O Retrato Genial de Vincent: um processo de

Transcrição

O Retrato Genial de Vincent: um processo de
SINOPSE
“Retratos pintados têm vida própria, que emerge
do fundo da alma do pintor”
Vincent van Gogh
Durante minha estada de quase dois anos na Itália, por ocasião de uma mostra de
arte no Palazzo Reale em Milão, tive o primeiro contato com o estranho e intenso estado de
alma de Vincent van Gogh.
Iniciei, assim, uma vasta pesquisa bibliográfica e visitas a vários museus europeus
tais como: Musée d’Orsay em Paris, Courtauld Gallery em Londres e Van Gogh Museum
em Amsterdã, para depois elaborar um ensaio, fruto de minha observação em base
junguiana, especificamente dos 43 retratos de Vincent Willem van Gogh,
concomitantemente à vasta correspondência trocada entre ele e seu irmão Théo.
Em cada auto-retrato ele confirmava a necessidade contínua de exploração de
aspectos de seu ego, numa busca incessante da sua própria identidade. Cada vez que olhava
seu rosto, esforçava-se para se compreender melhor.
Van Gogh, pintor holandês cuja vida, apesar de curta, foi intensa, viveu para seu
trabalho. Uma vivência que o levou ao extremo artístico e existencial.
Para se avaliar a pintura de Vincent, não se pode esquecer que cada elemento de sua
obra pertence ao todo e assim comentários isolados são privados de qualquer sentido.
Exatamente por isto sua obra jamais se encaixou em um único movimento artístico. Seu
estilo, absolutamente único, se alterava de acordo com seu também instável estado de
espírito.
Ele tinha consciência de seu sofrimento e de suas dificuldades. O inconsciente com
seus conteúdos arcaicos, inundou o ego, que não conseguiu suportar esta força
avassaladora. Apesar da desestrutura interna houve um esforço supremo para conservar e
realizar o Self.
Vincent inspirou-se exarcebadamente em sua própria imagem.
Expressou por meio dela um mundo em fragmentação e procurou uma moldura que
contivesse seus conteúdos internos buscando, assim, uma integração de sua psique.
A cor foi sua enorme paixão e traduzia sua fúria, sua impetuosidade e seus anseios
mais profundos.
A obra deste grande artista fascina e de sua profundeza vem a luz que nos toca. A
proposta central deste ensaio é observar esta luz que nasceu de um chamado interno na vida
de Vincent, que Carl Gustav Jung denominou processo de individuação.
Desta forma, surgiu um trabalho não extenso porém intenso: - Retrato de um
processo de individuação.
Uma observação analítica dos auto-retratos de Van Gogh.
Denise Diniz Maia
Psicóloga pela PUC (São Paulo) e especializada em psicoterapia de orientação
junguiana. Exerce atividade clínica há quinze anos.
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O RETRATO GENIAL DE VINCENT:
UM PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
Uma observação analítica
Dos auto-retratos de
Vincent van Gogh
Denise Diniz Maia
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ADVERTÊNCIAS
Todas as citações em nota, quando de obras estrangeiras, são traduções da autora.
ABREVIAÇÕES
1- C.L. = The Complete Letters of Vincent van Gogh: Boston – Little, Brown and
company – 1991 – Vols. I – II – III.
2- O.C.J. = Jung Carl Gustav, Opere complete: Torino, Boringhieri, 19 Vols., 1965 a 1993
(Ed. Or. Walter – Verlag, Olten, 1902-1961)
3- A.R. = Auto-retrato
3
ROBERTO GAMBINI
Analista junguiano
O SILENCIOSO PEDIDO DE UM OLHAR
Quando me instalei no meu pequeno quarto da Casa Internacional para alunos pósgraduados da Universidade de Chicago – e já faz tanto tempo, isso foi em 1968- tirei de
uma pasta, e logo afixei no dorso da estante que confrontava meus olhos, no exato lugar
onde a partir de então me sentaria à mesa para ler ou escrever, uma tira recortada de uma
gravura: uma reprodução do Auto-Retrato de Van Gogh de 1889. Aquele em que o terno, o
fundo espiralante e até mesmo o rosto são banhados por um azul esverdeado de água
transparente. Só os olhos recortados, numa tira estreita. Aqueles olhos eram e foram,
durante os anos que por lá fiquei, um diminuto espelho. Naquele olhar eu percebia o meu.
Os olhos de Van Gogh me puxavam para dentro de mim, para meu inexplorado abismo,
minha perplexidade, meu desejo de saber quem eu era - começo de um caminho que me
levaria mais tarde a me tornar terapeuta.
Os anos passaram, tudo aquilo que então me rodeava e carregava meus afetos e projeções
nem sei onde foi parar, muito menos uma simples tira de papel cartão grudenta no verso. O
tempo passou, mas quando Denise me pede para fazer um pequeno comentário sobre seu
trabalho, esses olhos de Van Gogh, ou antes, a lembrança de uma busca por meu próprio
olhar toda a vez que faço a barba ou penteio o cabelo diante do espelho, acabou se tornando
um hábito incorporado, aprendido na convivência com o retrato.
Não estaria Vincent, nas repetidas vezes em que se auto retratou, tentando compreender e
aplacar a infinita agonia que o assolava, a dor de ser, o espanto de sentir sua própria
subjetividade espalhada sobre campos de trigo, cadeiras, girassóis e botinas velhas? Não
estaria ele tentando decifrar o que é isso que os outros, os normais, chamam de realidade,
que para ele, enquanto percepção e consciência, talvez fosse uma experiência
excruciantemente solitária?
Ou ainda mais: não poderia ter ele esperado, vagamente desejado ou intuído, que alguém,
alguéns, em algum tempo futuro depois de sua partida, se detivesse um minuto sobre seu
olhar para compreender e amar sua pobre rica doce amarga alma perdida nos estados raros
e inexplicáveis do ser?
Sim, creio. E é por isso que gosto do trabalho de Denise. Ela também se entregou a esses
olhos e lhes fez companhia, prestou-lhes homenagem, dedicou-lhes um estudo e compôs
uma sentida oração para a alma de Van Gogh.
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UMBERTO GALIMBERTI
Professor de Filosofia e Teoria das Ciências – Universidade de Veneza
Vice-presidente do CIPA (Centro Italiano de Psicologia Analítica)
Denise tenta in questo libro di rintracciare un percorso individuativo nella
produzione artistica di Van Gogh, dove la luce nera e così poco rassicurante della follia
incrocia la luce solare del genio, in un intreccio che sfugge agli abituali canoni artistici, così
comme agli abituali quadri psicopatologici. Per comprendere questo intreccio bisogna
allora oltrepassare sia l’arte sia la psicopatologia e cogliere, al di là dei canoni abituali, la
sintesi in cui Van Gogh si esprime.
Karl Jaspers si è dedicato all’analisi della malattia mentale di Strindberg, Van Gogh,
Swedenborg, Hölderlin, nel tentativo di cogliere il nesso tra genio e follia. Karl Jaspers, da
tutti riconosciuto uno dei maggiori filosofi e psicopatologi dsel Novecento, scrive in Genio
e follia che “lo spirito creativo dell’artista, pur condizionato dall’evolversi di una malattia,
è al di là dell’opposizione tra normale e anormale e può essere metaforicamente
rappresenytato come la perla che nasce dal difetto della conchiglia: come non si pensa al
difetto della conchiglia ammirandone la perla, così di fronte alla forza vitale dell’opera non
pensiamo alla schizofrenia che forse era la condizione della sua nascita”.
Conosciamo la follia in due accezioni: come il contrario della ragione e come ciò
che precede la stessa distinzione tra ragione e follia. Nella prima accezione la follia ci è
nota: essa nasce dalle procedure d’esclusione che scaturiscono da quel sistema di regole in
cui la ragione consiste. Dove c’è regola, c’è deroga, e la storia della follia, raccontata dalla
psichiatria e dalla sociologia, è la storia di queste deroghe.
Ma c’è una follia che non è deroga, per la semplice ragione che viene prima delle
regole e delle deroghe; di essa non c’è sapere perché ogni sapere appartiene all’ordine della
ragione che può mettere in scena il suo discorso tranquillo solo quando la violenza è stata
cacciata dalla scena, quando la parola è data alla soluzione del conflitto, non alla sua
esplosione, alla sua minaccia. Il luogo di nascita di questa minaccia è da rintracciare là
dove la coscienza umana si è emancipata da quella condizione animale o divina che
l’umanità ha sempre avvertito come suo sfondo, e da cui, pur sapendosi in qualche modo
uscita, ancora si difende temendone la sempre possibile irruzione.
A conoscere questa follia non è la psicologia, la psichiatria o la psicoanalisi, ma la
filosofia che, nell’edificare il cosmo della ragione, il solo che gli uomini possono abitare, sa
da quale fondo l’ha liberato e perciò non chiude l’abisso del caos, non ignora la terribile
apertura verso la fonte opaca e buia che chiama in causa il fondamento stesso della
razionalità, perché sa che è da quel mondo che vengono le parole che poi la ragione ordina
in maniera non oracolare e non enigmatica. Sembra, infatti, che ogni parola pronunciata
dalla ragione, nel corso della sua storia, non sia possibile se non liberando a agni istante
l’antica follia.
Non c’è infatti alcun mistero nel fondo oscuro di quell’abisso che, guardato dal
punto di vista della ragione, siamo soliti chiamare irrazionale. Il mistero, semmai, è da
cercare nella capacità della ragione di reggere alle forze contrastanti che la sottendono.
Forze terribili perché prive di regole, perché insorgenti con la potenza incontenibile del
vulcano che scaraventa il suo fuoco verso il cielo, perché non si dimentichi che l’ordine
della terra ha la durata di un giorno. Un giorno lucido che tenta di far dimenticare quella
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luce nera e così poco naturale da cui in ogni istante ci difendiamo per non precipitare nelle
tenebre dell’insensatezza.
Eppure, c’è chi si fa testimone di questa insensatezza per portarla alle sue
espressioni più alte. Costui sacrifica la sua mente e mette la sua parola al servizio del nonsenso. Precipizio di tutti gli ordini logici, massima vertigine, congedo del buonsenso e delle
sue ordinate parole.
Due ancelle giungono socorrevoli intorno all’abisso che si è appena spalancato: la
psichiatria con il suo catalogo di nomi, a proposito dei quali vale sempre il monito di Kant:
“C’è un genere medico, la medicina della mente, dove ogni volta che si trova un nome, si
pensa di aver conosciuto una malattia”, e la filosofia che non dispone di nomi perché,
abitando da sempre l’abisso, ne conosce l’insondabilità. Jaspers, da psichiatra, conosce la
nomenclatura, tutta la nomenclatura, ma da filosofo si trattiene dall’impiegarla soprettutto
là dove la follia si incammina e approda alle vette più alte dell’arte. Qui la pato-logia
raggiunge la sua essenza che non è da cercare nella malattia, ma in quel patire (pathos) che
si fa parola (loghia).
“Emerge in modo incontestabile”, scrive Jaspers, “una coincidenza scientificamente
dimostrata tra il grado più alto dello sviluippo creativo e il momento più eclatante
dell’esplosione della turba psicologica. Questo dato, che richiede ulteriori conferme in
campo patografico, è comunque significativo anche per il fatto che sembra modificare
l’opinione comune secondo cui malattia mentale equivale a completo disfacimento emotivo
e psicologico.” Ma qual è la parola di cui si fa portavoce la follia creativa? Qui le due
ancelle, la psichiatria e la filosofia, trovano il loro accordo intorno a una parola. La parola è
schizofrenia, la mente (phren) scissa (schizo) in due mondi, dove l’uno si rifrange
nell’altro, percui è indecidibile quale dei due sia il mondo vero. Ma l’uomo, l’uomo che
non teme la profondità dell’abisso (Ab-grund) e che non si difende con terreni solidi e
sicuri (Grund), può accedere alla schizofrenia perché è dell’uomo abitare la dimensione
frantumata dell’essere che, inaccessibile nella sua originaria unità, si concede all’uomo solo
come lacerazione (Zerrissenheit).
Possiamo pensare la storia come un tentativo, mai interrotto, di ricomporre questa
lacerazione, possiamo pensare la religione come una proiezione nell’aldilà del desiderio di
ricomposizione, dobbiamo pensare all’arte e alla filosofia come alla proclamazione alta e
forte dell’incomponibilità di questa lacerazione, da cui l’uomo è nato come frammento
scisso tra la terra e il cielo per dirne tutta la distanza. “La nostra forza”, scrive Jaspers, “è la
scissione; abbiamo perduto l’ingenuità.”
Qui la psichiatria si ritira rossa di vergogna, mentre la filosofia resta accanto all’arte
comme espressione sintomatologica della condizione umana. Sintomo è parola greca che
vuol dire co-incidenza. Questo studio di Denise vuole capire perché, nelle loro espressioni
più alte, arte e follia coincidono, perché accadono insieme. Seguendo il percorso della
psicologia analitica di Jung, la più vicina alla filosofia, perché non esclude dal suo
orizzonte la vertigine dell’arte così come l’abisso della follia, Denise ci offre una via
suggestiva, dove ciò che a prima vista appare come incomponibile, disperso, lacerato, trova
la sua sotterranea e composta armonia.
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Denise tenta encontrar em seu livro um caminho peculiar da produção artística de Van Gogh, no qual
a luz negra e tão pouco tranqüilizadora da loucura cruza a luz solar do gênio, numa trama que foge tanto dos
cânones artísticos habituais quanto dos costumeiros quadros psicopatológicos. Para entender essa trama devese ultrapassar a arte e a psicopatologia e apreender, para além dos cânones habituais, a síntese em que Van
Gogh se exprime.
Karl Jaspers dedicou-se à análise da doença mental de Strindberg, Van Gogh, Swedenborg,
Hölderlin, numa tentativa de colher o elo entre gênio e loucura. Karl Jaspers, reconhecido por todos como um
dos maiores filósofos e psicopatologistas do século XX, escreve em Genio e follia que “o espírito criador do
artista, mesmo condicionado pela evolução de uma doença, ultrapassa a oposição entre normal e anormal e
pode ser metaforicamente representado pela pérola que nasce do defeito da concha: assim como não se pensa
no defeito da concha ao admirar-se a pérola, quando se está diante da força vital da obra não pensamos na
esquizofrenia que talvez tenha sido condição para o seu nascimento”.
Conhecemos a loucura em duas acepções: como o contrário da razão e como o que precede a própria
distinção entre razão e loucura. Na primeira acepção, a loucura é nossa conhecida: ela nasce dos processos de
exclusão decorrentes do sistema de regras em que consiste a razão. Onde há regra, há violação, e a história da
loucura contada pela psiquiatria e pela sociologia é a história dessas violações.
Mas existe uma loucura que não é uma violação, simplesmente porque ela vem antes das regras e das
violações; sobre ela não há saber, pois todo saber pertence à ordem da razão que pode colocar em cena o seu
discurso tranqüilo somente depois que a violência tiver sido banida, quando a palavra for dada à solução do
conflito, não à sua explosão, à sua ameaça. Deve-se procurar a origem dessa ameaça lá onde a consciência
humana se emancipa da condição animal ou divina que a humanidade sempre sentiu como seu pano de fundo,
e da qual ainda se defende temendo uma possível irrupção.
Quem conhece essa loucura não é a psicologia, a psiquiatria ou a psicanálise, mas a filosofia que, ao
edificar o cosmo da razão, o único que os homens podem habitar, conhece a profundeza do qual o libertou e
por isso não fecha o abismo do caos, não ignora a terrível abertura para a fonte opaca e escura que questiona o
próprio fundamento da racionalidade, pois sabe que daquele mundo vêm as palavras que a razão em seguida
ordena de modo não oracular e não enigmático. Realmente, parece que toda palavra pronunciada pela razão,
ao longo da sua história, só se torna possível liberando-se, em cada instante, a antiga loucura.
Na realidade, não existe nenhum mistério no fundo obscuro daquele abismo que, se olhado do ponto
de vista da razão, possa ser chamado de irracional. Se mistério houver, deve-se buscá-lo na capacidade que
tem a razão de resistir às forças contrastantes que a subtendem. Forças terríveis porque sem regras, irrompem
com a potência incontível do vulcão que arremessa o seu fogo em direção ao céu, para que não se esqueça de
que a ordem da terra tem a duração de um dia. Um dia lúcido que tenta fazer esquecer aquela luz negra e tão
pouco natural contra a qual nos defendemos a cada momento para não nos precipitarmos nas trevas da
insensatez.
No entanto, há quem se faça testemunha dessa insensatez para levá-la às suas mais altas expressões.
Este alguém sacrifica a sua mente e coloca a própria palavra a serviço do contra-senso. Precipício de todas as
ordens lógicas, máxima vertigem, adeus ao bom senso e às suas ordenadas palavras.
Duas servas chegam em socorro à beira do abismo que acaba de se abrir: a psiquiatria, com o seu
catálogo de nomes a cujo respeito é sempre válida a advertência de Kant:
“Existe um gênero médico, a medicina da mente, em que cada vez que se encontra um nome, pensase ter descoberto uma nova doença”, e a filosofia, que não dispõe de nomes porque, morando desde sempre no
abismo, conhece a sua insondabilidade. Jaspers, como psiquiatra, conhece a nomenclatura, toda a
nomenclatura, mas como filósofo, evita empregá-la sobretudo onde a loucura se encaminha e chega aos mais
altos cumes da arte.Aqui a pato-logia atinge a sua essência que não deve ser buscada na doença, mas no
sofrimento (pathos) que se torna palavra (loghia).
“Surge de modo incontestável”, escreve Jaspers, “uma coincidência, demonstrada cientificamente,
entre o grau mais alto do desenvolvimento criativo e o momento mais fulgurante da explosão do distúrbio
psicológico. Esse dado, que requer ulteriores confirmações no campo dos estudos da patologia, é de qualquer
modo significativo, pelo simples fato de que parece modificar a opinião comum segundo a qual a doença
mental equivale ao completo esfacelamento emocional e psicológico”. Mas de que palavra será porta-voz a
loucura criativa? Neste ponto, as duas servas, a psiquiatria e a filosofia, encontram o seu ponto comum em
uma palavra. A palavra é esquizofrenia, a mente (phren) cindida (schizo) em dois mundos, em que um se
reflete no outro, de modo que é impossível dizer qual o verdadeiro.Mas o homem, que não teme a
profundidade do abismo (Ab-grund) e que não se defende com terrenos sólidos e seguros (Grund), pode ter
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acesso à esquizofrenia porque é próprio do homem habitar a dimensão fragmentada do ser que, inacessível na
sua unidade original, concede-se ao homem somente como dilaceração (Zerrissenheit).
