para manejar as infraestruturas destas redes e a capacidade intelectual
para filtrar e avaliar conteúdos, assim como a motivação ativa para procurar informação
e aplicá-la às situações sociais, considerando tanto a dimensão econômica, como as
circunstâncias políticas e culturais.
Numa visão mais geral, Bredarioli (2014) relaciona capital cultural digital à
capacidade de os cidadãos se moverem na rede (e consequentemente na sociedade) e
apreenderam o potencial de uso desse espaço virtual. A proposta da autora reatualiza
o conceito de Bourdieu, aproximando as ideias de capital cultural ao uso das novas
tecnologias e sua capacidade de produção simbólica.
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A relação entre capital cibercultural e empoderamento cidadão nas redes sociais de internet das classes populares
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Relacionando os autores acima, entendemos que o capital cibercultural é um
estado mais avançado do capital cultural, sendo uma competência digital vinculada
tanto à apropriação de tecnologias de informação e comunicação quanto aos processos
instrutivos, passando pela cultura participativa e a autonomia criativa do indivíduo.
Mas se engana quem acha que esse capital cibercultural seja obtido de forma
natural, como um habitus3, por estarmos imersos no ciberespaço, até porque como dito
anteriormente, o acesso a esse recurso também está ligado à posse do capital econômico.
Por isso, no caso das classes populares, é justamente a educação pública que pode
aproximar esses diferentes saberes, numa tentativa de reduzir drasticamente a distância
entre sujeitos com grandes competências e aqueles considerados analfabetos digitais.
Sabemos que a diferenciação está no cerne da educação, isso ocorre devido ao
papel da escola ao legitimar a cisão entre os que recebem uma educação letrada de alta
qualidade do restante da sociedade que teve acesso a um ensino precário. A formação
de uma elite intelectual depende dessa exclusividade no acesso ao capital cultural. Nesse
aspecto, ressalta-se o viés democratizante da internet que possibilita que estudantes,
de diferentes classes sociais, utilizem a mesma plataforma digital para manifestar seus
descontentamentos sobre os rumos da política brasileira. É evidente que o engajamento
online depende de processos contínuos de empoderamento, que não se resumem a
roteiros de como usar as mídias digitais, nem a aulas formais de cidadania na escola.
Jenkins (2009) entende o empoderamento (empowerment) como a possibilidade de
tomar decisões importantes no contexto cívico, e ser capaz de compreender as escolhas
feitas e as suas implicações em termos políticos. Isso significa se apropriar de recursos
emancipatórios que o possibilitam a interferir em seu entorno, tornando-se protagonista
de sua história. Significa participar efetivamente das discussões a respeito de políticas
públicas, compreendendo os mecanismos deliberativos que constituem o aparato
governamental, superando a ideia de que o cidadão só participa do processo político
de dois em dois quando convocado para eleger seus representantes.
Os nativos digitais, aquelas pessoas que nasceram nesse novo ambiente
comunicacional, ao se empoderarem têm grande possibilidade de aprender como
selecionar qual informação da internet tem relevância ou responde a suas demandas.
Além disso, o cidadão com maior capital cibercultural terá mais recursos para avaliar
conteúdos duvidosos publicados em sites, blogs ou RSI. É lógico que isso não evita
completamente que esse indivíduo compartilhe notícias falsas ou relacionadas ao humor
como se fossem informações verdadeiras.
Por tudo isso, um dos grandes desafios contemporâneos da escola pública é trabalhar
com estudantes que vivem always on, que não enxergam a separação real/virtual. Uma
educação em consonância com a cultura da convergência e a democracia digital deve
dialogar com a linguagem do ciberespaço e suas múltiplas plataformas virtuais. É
preciso promover o debate político com esse ator social que é capaz de baixar músicas
ao mesmo tempo em que disputa jogos em rede, responde mensagens instantâneas e
acessa seu facebook.
3. Bourdieu (1983) entende habitus como sistema de disposições duráveis estruturadas de acordo com o
meio social dos sujeitos e que seriam predispostas a funcionar como princípio gerador das práticas e das
representações.
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METODOLOGIA E APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS
Primeiramente, definimos os sujeitos da pesquisa, realizando os devidos recortes
etnográficos para aproximar o objeto empírico dos objetivos do presente trabalho. Dessa
forma, optamos por investigar estudantes de três cursinhos comunitários de preparação
para o vestibular da Baixada Santista4, (litoral de São Paulo): Cardume (UNIFESP/
Santos), Caiçara (UNESP/ São Vicente) e Educafro/BS.
Como a pesquisa trata de classes populares entendemos que os estudantes desses
núcleos não formais de ensino se adequam aos parâmetros que os identificam como
pertencentes ao grupo investigado. Cabe lembrar que os três cursinhos comunitários
adotam, entre seus critérios de seleção, o da renda familiar, diferenciando-se apenas
no valor limítrofe para matrícula do aluno.
Um questionário online, formado por 21 perguntas fechadas (além das informações
sobre gênero, renda e escolaridade), foi elaborado recorrendo ao programa Google Docs. O
link das questões foi compartilhado nos grupos dos cursinhos investigados no facebook,
durante o mês de julho de 2014, sendo obtidas 38 respostas. Cabe ressaltar que esse corpus
ficou abaixo do esperado, mas acreditamos que a amostra represente, ao menos, um estudo
preliminar. que caracterizam o comportamento dos sujeitos da pesquisa nas redes sociais.
Os sujeitos investigados são majoritariamente do sexo feminino 29 (76%). A renda
familiar da maioria, 30 (88%), dos investigados é de até três mil reais por mês. A mídia
mais utilizada é a internet (92%), a TV foi apontada por apenas 2%, logo atrás jornais e
revistas com 1%. Quando questionados sobre o nível de conhecimento sobre como utilizar
as redes sociais digitais, os inquiridos responderam conforme os dados do gráfico 1:
Gráfico 1. Nível de conhecimento sobre as RSI
Quando questionados sobre a possibilidade de as redes sociais digitais contribuírem
para o exercício da cidadania, o resultado é altamente positivo, como ilustrado a seguir:
Gráfico 2. Contribuição das RSI para a cidadania
4. Mais informações sobre os cursinhos comunitários em: http://projetocardume.blogspot.com.br/;
https://cursinhocaicara.wordpress.com/ e http://www.educafrobaixada.org/
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Como se observa a maioria dos investigados enxerga o potencial das RSI para ações
de caráter cidadão, isso é comprovado quando se questiona a respeito do acesso às redes
sociais das instituições do poder público, como se vê no gráfico 3:
Gráfico 3. Acesso a plataformas digitais do poder público
A maioria, 23 (61%), já acessou plataformas digitais relacionadas aos governos. Em
relação ao ciberativismo como mobilização ou ação coletiva, mais uma vez, a maioria,
23 (61%), afirma já ter participado de alguma modalidade desse tipo.
Gráfico 4. Participação em ações coletivas articuladas nas RSI
Entre essas ações coletivas forjadas no ciberespaço, 24 (63%) já assinaram uma petição
online. Em relação à produção de conteúdo para compartilhar nas redes sociais digitais,
26 (68%) assinalaram positivamente.
Quando inquirimos a respeito da causa ou “bandeira” que mais mobiliza os investigados a atuar em conjunto nas redes sociais digitais, os resultados foram: meio ambiente, 4
(11%); proteção aos animais, 1 (3%); educação, 8 (21%); ética pública, 2 (5%); transparência, 1
(3%); saúde, 3 (8%); segurança, 3 (8%); ações solidárias, 6 (16%); ações culturais, 2 (5%). Os que
responderam “não sei” ou “outros” chega a 8 (21%). É curioso que nenhum participante tenha
assinalado “Copa do Mundo” (que estava entre as opções), apesar de o período de investigação coincidir com a realização do torneio internacional de futebol em terras brasileiras.
Sobre a afirmação “Uma pessoa que costuma estar nas redes sociais digitais
possui mais possibilidades de fiscalizar os representantes eleitos”, os resultados foram:
totalmente incorreta, 4 (11%); incorreta, 2 (5%); nem correta/nem incorreta, 17 (45%); e
correta, 15 (39%). Chama a atenção que a maioria dos entrevistados tenha optado pela
neutralidade (nem correta/nem incorreta), o que indica dúvida sobre a capacidade de
monitoramento das RSI a respeito dos ocupantes de cargos públicos.
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Em relação ao desempenho das instituições escolares como espaços de formação
para democracia digital, a maioria dos entrevistados, 20 (53%), avalia negativamente,
como observamos a seguir:
Gráfico 5. Papel das instituições na prática da ciberdemocracia
Salientamos que, por conta do espaço deste trabalho, optamos por comentar somente
as principais perguntas do questionário que dão um panorama daquilo que objetivamos
com a pesquisa.
Discussão
As múltiplas possibilidades de participação abertas pela democracia digital não são
garantia para o exercício pleno da cidadania, até porque a esfera pública interconectada
reproduz, de alguma maneira, a opinião pública tradicional. A ciberdemocracia somente
será concretizada para as classes populares através da participação dos cidadãos desse
segmento nos processos colaborativos de deliberação política.
Num ambiente informacional democrático, a informação é vital como suporte para
a tomada de decisões da sociedade. No Brasil, a Lei de Acesso à informação pública (Nº.
12.527/11) possibilitou qualquer cidadão solicitar informações sobre atos públicos, dá
uma nova dinâmica nas relações entre governos e sociedade civil. Os dados produzidos
pelo Estado são de interesse público e devem estar acessíveis a todos os cidadãos, sendo
o acesso, a regra; e o sigilo, a exceção.
A Lei de Acesso fortalece a cultura da participação e é um instrumento importante
de empoderamento do cidadão comum, pois possibilita à população tomar conhecimento
de atos públicos e, assim, qualificar suas reivindicações. Os investigados na pesquisa
confirmam esse interesse pelas ferramentas de comunicação digital do Estado, que
garantem interação com a população e asseguram transparência para suas iniciativas,
por meio do governo eletrônico, dos blogs institucionais, do canal no youtube, do perfil
no twitter e da página no facebook, entre outras estratégias online.
Diante da criação desses canais de aproximação entre Estado e população, as
exigências da ciberdemocracia estariam atendidas? Na realidade, essas iniciativas são
parte de um movimento para reduzir nosso déficit cidadão e elevar a consciência política
dos brasileiros, historicamente alijados do processo decisório.
Cabe lembrar que as RSI são arenas importantes para a formação da consciência
política, mas não são as únicas, sendo que a conversação cívica ainda é uma das mais
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importantes. Maia (2008) considera que pessoas que discutem política com outras são
mais aptas a adquirir uma compreensão mais aprofundada sobre fatos políticos e
informações que recebem por meio da mídia do que aquelas que não o fazem.
Já Gamson (2011) entende que os cidadãos produzem sentido sobre o contexto político de forma complexa, variando de assunto para assunto e que eles mobilizam, com
graus diferentes de relevância, os discursos dos meios de comunicação, a experiência
pessoal e o saber popular. É verdade que a construção de formas de participação política
deve ser entendida sob diferentes aspectos, observando não apenas as formas de ação
resultantes do engajamento na internet, mas também as ações individuais de compromisso com o interesse público.
A ciberdemocracia se apresenta como um modelo evoluído de democracia ao superar
os níveis de simples consulta ou de tímida participação, sendo capaz de fortalecer a ação
engajada na esfera pública por meio da Web. No entanto, não podemos perder de vista
o centro da discussão que é refletir no que a internet é essencial para o exercício da
cidadania e no que ela é meramente acessória. Uma petição online, por exemplo, pode
ser inócua se não for precedida de um amplo debate sobre os motivos que levaram a
criação desse documento digital. O ciberativismo como prática de intervenção social
exige mais do que um mediador tecnológico; antes é preciso pensar em uma educação
emancipatória, que permita a construção de pontos de vista autônomos e críticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho não tem o objetivo de apresentar conclusões fechadas, até
porque se trata de uma reflexão preliminar. Após a realização do estudo, o que se pode
presumir é que o empoderamento cidadão das classes populares nesses tempos de
democracia digital passa pela aquisição do capital cibercultural.
A nova classe trabalhadora, àquela que emergiu nos últimos doze anos e teve seus
indicadores sociais elevados, ao se apropriar das mídias digitais tem a possibilidade
de participar efetivamente da elaboração de políticas públicas, da fiscalização de ações
governamentais e de estratégias de accountability. Para isso, esse estrato social precisa
superar o estágio em que vê a internet somente como ferramenta de lazer e comunicação.
No artigo, defendemos que a educação pública (em que a maioria da classe trabalhadora
estuda) seja o agente de socialização que desperte o ímpeto desse público para ações
engajadas e associativas baseadas na Web.
As diversas manifestações políticas convocadas pelas RSI que ocorreram recentemente no Brasil mostraram o grande potencial da ciberdemocracia. No entanto, os
assuntos pautados no ciberespaço ainda costumam representar os interesses de segmentos hegemônicos, com uma agenda de reivindicações que difere muito daquela que
afeta o cotidiano das camadas populares.
Sem dúvida, podemos afirmar que as diferenças de acesso e de aquisição ao capital
cibercultural entre os grupos sociais conferem aos mais privilegiados um poder simbólico
que os habilita a interferir mais assertivamente na agenda pública. O desafio é tornar a
distribuição desse capital menos segregacionista, uma vez que a ciberdemocracia idealiza
a participação política do maior número de cidadãos na esfera pública interconectada.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1460
O diálogo em ambientes digitais de aprendizagem:
possibilidades do fazer humano para o bem comum
Va n i c e
dos
Santos 1
Resumo: Na WEB navegamos em ambientes digitais, participamos de comunidades, compartilhamos e produzimos conhecimentos experienciando formas
expandidas de comunicar e aprender, onde nos auto-regulamos sem a necessidade da intervenção de um terceiro (Burgess e Green; Ostrom). O conhecimento
ali produzido é um bem comum em uma intrínseca relação com a cultura do
compartilhar (Bollier; Le Crosnier), o que retoma o tema do diálogo socrático
(Platão). O diálogo como método contribui na tarefa de conduzir o cuidado de
si do outro (Foucault) revelando a ideia da fusão de horizontes (Gadamer) e no
surgimento da ágora digital (Santos). O aporte metodológico é dado pela Educomunicação e pela Fenomenologia Hermenêutica, pensando as relações entre
a comunidade de diálogo e a EAD, realizado na Graduação em Pedagogia na
UFRGS. A análise mostrou interações inesperadas, com momentos de intenso
diálogo e comunicações, indicando que o uso da tecnologia não fez desaparecer
o genuíno do humano.
Palavras-Chave: Cultura participativa. Diálogo. Bem comum. Ágora digital.
Fusão de horizontes.
Abstract: WEB sailed in digital environments, participate in communities, share
and produce knowledge experiencing expanded ways to communicate and learn
where we self-regulate without the intervention of a third party (Burgess and
Green; Ostrom). The locally produced knowledge is a common good in a close
relationship with the culture of sharing (Bollier, Le Crosnier), which takes the
theme of Socratic dialogue (Plato). The dialogue as a method contributes to the
task of leading the self care of the other (Foucault) revealing the idea of fusion
of horizons (Gadamer) and the emergence of digital agora (Santos). The methodological approach is given by the Educational Communication and the Hermeneutics Phenomenology, thinking the relationship between the community
of discourse and the EAD, held in Graduate Education at UFRGS. The analysis
showed unexpected interactions, with intensive dialogue and communication
times, indicating that the use of technology did not disappear genuine human.
Keywords: Participatory culture. Dialogue. Common. Digital agora. Fusion of
horizons.
1. Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac).
Doutora em Educação (Ufrgs), Mestre e Licenciada em Filosofia (Unisinos). Líder do grupo de pesquisa
NESEF: Regional Planalto Catarinense. Contato: [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1461
O diálogo em ambientes digitais de aprendizagem: possibilidades do fazer humano para o bem comum
Vanice dos Santos
AMBIENTES DIGITAIS, COMUNIDADES E YOUTUBE
ESSOAS VIVEM em comunidades e, com a existência da rede mundial de compu-
P
tadores (www) as comunidades formadas por pessoas que circulam em ambientes
digitais. Vários são os espaços, várias são as comunidades, algumas conhecidas
como ambientes virtuais de aprendizagem enquanto outras, por exemplo, tidas prioritariamente para fins de entretenimento.
Mas, para fins de organização interna do texto, no sentido de apresentação e
argumentação, iniciaremos por tentar entendê-las na perspectiva de estudos culturais
Assim, na busca em refletir sobre a importância das comunidades em ambientes digitais,
buscamos a pesquisa de Burgess e Green (2009), qual seja, “Youtube e a revolução
digital: como o maior fenômeno da cultura participativa está transformando a mídia
e a sociedade”.
Indicamos ainda, que o referido estudo está vinculado às reflexões de Henry
Jenkins sobre cultura da convergência. Tal deve-se, em parte, ao fato de Green ter
tido Jenkis como líder no Convergence Culture Consortium do MIT (Consórcio de
Cultura de Convergência), também conhecido como C3. Estar atento ao viés da cultura
da convergência indica-nos uma posição, especificamente, de que estamos atentos à
diversidade de participantes no que diz respeito a sua formação e/ou inserção. Significa
que conseguimos reconhecer que pessoas de áreas diferentes como tecnologia, mídia,
entretenimento, educação e ainda comunidades de fãs não só são capazes, mas de fato,
estão construindo ampla comunidade com cultura participativa.
Assim, trilhando o caminho para encontrar vestígios que nos apresentem
características, possibilidades, efetividades do fazer humano, quando imersos em
ambientes digitais, debruçamo-nos sobre o estudo a respeito do YouTube (Burgess e
Green, 2009). Enquanto pesquisadores de estudos culturais, buscam compreender o
YouTube enquanto algo que faz parte da vida das pessoas, como uma das formas de
comunicação inserida no cotidiano. Assim, a atenção recai para conteúdo, tecnologias e
pessoas. Deste, enfatizaremos aspectos que podem nos auxiliar em nossa problemática
da pesquisa. O destaque estará sobre: a) formas de comunicar e dialogar; b) valores
produzidos coletivamente; e c) cidadania cultural cosmopolita.
Sendo uma das mídias de massa de maior repercussão, o site YouTube pode ser
tido inicialmente como site de conteúdos. Para além disso, Burgess e Green (2009)
identificam que os usuários criaram uma forma de comunicar propícia para o dialogar:
o vlog. A partir destes – vlogs – produtores e espectadores podem entrar no circuito
de conversação. Os autores salientam ainda que, muitos vlogs são respostas a outros
vlogs. E ainda, que a conversação, as discussões, por vezes originam-se de comentários
escritos em postagens anteriores. Com isso, a constatação de que tecnologias digitais
propiciam práticas criativas também nas estratégias de comunicação.
As questões de ética são observadas por Burgess e Green (2009), tanto no que se
refere à discussão sobre a legitimidade da cultura popular, quanto aos usos e modos
de entendimento que os jovens possam ter frente às mídias e ainda, especificamente
quanto a participação no YouTube. Ética implica pensar, compreender sobre os
princípios que orientam nossas práticas cotidianas, nossas condutas. Embora seja
um site pertencente a uma empresa, “várias formas de valores culturais, sociais e
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1462
O diálogo em ambientes digitais de aprendizagem: possibilidades do fazer humano para o bem comum
Vanice dos Santos
econômicos são produzidos coletivamente en masse pelos usuários, por meio de suas
atividades de consumo, avaliação e empreendedorismo” (Burgess e Green, 2009, p. 23).
Consciência ética, engloba ainda o pensar sobre as circunstâncias e sobre o alcance
das participações e dos (re) posicionamentos enquanto partícipes de comunidade, no
caso, digital.
A cultura participativa é apresentada como possibilidade de cidadania cultural
cosmopolita. O que isso significa? Em primeiro lugar, que o site YouTube tem como
característica a participação, a produção e interação por sujeitos muito diferentes. Em
uma comunidade cuja participação não é obrigatória - tampouco é regulada por terceiros,
“constituem locais de exercício da cidadania cultural. Refiro-me aqui a comunidades
colaborativas em especial, sites de atividade coletiva que existem exclusivamente graças
a contribuições criativas, compartilhamento e participação ativa de seus membros”
(URICCHION, 2004 apud BURGESS; GREEN, 2009, p. 109). Em segundo lugar, o YouTube
– objeto de estudo dos autores – pode gerar nos sujeitos a cidadania cultural cosmopolita,
pois neste site, em que coabitam pessoas de diversas formações, profissões, vivências
socio-economica-culturais, por exemplo, a diversidade de identidades, de pontos de
vista pode provocar para o engajamento. Mas, lembram-nos, “o acesso a todos os
níveis possíveis de participação é limitado a determinado segmento da população –
aqueles com motivações, competências tecnológicas e capital cultural específico do site
[…]”(Burgess e Green, 2009, p. 112).
Destacamos aspectos do YouTube e sua vinculação com a cultura popular participativa, sobretudo no que tange a cocriação, a produção do conhecimento e as diversas
participações – vlogs, comentários - como exemplo do fazer humano. A seguir, veremos
como Ostrom (2009) e Bollier (2014) apontam que os humanos são capazes de confiar,
cooperar e compartilhar em diversas esferas. E ainda, o que é isto: o diálogo? Qual sua
relevância para o conhecimento?
O DIÁLOGO: IMBRICAÇÕES COM O BEM COMUM,
COM A ÁGORA DIGITAL E A FUSÃO DE HORIZONTES
Já identificava Aristóteles (2005) que o ser humano é um animal racional e que é
um ser político. Isto diz-nos que temos a capacidade de identificar, organizar e agir
com critérios. Além disso, nos tornamos humanos por nossa inserção na comunidade
de humanos.
O diálogo, segundo a tradição filosófica socrática, caracteriza-se como algo humano,
perpassando o pensar e o agir. Buscamos elementos do diálogo socrático em Platão (2008).
Encontramos a concepção da vivacidade da oralidade, de outro modo, do pensamento
sendo construído durante o diálogo. Também, de que o diálogo enquanto método pode
contribuir para a tarefa do mestre, qual seja, de cuidar do cuidado de si do outro.
Mencionamos Sócrates, que é tido como o primeiro filósofo se temos como demarcador o periodo antropológico, ou seja, o homem como objeto de investigação pela filosofia.
Mas, como podemos saber de Sócrates se ele não deixou registros de seus pensamentos?
E mais, por que não os deixou?
Bem, vale lembrar que somente com Platão inicia-se o pensar na forma escrita. Isso
se deve pela morte de Sócrates. Este fora condenado à morte (399 aC) pelo modo de
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1463
O diálogo em ambientes digitais de aprendizagem: possibilidades do fazer humano para o bem comum
Vanice dos Santos
filosofar que exercia na ágora ateniense (praça pública). Em decorrência disso, a filosofia
deixa de acontecer em locais públicos, passando a espaços específicos como Academia
ou reuniões na casa de algum conviva. Platão presenciou a condenação de Sócrates e
começou a filosofar na forma de diálogos escritos – estilo que tomou emprestado do
teatro. Conhecemos o pensamento de Sócrates através do personagem Sócrates que
Platão inclui em sua obra “Diálogos”. Até então – condenação de Sócrates – havia a
compreensão de que o pensamento acontecia na vivacidade da oralidade, no diálogo.
Mas, o leitor pode estar se perguntando: a concepção sobre o pensamento, a forma de
manifestação do logos mudou repentinamente?
Encontramos em Reale (1997) considerações a respeito da tese que as doutrinas nãoescritas de Platão devem ocupar o centro da interpretação da obra do Filósofo grego. Tal
tese foi formulada pela escola de Tübingen, em fins da década 50. O minucioso trabalho
de análise textual dos “Diálogos” de Platão tinha como emprendimento descortinar
o espírito grego. A tradição nos apresentou duas facetas de Platão: o escritor (dos
“Diálogos” e das “Cartas”), e o professor (das “doutrinas não-escritas”). A escola de
Tübingen, cujos principais representantes são H.-J. Krämer e Konrad Gaiser, apresentanos um “novo modelo de interpretação do Corpus platonicum […]” (REALE, 1997, p. XVII).
Nessa dupla modalidade do pensamento, quais sejam, oralidade e pensamento escrito,
encontramos em Platão a menção de que há temas que não devem ser escritos e temas
que sãao propícios para a discussão oral. Exemplos sobre a autonomia do diálogo, a
condenação do texto escrito e a celebração do ensinamento oral podemos encontrar no
diálogo platônico Fedro (274b-278e) e na Carta VII.
O diálogo faz parte do projeto hermenêutico do filósofo alemão Hans-Georg
Gadamer, pois
[…] só nos aproximamos da coisa mesma em diálogo. É somente quando nos expomos a uma
contravisão possível que temos a chance de alcançarmos um âmbito para além da estreiteza
de nossos próprios preconceitos. […] uma resposta que não é de modo algum contrária, mas
que é resposta como toda palavra é resposta, ou seja, como toda palavra responde a algo
em relação ao que nós nos compreendemos como diante de uma pergunta e que, incitado
à resposta, se dirige para nós (Gadamer, 2009, p. 340-341).
Um dos fins da filosofia, para os filósofos mencionados, consiste em dedicar-se a
compreender o que é necessário para uma vida justa. O diálogo é considerado uma
forma de colocar em movimento a questão, os sujeitos e assim, a ação responsável dos
sujeitos – pois já examinaram muitas questões.
O diálogo como método, especificamente o método da maiêutica socrática, consiste
em provocar o interlocutor para que ele encontre as respostas. No diálodo platónico
“Alcibíades I” acompanhamos o diálogo entre o Mestre Sócrates e Alcibíades. Neste
Diálogo encontramos questões relativas a: estar apto a assumir alguma responsabilidade;
posição de discípulo; posição do mestre; função do diálogo; disposição para o diálogo;
saber e ignorância. Acompanhamos o trabalho do mestre, conduzindo pelo diálogo,
seu discípulo. Acompanhamos momentos de dar-se conta de que ignora, do enfrentar
a dúvida, do ousar responder. Ao fim, encontramos Alcibíades disser ao mestre que a
partir desse momento (fim do percurso desse diálogo) houve uma mudança de posição:
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1464
O diálogo em ambientes digitais de aprendizagem: possibilidades do fazer humano para o bem comum
Vanice dos Santos
“Porque não há como evitar que a partir de hoje eu te instrua e tu deixe de me instruir”
(PLATÃO, Alcibíades I, 135e).
Uma análise aprofundada do referido Diálogo encontramos em Foucault (2006)
e, como estamos ocupados em compreender o diálogo em ambientes digitais de
aprendizagem, destacamos a posição do mestre. Para Foucault (2006, p. 73) “o que
define a posição do mestre é que ele cuida do cuidado que aquele que guía pode ter de
si mesmo.” A tarefa do mestre é conduzir o cuidado de si do outro.
O diálogo pode acontecer quando sujeitos colocam-se na direção de outrem, tendo
uma questão em comum. Este encontro pode acontecer entre sujeito-sujeito; leitor-texto
(GADAMER). “Diálogo e conversação em verdade e método na direção do cuidado de
si”. Cada qual traz consigo concepções de mundo. Se por um lado poderíamos dizer que
há a mensagem, há o emissor e há o receptor, na perspectiva gadameriana, podemos
dizer que há a fusão de horizontes, ou seja, o encontro de diferentes perspectivas e
o surgimento de uma terceira possibilidade. O fazer humano está perpassado pela
experiência de encontros. O diálogo é capaz de colocar em evidência ”a verdadeira
humanidade do homem” (GADAMER, 1998, p. 209).O diálogo pode circular por diversos
espaços e formas, como por exemplo, de modo escrito, oral, por imagem, som. Esta
pesquisa centra-se no diálogo em ambientes digitais de aprendizagem, entendendo este
como ágora digital (SANTOS, 2013).
O conceito de ágora digital, de modo aproximado ao da ágora ateniense, refere-se aos
espaços que o digital suporta, de outro modo, onde diversos circulam. Pode ser entendido
como espaço onde acontece a diversidade de fazeres humanos, como, circulação de
mercadorias (compra e venda de produtos), manifestações culturais (artístico-religiosas)
e na livre circulação da palavra (homens livres filosofando/pensamento acontecendo
na oralidade). Embora tenham espaços específicos, há encontros inesperados. Isto
torna-se intrigante quando em contraposição com o modelo consumista/passivo/ de
sujeitos incapazes de autorganizarem-se sem a interferência de um terceiro (Estado ou
mercado). Os meios digitais, enquanto ambientes em que os sujeitos também exercem
suas experiências, podem ser reconhecidos como espaços para o exercício do bem
comum. Local onde o fazer humano se apresenta.
A educação na modalidade a distância, embora predominantemente aconteça em
um ambiente virtual de aprendizagem fechado, se nos colocarmos abertos poderemos ir
na perspectiva de bem comum pela experiência, pelo contato com novas comunidades,
outras perspectivas, outras questões. Isto pode vir a mobilizar o sujeito para novas
posturas (pode apresentar-se como disparador de novos/reformulados acontecimentos).
O conceito de bem comum está circunscrito em aspectos éticos e ontológicos,
pois está perpassado pela concepção de existência, de experiência, de humanização.
Parte da premissa que os recursos naturais e culturais são da humanidade. Assim,
é fundamentalmente prático, pois dado que os indivíduos de uma comunidade são
co-responsáveis pelos recursos, enquanto bem comum, o usufruir dos mesmo exige o
acordo entre os comuns. Também o que está disponível nos ambientes digitais pode
ser entendido na pespectiva de bem comum.A cientista política Elinor Ostron (2009)
apresentou-nos ideias em contraposição as concepções expostas na clássica “Tragédia dos
comuns” (Garret Hardin, 1968). Na “Tragédia dos Comuns” os homens são apresentados
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1465
O diálogo em ambientes digitais de aprendizagem: possibilidades do fazer humano para o bem comum
Vanice dos Santos
como incapazes de fazer acordos sobre sua própria existência, no que se refere ao acesso
a bens, sendo necessária a presença de um terceiro – Estado ou mercado. Elinor Ostrom
(2009) apresenta situações e argumentos sobre a capacidade das pessoas resolverem
problemas, através da conversação, estabelecendo confiança, reciprocidade, também
cooperando. Portanto, um de seus méritos está em fomentar a criação de espaços para
que inicialmente os sujeitos pudessem reconhecer seus saberes, se expressarem, a terem
e fazerem ouvir sua voz. O reconhecimento pelo conhecimento dos locais pode ser
estendido para as comunidades em ambientes digitais. O conhecimento e sua intrínseca
relação com a cultura, entendido como bem comum, é desenvolvido por David Bollier e
Hervé Le Crosnier na pesrpectiva da partilha/compartilhar – também do cerceamento
– tanto da produção quanto da circulação do conhecimento.
O tema do bem comum tem como paradigma a integração dos recursos. Enquanto
a Tragédia do Comuns apresenta prerrogativas do estado – e da economia – moderna,
buscamos em Bollier e Le Crosnier análises sobre a cultura digital. Naquilo que acontece,
emerge de comunidades digitais, que dedicam-se a identificar a fim de resolver um
problema. Destacamos ainda a defesa de Burness-Lee, sua reafirmação da internet livre
Do que há em comum nos autores mencionados destacamos a vinculação entre mundo
cotidiano – sujeitos – pensamento – ação, de outro modo, um intenso olhar sobre o fazer
humano, sobre a praxis.
A fusão de horizontes (GADAMER, 1993, 1998) que ocorre pelo diálogo, por
perguntas, pode ocorrer de diversos modos, Fusão de horizonte implica que o sujeito
entra em contato com o texto (conteúdo do emissor mais a compreensão do receptor)
e o contexto (dupla historicidade no qual tanto o texto como o receptor está envolvido,
historicidade do leitor vai ao encontro da historicidade do texto) no qual este se apresenta.
METODOLOGIA
O aporte metodológico é dado pela Educomunicação e pela Fenomenologia
Hermenêutica, pensando as relações de limites e possibilidades entre a comunidade de
diálogo e a EAD. Realizamos um estudo de caso no Curso de Graduação em Pedagogia
na modalidade a distância (Pead), na UFRGS, com um grupo de 400 alunos-professores,
5 tutores e 5 professores, na interdisciplina de Filosofia da Educação.
Tendo como guia para compreensão a fenomenologia hermenêutica, criamos
categorias ontológicas para lermos os dados que inserimos no software Chic. Procedemos
a análise de dados estatística via classificação hierárquica implicativa e coesiva, tendo
em vista uma abordagem fenomenológico-hermenêutica da estrutura dialógica da
experiência do Pead.
O universo da pesquisa foi a primeira edição do Curso de Graduação em Pedagogia
na modalidade a distância (Pead) da Ufrgs, que teve vestibular específico para professores
da rede pública, municipal e estadual do Rio Grande do Sul. Tal curso estava organizado
por eixos temáticos, estruturado numa matriz orgânica, subdividido em 9 semestres.
Os dados foram coletados na interdisciplina Filosofia da Educação, do 6 semestre, com
400 alunos-professores e 5 professores articuladores. O Curso ocorreu predominante
na plataforma Rooda, ambiente desenvolvido pelo Cinted da Ufrgs. A coleta de dados
ocorreu durante o sexto eixo, na interdisciplina Filosofia da Educação.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1466
O diálogo em ambientes digitais de aprendizagem: possibilidades do fazer humano para o bem comum
Vanice dos Santos
A análise dos dados revelou-nos que houve interações para além do previsto, pois
ultrapassavam o que estava previsto enquanto desenvolvimento das atividades propostas
pela/na interdisciplina. Tais podem ser identificadas: a) pela circulação da palavra, ora
entre tutor e aluno, ora entre professor-aluno, configurando-se como diálogo.
Além disso, que pelas interações ocorridas, pela observação quanto ao fluxo (tempo
necessário superior ao estimado pela equipe de professores), implicou em reorganizaçao
do grupo, às vezes na dinâmica para as atividades, outras na alteração de alguma
atividade inicialmente prevista, podendo ser referente ao material, ao formato ou ainda
quanto ao prazo.
Tais situações fazem-nos considerar que o uso da palavra pelos diversos sujeitos é
favorecido em ambientes digitais, dado a significativa interação, e que as articulações e as
ações empreendidas pelos envolvidos nesse contexto de educação superior, de educação
em ambiente digital, configuraram-se como fazer humano orientado para o bem comum.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise mostrou interações inesperadas, com momentos de intenso diálogo
e comunicações que visavam a reorganização da situação visando o bem comum,
indicando que o uso da tecnologia não fez desaparecer o genuíno do humano: diálogo,
pensamento e praxis. Conclui-se que os ambientes digitais podem suportar a livre
circulação da palavra em prol do conhecimento e bem comum, promovendo a cidadania,
indicando que na EAD podemos ter a potencialização e incremento do diálogo como
estrutura fundamental de troca e aprendizagem.
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O diálogo em ambientes digitais de aprendizagem: possibilidades do fazer humano para o bem comum
Vanice dos Santos
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1468
Vila Sésamo de 2007: análise de conteúdo
2007 Sésame Street: content analysis
Ana Carolina Franco
Maria
da
dos
Santos 1
Gr aça Mello M agnoni 2
Resumo: Esse artigo pretende analisar o programa Vila Sésamo em sua reedição
brasileira de 2007 e verificar o potencial educativo do mesmo. Quase quatro
décadas depois do final da última versão brasileira, a TV Cultura decidiu relançar
o programa. Essa pesquisa tem o programa infantil Vila Sésamo como objeto
de estudo tomando como material empírico os conteúdos veiculados por um
programa de 2007, analisando os quadros dentro de eixos retirados dos Referenciais norteadores da Educação Infantil nacional. São eles os eixos de análise:
Diversidade, Conhecimento de mundo, Formação Pessoal e Social, Linguagem
oral e escrita, Linguagem matemática, Cultura e Brincar. Utilizaremos como
metodologia a Análise de Conteúdo de Bardin (2011) estabelecendo uma análise
quali-quanti, que codifica e interpreta o recorte do programa, assim como verifica
se os formatos encontrados corresponderam às necessidades educacionais dos
telespectadores infantis.
Palavras-Chave: Educação. Comunicação. Televisão educativa.
Abstract: This article analyzes the Sesame Street in its Brazilian reissue 2007
to verify the educational potential of the same. Nearly four decades after the
end of the last Brazilian version, TV Cultura decided to relaunch the program.
This research has the children’s program Sesame Street as objects of study
taking as empirical material the content carried by a 2007 program by analyzing
the frames within axles removed from guiding benchmarks the national Early
Childhood Education. They are the analysis: Diversity, World Knowledge, Personal and Social Education, oral language and writing, mathematics Language,
Culture and Play. Will use as the methodology Bardin Content Analysis (2011)
establishing a qualitative and quantitative analysis, coding and interprets the
program cut, as well as checks that the formats found corresponded to the
educational needs of children viewers.
Keywords: Education. Communication. Educational television.
1. Mestre pelo programa de pós-graduação em TV Digital: Informação e Conhecimento pela UNESP Bauru/
SP, especialista em Psicopedagogia pela Anhanguera educacional, licenciada em Pedagogia pela UNESP,
Bauru/ SP com complementação em Gestão escolar e exerce a função de coordenadora pedagógica pela
rede pública municipal de ensino de Bauru. E-mail: [email protected]
2. Doutora em Educação pela UNESP/Marília. Docente do Departamento de Educação da Faculdade de
Ciências da UNESP e do Programa de Pós-Graduação em TV Digital da Faculdade de Arquitetura, Artes
e Comunicação da UNESP, ambas em Bauru. Diretoria Executiva Associação dos Geógrafos Brasileiros,
Seção Bauru. E-mail: [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1469
Vila Sésamo de 2007: análise de conteúdo
Ana Carolina Franco dos Santos • Maria da Graça Mello Magnoni
1. INTRODUÇÃO
TELEVISÃO, HISTORICAMENTE tão utilizada e difundida em ambientes esco-
A
lares, ainda hoje, em tempos de profunda mudança tecnológica e convergência
midiática, é o meio de comunicação de massa mais utilizado pela população.
Num país onde mais de 100 milhões de pessoas vêem televisão todos os dias, incluindo
uma dezena de milhões que, vivendo abaixo da linha de pobreza, têm pouco ou nenhum
acesso a bens culturais e/ ou a uma educação de qualidade, é compreensível que a TV goze
de considerável poder de penetração e exerça grande influencia sobre opiniões, crenças e
visões de mundo daqueles que com ela se relacionam mais intensamente, especialmente
dos que têm como única fonte de informação e lazer. (DUARTE, 2008, p. 31).
Dessa forma, a televisão pública e os programas educativos surgem como
possibilidade de garantir à população tão excluída de outros bens culturais o acesso ao
conhecimento historicamente construído pelo homem.
Segundo Pinto (2005) a televisão que trabalha para o público diferencia-se pela
exemplaridade. E dessa forma apresenta estética e eticamente programas capazes de
alargar horizontes.
Esse artigo traz um recorte do programa Vila Sésamo, referencial de programação
educativa mundo afora, partindo da premissa que o mesmo atinge hoje mais de 120
países do mundo e participa globalmente da infância de milhares de telespectadores
em idade de Educação Infantil.
2. O PROGRAMA VILA SÉSAMO EM 2007: A METODOLOGIA
DE ANÁLISE DE CONTEÚDO
Para a análise de conteúdo do programa Vila Sésamo de 2007, traremos um episódio
do programa exibido na TV Cultura, no dia 13 de janeiro de 2015, às 8h15 AM.
Segundo Bardin (2011), a Análise de Conteúdo é um conjunto de instrumentos
metodológicos que se aplicam a discursos diversificados. Um programa televisivo
necessita de uma metodologia de análise que preze pela excelência enquanto instrumento
polimorfo e polifuncional.
Sua perspectiva de abordagem se situa na interface da Linguística e da Psicologia Social.
Mas enquanto a linguística estuda a língua, o sistema da linguagem, a Análise de conteúdo
atua sobre a fala, sobre os sintagma. Ela descreve, analisa e interpreta as mensagens/enunciados de todas as formas de discurso, procurando ver o que está por detrás das palavras.
(SEVERINO, 2007, p. 122).
A escolha por essa metodologia adentra a questão da sua validade, de seu rigor
científico, da mesma forma que permite análises qualitativas que não ignorem os dados
quantitativos. Bardin (2011) afirma que o método preza pela diversidade e pela unidade,
e é difundido definitivamente ao transformar a exigência de objetividade em algo menos
rígido e ao mesmo tempo incorporar a contribuição estatística.
Dessa foram dividiremos essa análise em três etapas: a pré-análise, a exploração do
material e, por fim, o tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação.