Podemos pensar a história como uma tentativa, jamais interrompida, de recompor essa dilaceração,
podemos pensar a religião como uma projeção além do desejo de recomposição, devemos pensar na arte e na
filosofia como uma proclamação alta e forte da impossibilidade de recomposição desta dilaceração, da qual o
homem nasceu como fragmento cindido entre a terra e o céu para dizer toda a sua distância. “A nossa força”,
escreve Jaspers, “é a cisão; perdemos a ingenuidade”.
Neste ponto, a psiquiatria se retira, vermelha de vergonha, e a filosofia permanece ao lado da arte como
expressão sintomatológica da condição humana. Sintoma é palavra grega que significa co-incidência. Este
estudo de Denise quer entender por que, nas suas mais altas expressões, arte e loucura coincidem, por que
acontecem juntas. Seguindo a trajetória da psicologia analítica de Jung, a mais próxima da filosofia porque
não exclui do seu horizonte a vertigem da arte nem o abismo da loucura, Denise nos oferece uma via
sugestiva onde o que à primeira vista parece incomponível, disperso, dilacerado, encontra a sua subterrânea e
composta harmonia.
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ÍNDICE
1- Introdução
2- Perspectivas Psicológicas sobre a arte
3- Vincent van Gogh – Sua vida e seu caminho
4- Processo de individuação
5- Conclusão
6- Glossário
7- Bibliografia
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INTRODUÇÃO
“Eu quero a luz que vem de dentro e que as cores
representam a emoção”
Vincent van Gogh
Durante os quase dois anos em que vivi na Itália, procurei encontrar algo que
realmente me envolvesse, visto que havia interrompido minha atividade clínica no Brasil e
buscava algo significativo em que pudesse canalizar minha energia e meu interesse.
Visitando uma exposição de arte em Milão – “da Monet a Picasso”, mostra de obras
impressionistas e pós-impressionistas do acervo do Museu Puskin de Moscou – em
dezembro de 1995, observei muitas telas de Toulouse Lautrec, Matisse, Signac, Degas e
Gauguin, mas dentre as várias obras apresentadas, apenas uma chamou-me a atenção. Foi
meu primeiro contato visual com o estranho e intenso estado de alma de Vincent van Gogh
que, de imediato, me fascinou, inundando-me com os mais diversos sentimentos. Falo da
“Ronda dos encarcerados” - releitura de um trabalho de Gilbert Doré - cuja tela traz uma
luminosidade ausente na primeira versão. É interessante observar nesta pintura a imagem
de um dos prisioneiros - aquele que olha para o público – que poderia ser considerado um
dos seus auto-retratos , o último realizado por Vincent.
Jire Volér, pintor, fez em 1952, baseado nesta obra “O labirinto”, onde são incluídos
sobre a ronda dos prisioneiros, um outro auto-retrato e sobre ele um labirinto.
Senti a necessidade de visitar várias vezes, não a mostra de arte, mas esta obra em
especial.
A partir da contemplação da tela, algumas vezes, deixando-me conduzir
passivamente, comecei a estabelecer um diálogo com ela, tentando desvendar o seu segredo
e entender melhor o meu envolvimento. Existem muitas formas de leitura de uma obra de
arte pois, além de ela ter sempre algo de novo para nos dizer, ela nos toca de muitas
maneira. Senti-me identificada com o momento existencial de Vincent ao pintá-la.
“Para compreender o sentido de uma obra de arte é preciso permitir que ela nos modele, do mesmo
modo que modelou o artista” (1)
Poderíamos falar sobre o caráter iniciatório do processo artístico a partir de meu
contato com esta tela: Ela me causou uma mobilização profunda e, a partir desse encontro,
houve um chamado interno para que eu trilhasse um caminho até então por mim
desconhecido, além de começar a descobrir o sentido daquele tempo em Milão.
Foram muitas viagens e visitas a museus de vários países, onde pude apreciar as
obras de Vincent para, em seguida, iniciar cursos em galerias de arte e começar uma
extensa pesquisa bibliográfica.
“Ao se emocionar com uma obra prima, uma pessoa começa a ouvir em si própria aquele mesmo
chamado da verdade que levou o artista a criá-la. Quando se estabelece uma ligação entre a obra e
seu espectador, este vivência uma comoção espiritual, sublime e purificadora. É neste momento, de
descoberta de si mesmo, que nos transformamos” (2)
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Retornando à “Ronda dos encarcerados”, é importante falar sobre o conteúdo
arquetípico, do movimento circular, como se apresenta por exemplo nos rituais indígenas,
nas danças circulares e nos jogos infantis, ou seja, o princípio de movimento em círculo,
cujo circuito repetitivo gera a consciência de um centro transpessoal. A circulação traz a
delimitação e a concentração do recinto sagrado, animando as forças opostas da natureza
humana. Forma-se, assim, um círculo mágico protetor no qual se potencializa a energia
vinda do inconsciente, como uma espécie de carga elétrica que envolve a todos, evitando a
dispersão.
Simbolicamente a roda representa em seu aspecto negativo a repetição vazia e sem
renovação, como se não houvesse uma via de saída, o que pode ser observado na tela de
Vincent. Em seus aspectos positivos, a roda representa o movimento, os ciclos e a
mudança.
Em “A dança”, de Matisse, as figuras formam um círculo, representando a essência
do ritmo, mediante um efeito inconsciente contagioso, o que poderia ser um exemplo da
roda, em seu aspecto positivo. O ritmo poderia ser definido com um movimento cadenciado
que automaticamente faz pender, aqueles que o empregam, em um alinhamento com certas
forças da natureza.
Segundo Jung (3) , o arquétipo da ronda tem por objetivo fixar a imagem do círculo
e do centro, relacionando-a com cada ponto da periferia. Psicologicamente, esta disposição
equivale a uma mandala, em cujo centro são orientados não somente o Eu individual, mas,
também, muitos outros dotados do mesmo sentimento e ligados pelo mesmo destino.
Decidi, então, seguir minha intuição e iniciar este trabalho de observação,
especificamente dos auto-retratos de Vincent van Gogh.
No começo da pesquisa, percebi-me com uma estranha e forte excitação que me
impossibilitava dormir e que era acompanhada por inquietação, aceleração mental e fuga de
idéias, sintomas muitas vezes observados quando o processo criativo emerge.
Meu envolvimento era tal que, já de volta ao Brasil, ao retornar a elaboração de
meus manuscritos tive o seguinte sonho:
“Vejo, perto de um cavalete, uma mesa e sobre ela um recipiente transparente com muitos tubos
grandes de tinta, que eu sabia pertencerem a Van Gogh. Pego um deles e o sinto latejar, ao mesmo
tempo, em que percebo o meu coração pulsar na mesma intensidade. Parece que sou convidada a
entrar na mesma emoção que emerge de cada uma daquelas cores, como se eu estivesse contaminada
por uma força descomunal”.
Vincent van Gogh, pintor holandês cuja vida, apesar de curta, foi intensa, viveu para
seu trabalho, que o levou a um extremo artístico e existencial.
Ele tinha consciência de seu sofrimento e de suas dificuldades. O inconsciente com
seus conteúdos arcaicos, invadiu o ego provocando um desmembramento interno, mas
houve um esforço supremo para conservar e realizar o Self.
“Bem, sobre o meu trabalho, eu estou arriscando a minha vida, e a minha razão está meio naufragada
por sua causa...”(4)
A cor, em sua intensidade, foi sua enorme paixão. Traduzia sua fúria, sua
impetuosidade e seus anseios mais profundos.
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Um artista é alguém com uma coragem extraordinária para captar as imagens de seu
inconsciente, que lhe permitem coletivizar a beleza e entregá-la aos demais, ainda que
arriscando tudo para poder faze-lo(5) .
Segundo Karl Jaspers em uma análise de van Gogh, a assim chamada loucura
configura-se como condição necessária para a autenticidade.(6)
“Como a pérola nasce do defeito da concha e, ao admirá-la não se valoriza este defeito, assim, frente
a uma obra de arte não pensamos na doença que talvez tenha sido a condição de seu nascimento”.
Devo ressaltar a perspectiva redutiva desta afirmação, que configura a obra como
produto da doença. Contudo, considero fundamental esta sentença, para destacar a
importância da obra de arte, por si mesma.
Também Antonin Artaud (7) amplia a noção de loucura quando expressa:
“Não há fantasmas nos quadros de van Gogh, nem visões, nem alucinações. É a verdade tórrida” (...)
“Porque um alienado é também um homem que a sociedade não quis escutar, e ao qual quis impedir
de dizer verdades insuportáveis”
A obra de van Gogh fascina. Da profundeza da alma, irradiada pelo Self, vem a luz
que nos toca. E às vezes, tão intensa que nos ofusca.
O sol, presente em muitas de suas obras, poderia ser considerado fruto de sua busca
por uma paisagem, que fosse veículo e projeção desta luz interior.
A proposta central deste trabalho de pesquisa é observar esta luz profunda que
nasceu de um chamado interno na vida de van Gogh, que Jung denominou processo de
individuação.
(1)
(2)
(3)
(4)
Jung, C. G., O espírito na ciência e na arte: Petrópolis – Vozes – 1991 – p.93.
Tarkovisk, A ., Esculpir o tempo: São Paulo – Martins Fontes – 1998 – p.49.
O.C.J. – Vol.XI – 1954 – pp. 262 a 283
C.L. – Vol. III – p.298 – carta nº 652, encontrada em seu cadáver, em 29 de julho de
1890.
(5) Risquez, F., Conceptos de Jung para artistas em: “Kayros, N. 1 (1995), Caracas,
Cromotip, pp. 1 a 22.
(6) Jaspers, K., Genio e Follia: Milano – rusconi – 1990 – pp. 145 a 184.
(7) Artaud A., van Gogh – II suicidato della societá: Milano – Adelphi Edizioni – 1988 –
pp.17 e 96
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PERSPECTIVAS PSICOLÓGICAS SOBRE A ARTE
“O homem não é mais artista. É transformado, ele mesmo em
uma obra de arte: nele se exprime a potência artística de toda
natureza”
Nietzsche
Assim como não se pode apreender a totalidade da psique, mas apenas sua
expressão nos fatos psíquicos manifestados, a psicologia se apresenta apenas como uma das
formas de entendimento do fenômeno criativo. Sob este ponto de vista pode-se analisar,
então, o processo psíquico da atividade artística, mas não se pode explicar a essência da
obra de arte.
Dentro da psicologia, existem caminhos diferentes para se entender este fenômeno.
Fala-se muito da psicanálise da arte, mais conhece-se pouco sobre a relação de Jung
com a arte e a influência desta em seu caminho pessoal e profissional.
Embora haja relatos apontando um relacionamento ambíguo de Jung com a arte,
observa-se, por outro lado, seu estreito contato com diversas formas artísticas, como
pintura, desenho e escultura. Sabe-se da importância que atribuiu às imagens e aos
símbolos por seu relato em “Memórias, Sonhos e Reflexões” “...à medida em que eu
conseguir traduzir em imagens as emoções que me inquietam, isto é, encontrar as imagens
que se escondem atrás das emoções, a paz se instalará...” (1) .
Jung demonstrou em sua vida um grande interesse por diversas culturas e pela
história da arte, cuja presença se expressa na pluralidade de imagens que povoaram seu
imaginário psíquico, e que nutriram seu gosto pela diversidade da vida simbólica.
Para Salza (2) a ambivalência de Jung com relação à arte se expressa na sua
oscilação teórica frente ao papel e a destinação da mesma.
“O ressentimento Junguiano no confronto do artista, se deve ao fato de que, em primeiro lugar, ao
artista é permitido fazer aquilo que ele não pode fazer, porque se propôs, como objetivo, um outro
uso do material inconsciente e, em segundo lugar porque só o artista possui a linguagem adequada a
transformar as imagens brutas no ouro da arte”.
Em uma carta à Aniela Jaffé
descritos:
(2)
, também estão expressos os sentimentos acima
“O humúnculus, artista que habita em mim tem nutrido ressentimentos de todos os tipos, e pelo que
me parece, se sente mal pelo fato de que não lhe coloco em primeiro lugar, uma coroa de poeta”.
Jung via, nos produtos da função imaginativa do inconsciente, auto-retratos do que
estava acontecendo no espaço interno da psique. A energia psíquica transforma-se em
imagem e esta, quando se configura, traz também um significado.
A arte não é um produto psíquico que peça uma compreensão regressiva, mas uma
observação prospectiva construtiva. Levar em conta apenas o aspecto regressivo, como
forma de explicação, é transformar o processo criativo em processo causal, onde o interesse
pela obra de arte passa para o segundo plano, e o artista torna-se um caso clínico, como se
observa com freqüência na interpretação psicanalítica.
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“Este método redutivo, aplicado a uma obra de arte... extrai, da roupagem brilhante da obra o nú
cotidiano do homo sapiens... o brilho dourado da mais nobre criação, objeto de nossa discussão,
extingue-se porque foi exposto ao mesmo método corrosivo como o foi a fantasia ilusória de uma
histeria (3)
Também a percepção apenas estética frente a certas manifestações artísticas, tem um
caráter reducionista. Segue um pensamento de Jung, expresso nos Seminários da Visões,
publicado em 1976 que busca uma proposta mais ampla e compreensiva com relação ao
fenômeno artístico:
“Se tem uma atitude cuja disposição é voltada à totalidade, então esta visão funciona mas, se tem a
atitude apenas estética, começam as dificuldades porque o esteticismo é uma disposição parcial que
protege, apenas permitindo ver a superfície... Estando perdido na percepção da superfície não se terá
experimentado nada a se terá perdido o fato na sua inteireza” (4)
Freud trouxe uma nova compreensão ao relacionar a obra de arte com a experiência
pessoal do artista, mas privilegiou em demasia as condições que precederam a criação da
obra, tornando-as mais importantes do que a própria obra.
Segundo Dufrenne o artista expressa sua interioridade no objeto estético, além de
obedecer ao apelo da obra em gestação, pois o mundo do qual a obra faz parte precisa do
artista para existir. Para ele há um momento de reflexão por meio do qual procura-se ouvir
quem fala: é a obra por si mesma ou o artista por meio dela ?
“Destarte não é o artista quem fala, é a sua obra, e mesmo duplamente: ela o designa ao revelar um
mundo que é o seu. A verdade do artista está em sua obra e é a verdade desta obra que se faz mister
interrogar” (5)
Segundo Jung, o significado da obra e seu caráter são inerentes a ela, pois a obra
traz em si sua própria forma, impondo-a ao artista:
“A planta não é simplesmente um produto do solo, mas também um processo vivente e criativo que
repousa em si mesmo, e cuja essência nada tem a ver com o caráter de terreno. Assim, a obra é uma
força natural que vive e cresce no indivíduo; é um ser vivente plantado na alma do homem” (6)
Quase se pode dizer que a obra usa o homem como solo nutritivo, modelando-o
conforme a sua vontade. O artista seria, então, o instrumento colocado a serviço do
movimento criativo que precisa se expressar. De uma forma poética, Luigi Pareyson,
filósofo italiano, fala sobre o caráter autônomo do processo artístico.
“... Nunca o homem é tão criador como quando dá vida a uma forma tão robusta, vital e
independente, ao impor-se ao seu próprio autor. O artista é tão mais livre quanto mais obedece à obra
que ele vai fazendo; assim, o máximo de criatividade humana consiste precisamente nesta união de
fazer e de obedecer pela qual, na livre atividade do artista, age a vontade autônoma da forma” (7)
O artista ao modelar a obra, modela-se a sim mesmo.
Neste divino furor da arte, é o Self que se exprime por meio de conteúdos
arquetípicos que afloram, a natureza mais profunda se revela, independentemente da
vontade do artista. Merleau Ponty parece ampliar esta visão quando, interpretando Klee e
Ernst, diz que o pintor vive no fascínio e seu papel consiste em cercar e projetar o que nele
14
se vê. Os seus gestos e traçados parecem emanar das próprias coisas . Entre ele e o visível
os papéis se invertem inevitavelmente: a natureza e os objetos lhe olham e lhe falam. O
pintor deve ser transpassado pelo universo e não querer trespassá-lo.
“Assim, quando sua visão se faz gesto, através da ação e da paixão tão pouco discerníveis, já não
sabe quem vê e quem é visto, quem pinta e quem é pintado”. (8)
Também Pedrosa
quando realizado.
(9)
fala sobre o fenômeno instintivo do criar, que só se aplaca
“Assim, do ponto de vista psicológico, pode-se falar da necessidade de expressão da alma... impulso
obscuro, a vocação expressiva não possui entretanto um processo específico de se realizar ao
contrário, ela se serve de quaisquer veículos para se exteriorizar”.
Frente à intenção criativa que surge e se desenvolve como uma força autônoma no
artista, ele pode reagir de duas maneiras diferentes. A primeira seria identificando-se com
o processo criativo, isto é, plasmando a obra segundo a sua própria intenção egóica e
determinação. Seriam então obras nascidas da decisão consciente do autor, que utiliza,
neste trabalho, sua capacidade de julgamento mais apurada e que escolhe sua expressão
com plena liberdade, sobrepondo-a à matéria trabalhada. A Segunda seria aquela de acolher
o processo criativo como uma potência estranha, em que a obra se impõe ao autor
determinando, ela mesma, a própria forma. Não é uma produção do inconsciente pessoal,
como sugere Freud, mas do inconsciente coletivo. O artista sente que sua obra é maior que
ele e neste caso, não pode submetê-la a seu desejo, pois é o Self quem fala por meio dela.
Esta seria a grande obra.
O processo criativo não pode ser apenas guiado por uma escolha consciente, pois a
obra se desenvolve no artista como um complexo autônomo criativo, que emerge do
inconsciente e precisa se expressar (10). Poder-se-ia considerá-lo, portanto, como um
processo em que o artista seria possuído por uma força suprema que o envolvesse e o
dirigisse, como observado em um relato de Jackson Pollock: “quando pinto, não tenho
consciência do que estou fazendo. Só depois, num período de convivência com o quadro,
me dou conta do que fiz. O quadro tem uma vida em si: eu apenas o fiz nascer.” Vincent
relata em suas cartas, o quanto se sente tomado pela sua obra e pelas suas cores,
enfatizando a intensidade da força criativa que se impõe. (11)
“... num certo sentido estou contente por não ter aprendido a pintar... Eu mesmo não sei como pinto;
venho sentar-me com uma tela branca frente ao local que me impressiona... vejo na minha obra um
eco do que me impressionou, vejo que a natureza me contou algo, falou comigo...”
Agosto/Setembro 1882
“...Posso muito bem na vida e também na pintura me privar de Deus, mas não posso, privar-me de
algo maior do que eu, que é minha vida, a potência de criar...”
Setembro 1888
Como o complexo criativo tem as mesmas características que outros complexos
15
autônomos, é importante se fazer uma diferenciação entre processo criativo e distúrbio
mental. O complexo, em si, não é um fenômeno patológico e, somente em circunstâncias
particulares, assim se traduziria. Ele de forma a partir da diminuição da atividade
consciente, produzindo um estado alterado que facilita a atividade criativa. A energia
subtraída do controle consciente da personalidade, produz os complexos. Ao descer às
profundezas do inconsciente, o artista entra em contato com aspectos obscuros, se expondo
ao movimento regressivo da libido. Na atividade artística o inconsciente é mobilizado,
trazendo uma regressão à matriz original, mãe criadora, de onde vem a renovação, mas
também a possibilidade de destruição. Se o consciente não conseguir assimilar os
conteúdos emergentes haverá o risco de psicotização. A realização da obra é o caminho
para o retorno à superfície.
O processo criativo consiste em um diálogo constante entre o consciente e o
inconsciente. Artistas, que não suportaram o emergir de seus conteúdos profundos
sucumbiram ao inconsciente pela fragilidade egóica. Desta forma, a loucura pode ser vista
como a invasão de conteúdos do inconsciente, no campo da consciência, pela fragilidade
egóica, ocorrendo a ruptura com o mundo objetivo.
Jung (12) faz um relato de sua vivência em um período de grande desestrutura
interna, apontando a possibilidade de ter sido tragado pela força destruidora do
inconsciente:
“...Eu fiz todo o possível para não perder minha orientação e para descobrir o caminho a seguir.
Mergulhei sem nenhuma ajuda, dentro de um mundo estranho e tudo ali me parecia difícil e
incompreensível. Eu vivia continuamente numa tensão extrema e tinha a impressão constante de que
blocos gigantes de precipitariam sobre mim. Muitos sucumbiram, como Niestzsche, Holderlin e
outros. Mas, havia em mi m uma força vital primária, quase demoníaca e desde o começo por mim
ouvida, que sugeria que eu deveria encontrar o sentido do que eu vivia dentro destes fantasmas...”
Embora a influência da obra de Jung sobre a estética seja mais limitada, silenciosa e
não tão explícita quanto a de Freud, não se pode deixar de salientar a trama complexa
existente no pensamento junguiano que influencia e, também, se permite nutrir pelos
artistas e movimentos artísticos de sua época. Segundo Aniela Jaffé, 1983, o mundo
simbólico junguiano é alimentado por duas correntes importantes: surrealismo, (assinalado
pela descoberta da psicologia profunda) e o simbolismo, que despertaram na consciência
européia o interesse pelo mundo obscuro. Assim, a busca pela introspecção bem como a
imersão em um mundo onírico e fantástico, são pontos por meio dos quais giram diversas
obras de artistas, tais com Pirandello e Kafka. Embora a ligação destes artistas com a
psicologia analítica e com Jung não seja tão bem delineada, observa-se a influência
junguiana por exemplo em D.H. Lawrence, T.S. Eliott e Herman Hesse, de acordo com
Aldo Carotenuto em Il Romanzo moderno e L’attualitá del Mito, 1997 (13) .
O artista moderno diz Jung, não aprendeu a distinguir entre a sua própria vontade e
a manifestação objetiva da psique, o que o leva a contemplar e a traduzir, na obra, as
imagens da fragmentação cultural (14). Para Jung a arte contemporânea não cumpre o seu
papel num momento particularmente delicado do desenvolvimento da cultura ocidental. O
seu papel deveria ser a integração de dimensões psicológicas “rejeitadas”, como o
feminino, o inconsciente, o material, o mal, etc. Segundo ele, a arte do século XX, na sua
grande maioria, sofre de atrofia de sentimentos, talvez como uma correção à brutalidade
16
dos tempos. O fator subjetivo nos movimentos de vanguarda se exprime, em formas
exageradas e privadas de gosto (15)
A pintura, traduz, em fatos visíveis os motivos predominantes de cada época e,
segundo Jung, a expressão de nosso tempo é a angústia e o medo da exploração catastrófica
de forças destruidoras. A obra, desta forma, traduz o absurdo, a falta de sentido e de
sentimentos, não mantendo diálogo com o observador. A pintura entrega-se a um elemento
de desagregação em que tudo é fragmentação e frieza, gerando a não confiança e a ausência
de idéias, e podendo aparecer então qualquer coisa.
Jung analisa, em “Um Mito Moderno: as coisas que se vêem no céu”, manifestações
de fenômenos celestes expressos na arte pictórica, como por exemplo, pontos e discos,
considerando-os compensação psíquica da angústia coletiva. Estes são princípios
ordenadores projetados magicamente no céu, surgindo do caos, como uma nova
possibilidade de organização. Desta forma ele cita algumas obras de artistas, fazendo
referências a corpos redondos no céu. Uma delas é “A noite estrelada” de Vincent, cujo
comentário é:
“as estrelas são representadas, na pintura, na forma de grandes discos luminosos, de uma maneira em
que não se manifestam nunca aos olhos. O artista, falando de sua pintura, usa a expressão entusiasmo
panteísmo, ou simplesmente a chama de idéia de uma fantasia apocalíptica, e compara os discos
estrelares a um grupo de figuras vivas que são como nós. É provável que o quadro derive de um
sonho”. (16)
O artista exprime as próprias visões, criando algo que não revela, necessariamente, ao
espectador alguma correspondência com o mundo real. Da mesma forma que ocorria com
os antigos alquimistas, ao projetarem seus conteúdos psíquicos inconscientes sobre a
matéria,, ele o artista, não se dá conta da projeção de seus conteúdos rejeitados, que
expressam também a dilaceração psíquica coletiva.
Jung quando analisou uma das fazes da obra de Pablo Picasso(17) recebeu muitas
críticas. Mas hoje, na presença de tantas obras com predominância de motivos
inconscientes, como tema, fala-se com mais freqüência sobre a obsessão, quase
esquisofrênica, do artista moderno.
Jung aborda a arte contemporânea a partir das dinâmicas de complementaridade e
compensação, e acrescenta que embora em muitos momentos ela provoque angústia e
perturbação no espectador, traz, também, a possibilidade do novo.
Como o espírito da época está em constante movimento, começa a acontecer uma
importante mudança na pintura contemporânea. Surge a necessidade de uma reconciliação
consciente da realidade interior do artista com a realidade exterior. Cada obra de arte,
segundo Susanne Langer em Problems of Art, 1957, traz aspectos do mundo exterior,
compostos pelas leis do mundo interior do artista.
Para Kandisky, a importância das grandes obras de arte não está em suas
superfícies, mas em suas raízes, ou seja, em seus conteúdos míticos.
Assim, o artista deveria estar sempre voltado ao seu mundo e às sua vozes
interiores, porque esta seria a única forma de dar expressão ao que a visão mítica indica. (18)
É muito importante o reconhecimento, por parte do artista, do produto espontâneo
da sua psique, realidade da qual não pode fugir. Nesta percepção ele se vê, como
instrumento que se entrega e se deixa plasmar pelas imagens, não renunciando, porém, a
dar-lhes uma forma. São estas imagens que propõem um futuro e ninguém melhor do que o
17
inconsciente sábio pode conhecê-lo. O artista não é apenas aquele que representa a
realidade, mas um criador e também um educador. As suas obras têm um valor simbólico e
traçam as linhas de um desenvolvimento futuro. (19)
“É emprestando o seu corpo ao mundo, através da sua visão e movimento, que o pintor transmuta o
mundo em pintura, a qual confere a existência visível ao que a visão profana crê invisível”.
Maurice Merleau Ponty
Enquanto na psicanálise há o risco da biografia do artista se tornar mais importante
do que a própria obra, na abordagem junguiana o perigo seria a consideração da obra
apenas como uma convergência de vários arquétipos. Assim, para uma plena compreensão
do artista, deve-se levar em conta dados biográficos, arquetípicos e culturais, não
privilegiando apenas um ou outro aspecto.
A partir da leitura mais abrangente da atividade artística, pode-se traçar um paralelo
entre processo criativo e processo de individuação, em que a obra é o lugar onde o artista
trabalha sua própria transformação. Criar para o artista, é descobrir e afirmar a própria
identidade, dialogando com o inconsciente, fonte de potencialidades e de criatividade
humana. Neste esforço individual, ele estabelece contato com as partes mais profundas de
seu próprio ser.
“...Existe uma analogia entre o impacto produzido pela obra de arte e o impacto de uma experiência
puramente religiosa. A arte atua sobretudo na alma...”
Tarkovsky, 1988
Mary Dougherty (20) , analista junguiana de Chicago, fala em seu trabalho sobre a
importância do “fazer arte” não apenas sob o ponto de vista estético. Segundo ela, a
produção artística pode ser vista como um produto mediador que facilita a compreensão
consciente e a apreciação das manifestações inconscientes expressas no trabalho.
Existe um potencial reparador no processo artístico. Quando o sujeito vivência o
trabalho como veículo por meio do qual pode dar um sentido maior à sua vida, ele está
exposto às dinâmicas arquetípicas de criação e de destruição, tensão de opostos, presentes
no processo criativo.
De uma outra forma poderíamos dizer que o impulso criativo visto como uma força
motriz, condutora do processo de criação, é avassalador e ambíguo. De um lado está a
paixão da criação, em seu sentido positivo que gera, plasma e sustenta o produto artístico e,
de outro, em seu aspecto negativo, está a patologia, que pode corroer o sujeito e levá-lo à
destruição se não há a integração. Dougherty enfatiza a importância do trabalho artístico
dentro do processo de individuação, como expressão do Self.
Nise da Silveira, psiquiatra alagoana e pioneira na luta contra a psiquiatria
tradicional, no Brasil, iniciou seu trabalho no setor de terapia ocupacional do Hospital
Pedro II, buscando uma forma humanizadora para o tratamento psiquiátrico. Desde sua
chegada ao Rio de janeiro, em 1927, começou também a participar de rodas literárias e a
conviver com artistas de grande projeção.
18
A partir dos trabalhos de pintura, desenho e modelagem feitos nos ateliers de
terapia, ela percebeu a capacidade criativa presente nas fantasias dos doentes e a
importância de eles se expressarem por meio destes recursos.
Vincent em uma carta a Théo, dizia:
“... trabalhar nas minhas pinturas é quase uma necessidade para minha recuperação. Nestes dias sem
fazer nada e sem ser capaz de ir à sala a mim destinada para fazer minhas pinturas, é quase
insuportável.” (21)
Ago/Set.1889
Utilizando-se da linguagem simbólica e estabelecendo paralelos com a mitologia,
Nise da Silveira pôde compreender que o material que emergia dos trabalhos era sadio,
arquetípico e portanto comum à toda humanidade.
Ela nos deixa este grande legado, trazendo-nos a possibilidade de uma leitura mais
ampla do potencial terapêutico da atividade artística.
Em julho de 1998, em um encontro em sua residência ela, aos noventa e três anos,
disse-me estar “estupefata” com as imagens de Vincent que lhe mostrei. Atentamente,
observou cada um dos auto-retratos. São as várias faces de Van Gogh, que emergem dos
“inumeráveis estados de seu ser”, expressão dita por Antonin Artaud e utilizada por ela
para designar a loucura dando-lhe, não a conotação de patologia mas procurando situá-la
dentro do processo de individuação.
O encontro com Freud foi uma experiência decisiva para Jung, pois seus estudos
fundamentais serviram como matriz criativa para os estudos analíticos junguianos. O
relacionamento entre os dois desenvolveu-se em um terreno áspero porém fecundo, que
possibilitou o aprofundamento de seus fundamentos teóricos. (22)
A psicologia freudiana considera a imagem uma máscara que disfarça tendências e
desejos inconscientes. Existe a preocupação de interpretar as imagens simbólicas na análise
de criação artística, geralmente sob uma ótica retrospectiva causalística, convergindo os
vários dados em trajetos explicativos. A influência das experiências vividas na infância
pelo artista é fundamental. A abordagem psicanalítica dispõe, de um lado, dos dados
biográficos, da causalidade dos eventos e da influência ambiental e, do outro, da reação do
indivíduo, procurando descobrir as suas originais forças pulsionais, psíquicas paralelamente
às transformações e evoluções sucessivas.
Freud equipara a arte à neurose estabelecendo um paralelo entre a criação de
sintomas neuróticos. A arte seria uma sublimação, onde a libido abandona o objeto
sexualmente desejado, para dirigir-se a outra meta, encontrando satisfação em atividades
não sexuais e socialmente valorizadas. Isto é, segundo a psicanálise uma parte da produção
psíquica serve para a satisfação substitutiva daqueles objetos reprimidos e insatisfeitos
conduzindo à realização da obra de arte.
Numa análise sobre Leonardo da Vinci, Freud fala sobre o desenvolvimento
psíquico, descrevendo fatos da sua infância, como a relação parental, que tiveram sobre ele
um efeito profundamente perturbador e que influenciaram toda sua obra no decorrer de sua
vida. Freud reduz algumas variáveis, tais como a escolha dos temas, a sexualidade em
termos de repressão, a fixação materna e a sublimação. Embora o conceito de sublimação
tenha sido fecundo, sabe-se hoje que este é pouco para explicar a realização artística, pois
ele descreve apenas o aspecto social do processo de descarga de energia vinda do impulso
19
instintivo. O objetivo da reorientação de tal energia é canalizá-la para algo que mereça o
consentimento social.
O fenômeno da criação é muito mais amplo, abordando também outros aspectos. A
atividade artística consiste propriamente em executar, produzir e realizar que é, ao mesmo
tempo, inventar, figurar e descobrir. Não é possível projetar a obra antes de fazê-la. É
somente fazendo-a que ela é encontrada, inventada e passa a existir.(23)
Segundo Gombrich, no ato de criar é importante o aspecto lúdico do prazer infantil
de experimentar várias combinações e permutações. O artista que experimenta e vai em
busca de novas descobertas, como um pintor nas formas visuais, escolherá no processo préconsciente as estruturas que lhe pareçam significativas, segundo seu intelecto e seus
conflitos interiores. Mas é a sua arte que informa o seu intelecto e não o seu intelecto a
irromper na arte. Poderão, por vezes, vir à tona experiências ou estados de ânimo que
estavam latentes no artista.
A psicanálise fala de alguns elementos estéticos, num trabalho misterioso e
insondável. O Eu, em sua função organizadora, aprende a transmutar e a canalizar os
impulsos do Id e uni-los na complexidade de uma obra de arte. (24)
Para Mirella de Fonzo (25) o artista, por um instinto inato, é levado a criar e a
transformar em arte seu impulso neurótico. O artista vive a dicotomia das fases de
entusiasmo e de melancolia-depressão. Vincent, segundo esta concepção, por não ter sido
aceito, teria passado a viver apenas a fase depressiva, agravando-se, então, a fobia e a
neurose de ânsia. A obsessão e o delírio da criação fizeram-no tocar o ápice da loucura.
Segundo Margot e Rudolph Wittkower(26) , o artista poderia expressar, em sua exaltação
criativa, o desespero advindo do sentimento de insatisfação, ou do não reconhecimento de
seu trabalho. Vincent, não tendo mais esperanças de tê-lo reconhecido, foi levado ao
suicídio. Melancolia, solidão, extravagância, obsessividade e loucura foram consideradas
características de personalidade a partir da antigüidade. Com a psicanálise, o artista, que foi
considerado nas várias épocas antigas como possuído pela divindade, passa a ser visto
como neurótico. A antiga tipologia, elaborada sobre os artistas, tornou-se arbitrária em
razão da complexidade da personalidade humana. Além disso não se pode deixar de levar
em conta o momento histórico, a história individual e a tendência cultural, como influência
na formação e no desenvolvimento de seu caráter.
O interesse de Freud, ao interpretar as obras de arte sob o enfoque dos dados mais
marcantes da vida do artista, é hoje chamado de psicobiografia, que seria a primeira das
direções de pesquisa na psicanálise da arte. Outras formas de interpretação seriam a
observação da manifestação do inconsciente na obra, analisando-se a temática, o destino
das pulsões e a realização do desejo, bem como a reflexão sobre os ritmos e cada uma das
etapas da produção da obra, ou seja, sobre o seu processo de criação.
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21
Vincent van Gogh - SUA VIDA E SEU CAMINHO
“Van Gogh é sua própria arte. Através da pintura se vê,
se perde e se reencontra. Pinta-se para estar seguro de
existir”.
Pascal Bonafoux
Seguem-se dados fundamentais da vida de Vincent, com o objetivo de situar
cronologicamente o leitor. Por que chamá-lo Vincent? Era assim que ele assinava as suas
obras. Havia um sentimento de não pertencer à família, além de achar, também, que as
pessoas não saberiam pronunciar o sobrenome “van Gogh”. (1)
Vincent Willem van Gogh nasceu em Zudert (Holanda) em 30 de março de 1853,
exatamente no mesmo dia, um ano depois, e com o mesmo nome de seu irmão, primogênito
da família van Gogh, que havia nascido morto. Filho de família de pastores protestantes
pobres tinha uma grande dificuldade de relacionamento com pais e irmãos. Sentia-se
agredido e rejeitado. Percebia-se um estranho dentro do contexto familiar.
“Involuntariamente, tornei-me, na família, uma espécie de personagem impossível e suspeito, pelo
menos alguém em que ela não confia; assim, como eu poderia ser útil a alguém?”
julho de 1880(2)
Tinha imensa dificuldade em estabelecer vínculos, também, em seus
relacionamentos sociais, como pode ser confirmado pela afirmação de um colega da
Academia de Arte de Antuérpia.
“Eu me lembro bem daquele homem castigado pelo tempo, nervoso e impaciente, que caiu
inesperadamente na Academia, desagradando ao diretor, ao mestre de desenho e aos estudantes”. (3)
Embora tenha mantido um estreito relacionamento com sua irmã Willemina,
destinatária de cerca de vinte de suas cartas, a afetividade de Vincent concentrou-se mais
profundamente sobre a figura de seu irmão Theodorus – carinhosamente chamado de Théo
– quatro anos mais moço, que o ajudou financeiramente durante toda a vida e o apoiou no
trabalho. O vínculo entre os dois irmãos era tão intenso que, paralelamente a mais ou
menos oitocentas obras deixadas por Vincent, encontramos mais ou menos oitocentas
cartas, correspondências de Vincent a Théo, no período de 1872 a 1890. (4)
Théo morre seis meses após a morte de Vincent, reforçando a importância deste
relacionamento, assinalado também por grandes ambigüidades.
Pode-se salientar que, paralelamente à pintura, Vincent, ao rescrever suas cartas,
encontrava um momento especial de reflexão e de expressão de seus sentimentos mais
profundos.