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2.1. A Primeira Fase: Pré-Análise
Na pré-análise, escolheremos os elementos analisados, os critérios utilizados, os
referenciais que nortearão os dados e as considerações sobre os mesmos.
Sendo o telespectador de Vila Sésamo, criança em etapa de educação pré-escolar,
foram utilizados os dois documentos que norteiam os educadores no trabalho educativo
escolar: os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil (RCNEIs), de 1998,
e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), de 2010.
A partir desses dois documentos oficiais, foram estabelecidos os eixos de análise:
Diversidade, Conhecimento de mundo, Formação Pessoal e Social, Linguagem oral e escrita,
Linguagem matemática, Cultura e Brincar. Todos os eixos aparecem direta e indiretamente
nos documentos citados e estão de acordo com a literatura específica.
2.2 Segunda Fase: A Exploração do Material
A Exploração do Material é o momento da pesquisa em que se realiza a aplicação
sistemática das decisões tomadas, da codificação, da classificação e da enumeração.
Nesse momento, o procedimento planejado resulta em dados que posteriormente serão
analisados qualitativamente.
Se as diferentes operações da pré-análise forem convenientemente concluídas, a fase de
análise propriamente dita não é mais do que a aplicação sistemática das decisões tomadas.
Quer se trate de procedimentos aplicados manualmente ou de operações efetuadas por
computador, o decorrer do programa completa-se mecanicamente. (BARDIN, 2011, p. 131).
Para esse momento, separamos os quadros da programação em alguns itens que
facilitarão a estruturação das tabelas e gráficos seguintes. São eles: tempo, conteúdo,
personagens e origem dos quadros. Quadros Vila Sésamo
1 –Quadro: Vila Sésamo
Tempo: de 0:49 a 3:59 minutos
Conteúdo: distinguir objetos (cor, forma e sua utilidade)
Personagens: Garibaldo e Bel
Gravação: brasileira
5 –Quadro: Bonecos Manipulados
Tempo: de 14:01 a 15:13 minutos
Conteúdo: o nariz
Personagens: Groover
Gravação: americana
2–Quadro: Esquete Informativo
Tempo: de 4:00 a 8:12 minutos
Conteúdo: o ula como dança e costumes do Hawaí
Personagens: Groover e crianças havaianas
Gravação: americana
6–Quadro: Clipe Musical
Tempo: de 15:14 a 17:26 minutos
Conteúdo: siga o mestre (brincadeira)
Personagens: Ênio e Elmo
Gravação: americana
3–Quadro: A letra do dia
Tempo: de 8:13 a 10:26 minutos
Conteúdo: a letra P
Personagens: Garibaldo
Gravação: brasileira
7–Quadro: Vila Sésamo
Tempo: de 17:27 a 18:39 minutos
Conteúdo: sono
Personagens: Garibaldo
Gravação: brasileira
4–Quadro: Clipe Musical
Tempo: de 10:27 a 14:00 minutos
Conteúdo: banho
Personagens: Ênio e outros bonecos
Gravação: americana
8–Quadro: Bonecos Manipulados
Tempo: de 18:40 a 20:38 minutos
Conteúdo: sentimentos
Personagens: Zoe
Gravação: americana
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Quadros Vila Sésamo
9–Quadro: Vila Sésamo
Tempo: de 20:39 a 24:18 minutos
Conteúdo: histórias de dormir
Personagens: Garibaldo e Bel
Gravação: brasileira
11–Quadro: Encerramento
Tempo: de 25:42 a 25:58 minutos
Conteúdo: despedida
Personagens: Garibaldo e Bel
Gravação: brasileira
10–Quadro: Clipe Musical
Tempo: de 24:19 a 25:41 minutos
Conteúdo:medo de escuro
Personagens: Bel
Gravação: brasileira
Como podemos observar nesse episódio, prevalecem ainda os quadros brasileiros
e, apesar de também haver muitos quadros americanos, ambos mantém a opção pelo
brincar, pelo lúdico e pela linguagem. Como podemos ver no gráfico abaixo.
GRÁFICO 1. ORIGEM DOS QUADROS
Com foco no lúdico e nos temas transversais de aprendizagem, separamos os
quadros da programação de acordo com os eixos de análise previamente estabelecidos.
GRÁFICO 2. EIXOS CONTEMPLADOS PELOS QUADROS (NOVA VERSÃO)
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No Tratamento dos Resultados, traremos a análise dos quadros que correspondem
aos eixos, quais eixos foram negligenciados no episódio e qual foi o foco temático do
programa analisado.
2.3. Terceira Fase: Tratamento dos Resultados
Para o Tratamento dos Resultados, traremos as análises dos quadros nos seguintes
eixos: Diversidade, Conhecimento de mundo, Formação Pessoal e Social, Linguagem
oral e escrita, Linguagem matemática, Cultura e Brincar.
DIVERSIDADE
Segundo Morin (2002), considerar as diversidades humanas é fundamental na
educação do futuro. Segundo o autor a diversidade transcende os traços psicológicos,
sociais, raciais e culturais; ela adentra a diversidade biológica, que faz de nós seres
humanos diferentes uns dos outros.
No quadro 2, temos uma esquete informativa extremamente rica do ponto de vista
estético e pedagógico. Nesse quadro, o boneco Groover vem com um lei (colar havaiano)
e uma saia de palha; cumprimenta os telespectadores com um “aloha” e diz que, quando
esteve no Hawaí, conheceu mais sobre os costumes locais e sobre o ula, uma dança típica
de lá. Esse tipo de quadro é importante, porque apresenta uma realidade ampliada aos
pequenos, mostra que além da sua própria realidade, existem crianças diferentes, que
vivendo em lugares distintos, possuem culturas próprias que diferem da nossa.
Trabalhar a diversidade significa mostrar aos educandos que o seu mundo
egocêntrico deve ser superado, e que há crianças distintas, de outras realidades, com
outras identidades, e que isso pode ser válido e proveitoso. O povo havaiano, então,
mostra-se um povo distinto do nosso e, apesar de não trazer a nossa mestiçagem e a
nossa diversidade brasileira, já considera a existência de outra identidade étnica, religiosa
e cultural.
Enfim, apesar de não focar na questão da diversidade, o programa analisado
considera o eixo e respeita o que sugerem os RCNEIs, que destacam a importância de
se criar situações nas quais a questão diversidade seja trabalhada através de conversas
ou de trabalhos específicos.
CONHECIMENTO DE MUNDO
O âmbito de Conhecimento de Mundo é trabalhado pelos RCNEIs, como um livro
próprio, tamanha a sua importância. Nesse livro o eixo se divide em áreas de saber
fragmentadas: Música, Movimento, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza
e Sociedade e Matemática.
Nas DCNEIs, o eixo refere-se a uma temática mais ampla, em que o conhecimento
de mundo é a extensão do conhecimento de si e do outrem. Indiferentemente do enfoque,
esse importante eixo norteador da educação infantil trabalha o conhecimento global
do infante a partir de seu contexto cotidiano. A criança precisa entender o mundo que
a cerca, o global, munir-separa compreender o entorno e os conhecimentos intrínsecos
a ele, como enfatiza Morin (2002).
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Ao assimilar o mundo objetivo com o mundo que a circunda, ela vai se desenvolvendo,
mesmo que seus atos não sejam conscientes. Não se trata dos conteúdos assimilados
pela criança, trata-se do jogo que ela estabelece com o seu mundo e a forma que vai
compreendendo que ele é muito mais amplo do que lhe parece. Essa visualização da
amplitude global nem sempre é possível, porque em seu desenvolvimento, muitas vezes
uma esfera supera outra. Ou seja, às vezes, um educando desenvolveu-se emocionalmente,
no entanto, isso não significa que ele tenha o mesmo avanço motor ou cognitivo. No
desenvolvimento integral da criança, muitas vezes ela permanecerá infantilizada, apesar
dos estímulos que a levaram para um conhecimento amplo sobre as coisas.
Adentrar o eixo Conhecimento de Mundo é também compreender que a criança
está se desenvolvendo gradualmente e que esse processo deve ser respeitado. Leontiev
(1988) afirma a necessidade de preservar o lúdico e o momento da criança, dessa forma
trazendo-lhe informações sem didatizar a televisão, que para ela é puro entretenimento.
O quadro 2, já comentado no eixo Diversidade, faz isso, amplifica a visão de mundo
da criança ao mesmo tempo que brinca com o surf e o ula. A apresentação do boneco
manipulado Groover respeita essa fase pré-escolar, de lúdico e de brincadeira, apesar
de ser informativo.
Já no quadro 1, que inicia o programa, temos o boneco Garibaldo juntamente com
a boneca Bel, cumprimentando os telespectadores e dando as boas vindas ao Vila
Sésamo. O quadro traz um âmbito fundamental do eixo Conhecimento do Mundo: o
conhecimento das formas, dos tipos e das necessidades dos objetos e pessoas que a
circundam. Nesse quadro, Garibaldo diz que está pensando em um objeto que está
na cena, e Bel tem que encontrá-lo. Esse objeto é azul, redondo e serve para enfeitar. A
classificação e agrupamentos são tarefas árduas para a criança em idade pré-escolar,
pois muitas vezes a criança não consegue se focar em mais de um item de uma só
vez, e acaba focando-se em itens isolados. Seria comum, nesse caso, a criança pegar
a tiara que a personagem encontrou, afinal, a tiara era azul e servia para enfeitar.
A habilidade de compreender que faltou ser redonda é uma habilidade importante,
pois coloca a criança diante da competência de realizar comparações com base em
diferentes atributos.
Durante os primeiros estágios do desenvolvimento infantil, as palavras não são um fator
de organização na maneira pela qual a criança classifica sua experiência. Não dispondo de
um princípio lógico para agrupar os objetos, a criança pequena percebe cada objeto isoladamente. Durante o estágio seguinte de classificação, a criança começa a comparar objetos
com base em um único atributo físico, tal como cor, forma ou tamanho. Mas ao fazer essas
comparações, a criança rapidamente perde de vista o atributo que originalmente havia
destacado como base para a seleção de objetos e o substitui por outro. (VIGOTSKI; LURIA;
LEONTIEV, 1988, p. 47)
Quando, enfim, a criança classifica e leva em consideração mais de um item físico,
ela está adquirindo habilidades fundamentais para o seu desenvolvimento. O quadro
oferece à criança a oportunidade de focar em distintos atributos de análise e ampliar
sua percepção gráfica funcional. Sobre essa habilidade e seus benefícios, enfatiza que:
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esta maneira de agrupar objetos não se baseia em uma palavra que permita às pessoas isolar
um atributo comum e denotar uma categoria que logicamente subordine todos os objetos.
O fator determinante na classificação de objetos em situações desse tipo é chamado de
percepção gráfica funcional ou recordação das relações da vida real entre objetos. Vigotskii
descobriu que agrupar objetos de acordo com suas relações em situações reais é típico das
antigas pré-escolas e escolas elementares. (VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 47)
O último quadro analisado nesse eixo é o quadro 4, que traz um clipe musical
sobre a importância do banho. Temática que desde o Vila Sésamo de 1970 permeia
a programação da televisão educativa. Castelo Rá-Tim-Bum, Rá-Tim-Bum e mesmo
Cocoricó já trataram a temática em seus programas.
O clipe musical é um formato interessante para trabalhar um assunto que exige
bem pouca complexidade e reflexão, além da música em si ser um conteúdo importante
do eixo Conhecimento de Mundo.
A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio da organização e relacionamento
expressivo entre o som e o silêncio. A música está presente em todas as culturas, nas mais
diversas situações: festas e comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas
etc. Faz parte da educação desde há muito tempo, sendo que, já na Grécia antiga, era considerada como fundamental para a formação dos futuros cidadãos, ao lado da matemática
e da filosofia. (BRASIL, 1998, p. 45)
Utilizar a música como procedimento de aproximação de um assunto, ou até mesmo
o conteúdo em si é fundamental na educação infantil, pois além de ser uma manifestação
cultural e artística, a música é lúdica e aproxima-se da criança só pela sua existência.
FORMAÇÃO PESSOAL E SOCIAL
O âmbito Formação Pessoal e Social trata-se do desenvolvimento emocional da
criança, da sua sociabilidade e da sua conquista de identidade, autonomia e confiança,
fundamentais para um desenvolvimento sadio.
Saber o que é estável e o que é circunstancial em sua pessoa, conhecer suas características
e potencialidades e reconhecer seus limites é central para o desenvolvimento da identidade e para a conquista da autonomia. A capacidade das crianças de terem confiança em si
próprias e o fato de sentirem-se aceitas, ouvidas, cuidadas e amadas oferecem segurança
para a formação pessoal e social. A possibilidade de desde muito cedo efetuarem escolhas
e assumirem pequenas responsabilidades favorece o desenvolvimento da auto-estima,
essencial para que as crianças se sintam confiantes e felizes. (BRASIL, 1998, p. 11)
Um dos quadros que trabalham essas questões inerentes à construção da identidade
e da auto-imagem é o quadro 4, já comentado no eixo anterior. Ao trabalhar a temática
banho de forma lúdica e divertida, o programa trabalha com a higiene pessoal,
fundamental na construção de uma identidade de qualquer ser social, pois é um ato
próprio da nossa cultura. Segundo Oliveira (2004), “aprender a tecer os fios que nos
ligam aos outros de forma saudável e duradoura, mantendo flexibilidade de ambos os
lados, não é nada fácil”.
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O próximo quadro atendido pelo eixo, o quadro 5, traz o boneco Groover conversando com o telespectador. Nesse esquete, o personagem carismático conversa sobre a
importância de gostar do nariz como ele é; ele fala como seria estranho a sua própria
imagem se tivesse um nariz maior ou menor ou uma tromba de elefante, e diz amar o
seu nariz da forma como ele é.
O quadro americano, extremamente simples, traz um conteúdo fundamental, que
tem relação com a auto-estima. Tal temática não é fundamental só para as crianças
de idade pré-escolar, mas se faz fundamental para todo ser humano em processo de
evolução e construção de amor próprio e auto-imagem.
A maneira como cada um vê a si próprio depende também do modo como é visto pelos
outros. O modo como os traços particulares de cada criança são recebidos pelo professor, e
pelo grupo em que se insere tem um grande impacto na formação de sua personalidade e de
sua auto-estima, já que sua identidade está em construção. Um exemplo particular é o caso
das crianças com necessidades especiais. Quando o grupo a aceita em sua diferença está
aceitando-a também em sua semelhança, pois, embora com recursos diferenciados, possui,
como qualquer criança, competências próprias para interagir com o meio. Vale destacar
que, nesse caso, a atitude de aceitação é positiva para todas as crianças, pois muito estarão
aprendendo sobre a diferença e a diversidade que constituem o ser humano e a sociedade.
(BRASIL, 1998, p. 13 e 14)
As crianças, seres inseridas em um contexto social mais amplo, sentem-se muitas
vezes inseguras com a sua aparência (em decorrência dos estereótipos que são
construídos e alimentados, principalmente pelos meios de comunicação), e quadros
como esse auxiliam no processo de aceitação de si mesmo e do diferente. Elas podem
pensar: “O Groover gosta do nariz dele, também tenho que gostar do meu!”.
O próximo quadro, o 7, reforça o quadro anterior. Ele fala do hábito da soneca, de
como ela é importante e de quantas vezes o personagem não queria dormir, apesar de
precisar.
A criança ganha, com o quadro, o reconhecimento de que há outras crianças que
também se sentem como elas. O Garibaldo, por exemplo, as representa em termos
sensações e desejos. Dessa forma, além da identificação com o personagem, as crianças
pequenas adquirem mais um motivo para irem dormir, sem procrastinações.
No quadro seguinte, o 8, temos mais um boneco americano abordando a questão
dos sentimentos, de como uma mesma pessoa pode sentir coisas diferentes e como isso
afeta sua expressão, seus passos e sua voz.
Segundo os RCNEIs, as crianças devem conhecer e ressignificar seus sentimentos.
“O trabalho educativo pode, assim, criar condições para as crianças conhecerem,
descobrirem e ressignificarem novos sentimentos, valores, idéias, costumes e papéis
sociais” (BRASIL, 1998, p. 11).
Os pequenos podem não saber a origem ou explicar como fazem para modificar as
emoções, mas já compreendem que podem alterar seus sentimentos. Essa habilidade
emocional significa uma conquista extremamente significativa no seu desenvolvimento
integral, como a superação do medo, temática trabalhado no quadro seguinte, o
número 10.
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O quadro 10 apresenta um clipe musical sobre o medo e insinua que Bel está com
medo dos barulhinhos que surgem a noite, pois está escuro e ela não consegue dormir.
Como comentado em quadros anteriores, “a música está presente em diversas
situações da vida humana”. (BRASIL, 1998, p. 47) Além de estar presente, ela utiliza-se
do lúdico para cativar e aproximar as crianças dos conhecimentos cotidianos que lhe
são necessários para um desenvolvimento sadio.
Partindo da premissa que, conscientes dos sentimentos que nutrem, os educandos
são capazes de modificar seus sentimentos e emoções, ao mesmo tempo que elaboram
outras, o quadro acima é muito pertinente. Como vimos, esse eixo foi um dos mais
contemplados nessa nova versão, e reforça a importância que a nova versão do programa
deu aos temas transversais, os quais são fundamentais para a aquisição dos saberes
historicamente construídos.
LINGUAGEM ORAL E ESCRITA
Nesse eixo, que é um dos fundamentais em todos os processos educativos, temos
três quadros pertencentes. Sabendo que essa temática é de extrema relevância no período
pré-escolar, pois, como diz Freire (1987), a leitura do mundo precede a das palavras,
traremos a análise dos quadros com relação à linguagem e à oralidade.
Vygotsky (2007) nos ensina duas funções centrais na formação do pensamento e da linguagem. A primeira é a comunicação e o desenvolvimento da língua para nos comunicarmos,
seja, inicialmente, por sons e gestos, e depois com denominações e conceituações em generalizantes. A segunda é justamente o pensamento generalizante, onde a língua se encaixa
com o pensamento. Neste caso, quando nomeamos e classificamos alguma coisa, estamos
realizando discriminações e agrupamentos e, em conseqüência, agrupando uma classe de
objetos do mundo, formando um conceito. É, então, o estreitamento entre pensamento e
linguagem que nos possibilita a capacidade de atribuir significado, pois é com o seu atrelamento que podemos formar diversos planos simbólicos. (SAMPAIO; CAVALCANTE,
2012, p. 126-127)
Segundo Sampaio e Cavalcante (2012), que citam o postulado de Vygotsky, a
comunicação é função central na formação do pensamento e da linguagem. Segundo o
autor, aproximar pensamento e linguagem torna-se fundamental para a aquisição da
capacidade de interpretar distintas formas de mensagens.
Nesse processo de aquisição da linguagem, de oralidade, de sentimentos e sensações,
as crianças elaboram e testam uma série de hipóteses sobre o sistema de escrita.
Sabe-se, também, que as hipóteses elaboradas pelas crianças em seu processo de construção
de conhecimento não são idênticas em uma mesma faixa etária, porque dependem do grau
de letramento de seu ambiente social, ou seja, da importância que tem a escrita no meio
em que vivem e das práticas sociais de leitura e escrita que podem presenciar e participar.
(BRASIL, 1998, p. 128)
Levando-se em consideração essas questões, o programa elaborou um quadro
permanente, que traz o personagem principal, Garibaldo, procurando palavras com a
letra do dia.
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A utilização de jogos que ampliam o repertório dos pequenos e os auxiliam na
elaboração dos mecanismos mentais, os quais lhe possibilitarão o letramento, também
estão presentes nos quadros americanos, que foram aperfeiçoados nesses 45 anos de
televisão e trazem as necessidades das crianças em idade pré-escolar.
Nesse quadro 6, Ênio aparece cantando e Elmo vira seu “eco” repetindo tudo que
lhe é dito. A brincadeira de “siga o mestre” é tão significativa, que é apontada como uma
opção pedagógica para o professor de educação infantil nos RCNEIs. “Pode-se propor
alguns jogos e brincadeiras envolvendo a interação, a imitação e o reconhecimento do
corpo, como ‘Siga o Mestre’ e ‘Seu Lobo’. “(RCNE, vol 3, p. 33)
A brincadeira cantada também utiliza diferentes sons e interage com o telespectador,
chamando-o de forma indireta, para responder junto com Elmo o chamado de Ênio.
O quadro trabalha a oralidade e, dessa forma, prepara a criança para a escrita, via
ampliação e análise da linguagem.
E, por fim, temos o quadro 9, no qual Bel não consegue dormir e Garibaldo vai
lhe contar uma história.A história de dormir de Garibaldo, segundo o mesmo, possuía
começo, meio e fim. Durante a história, o personagem acordava Bel, que havia dormido,
e resgata oralmente a parte já contada. Essa estratégia é importante para auxiliar a
criança em etapa de pré-alfabetização a compreender a configuração de uma história;
que ela deve ser finalizada, que um acontecimento possibilita o acontecimento de outro,
em situação de causa e consequência.
Apesar da história contada por Garibaldo ser simples e pouco explorada, ainda assim
o quadro explora a linguagem oral e escrita, embora não em todas as suas possibilidades.
LINGUAGEM MATEMÁTICA
Não constatamos nenhum quadro que explorasse essa linguagem tão importante
para crianças em desenvolvimento. Vigotski, Luria e Leontiev (1988) enfatizam que o
raciocínio matemático ainda está sendo construído nessa fase dos telespectadores de
Vila sésamo, e não pode se esperar maiores abstrações nessa faixa etária. No entanto,
a iniciação da alfabetização matemática seria válida. Sobre a importância do eixo não
contemplado no episódio analisado:
Tomemos como ponto de partida o fato de que a aprendizagem da criança começa muito
antes da aprendizagem escolar. A aprendizagem escolar nunca parte do zero. Toda aprendizagem da criança tem a sua pré-história. Por exemplo, a criança começa a estudar aritmética,
mas já muito antes de ir à escola adquiriu determinada experiência referente à quantidade,
encontrou já várias operações de divisão e adição, complexas e simples; portanto, a criança
teve uma pré-escola aritmética,e o psicólogo que ignora este fato está cego. (VIGOTSKI;
LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 109)
CULTURA
O eixo Cultura é um dos principais quando tratamos de programas educativos
infantis. Sabemos que a cultura determinou nossas aprendizagens e nossa forma de viver
em sociedade, logo, a temática é de extrema relevância, pois significa a sobrevivência e
a distribuição dos conhecimentos historicamente construídos.
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O Estatuto da Criança e do Adolescente diz, no artigo 71, que “ a criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.
E o Estatuto regula ainda os conteúdos televisivos de acordo com as necessidades das
crianças em desenvolvimento. “As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no
horário recomendado para o público infanto juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.” (ECA, Art. 76, p. 46)
O único quadro referente a essa temática é o quadro 2, que, conforme já apontado
em outros eixos, traz o personagem Groover apresentando costumes do Hawaí.
Apesar de ser somente um quadro que mostre as diversidades culturais, sua
existência mostra a importância de a unidade favorecer a pluralidade.
Os que vêem a diversidade das culturas tendem a minimizar ou ocultar a unidade humana;
os que vêem a unidade humana tendem a considerar secundária a diversidade das culturas.
Ao contrário, á apropriado conceber a unidade que assegure e favoreça a diversidade, a
diversidade que se inscreve na unidade. (MORIN, 2002, p. 57)
A pluralidade cultural do nosso país e do nosso planeta deve e pode ser explorado,
para que, além de trazer informações para as crianças, ampliem suas compreensões
limitadas de mundo.
BRINCAR
Todos os eixos, de certa forma, convergem para o brincar. O brincar, atividade
propriamente humana, tem como objetivo a diversão. Nesse ato de simulação da
realidade, a criança apreende a sua realidade social e altera sua natureza.
Tanto nos jogos como nas brincadeiras orais ou de regras, as crianças interagem,
usam a imaginação e constroem uma realidade paralela à que vivem, por meio do fazde-conta. “Ao brincar, jogar, imitar e criar ritmos e movimentos, as crianças também se
apropriam do repertório da cultura corporal na qual estão inseridas” (BRASIL, 1998, p. 15).
Na brincadeira, vivenciam concretamente a elaboração e negociação de regras de convivência, assim como a elaboração de um sistema de representação dos diversos sentimentos, das
emoções e das construções humanas. Isso ocorre porque a motivação da brincadeira é sempre individual e depende dos recursos emocionais de cada criança que são compartilhados
em situações de interação social. Por meio da repetição de determinadas ações imaginadas
que se baseiam nas polaridades presença/ausência, bom/mau, prazer/desprazer, passividade/atividade, dentro/fora, grande/pequeno, feio/bonito etc., as crianças também podem
internalizar e elaborar suas emoções e sentimentos, desenvolvendo um sentido próprio de
moral e de justiça. (BRASIL, 1998, p. 23).
Na brincadeira, ao elaborar regras de convivência, ao estabelecer relações com
objetos, pessoas e animais, a criança desenvolve sua identidade, sua autonomia e sua
compreensão da realidade circundante.
Todo o desenvolvimento do homem como ser social e histórico é revivido pela criança
que, ao brincar, vai assimilando a cultura, os saberes e os conhecimentos apropriados
desde os homo sapiens até os dias atuais.
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Nos brinquedos do período pré-escolar, as operações e ações das crianças são, assim, sempre
reais e sociais, e nelas a criança assimila a realidade humana. O brinquedo (como disse Gorki)
é realmente “o caminho pelo qual as crianças compreendem o mundo em que vivem e que
serão chamadas a mudar”. Dessa forma, o brinquedo não surge de uma fantasia artística,
arbitrariamente construída no mundo imaginário de brincadeira infantil; a própria fantasia
da criança é necessariamente engendrada pelo jogo, surgindo precisamente neste caminho,
pelo qual a criança penetra a realidade. Precisamos destacar isso porque, embora o brinquedo
e a fantasia estejam normalmente associados, eles se associam por relações recíprocas .os
traços característicos da atividade lúdica da criança surgem de sua fantasia, assim como de
sua capacidade ou função “inerente” a ela, e são derivadas dela, isto é, eles delineiam um
caminho oposto ao desenvolvimento real. (LEONTIEV, 1988a, p.130).
Pertence a esse eixo, no entanto, somente dois quadros: os quadros 1 e 6. No primeiro
quadro, já explicitado em outro eixo, a personagem Bel tem que localizar um objeto. Essa
brincadeira de esconder é muito utilizada por crianças em todo o país. No clipe musical
do quadro 6, as crianças revivem o jogo de “siga o mestre”, brincadeira famosa por conter
um importante elemento do desenvolvimento infantil no seu procedimento: a imitação.
Mesmo não estando em muitos quadros, o brincar fica implícito em outros quadros
de forma menos evidente que nesses dois, e deveria prevalecer ainda mais por, além de
ato intrínseco ao ser criança, é no brincar que a criança se desenvolve e se reconhece como
ser humano, social e histórico. Além do fato que o direito de brincar lhe é concedido via
Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegura em Art. 16. Parágrafo IV.: “brincar,
praticar esportes e divertir-se”.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa nova sociedade cabe ao programa educativo apresentar às crianças um projeto
que envolva temáticas candentes como a diversidade, que a auxiliem a compreender e
respeitar o diferente, diminuindo os preconceitos e os discursos de ódio intrinsecamente
enraizados na população.
Valorizar a cultura regional, defender a tolerância, apresentar distintas formas de
cultura, trazer a aceitação do outro se torna mais importante que ensinar as palavras
ou a contar. E podemos perceber um pouco dessa preocupação ao analisar o programa
na versão atual.
4. REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC, SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil /Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2010.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Português em imagens: uma proposta de
releitura das metarregras de coerência textual de
Charolles, articulando celulares e Facebook
Portuguese in images: a proposal of a new reading
of Charolles’s textual coherence meta-rules by
articulating cell phones and the Facebook
C l áu di a P r esser Sepé 1
Resumo: O artigo tratará de uma releitura das metarregras de Charolles (1978),
trabalhadas visando à qualificação da análise e produção de textos escritos na
cadeira de Português para Comunicação I, da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, mediante o uso de celulares e do Facebook, cujo objetivo foi desnaturalizar o entendimento daquelas regras como exclusivas da expressão escrita, além
de tornar o conteúdo mais digerível para os estudantes. Os alunos, em grupos
e portando seus celulares, deviam capturar imagens, no campus da Unisinos,
que representassem uma ou mais metarregras propostas por Charolles, a saber:
Não Contradição; Repetição; Progressão e Relação. Os registros poderiam ser
fotos ou vídeos, protagonizados, ou não, pelos alunos. As imagens foram postadas no grupo da disciplina no Facebook, sem a indicação da(s) metarregra(s)
pretendida(s) no registro, para que os colegas de outros grupos pudessem explorá-las e apontar quais delas estariam representadas nas imagens. Os resultados
foram muito interessantes, a começar pela perplexidade dos alunos diante da
tarefa proposta, que os obrigou a rever suas concepções sobre como “deveria
ser uma aula de português” e sobre a noção de “erro”; depois, pelo impacto
positivo, embora ainda embrionário, sobre as produções e análises de textos
desses mesmos sujeitos.
Palavras-chave: Língua Portuguesa. Imagens. Celular. Facebook. Texto
Abstract: This paper is about a new reading of Charolles’s meta-rules (1978)
which aimed at qualifying the analysis and the production of written texts in the
discipline Português para Comunicação I at the Vale do Rio dos Sinos University
through the use of cell phones and of the Facebook. The goal was to denaturalize the understanding of Charolles’s rules as writing rules. In groups and
with cell phones along, the students were supposed to capture images around
the university campus that represented Charolles’s meta-rules, which are: No-Contradiction; Repetition; Progression; and Relationship. The records could be
photos or videos portraying the students or any other image. The images were
posted to the discipline Facebook community without the identification of the
1. Graduada em Letras-Português e Literatura; Mestre em Aquisição da Linguagem (ênfase- Sociolinguística);
Doutora em Comunicação-Mídias e Processos Socioculturais. Professora na Universidade do Vale do Rio
dos Sinos e na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Português em imagens: uma proposta de releitura das metarregras de coerência textual de Charolles, articulando celulares e Facebook
Cláudia Presser Sepé
intended meta-rule(s) by the time they were captured so that classmates from
other groups could explore those images and point out which rules would be
represented in each post. The results were quite interesting. We point out the
perplexity of the students who were driven by the task to reconsider their views
on how “a Portuguese class should be” as well as on the notion of “error”. We
also highlight the positive impact on their written analysis and productions.
Keywords: Portuguese Language. Images. Cell Phone. Facebook. Text
1 INTRODUÇÃO
E
“Tive medo”.
SSA É a resposta que mais ouço de meus alunos, que não são calouros, da cadeira
de Português para Comunicação I, no primeiro dia de aula, quando pergunto para
eles: “Por que não cursaram a disciplina logo que entraram na faculdade?” Até
porque é cadeira pré-requisito para o ingresso nas de Redação Publicitária, de Relações
Públicas e Jornalismo.
Há 14 anos, tempo em que trabalho na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, isso
se repete, e faço uma triste constatação: nesses meus 30 anos de docência, iniciados
no Ensino Fundamental (onde atuo até hoje), poucas mudanças parecem ter ocorrido
nas práticas de sala de aula, no que tange ao ensino de língua materna, que ainda se
ancoram na noção do que é erro (muito mais do que na de acerto), tendo como livroguia gramáticas normativo-prescritivas, repletas de regras que muitas vezes não se
sustentam e nos deixam confusos (sim, inclusive a nós, professores de língua materna).
Se pensarmos que a primeira gramática de língua portuguesa data de 1536 e tinha
como pressuposto trabalhar a arte de falar e escrever corretamente, vemos o quão pouco
o ensino avançou nessa área, em nossas escolas, apesar de tantas contribuições que, por
exemplo, os estudos variacionistas trouxeram dentro da Linguística, e mesmo a criação
de gramáticas como a de Maria Helena de Moura Neves, denominada Gramática de
Usos do Português, que
tem como objetivo prover uma descrição do uso efetivo dos itens da língua, compondo
uma gramática referencial do português [...] Dois são os pontos que a orientação teórica
adotada tem como básicos para que se contemple a língua em uso: 1º) a unidade maior de
funcionamento é o texto; 2º) os itens são multifuncionais. Nessa consideração de que a real
unidade em função é o texto, o que está colocado em exame é a construção de seu sentido,
numa teia que é mais que mera soma das partes. [...] (NEVES, 2000, p.14-15)
Assim, se considerarmos a forma como a língua portuguesa parece estar sendo
ensinada na escola, uma língua quase estrangeira para os alunos, tamanha a distância
que a separa da que usamos cotidianamente, pouco evoluímos. Não quero dizer com
essas considerações iniciais que não devemos ensinar o português padrão, variedade que
será exigida profissionalmente dos alunos, dentro e fora da faculdade, quando tiverem
seus textos publicados em diferentes veículos de mídia. O que quero defender é que
podemos fazê-lo sem ignorar as diferentes manifestações que nossa língua pode assumir
discursivamente, posto que as situações de comunicação nem sempre são iguais. Há
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Português em imagens: uma proposta de releitura das metarregras de coerência textual de Charolles, articulando celulares e Facebook
Cláudia Presser Sepé
quanto tempo já se diz que a língua é como uma roupa: cada ocasião determina o código
de vestimenta a ser utilizado. E isso também será exigido dos alunos de Comunicação,
uma vez que cada veículo é pautado por uma dada linha editorial, a fim de atingir
determinado público (sim, pois o público leitor, por mais óbvio que seja dizer isso,
não é uniforme e não consome os mesmos veículos: os leitores têm idades, vivências,
interesses diferentes); dessa forma, a linguagem escrita e os recursos visuais também
não o poderão ser. É o que Maria da Graça Costa Val (1991, p. 4-5) denomina aspecto
pragmático implicado na produção e recepção dos textos. De acordo com a autora,
esse aspecto “tem a ver com seu funcionamento enquanto atuação informacional e
comunicativa”. Isso implica, ainda de acordo com a mesma autora, pensar no “contexto
sociocultural em que se insere o discurso”.
Na esteira desse raciocínio, pensar no ensino de língua portuguesa e na produção
de textos implicaria ir muito além dos aspectos puramente formais (aqui incluídos os
gramaticais).
E essa vem sendo minha convicção, desde há muito tempo, reforçada por minha
pesquisa de mestrado2, na área da Linguística, e confirmada por ocasião de meu
curso de doutorado na área de Comunicação. Esse deslocamento de área, e isso só pude
perceber um pouco mais tarde, se deveu, muito provavelmente, a uma intuição de que só
os referenciais de minha filiação original de estudos já não davam mais conta do que eu
via (e vejo) acontecer tanto na escola como no meio acadêmico: a forma como ensinamos
e o que ensinamos nas aulas de língua portuguesa não encontra eco em nossos alunos;
consequentemente, eles atravessam uma vida escolar inteira, e quiçá acadêmica, sem
aprender aquilo que os professores e a sociedade letrada esperam que aprendam. Afinal,
que português é esse que a maioria diz que não sabe, que não entende, mas que usa
cotidianamente? E mais: como as instituições de ensino e os professores de língua
materna têm lidado com o aluno de hoje, cujas interações diárias são atravessadas/
mediadas pelas novas TIC, notadamente os dispositivos móveis e as redes sociais?
Tal quadro se agudiza ainda mais nas escolas de periferia (realidade que conheço
muito bem como docente), onde existem os famigerados laboratórios de informática
que pouco são utilizados, porque os equipamentos não funcionam ou, quando o são,
dificilmente servem de suporte a algum trabalho planejado. Neste último caso, as causas
são diversas: os professores planejam, mas, na hora de usá-los, alguma turma, cujo
professor faltou, é deslocada emergencialmente para lá; não há conexão com a internet;
os docentes não sabem usar a tecnologia disponível ou desistiram, por conta de todas
essas variáveis. Enquanto isso, os alunos, em sua esmagadora maioria, andam colados
aos seus celulares, apesar de todas as proibições (inócuas) de que o façam dentro da
escola. Ora, se os laboratórios não funcionam, por que não usar os celulares? Por que
não mostrar aos alunos como é possível que esses aparelhos nos ajudem a aprender e
ensinar-lhes a responsabilidade que devemos ter nesse uso (sim, porque as proibições
só os incitam a usar cada vez mais os celulares, de forma equivocada, às vezes pelo
simples prazer de burlar as regras).
2. Em minha pesquisa de mestrado, empreendi um estudo de Atitudes Linguística­­s, cujo objetivo foi
elicitar como os professores de Língua Portuguesa em escolas da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre
avaliavam o português falado pelos alunos.
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Português em imagens: uma proposta de releitura das metarregras de coerência textual de Charolles, articulando celulares e Facebook
Cláudia Presser Sepé
Observando essa realidade dentro da escola, comecei a perceber o grande potencial dos celulares para o ensino, de modo geral, mas principalmente, para o de língua
portuguesa. Só que eu tinha dois problemas para resolver: o primeiro era (e ainda é) a
impossibilidade de desenvolver um projeto que envolvesse essa tecnologia dentro da
escola, devido à proibição institucional; o segundo e o mais decisivo: eu não sabia como
fazer. Decidi, então, procurar referenciais sobre o assunto, dos quais apresentarei um
pequeno recorte, a seguir.
2 POR QUE TRABALHAR COM CELULARES ?
Sem dúvida, o principal motivo é que o celular é parte integrante da vida do aluno
(como é da dos professores), tanto dentro quanto fora da escola. E a tendência, como muitos
especialistas apontam, é que esse dispositivo acabe substituindo os PCs, especialmente
se considerarmos a disseminação do uso de smartphones, verdadeiros computadores
portáteis multifuncionais, que apresentam recursos muito além do mais elementar: fazer
discagens para interlocução. Aliás, é muito comum observarmos os alunos, sejam de
escola ou de universidade, usando os celulares frequentemente para ouvirem música e
fotografar, seguido do compartilhamento de arquivos nas redes sociais.
De acordo com Saccol et al. (2011, p. 11-12), quando pensamos num contexto de
aprendizagem do tipo m-learning3, existe uma gama de possibilidades de trabalho,
associada a “diferentes tecnologias que podem ser utilizadas de forma integrada” tal
como podemos ver a seguir, na transcrição, na íntegra, do que os autores propõem:
• Captura de informações: webcam, máquina fotográfica digital, gravador de áudio, vídeo, microfone, entre outros, que permitem ao sujeito capturar informações em situação de mobilidade.
• Busca e armazenamento de informações: repositórios de arquivos, bibliotecas de links,
de figuras, de imagens, de sons, de referências e textos, de objetos de aprendizagem4, de
teleconferências, os quais são facilitados pela mobilidade.
• Compartilhamento de conhecimentos, ideias e experiências (possibilidades que exigem
um nível maior de interação): fóruns, chats, listas de discussão, videoconferências, diários
de bordo problematizados, que podem estar presentes, por exemplo, em um Ambiente Virtual de Aprendizagem Móvel (AVAM) acessado a qualquer tempo e espaço pelos sujeitos
em processo de m-learning.
• Construção colaborativa e cooperativa: possibilidades que exigem elevado nível de interação, como por exemplo, softwares para apoiar o desenvolvimento de projetos, a resolução
de casos, desafios, problemas, comunidades virtuais de aprendizagem e de prática, as quais
também podem estar integradas num AVAM [...].
Como uma aprendizagem desse tipo demanda um sujeito autônomo, pois terá
de dar conta dos desafios propostos, criar soluções a partir de resoluções próprias,
mesmo que trabalhando em grupo, o paradigma educacional, segundo os autores, ainda
predominantemente centrado no ensino, desloca-se para outro, calcado na ação do sujeito.
3. M-learning ou mobiles learning, conforme Saccol et al., é a aprendizagem apoiada no uso das TIC “móveis
e sem fio”.
4. Aqui, os autores fazem menção a outro autor (WILEY, 2000: 23), segundo o qual “um objeto de aprendizagem
(AO) é qualquer recurso digital que possa ser reutilizado e ajude na aprendizagem [...]”
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Ainda de acordo com Saccol et al. (2011, p. 14), o aprendizado calcado nas tecnologias
móveis se dá de forma mais plástica, visto que o conhecimento se constrói em uso. Eu
acrescentaria que essa plasticidade também se evidencia na aprendizagem dos alunos,
uma vez que se construirá em qualquer tempo e espaço e que o próprio estudante irá
gerenciar essas variáveis na resolução das tarefas propostas.