Embora constituir uma família e ter filhos fossem necessidades expressas em seus
contatos e cartas, buscava sempre relações fadadas ao fracasso. Em sua fantasia e
devaneios, escrevia:
“...é um sentimento forte e potente, aquele que o homem sente
que ama, com uma criança em um berço, no canto...
22
sentado ao lado de uma mulher
“Julho de 1882(5)
Vincent tinha uma personalidade ambivalente: frágil, amável, humano mas também
agressivo, colérico, instável e impaciente. Estas características o tornavam uma pessoa de
difícil contato. Era um apaixonado pela natureza, como demonstra em suas obras, além de
nutrir um forte amor pelo próximo e pelas coisas simples. Estas eram suas forças
inspiradoras, que ele valorizava acima da técnica:
“O verdadeiro pintor se deixa guiar pela sua alma.”
Outubro de 1885(6)
Através da sua enorme sensibilidade expressou, por sinais pictóricos, toda sua dor e
angústia de ser e viver. Cada estágio de sua arte, carregava um significado pessoal
profundo, refletindo em suas obras as aspirações e rebeliões de sua alma.
Sua vida foi uma constante busca de si mesmo. Encontrou refúgio, em um primeiro
momento, numa religiosidade de cunho protestante, baseada em mortificações físicas e
privações. Também evangelizou e trabalhou junto a pessoas carentes e sofridas como
camponeses, mineiros e tecelões, com os quais parecia identificar-se, como sugerem alguns
de seus quadros: “O semeador” (dezembro de 1882), “Os tecelões no tear” (janeiro de
1884), “Os comedores de batata”(abril de 1885) e “Cabeça de velha camponesa com touca
branca”(dezembro de 1884).
Até o final de sua vida foi sustentado por uma fé que não existia em função da igreja
ou de seus dogmas. Assinalo abaixo alguns trechos de uma carta(7) escrita a seu irmão, na
qual relata o sermão que havia preparado para aquela semana:
“... Como deveríamos imaginar Deus como sendo um operário com feições de dor, de sofrimento e
de fadiga – sem esplendor ou glamour, mas com uma alma imortal – que precisava de alimento que
não perecesse...”
“Como Jesus Cristo é o mestre que pode fortalecer, consolar e aliviar um operário que tem a vida
dura...
“E os desejos de Deus para quem, como Cristo, o homem deveria viver humildemente e passar pela
vida não procurando alcançar o céu, mas se adaptando à terra e aprendendo, com o evangelho, a ter
um coração dócil e simples.”
26 de dezembro de 1878.
Vincent não conseguia expressar seus sentimentos apenas em palavras. Ele não era
entendido e desta forma pintava para se comunicar.
Segundo Karl Jasper, tudo em Vincent era um ímpeto religioso. Ele buscava na arte
tocar o infinito.
Os símbolos e temas expressos em sua tela, sobretudo os da natureza e da vivência
humana mais humilde, serão sempre retomados em sua obra. Segundo Hung, o homem,
indubitavelmente, precisa de convicções e princípios que dêem sentido à vida e que lhe
permitam encontrar um lugar no universo. Para Tarkovsky 1998, o homem está
23
eternamente estabelecendo uma correlação entre si mesmo e o mundo. Há um anseio
constante em atingir um ideal que é percebido como um princípio fundamental, sentido
intuitivamente.
Apesar de Vincent ser conhecido pela originalidade de sua obra, ele sofreu
influência de vários pintores em diferentes momentos de sua trajetória artística.
Sua procura por um aprimoramento artístico levou-o a viver em diferentes lugares.
Em 1873 foi para Londres e em 1879 para Cuemes e Borinage. Esteve em Bruxelas em
1880, onde estudou luz e sombra, proporção e perspectiva, com Rappard. Em 1881 foi para
Etten onde estudou desenhos acadêmicos com Mauve. Esteve em Drenthe em 1883,
Nuenem em 1885 e Antuérpia em 1886. Já em Paris, em 1886 iniciou seu trabalho no
atelier Courmon, indo nos anos seguintes à Arles, St Remy e Auvers – Sur-Oise (8).
Buscou várias formas de sobrevivência e sustento: trabalhou em lojas de arte,
estudou e ministrou aulas de línguas e de pintura e preparou-se para cursar teologia porém
nada o envolvia realmente. Sentia-se incapaz de produzir, encontrando-se num estado de
profunda desesperança e miséria interior, como expressou em uma de suas cartas:
“É verdade que eu ocasionalmente ganhei meu pedaço de pão, ocasionalmente um amigo o deu para
mim por caridade. Eu tenho vivido como posso, como a sorte permite. É verdade que eu perdi a
confiança de muitos; é verdade que minha situação financeira está difícil; é verdade que o futuro
parece bastante cinzento; é verdade que eu deveria ter feito melhor, é verdade que eu perdi tempo em
termos de ganhar meu pão; é verdade que até meus estudos estão em situação não menos
desesperadora, e que minhas necessidades são maiores, infinitamente maiores que minhas posses.
Mas é isto que você chama de < entrar num buraco >, é isto que você chama de < não fazer nada > ?”
(9).
Em julho de 1880, finalmente descobriu-se pintor. Seu trajeto como tal, foi
relativamente curto, cerca de dez anos, mas absolutamente intenso. Pintou a maior parte de
suas obras durante três anos, em meio a crises e desespero. Vincent sofreu influência de
vários pintores e de vários movimentos artísticos. Entre os pintores destacam-se: Millet por
sua afinidade com a temática de camponeses e seu rigor formal; Rembrandt pelo tratamento
que dava à luz; Delacroix pela expressão através do vermelho e a união de cores
complementares entre si; Seurat pela técnica pontilista; Rubens por sua simplicidade em
expressar sentimentos e pela utilização de cores cada vez mais fortes e luminosas .(8)
Em sua tela, Vincent expressa características de vários movimentos, pois não se
insere em apenas um deles. Do impressionismo, viveu a pintura ao ar livre, a descoberta da
luz e sua contraposição na sombra, bem como o uso de cores claras. Do simbolismo evocou
a realidade interior, misteriosa e profunda, em reação ao naturalismo e à tradição
impressionista. Inspirou o movimento expressionista buscando, na arte figurativa, a
recuperação da linguagem primitiva: a imagem simplificada e deformada, cujo enfoque é a
subjetividade com a recusa de regras.
A partir da vivência em Arles, Vincent tornou-se uma máquina de pintar,
estimulado pela paisagem e pelo sol escaldante, que queimava incessantemente. Pintava
compulsivamente, sem saber como e porquê. Estava bêbado com as cores e suas telas
tornaram-se massas amarelas, de sol brilhante.
Ele precisava pintar sem parar para suportar o sofrimento. Poderia não ter nada nem
vender nenhum quadro, mas não poderia ficar sem algo que era maior do que ele: a força e
a habilidade para criar.
24
“... Os meus quadros não têm valor e me custam, ao contrário, despesas extraordinárias, por vezes
sangue e cérebro”.
17 de janeiro de 1889 (10)
Toda sua abertura às experiências mais variadas era expressa em seu trabalho. Sua
obra apresenta uma certa homogeneidade temática que se pode sintetizar em duas
características: realismo e seletividade. Quanto à primeira, observa-se que aparecem nas
obras de Vincent, quase que exclusivamente, elementos do mundo real. Não se vêem temas
fantásticos, assim como pouco freqüentes são os temas do imaginário religioso coletivo.
Vicent dedicou-se a apenas cinco obras referentes a episódios bíblicos e todas elas
foram cópias de pintores famosos. São elas: “A ressurreição de Lázaro” e “Meio busto de
um anjo”, cópias de Rembrandt, feitas em maio de 1890 e setembro de 1889; “O bom
samaritano” e por duas vezes “A Pietá”, cópias de Delacroix, também pintadas em maior de
1890 e setembro de 1889. Vincent fazia cópias, mas estas não eram verdadeiras cópias.
Eram sim criações originais, baseadas em modelos, recriados sob uma nova luz.
“... Nos tempos de hoje, existe tanta gente que não se sente feita par o público, mas que sustenta e
reforça o que os outros fazem... Isto para lhe dizer que não hesito em fazer cópias. Eu gostaria muito,
se tivesse tempo para viajar, de copiar o trabalho de Giotto, aquele pintor que seria tão moderno
quanto Delacroix, se ele não fosse primitivo, ainda que tão diferente dos demais primitivos”
Janeiro de 1980(11)
Quanto `a seletividade, Vincent considerava, em função da representação, quase só
a realidade humana e vegetal. O animal aparecia em poucas obras, o que talvez simbolize
um contato tênue com suas necessidades básico instintivas.
A presença de Paul Gauguin na vida de Vincent foi de enorme importância, apesar
de terem tido um relacionamento conturbado e difícil em função das diferenças individuais,
dos traços de personalidade e das divergências artísticas, como testemunham os trechos
seguintes (12) .
{Gauguin}: “Entre dois seres, ele (isto é, Vincent ) e eu, um sendo um vulcão, e o
outro também em ebulição, havia de alguma maneira, dentro de nós mesmos, uma luta em
preparação.”
{Vincent}: “Eu o vi diversas vezes fazendo coisas que você (isto é Théo) ou eu não
nos permitiríamos fazer... acho que ele (isto é, Gauguin) é levado por sua imaginação, pelo
orgulho, mas é bastante irresponsável”.
Foi após um período de dois meses de convivência com Gauguin na mesma casaatelier, em dezembro de 1888 que Vincent, num ímpeto de fúria, decepou a própria orelha
esquerda.
Uma das formas de se ampliar o ato da mutilação seria entendê-lo como um
sacrifício, que segundo Jung significaria renúncia a valores – físicos, morais ou materiais.
Desta forma aquele que se sacrifica evita ser devorado pela dor, pois doma sua própria vida
instintiva ao sacrificar o animal existente dentro de si. Vincent não foi capaz de elaborar
este confronto com o instinto e integrá-lo.
A separação de Gauguin, naquele momento, colocou-o em contato com a própria
fragilidade física e emocional. Suas obras passaram a carregar traços da desestrutura,
devido a fatores ambientais, constitucionais e intrapsíquicos. Como não houve
possibilidade de transformação em função das dificuldades, do uso exacerbado do álcool e
25
das depressões constantes, o ego foi se deteriorando aceleradamente. A fraqueza egóica não
conseguiu suportar a ativação poderosa do inconsciente, como assinala Artaud:
“... nos seus momentos finais de agonia e desintegração, sua tela tornou-se a natureza inteira
retorcida freneticamente, transportada ao cúmulo de exacerbação; a forma transformou-se em
pesadelo e a cor transformou-se em chama; a luz fez-se incêndio e a vida, febre escaldante”. (13)
Por sofrer, no espírito e na carne, crises terríveis que o transformavam em animal
selvagem, pegava o pincel para ir mais longe: para se conhecer melhor, para procurar sua
verdade. Pintando, tentava dar formas visíveis aos conflitos invisíveis que atormentavam
sua alma.
Nesta patética desordem, houve uma poderosa resistência à desintegração. Em sua
angústia extrema, descobriu uma ordem de cores e formas para suportar a decomposição
interna, o próprio caos.
De dezembro de 1888 a julho de 1890 sucedeu-se uma série de crises, alucinações e
internações. Em uma carta a Théo, Vincent relatou que durante as crises escutava sons e
vozes estranhas.
“as alucinações intoleráveis cessaram e se tornaram, por hora, somente pesadelos”
28 de janeiro de 1889(14)
Sua obra começou a expressar, quase como um grito de angústia, a própria
dissociação interior. No período em que esteve internado em um hospital psiquiátrico,
separado do mundo exterior, concentrou-se em si e nas forças psíquicas que o tomavam.
O seu traçado tornou-se cada vez mais agitado, surgiram movimentos circulares e
começou a haver uma grande ênfase no uso das cores. Era o espelho da obsessão maníaca:
pintar era preciso, pois era esta a única maneira de estabelecer um contato com a realidade
externa.
Necessitava exprimir-se com o máximo de intensidade e rapidez como se, a
qualquer momento, pudesse ser privado de suas aptidões. Segundo Cabanne, em Van Gogh,
1985, muitas das telas feitas no período de Auvers foram acabadas às pressas.
A 29 de julho de 1890, suicida-se com um tiro no peito.
“...E esta nossa vida, tão criticada, e por razões boas e exaltadas, não devemos toma-la por outra
coisa além do que ela é , nos restando a esperança de que, em alguma outra vida, possamos ver algo
melhor...”
Março de 1888(15)
Após este breve resumo de caminho trilhado por Vincent, considero importante
acrescentar outros pontos de vista que são particularmente fecundos e que permitem
diferentes olhares sobre o seu processo criativo.
Para Jaspers (16) , médico e filósofo existencialista, existe uma relação entre doença
mental e criatividade artística. Arte e loucura coincidem porque acontecem juntas. O
momento mais forte da perturbação psicológica é o grau mais alto do desenvolvimento
criativo.
A partir de dezembro de 1885., Vincent começou a expressar distúrbios físicos
agravados pelo consumo de fumo e álcool, bem como por condições precárias de
26
alimentação. Jaspers também faz alusão a distúrbios psíquicos, os quais considerou como
início da psicose, apesar de se manifestarem em um momento de intensa criatividade no
trabalho. Surgem queixas de insônia e alucinações e há uma compulsão para pintar,
embora, depois, sinta-se esgotado. No início, não estão presentes traços da doença na obra
mas, com o passar do tempo, começa-se a perceber alterações: observam-se mudanças na
intensidade criativa e na auto percepção. A superfície da tela se dissolve em pinceladas de
formas geométricas e regulares, que produzem efeitos multiformes, e dão ao quadro um
movimento inquietante.
O uso de cores passa a acontecer de uma maneira diferente para se exprimir com
intensidade. As cores ardem e nos últimos quadros, tornam-se estridentes e cruas. Surgem
erros de proporção e deformações. A tensão interior é projetada na tela e com as crises,
cada vez mais freqüentes, se intensifica o dinamismo do traçado.
Apesar de Vincent, nos momentos de lucidez, querer entender e dar um sentido a
seu sofrimento, surgem cada vez mais sinais de empobrecimento, sem renovação
intelectual.
Segundo Jaspers, neste momento, as obras não apresentam mais a técnica
adquirida, mas a vivência de uma personalidade despedaçada e esquizofrênica, que vai se
perdendo até chegar à desagregação e ao exaurimento.
Embora não haja uma curva regular com relação às obras mais débeis e a doença,
existe uma relação entre o desenvolvimento da psicose e a mudança do modo de vida e de
criação.
Para Jaspers, era infundada a hipótese de que Vincent sofresse de epilepsia. Poderia
tratar-se de esquizofrenia, pois foi possível a Vincent manter o senso crítico e a disciplina,
apesar de dois anos de violentas crises psicóticas. Apesar de estabelecer uma relação causal
entre o sofrimento psíquico e a criatividade, Jaspers procurou, por meio da filosofia,
compreender de uma forma mais ampla o processo artístico.
Para Arnold, médico australiano com várias publicações no campo de bioquímica,
Vincent era um homem solitário que trazia sua existência marcada por uma série de
incertezas, relacionamentos mal sucedidos, crises de debilidade e auto-mutilação, entendida
por ele como uma antecipação do suicídio.
Não era um artista louco, mas um homem que sofria de uma desordem psíquica,
com um histórico familiar anterior de doença mental: Théo, seis meses após a morte de
Vincent, desenvolveu problema renal, seguido de um surto esquizofrênico. Cornélis,
também irmão de Vincent, morreu em 1900, provavelmente por suicídio. Willemina teve
um colapso mental e permaneceu internada em um hospital psiquiátrico até sua morte.
O estilo de vida precário, o uso do álcool e do fumo, a má nutrição, além de várias
infecções exacerbaram a fragilidade de Vincent (17).
Arnold propõe uma relação entre o efeito do uso do absinto – bebida tóxica muito
em moda na Europa na época de Vincent - e a preponderância do uso da cor amarela pelo
pintor. Cabanne também fala sobre a estreita ligação de Vincent com aquela bebida(18)
“no absinto, o álcool fez a sua aparição e o pintor, presta assim homenagem a este novo
companheiro...”
“ á noite, os dois homens vão até o café. Estão sentados à uma mesa, falando animadamente em voz
baixa, com um copo de absinto na mão”.
(referindo-se a Vincent e Gauguin)
27
Segundo Arnold, Vincent era talentoso e criativo apesar das crises e das doenças.
Para ele, existe um paralelo entre genialidade e insanidade em pessoas muito criativas, mas
não uma relação causal.
Embora ele enumere uma série de sintomas e de fatores desencadeantes,
documentados pelas cartas de Vincent, não conceitua genialidade e loucura, apenas assinala
períodos de desordem mental, separados por intervalos de lucidez e de criatividade. A
pesquisa apresenta dados objetivos, mas sofre uma limitação ligada à própria postura
“médico-determinista” do autor.
Herbert Read, também observando os distúrbios apresentados por Vincent,
assinalou que ele sofria de uma psicopatia caracterizada por tensão mental e desequilíbrio,
bem como por sentimentos de isolamento e refeição. Todo esse quadro, segundo ele, se
configurava na alienação, com episódios de crises intermitentes e outros momentos em que
a condição normal era perfeitamente sadia e produtiva(19) .
Antonin Artaud, nascido em Marselha em 1896, foi escritor, poeta, ator teatral e
cinematográfico. Vale a pena lembrar que a partir de 1937 esteve internado por diversos
anos como louco. O sofrimento e a privação até 1945 colaboraram para exacerbar-lhe as
últimas manifestações. Morreu em 1948.
Em seu estilo, quase alucinado, retrata Vincent como um suicidado pela sociedade.
Segundo Artaud, ele era um homem que, com suas pinturas e inteligência, perturbou o
conformismo burguês de sua época, carregando durante toda a sua vida o fardo de pintar
sem saber por quê.
O mundo tornou-se anormal, numa atmosfera de agressividade, estupro e injustiça.
As pessoas lúcidas precisaram se tornar loucas para não incomodá-lo.
Vincent foi um alienado confinado ao hospício, porque a sociedade não quis escutálo. Foi impedido de falar a realidade, só encontrando no delírio a saída para o
estrangulamento que a vida lhe causou. Morreu para viver.
“Existe alguma coisa em uma terra triturada, e depois solidificada e recomposta que retomou vida a
partir de van Gogh, e à qual um dia ele retornará para dar a sua verdadeira vida, uma realidade” (20).
Frayse-Pereira (21) falando sobre o artista bruto, diz que ele traz à tona, das camadas
mais profundas da sua psique, aquele ser que todo Homem poderia desenvolver, se não
fosse sufocado pelas convenções de uma sociedade cada vez mais alienada. Por meio da
loucura, pode-se chegar ao conhecimento das verdades mais profundas do Homem, pois
reconhecer o louco é reconhecer a si mesmo em sua própria verdade.