Claro está que, quando falam em tecnologias móveis, os autores não se referem
apenas ao celular (tablets, câmeras fotográficas, por exemplo, também o são); no entanto,
o dispositivo-foco de meu interesse são os celulares, pelo que já justifiquei inicialmente,
o que é endossado por outros autores como Kolb (2008), que diz haver uma desconexão
digital entre como estudantes usam a tecnologia em sua comunicação diária e na sala
de aula. Fora da escola, continua a autora, os estudantes se comunicam por meio de
uma variedade de dispositivos digitais, tais como telefones celulares, computadores,
iPods, apenas para nomear alguns. Desses, afirma Kolb, os telefones celulares são os
equipamentos mais comuns e acessíveis e estão se tornando (já se tornaram) uma parte
integrante da vida social dos estudantes. Telefones celulares, prossegue a autora, não são
apenas brinquedos; antes, são ferramentas essenciais que os estudantes usam para se
comunicar com o mundo que os cerca. No entanto, dentro da escola, a aprendizagem é
isolada da cultura tecnológica diária dos alunos, porque eles usam hardware e software
desenvolvidos especificamente para fins educacionais (em nossas escolas, considerando
o costumeiro sucateamento e muitas vezes uso inadequado dos laboratórios, inclusive
isso raramente acontece).
Prosseguindo, Kolb diz que muitos educadores acreditam ferrenhamente que os
telefones celulares são ferramentas inapropriadas à sala de aula; alguns defendem que
os celulares distraem e causam prejuízo nesse ambiente. Despende-se muito tempo e
energia desenvolvendo-se políticas e procedimentos para manter os celulares fora da
sala de aula. De fato, segundo a autora, e eu também concordo, o celular pode causar
alguns prejuízos na sala de aula, mas é papel do professor orientar sobre esse uso. No
século XXI, parte do trabalho de um educador, afirma Kolb, é ajudar os estudantes a
navegarem de forma segura num mundo repleto de tecnologia e informação.
Assim, defende a autora, ao invés de gastar tempo, energia e dinheiro criando
políticas para combater o uso dos telefones celulares nas escolas, educadores poderiam
despender seu tempo encontrando formas úteis de integrar esses equipamentos como
construção de conhecimento, coleta de dados e ferramentas de comunicação colaborativa
para ajudar os estudantes a se tornarem mais competitivos no mundo digital5.
Seguindo linha semelhante de raciocínio, Adelina Moura (2009, p. 1-5) explica que
a alegação costumeira dos professores contra o uso dos celulares em sala de aula, além
das leis existentes que proíbem o seu uso no ambiente escolar, é que esses dispositivos
provocam distração nos alunos (como se antes dos celulares as distrações não existissem).
No entanto, destaca a mesma autora, os celulares há anos já ultrapassaram, em número,
os computadores pessoais, e cada vez os usuários são mais jovens. Por conta disso, Moura
explica que muitos governos e escolas passaram a utilizar os dispositivos móveis em
5. Toda essa parte (os três parágrafos desta página) traduzida de Kolb (2008), do e-book Toys and tools:
connecting student cell phones to education.
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atividades de ensino-aprendizagem, tal como o caso da África, onde o Conselho Nacional
Nigeriano decidiu, diante do baixo rendimento escolar de crianças do ensino básico com
problemas socioeconômicos de toda ordem e para quem as fórmulas tradicionais do
ensino a distância já não funcionavam, inserir o uso das tecnologias móveis nos planos
de ensino. De acordo com a mesma autora, resultados preliminares dessas iniciativas
mostram “maior alfabetização das povoações abrangidas”.
Ora, seria possível listar uma gama enorme de iniciativas como essa, inclusive lideradas pela professora Adelina Moura, em Portugal, onde atua. E como eu não disporia
de páginas suficientes para isso, creio ser o bastante dizer que não existem fórmulas
prontas, a não ser, a partir das práticas já construídas, e de uma observação atenta
ao comportamento dos alunos ao usarem os dispositivos móveis, propor outras. Isso
implica, acima de tudo, desterritorializar-se (e nisso vejo um dos maiores problemas
na introdução das novas TIC na sala de aula): se o modus operandi de muitos docentes
ainda é analógico, como passará a ser digital?
Não vejo outro caminho a não ser experimentando. No caso particular deste artigo,
o que fiz foi, primeiramente, escolher um conteúdo específico da disciplina de Português
para Comunicação I6, com o qual gosto muito de trabalhar e que me parece um tanto
árido para os alunos, visto que a maioria deles é recém-ingressante no curso: trata-se
das Metarregras de Coerência, propostas por Charolles.
3 A COERÊNCIA EM IMAGENS: EM FOCO, O CELULAR E O FACEBOOK
Nos anos de 1970, o linguista francês Michel Charolles decidiu explicitar as regras
que estariam subjacentes à correção de redações feitas por alunos de Ensino Fundamental
na França. Em outras palavras, buscou explicitar os critérios que pautariam a correção
e avaliação dos textos pelos professores, quando faziam observações do tipo “vago” ou
“?”, escritas ao lado de trechos sublinhados ou circulados.
Analisando, então, diversas redações, (CHAROLLES, 1978 apud Val, 1991), com base
em elementos recorrentes nas correções dos professores, categorizou essas ocorrências
no que ele designou como Metarregras de Coerência7, a saber:
• Metarregra da repetição: “Para que um texto seja coerente [...], é preciso que contenha, no seu desenvolvimento linear, elementos de recorrência estrita” (elementos
de retomada, como pronomes anafóricos, e advérbios. Ex: Magda foi ao cinema.
Lá, ela encontrou uma amiga.);
• Metarregra da progressão: “Para que um texto seja coerente [...] é preciso que haja,
no seu desenvolvimento, uma contribuição semântica constantemente renovada”;
ou seja, a partir do que já foi dito, deve-se apresentar informações novas;
• Metarregra da não contradição: “Para que um texto seja coerente, é preciso que,
no seu desenvolvimento, não se introduza nenhum elemento semântico que
contradiga um conteúdo posto ou pressuposto por uma ocorrência anterior [...]”;
6. O experimento foi realizado nas minhas turmas da faculdade de Comunicação e Jornalismo, na Unisinos,
mas a ideia original fora concebida para ser aplicada na escola onde atuo – infelizmente houve uma série
de contratempos que inviabilizaram a realização do trabalho.
7. As metarregras apresentadas foram retiradas de VAL, Maria da Graça Costa (1991), que toma como
suporte o artigo de Michel Charolles (1978), intitulado Introduction aux problèmes de la coherence des textes.
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• Metarregra da relação: Os fatos devem manter entre si uma relação lógica, para
que o texto seja coerente.
Uma vez discutidas as metarregras com meus alunos, pedi que, usando seus
celulares, fossem, em grupos, capturar imagens, ou fizessem vídeos no campus da
Unisinos, que representassem uma ou mais metarregras, aplicadas ou não– sugeri,
também, que eles poderiam estar incluídos como elementos das imagens. Uma vez feitos
os registros, cada grupo deveria postar o resultado no Facebook criado previamente
para a disciplina, a fim de que identificassem as metarregras.
É preciso destacar que minha proposta de usar essa rede social se deveu ao fato de
perceber o quanto meus alunos a acessavam, mesmo durante as aulas, e também ancorada
nas reflexões de outros autores, como Cerdàs e Planas (2011, p.41), segundo os quais,
o Facebook é uma plataforma que, muito embora não tenha sido criada para atender
a fins educacionais, em se tratando de usuários mais jovens, torna-se uma poderosa
ferramenta, visto que estão acostumados a compartilhar conteúdo e a comunicar-se
usando as novas tecnologias; por isso sentem-se motivados a aprender num ambiente
em que são protagonistas habitualmente. Além disso, continuam os mesmos autores,
essa rede social se ancora numa plataforma que estimula a criatividade, incrementa a
dimensão espontânea e lúdica da aprendizagem, num processo colaborativo e flexível,
visto que permite tanto a comunicação síncrona quanto assíncrona8.
Isso posto, voltando à atividade proposta, os alunos demonstraram uma certa
perplexidade diante do que deveriam fazer e me questionaram sobre como dariam
conta do que eu havia pedido – não estavam entendendo, afinal de contas, em que
consistia a proposta. Cheguei a ouvir de alguns: – É aula de português ou de fotografia?
Em momento algum, durante o planejamento dessa proposta, imaginei que os
alunos teriam essa reação: afinal, o que eu estava propondo era uma atividade que me
parecia desafiadora, diferente do script de uma aula tradicional de português e que,
portanto, os alunos da faculdade de Comunicação adorariam executá-la. A atitude deles,
num primeiro momento, me deixou um tanto impactada, mas não recuei: expliquei-lhes
que deveriam entendê-la como um desafio e que, no momento da análise das fotos e/ou
vídeos, tudo faria sentido (pelo menos era o que eu esperava que acontecesse).
Um outro problema que enfrentei, embora não significativo, considerando o tamanho
da turma, foi que alguns alunos não tinham Facebook e nem tencionavam criar uma
conta9. Então negociei com esses sujeitos que eu enviaria as fotos por e-mail para que
eles fizessem a análise por esse meio.
Depois que consegui acalmar os grupos, os alunos saíram da sala de aula e foram
fazer os registros. Uma vez de volta, nessa altura já estavam com outro ânimo, fizeram
as postagens no Face da disciplina, usando os próprios celulares, sem identificar as
metarregras que imaginavam se aplicar às fotos/vídeos, conforme combinamos
previamente. Em seguida, pedi a eles que, ao longo da semana, até a aula seguinte (temos
8. Traduzido de CERDÀ & PLANAS, 2011, Posibilidades de la plataforma Facebook para el aprendizaje colaborativo
em línea
9. Tal situação encontra eco em MIRANDA, Lobato (2007, p. 46), num artigo que julgo muito interessante
(Limites e possibilidades das TIC na educação), quando diz que “[…] nem todos os estudantes gostam e aprendem
nesses ambientes”.
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aulas uma vez por semana), fossem examinando as fotos dos colegas e postando suas
hipóteses acerca das metarregras relacionadas às imagens, tais como as que podemos
observar nas figuras 1 e 2, a seguir.
Figura 1. Registro fotográfico de uma sala da Unisinos onde se vê um balcão repleto
de objetos e um cartaz solicitando que não se coloque nada sobre ele.
Fonte: A autora, 2013
Figura 2. Registro fotográfico de uma lanchonete da Unisinos, onde se vê a imagem
de uma aluna com aspecto abatido (triste) e, ao fundo, a palavra happy.
Fonte: A autora, 2012
No caso das figuras acima, a metarregra identificada foi a de Não Contradição:
na Figura 1, o balcão repleto de materiais se antagoniza com o bilhete solicitando que
deixassem o móvel sem nenhum objeto sobre ele, visto que seria utilizado; na Figura
2, a palavra happy, ao fundo, se contrapõe ao estado emocional da aluna, que aparenta
estar triste.
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À medida que a análise das fotos ia sendo aprofundada pelos alunos (com a minha
participação nas discussões), eles começaram a perceber como as metarregras de
Charolles podiam ser interpretadas, para além do texto escrito, nas imagens/situações
fotografadas por eles; e mais: que, muitas vezes, a leitura dessas imagens não era sempre
igual para cada receptor. Assim, por exemplo, uma imagem que, para um aluno, poderia
representar Contradição, para outro (e mesmo para mim) poderia ser outra, tal como
mostra a Figura 3.
Figura 3. Registro fotográfico de uma moldura com cinco retângulos, sendo quatro na cor rosa,
e um, na verde. Ao lado, vê-se a discussão em torno de qual seria a metarregra em jogo.
Fonte: A autora, 2014
Para provocar a discussão sobre a Figura 3, perguntei à turma qual seria a
metarregra cotejada pela foto: Contradição ou Relação? A autora da foto me responde
que é Contradição, pois como “o texto10 é todo rosa, não cabe um argumento verde”.
Nesse caso, o quesito cor foi decisivo. Então repliquei, dizendo que a metarregra de
Relação também poderia ser aplicada com base no mesmo quesito e também no da forma.
O aprofundamento na análise das fotos igualmente permitiu que fôssemos
refinando a noção de Competência Enciclopédica de Maingueneau (2001, p. 42), sempre
evocada em minhas aulas. De acordo com o autor, essa competência é que nos permite
saber para que serve uma sala de espera, ou quem foi Conde Drácula, por exemplo.
E mais:
10. Observe-se que a aluna se refere ao objeto representado na foto como texto, o que pode ser evidência
de como sua percepção sobre o que podemos considerar texto escape das concepções mais convencionais,
que o circunscrevem ao impresso escrito, talvez resultado do tensionamento de trabalhar as metarregras
de coerência da forma como propus.
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[...] Esse conjunto virtualmente ilimitado de conhecimentos, o saber enciclopédico, varia
evidentemente em função da sociedade em que se vive e da experiência de cada um. Ele se
enriquece ao longo da atividade verbal, uma vez que tudo o que se aprende em seu curso
fica armazenado no estoque de conhecimentos e se torna um ponto de apoio para a produção
e compreensão de enunciados posteriores.
Relacionando dessa forma o conceito de Competência Enciclopédica com a análise
das imagens feitas pelos alunos, conseguimos qualificar a discussão sobre os aspectos a
serem levados em conta na análise e produção de textos, verbais ou não, para além dos
aspectos formais e de sentido (coesão e coerência), trazendo para o centro da reflexão a
importância de se equacionar os diferentes repertórios de cada produtor e receptor de
textos; em outras palavras, quem produz um texto deve ter em mente o público-alvo
a quem esse mesmo texto se destinará e, em função disso, que estratégias linguísticodiscursivas deverá adotar para modular os seus saberes aos dos seus leitores. Assim, os
aspectos gramaticais, tão temidos pelos alunos, ganham um novo sentido (eu arriscaria
dizer que passam a fazer sentido) e o trabalho na disciplina de Português torna-se mais
prazeroso.
Esse trabalho, iniciado em 2012, ainda está em expansão: agora, além do registro
fotográfico (neste momento, selfies) para exploração das metarregras, proponho aos alunos
criarem textos a partir das imagens, com o estabelecimento de um veículo (jornal, revista)
e, por extensão, de um grupo definido de leitores, a fim de que o polo de recepção (ainda
que muitas vezes fictício), descentre-se da figura do professor.
CONCLUSÃO
Neste artigo, procurei mostrar como é possível desenvolver um trabalho que alie
os dispositivos móveis e as redes sociais a um conteúdo específico da disciplina de
Língua Portuguesa, de forma aplicada, relacionando elementos verbais e não verbais,
intra e extratextuais.
Os resultados, desde o início da proposta da atividade aos alunos, revelaram o
quanto o ensino de língua materna ainda tem de avançar, não só no que tange às práticas pedagógicas, mas aos preconceitos que o cercam, muitas vezes propagados tanto
por alguns docentes e instituições quanto por alunos, eles próprios engessados em suas
(talvez da tradição escolar) concepções acerca daquilo que devem e como devem aprender
(a recusa inicial de alguns ao trabalho proposto foi prova disso). Não é minha intenção,
com esse comentário, diminuir o trabalho que é feito nas escolas e universidades e, por
extensão, dos professores, pois também sou um deles, vivendo diariamente todos os
dramas que nossa categoria experimenta dia a dia e já bem conhecidos de todos.
No entanto, isso não nos exime de nossa responsabilidade em repensar permanentemente nosso fazer pedagógico, especialmente nos dias atuais, em que as tecnologias
móveis, mais especificamente os celulares, converteram-se numa quase prótese de seus
usuários, que os utilizam praticamente em todos os momentos do dia. Isso acontece com
nossos alunos; isso acontece conosco. Então, por que não converter esses dispositivos
em nossos aliados?
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1491
Português em imagens: uma proposta de releitura das metarregras de coerência textual de Charolles, articulando celulares e Facebook
Cláudia Presser Sepé
Não custa reforçar, por outro lado, que a tecnologia pela tecnologia não garante
inovação em nossas práticas nem o envolvimento dos alunos, hoje aparentemente tão
desinteressados pelos estudos. É preciso, antes de mais nada, que os docentes usem a
ferramenta e testem suas potencialidades; que façam um planejamento para sua aplicação
com os alunos; e, acima de tudo, que realmente queiram, desejem repensar seu modo
de trabalhar. É como se diz hoje em dia: “Sair da zona de conforto”.
Evidentemente que a aplicação dos celulares que fiz com meus alunos dependeu
de que tivessem os aparelhos e acesso à internet – muitas vezes a falta de conexão (se
o aluno não dispunha de 3G, dependia da rede da instituição) inviabilizou a postagem
imediata no Facebook; então tivemos de negociar prazos. Da mesma forma, alguns
alunos não dispunham de celular no momento de realizar a tarefa; nesse caso, bastava
que um aluno do grupo tivesse; o importante é que todos participassem do registro
das imagens, colaborando de alguma forma. Assim, ter flexibilidade e tentar antever
esses problemas, via planejamento, são posturas recomendadas em atividades desse
tipo. Além disso, há que se ter consciência de que de nada adianta usar a tecnologia
para fazer mais do mesmo; isto é, propor práticas tradicionais, com uma aparência de
novidade, pois os alunos percebem e, daí, botamos tudo a perder. O ideal seria, como
diz Castells (2007), saber o que se passa na mente de nossas crianças hoje –­ eu diria: o
que se passa na mente do aluno de hoje­­­­– e que o fosso a separar o que acontece fora da
escola e dentro dela (aqui pensada igualmente como o sistema educacional) fosse cada
vez mais estreitado.
É exatamente nisso que vejo nosso maior desafio: muito além de descobrir todas a
funcionalidades dos dispositivos móveis, conseguir explorar suas potencialidades de
maneira realmente inovadora e significativa para os alunos.
Muito embora não creia que o que fiz tenha atingido plenamente essa meta, pois há
muito mais já pesquisado e testado nessa área, pelo mapeamento das reações positivas
de meus alunos no desenrolar da proposta – eles demonstraram ter se divertido muito
(e eu também) – pode ser que, daqui a algum tempo, se práticas como essas passarem
a se disseminar também nas escolas, os alunos ingressantes em nossas universidades
deixem de evitar, por medo, a cadeira de Português.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Português em imagens: uma proposta de releitura das metarregras de coerência textual de Charolles, articulando celulares e Facebook
Cláudia Presser Sepé
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Relações dialógicas no processo de educomunicação:
análise em uma rede social na internet
Dialogical relations in the educommunication process:
analysis in a social network on the Internet
D a n i l o F o n s e c a S i lva 1
Resumo: A reunião e a interação de docentes e discentes em uma rede social na
internet, como parte de um processo educomunicativo, proporcionam relações
dialógicas que contribuem para a livre construção do conhecimento e para a
ressignificação desses sujeitos? A partir desta problemática, este trabalho buscou
investigar e analisar o processo dialógico entre sujeitos que vivenciam o universo
acadêmico em uma rede social na internet, especificamente discentes e docentes
participantes de um grupo virtual no site Facebook, criado com a finalidade de
complementar atividades educativas. Além disso, especificamente, esta produção
acadêmica objetivou investigar e analisar conceitos sobre processo dialógico e
educomunicação em um projeto educativo; verificar e analisar as possíveis
contribuições do Facebook, como rede social na internet, no processo formativo;
observar as manifestações dos sujeitos envolvidos e as possibilidades de construção
crítica e coletiva de conhecimento; e contribuir com o campo de conhecimentos
numa área em que os estudos ainda mostram-se bastante incipientes. As análises
demonstraram ampla efervescência dialógica, tanto nos ambientes virtuais quanto
nos físicos, que viabilizou a construção conjunta do conhecimento, ultrapassando
as fronteiras de tempo e espaço acadêmicos e provocando novos olhares desses
sujeitos para eles mesmos e para a realidade social experimentada.
Palavras-Chave: Diálogo. Educomunicação. Redes Sociais na Internet. Interação.
Facebook.
Abstract: Do teachers and students’ meetings and interaction, in a social network
on the Internet, as part of an educommunicative process, provide dialogical relations that contribute to the free construction of knowledge and reframing of these
subjects? Taking into account this issue, this academic research sought to investigate and analyze the dialogical process between subjects, specially students and
teachers who experience the academic world on a social networking site, taking
part in a Facebook group created to provide supplementary educational activities.
Besides that, this academic research specifically aimed at investigating and analyzing the dialogic process and educommunication concepts in an educational project
context. It also aimed (i) to verify and analyze the possible Facebook contributions
as a social networking site in the formation process, (ii) to observe the involved
subjects manifestations and the possibilities for critical and collective knowledge
1. Mestrando em Tecnologias, Comunicação e Educação na Universidade Federal de Uberlândia. Professor
no curso de Comunicação Social da Faculdade Promove de Belo Horizonte. E-mail: [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Relações dialógicas no processo de educomunicação: análise em uma rede social na internet
Danilo Fonseca Silva
construction; and (iii) contribute to fields of knowledge in an area where studies
still show up to be quite incipient. Analyses showed broad dialogical effervescence,
both in virtual and in physical environments, which enabled the joint construction
of knowledge, beyond the borders of time, space and academic spaces provoking
these subjects’ new perspectives of themselves and of the experienced social reality.
Keywords: Dialogue. Educommunication. Social networking sites. Interaction.
Facebook.
1. INTRODUÇÃO
STE TRABALHO, uma síntese das pesquisas empreendidas no Mestrado em Tecnolo-
E
gias, Comunicação e Educação na Universidade Federal de Uberlândia, investigou
e analisou relações dialógicas ocorridas no decorrer de um processo educomunicativo, especialmente no site e serviço de rede social Facebook, por sujeitos participantes
de um projeto acadêmico. Tal projeto compõe a matriz curricular de duas disciplinas
do primeiro período do curso de graduação em Comunicação Social - Jornalismo da
UFU (Universidade Federal de Uberlândia) e propõe a construção coletiva de trabalhos acadêmicos interdisciplinares, com intervenção social, estimulando, no decorrer
de suas atividades, interações mediadas, entre docentes e discentes, em rede social no
site supracitado.
Tais sujeitos, discentes e docentes das disciplinas, foram observados, de forma
sistemática, nos ambientes real e virtual, a fim de que o processo dialógico e os significados
dados por eles às experiências vividas, conforme suas realidades sociais específicas,
fossem melhor compreendidos. As interações estabelecidas, por meio das atividades
acadêmicas propostas, contribuíram para o melhor entendimento da importância das
relações dialógicas em um processo educomunicativo, que se manifestaram no ambiente
virtual através de grupos criados no site e serviço de rede social Facebook.
Esta pesquisa propõe um olhar, analítico, para as possíveis relações dialógicas
estabelecidas através de redes sociais na internet. Tal perspectiva pretende proporcionar
um melhor entendimento dessa realidade social e sua imbricação com os processos
escolares, para que, posteriormente, as potencialidades das novas mídias digitais na
internet sejam melhor compreendidas e utilizadas como aliadas no processo de educação.
1.1. Problemática de investigação e objetivos
Alguns questionamentos nortearam e estimularam investigações que culminaram
na problemática central deste trabalho: como as redes sociais na internet podem
contribuir para o processo de aprendizado no ambiente educacional? Como os docentes
podem interferir, de maneira construtiva e não-punitiva, no uso e nas manifestações
dos sujeitos através das redes sociais na internet? Os diálogos estabelecidos na internet
são caracterizados por manifestações livres e conscientes?
Diante de tais indagações configurou-se a problemática de pesquisa: A reunião e
a interação de docentes e discentes em uma rede social na internet, como parte de um processo
educomunicativo, proporcionam relações dialógicas que contribuem para a livre construção do
conhecimento e para a ressignificação desses sujeitos?
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Relações dialógicas no processo de educomunicação: análise em uma rede social na internet
Danilo Fonseca Silva
A partir desse questionamento, definiu-se o objetivo principal da pesquisa, que foi
investigar e analisar o processo dialógico entre sujeitos que vivenciam o universo acadêmico em
uma rede social na internet, especificamente discentes e docentes participantes de um grupo2
virtual no site Facebook, criado com a finalidade de complementar atividades educativas.
Em relação aos objetivos específicos, essa investigação pretendeu investigar e analisar
conceitos sobre processo dialógico e educomunicação em um projeto educativo; verificar e
analisar as possíveis contribuições do Facebook, como rede social na internet, no processo
formativo; observar as manifestações dos sujeitos envolvidos e as possibilidades de
construção crítica e coletiva de conhecimento; contribuir com o campo de conhecimentos
numa área em que os estudos ainda mostram-se bastante incipientes.
2. EDUCOMUNICAÇÃO: EDUCAÇÃO EM UM ECOSSISTEMA
COMUNICATIVO CONTEMPORÂNEO
O termo educomunicação, um neologismo pautado pela Unesco (Organização das
Nações Unidas para a Educação), na década de 80, representava o esforço do campo da
educação no que concerne aos efeitos dos meios de comunicação na formação de crianças e jovens. A partir da década de 90, devido a pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo
de Comunicação e Educação da USP, o termo educomunicação foi ressemantizado e,
hoje, abrange as ações que possibilitam a articulação de sujeitos sociais no espaço da
interface comunicação/educação, incorporando o conceito de gestão da comunicação
nos espaços educativos.
A educomunicação possui, em sua essência, pressupostos que visam superar
possíveis limites conceituais entre as áreas da educação e da comunicação, configurandose como a interface entre estes campos. A educação, enquanto ação comunicativa, é
um fenômeno que permeia todas as maneiras de formação de um ser humano e, sob
a mesma ótica, toda ação de comunicação tem, potencialmente, uma ação educativa.
Nesse sentido, a construção de uma comunicação dialógica e participativa no ambiente
escolar, pautada em uma eficaz gestão compartilhada por órgãos governamentais,
administração escolar, docentes, alunos e a comunidade abre oportunas perspectivas
de melhoria motivacional e de fortalecimento dos laços entre alunos e professores ao
longo do processo de aprendizagem.
Como consequência, defendemos a tese segundo a qual uma comunicação essencialmente
dialógica e participativa, no espaço do ecossistema comunicativo escolar, mediada pela gestão compartilhada (professor/aluno/comunidade escolar) dos recursos e processos da informação, contribui essencialmente para a prática educativa, cuja especificidade é o aumento
imediato do grau de motivação por parte dos estudantes, e para o adequado relacionamento
no convívio professor/aluno, maximizando as possibilidades de aprendizagem, de tomada
de consciência e de mobilização para a ação (SOARES, 2011, p. 17).
2. O site Facebook define que os grupos aberto, fechado e secreto “facilitam a conexão com grupos específicos
de pessoas, como familiares, colegas de equipe ou de trabalho. Grupos são espaços privados onde você pode
compartilhar atualizações, fotos ou documentos, além de enviar mensagens a outros membros do grupo.
Você também pode selecionar uma das três opções de privacidade para cada grupo criado”. Disponível
em <https://www.facebook.com/help/groups>. (FACEBOOK, 2015)
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Relações dialógicas no processo de educomunicação: análise em uma rede social na internet
Danilo Fonseca Silva
Quando se aborda a motivação da expressão dos sujeitos envolvidos, há de se destacar a necessidade de engajar a juventude no seu próprio processo educativo e ampliar
as condições para que tal fato se consolide. A criação de um ecossistema favorável por
sujeitos significativos para as novas gerações, como pais, professores e gestores de projetos na área de mídia e educação, estimula os jovens a assumirem responsabilidades
enquanto elementos essenciais na construção de uma comunicação mais intensa e sustentada por informações direcionadas à edificação de uma sociedade mais humanizada.
Ao tratar-se de um ecossistema comunicativo com a participação efetiva da escola
e dos sujeitos significativos, torna-se relevante pontuar a importância dos recursos
tecnológicos da informação como ferramental midiático no contexto da educação e,
também, como suporte para a realização dessa investigação cientifica. Apesar de as novas
ferramentas disponibilizarem muita informação, por diversos canais, o que importa,
na concepção teórica aqui abordada, é a apropriação dessas mensagens e o processo de
dar sentido, de interpretar tais informações, configurando, potencialmente, um cenário
propício ao processo dialógico, construído.
As tecnologias avançadas trouxeram no seu bojo a expressão de um novo tempo – a era da
Informação, modificação de hábitos e comportamentos principais e organizacionais. Isso
exige de planejadores organizadores de quaisquer organizações, inclusive e principalmente das instituições de ensino superior, uma postura mais reflexiva sobre uma adequação
frente à nova realidade e à educação voltada ao mundo globalizado (SCHAUN, 2002, p. 87).
Nesse processo de apropriação e construção coletiva em novos ambientes
comunicacionais é que reside a importância da mediação pedagógica, no que concerne à
orientação, pelos docentes e pela gestão escolar, visando ao aperfeiçoamento educacional
dos discentes e vislumbrando a efetivação de iniciativas e projetos educomunicativos.
É essencial ressaltar que o conceito de educomunicação ultrapassa a mera aplicação
das TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação) no ensino ou a visão míope
de uma simples mescla de educação com a comunicação:
O desenvolvimento tecnológico, mais especificamente o avanço dos meios de comunicação,
desenvolveu um campo novo de convergência de saberes, em que o percurso da educação
para a comunicação, ou da comunicação para a educação, passou a ser um campo que perpassa as diversidades aparentes (SCHAUN, 2002, p. 79).
Educomunicação é um campo de intervenção social, e, como tal, é composta
por muitas variáveis e demanda investigações e discussões acerca de seus processos
constituintes e dos sujeitos deles participantes. Como esclarece Soares (2011, p. 18), “Com
relação às tecnologias, o que importa não é a ferramenta disponibilizada, mas o tipo de
mediação que elas podem oferecer para ampliar os diálogos sociais e educativos”. Tal
reflexão é reforçada por Schaun (2002), quando afirma que:
A supremacia do campo dos media não deve, porém, ser compreendida de maneira absoluta
e total. O saber por ele enunciado carece da credibilidade reconhecida no discurso educacional, na qualidade de autoridade competente e detentora de um saber mais sistematizado
e legitimado do ponto de vista institucional (SCHAUN, 2002, p. 77).
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Relações dialógicas no processo de educomunicação: análise em uma rede social na internet
Danilo Fonseca Silva
O cenário constituído no projeto acadêmico desenvolvido no primeiro período do
curso de Comunicação Social da UFU, permeado por possibilidades dialógicas através
dos dispositivos midiáticos em rede, apresentou-se como campo fértil para a estruturação
metodológica e para a realização desta pesquisa.
3. PERCURSO METODOLÓGICO
Para alcançar os objetivos aqui propostos, foi adotada uma abordagem qualitativa,
com observações em um grupo secreto no site e serviço de rede social Facebook e entrevistas
focais presenciais realizadas mediante diretrizes da netnografia, ou etnografia virtual3,
metodologia selecionada por considerar os processos de sociabilidade, os fenômenos
comunicacionais e a interação dos sujeitos em comunidades virtuais, no universo do
ciberespaço4. Segundo Kozinets (2014),
a netnografia é pesquisa observacional participante baseada em trabalho de campo online.
Ela usa comunicações mediadas por computador como fontes de dados para chegar à compreensão e à representação etnográfica de um fenômeno cultural ou comunal (KOZINETS,
2014, p. 61-62).
Cabe ressaltar que as entrevistas focais presenciais foram o procedimento adotado
após a observação no ambiente virtual porque fez-se necessário investigar os significados
que as experiências educomunicativas, cujos diálogos ocorreram em uma rede social na
internet, tiveram para os sujeitos envolvidos. Como esses sujeitos se enxergavam antes,
como se viram durante e como se significam após o processo investigado? Como tais
vivências, virtuais, presenciais e aplicadas na sociedade, contribuíram para o processo de
aprendizagem desses indivíduos? Tal abordagem possibilitou ampliar a compreensão de
aspectos observados virtualmente e enriquecer o percurso analítico dos dados coletados
no ambiente virtual. Conforme Amaral et al. (2008),
uma etnografia virtual pode observar com detalhe as formas de experimentação do uso de
uma tecnologia, se fortalecendo como método justamente por sua falta de receita, sendo um
artefato e não um método protocolar, é uma metodologia inseparável do contexto onde se
desenvolve, sendo considerada adaptativa (AMARAL et al., 2008, p. 37)
A complexidade das questões observadas e o dinamismo característico do universo
da internet são abordados por Fragoso et al. (2013), ao afirmarem:
Questões complexas e universos heterogêneos e dinâmicos, como a internet, frequentemente
requerem observações em diferentes escalas de análise, bem como desenhos metodológicos
que combinam diferentes estratégias de amostragem. A composição multiescalar e multimetodológica favorece percepções holísticas e viabiliza o cruzamento de informações,
potencializando a validade dos resultados da pesquisa (FRAGOSO et al., 2013, p. 69).
3. A etnografia é uma metodologia de pesquisa oriunda da antropologia e se relaciona com o conceito de
cultura. Etnografia virtual é a metodologia que surge da necessidade de se estudar os fenômenos em redes
digitais e sua inter-relação com o mundo real.
4. Conceito referente à infraestrutura material, informações e relações estabelecidas no meio de comunicação
advindo da interconexão das redes de computação.
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Relações dialógicas no processo de educomunicação: análise em uma rede social na internet
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Definido o percurso metodológico, foi acompanhado um projeto acadêmico proposto
por duas disciplinas do primeiro período do curso de Comunicação Social - Jornalismo da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), no primeiro semestre de 2014, que
já possuem trabalho interdisciplinar na área de estudos desta pesquisa, mediante o
prévio conhecimento e consentimento dos professores e alunos envolvidos, conforme
entendimentos realizados.
A proposta do projeto abarcou uma intervenção social: cada grupo de alunos
elegeu uma comunidade local, na cidade de Uberlândia, conforme a temática definida,
e, segundo os procedimentos estabelecidos, os discentes realizaram conexões, diálogos e
produções midiáticas em conjunto com os sujeitos daquele grupo social selecionado. Tal
intervenção foi realizada em, aproximadamente, um mês, período em que houve uma
imersão social para a interação e o levantamento de dados utilizados para fundamentar
a construção do projeto educomunicativo junto à comunidade.
Educomunicação é essencialmente práxis social, originando um paradigma orientador da
gestão de ações em sociedade. Não pode ser reduzida a um capítulo da didática, confundida
com a mera aplicação das TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação) no ensino.
Nem mesmo ser identificada com algumas das áreas de atuação do próprio campo, como
a “educação para e com a comunicação” (media e educação). Tem lógica própria, daí sua
condição de campo de intervenção social. No caso, a universidade – com suas pesquisas e
sua docência – tem muito a identificar e a desvendar (SOARES, 2011, p. 13-14).
Esse trabalho de graduação estimulou, como um de seus procedimentos, a postagem de conteúdos e interações referentes aos trabalhos desenvolvidos pelos alunos
em grupos secretos criados no site Facebook, visando a reunir informações relevantes
e de interesse geral dos envolvidos. Tal atividade facilitou o compartilhamento de
dados e a troca de ideias no ambiente virtual, proporcionando o acesso a informações além do tempo acadêmico formal, a convergência e o armazenamento de dados.
Paralelamente, os professores envolvidos orientaram os alunos, registrando suas
observações e críticas.
4. RELAÇÕES DIALÓGICAS E AS IMBRICAÇÕES ENTRE
OS MUNDOS VIRTUAL E FÍSICO
Os trabalhos de análise foram pautados, essencialmente, nas observações realizadas
no mundo virtual e amparados pelas entrevistas com os sujeitos discentes e docentes, no
decorrer do segundo semestre de 2014. Foram estruturadas três categorias principais para
nortear a compreensão do fenômeno dialógico estabelecido na rede social na internet,
conforme princípios essenciais estruturantes dos fundamentos teóricos levantados
ao longo da pesquisa e que caracterizam a manifestação, conforme pretende essa
investigação, de relações dialógicas em uma rede social na internet, como parte de um
processo de educomunicação:
- Interação e relação social, código analítico utilizado para verificar o nível de
envolvimento e diálogo estabelecido entre os sujeitos participantes da rede social na
internet, bem como as convergências midiáticas facilitadoras desse processo.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Relações dialógicas no processo de educomunicação: análise em uma rede social na internet
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- Construção coletiva do conhecimento, categoria que reuniu evidências e relatos que
demonstraram situações em que houve aprendizado, tanto pelos alunos quanto pelas
professoras.
- Intervenção e transformação social, eixo que agrega declarações e manifestações acerca
das relações estabelecidas entre os sujeitos participantes do projeto educomunicativo e
representantes do grupo social participante, bem como as mudanças pessoais, referentes
à comunidade acadêmica observada, que essas conexões proporcionaram.
Segundo Kozinets (2014), a Codificação é o primeiro de uma sequência de passos
para análise, organizados sequencialmente, que se caracteriza por
afixar códigos ou categorias para dados retirados de notas de campo, entrevista, documentos, ou, no caso de dados netnográficos, outros materiais culturais, tais como grupos de
discussão ou postagens em blogs, rabiscos em murais no Facebook ou tweets no Twitter,
fotografias, vídeos e assim por diante, retirados de fontes online; durante a codificação,
códigos, classificações, nomes ou rótulos são atribuídos a determinadas unidades de dados;
esses códigos rotulam os dados como pertencentes ou como exemplo de algum fenômeno
mais geral (KOZINETS, 2014, p. 114).
As análises se concentraram em postagens em que foi possível identificar a incidência
de duas ou mais categorias de análise, para que os dados fossem relacionados e, com
isso, pudesse emergir uma compreensão mais abrangente do fenômeno dialógico no
processo educomunicativo.
Essa interpretação se inicia decompondo o texto em seus elementos constituintes, classificando-os, encontrando padrões entre eles que os relacionem, analisando todos os seus
elementos, indagando sobre a motivação por trás deles, testando e comparando com dados
adicionais, e, depois, lendo-os para a cultura que eles representam (KOZINETS, 2014, p. 119).
4.1. Resultados das análises
As relações dialógicas observadas no grupo secreto no site Facebook, bem como as
experiências presenciais complementares vivenciadas durante o processo educomunicativo observado, permitem considerações temporárias e se constituem como um
pequeno percurso trilhado de novas perspectivas investigativas. Denominar o âmago
desta pesquisa como concluído é limitar as potencialidades que um processo vivo,
inacabado e imbricado ao tecido social pode oferecer.
Responder à problemática principal, a reunião e a interação de docentes e discentes em
uma rede social na internet, como parte de um processo educomunicativo, proporcionam relações
dialógicas que contribuem para a livre construção do conhecimento e para a ressignificação desses
sujeitos?, demandou a compreensão de que a reunião virtual de alunos e professores
compõe todo um complexo contexto educomunicativo. Como parte de uma grande
manifestação cultural, os eventos virtuais compuseram e fortaleceram uma dinâmica
social que clamou, nas investigações, a transposição dos limites de uma míope observação
direcionada, limitada às redes sociais na internet. Daí a necessidade dos procedimentos
metodológicos presenciais. O que se pode afirmar, mediante as observações e análises
empreendidas, é que, na situação vivenciada e com os sujeitos observados, realizaram-se
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Relações dialógicas no processo de educomunicação: análise em uma rede social na internet
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diálogos livres, construiu-se, coletivamente, o conhecimento e os indivíduos relataram
transformações pessoais significativas.
Na perspectiva dos objetivos traçados, cujo principal foi investigar e analisar o processo
dialógico entre sujeitos que vivenciam o universo acadêmico em uma rede social na internet,
especificamente discentes e docentes participantes de um grupo virtual no site Facebook, criado com
a finalidade de complementar atividades escolares, ressalta-se que tal empreitada realizou-se a
partir da inserção do pesquisador no grupo virtual e ultrapassou os limites planejados.
No decorrer do processo, emergiu, como parte do procedimento netnográfico adotado,
a necessidade de uma convivência presencial com o grupo de professoras e alunos
envolvidos, a fim de que dados complementares e interações face a face enriquecessem
o percurso metodológico e as análises empreendidas. Como afirmam Amaral et al. (2008,
p. 36) a netnografia, apesar de suas vantagens, “perde em termos de gestual e de contato
presencial off-line que podem revelar nuances obnubiladas pelo texto escrito, emoticons,
etc”. Neste contexto, percebeu-se, naturalmente, ao longo do processo, a necessidade do
estar junto como procedimento adicional no estudo dos diálogos e dos sujeitos docentes
e discentes envolvidos no percurso educomunicativo vivenciado.
Ao ocorrer o aprofundamento do pesquisador como sujeito participante do processo
e verificar-se, com mais embasamento, os objetivos específicos pretendidos, abaixo
reproduzidos, foi possível:
- Investigar e analisar conceitos sobre processo dialógico e educomunicação em um projeto
educativo. Para tanto, foram pesquisadas produções acadêmicas recentes e diretamente
relacionadas às temáticas de educomunicação e da interação em redes sociais na internet,
que se mostraram transdisciplinares e com grande conteúdo complementar. No âmbito
transdisciplinar da prática educativa, segundo afirma Soares (2011), autor de grande
relevância nesta pesquisa, a educomunicação já pressupõe tal interlocução ao propor
que os educandos se apoderem das linguagens midiáticas, ao fazer uso coletivo e solidário dos
recursos da comunicação tanto para aprofundar seus conhecimentos quanto para desenhar
estratégias de transformação das condições de vida à sua volta, mediante projetos educomunicativos legitimados por criatividade e coerência epistemológica (SOARES, 2011, p. 19).
- Verificar e analisar as possíveis contribuições do Facebook, como rede social na internet, no
processo formativo. O Facebook constituiu-se como principal canal de interação dialógica
e construção das etapas envolvidas no processo educomunicativo, revelando-se como
um espaço com múltiplas possibilidades convergentes, que facilitou a realização das
tarefas ao possibilitar a reunião de dados textuais e audiovisuais, filtrados e utilizados
por intermédio de livres conversações. Ressalta-se que o vínculo social anterior dos
sujeitos participantes acrescido à liberdade dialógica proporcionada pelo suporte
midiático alavancaram o desenvolvimento do processo em um tempo que extravasou
os limites temporais da sala de aula, viabilizando a conclusão do projeto, de considerável
complexidade para ser debatido, planejado, executado e apresentado em apenas um
mês, entre julho e agosto de 2014. Tal fato demonstrou o quão útil pode se tonar um
grupo interativo no Facebook, ao suplantar os limites temporais e espaciais institucionais
acadêmicos.
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Relações dialógicas no processo de educomunicação: análise em uma rede social na internet
Danilo Fonseca Silva
- Observar as manifestações dos sujeitos envolvidos e as possibilidades de construção
crítica e coletiva de conhecimento. Esse objetivo, especificamente, demandou, além das
observações e análises empreendidas no ambiente virtual, a participação presencial do
pesquisador, em decorrência de outro grande questionamento resultante de um fato
especial: havia um grupo virtual geral no Facebook, de todos os alunos e professoras,
mas cada conjunto de alunos criou e interagiu em outros grupos virtuais próprios, sem
incluir as docentes. Como, então, o grupo apenas de alunos no Facebook pôde caracterizarse como ambiente para a construção coletiva do conhecimento se as professoras não
participaram, virtualmente? Como verificado, através de entrevistas presenciais, os
alunos consideraram o espaço no grupo no Facebook como um espaço deles, reservado,
livre às suas manifestações. Longe de não possuírem um bom relacionamento com as
professoras e os demais alunos, o que os membros do grupo selecionado e pesquisado
desejavam era o princípio de uma relação dialógica saudável e produtiva: a liberdade,
assim como dizia o grande mestre e inspirador desta investigação, Freire (2011, p. 58):
“O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um
favor que podemos ou não conceder uns aos outros”. Ao permitir a autonomia de as
discussões serem realizadas em um grupo específico, e não no grupo geral, criado para
todos os membros da turma, as professoras proporcionaram um diálogo livre entre os
alunos e foram procuradas, naturalmente, quando fez-se necessário.
Nesse contexto, resolvia-se um outro dilema: a ausência das professoras significou que
não houve uma construção conjunta do conhecimento? Tal questionamento apresentou
resposta negativa quando foi possível verificar, presencialmente, que as professoras eram
consultadas em sala de aula sempre que os membros do debate virtual, realizado apenas
entre os alunos, revelassem pertinente. A opção do grupo foi conversar livremente,
esgotar as alternativas processuais para depois dialogar com as professoras. As relações
dialógicas entre professoras e alunos ocorriam, então, no ambiente da instituição de
ensino e, eventualmente, por e-mail. Tal ocorrência demonstrou, conforme analisado, que
os ambientes físico e virtual se imbricam, complementando-se segundo as necessidades
e especificidades de cada um.
- Contribuir com o campo de conhecimentos numa área em que os estudos ainda mostram-se
bastante incipientes. Nas pesquisas em bancos de teses e dissertações empreendidas em
diversas fases desta pesquisa, assim como durante o levantamento bibliográfico realizado,
foram encontrados subsídios fundamentais para esta construção científica. No entanto,
não foi possível constatar nenhum trabalho acadêmico cujo objetivo fosse a investigação
das relações dialógicas, em um processo educomunicativo, como aqui realizada. Os
trabalhos verificados tinham cunho investigativo mais estrutural, concernente à
constituição das redes virtuais, bem como suas possibilidades e limitações. Espera-se,
assim como observado em diversas obras bibliográficas e artigos acadêmicos, que os
estudos sobre as interações na internet ganhem, aqui, mais um reforço científico. Este
empreendimento acadêmico pode tornar-se útil e revelador ao contemplar questões que
perpassam as áreas de educomunicação e tecnologia, espinha dorsal interdisciplinar que
orienta as linhas investigativas do mestrado em Tecnologias, Comunicação e Educação
da Universidade Federal de Uberlândia.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1502
Relações dialógicas no processo de educomunicação: análise em uma rede social na internet
Danilo Fonseca Silva
5. UMA PAUSA PARA FUTURAS INVESTIGAÇÕES
Considera-se que este trabalho teve uma pausa ao se verificar que sua conclusão
é temporária. Como processo, a educomunicação intervém, como prática social, e
ressignifica os sujeitos. Deste percurso acadêmico, outra constatação alude, então, aos
sujeitos. Eles se transformaram. Conceitos, preconceitos e preceitos foram revisitados e
professores e alunos manifestaram, com ênfase emocional, sua satisfação em percorrer
os caminhos da educomunicação. As relações dialógicas, presenciais ou virtuais,
subsidiaram a edificação de conhecimentos e, consequentemente, dos sujeitos que, ao
conhecerem e se conhecerem melhor, questionaram paradigmas e se repensaram.
Percebeu-se, em meio ao processo educomunicativo verificado, que a dialogicidade
permeou as relações estabelecidas em todos os estágios do trabalho: em sala de aula, nos
grupos no Facebook, nas reuniões entre alunos e professores e nas entrevistas realizadas.
Muito além de uma mera interação reativa, os diálogos são o coração de uma viva
construção coletiva do conhecimento. Tal analogia justifica-se por se ter verificado um
elevado nível de alegria, intimidade e empatia entre os sujeitos, bem como um grande
respeito entre os professores e os alunos. Esses elementos, reunidos em um contexto em
que predomina a liberdade, reforçam a capacidade construtiva do amor em um processo
educativo dialógico, reavivando o pensamento de Freire (1987, p. 45): “Não há diálogo,
porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens”.
REFERÊNCIAS
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pesquisa em comunicação digital. Porto Alegre: Revista FAMECOS, n. 20. Recuperado
em 21 de janeiro, 2015, de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/famecos/
article/viewFile/4829/3687.Acessa
FRAGOSO, S.; RECUERO, R.; AMARAL, A. (2013). Métodos de Pesquisa para Internet. Porto
Alegre: Sulina.
FREIRE, P. (2011). Extensão ou comunicação? 15. ed. São Paulo: Paz e Terra.
FREIRE, P. (2011). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São
Paulo: Paz e Terra.
FREIRE, P. (1987). Pedagogia do oprimido. 17. ed. São Paulo: Paz e Terra.
KOZINETS, R. V. (2014). Netnografia: realizando pesquisa etnográfica online. Trad. Daniel
Bueno. Porto Alegre: Penso. Original inglês.
SCHAUN, A. (2002). Educomunicação: reflexões e princípios. Rio de Janeiro: Mauad.
SOARES, I. (2011). Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação: contribuições para
a reforma do ensino médio. 2. ed. São Paulo: Paulinas.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Tevês e rádios universitárias em IFES da região Norte:
reflexões sobre um cenário de escassez e a produção/
difusão de conteúdos educacionais midiatizados
TVs and radios in federal colleges and universities of North
Brazil: thinking about a shortage context and production/
broadcasting of educational content for media
Guac i a r a Fr ei ta s 1
1. NOTA INTRODUTÓRIA
S DADOS apresentados neste artigo decorrem de investigação realizada para o
O
Ministério da Educação (MEC), no segundo semestre de 2014. De abrangência
nacional, a pesquisa Avaliação de estruturas de rádio e televisão nas Instituições Federais de Ensino Superior para produção e difusão de conteúdos educacionais seguiu a metodologia de estudo de caso. A proposta inicial foi a de realizar visitas técnicas, entrevistas
e coleta de documentação. Um grupo, formado por pesquisadores que assumiram a
função de coordenadores regionais, elaborou o instrumento de avaliação abrangendo
informações qualitativas e quantitativas, para serem coletadas in loco ou à distância.
O questionário de pesquisa foi constituído por campos específicos para a reunião de
características detalhadas (estrutura física, equipamentos, recursos humanos, gestão etc)
sobre cada tipo de emissora: rádio FM, rádio AM, rádio Web, TV aberta, TV à cabo, TV
Web. Dependendo da natureza dos veículos, o número de perguntas nas seis sessões
de formulários específicos variou entre 41 a 64. Os conteúdos reunidos foram inseridos
em um sistema da base SurveyMonkey, no qual foram inseridas informações sobre os
contextos socioeconômicos dos estados, a situação de distribuição de emissoras, além
de algum elemento distintivo sobre a instituição que merecesse ser escandido.
Na região Norte, a coordenação realizada pela professora Maria Ataíde Malcher
contou com nossa atuação em campo, para o levantamento nas instituições situadas nos
estados do Acre, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. Nos estados do Amapá e Tocantins o trabalho de campo esteve a cargo de outros colegas. Por essa razão, esclarecemos
que detemo-nos nos casos em que atuamos de forma mais efetiva. O presente texto
possui antes um caráter descritivo e analítico, que teórico-conceitual, por que comporta
a intenção de expor partes constituintes de uma realidade, levando em consideração
os relatos feitos por gestores das emissoras ou por aqueles que assumiram a tarefa de
mobilizar ações práticas e/ou articulações políticas no âmbito interno (com os gestores e
as comunidades de suas instituições) e externo (em instâncias como o MEC ou a Empresa
Brasileira de Comunicação). Dito isto, não afirmamos uma rendição à empiria, mas a
valorização de um diálogo com ela e com o sujeito, “trabalhador social” que opta pela
mudança e assim sendo, “não teme a liberdade, não prescreve, não manipula, não foge
1. Doutora em Ciências da Comunicação. Bolsista Pós-Doc Capes/PNPD (Universidade Federal do Pará).
E-mail: [email protected].
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Tevês e rádios universitárias em IFES da região Norte: reflexões sobre um cenário de escassez e a produção/difusão de conteúdos educacionais midiatizados
Guaciara Freitas
da comunicação, pelo contrário, a procura e vive” (FREIRE, 2011, p. 67). Assim buscamos empreender uma análise crítica que nos permita algum nível de compreensão do
contexto total e de suas significações.
Explicitamos ainda que apesar de os dados terem sido obtidos a partir de uma
pesquisa demandada, não nos foi restringido ou vetado utilizá-los em trabalhos acadêmicos, pois se espera que a sistematização, a reflexão e o compartilhamento ajudem a
fomentar discussões, que inspirem contribuições com vistas ao melhor desenvolvimento
e aproveitamento da estrutura avaliada.
Destacamos o fato de que a pesquisa também se voltou para as instituições que
não possuíam nenhum tipo de emissora. Nesses casos, o intuito foi detectar por que
motivos não havia emissoras em tais instituições, averiguar se havia interesse por tê-las,
perceber quais as principais dificuldades encontradas pelas instituições que almejaram,
mas não conseguiram colocar em funcionamento algum tipo de veículo e identificar as
possíveis razões para uma falta de interesse por parte de alguma instituição. É nesse
contexto que entram em cena a instituições do norte do país, pois se fossem observadas
exclusivamente as IFES com emissoras, somente cinco da região Norte seriam avaliadas.
Dentre essas, somente a Universidade Federal de Roraima possui duas emissoras em
funcionamento, uma rádio FM e um canal de TV aberta. Assim sendo, o total de emissoras universitárias em operação no universo de 17 instituições é de seis (ver tabela 1).
Tabela 1. Emissoras em IFES da Região Norte
Estado
AC
AM
AP
PA
RO
RR
TO
IFES
Emissora
1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC)
Não
2. Universidade Federal do Acre (Ufac)
Rádio Web
3. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM)
Não
4. Universidade Federal do Amazonas (Ufam)
TV a cabo*
5. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá (IFAP)
Não
6. Universidade Federal do Amapá (Unifap)
Rádio FM
7. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA)
Não
8. Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra)
Não
9. Universidade Federal do Oeste do Pará (Unifopa)
Não
10. Universidade Federal do Pará (UFPA)
Rádio Web
11. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa)
Não
12. Fundação Universidade Federal de Rondônia (Unir)
Não
13. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO)
Não
14. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima (IFRR)
Não
15. Universidade Federal de Roraima (UFRR)
TV Educativa e
Rádio FM
16. Fundação Universidade Federal do Tocantins (UFT)
Rádio FM
17. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (IFTO)
Não
* no período de realização da pesquisa a emissora estava fora do ar há mais de seis meses e não conseguimos informações sobre os motivos ou sobre previsão de retorno da programação.
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Tevês e rádios universitárias em IFES da região Norte: reflexões sobre um cenário de escassez e a produção/difusão de conteúdos educacionais midiatizados
Guaciara Freitas
Em uma rápida comparação com apenas um estado da região Sudeste, Minas Gerais,
onde sete universidades somam 12 emissoras (ver tabela 2), é notável o desequilíbrio
dessa distribuição. Evidência de que na tessitura de tais contextos, reflete-se um conjunto
de desigualdades regionais existentes em outras dimensões, o que impõe um desafio a
mais ao propósito de construir e manter uma rede nacional de produção e distribuição de
conteúdos educativos através de veículos de rádio e TV em suas diversas configurações.
Tabela 2. Emissoras em IFES do Estado de Minas Gerais
IFES
EMISSORA
1. Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
TV UHF
Rádio FM
2. Universidade Federal de Viçosa (UFV)
TV aberta
Rádio FM
3. Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
TV aberta
Rádio FM
4. Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)
TV aberta
Rádio FM
5. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
TV aberta
Rádio FM
6. Universidade Federal de Lavras (UFLA)
TV aberta
7. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Rádio FM
A seguir, o desenvolvimento do texto se dará em blocos, com base em características,
problemas e processos que aproximam determinadas instituições. Em alguns momentos
aprofundamos questões a partir de casos representativos.
2. OS INSTITUTOS FEDERAIS E A TROCA DO
PNEU COM O CARRO EM MOVIMENTO
Ao apagar das luzes do ano de 2008, no dia 29 de dezembro, o governo brasileiro
criou um novo ente dentro da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, o
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Através da Lei nº 11. 892, como num
passe de mágica surgiram 38 IFs, em geral a partir da fusão de instituições existentes até
o dia anterior à promulgação da Lei, como Escolas Técnicas Federais, Centros Federais de
Educação Tecnológica e Escolas Agrotécnicas. Algumas delas com tradição centenária.
Com mais de 400 unidades nos mais diversos recantos do país, a expansão
dessa rede é uma das metas do governo federal para a educação, em sintonia
com uma perspectiva de investimento na educação profissional e tecnológica.
Os institutos federais trazem como uma de suas características fundadoras, a
possibilidade inédita na estrutura da rede pública federal de ensino, de oferecer
em uma mesma instituição, desde a educação básica até à pós-graduação.
Na região Norte nenhum IF possui emissora de rádio ou TV. Na pesquisa de campo
observamos que a principal dificuldade comum entre eles, advém de uma espécie de
falta de autoidentificação. Até o ano de 2014, alguns dos institutos, como IFPA, IFRR,
IFAC, IFRO ainda eram geridos por reitores pro tempore, ou seja, nomeados pela presidência da república. Percebemos que essa situação gera um ambiente institucional de
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Tevês e rádios universitárias em IFES da região Norte: reflexões sobre um cenário de escassez e a produção/difusão de conteúdos educacionais midiatizados
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inconstância e um sentimento carente de representatividade por parte das comunidades internas. É como se os gestores estivessem num permanente exercício de sanar
urgências e emergências, ao mesmo tempo em que receberam a missão de organizar a
casa para um por vir. Isso tudo em circunstâncias permeadas por conflitos originados
pela própria forma de constituição dos IFs. Para vislumbrar o nível dessas disputas de
origem, imaginemos como se dá a fusão de uma Escola Agrotécnica – que ao longo de
uma história de 80 anos lidou com populações rurais e oferta de cursos técnicos na
área Agrária – com uma Escola Técnica, voltada para populações urbanas e cursos de
ciências exatas, carimbadas como uma mesma instituição.
Se considerarmos o princípio da autonomia como necessário à prática educativa
(FREIRE, 1996) e à mobilização social, somos levados a reconhecer que o delineamento
desse estado de coisas, reduz a possibilidade do diálogo, da construção coletiva e da
consciência, capazes de tornar o ser humano sujeito e não objeto de um processo de
mudança, principalmente no campo da educação. Evidentemente, esse status quo incide
na carência de diretrizes, regulamentações e políticas institucionais. Assim como não
existem emissoras nos IFs que pesquisamos, também não há política de comunicação,
por exemplo. Mas, em todos eles os responsáveis pelos setores de comunicação reconheceram sua necessidade e em alguns casos, apontaram-na como uma reivindicação
da comunidade, como no IF Rondônia.
No IFAC, em entrevista concedida para a pesquisa, o jornalista, assessor de comunicação, Evaldo Ribeiro (2014) afirmou que a construção de uma política de comunicação
entrou nas prioridades da atual gestão pro tempore. O início das discussões para elaborar
essa política, inspira-se no IF Santa Catarina, que sistematizou sua experiência de elaboração de política de comunicação em uma publicação que está servindo de referência
no IF Acre. Entre 2011/2012, o IFAC esteve envolvido em processo de solicitação de TV,
inclusive em resposta a uma oferta apresentada pelo próprio MEC, através da Secretaria
de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), aos institutos federais. No entanto, a
concessão não se efetivou, com a justificativa de falta de canal disponível na região.
O Instituto Federal de Roraima obteve, em 2011, um aviso de habilitação para TV
aberta, mas segundo a jornalista Virgínia Albuquerque (2014), a gestão do instituto à
época avaliou que não havia como prever recursos financeiros para assumir a contrapartida exigida, até mesmo por que não havia dotação orçamentária para tal medida.
Para além da questão orçamentária Albuquerque, destacou a falta de recursos humanos
e de estrutura física para o funcionamento de uma emissora no IFRR. A falta de estrutura inviabilizaria até o planejamento de uma rádio ou TV web – o que exigiria menos
espaço, equipamentos, e pessoal –, por que a qualidade das redes telemáticas no Estado
é “muito ruim”, afirmação que foi ratificada nas entrevistas juntos aos profissionais da
Universidade Federal de Roraima e também no Amazonas e interior do Pará.
O caso do Instituto Federal de Rondônia merece referência, por ser o único IF da
região que apresenta um relato concreto relativo a um processo de solicitação de emissora em andamento. Assim como os outros IFs da região Norte, o IFRO apresenta um
conjunto de problemas relacionados à falta de investimentos na área de comunicação,
devido ao entendimento, que parece ser corrente por parte da gestão da educação profissional e tecnológica, de que os setores de comunicação destinam-se exclusivamente à
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Tevês e rádios universitárias em IFES da região Norte: reflexões sobre um cenário de escassez e a produção/difusão de conteúdos educacionais midiatizados
Guaciara Freitas
execução de tarefas, em especial, as tarefas promoção da imagem institucional. Apesar
da carência de profissionais o IF Rondônia possui uma equipe que tem capitaneado as
ações de criação de emissora de rádio.
No início de 2013 o Instituto Federal de Rondônia recebeu um aviso de habilitação
para rádio educativa. Na ocasião a programadora visual, Viviane Camelo (2014), que
nos atendeu para responder às questões da pesquisa, assumia a função de assessora de
comunicação e desde então iniciou a mobilização de uma comissão interna para trabalhar
na estruturação do projeto da rádio. Em 2014, embora não ocupasse mais a função, ela
continuava à frente das iniciativas relacionadas à implantação da rádio. Mas, segundo
afirma, não conseguia obter informações junto ao Ministério das Comunicações sobre
o processo, embora já tenha estado na sede do MC, em Brasília, em busca de esclarecimentos, com o objetivo de melhor preparar a instituição para atender as solicitações a
serem recomendadas. Ela conta que uma funcionária do Ministério a informou que o
acesso ao processo é proibido, por que ele deve correr em sigilo, a fim de evitar interferências em seu andamento, e a resposta/parecer poderia ser rápida ou demorar até
cinco anos. Apesar de estar ciente de que para obter a autorização de funcionamento,
há um longo caminho, que envolve vistorias, documentos, estruturas etc. ela reclama a
falta orientações mais específicas, o que estaria deixando a comissão interna de estruturação “de mãos atadas”.
Reclamação semelhante é feita pela professora Andrea Cataneo (2014), que está à
frente de uma solicitação de emissora para a Fundação Universidade Federal de Rondônia (Unir), ao manifestar-se contra a falta de informações claras, de orientações, de
previsão de prazos por parte do Ministério das Comunicações. Considerando-se que
internamente a gestão deve fazer previsões orçamentárias, previsão de vagas para concurso futuros etc., a falta de informação se apresenta como um empecilho a mais à
instalação de emissoras. Nesses casos, que expõem a mesma reivindicação de outros,
as necessidades advindas da realidade concreta desses sujeitos, não são contempladas
pelos parâmetros comunicados pelo MC na portaria nº 355, de 12 de julho de 2012, com
suas listas de documentos necessários e modelos de solicitação.
No IFRO a comissão de implantação da rádio já elaborou um projeto básico de aquisição de equipamentos e de programação. A intenção do grupo é de integrar à programação da futura emissora, os conteúdos produzidos pelas rádios-recreio, que funcionam
internamente, com caixas de som distribuídas no espaço interno de dois campi, como
ambientes pedagógicos propostos pelos professores. O instituto também já elaborou um
projeto-piloto de programação e de acordo com a servidora Viviane Camelo, que preside
a comissão, a principal preocupação é manter um conteúdo “realmente educativo”, capaz
de envolver as comunidades interna e externa. No projeto entregue ao reitor à época da
liberação do aviso de habilitação, houve a proposição de que todas as salas de aula do
campus Porto Velho Zona Norte possuíssem uma estrutura conversível para estúdios,
de modo que em todas as disciplinas, os professores pudessem transformar seus conteúdos em pautas, que pudessem servir de matéria-prima para a rádio. No entender
da programadora, ações desse tipo ajudariam a fazer valer a designação educativa para
a emissora. Nesse sentido percebemos que a vontade de realizar o intento às vezes é
maior que o entendimento da proposta, dos conceitos e dos processos.
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Fechamos então este ponto, com o registro de uma questão-problema que indaga: até que ponto os esforços mobilizados para alcançar as condições necessárias à
implantação de uma emissora educativa, dialogam com algo essencial, que é o próprio
conteúdo educativo, as ações necessárias para sistematizá-lo e o que se pensa que deva
caracterizá-lo? Para além dessa questão, refletimos sobre o que significam esses esforços
em prol de uma emissora, no interior de instituições que possuem tantos problemas
de ordem prática para seu funcionamento cotidiano, sobretudo se consideramos um
ecossistema midiático contemporâneo que experimenta os tensionamentos entre um
modelo massivo de produção e difusão de informações e de um modelo colaborativo, marcado pela auto-publicação e o compartilhamento em rede (d´ANDREA, 2014).
Conforma-se, portanto uma ambiência na qual mesmo as produções da mídia massiva
comercial buscam interconexões midiáticas, sobretudo através das redes sociais, a fim
de assegurarem seus domínios. Tais questões nos parecem relevantes ao refletirmos
sobre o contexto aqui discutido.
3. AS UNIVERSIDADES. TER OU NÃO TER EMISSORAS, EIS A QUESTÃO.
3.1. UFRR. Em terras onde são poucas as emissoras universitárias, quem tem
duas é rei?
Nas universidades da região Norte há registro de emissoras em seis instituições,
se considerarmos a Universidade Federal do Amazonas, que possui um canal de TV a
cabo, que se encontrava sem transmitir programação há seis meses, à época da pesquisa,
sem previsão de retorno ou justificativas oficiais para a suspensão da programação.
Além da TV Ufam, a outra emissora de TV universitária na região está na Universidade Federal de Roraima. A TV Universitária da UFRR foi fundada em março de 1990
como TV Macuxi (TVE – Canal 2), concedida à prefeitura de Boa Vista, e encontra-se
vinculada ao Núcleo de Rádio e TV Universitária da UFRR desde novembro 1995,
quando a Prefeitura de Boa Vista e a universidade firmaram convênio, para a UFRR
gerenciar a emissora por cinco anos. Mas, a Câmara de Vereadores, ao analisar Projeto
de Lei do Executivo Municipal, aprovou a Lei 395/95 que passou a concessão da TV
Macuxi para a UFRR em definitivo. Até a presente data tramita em Brasília o processo
de transferência, o que se apresenta como mais um fator que tem dificultado o aporte
de recursos para a emissora. O canal da emissora continua sendo 2, a potência é de 2
Kw e não ela não possui repetidoras.
Em setembro de 2014 a emissora passou a ser coordenada pelo técnico Renato
Rocha, que também dirige o NRTU como um tudo e cuida da parte técnica-operacional
das emissoras. Renato Rocha era servidor municipal e está na TV desde quando ela
foi inaugurada, ainda sob a tutela do governo municipal. Quando a emissora passou
para a responsabilidade da UFRR, ele foi transferido junto. A coordenação do núcleo e
das emissoras é uma indicação da reitoria e não há nenhum tipo de processo eleitoral
para definir o responsável por essa função. A separação entre o curso de Comunicação
e o NRTU é um aspecto que chama atenção, por que nas demais instituições onde há
emissoras, o vínculo, principalmente com os cursos ou habilitações em jornalismo, se
apresenta praticamente como uma condição para a existência das emissoras, o que nos
leva a especular que no caso da UFRR, esse processo se configura de maneira distinta
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por que as emissoras foram herdadas e não resultantes de um projeto concebido nas
instâncias da universidade.
A TV Universitária está vinculada à reitoria da Universidade Federal de Roraima
e embora não esteja atrelada a nenhum curso, oferece vagas de estágio e espaços na
programação para os estudantes de Jornalismo. Avaliamos que o vínculo direto com
a reitoria é considerado um ponto negativo para a gestão, o financiamento e, consequentemente, o funcionamento da emissora. Os recursos financeiros, por exemplo,
são repassados pela gestão da universidade e devem, portanto, ser contemplados na
previsão orçamentária da instituição, o que se constitui em um fator limitador, pois o
valor fica sujeito a oscilações e até suspensões, a depender das demandas consideradas
prioritárias pela instituição. Segundo o coordenador Renato Rocha (2014), esse é um dos
gargalos para o funcionamento da emissora, que fica sem autonomia e sem flexibilidade
para gerir recursos. Renato Rocha afirma que até mesmo atividades relacionadas às
rotinas produtivas sofrem interferências de uma gestão centralizada, na qual a estrutura
compreende a emissora como um órgão da Universidade, pois aos finais de semana a
programação da TV apenas reproduz o conteúdo da EBC, por que os funcionários são
proibidos de entrar no prédio para trabalhar.
Dentre as 32 pessoas que compõe o quadro de profissionais da Rádio Universitária
da UFRR, nove são efetivas. Os demais são assim classificados: quatro alunos bolsistas
e 23 funcionários de empresa terceirizada. Entre a programação jornalística são realizados boletins informativos, reportagens especiais, prestação de serviço e material
institucional. Ao todo são produzidos apenas trinta minutos diários de conteúdo inédito
próprio, que entra em flashes nos intervalos da programação da EBC, ao passo que
seis a dez horas da programação é retransmitida. A emissora não possui acordos de
intercâmbio com outras emissoras universitárias.
A percepção que temos é de que não existem condições que permitam refletir sobre
a produção de conteúdo, tampouco, problematizar o caráter educativo desse conteúdo.
Prevalece a urgência, a necessidade de atender demandas, às vezes apresentadas pela
gestão, com vistas à promoção institucional, outras pela EBC. Apesar da rede de emissoras universitária capitaneada pelo MEC ainda não existir efetivamente, há iniciativas
da Empresa Brasileira de Comunicação e da Associação Brasileira da TV Universitária,
mas tais ações padecem de problemas de descontinuidade.
A Rádio Universitária fica inserida no mesmo prédio da TV Universitária. Tal edifício é antigo e a concessão do prédio pela prefeitura de Boa Vista para a Universidade
Federal de Roraima ainda não está totalmente legalizada. Após um acordo firmado
entre o município e a UFRR, começou a ser construída a sede do NRTU no campus
Paricarana, mas as obras estão paralisadas.
Sobre as instalações e condições de funcionamento da Rádio Universitária, FM
95.9, a coordenadora, jornalista Raphaela Queiroz (2014), pontua resumidamente as
seguintes dificuldades: a) A emissora não tem nenhuma estrutura acústica para gravação de áudios; b) Não há suporte e manutenção de equipamentos; c) Não há um veículo próprio para a Rádio, o que gera inúmeros transtornos, pois é necessário dividir
o único carro que o NRTU tem com a TV Universitária, que apresenta suas próprias
demandas; d) O prédio onde funciona o NRTU é antigo e possui instalações elétricas
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deficitárias, fazendo com que ocorram inúmeras quedas de energia diariamente; e)
Não há gravadores de voz; f) Não há pessoal fixo. Somente a coordenadora é efetiva.
Os operadores de áudio, a locutora, a fonaudióloga e uma jornalista foram contratados
via projeto de extensão, com validade de um ano. O outro jornalista é terceirizado, o
que gera uma instabilidade e a inviabilidade de fazer planos a médio e longo prazo; g)
Não há uma sala especial para a gravação de offs. É utilizada como sala improvisada
para gravação, a própria redação da Rádio. Portanto, quando alguém precisa gravar
algo, todos têm de parar de falar e de digitar para o outro fazer a locução; h) A conexão
de internet é lenta e, muitas vezes, não existe, o que gera um grande transtorno, pois
não se consegue enviar matérias para as Rádios parceiras. A rádio não dispõe de ações
multimídia e o contato com o público se dá basicamente por telefone e pela rede social
Facebook; i) Não há locutores, nem pessoal suficiente para preencher programas na
grade, por esta razão a programação é predominantemente musical. Na parte educativa
são produzidos programas voltados para assuntos relacionados à saúde. Ao todo são
transmitidas de uma a três horas de conteúdo próprio, ao passo que seis a dez horas
da programação é retransmitida de outras rádios universitárias, Rádio Nacional e/ou
rádios internacionais, com as quais possui acordos de intercâmbio; j) Como há uma
equipe, quando chega um novo estagiário, um dos jornalistas para o que está fazendo
para poder auxiliá-lo até o mesmo estar apto para poder realizar tarefas; k) Os alunos
de Jornalismo não têm interesse em fazer estágio na emissora, pois o valor da bolsa é
de apenas R$ 300,00. Por esse motivo, muitos iniciam no mercado, seduzidos pelo valor
dos salários que chegam a R$ 1mil.
3.2. Rádio Web: o exemplo da UFPA
As demais universidades da região possuem emissoras de rádio. Em dois dos casos
que observamos, se trata de emissoras denominadas de Rádio Web: na Universidade
Federal do Acre (UFAC) e na Universidade Federal do Pará. No caso da UFAC, a rádio
é acessada por um link inserido no site da universidade. Não há um site da rádio, nem
telefones ou endereços de contato, nem uma grade de programação pré-estabelecida e
disponibilizada ao ouvinte. Ao abrir o link, o webouvinte pode conseguir ouvir músicas,
mas às vezes o sistema não carrega, inviabilizando até mesmo essa experiência.
O projeto da Rádio Web UFPA começou a ser idealizado em 2006, nas reuniões do
grupo de pesquisa Estudos em Rádio e Divulgação Científica, do Instituto de Letras e Comunicação - Faculdade de Comunicação, coordenado pela professora Luciana Miranda. Ao
acessar o site da rádio (www.radio.ufpa.br), além de ouvir de quatro a sete horas de uma
programação diária inédita, o visitante encontra o espelho da programação, informações
sobre o histórico da emissora, a equipe, arquivos de entrevistas, informações sobre os
programas da grade etc. Entre os programas de caráter jornalístico há entrevista, boletim
informativo, radiojornal, documentário, mesa-redonda, reportagens especiais, prestação
de serviço, debate, universitário (institucional). No gênero entretenimento há programas
do gênero musical, cultural, auditório e infantil. No educativo, programas de ciência e
tecnologia e divulgação científica. No período de realização da pesquisa a o quadro de
profissionais da emissora era composto por três professores, três prestadores de serviço,
dois alunos voluntário e dez alunos bolsistas.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1511
Tevês e rádios universitárias em IFES da região Norte: reflexões sobre um cenário de escassez e a produção/difusão de conteúdos educacionais midiatizados
Guaciara Freitas
As informações sobre o tipo de estruturação da Rádio Web UFPA ajudam a
demonstrar que para se identificar uma emissora como tal é necessário reunir uma
série de atributos, que vão além de um link para se ouvir música. Dizer isso, não
significa negar a existência de dificuldades, como as apontadas pela coordenadora
da Rádio, professora Luciana Miranda (2014), no que se refere à liberação de recursos, aquisição de equipamentos, ampliação de espaço físico etc. Entretanto, há nesse
caso, a realização de uma experiência amadurecida em um projeto de investigação,
experimentação, que sofre influência de reflexões de quem tem a Rádio como seu
objeto de pesquisa. Possivelmente essas razões ajudem a compreender o fato de que
em cinco anos de atividades, a rádio tenha recebido prêmios nacionais (Roquette
Pinto - Petrobrás, Nossa Onda – Ministério da Cultura) em decorrência de projetos
específicos, tenha se tornado uma referência para outras universidades brasileiras (com
consultas por telefone e email sobre suas atividades, implantação e funcionamento),
tenha se consolidado como um espaço de formação e de divulgação científica regional
e nacionalmente.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No universo pesquisado há casos, como os da Universidade Federal Rural da Amazônia, onde a exclusividade de cursos da área de Ciências da Terra e a falta de profissionais de comunicação – há apenas duas jornalistas – tornem impensável a possibilidade
de ter uma emissora. Há casos como os dos institutos federais do Amazonas e do Pará,
onde a prioridade é “arrumar a casa”. Há casos como das recém criadas Universidade
Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e Universidade do Oeste do Pará (Ufopa),
nas quais os reitores estão pessoalmente engajados na missão de conseguirem uma
autorização de funcionamento de emissoras de rádio, as quais, acreditam, ajudariam
as instituições a vencerem as grandes distâncias que separam os municípios atendidos
por polos das instituições.
Seja a partir dos casos aqui detalhados, seja daqueles não mencionados, é notável
que o uma avaliação das estruturas de emissoras universitária, requer o entendimento
de elementos e contextos importantes, que dizem respeito às estruturas próprias de
um sistema de ensino, de políticas públicas, de desigualdades regionais que alcançam
desde o tipo de investimento econômico até o tipo de disponibilidade de serviços da
área de tecnologia.
As tecnologias podem, devem e já são utilizadas pelos “de baixo” como plataforma de libertação (SANTOS, 2008), o que as reveste de sentido político, transformador
(MARTÍN-BARBERO, 2004), mas isso requer que sejam acessadas em suas linguagens,
tenham suas prescrições de uso subvertidas e sejam materialmente acessíveis, o que já
ocorre, sobretudo no que diz repeito ao uso das mídias móveis, mas que não deve ser
visto como algo naturalizado, que ocorre da mesma forma em todas as partes. Se essa
dimensão, permeada por substâncias como tempo, espaço de autonomia e formas de
comunicação sempre teve de ser levada em consideração quando pensamos em conteúdos educativos, tanto mais o é no presente revestido do sentimento de comportar em
si, o futuro (ARANTES, 2014).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Tevês e rádios universitárias em IFES da região Norte: reflexões sobre um cenário de escassez e a produção/difusão de conteúdos educacionais midiatizados
Guaciara Freitas
5. REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Virgínia. A estrutura de comunicação do Instituto Federal de Roraima.
Reitoria do IFRR, Boa Vista, [out.2014]. Entrevistadora: Guaciara Freitas. Entrevista
concedida para esta pesquisa.
ARANTES, Paulo. (2014). O novo tempo do mundo: e outros estudos sobre a era da emergência.
São Paulo: Boitempo.
CAMELO, Viviane. [out.2014]. O processo de habilitação da emissora no Instituto Federal de
Rondônia. Reitoria do IFRO, Porto Velho. Entrevistadora: Guaciara Freitas. Entrevista
concedida para esta pesquisa.
CATANEO, Andrea. Movimentos e dificuldade da Fundação Universidade Federal de Rondônia na solicitação de uma emissora. Unir, Porto Velho, [out.2014]. Entrevistadora:
Guaciara Freitas. Entrevista concedida para esta pesquisa.
D´ANDREA, Carlos. (2014). Conexões intermidiáticas entre transmissões audiovisuais e redes
sociais online: possibilidades e tensionamentos. (Trabalho aceito no GT Comunicação
e Cibercultura), 23ª reunião da Compós. Universidade Federal do Pará, Belém, 27 a 30
de maio de 2014.
DEL BIANCO, Nélia Rodrigues [fev. 2015]. Informações de caráter geral sobre pesquisa de
avaliação das estruturas de rádio e TVs universitárias. Informações enviadas por e-mail.
FREIRE, Paulo. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra.
_________. (2011). Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. (2004). Razón Técnica y Razón política: espacios/tiempos no
pensados. Revista Latino Americana de Ciencias de la Comunicación, p.22-37, jul./dec.
MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. (2012). Portaria nº 355. Recuperado em 3 de outubro,e
2014, de: http://www.mc.gov.br/portarias/25701-portaria-n-355-de-12-de-julho-de-2012.
MIRANDA, Luciana [out.2014]. O funcionamento da Rádio Universitária da Universidade
Federal de Roraima. Informações enviadas por e-mail.
RIBEIRO, Evaldo [out. 2014]. A experiência de comunicação do Instituto Federal do Acre.
Reitoria do IFAC, Rio Branco. Entrevistadora: Guaciara Freitas. Entrevista concedida
para esta pesquisa.
ROCHA, Renato [out.2014]. O funcionamento da TV Universitária da Universidade Federal de Roraima. NRTU/UFRR, Boa vista. Entrevistadora: Guaciara Freitas. Entrevista
concedida para esta pesquisa.
QUEIROZ, Raphaela [out.2014]. O funcionamento da Rádio Universitária da Universidade
Federal de Roraima. NRTU/UFRR, Boa vista. Entrevistadora: Guaciara Freitas. Entrevista concedida para esta pesquisa.
SANTOS, Milton. (2008). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1513
Fanzine & HQ numa perspectiva educomunicativa
I s ab e l P e r e i r a
dos
Santos 1
M a r i a I z ab e l L e ã o 2
M a ria Sa lete P r a do Soa r es3
Resumo: Este artigo descreve o desenvolvimento e a realização do curso “História em Quadrinhos e Fanzine na Escola” do Programa Nas Ondas do Rádio,
da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, no ano de 2014. O texto
explicita o desenvolvimento do curso até a concretização do material produzido
pelos professores e disponibilizado na internet, assim como discute o processo
e produto na perspectiva educomunicativa. O curso teve por objetivo promover
aquisição de competências comunicativas, despertar uma perspectiva crítica
e estimular a produção colaborativa. Os resultados mostraram, por meio de
publicações digitais, que houve não apenas apropriação de novas mídias (em
especial fanzine e HQ como recursos pedagógicos diferenciados), mas também discussão nos grupos de trabalho, reflexão crítica, incentivo à autonomia,
à criatividade, à colaboração, à produção de conhecimento. Além de propiciar
espaços de encontro e trabalho compartilhado, o curso possibilitou e contribuiu
para o aprimoramento das competências leitora e escritora e habilidades que
envolvem apresentação visual e a livre expressão.
Palavras-Chave: História em Quadrinhos. Fanzine. Educomunicação. Programa
Nas Ondas do Rádio. Formação de professor.