Dubuffet, em 1945, conceitualizou a arte bruta como a operação artística
inteiramente pura, reinventada em todas as suas fases pelo autor, a partir somente de seus
impulsos.
28
(01)
(02)
(03)
(04)
(05)
(06)
(07)
(08)
(09)
(10)
(11)
(12)
(13)
(14)
(15)
(16)
(17)
(18)
(19)
(20)
(21)
C.L.- Vol. II – p. 229 – carta 345a e pp. 535 e 536 – carta 471.
C.L. – Vol I – p.193 – carta nº 133.
Denvir B.–Vincent, a complete portrait: London – Pavilion – 1995 – p.105.
Walther I. e Metzegr R. – Van Gogh, tutti i dipinti: Milano – Ready Made – 2 Vols
1994 – Vol I – p.16.
C.L. – Vol. I – pp.399 e 400 – carta nº 213.
C.L. – Vol. II – p.417 – carta nº 426.
C.L. – Vol. I – p. 183 – carta nº 127.
Walter I. e Metzger R. – Vol. II – pp. 702 a 720.
C.L. – Vol. I – p. 195 – carta nº 133.
C.L. – Vol. III – p. 117 – carta nº 571.
C.L. – Vol.III – p.248 – carta nº 623.
Veja trecho de Gaughin publicado na coleção: A arte moderna –
Vol. II – 1967 – (s.p.) e C.L. – Vol. III – p.117 – carta nº 571.
Cabenne P. – Van Gogh: São Paulo – Editorial Verbo – 1985 – p. 230.
C.L. – Vol. III – p. 128 – carta nº 574.
C.L. – Vol II – p. 571 – carta nº 490.
Jaspers Karl – 1990 – pp.145 – 188.
Arnold W. – Vincent van Gogh: Chemicals, Crises and Creativity:
Boston – Bikh house – 1992 – pp. 87 e 89.
Cabanne Pierre – 1985 – pp. 108 e 171.
Read H. – Arte e alienação: Rio de Janeiro, Zahar, 1983, pp. 91 a 103.
Antonin A. – 1988 – p.101.
Frayse P. J. – Olho d’água – arte e loucura em exposição: São Paulo –
Escuta – 1995 – p.37.
29
PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
“Tornar-se indivíduo significa tornar-se
artífice do próprio destino”.
Aldo Carotenuto
“Aquilo que o homem pode tornar-se está
nele fundamentalmente predisposto”.
Ingrid Riedel
É oportuno delinear brevemente o conceito de princípio de individuação para que se
possa, juntamente com os trechos das cartas de Vincent, assinalar algumas etapas de seu
percurso interior.
Para Jung, a individuação seria a realização gradual e completa do potencial latente
armazenado na psique individual. Seria o diferenciar-se, tornando-se consciente por meio
do diálogo entre consciente e inconsciente.
Este processo de tornar-se um indivíduo psicologicamente separado, uma unidade
indivisível, implica em ser um em si mesmo. Esta seria a realização do Self.
“...Estou possuído pelos novos prazeres que sinto nas coisas que vejo, porque tenho uma nova
esperança de fazer algo que tenha alma...” (1) .
ago/set 1882.
Individuar-se é tornar-se aquilo que se é, por meio da busca incessante de si mesmo,
no reencontro com sua alma e no sentido de vida, orientado por um centro pessoal e
transpessoal para a realização de sua totalidade. Os trechos seguintes de cartas escritas a
seu irmão estão em ordem cronológica, sinalizando o diálogo interno de Vincent, em sua
busca de significado existencial.
“...Somos hoje o que éramos ontem. Isto não significa que se deva marcar passo e não tentar
desenvolver-se; ao contrário, há uma razão imperiosa para fazê-lo e buscá-lo. Mas para
permanecermos fiéis a estas palavras, não podemos recuar, e quando começamos a considerar as
coisas, com um olhar livre e confiante, não podemos voltar atrás nem hesitar”. e “...É preciso
conservar algo do caráter natural de um homem da natureza, sem deixar se extinguir a chama
interior, e sim cultivá-la... aquele que escuta e segue esta voz interior, que é o melhor dom de Deus,
acabará por encontrar nela um amigo e jamais estará só”.
31 de abril de 1878(2)
“....Existe dentro de mim um outro homem... Tal homem não sabe sempre o que ele poderia fazer,
mas ele instintivamente sente: eu sou bom para alguma coisa, minha vida tem uma finalidade, eu sei
que poderia ser um homem diferente! Como eu poderia ser útil, para que eu poderia servir? Existe
algo dentro de mim, o que seria?...”
julho de 1880(3)
“... e é a consciência de que nada (exceto a doença) pode me arrancar esta força que agora começa a
se desenvolver”.
Abril de 1882(4)
“...e meu espírito vai nesta direção, por um impulso irresistível.”
30
Julho de 1882(5)
“...Enfim, seja como for, eu quero ir adiante a qualquer custo; quero ser eu mesmo. É que sinto em
mim a obstinação e estou acima do que as pessoas possam dizer de mim e de minha obra...”.
28 de dezembro de 1885(6)
“...Parece-me sempre que eu sou um viajante, que está indo a algum lugar, que tem um destino...”
Agosto de 1888(7)
“...Não esqueçamos que as pequenas emoções são os grandes timoneiros de nossas
vidas, e que as obedecemos sem saber.”
Setembro de 1889(8)
A arte de Vincent expressa uma procura contínua de si mesmo em busca de uma unidade .(9)
“...procure entender a fundo o que dizem os grandes artistas em suas obras e encontrará Deus nelas.”
Julho de 1880
O homem, segundo D.H. Lawrence(10), do ponto de vista de um escritor envolvido
com a análise da interioridade humana, tem a tarefa de integrar aspiração e tensão interna,
em um equilíbrio novo que nasce do auto-conhecimento. Também, a filosofia antiga
parecia considerar este mecanismo, quando falava da entelécheia de Aristóteles, de acordo
com a qual cada criatura tinha sua própria Gestalt, que a envolvia no curso de sua vida. A
entelécheia é definida como sendo o ato final ou perfeito, isto é, a completa realização da
potência(11)
Na ânsia de completar-se, o homem passa por diversas etapas e tarefas, que
poderíamos chamar de tarefas da primeira e da segunda metade da vida.
A da primeira metade seria a busca de identidade, bem como a adaptação ao
coletivo. A da Segunda, seria ir ao encontro das necessidades internas que deixaram de ser
atendidas pela busca primeira de uma adaptação externa, contrabalançando a
unilateralidade da primeira fase, por meio da auto-percepção, busca de sentido e
intencionalidade. Reconhecer e integrar o significado da limitação e da perda, além de ter
consciência da própria fragmentação e da própria solidão são condições necessárias à busca
de si mesmo.
“...Depois disto, alimentei-me de um pedaço de pão seco e de um copo de cerveja; é uma maneira
recomendada por Dickens aqueles que estão a ponto de se suicidarem, como sendo particularmente
indicada para desviá-los, ainda durante algum tempo, deste projeto...”
18 de agosto de 1877(12)
“... e a vida não nos teria sido dada para enriquecer o espírito, mesmo quando a aparência exterior
sofre?...”
9 de janeiro de 1878(13)
“... o caminho é estreito, a porta é estreita, são poucos os que a encontram...”
24 de dezembro de 1880(14)
“...Eu não posso continuar, estou no fim da minha paciência, meu querido irmão. Eu preciso fazer
uma mudança, mesmo que desesperada...”
maio de 1889(15)
31
Estas cartas são expressões de um mundo interno que se desestruturou. São
depoimentos de um homem sofrido, angustiado e desesperado, que segue seu caminho e
agonia, e se percebe em muitos momentos numa via sem saída.
Aimé Agnel, analista junguiana francesa, fala o quanto é importante entender que as
manifestações do Self, e seus efeitos sobre o ego, podem não ser unicamente positivos e
que, muitas vezes, podem trazer consequências graves.
O processo de individuação pode ser perigosamente imprevisível, profundamente
desestabilizante e, por vezes, destrutivo. Ele exige, efetivamente, um Ego estruturado que
possa suportar as ambivalências .(16) .
“...Por trás de um aparente caos, vislumbra-se a presença de um Self que a tudo orienta. Buscando
uma harmonia por vezes dissonante e bipolar..” (17)
O Self contém aspectos de luz e de sombra, que têm um valor em si mesmo,
positivo ou negativo, como polos opostos que coexistem. A experiência do encontro com o
Self é, por vezes, terrificante, levando o ego a sentir-se exposto à destruição. Não se sabe,
ao certo, se haverá uma transformação, pois o processo não conduz necessariamente a uma
reorganização interior, mas sim a uma ampliação de consciência.
A unidade jamais é inteiramente alcançada. É vivida ao longo da existência, como
uma aspiração constante.
Tornar-se indivíduo é assumir uma posição de confronto consigo mesmo. É ser
inteiro, diferenciar-se, mas também dar-se uma colocação específica no coletivo.
Individuar-se é importante não somente nos seus aspectos interno e subjetivo, mas
também indispensável no processo de relacionamento. Um não pode existir sem o outro,
embora, algumas vezes, predomine ou um ou o outro(18).
“...Ser um em si mesmo, não significa separar-se do mundo, mas reunir o mundo em si próprio”(19)
A individuação tem como tarefa o desenvolvimento da personalidade, que comporta
uma certa oposição às normas sociais, mas sem uma desadaptação com relação aos valores
coletivos. Para Vincent esse foi um trajeto árduo e inacessível, pois se sentia um estranho,
rejeitado e incompreendido. Fechou-se em seu próprio mundo, criando um estado de
isolamento Ele pôde expressar em imagens, seu percurso interior com seu conflitos o que
dificilmente seria traduzido, na mesma intensidade, somente em palavras.
Sabe-se que a expressão da fantasia, em suas mais diversas formas, como a
pictórica, possibilita a manifestação espontânea de um processo em si inconsciente, que
Jung chamou processo de individuação.
“Retratos pintados têm vida própria que emerge do fundo da alma do pintor”
Vincent van Gogh
“Eu tenho um rosto, mas o rosto não é o que sou. Por trás dele há uma mente, que você não vê, mas
que observa você. Este rosto, que você vê, mas eu não, é um canal de expressão. Eu preciso
expressar algo do que sou. Ou do que pareço ser até me contemplar no espelho. Então, meu rosto
pode parecer me possuir, ao me confrontar com uma condição à qual estou limitado.”
Julian Bell
32
Auto-retratos são espelhos da psique profunda, reflexos dos estados da alma.
Quando examinados em série, assim como quaisquer pinturas de um mesmo artista,
permitem observar o desenrolar do processo de individuação.
A elaboração dos auto-retratos de Vincent foi muito intensa e reveladora, tendo sido
feita num período de tempo muito curto isto é, cerca de quatro anos.
A pintura de retratos tinha para ele grande importância, por que diferente da
objetividade da fotografia, permitia a expressão de um mundo interior.
“...acho que estou certo em não negligenciar o retrato, se pretendo ganhar alguma coisa... sei que não
é fácil... e não me atrevo a dizer antecipadamente que estou certo de meu sucesso”.
Novembro de 1885(20)
“...não renuncio à idéia que tenho sobre pintar retratos, pois é uma boa coisa por que lutar, a fim de
mostrar às pessoas que existe neles algo além do que um fotógrafo, com sua máquina, pode revelar.”
Dezembro de 1885(21)
Em cada auto-retrato, ele confirmava a necessidade contínua de exploração de
aspectos de seu ego, numa busca incessante da sua própria identidade. Cada vez que olhava
seu rosto, esforçava-se para compreender-se melhor.
“Se eu conseguir fazer a coloração de minha própria cabeça, o que apresenta alguma dificuldade,
(22)
serei então capaz de pintar outras boas almas...”
Sua tela era não apenas o espelho no qual se interrogava, mas também um
laboratório, um terreno de experiências, no qual adotava técnicas em função dos
sentimentos que vivenciava. Cada vez que Vincent tentava uma nova técnica, era no seu
próprio rosto que o fazia. Seus auto-retratos serviam-lhe para aperfeiçoar dados adquiridos
ou experiências pessoais, principalmente em se tratando do olhar, na maior parte das vezes
perdido no vazio e angustiado. Segundo Pierre Cabanne, Vincent tinha olhos que não se
fixavam em nada, mas que abrangiam tudo e pareciam perder-se no infinito.(23)
Ele pintava a sim mesmo não apenas para dar a própria forma às figuras subjetivas,
mas para conectar-se após as crises.(24)
Após ter-se auto mutilado decepando a orelha, o processo de desestrutura interna se
acentua, sendo internado por solicitação dos vizinhos, e também por seu desejo, em um
hospital psiquiátrico. Além de seu quarto, Vincent possuía um outro quarto atelier, onde
poderia pintar se assim o desejasse. Nem sempre as tintas estiveram disponíveis, pois
houve, em algum momento, a vontade e a tentativa de ingerí-las.
Dentro do hospital e totalmente voltado para si mesmo, Vincent procurou reiniciar o
trabalho, via auto-retratos, que refletiam sua situação interior. Seus últimos auto-retratos
foram se tornando o reflexo de um mundo interno que se desintegrava, a crua expressão de
uma via sem saída.
Pintar-se, então, funcionava como um agente terapêutico, pois as imagens
objetivadas, ainda que sem a consciência de sua significação profunda, davam formas às
suas emoções e tornavam as suas figuras internas menos ameaçadoras.
Uma das formas de leitura e compreensão da grande freqüência e intensidade dos
auto-retratos é oferecido pela noção psicológica de narcisismo.
Segundo Mirella de Fonzo(25), na visão psicanalítica, o narcisismo nasce da imagem
que o artista tem de si mesmo, que é ligada ao sucesso. O artista transforma a própria figura
33
em imagem, que é aplaudida e quase divinizada. Basta pensar quantos artistas fizeram autoretratos! Há muito tempo, quase todos os pintores enfatizam a própria imagem. O artista,
em cada uma de suas manifestações é egocêntrico, isto é , é o homem curvo sobre ele
mesmo como Narciso, em uma forma introspectiva e especulativa como uma autosatisfação do olhar-se dentro. Segundo Sartre, aquele que se olha vendo, olha para ver-se
olhar.
Dentro de uma visão analítica poderíamos entender o narcisismo como uma forma
de transição psíquica que comporta uma regressão e uma “perda temporária do sentido do
eu”, a fim de levar a consciência a realizar uma necessidade psicológica até agora não
reconhecida... É um processo em curso (...) uma experiência de transformação sob o ponto
de vista da individuação.(26)
Na ausência de tal transformação permanece a fixação, que Jung descreve como
caracterizada pela oscilação contínua entre inflação e depressão.
Nos vários estágios do desenvolvimento humano, desde as primeiras relações
objetais, o outro está presente. A busca do encontro com o outro nos leva ao autoconhecimento.
As falhas deste processo natural constituem os distúrbios narcísicos da
personalidade. A relação eu-outro é a condição necessária para a formação da identidade e
para a vivência do processo de individuação.
Poderíamos dizer que a problemática narcísica nasce por um distúrbio na relação
primária, que se reflete na cisão do eixo ego-self. São indivíduos com adaptação ao mundo
externo defeituosa, pois se orientam frente a ele com uma atitude baseada apenas na
percepção dos seus processos internos. Não há ligação afetiva com o objeto externo, porque
não há projeção e sim o tornar-se preso e fechado em seu mundo interior(27).
Vincent a cada auto-retrato não buscava apenas o reconhecimento externo, mas o
encontro interno.
Uma das inúmeras versões do mito grego de Narciso foi apresentada sinteticamente
por Kerényi: “Contava-se que o belo Narciso havia visto pela primeira vez a sua imagem
aos dezesseis anos de idade, quando, curvando-se sobre uma das muitas fontes existentes,
onde Eros era particularmente venerado, viu-se refletido na água e enamorou-se de sua
própria imagem. Consumou-se de amor e se matou pelo amor insatisfeito Assim despontou
a flor que ainda hoje se chama Narciso, e que no seu nome conserva a antiga palavra narke,
cujo significado seria sono profundo, torpor.
Esta versão do mito nos fala em primeiro lugar sobre a insatisfação e o desejo
amoroso, que podem conduzir à uma repetição patológica de relacionamentos simbióticos,
mas também aponta em direção à liberdade de criar nossas possibilidades existenciais. A
imagem de uma jovem flor, Narciso, re-evoca o ciclo renovador da natureza(28). Convém
lembrar que Jung insere a flor no elenco de símbolos alquímicos, que representaria a
experiência psicológica do Self.
Espelhando-se na fonte para encontrar sua imagem refletida, Narciso busca a
própria identidade, movido pelo anseio de contato com o mais profundo de seu ser. O duplo
que encontra é o Self, a totalidade pessoal que é a matriz da identidade.
O mergulho de Narciso pode ter dois significados em seu aspecto negativo, poderia
constituir uma regressão, uma busca indiferenciada de retorno à totalidade, conduzindo à
morte. Do ponto de vista positivo, poderia significar um maior aprofundamento em si
mesmo na busca de sua alma, transformando-se. Assim. O tema mítico do espelhamento e
34
da imersão na água sugere a morte simbólica do eu, que pode conduzir à uma ampliação da
consciência.
Segundo E. Bachelard:
“a floresta e o céu se espelham na água com Narciso. Ele não está mais só pois o universo se reflete
com ele, o circunda e se vivifica da mesma alma que Narciso... aonde se refletir melhor do que na
própria imagem?”
Para a análise dos auto-retratos de Vincent, decidi considerar as obras em série,
mantendo sua cronologia e observando formas e cores. Procurei analisar a dialética figurafundo, na qual se considera cada figura uma projeção de Vincent, atualizada a cada
momento de sua vida.
Destacando-se do fundo das suas telas, Vicent procurava perceber-se. Na maioria
dos auto-retratos o fundo é monocromático, permitindo que toda a atenção esteja voltada
para a figura. Estas algumas vezes emergem e em outras quase se misturam ao fundo, sem
limites, numa luta constante para se diferenciar.
Num tempo muito curto, apenas 4 anos, fez vários auto-retratos e por diferentes
motivos. Um deles era a necessidade do exercício artístico para o aprimoramento de
técnicas. Outro era para valorizar-se e buscar sua identidade. Finalmente, havia a
impossibilidade de arcar com os custos de um modelo.
Por meio da série de quarenta e três auto-retratos, da mesma forma que se faz com
as imagens que emergem dos sonhos, pode-se observar o seu drama existencial.
Em Antuérpia, no final de 1885, surgem os primeiros esboços dos auto-retratos,
quando Vincent iniciava a técnica do desenho. São esboços feitos em carvão, com rosto
indefinido ( A.R. 1 e 2).