Abstract: This article describes the development and execution of the “Comic
books and Fanzine at School” coursework by the “Programa Nas Ondas do
Rádio”, from the São Paulo Municipal Secretary of Education in 2014. The manuscript describes the conception and the execution of the coursework developed
by the teachers which is available online thru the internet. Additionally, this
manuscript also discusses the process and the outcomes related to the Educommunication perspective. The coursework aimed to promote the acquisition
of communication skills and stimulation of critical analysis and collaborative
production. The results showed, through digital publications, not only it was
demonstrated that new media was improved (especially fanzine and comic books
as educational resources), but also group discussions, critical reflection, incentive
to autonomy, creativity, collaboration and overall knowledge production were
enhanced. In addition to providing work space for meetings and team work, this
coursework allowed and contributed for the enrichment of reading and writing
competencies as well as skills related to visual aids and freedom of expression.
Keywords: Comic books. Fanzine, Educommunication. Programa Nas Ondas
do Rádio. Teacher training.
1. Doutora FE/USP, NCE/USP, [email protected]
2. Mestre ECA/USP, NCE/USP, [email protected]
3. Mestre ECA/USP, NCE/USP, [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1514
Fanzine & HQ numa perspectiva educomunicativa
Jarlene Rodrigues Reis • Maria Izabel Leão • Maria Salete Prado Soares
A
REDE MUNICIPAL de ensino em São Paulo é gerida pela Secretaria Municipal de
Educação do Município de São Paulo – SMESP responsável, dentre outros, pela
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, Educação Especial, Educação
de Jovens e Adultos, Centros Educacionais Unificados, Centro de Educação e Cultura
Indígena – CECI é estruturada conforme organograma abaixo.
Compõe-se de treze Diretorias Regionais de Educação: Butantã, Campo Limpo,
Capela do Socorro, Guaianases, Freguesia do Ó, Ipiranga, Itaquera, Jaçanã/Tremembé,
Penha, Pirituba, Santo Amaro, São Mateus, São Miguel, instâncias que interligam as
Unidades Educacionais e a Secretaria Municipal de Educação no sentido de supervisionar
e oferecer assistências às escolas municipais. Para orientar as ações em suas Unidades
Educacionais, a SMESP instituiu o Programa Mais Educação São Paulo.
Dentre as práticas elencadas pelos grupos de trabalho referentes às ações para
concretizar a qualidade social na Rede Municipal de Ensino dentro da Unidade Escolar
destacam-se as recomendações sobre as “práticas pedagógicas junto aos educandos”
(SÃO PAULO, 2014, p. 24).
1. Reconhecer as múltiplas linguagens como fundamentais à aprendizagem e criar situações
para sua experimentação;
2. Aproximar o conhecimento formal dos saberes trazidos pelos educandos: considerar e
construir conhecimento levando em conta o repertório trazido pelos educandos;
3. Promover momentos de autoavaliação com educandos;
4. Avançar no Ensino Fundamental sobre questões de avaliação, evitando uma visão de
média das notas e trabalhando pelo direito de aprendizagem e evolução do estudante e
não apenas pela média ponderada;
5. Buscar a qualidade na inclusão de educandos com deficiência, respeitando as especificidades;
6. Realizar práticas que despertem o desejo e o interesse de aprender e que resultem em
sentimentos de prazer em relação aos conhecimentos;
7. Proporcionar aos educandos ferramentas para viverem experiências com a tecnologia;
8. Favorecer o uso das tecnologias a serviço da humanização, da convivência e do enfrentamento à violência.
Tais prática pedagógicas - relevantes para este artigo – aproximam-se daquelas
relacionadas a determinadas áreas de intervenção social provenientes do campo da interrelação comunicação/educação: Educomunicação. Segundo Ismar de Oliveira Soares,
esse novo campo é definido pelos pesquisadores do Núcleo de Comunicação e Educação
da Universidade de São Paulo, como os
[...] conjuntos das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos,
programas e produtos destinados a criar e a fortalecer ecossistemas comunicativos, em
espaços educacionais ou virtuais, assim como a melhorar o coeficiente comunicativo das
ações educativas, incluindo as relacionadas ao uso de recursos da informação no processo
de aprendizagem (SOARES, 2002, p. 24).
As referidas áreas de intervenção educomunicativas são relacionadas abaixo, em
síntese, para posterior aproximação com algumas “práticas pedagógicas junto aos
educandos”, provenientes do eixo Qualidade do Programa Mais Educação São Paulo.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Fanzine & HQ numa perspectiva educomunicativa
Jarlene Rodrigues Reis • Maria Izabel Leão • Maria Salete Prado Soares
1.
2.
3.
4.
5.
Educação para a comunicação;
Mediação tecnológica nos espaços educativos;
Expressão comunicativa através das artes;
Gestão dos processos e recursos da informação;
Reflexão epistemológica.
Para os propósitos deste artigo, ressalta-se a relação entre o Programa Mais Educação
São Paulo e algumas áreas de intervenção da Educomunicação.
Educomunicação Programa Mais Educação São Paulo
Compatibilidades
Educação para
a comunicação
Reconhecer as múltiplas
linguagens como fundamentais
à aprendizagem e criar situações
para sua experimentação.
Abre-se a perspectiva e a oportunidade de elaborar
“projetos que se caracterizam por implementar
procedimentos voltados para a apropriação dos meios e
das linguagens da comunicação por parte
das crianças e dos jovens” (SOARES, 2011b, p. 26).
Expressão
comunicativa
através das
artes
Aproximar o conhecimento
formal dos saberes trazidos
pelos educandos: considerar e
construir conhecimento levando
em conta o repertório trazido
pelos educandos.
Diz respeito ao fato de valorizar bons hábitos e comportamentos dos educandos de forma a ressaltar aspectos que
os transformem em cidadão reflexivos, críticos e conscientes. “Esta área aproxima-se das práticas identificadas com
a Arte-Educação, sempre que primordialmente voltadas
para o potencial comunicativo de expressão artística,
concebida como uma produção coletiva, mas como performance individual” (SOARES, 2011a, p. 47-48).
Área da
mediação
tecnológica na
educação
Proporcionar aos educandos
ferramentas para viverem
experiências com a tecnologia;
Favorecer o uso das tecnologias
a serviço da humanização, da
convivência e do enfrentamento
à violência.
Sugere o uso das ferramentas tecnológicas da educação
e comunicação aos docentes e discentes de forma
estratégica na exposição de ideias, liberdade de expressão
e práticas solidárias. “[...] propiciando que não apenas
dominem o manejo dos novos aparelhos, mas que criem
projetos para o uso social das invenções que caracterizam
a Era da Informação” (SOARES, 2011a, p. 48).
Cabe notar com essas aproximações a convergência de propósitos e a relevância
das ações do Programa sincronizadas com a Educomunicação.
Em relação ao Ciclo Autoral que corresponde ao período do 7o. ao 9o. ano do Ensino
Fundamental, ressalta-se seu principal aspecto: “[...] construção de conhecimento a partir
de projetos curriculares comprometidos com a intervenção social [...]” (SÃO PAULO, 2014,
p. 80). Tal processo culmina com o Trabalho Colaborativo de Autoria – TCA. Entende-se
que o TCA promove o crescimento intelectual e comprometimento social do educando
de forma a torná-lo participante efetivo da sociedade a qual pertence.
Será dada ênfase ao desenvolvimento da construção do conhecimento considerando o
manejo apropriado das diferentes linguagens, o que implica um processo que envolve a
leitura, a escrita, busca de resoluções de problemas, análise crítica e produção. É, portanto,
o domínio de diferentes linguagens (lógico-verbal, lógico-matemática, gráfica, artística,
corporal, científica e tecnológica) que permitirá a cada aluno, ao final do Ciclo Autoral, a
produção do T.C.A. comprometido com a construção de uma vida melhor. (SÃO PAULO,
2014, p. 80)
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Fanzine & HQ numa perspectiva educomunicativa
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O Ciclo Autoral compreenderá um período de desenvolvimento de projetos autorais
colaborativos e de intervenção social, com a orientação de professores envolvidos na
construção deste processo de ensino e aprendizagem.
Nessa esteira, entra em cenário o Programa Nas Ondas do Rádio, que poderá ser
um auxiliar no processo de elaboração do TCA.
O PROGRAMA NAS ONDAS DO RÁDIO
O Programa Nas Ondas do Rádio atua na formação de educadores da escola
básica da SMESP por meio de cursos fundamentados na Educomunicação. A portaria
da SMESP no. 5792/09 de dezembro de 2009 implementou o Programa Nas Ondas do
Rádio nas Escolas Municipais de Educação Infantil – EMEI, Escolas Municipais de
Ensino Fundamental – EMEF, Centros Integrados de Educação de Jovens e Adultos –
CIEJA, Escolas Municipais de Educação Especial – EMEE, Escolas Municipais de Ensino
Fundamental e Médio – EMEFM.
As ações desse Programa estão voltadas para o desenvolvimento de projetos nas
Unidades Escolares com o objetivo de promover a gestão democrática, o protagonismo
infantojuvenil, a liberdade de expressão, o uso consciente das tecnologias de comunicação
e informação, aperfeiçoar as competências leitora e escritora e promover a cultura da
paz no espaço escolar. Nesse âmbito a pedagogia de projetos permeia esse processo e
propicia produções interdisciplinares com a participação de professores e estudantes
de forma colaborativa e solidária. As produções midiáticas resultantes são publicadas
em blogs, sites e redes sociais.
Os cursos oferecidos pelo Programa Nas Ondas do Rádio são os seguintes:
• Gestão de Projetos Educomunicativos;
• Agência de Notícias Imprensa Jovem;
• Agente Cultural Mídia Rádio;
• Curso Cinema na escola;
• Nas Ondas do Vídeo;
• Nas Ondas da Fotografia;
• História em Quadrinhos e Fanzine na Escola;
• Jornal Impresso;
• Implementando a Rádio Escolar;
• Cursos a distância;
• Planejamento Educomunicativo: Como elaborar um projeto;
• Imprensa Jovem Online;
O Programa tem ampla consolidação na Rede Municipal de Ensino, é coordenado
desde 2009 por Carlos Alberto Mendes e conta com educomunicadores para ministrar
seus cursos. Em 2014 o curso Imprensa Jovem Online teve como público-alvo professores
e - pela primeira vez - estudantes. Os cursos presenciais acontecem, em geral, nas
Diretorias Regionais de Ensino e nos Centros Educacionais Unificados. Todos os
materiais utilizados estão disponíveis na Midiateca do site, abertos ao público.
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Fanzine & HQ numa perspectiva educomunicativa
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LINGUAGENS: FANZINE & HQ
Dentro dos princípios do Programa Mais Educação e da Educomunicação, o
Programa Nas Ondas do Rádio desenvolveu uma formação para os docentes que tinha
como objetivo estimular a capacidade de comunicação e expressão dos alunos por meio
de algumas linguagens: fanzine e história em quadrinhos - HQs.
Trabalhar com novas linguagens e gêneros permite que os alunos aprendam e
transitem por novas tecnologias e mídias que ampliam a competência expressiva.
Atividades com fanzines e histórias em quadrinhos na escola incentivam a autonomia, a
criatividade, a colaboração e estimulam a produção de conhecimento. Além de contribuir
para o incremento das competências leitora e escritora, desenvolvem novas competências
e habilidades e também aquelas ligadas à apresentação visual.
Mas por que fanzine e história em quadrinhos? O fanzine, por ser uma produção
alternativa feita por fãs de determinada arte ou pessoa, permite uma flexibilidade maior
na formatação da diagramação do impresso, abrindo espaço para uma maior criatividade.
Como aponta Lacerda (2008)
os zines são produções marcadas pelo alto grau de inovações criativas, ora na linguagem,
ora na concepção gráfica…..por uma grande pluralidade de discursos e que representam
uma espécie de arte envolta de idealismo. Não é à toa que nos dias atuais, os fanzines
mantêm sua jovialidade, apesar dos seus quase 80 anos de história. (LACERDA, 2008, p. 2)
Os fanzines, assim, representam um importante veículo, maleável, criativo, e mais
prazeroso para expressão dos alunos.
Histórias em quadrinhos são enredos narrados quadro a quadro por meio de
desenhos e textos, boa parte das vezes em discurso direto, característica da língua
falada. Essa estratégia de organização de texto é marcante na conversação face a face.
Além da linguagem verbal escrita, muitas vezes expressa por meio de onomatopeias,
cuja intenção é transmitir ideias sonoras, as HQs trabalham, essencialmente, linguagem
visual. São imagens que, muitas vezes, falam por si sós.
Essa narrativa verboicônica permite um trabalho de alfabetização visual com os
alunos, importante no mundo cada vez mais imagético em que vivemos. Se hoje as HQs
são reconhecidas como linguagem e gênero importantes, até meados do século XX eram
vistas como publicação menor e de divulgação restrita. Daí porque elas encontraram
nos fanzines um valioso canal para publicação.
De fato, os fanzines, dada suas características elásticas e abrangentes, permitem a
inserção de gêneros variados. Quando se pensa em e-zines, fanzines digitais, aumentase exponencialmente sua capacidade de atingir públicos variados.
Foi esse o propósito do curso “Fanzine e HQ na Escola”, desenvolvido pelo programa
Nas Ondas do Rádio em 2014: promover uma formação educomunicativa, voltada para
aquisição de novas habilidades e competências que permitissem “desenvolvimento
da construção do conhecimento considerando o manejo apropriado das diferentes
linguagens, o que implica um processo que envolve a leitura, a escrita, busca de resoluções
de problemas, análise crítica e produção.” (SÃO PAULO, 2014, p. 80).
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A ELABORAÇÃO DO CURSO
Os formadores4 do Programa Nas Ondas do Rádio iniciaram em janeiro de 2014
a produção do curso de 12 horas, organizado em 4 encontros semanais de 3 horas.
O público-alvo principal eram os professores da rede pública do Ensino Infantil ao
Ensino Médio e cada turma deveria ter um máximo de 25 cursistas.
Além de apresentar informação sobre os gêneros e linguagens, estratégias pedagógicas e softwares5 adequados para desenvolvimento das produções, o foco era trazer
os professores para o centro do processo para que eles vivenciassem a produção de
fanzine e HQ como protagonistas, exatamente o que se pede que eles façam com seus
alunos.
Desse modo, durante os 4 encontros formativos, ao lado de um conteúdo teórico,
foi desenvolvida uma produção em grupo regida pelos princípios da Educomunicação, envolvendo discussão e reflexão sobre a identidade do professor e a elaboração de
conteúdo que refletisse essa trajetória. Paralelamente, aos docentes foram apresentados
recursos digitais para realização da tarefa.
A concepção do curso propunha que o docente percebesse a importância da construção de um fanzine na escola e produzisse um on-line sobre tema ou assunto de que
ele fosse fã, utilizando os programas de formatação tais como Word, Publisher, Power
Point disponíveis no sistema de informática da Secretaria Municipal de Educação. Esse
exercício de construção de fanzine partia do princípio de ser uma experiência livre.
Ao trabalhar com história em quadrinhos, além de tratar do conceito, características
e variações do HQ (como tirinhas, cartum, charge e mangá), o participante criava, em
grupo, sua história: a trama, a ambientação, perfil dos personagens, o conflito. Também
verificava, na prática, a importância do desenvolvimento do roteiro, o significado de
cada balão, o sequenciamento dos quadrinhos, a escolha das letras e seu traçado e, por
fim, o enquadramento.
A história criada em grupo tomava forma por meio do software TOONDOO, um editor
de HQ on-line, gratuito, disponível na internet. Essa HQ depois era inserida no fanzine
criado pelos participantes e publicada pelo ISSUU (aplicativo de publicações on-line).
FORMAÇÃO EM AÇÃO
No primeiro semestre do 2014 foram ministrados as primeiras formações nas
Diretorias Regionais de Educação – DREs - Butantã, Campo Limpo, Itaquera e Penha.
No segundo, foram acrescentadas as DREs de Jacanã-Tremembé, Santo Amaro, São
Miguel, Pirituba, Freguesia do Ó.
Houve grande procura pelo curso de professores da educação infantil e fundamental
1, cerca de 65% dos inscritos, conforme é possível verificar no gráfico e quadro abaixo:
4. Os formadores que faziam parte do programa em 2014, sob a coordenação de Carlos Alberto Mendes
de Lima eram: Anderson Zotesso, Carlos Eduardo Fernandez, Carmen Gattás, Débora Menezes, Isabel
P. Santos, Izabel Leão, Kassandra Carvalho, Katia Cristina, Mariza Pinto, Paola Prandini, Patrícia de
Oliveira, Regina Vilela, Salete Soares e Silene Lourenço.
5. Google Drive, boletim no Word, Power Point, Publisher, editores de imagens, software para produção
de HQ (Toondoo) e para publicação na internet ISSUU
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Quadro 1. Matriculados no curso HQ e
Fanzine na escola, em 2014, por cargo.
HQ E FANZINE NA ESCOLA
AGENTE ESCOLAR
AUXILIAR TÉCNICO DE EDUCAÇÃO
COORDENADOR AÇÃO CULTURAL
COORDENADOR PEDAGÓGICO
DIRETOR ESCOLAR
PROF DE EDUC INFANTIL
PROF. ED. INF. E ENS. FUND. I
PROF. ENS. FUND II E MÉDIO
1
6
1
10
10
92
68
60
248
TOTAL GERAL
Gráfico 1. Perfil dos matriculados no curso HQ e Fanzine na Escola em 2014
O quadro acima evidencia a procura dos professores de Educação Infantil que
buscavam linguagens para trabalhar com crianças, tendência que pôde ser constatada
em todas as DREs.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, o Referencial Curricular Nacional para
Educação Infantil (RCNEI) e o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) reafirmam
a importância da criança ter acesso e interagir com diferentes tipos de texto, aprendendo
a ler imagens, de modo a contribuir para a formação de um leitor competente, capaz
de usar a linguagem em diferentes contextos e situações.
PRODUÇÕES
A diversidade das produções obtidas evidencia a liberdade de expressão proposta
pelo curso: nada foi impositivo, inclusive a possibilidade de criar seu fanzine no papel
e não no meio digital.
Há fanzines de professores cientes de seu papel político, outros que mostraram sua
vida particular, alguns protestaram e há também os que reproduziram estereótipos.
Com relação à forma, ao aspecto visual, apareceram desde modelos mais tradicionais,
em forma de jornalzinho, até diagramações bem criativas.
Alguns trabalhos seguiram o espírito dos fanzines tradicionais, das colagens, e
realizaram um trabalho de “recorta e cola”, para posterior inserção no digital6. Ficou
uma produção híbrida bem interessante, que alterna colagens críticas sobre consumo
de bens e uma tirinha sobre água7, ao lado de mais tradicionais como família, amizade
e artes (cinema e grafitagem), com a produção de uma HQ digital e a marca final da
assinatura dos participantes em letra cursiva, o que por si só já indica uma posição
política sobre o uso de recursos digitais.
6. DRE Penha, outubro de 2014, formadora Silene Lourenço, produção coletiva http://issuu.com/
sileneaglourenco/docs/fanzine__produ____o_final.docx/7?e=0/7636700
7. Tirinha “tímida”, antes do acirramento da crise da falta de água, localizada no alto da página 6,
secção “Diversão”.
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Alguns foram criados em preto e branco8, com predominância de HQs que
utilizaram recursos menos sofisticados, mas nem por isso menos interessantes e com
abordagens criativas.
Outros mostram uma inquietação poética-filosófica, em que conteúdo e forma se
harmonizaram9 para desenvolver um tema.
Alguns optaram pelo visual10, com predominância de imagens sobre o desenrolar
do curso, participação e envolvimento dos participantes. As HQs inseridas no trabalho
mostraram reflexão crítica não somente dos problemas que a escola enfrenta, como a
violência entre as crianças, mas também as idiossincrasias do que se ensina na escola
e o que se aprende em casa, finalizando com abordagem sobre atos ruins que podem
prejudicar o meio ambiente.
Outro fanzine muito criativo e reflexivo11 trouxe discussões sobre as promessas politicas para a educação, abordou diferenças de gênero, falou sobre bullying, a falta de água,
conflitos entre pais e filhos. Escola e casa foram os temas recorrentes deste trabalho colaborativo. Destaca-se ainda a produção intitulada “O universo da cultura independente de
São Paulo”, que objetivou compartilhar opções e informações socioculturais da cidade12.
RESULTADOS
Um aspecto extremamente relevante diz respeito ao fato de que o curso Fanzine e
HQ ministrado nas DREs para os professores produziu alguns resultados imediatos.
Em Itaquera uma professora participante colocou em uso em sua sala de aula os novos
recursos e aprendizados13. No 8o ano B da EMEF Senador Luís Carlos Prestes, a docente
incentivou o processo de criação colaborativa e os estudantes expressaram seus interesses
demonstrando lealdade aos princípios do fanzine: socializar informações sobre os
assuntos preferidos.
A avaliação on-line realizada ao final de cada turma mostrou a aprovação dos
professores participantes em todos os sentidos.
Em uma análise geral os professores aprovaram todos os conteúdos oferecidos
afirmando serem adequadas as datas e a forma de divulgação da inscrição, bem como
os horários estabelecidos, o laboratório de informática e o material de apoio didático.
Quanto à metodologia, os professores tiveram suas dúvidas acolhidas,
problematizadas e respondidas pelo formador, que foi muito bem avaliado em todas as
DREs, sendo reconhecido que este domina os temas e conteúdos abordados, apresentando
estratégias diversificadas e se mostrando sempre solicito para atender àqueles com maior
dificuldade no uso de algum software proposto.
8. DRE Itaquera, abril de 2014, formadora Isabel Pereira dos Santos.
http://issuu.com/mariahelenapereira0/docs/grupo_helena_marcio/4?e=0/7512552
9. Fanzine sobre o tempo, DRE Campo Limpo, setembro de 2014, formadora Salete Soares. http://
issuu.com/mislenequeiroz/docs/fanzine_tempo_creusa_mislene_joana__ad4a226e794794/1
10. DRE São Mateus, formadora Kátia Souza: <http://issuu.com/katiacasouza/docs/fanzine_e_hq_
na_escola.pptx?e=10741459/10243427>.
11. DRE Butantã, formadora Izabel Leão.< http://issuu.com/izabelwiz/docs/03_24_04_14_hq_hist__
ria_dre-bt_tod/1?e=0/7639328>.
12. DRE São Miguel, formadora Isabel Pereira dos Santos. <http://issuu.com/nathaliingrid/docs/
one_shot_fanzine/1>.
13. DRE Itaquera, formadora Isabel Pereira dos Santos. <http://issuu.com/poieeliane/docs/fanzine_digital>.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1521
Fanzine & HQ numa perspectiva educomunicativa
Jarlene Rodrigues Reis • Maria Izabel Leão • Maria Salete Prado Soares
No caso do curso de HQ & Fanzine, os professores mostraram-se entusiasmados
com as diversas possibilidades que o software gratuito Toondoo permite para a criação
de personagens, cenários e diálogos e a facilidade de manejo que o Publisher promove
para a construção de fanzine.
Os quatro módulos do curso foram desenvolvidos de forma que o cursista pudesse
ao final de cada um deles praticar o que foi apreendido naquele momento, aplicando
diretamente as noções de roteiro, enquadramento, representações dos diálogos, tipo
de letras, legendas.
Quatro perguntas específicas sobre a contribuição do curso para a prática do professor em sala de aula mostraram que o curso atingiu seus objetivos visto que mais de 90%
deles confirmaram que houve aquisição de novas competências comunicativas e que elas
têm aplicabilidade em sala de aula, conforme é possível observar no quadro 2, abaixo.
Quadro 2. avaliação dos professores cursistas
Pergunta 1: Temas e
conteúdo correspondem
às minhas necessidades de
formação continuada?
Em
parte
Não
151
9
0
94,4
5,6%
SIM
Pergunta 2: Temas e
conteúdo contribuíram
para a construção de
novos conhecimentos?
Não
Em
parte
157
3
0
98%
2%
SIM
Pergunta 3: Temas e
conteúdo tem aplicabilidade
na minha formação
profissional?
Em
parte
Não
150
10
0
93,8%
6,2%
SIM
Pergunta 4: Temas e conteúdo
favorecem a implementação de
projetos ou propostas pedagógicas
com as linguagens midiáticas?
SIM
Em parte
Não
148
12
0
92,5%
7,5%
Além disso, em outras perguntas solicitadas revelam que o curso estimulou a
produção colaborativa, o trabalho partilhado e o senso crítico.
A análise desses dados, dentro de uma proposta educomunicativa, que não se reduz
à simples apreensão de novos recursos digitais, mostra o caminho educomunicatiovo
trilhado pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo que promove um trabalho
de formação continuada de seus professores. “O sistema escolar pode e deve proceder à
incorporação do potencial oferecido pelas tecnologias, sejam elas digitais ou não – sem
com isto cair no reducionismo tecnicista” (CITELLI, 2012, p. 9).
REFERÊNCIAS
Citelli, Adilson. (2012) Inflexões educomunicativas. Revista Comunicação & Educação Ano
XVII, número 1, jan/jun 2012
Lacerda, Thiago de Oliveira. (2008) Fanzines: Uma faceta da comunicação alternativa na cidade
de Campina Grande. Disponível em: <http://www.insite.pro.br/2008/27.pdf>. Acesso
em: 20 fev. 2015.
São Paulo. Secretaria Municipal de Educação. (2014) Programa Mais Educação São Paulo: subsídios para implantação. Jan 2014. Disponível em: <http://portalsme.prefeitura.sp.gov.
br/Projetos/BibliPed/Documentos/Publica%C3%A7%C3%B5es2014/maiseduc_subsimplantacao2014.pdf >. Acesso em: 20 fev. 2015.
Soares, Ismar O. (2011a) Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação. São Paulo: Paulinas, 2011a.
Soares, Ismar O. (2011b) Educomunicação: um campo de mediações. In: Educomunicação:
contruindo uma nova área de conhecimento. Adilson Odair Citelli; Maria Cristina Castilho
Costa (org.). São Paulo: Paulinas, 2011b.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1522
As instâncias de poder e as atividades da radioescola
The power levels and the radio school activities
Lua na A mor im Gom es 1
Resumo: Este artigo discute as relações de poder que se estabelecem na rotina de
uma radioescola municipal da cidade de Fortaleza. A pesquisa tem como objetivo
identificar como se configuram as decisões sobre a gestão, linguagem, conteúdos
a serem exibidos na radioescola. Objetivamos compreender de que forma a
direção e as professoras responsáveis pela coordenação das atividades conduzem
as atividades de participação dos estudantes na rádio, como por exemplo, decisão
de pautas, manuseio dos equipamentos e veiculação dos programas. Como
recurso metodológico utilizamos a observação participante com a inclusão de
rodas de conversa com os estudantes que participam da radioescola. Para discutir
“o poder” faz-se necessário a leitura de Foucault, dentre outros autores, como,
por exemplo, Deleuze, Guatarri e Lazzarato.
Palavras-Chave: Radioescola. Poder. Escola. Participação.
Abstract: This article discusses the power relations established in the routine of a
local radio school in the city of Fortaleza, state of Ceará, Brazil. The research aims
at identifying how to sort out the decisions managing, language, and the content to
be displayed in a radio school. We intend to understand how the direction and the
teachers responsible for coordinating the activities lead the students` participation
in the radio, such as decision-making guidelines, handling of equipment and
programs broadcasting. As a methodological resource, participant observation
was used together with conversation circles and students participating in the
radio school. In order to discuss “the power”, it is necessary to read Foucault,
among other authors, such as Deleuze, Guatarri and Lazzarato.
Keywords: Radioschool. Power. School. Participation.
INTRODUÇÃO
HEGAR À escola para investigar instâncias de poder e a relação entre adolescentes
C
e núcleo gestor no que se refere às atividades de radioescola é ter sensibilidade
para observar alguns detalhes e regras que vão desde o momento da abertura
do portão e condução à sala da diretoria até a veiculação dos programas de rádio. Disposta a lançar um olhar mais atento àquela realidade, foi possível perceber que existe
uma organização específica instituída no espaço escolar. Na minha primeira visita à
escola, ainda no estacionamento, vejo o burburinho e a fala do professor que insiste
1. Mestre em Comunicação pelo Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Ceará (PPGCOM/
UFC), Coordenadora e Professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Faculdade
Cearense (FaC) e integrante do grupo de pesquisa Reducom [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1523
As instâncias de poder e as atividades da radioescola
Luana Amorim Gomes
para que os estudantes permaneçam sentados e quietos enquanto ele aborda conteúdos
específicos da História do Brasil. Neste momento pude relembrar a infância e a época
escolar onde a situação de permanecer sentado em uma cadeira localizada dentro de
um quadrado pintado no chão durante quatro horas. Relembrar este momento foi, no
mínimo, aterrorizante.
Enquanto recordava do mapa de sala organizado pelos professores e a arguição
feita pela direção da escola toda sexta-feira, caminho pela escola com olhar atento até
chegar à biblioteca para conversar com a professora responsável pelas atividades de
radioescola. A fala contida dos estudantes coordenada pela mediação das professoras
responsáveis pela rádio esteve presente durante todo o momento em que permaneci na
escola para a realização desta pesquisa. O silêncio forçado que se constituiu, em alguns
momentos, até na hora do recreio, ficaram marcados e registrados no meu Diário de
Campo, uma das estratégias utilizadas para compor a metodologia desta pesquisa e a
elaboração deste artigo.
Para discutir “o poder” faz-se necessário a leitura de Foucault, dentre outros autores,
como, por exemplo, Deleuze, Guatarri e Lazzarato. Para Foucault as relações de poder
estão em todos os lugares, sendo uma instância difusa e exercida com base em inúmeros
pontos e abordagens, não existindo, portanto, um espaço privilegiado e exclusivo para
a constituição do poder como, por exemplo, as classes dominantes. É possível perceber
ainda que a força não está presente de maneira singular, sozinha e isolada de outros
aspectos e perspectivas, mas sim relacionada com outras forças. Durante a pesquisa
pude perceber que no ambiente escolar, várias forças são estabelecidas e tensionadas.
Dentro da escola, como foi pontuado no primeiro parágrafo deste trabalho, as
questões relacionadas ao poder e regras estabelecidas estão por toda a estrutura, desde
a sala de aula com cadeiras dispostas em fileiras até a sala da rádio com limitações de
horários para utilização do espaço, e dos equipamentos, por exemplo. Perceber que
existem regras que devem ser seguidas até na hora do recreio é ficar atenta ao olhar da
supervisora escolar que encara estudantes e, mesmo em silêncio, consegue transmitir
repreensões e punições. Em um dos momentos, após o término do recreio foi possível
ver um grupo de meninos sentados em cadeiras no meio do pátio fazendo uma atividade
extra por terem rompido com algumas regras durante o horário do intervalo. Estar ali,
no meio do pátio, fazendo atividades de punição em silêncio pode ser correlacionado
com o que diz Lazzarato acerca das vozes e da relação de poder entre os locutores. E
quando estes são silenciados? “La voz implica ya un modo de acción específico del
discurso que, en palavras de Foucault, podemos llamar “ación sobre acciones posibles”
(LAZZARATO, 2007, p. 27 ).
Sobre a questão do silenciar, Lazarato discute a necessidade de uma atividade verbal
para a garantia de uma esfera estratégica de ações sobre ações possíveis. “Es último
elemento – el sentimiento de la actividad de creación de la palabra – expresa la fuerza
del afecto, del elemento no discursivo que engendra no sólo la realidad física de la
palabra, sino también el sentido y la apreciación” (LAZZARATO, 2007, pág. 30/31). A
fala, carregada de sentimento, acaba sendo a afirmação de um ponto de vista através do
enunciado, uma posição carregada de conhecimento de mundo, de si e dos outros que
vivenciam a mesma realidade. “un movimiento en el cual son arrastrados a la vez el
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1524
As instâncias de poder e as atividades da radioescola
Luana Amorim Gomes
organismo y la actividad semántica, pues lo engendrado es, el mismo tiempo, la carne
y el alma de la palavra en su unidad concreta, nos dice Guattari” (LAZZARATO, 2007,
pág. 30/31).
Foucault justifica que “enquanto o sujeito humano é colocado em relações de produção
e de significação, é igualmente colocado em relações de poder muito complexas”. Para
o autor, tanto “a história e a teoria econômica forneciam um bom instrumento para
as relações de produção” quanto “a lingüística e a semiótica ofereciam instrumentos
para estudar as relações de significação; porém, para as relações de poder, não temos
instrumentos de trabalho” (FOUCAULT, 1995, p. 232).
Com base em uma perspectiva de diálogo entre teóricos na categoria de poder
faz-se necessário considerar novamente a discussão trazida por Lazzarato (2007). Para
o autor uma relação de poder se articula sobre os elementos que são indispensáveis
para se justificar uma relação de poder como, por exemplo, aquele a qual o poder está
sendo exercido e que diante desta relação de poder possa se abrir todo um campo de
respostas, reações efeitos e invenções possíveis. Una relación de poder “actua sobre
el campo de posibilidade en el que se inscriben los comportamientos de los sujetos actuantes: incita, induce, desvía, amplía o limita, vuelve más o menos probable”
(LAZZARATO, 2007. p. 36).
Para discutir a perspectiva das instâncias de poder na escola é preciso relatar aqui
as dificuldades encontradas pela pesquisadora para ter acesso à escola e aos dados de
rádios instaladas nas escolas municipais de Fortaleza. O tempo de pesquisa precisou
ser reduzido tendo em vista de que, para visitar a escola e permanecer neste ambiente,
seria necessária uma autorização expedida pela Secretaria Municipal de Educação (SME).
Para tanto foi preciso fazer solicitação formal por meio de ofício e cópia do projeto de
mestrado impresso. Informações desencontradas e falta de manejo na condução de
algumas orientações foram vivenciadas pela pesquisadora que aguardou cerca de 45
dias a liberação e a autorização da Secretaria.
OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE E A UTILIZAÇÃO DO DIÁRIO DE CAMPO
De acordo com Guber (2004) a observação participante consiste em duas atividades
que podem ser consideradas como principais: observar e participar. Para a autora, a
observação consiste em estar atento a tudo o que acontece em torno do investigador,
estando o pesquisador fazendo ou não parte das atividades. A observação envolve,
além do fato de estar atento ao que ocorre, participar tomando parte das atividades
que são realizadas pelo grupo, ou pelo menos de parte delas. (GUBER, 2004. p. 110).
Para o observador é importante levar em consideração as suas experiências vividas
“La participación pone el énfasis en el papel de la experiencia vivida y elaborada por el
investigador desde este ángulo parece que estuviera adentro de La sociedad estudiada”
(GUBER, 2004. p. 111).
A autora enfatiza a necessidade de anotar as experiências vividas em campo.
Acerca deste recurso de registro, optamos por utilizar o diário de campo para anotar
as minhas impressões. “(...) desde el ángulo de la observación, el investigador está alerta
permanentemente pues, aunque participe, lo hace con el fin de observar y registrar los
distintos momentos de la vida social” (GUBER, 2004. p. 111). Os dados registrados no meu
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1525
As instâncias de poder e as atividades da radioescola
Luana Amorim Gomes
diário de campo serão analisados de maneira interpretativa, levando em consideração
o contexto em que as escolas estão inseridas e próprio do sistema cultural escolar,
ambiente no qual a pesquisa se insere. Para Guber (2004) “el investigador debe proceder
a la inmersión subjetiva; dar cuenta de esa cultura no es explicarla, sino comprenderla”
(GUBER, 2004. p. 111). É importante salientar que, mesmo que haja distanciamento,
não significa dizer neutralidade ou apatia, mas sim responsabilidade com os sujeitos
pesquisados, até porque o papel do investigador é transitório dentro do grupo. Podendo
ser concluído num período em que o grupo ainda continua com as suas atividades e,
talvez, o pesquisador não possa mais acompanhar.
“Como administrar simultaneamente observações, leituras, reflexões e frustrações?”
(WINKIN, 1998, p. 138) Esta pergunta do teórico Yves Winkin (1998) norteou a escrita
deste trabalho e as incursões feitas à escola durante a pesquisa. Como eu conseguiria
colocar no papel todas as minhas percepções? Como fazer isso diante da necessidade de
tentar registrar tudo de maneira fiel e próxima à realidade. Optei pela escrita do diário
de campo com base nas orientações do autor com a inclusão de duas colunas sendo a
da direita responsável pela escrita das observações no momento da pesquisa e a coluna
da esquerda para comentários posteriores. “É preciso que o Diário tenha uma função
catártica. É o que Schatzman e Strauss (1973) chamam de função emotiva do Diário”
(WINKIN, 1998, pág. 138) Ainda de acordo com o autor a segunda função do Diário é
empírica. “Nele vocês anotarão tudo o que chamar a sua atenção durante as sessões de
observação” (WINKIN, 1998, p. 139). Para o autor, num primeiro momento as anotações
vão ser feitas aleatoriamente, depois vão ter um cunho mais analítico e na sequência,
com a prática, o pesquisador anotará coisas relevantes para a pesquisa e de uma maneira
muito mais rápida e eficaz. A terceira função do Diário é reflexiva e analítica. “Na verdade, trata-se de impressões de regularidades, às claras ou em filigrama (coisas que não
aparecem são talvez tão importantes quanto as que aparecem)” (WINKIN, 1998, p. 139).
Em muitos momentos o Diário de Campo foi objeto de desejo por parte das estudantes
participantes da pesquisa. As anotações feitas em alguns momentos chamavam atenção
das estudantes. Neste momento é importante salientar que por mais que o pesquisador
tente se integrar à rotina da escola ou da comunidade pesquisada a sua presença em
campo, no ambiente dos sujeitos envolvidos, muda, de certa forma, a rotina de atividades
propostas por aquele grupo. Vale pensar que quando colocamos uma máquina fotográfica
ou filmadora em um espaço onde estamos inseridos, pequenas modificações são feitas,
nem que seja no modo de sentar, se expressar, etc. Diante dessa realidade não foi utilizado
gravador ou qualquer outro tipo de equipamento eletrônico, visto que a entrada do
pesquisador na realidade do grupo já traria mudanças no comportamento. A utilização
de equipamentos só ampliaria a modificação.
A escrita no Diário de Campo aconteceu no momento da percepção de algum
elemento considerado relevante para a compreensão da realidade do grupo ou alguma
manifestação que estivesse diretamente envolvida com o objetivo da pesquisa. Na
sequência, ao sair do ambiente escolar, eu relia as anotações e fazia outros apontamentos,
com outras percepções e releituras do que havia sido considerado no momento da oficina
ou da veiculação do programa. Para a realização desta pesquisa, foram feitas ao todo
sete visitas à escola, sendo três delas em momentos de oficinas, uma delas no momento
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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As instâncias de poder e as atividades da radioescola
Luana Amorim Gomes
festivo de aniversário da escola, produção do programa de rádio e apresentação durante
a oficina, veiculação do programa e gravado e veiculação do programa ao vivo.
AS OFICINAS DE RÁDIO E A DISCUSSÃO DOS CONTEÚDOS
As visitas à escola foram feitas durante as oficinas de formação em radioescola,
momentos festivos e ainda durante a produção e veiculação de programas de rádio,
tanto os executados ao vivo quanto os gravados. O objetivo de percorrer todos estes
processos junto aos estudantes e professores era acompanhar, em diferentes momentos,
a participação, o envolvimento e a condução dos processos que requeriam diferentes
instâncias de decisões e envolvimentos dos educandos. Orientada por uma perspectiva
metodológica que me estimulou a perceber para além das instâncias da radioescola,
me propus a percorrer os corredores da escola e outros espaços para além da sala onde
aconteciam as atividades. Durante a veiculação dos programas me permiti passear pela
escola para observar como os outros estudantes se comportavam durante a veiculação
da programação.
O meu foco de observação eram as oficinas de radioescola e as atividades desempenhadas pelos estudantes sob a mediação das professoras. Por acreditar ser o momento
das oficinas uma das etapas mais importantes deste processo me amparei na leitura de
Mário Kaplún no que diz respeito à produção de conteúdos e a mediação nos processos
de aprendizagem. Para Kaplún (1998), uma das características da comunicação educativa
é a ênfase no processo. Por conta desta orientação do autor e também relacionando com
a minha prática como comunicadora de oficinas de rádio em escolas optei por tentar
compreender questões relacionadas ao poder e à rádio partindo do cotidiano de oficinas
de rádio por acreditar que neste momento questões são colocadas pelos educandos e
conduzidas pelos professores envolvidos.
O autor acredita que os meios de comunicação de massa com freqüência se propõem
a manipular a opinião do público e moldar e uniformizar suas condutas. Partindo desta
premissa, é importante que “a los medios masivos y los emplee ampliamente en sus
campañas educativas” (KAPLÚN, 1998, p.37). Na radioescola como essa discussão se
processa? Como as falas são conduzidas ou orientadas pelos professores e pelo núcleo
gestor? De acordo com Kaplún, muitas vezes a participação se configura apenas como
“aparencia uma seudoparticipación: los contenidos y los objetivos ya están definidos y
programados de antemano” (KAPLÚN, 1998, p.38). O autor acredita que os educandos
participam apenas executando atividades que já foram determinadas previamente.