Já em Paris, no início de 1886, começam seus primeiros auto-retratos a óleo,
retratando-se bem apresentado e cuidadosamente vestido, a fim de causar boa impressão e
de expressar a “persona parisiense”, embora tenha sido em um período de intenso
sofrimento físico. O fundo é neutro e obscuro, misturando-se à figura ainda indiferenciada.
As cores são predominantemente escuras (A.R. 3 a 6).
As cores exercem uma influência profunda sobre nós, provocando-nos sensações, às
vezes causando alterações físicas, mobilizando sentimentos mais ou menos agradáveis
enfim, atuando psíquica e fisiologicamente, pois cada cor traz em si uma experiência
subjetiva, uma certa emoção.
As pessoas são estimuladas pelas cores, escolhendo-as e reagindo a elas, embora
cada cultura atribua diferentes significados às mesmas.
A psicologia observa que há correlações entre a escolha das cores e o tipo de
personalidade. Segundo Jung as cores exprimem as principais funções psíquicas do homem:
pensamento, sentimento, intuição e sensação(29) , traduzindo estados diferentes de ânimo.
Para ele, os sonhos coloridos poderiam ser vistos como conteúdos do inconsciente vividos
com grande intensidade emocional.
Para Luscher, psicólogo suíço que idealizou em 1949 um teste de cores(30), é
possível se deduzir a personalidade de um pintor a partir de sua escolha por cores isoladas.
Por exemplo, a obsessão de Gauguin e de Vincent pelo uso do amarelo em seus últimos
quadros, significaria, a busca de uma solução aos seus conflitos psicológicos.
35
Existem várias teorias das cores e diferentes leituras sobre os significados das
mesmas(31). Há correspondências entre as cores e os planetas, as notas musicais, os dias da
semana, as fases da alquimia e os elementos da natureza.
As cores também foram caracterizadas com relação à alternância de luz e sombra,
fraqueza e força, calor e frio, cujos opostos indicam o dualismo intrínseco ao ser humano.
Susan Bach, analista junguiana inglesa(32), observou
em sua pesquisa com desenhos espontâneos de pessoas severamente doentes, que há uma
relação entre a preferência na escolha de uma cor e o estado de humor, independente da
influência sugestiva da moda. Toda cor em sua tonalidade clara ou escura traz em si um
significado que pode ser entendido como positivo ou negativo, indicando diferentes estados
de ânimo. Para ela, os tons claros estão ligados ao enfraquecimento físico, à perda de
vitalidade, enquanto que os escuros, representariam a recuperação e o fortalecimento.
Observei que nestes autores citados, houve em muitos momentos um consenso com
relação à forma de compreender o simbolismo das cores e quando não havia uma
concordância total, as idéias mostravam-se complementares.
As cores tinham um significado especial para Vincent, que dizia procurar nelas, a
vida. Sua vivência na observação e utilização das mesmas, é documentada em suas cartas a
Théo.
“Ao invés de tentar reproduzir exatamente o que tenho frente aos olhos, eu uso as cores de uma
forma mais arbitrária para me exprimir com mais intensidade”
sem data(33)
“Mas há algo que eu queria muito te dizer: enquanto pinto, sinto um poder que a cor exerce sobre
mim, que eu não sentia antes, coisas intensas e importantes.”
15 de agosto de 1882(34)
“A cor por si só exprime alguma coisa”
sem data(35)
A combinação e a mistura de cores que Vincent fazia eram extraordinariamente
surpreendentes e audaciosas. A violência dos contrastes era tamanha que ardia como fogo
chegando onde poucos pintores de sua época tinha ousado chegar. Em seus últimos quadros
as cores tornaram-se brutais, refletindo a tensão e o sofrimento interior.
Para Vincent, o colorista era aquele que, vendo uma cor na natureza, conseguia
analisa-la e dizer, por exemplo:
“O verde acinzentado é a mistura do amarelo com o preto e o azul, etc. Em outras palavras, o
colorista é aquele que sabe encontrar os cinzas da natureza em sua palheta.”
31 de julho de 1882(36)
Ele dizia que em muitos casos as pessoas, quando falavam de cor, tendiam a
confundí-las com o tom, fazendo-o muitas vezes crer que havia mais tonistas que coloristas.
“Uma cor escura pode parecer clara ou, ao menos dar aquele efeito, o que é, de fato,
uma questão de tom, uma cor permanecerá menos ou mais forte, em função das
cores que lhe são vizinhas”.
36
Sem data(37)
Ao citar Delacroix, cuja influência em suas cores se faz notar, Vincent confirma que
é preciso reconhecer como os antigos que há na natureza apenas as três cores
verdadeiramente elementares – amarelo, vermelho e azul – às quais misturando-se duas a
duas, formam três outras cores binárias: laranja, verde e violeta. Estas cores binárias
atingirão seu maior brilho, quanto mais se aproximarem da terceira cor primária, não usada
na mistura. Assim surgem as cores complementares, que podem se exaltar pela justaposição
ou se destruírem na mistura. Mas, se houver a aproximação de cores semelhantes em tons
diferentes, haverá não apenas contraste pela diferença de intensidade, mas também
harmonia.
As cores vermelho e verde são complementares e simbolizam sentimentos humanos
muito intensos. Vincent quis demonstrar no quadro “O café à noite”(38) por meio do uso
destas cores, as terríveis paixões humanas. Ele expressa a sensação de angústia, na
utilização da combinação amarelo avermelhado com verde e cinza.
Segundo Chevalier, a linguagem dos símbolos não se aprende, se descobre
posteriormente como realidade que já existia dentro de cada um. Da mesma maneira que
Vincent expressa o significado das cores vermelho e verde, um sacerdote azteca dizia, ao
cuidar de dores no peito: “Eu, Sacerdote do encantamento, procuro a dor verde, procuro a
dor vermelha”.(39)
O azul para Vincent seria a cor das figuras dos camponeses e, o cobalto, a cor
divina, muito bela ao ser colocada em volta dos objetos. Carmim, o vermelho do vinho, era
tão quente e alcoólico quanto o próprio vinho. (40) O amarelo, cor muito utilizada por ele,
significava o brilho, os raios de sol que, segundo Gauguin esquentavam-lhe a alma e
pareciam lhe estimular. Para ele, o uso do branco e do preto era necessário para se obter
tons luminosos ou escuros.
“conforme meu entendimento, temos que concordar totalmente sobre a função do preto na natureza.
O preto absoluto na realidade não existe. Mas, como o branco, ele está presente em quase todas as
cores e forma uma infinita variedade de cinzas”.
31 de julho de 1992(41)
Vincent dizia que quanto mais velho, pobre e doente se tornava, mais queria utilizar as
cores brilhantes e resplandecentes que o fortaleceriam num momento de grande fragilidade.
Desta forma poderíamos afirmar que as cores além de expressarem os sentimentos daqueles
que a utilizam, têm também um caráter curativo.
As cores foram tão importantes para Vincent que se poderia dizer que ele se colore e
passa a ser parte integrante de sua obra. É difícil saber se ele preenche as cores ou se é
preenchido por elas.
No final de 1886, Vincent inicia a utilização de novas técnicas. A partir de seu
estágio no studio Courmon, seu traçado pareceu tornar-se mais seguro e começou a
introduzir o vermelho na face, como Rubens fazia em seus trabalhos. Também começa a
fazer uso na mesma época da técnica pontilista de Signac.(42)
O rosto começa a se diferenciar do fundo e se torna presente, pois a luz torna-se
mais intensa e o olhar, parece fitar o infinito ( A.R. 7 a 9 ).
37
“Prefiro pintar os olhos dos homens, às catedrais. Apesar de elas serem majestosas, a alma do
homem é mais interessante”.
Van Gogh.
Observando os auto-retratos, o que nos chama a atenção, de imediato, são os olhos
de Vincent. Alguns escritores os retrataram fielmente. Pierre Cabanne dizia que ele tinha:
“Olhos que não se fixavam em nada, mas que abrangiam tudo e que pareciam perder-se no infinito,
um olho penetrante, devorador, sincero e vazio; parece ser realmente alienado a cada verdade
humana”(43)
Já, para Antonin Artaud,
“no fundo dos seus olhos, como que destrinchado por um açougueiro, Van Gogh se abandonava sem
tréguas a uma daquelas operações alquímicas obscuras que tomaram a natureza por objeto, e o corpo
humano por um recipiente ou um cadinho”.(44)
Os olhos de Vincent, na maioria dos auto-retratos, são da mesma cor do fundo. Eles
mostram medo, angústia e parecem evitar um diálogo com o espectador. Fogem do contato
com o outro. No final de 1886, retorna ao trabalho com esboços, desta vez mais detalhados
e elaborados. (A.R. 10 a11).
Na primavera de 1887, ainda em Paris, o efeito do impressionismo começa a se
fazer presente em suas telas. Utiliza as cores de uma forma mais intensa. Iniciando o uso do
azul. Surgem as pequenas pinceladas de cores contrastantes e seus olhos demonstravam
uma profunda melancolia. ( A.R. 12 a 14).
A cor do céu(45) do espírito, ligada `a função pensamento, seria o azul. Ela definida
como a cor celestial, também significa o homem em direção ao infinito ao vazio, ao
profundo. É uma cor fria e primária que tira a forma do objeto ao qual pertence,
desmaterializando-o. É a via do infinito, o não pertencer a este mundo, a morte, a
totalidade, a água. É uma cor que por vezes promove o relaxamento e a tranqüilidade.
A partir da primavera e durante o início do verão surgiu uma nova série de autoretratos, produzidos em um momento de muita angústia. Vincent começa a beber com mais
freqüência e seu humor torna-se mais instável. Apesar de o olhar ter se tornado novamente
desconfiado, surge uma luminosidade em seu rosto. O fundo até então escuro e
indiferenciado, torna-se mais claro em função das pinceladas horizontais, que vão no
decorrer dos auto-retratos criando um halo de luz. A figura e o fundo se misturam no corpo
ainda indefinido. Mais uma vez é o rosto que emerge. (A.R. 15 a 18).
Por quase todo o verão de 1887 surge a próxima serie, ainda em Paris, onde o uso
do chapéu se faz constante e as pinceladas mais grossas começam a se tornar mais
presentes. A face está agora mais clara e a luz, que dela se projeta, muito mais intensa.
Apesar disto o olhar mostra-se alarmado, oscilando entre o pensativo e o agressivo. Tornase mais freqüente o uso do amarelo e a luminosidade torna-se mais intensa evidenciando-se
aqui a influência do impressionismo em suas telas.
A cor da luz, do ouro, ligada à intuição, seria o amarelo(46). Ele poderia expressar a
loucura, a intensidade, a ardência e o atravessar limites. Nunca se torna escuro, podendo se
dizer que quanto maior é a intensidade, maior é a tensão e quanto mais direções e ausência
de meta, maior é a dispersão.
38
Em algumas zonas do Marrocos, ele tem uma função mágica: O açafrão deve sua
propriedade curativa à sua cor. O amarelo também está ligado à luminosidade à alegria, ao
brilho, à refletividade, à dilatação, ao Sol, ao ir em direção ao novo, à necessidade de se
liberar de um conflito, encontrando uma via de saída.
Para Susan Bach, em seu tom claro, o amarelo expressa perda de energia, de força –
sinaliza situação precária de vida. Já no final do verão de 1887, aparecem pinceladas
minúsculas ao redor dos ombros e da cabeça, algumas vezes até invadindo a figura. Há a
formação de arcos ao redor de sua cabeça. ( A.R. 25 a 27)
As pequenas unidades de cor expressas nas telas anteriores tornam-se, a partir do
outono, pinceladas maiores, verticais e horizontais, criando um certo movimento trêmulo
no fundo do qual a face emerge. O fundo apresenta-se então organizado em linhas que
configuram um quadrilátero, o qual começa a se curvar, arredondando-se em torno do rosto,
sugerindo uma leve emanação de luz. São expresso, em alguns fundos, figuras geométricas
como quadrados, círculos e espirais, podendo-se dizer, que por meio da organização do
espaço há uma exteriorização do espaço interno, numa tentativa de reorganizá-lo(47)
O quadrado simboliza a matéria, o corpo e a realidade, dando forma e limite a um
espaço, para que nele possamos nos realizar, conferindo uma sensação de estabilidade,
como um refúgio para a inquietude. O quadrilátero então descreve o espaço vital do
homem, atendendo à sua necessidade de delimitação e oferecendo-lhe proteção contra o
caos. Em seu aspecto positivo, limita e circunscreve e, no negativo, fecha e aprisiona. O
quadrado apresenta a estrutura existente em numeroso âmbitos e interesses da vida humana
tais como: as quatro estações, os quatro elementos, as quatro tipologias de Jung, enfim, no
símbolo do quadrado, o homem busca integrar as possibilidades da sua quadruplicidade
buscando a realização do Self.(48)
Embora a abstração e a geometrização possam ser consideradas uma dissolução e
um afastamento do mundo real, elas expressam também, uma outra linguagem não
convencional, carregada de emoção, que é a linguagem do inconsciente.
As figuras geométricas elementares são formas originais nas quais nosso ser se
espelha, com suas angústias e possibilidades de realização. Wilhelm Worringer diz, que as
formas abstratas são aquelas nas quais o homem pode encontrar repouso frente à imensa
confusão de imagens do mundo.(49)
Observa-se que nos auto-retratos 28, 30 a 31, vão surgindo motivos circulares, com
emanações de raios principalmente ao redor da cabeça, os quais se transformam em
auréolas, como se pode observar, nos auto-retratos 35 e 36. A auréola traz o significado do
sagrado e do divino, indicando uma irradiação espiritual, como uma luz, a qual poderia
significar, uma expansão para fora de si mesmo. Ela é usada em santos e seres divinizados,
valorizando o personagem.(50)
Em uma de suas cartas a Théo, Vincent relatou seu trabalho com círculos baseandose em figuras ovaladas, para desenhar rostos, como já faziam os gregos. (51)
“... no desenho por exemplo – esta questão de desenhar a figura começando com o círculo – isto é,
usando os planos elípticos como base, é uma coisa a qual os gregos antigos já conheciam e a qual
permanecerá válida até o fim do mundo”.
Abril de 1885.
39
O círculo nos dá segurança, convidando-nos a “caminhar dentro”, isto é, a sermos
envolvidos. Com sua linha arredondada, conduz a si mesmo, é fechado e protege, porém de
modo diferente do quadrilátero: de uma forma mais livre, sem ângulos e irregularidades.
Ele integra, dá a sensação de pertencer e exclui tudo aquilo que não faz parte. O círculo
como símbolo do céu e da eternidade, se opõe ao quadrado, que é símbolo da terra, da
limitação e da realidade. O redondo, na sua inteireza, forma um centro que, centra também
quem o observa.
A mandala, antiga denominação indiana para o círculo, símbolo da meditação,
significava para Jung o processo de individuação. Compreende todas as figuras e círculos
fechados concêntricos em torno de um núcleo redondo ou quadrado. Aqueles que se
encontram em inquietação interior, no contato com a mandala, centram-se
espontaneamente. As mandalas também podem ser observadas como um fenômeno
psíquico que aflora em desenhos, sonhos e em certos estados conflituosos compensando
uma desordem interior.
O círculo da auréola significa transcendência. A forma circular que designa uma
coroa ou força de irradiação é também o símbolo da espiritualidade.
Os termos redondo, cíclico e rítmico, são usados para o círculo que no sentido
positivo, acolhe o protege e no negativo, exclui. Pode-se notar o efeito circular ao redor da
cabeça, como emanações de raios, também na obra “meio busto de um anjo”, de setembro
de 1889.
Retornando aos Auto-retratos 28 a 29, observa-se que Vincent usa cores fortes e
contrastantes, especialmente no A.R. 29. Expressa a influência do japonismo, técnica muito
difundida na época a partir do contato dos impressionistas com gravuras japonesas.
Observa-se a partir das linhas e traçados de fundo, o esboço de uma figura feminina, que
poderia ser identificada com uma gueixa, musa inspiradora ou sóror mística . (A.R. 28 a
31).
Finalizando sua estada em Paris fez, no início de 1888, um auto-retrato (A.R. 32) no
qual predominavam outros elementos figurativos. Este foi o primeiro auto-retrato em que a
figura se destacou totalmente do fundo. Observa-se, em sua face, a busca de integração da
sua cisão interior, nas diferenças de luz e sombra. De um lado encontra-se a claridade e do
outro, o escuro e a depressão. Apesar de os olhos terem sido feitos em uma cor mais escura
que a do fundo, parecem não se fixar em nada. O cavalete e a palheta, que anteriormente
haviam surgido apenas em seu primeiro auto-retrato e assim mesmo de uma forma bastante
obscura, fazem-se agora presentes, revelando a sua identidade profissional. Ele disse ser
este auto-retrato “a face da morte” e o descreveu em uma carta à sua irmã Willemina:
“Estando tão ocupado comigo mesmo neste momento, eu quero tentar pintar meu auto-retrato,
escrevendo. Em primeiro lugar eu quero enfatizar o fato de que uma mesma pessoa pode fornecer
temas para retratos muito diferentes.
Aqui eu dei uma idéia sobre mim, a qual é o resultado de um retrato que eu pintei no espelho e o qual
está agora com Théo.
A face pink acinzentada com olhos verdes e cabelo grisalho, a testa franzida e ao redor da boca,
rígida, inexpressiva, uma barba muito vermelha, consideravelmente negligenciada e desolada, tendo
porém os lábios carnudos, uma blusa azul de camponês feita de linho grosseiro e a palheta com
amarelo limão, vermelho, verde malaquita, azul cobalto, em resumo, todas as cores na palheta exceto
o alaranjado da barba. A figura em contraste à parede branca acinzentada.
Você dirá que parece por exemplo, a face da morte...”(52)
Junho/julho de 1888
40
Tempos mais tarde Jô van Gogh – Bonger, esposa de Théo, disse ser aquele o autoretrato de que ele mais gostava ( A.R. 32).
Já em Arles, na primavera de 1888, os auto-retratos expressam o entusiasmo da
chegada, surgindo o desejo de identificação com os nativos por meio do uso do chapéu de
palha e das roupas mais simples. É a primeira vez que Vincent se retrata com outros
elementos figurativos, dentro de um conceito paisagístico. O pintor insere-se na paisagem,
não havendo uma distinção figura-fundo. Ele é a própria paisagem. Não se percebe o rosto
com nitidez e detalhes, mas são evidentes o corpo, o material de trabalho que carrega e a
projeção de sua própria sombra.