Com base nesta problematização trazida por Kaplún, é importante perceber que as
iniciativas de projeto de comunicação e educação inseridas dentro da escola sigam uma
orientação dialógica e reflexiva, propondo estratégias, junto aos estudantes, capazes de
discutir a realidade e questionar o que é proposto pela mídia considerada “de massa”.
“No se vende criticidad, solidaridade, liberación, con los mismos recursos com que
se vende Coca Cola” (KAPLÚN, 1998, p.45). De acordo com o autor, a educação é um
processo permanente e o sujeito, envolvido neste processo descobre, elabora e reinventa
a realidade, fazendo com o que o conhecimento passe a ser seu. “Un proceso de acciónreflexión que él hace desde su realidade, desde su experiencia, desde su práctica social,
junto com los demás” (KAPLÚN, 1998, p.45).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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As instâncias de poder e as atividades da radioescola
Luana Amorim Gomes
Em outra oportunidade, durante a pesquisa na escola para a produção deste artigo,
foi possível perceber que as questões da radioescola, como por exemplo, assuntos a
serem discutidos na rádio são orientados pelas professoras e relacionam-se com datas
comemorativas e com base em uma demanda da escola em ter aquele assunto pautado
seja na rádio ou em outros espaços, como, por exemplo, a Feira de Ciências. Quando
perguntado se havia alguma manifestação espontânea dos estudantes para a produção
de algum programa de rádio com uma temática que não seja relacionada a datas
comemorativas, foi respondido que algumas vezes os estudantes pensam e sugerem
programas. Foi possível perceber que quando os estudantes vivenciam momentos de
tensão ou discordância de decisões tomadas pelo núcleo gestor da escola, não é discutida
a possibilidade de elaborar um programa de rádio discutindo a situação, por exemplo.
Durante todo este processo, de compreensão, de dialogicidade, está o educador. Como
já foi considerado, anteriormente, a figura deste profissional é de extrema importância
para o processo. No entanto, o profissional que está dedicado a questão de ensino/
aprendizagem junto aos educandos não se configura como sendo aquele que ensina e
dirige, mas como o que acompanha e estimula o processo de análise e reflexão “para
facilitarselo, para aprender junto a él y de él para construir juntos” (KAPLÚN, 1998, p.50).
Para pensar a discussão dos conteúdos e como as atividades se configuram dentro
das oficinas vamos retomar a observação participante e as anotações feitas no meu
Diário de Campo. A fala da professora ecoa “Não é o que você está acostumada e sim
a necessidade de seguir as regras”2 parece bastante significativa. Neste momento é
possível perceber que uma proposta de construção coletiva de atividades e a elaboração
de um programa com “a cara” dos estudantes pode estar sendo conduzida para algo
considerado “certo” e um formato pensado antecipadamente. Quem criou as regras
que a professora cita em sua fala? Como diz Lazzarato qualquer ato de fala se dirige a
alguém em resposta a algo e expressa valores e pontos de vista, assim como emoções,
simpatias e antipatias a respeito da situação de passado “y presentes, que circulan en
el espacio público. Todo acto de habla apunta a un acuerdo o a un desacuerdo, invoca
a los amigos y conjura a los enemigos” (LAZZARATO, 2007, p. 33/34).
A fala dos educadores seja em momento de oficina ou não, na rotina da radioescola
ou no dia a dia da escola, é carregada de significado e recorre, muitas vezes, ao que é
previsto e demandado por questões institucionais que acabam sendo transpostas para
o espaço da rádio. Espaço este que deveria ser um espaço de diálogo ou proposição de
questões para além do que é posto em outros ambientes ou realizado dentro de sala
de aula.
Para Lazzarato as relações de poder são assimétricas. Isto significa que, no contexto
que observamos, há uma diferença de forças entre duas instâncias, aí representada pela
professora responsável pela mediação das atividades e o estudante que pensou em
transgredir as regras e produzir o programa de rádio dentro de outra perspectiva e outro
formato que não havia sido pautado ou pensado anteriormente. Ainda para Lazaratto
essa relação não necessariamente é má se pensarmos dentro de uma perspectiva moral.
“Una relación de poder es diferente de una de dominación. Las relaciones de dominación
2. Informação obtida durante pesquisa realizada na escola no mês de novembro de 2011.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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As instâncias de poder e as atividades da radioescola
Luana Amorim Gomes
son de lo mismo tipo, sólo que son fijas, es decir, no son móviles, ni reversibles, ni
susceptibles de ser modificadas” (LAZZARATO, 2007, p. 76).
OS PERCALÇOS DA PESQUISA
Uma manhã festiva em uma escola na cidade de Fortaleza pode não ser tão pacata
como imaginamos. Durante a comemoração de 37 anos da escola pesquisada aconteceram coisas que, inicialmente, não estariam previstas no roteiro de qualquer programa
radiofônico. Foi o momento de lembrar uma das atividades das oficinas de radioescola
quando a professora ponderava a necessidade de um planejamento para o total sucesso
da realização das atividades. A comemoração do aniversário da escola aconteceu num
sábado pela manhã. Toda a comunidade escolar foi convidada e o grupo de radioescola
que hoje já não está mais responsável pelas atividades e não está sendo investigado neste
artigo foi convidado pela direção para realizar algumas atividades. Inicialmente estava
previsto que duas meninas, as consideradas “the best”3 pela coordenação da rádio, fariam
o cerimonial, as entrevistas, algumas intervenções durante a cerimônia, tanto ao vivo
quanto com material gravado. Ao chegar à escola fui surpreendida pela abordagem da
professora que me informou mudanças nos planos. As meninas ficariam apenas com o
cerimonial previamente elaborado pela coordenação. “O tempo está curto e resolvemos
tirar a parte das entrevistas”4. As mudanças no roteiro não estavam apenas aí. Em um
determinado momento algumas pedras começam a ser jogadas na quadra da escola,
onde estava ocorrendo a comemoração. Por alguns instantes todos ficam assustados e
interrompem a fala para tentar entender o que estava acontecendo. A direção da escola
retomou a fala e as pedras tornam-se mais intensas levando o guarda da escola a ir até
a calçada verificar o que estava acontecendo. Enquanto todos aguardam um retorno do
funcionário o vento forte derruba os equipamentos montados em data show, assustando
uma das apresentadoras da rádio que estava conduzindo o cerimonial da festa. Com
o susto o microfone é jogado no chão e o fio se rompe5. A partir deste acontecimento
uma nova fase da pesquisa se configura o grupo que estaria sendo formado agora e que
ficaria responsável pelas atividades da rádio já não poderá mais realizar as atividades
conforme planejado, tendo em vista que o microfone é fundamental para a gravação e
veiculação do programa.
Sobre esta questão da escola ser alvo de violência, vale contextualizar que o bairro
é considerado violento pela comunidade escolar. Outra questão que vale ser ressaltada
diz respeito às especulações sobre o ataque à escola. Estudantes apontam que o
apedrejamento veio de alguns estudantes que tiveram acesso barrado devido estarem
com roupas consideradas inadequadas ao espaço escolar. Durante a pesquisa presenciei
conflitos gerados a partir das roupas que os estudantes utilizavam. Muitos tiveram que
“voltar para casa” por não estarem com as roupas condizentes com as estabelecidas nas
3. Termo utilizado pela professora responsável pela radioescola e obtido por meio de observação participante
durante as oficinas e visitas feitas à escola pela pesquisadora.
4. Informação obtida por meio de conversa informal com a professora responsável pela radioescola no dia
07 de novembro de 2011 durante pesquisa para elaboração de artigo científico.
5. Na sequência da pesquisa, foram realizadas outras visitas e o microfone que havia se rompido não foi
consertado, mas alguns equipamentos que haviam chegado à escola e não haviam sido abertos ainda foram
disponibilizados para a equipe da rádio para que pudessem fazer programas ao vivo.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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As instâncias de poder e as atividades da radioescola
Luana Amorim Gomes
regras da escola. Nesta perspectiva disciplinar, vale destacar o que nos diz Foucault
(1977). Segundo o autor, as relações de poder estabelecidas no século XX nas instituições,
seja na família, na escola, nas prisões ou nos quartéis, foram marcadas pela disciplina,
cujo objetivo principal era a produção de corpos dóceis, eficazes economicamente e
submissos politicamente. A questão do vestuário está relacionada à disciplina e ao
termo ortopedia social, “que tenta assegurar a ordenação das multiplicidades humanas”
(Foucault, 1977, p. 191 apud Prata6, p. 3). Trata-se de produzir corpos dóceis, tornando o
exercício do poder economicamente menos custoso possível, estendendo os efeitos do
poder social ao máximo de intensidade e tão longe quanto possível, e ainda ligando o
crescimento econômico do poder ao rendimento dos aparelhos pelos quais se exerce,
sejam pedagógicos, militares, industriais e ou médicos. O autor acredita que, agindo
assim, há o crescimento tanto da docilidade quanto da utilidade de todos os elementos do
sistema (Foucault, 1977, p. 191). Esta docilidade dentro da escola, por exemplo, repercute
no fato de os adolescentes não elaborarem programas que enfrentem as regras impostas
pela escola. Os programas de rádio acabam refletindo a programação da própria escola,
os eventos festivos e o calendário de atividades ou festejos nacionais como foi o caso do
Dia Nacional da Consciência Negra.
Após os acontecimentos violentos no dia do aniversário da escola, ainda houve uma
oficina de formação em radioescola. Na ocasião os estudantes estavam tendo atividades
no laboratório de informática, espaço fechado com poucos participantes e fizeram o
programa de rádio “ao vivo”, sem a utilização de microfones ou outros recursos mais
específicos. Os programas foram apresentados mais no formato teatral, diante dos outros,
sem a perspectiva radiofônica de valorização do som e inexistência das imagens. As
locutoras7 fizeram suas apresentações diante do restante do grupo e aproveitaram o
restante do tempo disponível para a oficina para realizar tarefas no computador e ainda
para tirar dúvidas de edição. De acordo com a professora coordenadora da radioescola
o tópico da edição é o mais complicado para os estudantes. Muitos têm dificuldades de
levar adiante o processo de edição, ficando a cargo das professoras ou ainda de um ou
dois estudantes que têm interesse mais específico neste assunto.
Pesquisar na escola, participar do cotidiano da construção de um programa de
rádio feito por estudantes sob a supervisão e coordenação de um professor é identificar e
tentar compreender questões relacionadas às instâncias de poder que se estabelecem na
escola. Procurei caminhar pelo espaço escolar não só durante a veiculação do programa,
mas também durante os momentos em que os estudantes estavam produzindo e se
preparando para a programação ao vivo. Observar com um olhar de pesquisador é
identificar que algumas instâncias de poder estão presentes, por exemplo, na proibição do
uso do espaço do laboratório de informática pelos estudantes na ausência do professor.
Outra proibição diz respeito ao uso restrito dos equipamentos da radioescola. Para
dialogar com essas questões do poder e os modos de vida “micro e macropolíticos” no
cotidiano, retomam-se as contribuições de Deleuze (1992) que, nos seus estudos sobre
Foucault, destacou a importância do deslocamento dos códigos sociais que se orientavam
6. Artigo disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n28/a09n28.pdf e sem data de publicação.
7. No turno da tarde havia apenas meninas participando da oficina em radioescola.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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As instâncias de poder e as atividades da radioescola
Luana Amorim Gomes
pela disciplina para uma sociedade que se mobiliza pelo controle, tendo como alvo a
incitação e captura do desejo. É precisamente nessa questão que penso ser interessante
operar uma “analítica da formação do desejo no campo social”, ou seja, o modo como
se cruza o nível das diferenças sociais mais amplas (que Guattari chamou de “Molar”)
com aquele que denominou de “molecular” (GUATTARI; ROLNIK, 1996. p. 127).
A PERSPECTIVA DOS ESTUDANTES
Aliado à metodologia de observação participante com a elaboração do Diário
de Campo optei por interagir com alguns estudantes que estavam participando das
atividades da rádio diretamente. Reuni-me com alguns meninos e meninas e dialogamos
por meio de uma Roda de Conversa. Conversei tanto o grupo que já está a mais tempo
nas atividades da rádio, quanto os meninos e meninas que participaram há pouco tempo
das oficinas de formação em rádio.
A conversa aconteceu antes da veiculação de um programa ao vivo feito por
estudantes das duas etapas do curso de radioescola. Conversei com três meninas e um
menino dos turnos manhã e tarde. As duas meninas do turno da tarde haviam ido à
escola especialmente para participar desta conversa. Encontramo-nos no Laboratório
de Informática Educativa, espaço onde aconteciam as oficinas de rádio e as meninas
do turno da tarde estavam usando roupas classificadas pela supervisora pedagógica
como impróprias. Por conta desta questão elas tinham a orientação de permanecer
apenas dentro do Laboratório de Informática não podendo circular pela escola ou
ainda participar do programa de rádio da hora do intervalo. Esta questão gerou um
inconveniente, pois foi dito que as estudantes só poderiam ficar na escola por conta da
pesquisa e da minha presença, caso contrário elas teriam que “voltar para casa”, já que
conheciam a regra quando ao vestuário. Passado o constrangimento, começamos uma
conversa sobre os interesses em participar da rádio, os temas que mais gostavam de
abordar, a rotina de produção. Foram colocados alguns temas geradores e não perguntas
fechadas. A ideia era a de que pudéssemos conversar um pouco sobre a atuação de cada
uma na rádio. A conversa começou tímida, mas foi possível perceber que, para as novatas,
a ideia de participar da rádio tinha surgido do fato de terem visto a movimentação na
hora do intervalo e terem se interessado em fazer parte deste espaço, de falar ao vivo
no microfone e ser conhecido na escola. No caso do menino que também era do novo
grupo que estava se formando, o interesse foi gerado a partir de um convite de uma das
professoras coordenadoras do projeto para ser apresentador de um programa de poesia.
A menina que está a três anos na rádio e foi responsável pela locução do programa
deste dia falou sobre alguns temas que já haviam sido abordados e da sua emoção de
estar sempre participando dos eventos da escola, fazendo programas de rádio que são
ouvidos por todos e está também na internet. Quando questionados acerca dos assuntos
que são abordados e da rotina de produção dos programas os educandos responderam
que os assuntos geralmente são pautados de acordo com datas comemorativas ou ainda
quando algum deles pensa em algo que poderia ser interessante, como por exemplo, dia
das mães, dos pais, comemoração de aniversário da escola, ou seja, acaba sendo voltado
para questões e calendários festivos já pautados pela própria escola.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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As instâncias de poder e as atividades da radioescola
Luana Amorim Gomes
Fazendo uma relação entre a fala dos estudantes e alguns aspectos observados
durantes a pesquisa, o que me chamou a atenção no momento da Roda de Conversa,
além das regras de uso do Laboratório de Informática, é que os estudantes comentaram
de maneira bastante naturalizada o fato do roteiro do programa ser finalizado
pela professora. A digitação e correções são feitas pela professora orientadora e os
estudantes têm acesso à versão final para ser lida no momento do programa. A fala dos
estudantes soou neste momento como sendo algo “incorporado” à rotina deles e reflete
a condição de algumas regras a serem seguidas não apenas na radioescola, mas em
outras instâncias participativas da instituição escolar, como é o caso do laboratório de
informática. Numa relação com os autores estudados podemos resgatar Deleuze, numa
releitura de Foucault, quando o autor afirma que o poder: “passa pelos dominados tanto
quanto pelos dominantes (já que passa por todas as forças em relação)” (DELEUZE,
1988, p.79).
ASPECTOS CONCLUSIVOS
Foi possível identificar que as instâncias de poder na radioescola estão ligadas a
aspectos que já fazem parte da “Instituição” escola. São regras e orientações feitas por
profissionais que conduzem o processo educacional a partir de uma perspectiva histórica
e que acabam sendo transpostas para a realidade da rádio que está localizada em um
espaço central e estratégico, no pátio escolar. As atividades da rádio são consideradas
como sendo centrais e estruturantes, dando visibilidade ao que é feito na escola e a um
trabalho que é desenvolvido com os educandos. Como pensar, por exemplo, que os
estudantes poderiam fazer um programa de rádio questionando a proibição de entrar na
escola usando determinadas vestimentas? Ou ainda acerca da orientação de utilização
dos equipamentos do laboratório de informática apenas com a presença de um professor?
Esse tipo de abordagem não é feita pelos estudantes.
É preciso pontuar, por exemplo, o fato de o roteiro do programa ser digitado pela
professora orientadora. Esta realidade, como pontua Foucault, este tipo de condução
faz parte de um momento de exercício de poder sobre o outro de maneira estratégica e
a radioescola seria o momento em que este exercício de poder estaria aberto a inverter
esta instância, mas me parece falho a partir do momento em que não é questionado ou
ponderado pelos estudantes. Na fala dos participantes da rádio foi possível perceber
um sentido de naturalização ou entendimento diante do fato do roteiro ser digitado e
editado pela professora e não pelos adolescentes que construíram o texto.
Durante a veiculação do programa é a professora quem comanda a operacionalização
dos equipamentos. Os botões de início de final da programação são acionados pela
professora sem nenhuma participação dos estudantes que permanecem com os
microfones nas mãos à espera do play de um programa previamente digitado e aprovado
pela professora. Com base nestas questões podemos salientar o que diz Lazzarato
com relação às estratégias “Juegos estrategicos que hacen unos intenten determinar
la conducta de otros, y que los otros respondan intentando no dejar determinar su
conducta, intentando determinar a su vez la conducta de los otros, señala Foucault”
(LAZZARATO, 2007, p. 25/26).
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As instâncias de poder e as atividades da radioescola
Luana Amorim Gomes
Nesta perspectiva, para os autores, o poder é visto como uma relação de forças
que se estabelecem dentro da rotina da rádio e da própria escola que segue com suas
questões historicamente inseridas no cotidiano escolar. Nesse sentido, a força tem como
objeto outras forças, ou seja, “uma ação sobre ações” (FOUCAULT, 1995, p. 244). Voltando
a discussão acerca da questão central colocada inicialmente é possível afirmar que a
condução do processo de produção de atividades relacionadas à radioescola e ainda a
outras atividades de instâncias participativas na escola são coordenadas e orientadas
pelas professoras responsáveis por esta atividade. Desde a proposição dos conteúdos,
geralmente pautados pelas professoras ou a partir do calendário de eventos da escola
passando pela finalização e aprovação do roteiro até a operação dos equipamentos da
rádio. Durante a atividade de comemoração do aniversário da escola, todo o texto do
cerimonial que foi lido pelas estudantes da radioescola foi elaborado pelas professoras.
Em uma conversa inicial a professora responsável pela radioescola havia comentado
que toda a apresentação da comemoração do aniversário da escola seria feita pelos
estudantes que estavam pensando em um roteiro especial e entrevistas ao vivo durante
a cerimônia, mas não foi o que aconteceu no dia dos festejos de aniversário da escola.
O roteiro lido havia sido preparado por gestores e não pelos estudantes. Diante destas
ponderações, vale relacionar com a fala de Foucault ao dizer que o poder não é um
bem, mas é algo que se exerce em rede, e nessa rede está por toda a escola, e perpassa
a todos os indivíduos circulam nela, sendo que qualquer um pode estar em posição
de ser submetido ao poder, mas também de exercê-lo. Nessa perspectiva, não se trata
da questão de “quem tem o poder”, mas de estudá-lo no ponto em que se implanta e
produz seus efeitos reais.
REFERÊNCIAS
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar”
impacta comunidades e alunos
Tela Brasil Workshop: how “educating the eye”
impacts communities and students
A n a Pa u l a S o u s a 1
Resumo: Estimulados a transformar em imagens suas próprias histórias, os
alunos das oficinas de audiovisual, modelo que tomou impulso no Brasil a partir de 2003, descobrem não apenas um novo jeito de olhar, mas também de se
expressar, ganhando maior capacidade crítica e tendo sua autoestima impactada.
A falta de continuidade das oficinas tende, por outro lado, a criar nos alunos um
sentimento de abandono e de incapacidade para continuar a lidar com o audiovisual. Já quando realizadas dentro do ambiente escolar, as oficinas parecem
propiciar menor engajamento, mas maior possibilidade de continuidade. Tais
conclusões são fruto de pesquisa realizada a partir de um estudo de caso: as
oficinas Tela Brasil, realizadas pelo Instituto Buriti a partir de 2007. Ao longo de
oito anos, as oficinas atenderam 3.158 alunos de diversas localidades do país e
deram origem a 407 curtas-metragens. Em 2014, as oficinas passaram a acontecer,
exclusivamente, em escolas públicas – tendo beneficiado dez instituições. Teoricamente, o trabalho assenta-se nos estudos relativos à interface entre educação
e audiovisual. Empiricamente, a base de análise são as entrevistas qualitativas
realizadas com os dois idealizadores do projeto, seis educadores, seis alunos e
quatro professores de escolas públicas.
Palavras-Chave: oficinas de audiovisual; educação audiovisual, cinema, pedagogia, comunicação.
Abstract: Encouraged to transform their own stories into images, the students
who attended audiovisual workshops, a model program that took off in Brazil
in 2003, discovered not only a new way of looking at things, but also a new way
of expressing themselves, while also sharpening their critical thinking skills
and boosting their self-esteem. On the other hand, the lack of continuity of the
workshops tended to make the students feel abandoned and incapable of making
progress on their own with audiovisual projects. When held inside schools, the
workshops seem to promote less engagement, but improved chances for continuity. These conclusions are the result of research based on a case study: the Tela
Brasil workshops, organized by the Instituto Buriti starting in 2007. For eight
years, the workshops were attended by 3,158 students throughout Brazil and
gave rise to 407 short films. In 2014, the workshops began to be held, exclusively,
in ten different public schools. Theoretically, the work is founded on studies
1. Doutoranda em Sociologia no IFCH, Unicamp: [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar” impacta comunidades e alunos
Ana Paula Sousa
regarding the interface between education and audiovisual communication.
Empirically, qualitative interviews held with the project’s two creators as well
as six educators, six students and four public school’s teachers involved in the
workshops served as the basis for the analysis.
1. INTRODUÇÃO
CINEMA, COMO escreveu o crítico francês André Bazin (BAZIN, 1992), é, antes
O
de tudo, uma linguagem – linguagem capaz de imitar o inimitável e recriar o
mundo. Essa noção é essencial para que se compreenda o sentido das oficinas
de audiovisual e a interface entre cinema e educação, temas que serão explorados de
forma conjugada neste trabalho. O artigo é fruto de pesquisa realizada a partir de um
estudo de caso: as oficinas Tela Brasil, realizadas pelo Instituto Buriti entre 2007 e 2013.
As oficinas colocaram 205 educadores em campo, em diversas localidades do país,
atenderam 3.158 alunos e deram origem a 407 curtas-metragens. Em 2014, as oficinas
passaram a acontecer, exclusivamente, em escolas públicas – tendo beneficiado dez
instituições. A origem deste artigo é o livro “Cine tela Brasil e oficinas Tela Brasil: dez
anos levando cinema a escolas públicas e comunidades de baixa renda” (BODANSKY
e BOLOGNESI, 2014), cujas pesquisas e textos foram realizados por mim. Neste trabalho, à pesquisa de campo que alinhava o livro foram acrescentadas a reflexão teórica a
respeito da interface entre audiovisual e educação e um balanço analítico da migração
das oficinas para os colégios. Teoricamente, a pesquisa assenta-se nos estudos relativos
à educação, à educação audiovisual e à comunicação na educação. Empiricamente, a
base de análise são as entrevistas qualitativas realizadas com os dois idealizadores do
projeto, seis educadores, seis alunos e quatro professores.
2. EDUCAÇÃO AUDIOVISUAL: UMA BREVE RETROSPECTIVA
Já na década de 1970, Paulo Freire (FREIRE, 1974) afirmava que a escola deveria deixar
de ser um espaço primordialmente fabricador de memórias repetitivas para tornar-se um
espaço comunicante e, portanto, criador. Na visão de Freire, que enxergava a educação
como prática da liberdade, estão assentados muitos dos significados da interface entre a
escola e o audiovisual, tema que mobiliza educadores e pesquisadores da comunicação
neste início de século. Afinal de contas, tão vastas quanto as possiblidades abertas pelo
encontro entre a escola e o cinema parecem ser as indagações em torno do assunto. Dentre
as perguntas colocadas sobre a mesa estão: [1] Por meio de que caminhos o audiovisual
pode chegar à sala de aula? [2] De que modo é possível preparar os professores para o
uso dessa nova ferramenta? [3] O ensino do audiovisual como instrumento de cidadania
precisa estar restrito ao ambiente escolar?
Apesar de ainda não haver respostas definitivas para tais perguntas, tornou-se ponto
passivo, entre os estudiosos, que o audiovisual tem uma contribuição a oferecer não
apenas ao processo transformação do ambiente escolar mas também no de formação do
indivíduo. Afinal de contas, numa sociedade na qual a comunicação audiovisual tornouse hegemônica, a competência comunicativa passa a depender também do domínio dos
códigos da expressão audiovisual (FERRÉS, 1996). Em tal cenário, os filmes, sobretudo
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar” impacta comunidades e alunos
Ana Paula Sousa
quando transportados para o universo da prática – em processos que envolvam a feitura
e não apenas a recepção –, são uma ferramenta capaz de desenvolver o conhecimento
racional e de despertar novas sensibilidades, entrelaçando conhecimento formal e
informal (TOLEDO, 2010).
No Brasil, o cinema começou a ser usado como material pedagógico na década
de 1930, mas com características que pouca semelhança guardam com o modelo
atualmente perseguido. O papel do cinema educativo era divulgar valores nacionais
e fazer frente ao entretenimento hollywoodiano (PIRES, 2011). Tal herança prolongouse por décadas e, durante muito tempo, a presença do cinema na escola limitou-se a
um papel de coadjuvante: vez por outra, os professores exibiam um filme para ilustrar
determinado tópico ou para cobrir o espaço de uma aula vaga. Hoje é consenso, no
entanto, que as funções e o potencial dessa ferramenta vão muito além do papel
“auxiliar” (DECAIGNY, 1978). Uma vez que a comunicação audiovisual e as tecnologias
da informação “estão presentes e influenciam todas as esferas da vida social”, a escola
também precisa integrá-las às suas práticas (BELLONI, 2005, p. 10). Se ver filmes é
abrir novas janelas para o mundo, levar o audiovisual para a sala de aula é expandir
os significados da ideia de educar:
Quando falamos em educação audiovisual estamos nos referindo a uma ideia de que o olhar
é educável ou é suscetível de receber uma educação. Lembremos que educável não quer
dizer ensinável (...) Educável é mais amplo, não é escolar (...) Quando penso em educação
audiovisual, penso em algo que faz parte da cultura, como a educação do paladar, do olfato,
da audição, do tato, da inteligência como aponta (ALMEIDA, 2011, p. 72).
O audiovisual, nesse sentido, contribuiria para a construção da cidadania
(CANCLINI, 1995) e para o desenvolvimento das competências que os novos tempos
requerem. Na visão de MARTÍN-BARBERO (2014), as identidades dos jovens tornaramse fluidas e maleáveis, e não tem sentido aprisioná-los num modelo escolar apoiado
apenas na escrita. Dentro desse contexto, o Congresso brasileiro aprovou, em 2014, a
lei 13.006, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e determina que
as escolas exibam filmes nacionais para os alunos. Dado esse passo, outro desafio se
impôs: como fazer com que o professor, cuja formação não inclui o audiovisual, consiga
integrá-lo à didática? Cabe pontuar que os professores são, eles próprios, espectadores
cuja recepção é limitada pela falta de acesso à produção cinematográfica (BRUZZO,
2011) e que, colocado a serviço de uma velha pedagogia, o novo recurso corre o risco
de perder o poder transformador:
A significativa quantidade de meios audiovisuais guardados em instituições educacionais
confirma que a causa principal da não integração do audiovisual na escola não é a falta
de meio, mas a desmotivação e o despreparo (...) O vídeo é uma tecnologia ambivalente.
Pode-se utilizar para perpetuar as estruturas do poder ou criar estruturas de participação
(FERRÉS, 1996, p. 82)
Coloca-se, assim, a questão formulada por MARTÍN-BARBERO e REY (2004): As
escolas estão atentas às modificações na percepção do espaço e do tempo vividas pelos
adolescentes inseridos neste fluxo incessante de informações e imagens? Ou será a escola,
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar” impacta comunidades e alunos
Ana Paula Sousa
como preconizavam BOURDIEU e PASSERON (1970), uma inevitável reprodutora dos
sistemas de legitimação e dominação vigentes e estabelecidos pelas classes dominantes?
A julgar pelo pensamento de Bourdieu e Passeron, quando realizadas nas escolas, as
oficinas de audiovisual, se comparadas àquelas feitas em comunidades, têm o potencial
de transformação diminuído.
3. OFICINAS DE AUDIOVISUAL: NOVOS OLHARES, NOVAS VOZES
A pesquisa Educação audiovisual popular no Brasil (TOLEDO, 2010) revela que, entre
1990 e 2009, 26 mil alunos passaram por oficinas e cursos livres audiovisuais no Brasil.
Os cursos, segundo a autora do etudo, deram origem a 3,3 mil curtas e médias-metragem
feitos, sobretudo, por alunos jovens e moradores de bolsões de pobreza das capitais
do país. Paralelamente às ações de entidades da sociedade civil, como Kinoforum,
Instituto Criar, Central Única das Favelas, Nós do Cinema, foi criado, em 2004, o
programa Revelando os Brasis. O programa, idealizado pelo Ministério da Cultura
(MinC), convidava moradores de municípios com menos de 20 mil habitantes a fazerem
os próprios vídeos.
Antes disso, em 2003, a prefeitura de São Paulo lançou o VAI, Programa para a
Valorização de Iniciativas Culturais, que financia atividades de jovens de baixa renda;
em 2005, entidades e coletivos paulistas se organizaram com o objetivo de desenvolver
políticas públicas para o setor, realizando o I Fórum Paulistano de Cinema e Vídeo
Comunitário Jovem; e em 2007, a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura
lançou o 1º Concurso de Apoio à Produção de Obras Audiovisuais Digitais, destinado
a integrantes ou egressos de projetos sociais com foco na linguagem audiovisual. Tais
iniciativas originaram coletivos que usam o audiovisual para se expressar e construir
suas narrativas. O deslocamento do discurso audiovisual, antes praticamente um
monopólio das classes médias e altas, deu origem ao que MOCARZEL (2012) chama
de “autoetnografia”:
Num mundo globalizado e cada vez mais virtual e imagético, o ensino da linguagem audiovisual é bem mais que um mero exercício de “educação artística”, mas um instrumento
político através do qual jovens e pessoas de todas as idades podem repensar a construção
da própria imagem nessa “sociedade do espetáculo” que nos envolve (...) Todos aqueles que
tradicionalmente eram “personagens” de filmes documentários (...) hoje estão (...) construindo
a própria visão de mundo (MOCARZEL, 2012).
Em filmes que costumam fazer “da precariedade um dado a seu favor” (HAMBURGER,
2012, p. 55), os jovens das periferias vão construindo imagens de si e dos lugares em que
vivem – imagens, quase sempre, muito distintas daquelas que terceiros produziam. Os
curtas resultantes das Oficinas Tela Brasil são exemplares dessas criação que é, a um
só tempo, cinema, educação de olhar e encontro com a própria voz.
4. OFICINAS TELA BRASIL: CÂMERAS COLADAS À VIDA
Realizadas em formatos e lugares diversos, as oficinas Tela Brasil têm uma
multiplicidade de sentidos que pode ser acessada tanto por meio dos filmes quanto
por meio dos relatos de quem delas participou. Aqui, o foco recairá sobre os relatos. A
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar” impacta comunidades e alunos
Ana Paula Sousa
narrativa que se segue foi baseada em entrevistas qualitativas realizadas com educadores
e alunos das oficinas no primeiro semestre de 2014.
“Por mais que os filmes fossem fundamentais, o grande resultado era ver que os
jovens saíam do processo sabendo não apenas filmar, mas sabendo se posicionar de
maneira mais assertiva. Eles chegavam de peito encolhido e cabeça baixa e saíam de
peito aberto e cabeça erguida”, descreve Marina Santonieri, que coordenou as oficinas
ao longo de cinco anos. “Influenciamos a vida de alguns desses alunos, e a verdade é
que eles também influenciaram muito a minha”, diz Henry Grazinoli, outro educador
Não deve ser fruto do acaso o fato de tanto Marina quanto Henry terem se enxergado,
ao longo da vida de estudantes, como outsiders. O sistema educacional parecia incapaz
de acomodá-los. Henry passou por cinco faculdades: história, filosofia, direito (em duas
instituições) e cinema. Marina saiu tão desiludida do colegial que disse para si mesma
que não faria curso superior. Só aos 23 anos prestou vestibular para cinema.
“Na escola, eu gostava de escrever, mas odiava o resto”, relata Henry. “Depois,
mesmo na faculdade de cinema, não entendia porque, na aula de fotografia, tinha
de ficar vendo um PowerPoint em vez de estar com a câmera na mão.” Assim como
Henry, Marina se saía bem nas disciplinas de humanas, mas caminhava aos tropeços
em matemática e sentia-se desencaixada no sistema tradicional de ensino. Convidada
por Moira Toledo para integrar o projeto, teve como que uma epifania. O trabalho
embalado pela ideia de conscientização coletiva se revelou algo que buscava sem saber.
“De repente, entendi que o cinema poderia ser uma ferramenta de transformação
social”, afirma.
Henry e Marina embarcaram no projeto em seu nascedouro, atuando como
instrutores na oficina de formação de 20 professores aprendizes, em 2007. Do workshop,
os educadores partiram para a primeira oficina, realizada em Campinas. “No último dia,
foi uma choradeira generalizada. Isso se repetiria em quase todas as oficinas”, relembra
Marina. Era comum que os participantes agarrassem aquela chance de fazer um filme
como se fosse a última. “Os alunos descobriam que, mesmo vivendo sob condições
desaforáveis, podiam ter voz ativa e se fazer ouvir. Isso é definitivo para a autoestima.
Não era raro ouvir um jovem dizer que aquela tinha sido a experiência mais importante
da vida dele”, descreve Henry, resumindo o que, na proposta pedagógica, é chamado
de empoderamento.
Desde o primeiro momento, os alunos eram convidados a transformar ideias e
pulsões em filmes, mesmo que as únicas coisas a guiá-los fossem a incerteza e a dúvida.
“Sempre enxergamos tudo o que acontecia nas oficinas como sendo educativo em si”,
sublinha Marina. “Eu dizia: como a gente aprende a andar de bicicleta? Caindo, não
é? Isso servia para os alunos, mas também para a gente.” Refletindo sobre o poder
transformador da arte, Henry recorda um caso passado numa favela da periferia de
Hortolândia (SP). Os alunos eram desconcentrados, conversavam entre si e tinham
dificuldades para cumprir os horários. Dois irmãos, Danilo e Zico, chegavam a sumir
durante algumas tardes, reaparecendo no dia seguinte. Quatro anos depois, o educador
voltaria a Hortolândia para dar um workshop sobre como inscrever projetos em editais
públicos. Henry relata que, ao chegar, um jovem negro, cheio de si e cheio de estilo,
foi abraçá-lo: “Sou o Zico!”. O jovem contou que, depois daquela primeira oficina,
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar” impacta comunidades e alunos
Ana Paula Sousa
inscreveu-se em um edital de vídeo lançado pela prefeitura. Não apenas ganhou o
prêmio para realizar um documentário como, com o dinheiro, comprou câmera, ilha
de edição e abriu uma produtora. Zico e Danilo passaram a fazer vídeos institucionais
para a prefeitura da cidade.
As razões pelas quais uma oficina marca mais ou menos os educadores são variadas.
A realizada no Morro do Alemão, no Rio, em novembro de 2010, ocorreu na mesma
semana da ocupação feita pelo Exército e pela Polícia Militar. Do Cantagalo, também
no Rio, ficou na memória a qualidade dos filmes produzidos. Outra oficina marcante
foi a de Aracruz (ES), feita numa escola indígena. O educador Diego Urbaneja fica com
um nó na garganta ao lembrar-se do menino de 8 anos que chegou carrancudo às aulas.
O grupo do qual o garoto fazia parte ia filmar a história de uma turma de índios que
tinha de salvar o cacique engolido por uma serpente. Como se tratava de uma animação,
um passo obrigatório da tarefa era fotografar os personagens. Diego entregou a câmera
fotográfica para o garoto de cara amarrada. “Ele ficou vidrado com a câmera e muito
tocado pelo fato de eu ter confiado nele. A partir disso, uma coisa tão simples, consegui
acessá-lo. Ele mudou completamente. Passava o tempo todo atrás de mim, virou um
parceiro”, descreve. No dia da exibição dos curtas, numa escola em forma de oca, os
moradores da aldeia levaram artefatos indígenas de presente para os professores. Mas
Diego conta que seu presente foi outro: “Ao fim da sessão, esse menino correu para mim
e me deu o abraço mais apertado que já recebi na vida. Foi demais. Nessa hora, não tive
dúvidas. Pensei: ‘Estou fazendo a coisa certa’”.
Igualmente fortes são os casos nos quais os alunos trouxeram à tona suas tragédias
e traumas. Uma jovem vítima de abuso sexual roteirizou sua vida como se ficção fosse;
uma menina com paralisia infantil escreveu um roteiro sobre uma bailarina que sofre
um acidente na véspera de uma apresentação. Nesse processo, um dos grandes dilemas
enfrentados pelos educadores dizia respeito ao grau de intervenção, especialmente na
edição. Na montagem, os filmes ganham um ou outro sentido, era preciso equilibrarse no meio fio entre a intervenção e a liberdade. O educador Jeff Barbosa diz que sua
preocupação era que o filme ficasse com o olhar dos alunos. “Eu fazia sugestões, mas
sempre procurando seguir o que eles queriam. Tentava mostrar que não importava se
a sequência tinha levado um dia para ser feita; se outra cena, que saiu ao acaso, fosse
melhor, era a que deveria ficar”, diz. Para Edu Bezerra, educador egresso das Oficinas
Querô, o segredo era, sem descaracterizar a ideia original, conduzir os alunos a um bom
resultado. Bezerra admite, porém, que costumava instruí-los, durante as filmagens, para
que as gravações já levassem em conta os cortes. “Se eles gostassem do filme e sentissem
que o filme era deles, estava tudo certo”, resume.
Bezerra montou cerca de 50 curtas nas oficinas. De um deles, guarda uma lembrança
especial: Filhos da Ilusão (2009). O filme, sobre um menino que se envolve com o tráfico
de drogas, foi feito por internos da Comunidade de Acolhimento Sócio-Educativo (Case)
da Bahia, que participaram de uma oficina em Salvador. Como eram internos, passaram
o tempo todo com escolta policial. “Pela minha idade, e também por ter feito as oficinas
Querô, eu não estava tão distante deles. Sinto que, de algum jeito, eles viram, através de
mim, que pelo caráter e pelo pensamento correto, poderiam conseguir coisas boas.” Essa
proximidade entre professores e alunos, possibilitada pela idade e pela origem social, é
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar” impacta comunidades e alunos
Ana Paula Sousa
uma das chaves do projeto. Os chamados professores aprendizes – alguns egressos das
oficinas – tendiam a gerar, entre os alunos, uma identificação muito maior. “A história
que o jovem vindo da periferia tem para compartilhar é muito mais interessante que a
minha, a possibilidade de troca e de espelhamento é muito maior”, defende Moira Toledo.
Exemplo disso é Miguel Nagle. Formado pela Escola Livre de Cinema de Nova
Iguaçu (RJ), ele foi ouvinte na oficina promovida na cidade e decidiu, após a realização
do curta Folhas Secas (2008), entrar em contato com a equipe para tentar virar educador.
“Nos três anos em que trabalhei no projeto, me sentia dando um retorno pelo que
tinha recebido. Em toda oficina alguém me chamava de canto pra perguntar se dava
mesmo pra tentar fazer cinema”, relata. “Eu sempre dizia pra eles correrem atrás dos
sonhos deles. Acho que eu servia de inspiração. Isso era legal, mas era também uma
responsabilidade.” Miguel já dirigiu 20 curtas e, em 2014, finalizou seu primeiro longametragem, Metanoia.