A cor amarela se encontra cada vez mais presente como se o Sol da Provence
estivesse iluminando sua alma e sua tela. (A.R. 33 a 34)
“Entretanto no presente momento eu pareço diferente, não tenho cabelo nem barba, estou barbeado,
com a face limpa. Além disto, meu aspecto mudou do pink cinza esverdeado para o laranja
acinzentado, estando sempre sujo, sempre eriçado como um porco espinho, com bastões, cavalete,
telas e mais mercadorias. Apenas os olhos verdes permaneceram os mesmos, mas claro que a outra
cor no retrato é o amarelo do chapéu de palha, como um camponês e um pequeno cachimbo preto.”
(53)
Junho/julho de 1888.
No final daquele verão começam a surgir imagens diferentes daquelas pintadas até
então: utiliza as cores, numa representação realista e se faz como um monge budista, com
um mosaico ordenado e o efeito halo ao fundo, num verde monocromático.
A cor da natureza, do crescimento, da vivacidade e da inquietude, ligada à função
sensação, seria o verde. Ele é associado também a outras qualidades, tais como: vontade,
independência e jovialidade, tonicidade e perseverança, constância e despertar de vida. O
verde para Susan Bach em seu tom claro pode estar ligado à noção de fatalidade e no
escuro, pode apontar possibilidades de melhora.
Como Monticelli, neste auto-retrato, utiliza o efeito à luz de vela de tal forma que
parece criar uma auréola que o envolve. Mostra-se quase como um santo na imagem
desenhada em sua roupa, um samurai guerreiro, aspecto autônomo da psique que irrompe,
talvez simbolizando sua luta interior. Representa-se calvo que, segundo seu relato em
cartas, seria um adorador de Buda, tendo os olhos amendoados e penetrantes, denotando
uma tristeza profunda. Talvez esta referência ao budismo signifique o movimento de
Vincent ao se libertar da matéria. (A.R. 35 e 36)
“A terceira pintura desta semana é um auto-retrato, quase sem cor, em tons cinza em contraste ao
fundo de verde malaquita pálido.
Eu propositadamente comprei um espelho, bom o suficiente para capacitar-me a
trabalhar na minha própria imagem na falta de um modelo.”
17/09/1888
“Eu tenho um auto-retrato, todo acinzentado. A cor acinzentada que é o resultado da mistura do
verde malaquita com a matiz alaranjada, no fundo verde malaquita pálido, todo em harmonia com a
roupa marrom avermelhada. Mas como eu também exagero minha personalidade, eu destaquei em
primeiro plano o personagem de um simples adorador de Buda eterno Isto custou-me muitos
problemas, mas ainda assim eu terei que fazer tudo novamente se eu quero ter sucesso em expressar
41
o que gostaria de dizer. Inclusive será necessário para mim, recuperar algo mais influência do assim
chamado estado de civilização a fim de ter um modelo melhor, para uma pintura melhor”.
8/10/1988 para Gaughin
“Deveria ser permitido enfatizar minha própria personalidade num retrato, fiz tentando convencer no
meu retrato não apenas eu, mas um impressionista em geral, considerando-o como o retrato de um
simples adorador de Buda eterno”
outubro de 1888
“Algum dia você também verá meu auto-retrato, o qual estou enviando para Gauguin, porque ele o
guardará, espero. Ele é todo acinzentado num contraste pálido (não amarelo). As roupas são este
casaco marrom com a borda azul, mas eu exagerei o marrom para roxo e a largura da borda azul
A cabeça é modelada em cores leves pintadas numa pincelada grossa em contraste ao fundo leve e
com poucas sombras. Eu apenas fiz os olhos levemente amendoados como os japoneses.
Out. 1888
“Eu acabei de pintar meu auto-retrato em minha própria cor cinzenta e a menos que nós sejamos
pintados em cores, o resultado não é nada próximo a uma coisa agradável. Justamente porque eu tive
uma quantidade terrível de problemas em conseguir a combinação acinzentada e os tons pinkacinzentados, eu não pude gostar do retrato em preto e branco”(54).
Set. de 1888.
Em dezembro de 1888, fez um A.R. ( o de nº 37), anterior à mutilação da orelha,
cuja expressão de tensão pode ser observada na figura. As cores são fortes e ácidas.
Em janeiro de 1889, ainda em Arles e após ter cortado a orelha esquerda, surge uma
nova série de auto-retratos, mais elaborados, cujo objetivo parecia ser mostrar-se com um
bom aspecto.
O primeiro deles, apresenta um fundo com figuras japonesas e seu cavalete, em seu
quarto. O outro parece trazer sua imagem, imersa num fundo de cor avermelhada,
expressando sua agitação interior, com a fumaça de seu cachimbo e uma linha horizontal,
como se ele buscasse maior estabilidade interior.
A cor do sangue, do fogo e da paixão ligada à função sentimento, seria o vermelho.
Simboliza o princípio de vida e de morte, podendo ser vista como uma aspecto divino e
masculino. Possui um poder centrífugo, luminoso como o Sol, que lança uma luz sobre
todas as coisas. Estaria relacionada à conquista e potência sexual.
Apesar de a figura destacar-se totalmente do fundo, o olhar do primeiro parece vazio
e perdido e o do segundo mostra-se mais introspectivo. A partir deste momento tornam-se
mais freqüentes as suas fantasias persecutórias (A.R. 38 a 39). Após seis meses e já em
Saint Rémy, em pleno verão de 1889, são feitos os seus penúltimos auto-retratos, (A.R. 40
e 41) dentro do hospital psiquiátrico, num momento de muita angústia e fragmentação
interior. Os dois auto-retratos desta série expressam toda esta cisão, além da melancolia,
desespero e miséria interior. A pincelada torna-se densa e pesada, o olhar interrogativo e
perdido. A imagem começa a desmaterializar-se e a incorporar-se ao fundo que novamente
se torna neutro, embora ainda possa ser observado a auréola em torno ao vulto. A sua
imagem é de uma palidez chocante, suas cores são escuras e macabras e a sua crise é
42
expressa na segmentação do traçado. A palheta está presente porque talvez o seu trabalho
fosse ainda a única referência de contato com o mundo externo.
“Estou trabalhando em dois auto-retratos neste momento – querendo um outro modelo – porque é mais do que
tempo de fazer um pequeno trabalho figurativo. O primeiro, eu comecei no dia em que eu acordei.
Estava magro e pálido como um fantasma. É um forte azul violeta e a cabeça esbranquiçada com
cabelo amarelo, de tal forma a ter um efeito colorido”.
Setembro de 1888.
“Claro que é verdade que no escuro eu posso confundir azul por verde, o lilás azulado por lilás pink,
por você não distinguir certamente a qualidade da matiz. Mas é a única maneira de conseguir se
livrar das cenas noturnas convencionais com suas pobres luzes amareladas, ao passo que uma vela
simples já nos dá o mais rico amarelo e a tonalidade laranja.
Eu também fiz um novo auto-retrato como estudo, no qual pareço um japonês”.(55)
8 de setembro de 1888
A partir deste momento, segue uma outra orientação na direção de sua figura,
passando a mostrar a orelha direita e não a machucada, o que sugere uma dificuldade de
confronto com a mutilação. Levando-se em conta a orientação da figura em termos de
direita ou esquerda, observa-se que não há uma diferença significativa na freqüência da
escolha de um dos lados. Cronologicamente, nota-se que seus seis primeiros auto-retratos
orientam-se à direita e depois, os oito seguintes, à esquerda. Houve a seguir um período
onde não foi possível caracterizar esta escolha, pois não existia uma freqüência definida,
ora se orientando à direita, ora à esquerda. Nos últimos auto-retratos foi retomada a
freqüência de escolha original, ou seja, inicialmente foram orientados à direita e
posteriormente retornando à orientação à esquerda.
Para Jung, a orientação à esquerda mostra, em geral o movimento em direção ao
inconsciente enquanto que à direita, ao consciente.(56) Susan Bach complementa este
pensamento de Jung a partir dos desenhos de pacientes.. Para ela, o movimento à esquerda
indicaria a dúvida, o desconhecido, o obscuro e a própria morte, enquanto que à direita
seria o retorno ao conhecido, à vida. Ela também observou em sua pesquisa que, em alguns
desenhos não havia o espelhamento, isto é, a projeção da figura era feita de forma direta,
sem cruzamento, o que poderia significar uma regressão(57). Vincent, em seus auto-retratos
38 a 39, como foi dito anteriormente, projetou diretamente a sua imagem, apresentando-a
sem cruzamento, dessa forma a orelha mutilada, com bandagem, passa a ser a direita e não
mais a esquerda. Em todos os auto-retratos seguintes, isto é, do A.R. 40 ao 43, ele orientou
sua figura à esquerda assim, a orelha mutilada mostra-se perfeita, pois o que se via na
verdade era sua orelha direita e não a esquerda.
Gostaria de assinalar um período de grande desestrutura interior e sofrimento, a
partir de maio de 1889 até sua morte em julho de 1890. Em sua obra começam a surgir
novos temas e as cores fornam-se mais intensas.
A obra “borboleta cabeça de morto” de maio de 1889, simbolizava antecipadamente
o seu caminho em direção à morte, como possibilidade de transformação.
As espirais surgiram em várias obras de Vincent a partir de Sant Rémy. Esta forma
geométrica, é a mais livre das figuras fundamentais, significando a evolução além de si”.
Poderia ser vista como símbolo de uma nova consciência cósmica. Em sua forma
43
expansiva, seria o movimento de energia do interno para o externo e, na forma de
concentração, o movimento do externo para o interno Desde os tempos antigos o homem
distingue duas formas de espirais: do centro, no sentido anti-horário, estaria ligada à
origem, ao passado e à morte, e do centro, no sentido horário dirigido ao futuro, à evolução
e à expansão. Em seu aspecto ascendente significaria transcendência e espiritualidade,
enquanto que no descendente estaria ligada à profundidade e ao corpo. Nos auto-retratos as
espirais são utilizadas nos dois sentidos, o que não nos leva a privilegiar a direção das
mesmas mas o fato de terem sido usadas.
Para Jung o movimento espiral como involuções e evoluções, seria o símbolo do
processo de individuação, em que diferentes níveis de consciência vão sendo conquistados.
As espirais significariam fases de introversão e extroversão nos quais o aspecto positivo
seria a capacidade de ir além, o negativo, a capacidade de exagerar e de ser excessivo.
A espiral, o quadrado e o círculo são formas de estruturas segundo as quais o ser
humano compreende, contém e dá forma à vida e suas emoções.
É interessante se observar o trajeto de Vincent na utilização destas formas no fundo
de seus retratos.
Da mesma maneira que observamos a inconstância de Vincent com relação à
orientação da figura em seus auto-retratos, configura-se também a não preferência em
relação às direções das espirais.
Poderíamos, então, compreender esta oscilação constante, como reflexo de sua
personalidade ambivalente e de sua instabilidade interior.
O último auto-retrato feito alguns dias após o anterior retoma Vincent jovem
embora a tristeza do olhar aponte a sua verdadeira realidade. Esta obra foi dada de presente
à sua mãe, onde talvez quisesse se mostrar de uma forma diferente pala qual gostaria de ser
visto e lembrado.
Observa-se que este último auto-retrato é parte figurativa de uma outra obra de
Vincent “Quarto de Vincent em Arles”, feita em setembro, onde aparece pendurado sobre a
cama ao lado do retrato de sua irmã, pintado por ele. Ele tinha o desejo de que esta obra,
também presenteada à sua mãe, permanecesse no mesmo ambiente do A.R. 43, a fim de
que fossem valorizados.
“Agora posso lhe dizer que aquilo que prometi está quase pronto – um estudo de paisagem, um
pequeno auto-retrato e um estudo de interior. Mas eu receio que você ficará desapontada e que este
lote de pinturas poderá parecer feio e sem importância. Willemina e você podem fazer o que
quiserem com eles... Eu apenas tento formar um conjunto de coisas e preferiria que elas
permanecessem juntas, a fim de se tornarem mais importantes com o decorrer do tempo”.
Sem data(58)
Nesta época o hospital passa a ser seu mundo e sua referência, surgindo como tema
em alguns quadros, tais como “Campo de trigo atrás do hospital” de setembro de 1889,
“Retrato de um paciente do hospital” e “Árvores no jardim do hospital” de outubro de
1889.
Surgem também neste momento, outros temas, como campos de trigo, a terra, o Sol,
e o uso do amarelo torna-se muito mais freqüente. O traçado às vezes está mais
segmentado. Exemplo de obra deste período: “Oliveiras com céu amarelo e Sol” de
novembro de 1889. “A ronda dos encarcerados” de fevereiro de 1890 expressa um mundo
claustrofóbico e sem saída. As linhas irregulares, as cores mais fortes e contrastantes, as
44
pinceladas mais curvas, sugerem sua turbulência e agitação interiores. O espectador parece
exposto a uma sensação de constante inquietação ao olhar seus quadros.
São obras deste período, “Os bêbados”, de fevereiro de 1890, “A igreja de Auvers”,
“Casa do teto de palha”, e “Retrato do Dr. Gachet”, de junho de 1890.
Seguem-se momentos em que o desespero e a angústia são imensos, como pode ser
observado na obra “Velho desesperado”, de maio de 1890. A morte agora está mais
próxima e surgem obras significativas deste momento, tais como “O jovem com a flor” e
“As duas crianças”, ambas de junho de 1890, representando em si aspectos tanto opostos
quanto complementares. “O jovem com a flor” é o retrato da própria loucura carregando em
si o jovem e o novo e também o rígido e cadavérico. “As duas crianças” mostra crianças
envelhecidas e de feições antagônicas.
Também a morte se expressa nos corvos e nas raízes expostas, como pode-se
observar em “Campo de trigo com corvos”, de junho de 1890 e em “Raízes e troncos de
árvore”, de julho de 1890, tida por alguns como sua última obra.
A fascinação de Vincent pelos opostos claro/escuro, luminosidade/sombra, vai além
do treino artístico. Das minas escuras e do isolamento a que se impôs na juventude, ele
emergiu nas luzes da Provence, iluminado pelo Self.
No processo de individuação há o confronto interno de forças opostas que são
orientadas pelo Self, centro da totalidade psíquica, em busca de uma integração.
Em suas telas, Vincent não desejava que suas figuras fossem academicamente
corretas. Seu desejo, ao contrário, era aprender a fazer alterações, anomalias e remendos na
realidade, não como um observador que controla as percepções e os pensamentos, mas
como um criador cujas emoções exigem expressão. Sua obra jamais se encaixou num único
movimento artístico. Seu estilo único, se alterava também de acordo com seu instável
estado de espírito.
É impossível dissociá-lo de sua obra, pois entre suas sensações e a tela não havia
intermediários. Nela se projetavam e se expandiam seus estados de alma.
Vincent era um homem atemporal, servindo a um apelo coletivo de romper com a
tradição de uma época. Seu olhar, em muitos momentos vazio, em outros desesperado,
também parecia expressar o transcendental, como se ele já estivesse conectado ao “outro
lado”, cuja imagem é muito maior do que a simples visão pode abarcar.
Transgredindo as normas, inovando-as, transcendendo-as ele nos põe em contato
com a ebulição de seu mundo, inflamando-nos e transportando-nos para além da realidade.
Jung fala sobre um fator irracional traçado pelo destino que impele cada um a
escutar sua própria voz interior. Para Hillman, cada vida é formada por uma vocação, como
uma semente de carvalho, que é a essência desta vida e a conduz a um destino. Este seria o
“daimon” pessoal de cada um que, segundo Platão, protege a alma em seu trajeto
existencial.
O caminho de individuação é dinâmico, onde os mesmos aspectos vão sendo
retomados, em diferentes níveis de consciência. Por não ser um processo linear, existem
momentos de maior ou menor integração, fases de maior investimento de energia frente ao
mundo externo, e outras de depressão e de melancolia, voltadas ao mundo interior. Assim,
os auto-retratos de Vincent mostram tanto momentos de maior organização interna, quanto
de grande desestruturação.
Segundo Merleau Ponty, a vida do artista encontra equilíbrio, apoiando-se na obra
ainda futura. Assim a vida e a obra são uma única aventura.
45
“É certo que a vida não explica a obra, porém certo é também que se comunicam . A verdade é que
esta obra a fazer, exigia esta vida”.(59)
Este foi o caminho de Vincent, demarcado por seus auto-retratos. Foi enfim o
retrato de um homem que viveu intensamente, arriscou e naufragou sua razão trocando sua
vida pelo refinamento de sua arte, na absoluta fidelidade a si próprio e no compromisso de
sua paixão.
“Assim atua com poder o homem nobre durante séculos sobre seus semelhantes: Pois o que um
homem bom pode alcançar não se alcança no espaço apertado da vida. Por isto continua vivendo
também após sua morte e é tão eficaz como quando vivia. A ação boa, o verbo belo, aspira
imperecivelmente, assim como aspirava de maneira mortal. Destarte, tu artista vives durante tempos
infindáveis; goza da imortalidade!”.
Göethe
46
CONCLUSÃO
“A única verdadeira sabedoria mora longe da raça humana, na grande solidão e pode ser alcançada
apenas através do sofrimento. Privação e sofrimento sozinhos podem abrir o espírito
para tudo que está oculto.”
lgjugarjuk1.
A concepção ocidental de modelo científico é baseada no princípio de causalidade,
cuja explicação dos fenômenos mostra-se por vezes, insuficiente e unilateral. São inúmeros
os aspectos da experiência humana que por sua complexidade e subjetividade, não podem
ser entendidos por esta forma de pensar. Assim, vivemos sob o paradigma do racionalismo
científico, representado pelo pensamento cartesiano, cuja manifestação se dá pela
segmentação e separação dos fenômenos e não pela integração e totalidade dos mesmos. Ao
se adotar uma abordagem racionalista, corre-se o risco de excluir os aspectos subjetivo e
simbólico.
“...A crescente racionalização do mundo, levou o homem a perder a crença nos poderes mágicos,
nos deuses, nos demônios. Aboliu-se o sentido do sagrado e o recurso ao encantamento divino, pois a
natureza científicizada é uma natureza dominada pela técnica produtivista e pela racionalidade
científica despoetizadora. Com a crescente racionalização do mundo, o homem passa a senhor de
uma natureza desencantada, onde a loucura só encontra lugar na exclusão”
Frayse Pereira, 1994
A visão de loucura também reflete a dicotomia nos conceitos de certo/errado,
racional/irracional, loucura/sanidade. Cada vez mais, as manifestações das alterações
mentais são estudadas sob a ótica da patologia e aqueles que se apresentam diferentes da
média incomodam e, portanto, são marginalizados.(60)
Embora tenha sido possível apreender a riqueza interior de Vincent a partir de seus
relatos e da expressividade de suas obras, o aspecto patológico e a doença parecem ter sido
sempre mais evidentes.
O homem antigo, assim como os povos primitivos, não distinguia o comportamento
padronizado do não padronizado, o normal do patológico.