Outro aluno, Lucas Muller, participante da oficina de Cabo Frio (RJ), autor do curtametragem Vivências (2008), conta que, nos primeiros dias de curso, comportou-se de
maneira terrível. “Causei até um motim para fragmentar os grupos. Tudo isso porque
não me dava bem com quase ninguém e queria que o filme fosse do meu jeito. Lembro
que umas 3 ou 4 pessoas do meu grupo foram embora naquela semana e nunca mais as
vi. Os coordenadores disseram que aquilo nunca havia acontecido. Pronto: eu era o mais
odiado da oficina”, relembra Lucas que, no meio do processo, foi mudando de maneira
profunda. “As gravações me marcaram bastante. No dia da exibição, nosso filme seria
o último. E talvez, sem modéstia, foi o melhor, o que mais sensibilizou a plateia.” Desde
então, ele decidiu que o cinema seria seu sustento e sua forma de expressão. Hoje, mora
em São Paulo, abriu uma produtora e realiza clipes e filmagens de shows.
Apesar de, para alguns, as oficinas terem aberto um caminho profissional, o que
realmente contava era o potencial de transformação. Marina relata que era comum que
pais e professores se surpreendessem com o desempenho de alunos problemáticos:
“Os piores da escola despontavam como os melhores ali. Nas oficinas, você pode ser o
que você é e, a partir das suas características, gerar sua contribuição. Mesmo quem se
vê como o pior, pode se descobrir como o melhor em alguma coisa. Isso se leva para a
vida”. A intensidade desse processo explica porque a hora da partida era quase sempre
complicada. “A gente sabia que tinha de seguir e levar aquilo para outras pessoas, mas
era dolorido. Os alunos se sentiam órfãos”, diz Marina. “Era difícil”, completa Diego.
Cansados de “ir embora”, os coordenadores do projeto, os cineastas Laís Bodanzky
e Luiz Bolognesi, decidiram então mudar o foco das oficinas: para tornar o trabalho
perene, era preciso mirar as escolas.
5. CINEMA E ESCOLA: UMA RELAÇÃO DELICADA
Se, após dez anos, Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi2 resolveram mudar o
foco é também porque estão convictos de que o audiovisual pode contribuir para a
transformação da escola pública em um ambiente no qual os alunos gostem de estar.
2. A explicação de Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi foi dada durante entrevista concedida à autora deste
artigo em 2014, para a feitura do livro mencionado na introdução.
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar” impacta comunidades e alunos
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Além disso, como teoria e prática têm demonstrado, a feitura de filmes contribui para
o desenvolvimento de uma leitura crítica da produção audiovisual presente em nossas
vidas e pode ser usada como ferramenta de ensino e aprendizagem.
Tendo tais ideias como ponto de partida, a equipe desenhou o projeto sobre algumas
premissas. A primeira delas é que, além das aulas presenciais, era preciso ter uma
plataforma digital que propiciasse, à distância, a continuidade do trabalho. A segunda é
que, para garantir que a semente do audiovisual dê frutos, é preciso incentivar as escolas
a criar cineclubes e produzir filmes fora do âmbito das oficinas – ou seja, o audiovisual
precisa se transformar em algo cotidiano. O primeiro passo rumo à materialização do
projeto foi buscar dez escolas que se mostrassem abertas para o novo. Na busca, um
dado que serviu de bússola foi o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Em tese, quanto maior o Ideb, mais preparado estaria o colégio para um projeto de feição
inovadora. Contudo, raras são as instituições com um índice acima da média. Surgiu aí
a primeira dificuldade: trabalhar com as escolas que se destacam é trabalhar com um
universo limitado. O filtro seguinte seria o das escolas que possuem blogs e os atualizam.
Atendidos esses dois requisitos, era hora de começar a fazer os contatos e perguntar
se a escola tinha computadores, datashow e internet. Não foram poucas as escolas que
sequer quiserem ouvir do que se tratava. Alguns diretores se recusaram a atender as
ligações, outros diziam não ter tempo para esse tipo de atividade ou afirmavam já estar
tocando algum outro projeto [social ou cultural].
A estrutura básica das oficinas divide-se em dois módulos presenciais e uma série
de web-aulas. A ideia inicial era que, ao longo do ano, os educadores Edu Abad e Jeff
Barbosa fossem duas vezes a cada escola, ficando três dias na primeira vez e quatro no
retorno. Algumas escolas pediram, porém, para concentrar o curso em dois módulos
de dois dias, mantendo-se a carga horaria de 42 horas. Inicialmente, previa-se que o
retorno se desse três meses depois do primeiro módulo; em alguns casos, a pedido das
escolas, a volta aconteceu cinco meses depois. A principal dificuldade enfrentada foi
manter essa interação virtual: a internet não mobilizou alunos e professores como se
esperava e não é simples encontrar um modelo atraente de web-aulas. “Logo depois das
aulas presenciais, cheguei a falar com a equipe pelo Google+, mas ficou tudo meio no ar
e, com o tempo, o projeto foi sendo esquecido”, admite o professor Lindomar Araújo, da
Escola Vicente Licínio Cardoso, no Rio. Araújo pondera que os alunos, de forma geral,
querem botar logo a mão na massa e que, dada a quantidade de distrações e afazeres na
vida contemporânea, a única forma de garantir o engajamento virtual seria diminuindo
o intervalo entre uma visita e outra. “A internet não é suficiente para manter o vínculo.”
Entre as exceções estão os alunos do Centro Educacional Monsenhor Miguel de Santa
Maria Mochón, no Rio, tiveram grande participação via Google+ e Facebook. Mesmo após
o fim do projeto, alguns alunos seguiram em contato. A professora responsável na Escola
Municipal Professora Ivani Oliveira, em Seabra (BA), também manteve contato intenso
via internet, pedindo não só dicas de edição, mas de filmes que pudessem inspirá-los
durante o processo – o engajamento era tamanho que o tema da feira cultural da escola,
em 2014, foi o audiovisual. “A troca de conteúdo à distância, quando não é formal, tende
a não continuar. Para ativar as escolas individualmente, isso nem é um problema sério.
Mas, se queremos trabalhar em escala, é imprescindível”, pontua Bolognesi.
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar” impacta comunidades e alunos
Ana Paula Sousa
Uma mudança importante em relação às oficinas anteriores foi a opção pelo uso de
equipamentos disponíveis nas escolas. “A gente chegava que nem uma banda de rock,
depois guardava tudo e ia embora. Eles tendiam a achar que sem aquela parafernália
não dava para fazer. O equipamento mais sofisticado pode tanto inspirar quanto gerar
frustração”, avalia Jeff Barbosa. A despeito das dificuldades de se filmar com celulares
ou de editar com softwares gratuitos, é fato que os filmes saíram – com resultados quase
sempre bastante interessantes. Os alunos da Escola Estadual Hugo Simas, em Londrina
(PR), produziram um vídeo em 3D. Os do Mochón ousaram a ponto de produzir um
filme de terror; para levar a cabo a ideia de filmar uma menina que, em contato com
o lixo, se torna uma morta-viva, tiveram de aprender a fazer maquiagem e efeitos
especiais. Na Escola Municipal Jonas Barcellos Corrêa, em Belo Horizonte, a diretoria
se mobilizou para comprar duas câmeras e um projetor. Em outros lugares, a energia
ficou concentrada nos temas. No colégio de Ensino Médio Augustinho Brandão, em Cocal
dos Alves (PI), uma das opções foi por uma comédia que brinca com a deficiência física
e o amor adolescente. Já os alunos da Escola Municipal Professora Ivani Oliveira, em
Seabra (BA), aproveitaram a oficina para contar a história do lugar em que vivem num
documentário. Na Escola Estadual General Malam, em Campo Gande (MS), a turma
teve de enfrentar o nariz torcido da direção para tratar do romance entre duas meninas.
Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Conde Luiz Eduardo Matarazzo, um dos
cinco colégios participantes da oficina do CEU Butantã, os alunos transformaram o
problema da falta de água em São Paulo no drama “Água entre nós”. “O mais importante
é a ideia. Para fazer sempre se dá um jeito, né?”, diz Ivani de Paula Medeiros Andrade,
diretora da escola paulistana.
Se a questão dos equipamentos não é determinante, um outro problema que se
colocou ao longo de 2014 parece mais delicado: o da falta de tempo nas escolas. Em
muitas delas, o professor que decidia participar da oficina tinha de ser substituído por
outro na sala de aula. Outras vezes, sequer havia professores interessados. “É muito
comum que os professores, que já são sobrecarregados, prefiram não pegar projetos que
os ocupem mais ainda”, avalia o professor Lindomar Araújo, do Rio. Jeff Barbosa, ao
chegar às escolas, sentia isso na pele. “Acho que temos de agregar, e não nos tornarmos
mais uma obrigação para o professor. Temos de pegá-los de forma mais carinhosa. Ele
precisa estar ali sem outras preocupações, e não dividido”, reflete. O que está claro para
Bolognesi é que, apesar das dificuldades para se encontrar uma brecha nas agendas
escolares, o projeto não pode entrar na grade: “Colocar na grade é uma briga perdida.
Temos de comer pelas beiradas. A gente tem de ser opção de turno complementar. Caso
contrário, ao invés de um saber dinâmico, vira um saber formal”. O fato de se tratar
de uma atividade optativa, porém ministrada no ambiente escolar, também parece ter
feito com que o índice de evasão fosse superior ao das oficinas dadas em comunidades,
onde a desistência era praticamente nula. Como o projeto nas escolas tem apenas um
ano, é cedo para se determinar as razões e a efetividade desse dado – sobretudo porque
em algumas escolas o engajamento foi enorme. Foi esse o caso do Centro Educacional
Monsenhor Miguel de Santa Maria Mochón:
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Oficinas Tela Brasil: como a “educação do olhar” impacta comunidades e alunos
Ana Paula Sousa
Desde a passagem do Tela Brasil, nossa escola respira cinema. Para você ter uma ideia, a
escola desenvolveu um projeto para a discussão da questão racial e todos os alunos fizeram
um curta. Detalhe: o trabalho podia ser feito em qualquer formato. O projeto de doação
de sangue também virou um documentário. Sinto que os filmes levam os alunos a serem
algo completamente diferente do que são em sala de aula. Ao criar alguma coisa, eles se
sentem mais livres, mais valorizados (Ana Paula Freitas Rodrigues, diretora do Mochón,
em entrevista à autora, 2014)
Hoje, o Mochón tem um núcleo permanente de produção audiovisual e o Cine
Mochón, que promove a exibições e debates. Exemplo semelhante pôde ser encontrado
na Escola Estadual Koki Kitajima, em Registro (SP):
Chegando nesta escola, encontrei professores tristes e alunos com problemas de comportamento e mau desempenho. Nossa escola atende cinco conjuntos habitacionais e dá prioridade
a famílias com crianças especiais ou que tenham pai ou mãe presos. Lidamos com uma
realidade complicada. As oficinas mudaram tudo. Antes, quando se falava em Koki, todo
mundo arrepiava os cabelos. Agora, você não imagina quanta gente vem perguntar quando será a próxima oficina. O cinema entrou de um jeito tal na nossa escola que agora para
tudo os alunos querem fazer filme. A gente também criou um cineclube (Célia Monteiro de
Mello Rodrigues, diretora da Escola Estadual Koki Kitajima, em entrevista à autora, 2014).
6. CONCLUSÃO
Estimulados a transformar em imagens suas próprias histórias, os alunos das
oficinas de audiovisual, modelo que ganhou força no país a partir de 2003 (TOLEDO,
2010), descobrem não apenas um novo jeito de olhar, mas também de se expressar,
ganhando maior capacidade crítica e tendo sua autoestima impactada. O estudo de caso
indica, de maneira não conclusiva, que a falta de continuidade das oficinas Tela Brasil
tende, por outro lado, a criar nos alunos um sentimento de abandono e de incapacidade
para continuar a lidar com o audiovisual. Já quanto transferidas para o ambiente escolar
– que foi o que aconteceu em 2014, em uma experiência piloto –, verificou-se que as
oficinas tendem a engajar menos os alunos, mas ganham maior possibilidade de ter
desdobramentos perenes.
O que é possível concluir é que, em qualquer das duas situações, estimulados a
assumir o papel de protagonistas das histórias que contariam, os participantes das
oficinas são deslocados dos lugares que estavam habituados a ocupar. A partir desse
deslocamento, eles deixam de ser espectadores passivos do audiovisual e, quando têm
em mãos os meios para produzir imagens e narrativas, é como se descobrissem, atrás
ou diante da câmera, novos olhares sobre si.
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Ana Paula Sousa
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Aulas de campo e as práticas educomunicativas:
a sala de aula encontra a realidade
A n d r e a P i n h e i r o P a i va C ava l c a n t e 1
C át i a Lu zi a O l i v ei r a
da
S i lva 2
Resumo: O presente trabalho discute as aulas de campo da disciplina Educomunicação, do Curso Sistemas e Mídias Digitais (UFC), como práticas significativas na formação de educomunicadores. As aulas de campo, inspiradas
nas aulas-passeio de Freinet (1998), são realizadas ao longo do semestre para
conhecer práticas educomunicativas no contexto escolar e em organizações
não governamentais e significam o momento em que a sala de aula se encontra
com a realidade, gerando trocas de conhecimentos entre os envolvidos. É possível aos estudantes articular os conhecimentos teóricos com as experiências
práticas, fortalecendo a aprendizagem. Nesses encontros, além de conhecer as
experiências de comunicação desenvolvidas nessas instituições, os alunos têm a
oportunidade de ministrar oficinas para crianças e jovens, a partir da formação
recebida em sala de aula. Mediante questionário de avaliação de tais atividades foi possível constatar que as aulas de campo são iniciativas significativas
para a compreensão da educomunicação como área de intervenção social e
para a formação do futuro profissional do curso de Sistemas e Mídias Digitais
porque possibilitaram aproximar o contexto universitário do contexto escolar,
contribuindo para o entendimento de que práticas dialógicas e participativas
favorecem novas formas de aprendizagem.
Palavras-Chave: Educomunicação. Aulas de campo. Aprendizagem.
Abstract: This paper discusses the field classes of the Educomunication course
of the Digital Systems and Media (UFC), as meaningful practice in developing
educommunicators professionally. The field classes, inspired by Freinet’s class
outing (1998), are held throughout the semester to meet educomunicative practices in the school context and non-governmental organizations and represent
a moment when the classroom meets reality, generating knowledge exchange
among the participants. It is possible for students to articulate the theoretical
knowledge with practical experience, strengthening learning. In these meetings, apart from understanding the communication experiences developed
in these institutions, the students have the opportunity to teach workshops
for children and young people from the training received in the classroom.
Through an evaluative questionnaire of such activities, it has been established
that the field classes are significant initiatives to understand the educational
communication as a social intervention area and for the career development of
1. Doutora, Professora da Universidade Federal do Ceará, e-mail: [email protected]
2. Doutora, Professora da Universidade Federal do Ceará, e-mail: [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1545
Aulas de campo e as práticas educomunicativas: a sala de aula encontra a realidade
Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante • Cátia Luzia Oliveira da Silva
the future professional of the Digital Systems and Media course because they
allowed bridging the university context and the school context, contributing to
the understanding that dialogic and participatory practices promote new ways
of learning.
Key words: Educational communication. Field classes. Learning.
INTRODUÇÃO
DISCIPLINA DE Educomunicação, criada em 2013, é optativa do Curso Sistemas e
A
Mídias Digitais (SMD) da Universidade Federal do Ceará, de natureza interdisciplinar, sendo constituído por docentes de várias áreas do saber, especialmente das áreas de Computação, Educação e Comunicação Social. Foi criado no Instituto
UFC Virtual, espaço da Universidade com larga experiência em Educação a Distância,
sendo responsável pelos cursos de graduação semipresenciais da Universidade Aberta
do Brasil e reconhecido como um dos mais eficazes centros de produção de material
didático digital.
O curso possui duas áreas de concentração, Sistemas Multimídia e Mídias Digitais.
Nos semestres iniciais, os três primeiros, os alunos cursam conjuntamente as disciplinas
obrigatórias e a partir do quarto semestre, elegem as disciplinas de maior interesse entre
as duas áreas, definindo assim a sua trajetória de formação. Os itinerários formativos,
como são designados, compõem-se de um conjunto de disciplinas optativas que orientam
a formação do aluno em determinada área do conhecimento, como jogos digitais,
sistemas web e animação gráfica. A primeira oferta para ingresso de alunos se deu em
2010. Atualmente são cerca de 300 alunos matriculados nos cursos diurno e noturno.
É nesse contexto de conhecimento interdisciplinar que a disciplina Educomunicação
passou a integrar o fluxograma de matérias optativas do SMD, com a intenção de
contribuir com uma formação mais crítica, mais humanista e mais comprometida com
as demandas sociais, na perspectiva proposta por Boaventura de Souza Santos (2011),
a de constituição de um conhecimento pluriversitário ou como propõe Morin (2011), do
conhecimento complexo.
O presente trabalho se propõe a discutir as aulas de campo da disciplina
Educomunicação, como práticas significativas na formação de educomunicadores.
Inspiradas nas aulas-passeio de Freinet (1998), tais atividades são realizadas ao longo
do semestre e visam conhecer práticas educomunicativas no contexto escolar e em
organizações não governamentais, constituindo um encontro da sala de aula com a
realidade, gerando trocas de conhecimentos entre os envolvidos. O corpus teórico
aproxima ainda Soares (2006), Freire (1998) e Avena (2008) para refletir sobre as aulas
de campo como espaços formativos. Na próxima seção, apresentamos os conceitos de
conhecimento complexo e pluriversitário.
FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA E COMPROMISSO SOCIAL
Em contraposição a um conhecimento essencialmente disciplinar e hierarquizado,
emerge um conhecimento contextual e transdisciplinar, que Santos (2011) nomeia como
conhecimento pluversitário.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1546
Aulas de campo e as práticas educomunicativas: a sala de aula encontra a realidade
Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante • Cátia Luzia Oliveira da Silva
(...) é o resultado de uma partilha entre pesquisadores e utilizadores (...) e obriga a um
diálogo ou confronto com outros tipos de conhecimento, o que o torna internamente mais
heterogêneo e mais adequado a ser produzido em sistemas abertos menos perenes e de
organização menos rígida e hierárquica (Santos, 2011, p.42).
Morin (2011), por sua vez, entende que está na ideia de complexidade a chave para
a ruptura com a fragmentação científica.
Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada
vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns
aos outros; por outro lado, considerando que a aptidão para contextualizar e integrar é uma
qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida e não atrofiada
(Morin, 2011, p.16).
Contrapondo-se ao paradigma antes dominante, que defendia a ideia de que “conhecer
significa quantificar”, Santos (2006) propõe a emergência do paradigma social, como
forma de superar a fragmentação da realidade proposta pela Modernidade. Santos (2006,
p. 155) defende a ideia de que toda forma de conhecimento implica auto-conhecimento
e argumenta que a Modernidade ocidental se assentou na base de duas epistemologias
por ele denominadas “conhecimento-regulação” e “conhecimento-emancipação”3.
No contexto da modernidade ocidental, as possibilidades de emancipação foram
reduzidas em função das investidas do capitalismo, dando espaço para o crescimento do
conhecimento-regulação e, assim, a ciência moderna, antes uma forma de conhecimento,
se “converte no monopólio do conhecimento válido e vigoroso, consagrando a
epistemologia positivista, em detrimento das epistemologias alternativas”. (SANTOS,
2006, p. 155).
No início do século XXI, pensar e promover a diversidade e pluralidade, para além do capitalismo, e a globalização, para além da globalização neoliberal, exige que a ciência moderna
seja não negligenciada ou muito menos recusada, mas reconfigurada numa constelação mais
ampla de saberes onde coexista com práticas de saberes não científicos que sobreviveram
ao epistemicídio ou que, apesar de sua invisibilidade epistemológica, têm emergido e florescido nas lutas contra a desigualdade a discriminação, tenham ou não por referência um
horizonte não capitalista. (Santos, 2006, p. 155-156)
Em oposição à “monocultura do saber”, Santos (2006, p. 154) postula a necessidade
de que haja uma “articulação entre as estruturas do saber moderno/científico/ocidental
e as formações nativas/locais/tradicionais”, o que ele nomeia como “uma ecologia de
saberes”, porque argumenta, “o futuro encontra-se, assim, na encruzilhada dos saberes
e das tecnologias”.
Nessa mesma linha de entendimento, Morin fala em re-ligação de saberes de modo
que seja possível articular a cultura das humanidades e a cultura científica (2011, p.33),
favorecendo novas formas de pensar. “É nessa mentalidade que se deve investir, no
3. Segundo o autor, “no conhecimento-regulação a ignorância é concebida como caos e o saber como ordem;
no conhecimento-emancipação, a ignorância é concebida como colonialismo e o saber como solidariedade”
(2006, p.155).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Aulas de campo e as práticas educomunicativas: a sala de aula encontra a realidade
Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante • Cátia Luzia Oliveira da Silva
propósito de favorecer a inteligência geral, a aptidão para problematizar, a realização
da ligação dos conhecimentos” (p.32).
A disciplina de Educomunicação assume, pois, esse desafio de, articular as questões
dos campos da comunicação e da educação, na perspectiva do conhecimento complexo
e pluriversitário.
No tópico a seguir apresentamos a disciplina de Educomunicação, seus objetivos
e alguns aspectos da ementa, cuja fundamentação teórica tem matriz no pensamento
latino-americano.
A EDUCOMUNICAÇÃO NO SMD
Temas relativos às áreas da Comunicação e Educação têm sido estudados por
diferentes cursos e disciplinas na Universidade Federal do Ceará (UFC). Entretanto,
foi somente no âmbito do Curso Sistemas Mídias Digitais, que a primeira disciplina
denominada “Educomunicação” foi criada com carga horária de 64 h/a, sendo 32 h/a
teóricas e 32 h/a práticas. A iniciativa de criar a disciplina partiu de duas docentes do
curso com trajetórias profissionais e acadêmicas ligadas a esse campo e que atuam juntas
desde a concepção da proposta de trabalho, a cada semestre, até a realização das aulas.
A importância da oferta da disciplina de Educomunicação para o referido curso
justifica-se pelo fato de o profissional de Sistemas e Mídias Digitais necessitar transitar
em várias áreas (educação formal, não formal, informal), devendo saber transcender
a instrumentalidade técnica, promovendo a conversão da comunicação em processo
educativo, primando por valores tais como a democracia, a dialogicidade, a livre
expressão comunicativa, a gestão compartilhada dos meios de comunicação. Esses são
valores que devem estar presentes na formação desse profissional, e também futuro
educomunicador, para sua atuação nos processos educomunicativos, sejam eles na área
educacional ou não. Entre os objetivos da disciplina estão a abordagem acerca dos
fundamentos epistemológicos da inter-relação entre comunicação e educação, aspectos
históricos do campo, além do desenvolvimento de conhecimentos básicos sobre mídia e
educação e a teoria das mediações. Procurando oferecer ao aluno uma formação básica
sólida na área da Educomunicação, são apresentados na disciplina, ainda, conteúdos que
tratam das contribuições norte-americana, europeia e latino-americana, ao campo da
Educomunicação, com ênfase nesta última, e sobre a aproximação da Educomunicação
com os movimentos sociais e populares.
De natureza teórico-prática, o plano de trabalho da disciplina procura, em sua
metodologia, refletir os valores intrínsecos da Educomunicação, ao desenvolver
conhecimentos, habilidades e competências ao longo do semestre que permitam ao aluno
exercitar os fundamentos estudados. Dentre as várias oportunidades para trabalhos
diversificados durante o semestre, constam as rodas de conversa, oficinas, seminários,
aulas de campo, relatos de experiência.
Assim, na prática da condução das atividades, a cada unidade temática corresponde
a leitura e discussão de um corpus teórico, que por sua vez é trabalhado em cenários
práticos e reais, seja por meio de oficinas, seja por meio de aulas de campo. Já foram
ofertadas (pelas próprias docentes, pelos alunos ou por convidados), por exemplo,
oficinas de podcasting, stop motion, contos digitais e fanzines. Com a capacitação em
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cada oficina, o aluno então desenvolve uma produção relacionada ao que aprendeu, seja
individualmente ou em grupo. O objetivo das oficinas não é somente conferir capacitação
técnica ao aluno, mas proporcionar-lhe uma oportunidade de reflexão crítica e ainda de
expressão das suas subjetividades. Ao criar seu próprio fanzine, conto digital etc, o aluno
também é chamado à reflexão para a aplicação educomunicativa do que desenvolveu
em cenários educativos reais.
A fundamentação teórica da disciplina toma como base o pensamento latinoamericano com as contribuições de Paulo Freire (1988) para quem a aprendizagem está
baseada no diálogo, na troca de saberes e na possibilidade de aprender a “ler o mundo
para transformá-lo” (FREIRE,1988), de Kaplún (2014) que entende que “educar é sempre
comunicar” e que “toda educação é um processo de comunicação” , de Bordenave (1984)
e sua “pedagogia da problematização” cuja ênfase está no processo, mais do que nos
conteúdos e nos resultados, para que o sujeito aprenda a aprender.
Não é recente a aproximação entre os campos da Educação e da Comunicação. Soares
(2011), Belloni (2001, 2012), Melo e Tosta (2008), por exemplo, expressam experiências em
que esses campos se cruzam desde a década de 1960. Ramos (2001) inscreve a experiência
do Plan de Niño, conhecido como Plan DENI, como precursora do trabalho envolvendo
educação e cinema, quando em 1968, em Quito, através da exibição de filmes, apresentava
às crianças aspectos da linguagem audiovisual.
Belloni (2012) situa as experiências realizadas pelo Movimento de Educação de Base
(MEB), na década de 1960, como sendo de mídia-educação, em que o rádio era utilizado
na alfabetização em massa de jovens e adultos em vários estados do Brasil, notadamente
no Nordeste. Soares (2011) reporta-se à atuação da União Cristã Brasileira de Comunicação (UCBC) na década de 1980, com o projeto Leitura Crítica da Comunicação (LCC).
Melo e Tosta (2008), por sua vez, consideram as experiências dos Centros Populares
de Cultura (CPC) e dos Movimentos de Cultura Popular (MCP) como relacionadas ao
contexto da Comunicação e Educação e mais próximas da Pedagogia de Paulo Freire
do que a da Educação formal.
O pensamento de Paulo Freire, para Martín-Barbero (2014, p. 18), constitui a
primeira teoria latino-americana de comunicação, porque tratou de práticas e processos
comunicativos essencialmente vinculados à dimensão da linguagem, que, por meio da
palavra geradora, “tornou possível a geração de novos sentidos [...] instaurando o espaço
da comunicação”.
Setton (2011, p. 7, 8), por sua vez, introduz na discussão o componente da cultura.
Para ela as mídias precisam ser consideradas “como matrizes de cultura porque atuam
enquanto agentes sociais da educação”.
[...] as culturas, entre elas a cultura das mídias, devem ser vistas enquanto processo; devem ser
vistas nos atos de produção, nos atos que envolvem a divulgação e nos atos de promoção das mensagens, bem como nos atos de recepção daquilo que é produzido. [...] A cultura não se reduziria
aos objetos, símbolos morais ou bens materiais de uma sociedade, mas se apresentaria também
como resultado das diferenças de sentido ou diferenças de usos entre os diversos indivíduos que a
produzem e a consomem [...] A cultura mediatiza uma ideia, um sistema de ideias, ela oferece
um discurso que cria os sentidos e as verdades. (SETTON, 2011, p. 19, 21, grifo nosso)
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Afinal, educomunicação ou mídia-educação? O que designam esses termos e em que
se aproximam ou se diferenciam? Soares (2011) explica que a expressão Media Education
ou Media Literacy designa a recepção crítica das produções midiáticas e é comumente
usada na Europa e nos Estados Unidos, respectivamente.
Na América Latina, a expressão Educación para la Comunicación nomeou a maioria das
ações que se desenvolveram nesse campo e que estavam assentadas em uma pedagogia
dialógica e participativa de Educação popular nos moldes propostos por Freire. Foi na
América Latina que aconteceram as mais numerosas ações de Educação para Comunicação e que depois se ampliaram para a produção midiática envolvendo especialmente
crianças e jovens, situando a perspectiva da Comunicação como um direito humano.
Para Soares (2011), o termo educomunicação passou a ser adotado para designar as
práticas não restritas ao âmbito da leitura crítica da mídia, mas que envolviam a produção midiática em si, como os jornais e as rádios escolares, por exemplo.
O conceito educomunicação legitima-se com suporte em uma pesquisa realizada
pelo Núcleo de Comunicação e Educação, da Universidade de São Paulo (USP), com participação de 12 países latino-americanos, ao concluir “que efetivamente um novo campo
do saber, absolutamente interdisciplinar” estava se constituindo (SOARES, 2011, p. 35).
Soares (2011, p. 44, grifo do autor), assim, nomeia o campo da educomunicação: “um
conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos,
programas e produtos destinados a criar e a fortalecer ecossistemas comunicativos”.
O sentido de ecossistema é para o autor “uma figura de linguagem para nomear um
ideal de relações, construído coletivamente, em dado espaço, em decorrência de uma
decisão estratégica de favorecer o diálogo social” (SOARES, 2011, p. 44) em oposição
ao entendimento de Martín-Barbero, que designa ecossistema como nova ambiência
proporcionada pelas tecnologias e na qual estamos todos compulsoriamente imersos.
Soares (2011, p. 49) relaciona seis áreas de intervenção segundo as quais as práticas
educomunicativas estão situadas. O autor defende o argumento de que as áreas de
intervenção funcionam como “pontes lançadas entre os sujeitos sociais e o mundo da
mídia, do terceiro setor, da escola”.
A primeira delas, educação para a comunicação, tem ênfase na recepção, buscando
entender as implicações da atuação dos meios de comunicação. A expressão comunicativa
reconhece o potencial criativo das formas de manifestação artística como espaço de
comunicação. Aproxima-se da arte-educação. Já a mediação tecnológica na educação
se interessa pela presença e pelos usos criativos das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs), bem como pela gestão democrática de seus recursos por crianças
e adolescentes. A pedagogia da comunicação relacionada ao ambiente escolar e a realização
de projetos que possibilitem o trabalho conjunto de professores e alunos. A gestão da
comunicação é dedicada à criação, execução de planos e projetos educomunicativos. Por
último, a reflexão epistemológica é responsável pela sistematização das experiências e é
dedicada ao estudo do que vem a ser educomunicativo (SOARES, 2011, p. 48).
Segundo Belloni (2012), o termo híbrido mídia-educação é legitimado pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na
Declaração de Grünwald, de 1982, a qual recomendava programas de educação para
as mídias e de formação de educadores. O termo, explica, vem evoluindo. Se antes era
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Aulas de campo e as práticas educomunicativas: a sala de aula encontra a realidade
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considerado como “formação para a apropriação e uso das mídias como ferramentas:
pedagógicas para o professor, de criação, expressão pessoal e participação política
de todos os cidadãos” (BELLONI, 2012, p. 47), atualmente precisa ser entendido em
suas várias dimensões, como a leitura crítica das mensagens em múltiplas telas, o uso
pedagógico em situações de aprendizagem, a dimensão da inclusão digital e a dimensão
como meio de expressão, que busca a participação de jovens (BELLONI, 2012, p. 52).
Na seção a seguir discutimos as aulas de campo da disciplina de Educomunicação
como espaços formativos.
AULAS DE CAMPO: A SALA DE AULA ENCONTRA A REALIDADE
As aulas de campo, inspiradas nas aulas-passeio ou aulas-descoberta de Freinet
(1998) são realizadas a cada semestre e tal qual propunha Freinet, são saídas “ao ar livre”
para que os estudantes descubram novos cenários e paisagens, estabeleçam contatos,
percebam novas possibilidades de aprendizagens.
No contexto da disciplina, as aulas de campo, que contam com o apoio institucional
da UFC por meio da concessão de diárias e transporte, se caracterizam por serem
momentos que implicam deslocamentos para outros territórios fora de Fortaleza, com
distâncias que variam entre 130 km e 600 km: viagens para o litoral de Trairi e para a
região do Cariri, no sul do estado com vistas a conhecer as práticas educomunicativas da
Escola de Ensino Fundamental e Médio Padre Rodolfo Ferreira da Cunha, na localidade
de Canaan e da Fundação Casa Grande, no município de Nova Olinda.
Sair das rotinas acadêmicas para ir ao encontro do outro, do desconhecido, do
novo, um convite para vivenciar o que Foucault (1997) nomeia como “el pensamiento
del afuera”, no sentido que a experiência favorece o movimento de colocar-se fora de si,
para depois voltar a encontrar-se no final (p.17).
Entendemos que tais aulas de campo constituem espaços ricos de formação, como
propõe Avena (2008): “A viagem é uma possibilidade de formação, é um espaço sóciocultural de construção do conhecimento, é um movimento multirreferencial. É, em
síntese, um espaço de aprendizagem multirreferencial privilegiado para a difusão do
conhecimento” (2008, p.93).
A viagem como espaço de formação, no sentido proposto por Avena (2008), se
relaciona ainda com o conceito de Educomunicação de Donizete Soares (2006, p.01),
como sendo um campo de pesquisa, de reflexão e de intervenção social (...) “um campo
de ação política, entendida como o lugar de encontro e debate da diversidade de posturas,
das diferenças e semelhanças, das aproximações e distanciamentos” (2006, p.04), com o
qual temos completa identificação.
As aulas de campo proporcionam reflexão, espaços de pesquisa e também de
intervenção social na medida em que os estudantes se preparam e em função de
conhecimentos construídos coletivamente no decorrer das aulas, compartilham seus
saberes com os grupos das instituições visitadas. Algumas vezes buscamos atender as
necessidades de formação das entidades e em outros momentos, elegemos de forma
conjunta, temas de oficinas que podem ser ministradas durante as aulas de campo,
seja pelo interesse dos sujeitos envolvidos, seja pela expertise em determinada área do
saber, demonstrada pelos estudantes.
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Aulas de campo e as práticas educomunicativas: a sala de aula encontra a realidade
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Ao longo de três semestres foram realizadas quatro aulas de campo e na ocasião
foram ministradas oficinas de fanzine, podcasting, stop motion, contos digitais e sobre redes
sociais na educação. Em 2015.1 estão previstas duas viagens. Em abril, para a Fundação
Casa Grande, em Nova Olinda e em maio, para a Escola Padre Rodolfo Ferreira da
Cunha. Estão em fase de preparação as oficinas que serão oferecidas pelos estudantes às
crianças e jovens que atuam na Fundação Casa Grande, bem como aos demais estudantes
do município e cujas temáticas foram definidas: “Laboratório Criativo de Imagens”,
“Campanhas Educativas no Rádio”, “Acessibilidade em portais digitais: Web design e
linguagem de programação (CSS e XHTML)” e “Ensaios em Arte-educação”.
A equipe da Fundação Casa Grande gostou das propostas e considerando a
necessidade de organizar o amplo acervo deles de livros, DVDs, histórias em quadrinhos
e CDs, solicitou ainda oficina para uso do software Biblivre. Como não temos no grupo
ninguém com conhecimento nessa área, estamos em contato com professores do curso
de Biblioteconomia para indicar aluno ou docente que possa capacitar a equipe na
utilização do referido software.
A Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, fundada em 1992, é uma
organização não governamental cuja missão é “a formação educacional de crianças
e jovens protagonistas em gestão cultural por meio de seus programas: Memória,
Comunicação, Artes e Turismo” (s/d).
Na área da Memória, a instituição possui acervo arqueológico e mitológico da região
organizado para visitação no Memorial do Homem Kariri. A visita guiada é feita pelas
crianças que aprenderam sobre as histórias dos povos indígenas que habitaram o lugar
e explicam com pertinência os achados da pesquisa arqueológica feita pela Fundação.
O programa de Comunicação reúne a emissora de rádio comunitária, a Casa Grande
FM, a série documental produzida semanalmente, “100 Canal”, a editora que produz jornal,
histórias em quadrinhos e outros materiais gráficos, o Teatro Violeta Arraes, que através de
parceria com o SESC, tem programação regular de espetáculos musicais e teatrais. Toda a
produção de conteúdo, desde a emissora de rádio até a série “100 Canal”, é integralmente
feita pelas crianças e adolescentes, que também se revezam na gestão dos referidos espaços.
A Gibiteca, o Cineclube e a Biblioteca e o laboratório de música integram o programa
de Artes. Com grande acervo audiovisual, de livros e gibis, os espaços têm programação
frequente aberta aos moradores da cidade.
O Programa de Turismo é responsável por receber os visitantes que podem se
hospedar nas pousadas comunitárias mantidas pelos pais das crianças e jovens que
atuam na Fundação, bem como pela orientação sobre as atividades que podem ser
realizadas na cidade de Nova Olinda e na região do Cariri de maneira geral.
As crianças e jovens da Fundação Casa Grande também atuam na área de Educação
Patrimonial e têm produzido vasto material audiovisual sobre a cultura da região,
como é o caso da série SerTão Sonoro, com 30 programas sobre o Patrimônio Cultural
Imaterial da região do Cariri.
O contexto das aulas de campo que acontecem em Trairi é bem diverso, visto tratar-se de uma instituição educacional. Na sala de aula os alunos vivenciam experiências
de educomunicação, tais como o Bioclick, projeto do ensino de Biologia que propõe a
observação da fauna e da flora do município litorâneo de Trairi, para além dos livros
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Aulas de campo e as práticas educomunicativas: a sala de aula encontra a realidade
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didáticos e das aulas expositivas. Tal projeto consistiu na realização de concurso fotográfico sobre o ecossistema local, através de registro fotográfico, por meio de telefone
celular, para publicação no perfil Rizoma do Canaan, o Facebook. Na rede social foi
possível interagir com os conteúdos publicados, ampliando assim, o diálogo antes restrito ao espaço da sala de aula.
Na visita a Trairi, além de conhecer as atividades realizadas pelos professores
educomunicadores, os estudantes da Universidade Federal do Ceará são convidados a
conhecer aspectos do meio ambiente local, como o mangue do Rio Mundaú, comprometido
devido às inúmeras fazendas de carnicicultura da região, bem como o engenho de cana
de açúcar onde se fabrica rapadura e outros produtos e ainda o trabalho da Associação
de Moradores de Canaan, que mantém uma emissora de rádio de alto-falantes, uma
biblioteca comunitária e oferece cursos gratuitos de informática.
Como forma de documentar tais vivências, os alunos da disciplina de Educomunicação produzem memoriais, de caráter individual, em formato livre, em que registram os
momentos mais significativos das aulas de campo. O objetivo desse registro é valorizar a
expressão das subjetividades dos participantes, menosprezada, de forma geral, nos contextos de aprendizagem, especialmente no âmbito da educação superior. Alguns alunos
optam pelo texto, em forma de relatório de campo, outros preferem produzir vídeos, fotografias, relatos sonoros, fanzines, sites, álbuns no estilo scrapbook e até mesmo fotonovelas.
Mediante questionário de avaliação de tais atividades foi possível constatar que as
aulas de campo são iniciativas significativas para a compreensão da educomunicação
como área de intervenção social e para a formação do futuro profissional do curso de
Sistemas e Mídias Digitais porque possibilitaram aproximar o contexto universitário
do contexto escolar, contribuindo para o entendimento de que práticas dialógicas e
participativas favorecem novas formas de aprendizagem.
Entre os depoimentos, o reconhecimento da aula de campo como encontro de
saberes. “A experiência como um todo foi bastante proveitosa. O contato com uma
realidade diferente da nossa e a oportunidade de contribuir com o conhecimento são
os pontos altos dessa empreitada”.
O entendimento do processo como em construção, bem como uma visão crítica
da atividade, também pode ser observada pelas respostas dos entrevistados. “Acho
que é necessário planejar melhor para que não seja uma simples exposição. Também
é importante conhecer o público para quem vai falar, de modo que o que vai ser dito,
buscando exemplos mais próximos à realidade dos alunos”.
A aula de campo como espaço de aprendizagem individual e coletiva também foi
comentado pelos entrevistados.
A vivência foi muito importante para nossa formação como possíveis educomunicadores.
Lá tivemos a oportunidade de ver de perto e experimentar mais do contexto educomunicacional que tanto temos lido a respeito em artigos e discutido em nossas aulas. Foi muito
gratificante participar do processo de compartilhamento de conhecimentos. É como se
agora nos sentíssemos um pouquinho também responsáveis por aquele projeto. Em suma,
foi uma experiência que, com certeza, impactou a todos nós e sempre será lembrada como
um exemplo do que podemos fazer e um incentivo para irmos mais além (entrevistado 5).
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Aulas de campo e as práticas educomunicativas: a sala de aula encontra a realidade
Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante • Cátia Luzia Oliveira da Silva
Muitos alunos mencionaram ainda, que pela primeira vez em sua formação
acadêmica, saíram do espaço da Universidade e vivenciaram realidades distintas das
que estão familiarizados. Alguns consideraram gratificante a possibilidade de trocar
experiências com grupos de crianças e adolescentes de várias regiões do estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os depoimentos dos entrevistados indicam que as aulas de campo, de fato, se
constituem como espaços de formação multirreferencial, como defende Avena (2008).
São identificadas ainda como ações de intervenção social, no sentido de que pela troca de
conhecimentos, os saberes se interconectam, na perspectiva do conhecimento complexo
de Morin (2011). Fica evidenciado também, pelas respostas ao questionário, que pelo
encontro, todos os envolvidos são afetados, do ponto de vista das suas subjetividades.
Entende-se que tais vivências educomunicativas no ensino superior, discutidas de
forma preliminar no presente texto, ensejam uma melhor sistematização, de forma a
contribuir para a expansão de tais práticas no âmbito de outras instituições de ensino.
Percebe-se ainda que é necessário ampliar a interlocução com outros segmentos da
sociedade no sentido de oferecer aulas de campo em outros contextos e porque não,
em outros estados nordestinos, considerando a proximidade geográfica e a facilidade
de deslocamento. Fica o desafio.
REFERÊNCIAS
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significados e contribuições das viagens à (trans) formação de si. Tese (Doutorado em
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wix.com/memorialtrairi
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1554
Aulas de campo e as práticas educomunicativas: a sala de aula encontra a realidade
Andrea Pinheiro Paiva Cavalcante • Cátia Luzia Oliveira da Silva
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educomunicacao_o_que_e_isto.pdf
Soares, I. O. (2011). Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação: contribuições para
a reforma do ensino médio. São Paulo: Paulinas.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1555
Gestão da comunicação nos projetos
de extensão de jornalismo
Communication management
on journalism extension courses
A n t o n i a A lv e s P e r e i r a 1
Resumo: Este artigo apresenta uma reflexão preliminar do grupo de pesquisa
que busca compreender como se dão os processos comunicativos nos projetos
de extensão do Curso de Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso
(Unemat) que se utilizam do paradigma da Educomunicação, a saber: “Focagen”
– Agência de Notícias Júnior; Revista “Se Lig@”; e “Catis” – Centro de Acesso à
Tecnologia para Inclusão Social – esse atua mais na capacitação de professores da
educação básica. Os referidos projetos contribuem para a prática de um jornalismo
cidadão ao proporcionar o aprendizado das técnicas jornalísticas e da produção
de um blog por meio de um processo que abre espaço ao protagonismo e ao exercício da cidadania. Ao passar pelas discussões a respeito da Educomunicação e
do webjornalismo participativo, o grupo de pesquisa observou queo processo
possibilita o aprendizado das técnicas jornalísticas para a produção do conteúdo
de conteúdo de uma revista e de um blog jornalístico e acadêmico matérias pelos
adolescentes de escolas públicas. Esses indícios de comunicação dialógica, metodologia participativa, espaço para a expressão dos atores, negociação de informações, valorização das decisões coletivas e mais do processo comunicativo que do
produto final, apontam para as premissas educomunicativas no cerne dos projetos.
Palavras-Chave: Jornalismo Cidadão. Educomunicação. Gestão da Comunicação.
Ecossistemas comunicativos. Extensão universitária.
Abstract: This article presents an initial reflection of a research group that aims
at analyzing how the communicative processes happen on the extension courses
of the Journalism Program from the Universidade do Estado de Mato Grosso
(Unemat), which has the Educommunication approach, such as: “Focagen”
– a junior news agency; the magazine “Se Lig@”; and “Catis” – Technology
Access Center to Social Inclusion – it works mainly on teacher education on
basic level. The projects above mentioned contribute to the practice of citizen
journalism by providing the learning of journalistic techniques and a blog
creation through the processes of protagosnism and citizenship. By discussing
about Educommunication and collaborative webjournalism, the research group
observed that this process enables the learning of journalistic techniques for
the creation of a magazine content as well as of a journalistic and academic
1. Mestre em Ciências da Comunicação (ECA-USP), Professora e pesquisadora da Universidade do Estado
de Mato Grosso (Unemat), [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1556
Gestão da comunicação nos projetos de extensão de jornalismo
Antonia Alves Pereira
blog in which adolescents from public schools are the authors-writers. These
indications of dialogical communication, collaborative methodology, space for
the actors’ expression, information sharing, the respect of collective decisions
and of the communicative process more than the final product, point to the
Educommunicative premises at the core of the projects.
Keywords: Citizen Journalism. Educommunication. Communication Management. Communications Ecosystems. University Extension Courses.
E
STE ARTIGO apresenta uma reflexão preliminar do projeto de pesquisa “Gestão da
comunicação nos projetos de extensão: Focagen, Revista Se Lig@ e Catis”, inserido
no Curso de Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). Os
projetos se utilizam do paradigma da Educomunicação, indo além da mera prestação de
serviço à comunidade local. Eles contribuem para a prática de um jornalismo cidadão
a partir da proposta de extensão universitária que articula saberes acadêmicos, prática
discursiva e metodológica, visando a socialização e a coprodução de ideias, conteúdos,
processos e produtos jornalísticos. O viés escolhido procura compreender como se dão
os processos comunicativos nos mesmos.
O Centro de Acesso à Tecnologia para Inclusão Social (Catis)2 atua na capacitação
de professores da educação básica a fim de que compreendam as facilidades das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) por meio de sua apropriação para o uso
pedagógico. Dessa forma, passam a interpretar dados, relacioná-los e contextualizá-los
no seu cotidiano assumindo uma abordagem crítica no processo pedagógico com seus
alunos (SILVA; OLIVEIRA, 2014).
Por meio de oficinas e minicursos, a proposta metodológica do projeto contempla
a apropriação técnica das ferramentas tecnológicas e o debate crítico da mídia a fim de
tornar os agentes do processo construtores do conhecimento capazes de transformar a
educação básica. Além da capacitação em relação ao conteúdo, os encontros semanais
promovem a avaliação constante processual da proposta.
Ainda em seu primeiro estágio de capacitação, os atores participam das oficinas
em vista da apropriação ferramental. Segundo Silva e Oliveira (2014), num momento
posterior, os participantes da rede de ensino serão acompanhados em sala de aula
pelos executores do projeto a fim de que compartilhem experiências e vivências alcançadas. Assim, os gestores abrem espaço para o compartilhamento de saberes e para a
promoção do diálogo e da livre expressão, em vista da socialização das experiências
construídas. Isso corrobora com o pensamento da Educomunicação que rompe com a
visão tecnicista (instrumentalização) ou determinista (determinismo tecnológico) ao
discutir o processo no qual o professor é um mediador indispensável na promoção da
dialogicidade e estímulo ao aluno para que se torne agente do processo, em um trabalho
coletivo e colaborativo.
2. Surgiu em 2013 por meio da parceira com a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (Secitec/MT) para
promoção da capacitação de docentes da rede pública de ensino do município de Alto Araguaia em vista da
incorporação das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) em sala de aula. Foi institucionalizado
como projeto de extensão universitária em 2014.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1557
Gestão da comunicação nos projetos de extensão de jornalismo
Antonia Alves Pereira
Tendo o foco nos adolescentes, a revista Se Lig@ 3 visa a criação de ecossistemas
comunicativos abertos, dialógicos e interdiscursivos utilizando-se de um jornalismo
de concepção social para promover a cidadania a partir do olhar dos atores sociais
que se apropriam de técnicas jornalísticas para a produção da revista. Após passar por
avaliações desde sua criação em 2011, em sua atual fase, o projeto de extensão contempla a gestão participativa dando mais espaço de expressão aos estudantes de ensino
fundamental (8º e 9º anos) e ensino médio. Assim, se transformaram em repórteres-mirins que saem em busca da notícia, trazem o material apurado e produzem colaborativamente a redação e edição do material jornalístico (PEREIRA; LACHOWSKI;
TOMANIN, 2014).
Por sua vez, a Agência de Notícias Júnior – Focagen4 atua em duas perspectivas.
Como espaço laboratorial para os acadêmicos do curso de Jornalismo ao suprir a falta de
profissionalização do mercado de mídia local. Enquanto ação de extensão universitária,
apresenta-se como espaço experimental para a prática do jornalismo com viés cidadão
que se utiliza da convergência midiática para proporcionar participação dos atores
sociais, tornando-se espaço de prestação de serviço à comunidade local.
Assim, a Focagen é uma agência de notícias experimental comprometida com a
independência, credibilidade e pluralidade na proposta de atender o direito à informação da comunidade de Alto Araguaia e região. Tal processo se dá a partir da prática
do webjornalismo, já que a mesma se utiliza apenas da plataforma digital para produzir conteúdo jornalístico para a web com envolvimento e participação dos alunos do
Estágio Supervisionado e demais disciplinas que desenvolvam produtos informativos
como podcasts, vídeos, textos e fotos a serem divulgados por meio do blog da agencia
(SARDINHA; SILVA, 2014).
Os bolsistas e alunos do projeto participam de reuniões para definição de papeis
e atividades desenvolvidas de maneira circular, construção coletiva utilizando-se de
estratégias como o diálogo, o intercambio, a reflexão e a produção criando uma vivência
agradável que melhora a comunicação entre todos. Foi a partir dessa perspectiva que
a equipe do projeto estendeu a experiência para agregar estudantes de ensino médio
a fim de criar uma rede de blogueiros na região. Processo que se iniciou com oficinas
que ajudaram nessa capacitação.
Não sendo a intenção desse artigo discorrer sobre os projetos de extensão em tela,
apenas apresentamos os mesmos em linhas gerais para que possam adentrar o foco
da discussão, qual seja: a gestão da comunicação nos processos internos e externos de
cada um deles.
3. Trata-se de um projeto de extensão universitária surgido em 2011. Nasceu como campo de estágio
fomentando um diálogo com estudantes de escolas públicas das cidades de Alto Araguaia-MT e Santa Rita
do Araguaia-GO a partir dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O projeto
passou por revisões desde sua criação: campo de estágio, pois na cidade há ausência de meios impressos
(2011); ganho de profissionalismo editorial e maior diálogo com alunos da educação básica (2012); enfoque
educomunicativo ao elevar a participação dos estudantes ao protagonismo na confecção da revista (2014).
(PEREIRA; LACHOWSKI; TOMANIN, 2014).
4. A Agência foi criada em 2009 para atender uma demanda da disciplina de jornalismo digital, sendo
institucionalizada como projeto de extensão universitária em 2012 a fim de servir de espaço de estágio para
os acadêmicos do curso de Jornalismo, o que acontece até julho de 2015, quando a mesma não mais poderá
ser espaço de estágio, devido às alterações das Novas Diretrizes Curriculares do Curso.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Gestão da comunicação nos projetos de extensão de jornalismo
Antonia Alves Pereira
O VIÉS EDUCOMUNICATIVO DOS PROJETOS DE EXTENSÃO
Assumindo o conceito da Educomunicação entendido como o “conjunto das ações
inerentes ao planejamento e avaliação de processos, programas e produtos destinados
a criar e a fortalecer ecossistemas comunicativos” (SOARES, 2001, p. 43), os projetos
Catis, Focagen e Se Lig@ se pautam em um processo que melhora a comunicação
entre todos os atores sociais envolvidos. Situação que é conseguida porque os mesmos
atuam a partir de algumas das áreas de intervenção apresentadas pelos pesquisadores
do NCE-USP5, a saber: mediação tecnológica, gestão da comunicação, reflexão epistemológica,
expressão comunicativa a partir das artes e pedagogia da comunicação.
Para o pesquisador brasileiro Ismar de Oliveira Soares, o conceito é emergente da
prática sociopolítica das comunidades do continente latino-americano em seu esforço
para romper a barreira de silêncio a elas imposta pelo pensamento liberal. Entretanto,
de acordo com Roberto Aparici, o mesmo ganha densidade na era digital com as práticas
da educação midiática (SOARES, 2014, p. 141). Isso se dá a partir de um ato comunicativo que implica reciprocidade na dimensão pedagógica, metodológica e ideológica
(APARICI, 2010).
Pesquisadores como Adilson Citelli e Roseli Fígaro também investigam o conceito
atentos aos discursos sociais que são fomentados pelo diálogo entre os atores em vista de
uma transformação social. A partir do discurso dos participantes, o uso das linguagens
do processo comunicativo, bem como o fluxo de mensagens criam num novo sensorium
entre os atos comunicativos e presença dos dispositivos técnicos que necessitam de
mediação (CITELLI, 2010b, p.15). É nesse terreno sociocultural que os discursos tomam
forma, necessitando da presença do gestor de processos comunicativos que atue de
maneira dialógica reconhecendo as tecnologias como artefato de cultura que clamam
pelo protagonismo da ação humana para desnaturalizar a lógica mercantil das tecnologias e ressemantizá-las pela lógica humanista (FÍGARO, 2010, p. 11).
Eis o terreno em que atuam os projetos educomunicativos que tem como liga a gestão da comunicação nos espaços educativos por facilitar a intencionalidade dos processos,
recursos e das TIC através de uma mediação participativa e democrática da comunicação.
Portanto, essa área leva ao planejamento e à execução de políticas de comunicação educativa que facilitam a criação dos ecossistemas comunicativos envoltos nas tecnologias.
Porém, esse ecossistema precisa ser colaborativo, criativo e democrático, já que o sistema
da educação formal muitas vezes está carregado de práticas autoritárias e fechadas.
5. O conceito de Educomunicação foi sistematizado em 1999 a partir de uma pesquisa coordenadora
pelo professor Dr. Ismar de Oliveira Soares (Universidade de São Paulo), financiada pela Fapesp, com
pesquisadores e agentes da comunicação popular que atuavam na inter-relação comunicação e educação na
América Latina. Na mesma foi identificado que esses agentes trabalhavam a partir de áreas de intervenção,
a saber: 1) educação para a comunicação – estudos que envolvem leitura crítica da comunicação; 2) mediação
tecnológica – quando os meios e recursos são utilizados para facilitar o acesso a todos os envolvidos; 3)
gestão da comunicação – quando o processo se pauta em metodologias participativas, gestão compartilhada
e construção colaborativa; 4) reflexão epistemológica – assegura que a teoria e a prática caminhem juntas; 5)
expressão comunicativa através das artes – quando os atores sociais desenvolvem seus próprios produtos a partir
da apropriação que fizeram. Atualmente, são sete as áreas de intervenção, pois foram acrescidas a partir
de avanços das pesquisas acadêmicas do conceito: produção midiática – quando os meios de comunicação
oferecem espaços e/ou produtos para serem construídos juntos com os atores sociais; e pedagogia da
comunicação – quando as práticas educomunicativas adentram com intencionalidade o currículo escolar.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Gestão da comunicação nos projetos de extensão de jornalismo
Antonia Alves Pereira
É por este motivo que a área da reflexão epistemológica é considerada primordial
para que o mediador confronte sua prática com o discurso educomunicativo e agregue
novas contribuições que surgem a partir das pesquisas fomentadas nesse campo. A
partir do momento em que este profissional se reconhece educomunicador, coloca em
prática a área da mediação tecnológica capaz de superar a visão funcionalista e mecanicista
que, geralmente, acompanha as tecnologias educativas. Isso porque as tecnologias só
promovem a democratização e o acesso ao conhecimento se vier acompanhada de uma
inclusão midiática, estabelecida sobre uma ação política democrática (SOARES, 2008b).
É nesse contexto que os adolescentes se apropriam das tecnologias para produzirem
cultura, colocando em prática a área da expressão comunicativa através das artes. Assim,
ao conhecerem as ferramentas para a utilização de um blog, as técnicas jornalísticas
para a produção de uma revista e as possibilidades que as tecnologias oferecem para
melhorar a didática e metodologia das aulas, os atores sociais da Focagen e da Se Lig@
conseguem fazer um jornalismo cidadão a partir do seu olhar sobre a realidade. Essa
área é visualizada no desenvolvimento do protagonismo juvenil que se expressa na
sensibilidade humana, na estética das artes com seu potencial criativo e emancipador de
manifestação artística da comunidade educativa como meio de comunicação acessível
a todos (SOARES, 2011).
Da mesma forma, os educadores do Catis enxergam possibilidades de interagir
com seus alunos. De maneira especial, com a capacitação proposta, a área da pedagogia
da comunicação reconhece o aluno como alguém portador de objetivos, posicionamentos,
conteúdos, experiências e vivências compartilhadas por meio de um diálogo libertador
que brota da mediação docente que suscita as manifestações artísticas, críticas, reflexivas,
inventivas e discursivas dos alunos conforme defende autores como Ismar de Oliveira
Soares e Heloisa Penteado (PEREIRA, 2012).
Essa perspectiva dialógica defendida pela Educomunicação vem da prática de Paulo Freire que entendia o processo dialógico como parte do processo educativo que era
essencialmente comunicativo construído com a colaboração do aluno que não era apenas
um receptáculo de informações. É desse pensamento que educadores, comunicadores
e agentes populares passaram a repensar sua maneira de atuação, valorizando a contribuição dos participantes de determinado processo seja na educação popular, nas
rádios comunitárias, nos centros comunitários, dentre outros a partir dos anos de 1970.
É também dessa premissa que surge a prática do webjornalismo participativo com
seus sites/blogs que permitem que o leitor – interagente – participe da construção de
notícias e do debate, inclusive, levantando outras questões a partir das notícias propostas.
De acordo com Primo (2005, p. 4), “as tecnologias digitais têm servido como motivador
para uma maior interferência popular no processo noticioso” já que ampliam as formas
de acesso à Internet, assim como “a vulgarização de máquinas de fotografia digital
e celulares que podem captar fotos ou vídeos e enviar mensagens multimídia”. Para
este autor, “o principal papel do webjornalismo é cobrir o vácuo deixado pela mídia
tradicional” (PRIMO, 2005, p. 8). É nesse sentido, que a Focagen se apresenta como uma
alternativa criativa.
Assim, a proposta de colaboração envolve tanto os produtores quanto os interagentes
(autores/leitores) do webjornalismo, levando-os a participarem ativamente da construção
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Gestão da comunicação nos projetos de extensão de jornalismo
Antonia Alves Pereira
e debate das notícias. Igualmente, os participantes dos projetos de extensão ora apresentados articulam suas atividades utilizando-se de metodologias participativas seja a
partir da “pesquisa-ensino” – uma modalidade da pesquisa-ação que leva o educador a
se debruçar em cima de sua própria prática (GARRIDO; PENTEADO, 2010) ou da gestão
da comunicação que os mediadores fazem uso em todo o processo educomunicacional.
GESTÃO COMUNICATIVA, UM CAMINHO PROCESSUAL
É essa trajetória educomunicativa que guia o presente projeto de pesquisa que nas
fases de observação, de análise e de interpretação dos dados, que atualmente, se encontra
na primeira fase. Os pesquisadores – três docentes e os bolsistas vinculados – participam
das reuniões das equipes gestoras dos três projetos analisados, dos encontros com os
atores envolvidos, da execução de atividades e levanta os materiais pertinentes: relatórios,
atas, produtos, gravações, etc. Ainda nessa fase, iniciam-se as entrevistas com os atores
sociais sobre sua percepção quanto ao processo comunicativo do grupo.
Na fase posterior serão analisados os indícios de comunicação dialógica, metodologia participativa, espaço para a expressão dos atores, negociação de informações, dentre
outros; além de verificar de que forma esses interlocutores dialogam e repercutem as
decisões no grupo. De posse dessas informações, será traçado o perfil comunicativo de
cada projeto em seu discurso, gestão e produtos.
Assim, visa investigar de que forma a gestão dos processos comunicativos contribuem para o sucesso das iniciativas, posto que os resultados a serem obtidos poderão
servir como parâmetro para um melhor aproveitamento das energias investidas (ou
redirecionamento das mesmas), assim como forma de se criar o hábito da constante
autocrítica/autoavaliação de modo a não apenas fazer (desempenhar atividades), mas,
sobretudo, refletir sobre o que e como se faz. Finalmente, será apontado a presença dos
indícios educomunicativos dos projetos de extensão no sentido de delinear o perfil da
gestão da comunicação de um projeto de extensão que atue a partir da perspectiva da
Educomunicação.
No atual estágio da pesquisa, a fase de observação, percebeu-se que a equipe gestora
– docentes, egressos, acadêmicos e bolsistas – faz uso de metodologia participativa de
maneira a envolver todos nas decisões do encaminhamento das atividades do projeto.
Isso foi percebido quando a coordenadora da Focagen elaborou a pré-pauta da
reunião e compartilhou por e-mail com as professoras membros do projeto a fim dos
ajustes necessários. Na reunião que se seguiu quando estavam presentes acadêmicos
e bolsistas, a pauta fora apresentada e novamente sofrera alterações em relação aos
procedimentos de gestão das atividades, bem como sobre as oficinas e facilitadores a
serem realizadas com os adolescentes que integrariam a rede de blogueiros da Agência
Júnior de Jornalismo.
Semelhante situação se percebeu no projeto Catis quando a coordenadora, diante
das dificuldades de comparecimento dos professores da rede pública convidados para
o projeto a ser desempenhado no segundo semestre de 2014. Em visita da gestora às
escolas, esses profissionais definiram o blog na perspectiva educativa para o delineamento das atividades do semestre, porém não compareceram às reuniões alegando
sobrecarga de trabalho ou choque de horários entre as escolas interessadas, visto que
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Gestão da comunicação nos projetos de extensão de jornalismo
Antonia Alves Pereira
muitas realizam seus momentos formativos na própria escola (hora atividade). Diante
desse impasse e até pensando em desistência, a equipe gestora avaliou o processo e
apontou como alternativa a participação dos acadêmicos do Curso de Letras do Campus
de Alto Araguaia, visto que num futuro próximo estariam em sala de aula.
Igualmente, na revista Se Lig@, a equipe gestora reavaliou sua caminhada muitas
vezes em busca de encontrar a melhor alternativa para contornar os obstáculos que se
apresentavam ao longo do processo, além de verificar se estava, de fato, seguindo um
percurso educomunicativo em sua atuação. Para resolver o dilema impressão da revista
versus financiamento pelo Campus num curto espaço de tempo (outubro/2014), visto
que com as eleições estaduais não seria possível garantir orçamento para tal, a equipe
decidiu-se reunir semanalmente com os estudantes ao invés de a cada quinze para que
a revista ficasse pronta até o início desse mês. E assim, foram se percebendo diversos
momentos em que o grupo como um todo precisava definir alternativas para que o
projeto continuasse em seu percurso participativo.
Se a equipe gestora se avaliava constantemente, também essa prática fora percebida
quando essa equipe integrava os atores sociais envolvidos no projeto. Naquele momento,
os gestores atuavam mais como facilitadores do diálogo abrindo espaço ao protagonismo
deles, às sugestões que traziam para melhorar a gestão das atividades e oficinas. Foi esse
exercício da cidadania que possibilitou o aprendizado das técnicas jornalísticas para a
produção de matérias, do planejamento gráfico de uma revista e de um blog.
No caso da Se Lig@, os adolescentes redirecionaram alguns passos da caminhada.
Eles valorizaram muito o aprendizado das técnicas jornalísticas para a realização de
entrevistas, apuração dos acontecimentos e produção de notícias, mas não deram muita
atenção ao blog da revista – também parte importante do projeto. Ao mesmo tempo,
criaram outros espaços para mostrar sua criatividade como o aplicativo para celulares,
construído a partir de um site de internet, que podia ser baixado em celulares, assim
como o mascote da revista: o Selinguinha.
Outro fato interessante é que mesmo tendo passado pelas oficinas sobre os formatos
jornalísticos – notícia, nota, artigo, resenha, entrevista, reportagem, etc. – muitos apareciam com outro formato textual. Diante disso, ao invés de dizer que estava errado, a
equipe gestora dialogava com os redatores em busca de como apresentar melhor aquele
formato de texto na revista. Diante do fato de alguns alunos terem desistido durante o
percurso, alguns assumiram trabalho adicional – pautas e matérias. Tudo isso foi discutido, avaliado e assumido colaborativamente, pois havia um interesse de participação
entre todos e a vontade de ver o produto final pronto.
Em relação ao Catis, as dificuldades encontradas pela equipe gestora diante de um
grupo que apresentava limitação de conhecimentos tecnológicos, inclusive relacionada
ao uso de e-mail, foram limitadoras do processo de construção colaborativa do blog. Por
este motivo, o processo foi bem mais lento ao que se espera que no primeiro semestre
de 2015, a proposta avance um pouco mais.
Já o processo de gestão na Focagen, levou os facilitadores das oficinas a ficarem
atentos para redimensionar o conteúdo e a proposta da mesma para atender aos interesses dos alunos, visto que alguns temas se mostravam complexos. Diante disso, pode-se
perceber que no trabalho educomunicativo, os mediadores vão construindo o processo
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Gestão da comunicação nos projetos de extensão de jornalismo
Antonia Alves Pereira
juntamente com os integrantes a fim de que a tônica do percurso seja de fato respaldada
pelas metodologias participativas em direção à corresponsabilidade entre os envolvidos.
Em sua, podemos que a Educomunicação está permitindo um planejamento e avaliação processual, criando e fortalecendo ecossistemas comunicativos, melhorando as
relações interpessoais e utilizando os recursos tecnológicos como instrumentos que
auxiliam no processo de aprendizagem (SOARES, 2001, p. 43).
Ao se apropriarem das técnicas jornalísticas, de como produzir fotografias, charges
e ilustrações diversas, bem como do planejamento gráfico, os estudantes trabalham
temáticas relevantes a seu contexto sociocultural. Para Soares (2011, p. 31) esse processo permite que esses atores se abram para “a compreensão crítica da realidade social
e [ampliem] seu interesse em participar da construção de uma sociedade mais justa,
confirmando sua vocação pela opção democrática de vida em sociedade” [grifo nosso].
Outro fator importante dentro desse processo educomunicativo é a partilha de saberes,
já que os graduados ou egressos do Curso de Jornalismo compõem o processo de produção
da revista, sendo multiplicadores do aprendizado adquirido. Através de oficinas de charges, fotografia e gêneros opinativos criam um canal de diálogo com os alunos do projeto,
por meio do compartilhamento de experiências e apresentação de conceitos jornalísticos.
Essa experiência propiciou aos alunos da rede pública que expusessem um olhar
crítico sobre a sociedade em que vivem, trazendo temas pertinentes a sua realidade por
meio de fotografias, textos e ilustrações. Dessa feita, foram além de uma mera reprodução de suas visões de mundo, tendo que ouvir outros agentes da sociedade para que
os conteúdos produzidos se alinhassem a uma vertente cidadã, seguindo aos preceitos
jornalísticos de apuração.
Da mesma forma, os estudantes multiplicavam seus conhecimentos ao levarem a
experiência processual da revista para suas escolas de origem ao elaborarem um jornal
mural do projeto extensional da Se Lig@. À medida que se apropriavam das técnicas jornalísticas, deixavam de serem meros espectadores tornando-se protagonistas assumindo
uma postura crítica e participativa na apresentação de novas propostas e apontamento
sobre o percurso vivenciado.
Igualmente, o olhar crítico em relação ao material apurado nas entrevistas permitiu
que os mesmos entendessem seus direitos no ambiente em que vivem – escola, bairro,
cidade – ao mesmo tempo que passaram a respeitar mais o do próximo em sociedade.
Esse exercício de viver em sociedade, de forma crítica e construtiva, com ênfase no
respeito aos direitos humanos e a prática da cidadania, é uma decisão coletiva e transformadora (PEREIRA; ALENCAR; SILVA, 2014, p. 4).
CONSIDERAÇÕES PROCESSUAIS
Como já foi dito que o presente artigo encontra-se na fase de observação da gestão da comunicação nos projetos de extensão Focagen, Se Lig@ e Catis, os resultados
apresentados até o momento são preliminares, pois são frutos apenas de observação
das reuniões das equipes gestoras e de encontro com os atores sociais de cada um dos
projetos. Os pesquisadores continuam observando esse processo que será contemplado
com as entrevistas a serem realizadas com os participantes dos mesmos, além da análise
minuciosa dos relatórios, atas, produtos, gravações dos mesmos.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1563
Gestão da comunicação nos projetos de extensão de jornalismo
Antonia Alves Pereira
Em suma, foi importante perceber que o discurso educomunicativo contido na
descrição dos projetos perpassa o discurso da equipe gestora e a metodologia de
mediação das reuniões e encontros, apontando para a presença do conceito no interior
dos mesmos. Diante das dificuldades encontradas em cada caminhada processual,
as equipes souberam ser criativas para encontrar soluções a partir do paradigma
da Educomunicação, valorizando o diálogo e o espaço ao protagonismo dos atores
sociais. Da mesma forma, as oficinas foram além da simples “transferência” de conteúdos em direção a uma facilitação processual que passa pela reflexão, apropriação
e expressão crítica.
Ainda podemos aponta a melhora na comunicação entre todos os envolvidos, visto
que alguns alunos chegaram muito tímidos ao início das atividades. Ao se apropriarem
das técnicas jornalísticas e perceberem que seu conhecimento anterior – como no caso
do aluno que domina o universo dos games – fora valorizado e aproveitado para a produção de uma matéria, a timidez foi vencida. A mãe6 desse aluno deu um depoimento
no blog da revista sobre o quanto o projeto ajudou seu filho a superar a timidez e sair
do isolamento dos jogos virtuais.
Esses indícios de comunicação dialógica, metodologia participativa, espaço para
a expressão dos atores, negociação de informações, valorização das decisões coletivas,
valorização mais do processo comunicativo que do produto final, apontam para as
premissas educomunicativas no cerne dos projetos.
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Produção intelectual em rádio: estudos contemporâneos
Intellectual production in radio: contemporary studies
L u c i a n o V i c t o r B a r r o s M a l u ly 1
Wi lton Ga rc i a 2
Resumo: Este artigo relata a experiência desenvolvida na Rádio USP 93,7 FM,
emissora educativa ligada à Universidade de São Paulo (Brasil), em 2014. A proposta foi a produção de um programa radiofônico acerca dos chamados estudos
contemporâneos, com o objetivo de indicar ao público determinadas possibilidades
de elaboração do pensamento atual, como produção do conhecimento da comunidade acadêmica. A base teórica foi construída após a recuperação do artigo A
Tomada do Rádio e da Bastilha por Walter Benjamin (1989), de Celso José Loge, que
discute a disseminação de ideias a partir da democratização do Rádio, tendo
como base a palestra radiofônica de Walter Benjamin para o público infanto-juvenil cujo tema foi a Tomada da Bastilha. A possibilidade da construção de
um canal educomunicativo para a divulgação científica foi o principal resultado
alcançado pela experiência, cuja peça sonora serve como referência para estudantes, docentes, pesquisadores e profissionais diante da multiplicação do saber.
Palavras-chave: Estudos Contemporâneos. Palestra Radiofônica. Radiojornalismo. Rádio USP 93,7 FM.
Abstract: This paper reports the experience developed on Radio USP 93.7 FM,
educational station connected to the University of São Paulo (Brazil) in 2014.
The proposal was to produce a radio program about the so-called contemporary
studies, in order to indicating to the public certain development opportunities
of current thinking, as production of the academic community knowledge.
The theoretical basis was built after the retrieving of The Taking of Radio and the
Bastille by Walter Benjamin (1989), José Celso Loge, discussing the spread of ideas
from the democratization of Radio, based on the radio lecture Walter Benjamin
for children and youth whose theme was the Bastille taking. The possibility of
building a educomunicativo channel for science communication was the main
result achieved by experience, the sound piece serves as a reference for students,
teachers, researchers and professionals on the multiplication of knowledge.
Keywords: Contemporary Studies. Radiophonic lecture. Radio journalism. Radio
93.7 FM USP.
1. Doutor em Ciências da Comunicação e professor, ambos na ECA-USP ([email protected]).
2. Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, professor na FATEC Itaquaquecetuba e no Mestrado
em Comunicação e Cultura da Uniso ([email protected]).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1566
Produção intelectual em rádio: estudos contemporâneos
Luciano Victor Barros Maluly • Wilton Garcia
INTRODUÇÃO
QUE E como as pessoas pensam são indagações dos comunicadores quando se
O
deparam com diversos fatos do cotidiano, sendo que várias dessas contribuições estão vinculadas ou mesmo restritas ao universo acadêmico. Possibilitar
ao acesso a esse conhecimento é um desafio aos comunicadores. A aventura se faz pela
combinatória de se expor, publicamente, um volume enorme de informações para que
a mensagem possa abstrair o deslocamento necessário à atenção. Nesse aspecto, o rádio
possui características, como a do baixo custo, que auxiliam os intelectuais nessa possível
aproximação com o público (ORTRIWANO, 1985, p. 78-81).
Foi assim que o rádio permitiu aos pensadores, particularmente aos professores e
pesquisadores, revelarem trabalhos científicos e filosóficos, antes restritos aos letrados
por meio de artigos e ensaios. Um trabalho árduo e difícil aos comunicadores que
buscam formas de encontrar uma linguagem facilitadora à compreensão, por exemplo,
de termos técnicos e específicos.
A divulgação científica já integra o cronograma das pesquisas, sendo um fator
fundamental para o resultado do trabalho. Por isso, os pesquisadores têm como obrigação,
a produção intelectual e, para alguns, artística. Mas, como esse trabalho pode chegar
ao público?
Uma saída para este impasse é a produção, sendo possível ao pesquisador utilizar
os meios de comunicação como instrumento interativo. O rádio é um meio tradicional
e já conhecido no processo de educomunicação. Nessa perspectiva, os pesquisadores
da Universidade Federal de Santa Catarina, Eduardo Meditsch e Juliana Gobbi Betti
(2008), destacam o pensamento de Mário Kaplún, um dos pioneiros no processo de
democratização dos meios de comunicação, em especial na América Latina:
Podemos concluir que as propostas de Kaplún para a utilização dos meios de comunicação
como forma de promover a constituição de uma massa crítica e a compensação de um
sistema educacional falho, ajudando a diminuir as desigualdades sociais e a promover o
desenvolvimento, mantém hoje a mesma atualidade de suas publicações (MEDITCH &
BETTI, 2008, p. 10).
O ideal de Mario Kaplún continua a influenciar diretamente os comunicadores e os
educadores populares (PINTOS, 2001), mas foram as propostas de Bertolt Brecht (2005),
com a sua Teoria do Rádio – 1927-1932 e, em particular à divulgação científica, de Walter
Benjamin (1986), que o processo de radioeducomunicação começa a conquistar adeptos.
A palestra radiofônica de Walter Benjamin para o público infanto-juvenil revela a Bastilha
como um instrumento de poder, destinada a ser, no século XVIII, não só lugar de presos
políticos e presos policiais, bem como o espaço de lazer da nobreza parisiense. Benjamin
estremeia à narrativa do homem da máscara de ferro observações sobre: formas de detenção
e tratamento de detentos, sistemas de comunicação entre eles, prevenções contra escândalos, corrupção administrativa, finalizando com a história da administração da justiça. A
intenção benjaminiana era popularizar ideias científicas decorrentes de uma prática de
democratização do rádio (LOGE, 1989, p. 17).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1567
Produção intelectual em rádio: estudos contemporâneos
Luciano Victor Barros Maluly • Wilton Garcia
O texto “A Tomada do Rádio e da Bastilha por Walter Benjamin” foi publicado
na Revista Comunicações e Artes, em novembro de 1989, pelo professor da Escola de
Comunicações e Artes, Celso José Loge. O resumo do ensaio é uma síntese do trabalho
radiofônico do pensador alemão que, segundo o autor, foi convidado pelo diretor da
Rádio Frankfurt/Main, Ernest Scholem, para fazer palestras radiofônicas (remuneradas)
a respeito de livros, questões culturais etc.
O professor da ECA/USP cita o texto “Dois tipos de popularidade: observações
sobre a radiopeça” (1986) para contextualizar o pensamento de Walter Benjamin acerca
do rádio. Segundo Loge (1989, p. 18), em relação à popularização do estilo tradicional
que omitia os pensamentos mais difíceis do conhecimento científico consolidado e
experimentado, como, por exemplo, o que fazia o livro didático, Benjamin coloca o rádio
enquanto veículo de popularização abrangente e intenso.
[...] Pois aqui se trata de uma popularidade que não apenas orienta o saber em direção ao
público, mas, ao mesmo tempo, o público em direção ao saber. Em suma: o interesse autenticamente popular é sempre ativo, transforma a matéria do saber e atua sobre a própria
ciência [...]. Foi essa a intenção de minha tentativa (BENJAMIN apud LOGE, 1989, p. 18).
Celso José Loge revela ainda que, na peça radiofônica Tomada da Bastilha, Benjamin
tenta uma experimentação acerca da linguagem, a arte de narrar, a possibilidade de
recrutar histórias antigas para evocar o passado, entender o presente e sonhar com
o futuro (LOGE, 1989, p. 19). Como base na perspectiva da análise de Loge sobre o
trabalho de Walter Benjamin é que se procurou construir um programa de rádio com
enfoque educativo-cultural, respeitando a linha editorial da Rádio USP FM 93,7. Esta
premissa é a base deste artigo que propõe uma reflexão acerca da produção intelectual
em rádio, tendo como o objeto um programa cujo escopo seria de levar ao público o
pensamento de um pesquisador brasileiro sobre estudos contemporâneos. Utilizou-se
de recursos usuais, como a entrevista, a leitura de trechos de obras impressas (como
trechos de livros) e músicas. A técnica escolhida pode ser diferente, mas a intenção é
a mesma do pensador alemão, ou seja, a de popularizar as ideias científicas – de determinada produção intelectual – por meio da democratização dos meios de comunicação,
no caso o rádio.
O PROGRAMA
O Programa Especial foi planejado com a intenção de debater a produção do
conhecimento do professor, pesquisador e artista visual Wilton Garcia a respeito do
tema. A estratégia inicial seria a de utilizar as publicações e a trajetória dele como gancho
para a discussão em torno do conceito de estudos contemporâneos. Após consenso entre os
produtores e o protagonista, ficou decidido que o melhor formato seria o de perguntas
e respostas; ou seja, a entrevista. A diferença é que as perguntas seriam inseridas para
auxiliar o entrevistado no desenvolvimento do tema. A função do entrevistador era
auxiliar o convidado no desenvolvimento da proposta, justamente para evitar possíveis
lacunas durante a gravação.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
1568
Produção intelectual em rádio: estudos contemporâneos
Luciano Victor Barros Maluly • Wilton Garcia
O pré-roteiro serviu para orientar o produtor Carlos Augusto Tavares Júnior, radialista e, na época, aluno de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação. Solicitou-se ao professor Wilton que indicasse as músicas de sua preferência, que seriam inseridas posteriormente como forma de ilustração do programa, sendo
que as músicas escolhidas foram Memorial e Misere de Michael Nyman (as duas foram
usadas nas sonoras, apenas para variação de trecho); Guardanapos de Papel e Rouxinol de
Milton Nascimento e Sereníssima e Baader Meinholf Blues (trilha musical: violão, baixo e
bateria) do Legião Urbana.
Ficou decidido, ainda, que o entrevistado faria a leitura de trechos de suas
publicações. Apenas duas partes: o conceito de usuário-interator e o prefácio do Livro
Feito aos poucos_anotações de blog (2013) seriam lidos, respectivamente, pelo produtor
Carlos Augusto Tavares Júnior e pelo mediador, professor Luciano Victor Barros Maluly.
O pré-roteiro foi pensando em conjunto, o que facilitou a gravação. Além disso,
o envolvimento discente e docente proporcionou uma interação com o objetivo de
repassar à comunidade externa à Universidade um pensamento limitado ao universo
acadêmico. O rádio foi o meio escolhido pela facilidade de produção, conhecimento dos
envolvidos (no caso, os produtores) e pelo acesso à Rádio USP 93,7, emissora educativa
da Universidade de São Paulo, que concedeu espaço para a transmissão do programa.
A gravação foi realizada no Estúdio Laboratório João Walter Sampaio Smolka (19312002) do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP, em 20 de março de
2014. Durante a gravação, ocorreram mudanças no roteiro. Assim, alguns trechos foram
modificados pelo mediador e pelo protagonista na busca de facilitar o desdobramento
da linguagem acadêmica. Da mesma forma, o produtor interferiu ao solicitar uma
conversa aberta e solta, com o roteiro servindo como referencial para o entrevistado
e o entrevistador.
A Rádio USP FM 93,7 re

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