Sócrates e Platão diziam haver um outro lado da loucura, este sim considerado um
dom especial e a libertação divina dos meios ordinários do homem. Somente nos tempos
modernos os estados psíquicos considerados de grande riqueza, são caracterizados como
mórbidos. O pensar e o sentir diferentes nos mostram que a cultura e os pressupostos
científicos não conseguem dar conta e abarcar o ser humano em sua totalidade. Faltam
referências que ajudem o indivíduo a dar um significado às suas frustrações, sonhos e
desejos, por isto ele sofre.
A saúde psíquica poderia ser vista como a capacidade do ser humano de viver o
próprio destino e aceitá-lo, mesmo que pareça negativo e que lhe traga sofrimento. Mas, o
que se vê com freqüência como sintoma da loucura é a luta para agüentar a dor e, portanto,
______________________________
1
- esquimó primitivo (citado em Campbcll em “The masks of god”)
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a loucura não deveria ser vista como doença e sim como saúde. Artaud dizia que os
sintomas não constituem a doença, mas se manifestam como estados múltiplos de
desmembramento e de transformação.
Poderíamos vê-los, como tentativas do organismo para atingir um novo nível de
integração. Nos momentos de dissociação da personalidade, vê-se apenas o caos e a
fragmentação, não se levando em conta as riquezas conservadas nas profundezas do mundo
interior. Revela-se também no momento de desintegração psíquica, o surgimento de forças
ordenadoras, como tentativa de restauração da psique. Estas são forças auto-curativas que
tentam vencer o ego cindido, inundado pelo inconsciente, isso sim expressão da doença.
Há uma vida emocional rica e intensa apesar da dor. Assim, uma pulsão criadora
inata sobrevive buscando a manutenção do equilíbrio psíquico, ainda que estejam presentes
graves fenômenos de deterioração da personalidade.
Frayse, citando Dubuffet, diz que mesmo que as circunstâncias para o artista sejam
tais que ele esteja com a condição humana reduzida ao mínimo suas possibilidades
expressivas não serão restritas. Acrescenta ainda que, na arte dos alienados, há um
reservatório de saúde moral longe do falso testemunho social, com ampla liberdade e
autenticidade na criação.(61)
Desta forma pode-se, então, entender a intensa busca de Vincent em se retratar
como se procurasse uma moldura para dar forma aos seus conteúdos internos, colocando-os
em contato com a realidade exterior. Assim, ao mesmo tempo que projetaria sua
fragmentação, preservaria sua sanidade, ou seja, ao dar forma às imagens internas,
moldava-se.
Suas obras foram influenciadas pelos seus estados de alma e portanto, expressavam
não só seu desequilíbrio, como também seu esforço em manter-se trabalhando e buscando
novas ferramentas para sobreviver.
Poderíamos falar neste momento do principio de Hórus, que rege o
desenvolvimento psicológico do homem e é tão forte que se mantém vivo por maior que
seja a dissociação. Hórus, segundo Chevalier,(62) e um deus egípcio, representado por um
olho ou por um disco solar, que está sempre atento em manter o equilíbrio entre as forças
adversas e fazer triunfar a força da luz.
“Através de todo esse percurso na escuridão do inconsciente, como um fio condutor, fio tênue que às
vezes parece ter se partido e ter sido tragado pelo abismo, está presente o princípio de Hórus, isto é, o
impulso para emergir das trevas originais até alcançar a experiência essencial da tomada de
consciência.(63)
A linguagem dos mitos, nos permite experimentar a vida da alma de uma outra
forma, levando-nos a reflexão e ajudando-nos a ultrapassar os limites e condicionamentos
do nosso tempo e da nossa cultura. Ela nos permite integrar o
dualismo e buscar uma
visão mais profunda da realidade superando a fragmentação do conhecimento.
“Na realidade, nossa vida, dia após dia, ultrapassa em muito os limites da nossa consciência e, sem
que saibamos, a vida do inconsciente acompanha a nossa existência. Quanto maior for o predomínio
da razão crítica, tanto mais nossa vida empobrecerá. E quanto mais formos aptos a tornar consciente
o que é mito, tanto maior será a quantidade de vida que integraremos. A superestima da razão tem
algo em comum com o poder do estado absoluto: sob seu domínio o indivíduo perece.” (64)
48
Merleau Ponty faz uma crítica à ciência moderna cega e unilateral em suas
construções. Ele fala de uma reaproximação entre a ciência positivista e a filosofia,
trazendo novas possibilidades de reflexões e aprofundamentos. Há uma evocação do olhar,
que pode captar o espírito.(65)
“A filosofia que ainda está por fazer, é a que anima o pintor num instante em que a sua visão se faz
gesto, quando ele pensa pictoricamente”
A partir do meu contato com a obra de Vincent, pude compreender esta afirmação
de Merleau Ponty. Ao contemplar sua tela, passei a entender seus sentimentos e seu
universo interior. Seu pensamento tornado pintura desencadeou em mim emoções e
provocou o início de uma transformação. Comecei, assim, a percorrer um novo caminho
em que surgiram novos interesses. A arte, até então distante de minha realidade, passou a
fazer parte integrante de meu cotidiano.
Depois de meu sonho, após o retorno ao Brasil, surgiu um desejo de também
experimentar a intensidade das cores que vibravam dentro de mim. Comecei, assim, a
vivenciar a pintura com aquarela sem a preocupação com a técnica, priorizando o lúdico, o
espontâneo e a experimentação, o que me abriu novas possibilidades, conduzindo-me a
muitas descobertas.
A arte, no cotidiano de um psicoterapeuta, tem um lugar privilegiado e quase
secreto. As obras que ele escolhe para criar, guardar, visitar ou reproduzir, permitem-lhe
refletir e recolher-se a fim de reencontrar e experimentar o que está nas profundezas dele
mesmo, sejam seus sentimentos pessoais ou o saber coletivo impresso na obra.
Da mesma forma, o imaginário psíquico do terapeuta, povoado de
imagens que o interrogam, se abre para o cliente no desenrolar de seu processo interior, na
escuta de seus sonhos e no compartilhar de suas imagens.
Assim, em meu trabalho clínico com adultos e adolescentes no consultório, além do
material gráfico que já utilizava, inclui o cavalete, as tintas, a palheta e os pincéis como
recursos disponíveis para utilização do cliente.
Propor-lhes a pintura como forma de expressão é possibilitar-lhes, a partir das
imagens simbólicas, dar forma a seus desejos e emoções.
Sabe-se que a utilização de técnicas expressivas dentro de um processo analítico
pode facilitar a elaboração dos símbolos, por meio da vivência dos mesmos. Ao representar
na tela, pictoricamente, suas experiências interiores, a pessoa transforma-se, por vezes
acelerando o processo psicoterápico.
Jung dizia que no momento em que o paciente se expressa por meio do pincel,
torna-se ativo, passando também a executar e não apenas a falar. Além disso, na execução
da tela, há uma contemplação cuidadosa e constante e, por diversas vezes, a libertação de
um estado psíquico deplorável.
“Usando esse método, o paciente pode tomar-se independente em sua criatividade. Já não
depende dos sonhos, nem dos conhecimentos do médico, pois ao pintar-se a si mesmo, ele está
se plasmando. O que pinta são fantasias ativas, aquilo que está mobilizado dentro de si. E o que
está mobilizado é ele mesmo, mas já não mais no sentido equivocado anterior, quando
considerava que o seu “eu” pessoal e o seu “Self” eram uma e a mesma coisa. Agora há um
sentido novo, que antes lhe era desconhecido. Numa série de quadros, o paciente esforça-se por
representar exaustivamente o que sente mobilizado dentro de si, para descobrir finalmente, que é
o eterno desconhecido, o eternamente outro, o fundo mais fundo da nossa alma.”(66)
49
Ele relata a utilização da pintura em sua prática clínica como uma das formas de
entrar em contato com o inconsciente:
“ Levo os meus pacientes a reproduzir o invisível e o inimaginável, da melhor maneira possível,
através da forma pictórica. A finalidade deste método de expressão é tornar os conteúdos
inconscientes acessíveis, e assim aproximá-los da compreensão. Com esta terapêutica consegue-se
impedir a perigosa cisão entre consciência e os processos inconscientes”. (67)
A utilização das cores, ao propiciar o reencontro com o prazer e o lúdico, por si só é
terapêutica. Reconhece-se, nos dias de hoje, as limitações da psicoterapia centrada apenas
na elaboração verbal, pois a convivência com os símbolos pode ser mais importante para
sua integração do que a explicação racional. As técnicas psicoterápicas, além da
imaginação ativa, parecem se desenvolver cada vez mais em direção às vivências.
Uma das funções mais importantes da arte na prática psicoterápica é a revelação do
inconsciente por meio da linguagem simbólica que possibilita, via recurso da imagem, a
visualização do desdobramento do processo de individuação.
Em minha prática clínica proponho ao cliente, quando identifico ser mais
importante para ele a vivência simbólica à elaboração verbal, que represente plasticamente
os seus sonhos e sentimentos, bem como as imagens mobilizadas. O essencial,
inicialmente, não é a interpretação, mas a experimentação. Depois lhe é solicitado que fale
sobre a vivência, havendo uma conjugação imagem-ação. É sempre importante haver um
tempo disponível no final da sessão para se falar sobre aquela experiência.
Pude observar em diversos clientes que uma série de imagens surge
espontaneamente. Este material que emerge revela o fluxo de imagens do inconsciente,
dando a ele a oportunidade de se expressar e de falar em sua linguagem, por vezes vazia e
limitada. Sabe-se que as imagens colocadas em palavras não realizam toda a emoção, que
vai muito além dos limites verbais.
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(66) Merleau P. M., O olho e o espirito: Lisboa, Vega, 1997, pp. 26 a 49.
(67) Jung. C. G. – Prática da Psicoterapia: Petrópolis – Vozes, 1981 – pp.46 e 47.
(68) _____, C.G. – O espírito na arte e na ciência: Petrópolis – Vozes – 1991, p.120
53
GLOSSÁRIO
Alucinação: Não é vista por Jung somente como um fenômeno patológico,
manifesta-se também no âmbito da normalidade. A experiência com primitivos mostra que
conteúdos psíquicos emergem da consciência de forma alucinatória, como se fossem
dotados de vida própria. Esta peculiaridade explica talvez como uma idéia repentina
assume facilmente um caráter alucinatório. O.C.J. - Vol. XVIII – 1933 - p. 166.
·
·
C.L. - Vol. III - p. 128 - carta 574, de 28 de janeiro de 1889: “As alucinações
intoleráveis cessaram, e se tornaram por hora, somente pesadelos.”
Jaspers KarI - 1990 - p. 170: cita uma observação de Vincent, em uma carta a
Théo, na qual dizia que durante as suas crises, escutava sons e vozes estranhas.
Anima: É a personificação da natureza feminina no inconsciente do homem que
se mostra, desde a sua primeira manifestação, dotada de uma potencialidade ambivalente
como cada arquétipo o é. Um dos seus aspectos é aquele que seduz, o outro seria o que
medeia o consciente e o inconsciente. A anima, em resumo, é o guia da criatividade;
ambígua por natureza. Salza Fulvio – 1987 - p. 83.
Animus: É a personificação da natureza masculina no inconsciente da mulher.
Arquétipos: O conceito de arquétipo é derivado da observação repetida de mitos e
contos de fadas, cujos motivos se manifestam em todos os lugares. Hoje encontramos estes
mesmos motivos em fantasias e sonhos de indivíduos. São formas preexistentes no
inconsciente, como parte da estrutura inerente da psique, que podem manifestar-se em
qualquer lugar, a qualquer hora. Jaffé Aniela – 1919 - p. 227.
Coletivo: São todos aqueles conteúdos psíquicos não peculiares a um único
indivíduo, mas contemporaneamente a muitos isto é, de uma sociedade, de um povo ou da
humanidade. O.C.J. - Vol. VI – 1921 - p. 429.
Complexo: São todas aquelas estruturas psíquicas que primeiro se desenvolvem de
maneira inconsciente e somente no momento que atingem o limiar da consciência, nela
irrompem. Consiste em um elemento nuclear com grande número de associações
consteladas secundariamente, e que possui valor energético. O.C.J. - Vol. VIII – 1934 - p.
111.
Ego: É o complexo central no campo da consciência. Um ego forte pode se
relacionar objetivamente com conteúdos ativados do inconsciente sem se identificar com
eles. Jacoby Mano - O Encontro Analítico – 1984 - p. 130.
Forças Psíquicas: São forças primitivas, brutas, virgens da psique que irrompem do
inconsciente, inundando a consciência e impedindo o contato com o mundo externo.
54
Funções psíquicas: É por meio delas que o Homem compreende e assimila sua
experiência de mundo, e a ele reage. Jung distinguia quatro funções fundamentais, duas
racionais e duas irracionais: pensamento, sentimento, percepção e intuição. O.C.J. - Vol.
VI, 1921, p. 453.
Imagem primordial: É também denominada arquétipo. Tem caráter arcaico isto é,
apresenta uma concordância com motivos mitológicos, sendo expressão do material do
inconsciente coletivo. As imagens primordiais, que se repetem no curso da história a cada
vez que a fantasia criativa surge espontaneamente, estão presentes numa obra de arte
quando a sua origem não está no inconsciente pessoal do autor, mas no inconsciente
coletivo, cujo patrimônio é comum a toda a humanidade. O.C.J. - Vol. VI, 1921, p 453 e
Vol. X, 1918 a 1959, p. 351
Inconsciente: É um conceito que abrange todos aqueles conteúdos ou processos
psíquicos não conscientes, desconhecidos, ou seja, não referidos ao Eu de modo
perceptivo. O.C.J. - Vol. VI – 1921 - pp. 459 e 460.
Movimento regressivo da líbido: Libido para Jung é a energia que está ligada ao
processo psíquico. O movimento regressivo da libido significaria a energia voltada em
direção ao mundo interior do próprio sujeito. O interesse então neste momento, não é o
objeto externo que passa a ter um valor secundário. O.C.J. - Vol. VIII – 1928 - p. 45.
Persona: É o termo latino que significa máscara, a qual era usada por atores na
antigüidade. Psicologicamente, expressa a atitude com a qual a pessoa se coloca frente ao
mundo. A persona é um complexo de funções que se constitui por razão e necessidade de
adaptação, referindo-se exclusivamente ao relacionamento com os objetos. O.C..J. - Vol.
VI - 4921 - pp. 417 e 418.
Psique: É a totalidade dos processos psíquicos, tanto conscientes quanto
inconscientes O.C.J. - Vol. VI – 1921 - p. 416.
SeIf. “É o conjunto de todos os fenômenos psíquicos no homem. Representa a
unidade e totalidade da personalidade.” O.C.J. - Vol. VI - 1921 pp. 477.
Simbolos: Pressupõe-se que a expressão escolhida seja a melhor indicação possível
de um dado fato relativamente desconhecido, mas cuja
existência é reconhecida ou considerada necessária. O símbolo é vivo porque é prenhe de
significado. O.C.J. - Vol. VI 1921 - p. 483.
Sombra: É uma parte inconsciente da personalidade caracterizada por traços e
atitudes, negativas ou positivas, que o ego consciente tende a ignorar. O Encontro Analítico
– 1984 - p. 131.
55
ESPELHOS PARALELOS
Pinturas revelam a imagem de quem se vê nelas refletido. Atuam como espelhos e, ao
mesmo tempo, como recipientes que atraem a presença espiritual correspondente à sua
forma ou à sua cor. (1)
Van Gogh se viu refletido na gravura de Gustave Doré, e resolveu pintar sua Ronda dos
Encarcerados, com elementos de sua própria biografia. Anos mais tarde Jiré Volér, atraído
por esta tela pinta O Labirinto, espelhando, uma vez mais, o mesmo confinamento circular.
Neste espaço virtual de espelhos paralelos Denise Maia é capturada pela imagem do
encarceramento refletida ao infinito. À primeira observação seguem-se inúmeras outras,
como se a contemplação repetida da Ronda dos Encarcerados de Van Gogh tivesse o poder
de libertá-la do encanto. Transforma em rotina o que começou como apenas mais uma
visita a uma exposição, tão comum a estrangeiros na Europa. E, ao invés de tentar escapar
fugindo à pressão do chamado, encontra liberdade ao se entregar à tarefa que a imagem lhe
propõe. Debruça-se a fundo na vida e na obra do pintor: da contemplação passa à leitura,
depois à escritura e mais tarde à pintura. Na tentativa dar forma ao mistério que, tão
fortemente, a atingia passa a transitar no outro lado do espelho.
Respondendo a um jovem poeta, Rilke escreve que uma obra de arte é boa quando
nasceu de uma necessidade. Para ele este seria o único critério digno de ser seguido. (2)
O que tornaria bela uma forma não seria, portanto, a combinação de elementos agradáveis,
mas essenciais. O poder de atração de uma obra residiria, assim, na sua verdade. Penso que
este é o dado mais evidente e, no entanto, menos compreendido da estética. E talvez seja
este o segredo da permanência do trabalho de Van Gogh no tempo. Quando nos
emocionamos com sua pintura passamos a ouvir em nós o eco da mesma verdade que levou
o artista a criá-la. Vivemos, então, a experiência dupla de nos observaRmos ao mesmo
tempo em que observamos a imagem que se oferece à nossa contemplação.
Tendemos a encarar os assuntos de nossa vida cultural com uma certa superficialidade,
como situações de menor importância. Visitas a museus, exposições, cinemas são, em
geral, atividades relegadas para o tempo que sobra.
Thomas Moore nos alerta para o fato de que perdemos a capacidade de contemplação
enquanto cultura. Não contemplamos facilmente, porque nos parece que não estamos
realizando nada quando contemplamos. Ele diz que(3) esquecemos que nossa alma, para
prosperar, não pode viver apenas a vida pessoal, necessita um contexto muito mais amplo.
Precisa sair regularmente do cotidiano e transitar pela eternidade. Para ele qualquer forma
de arte que capture nossa atenção, estará nos prestando um grande serviço. Estará nos
oferecendo uma oportunidade para a contemplação: Nossas vidas são modeladas, não pelas
nossas intenções, mas pelas respostas que damos aos convites que nos chegam
misteriosamente do destino, através de pessoas e eventos. E eu penso que a arte pode fazer
o que a razão não pode, que é nos prover de imagens que nos ajudem a contemplar estes
mistérios. (4)
Hillman diz que imagens são daimones oferecendo indicações do destino(5), e reconhece
uma profunda, sutil e complexa moralidade em se tomar a sério as imagens. Para ele, cada
imagem que atrai nossa atenção é um anjo necessitado esperando por uma resposta.
Como acolhemos este anjo, depende de nossa sensibilidade para a realidade de sua
presença.
56
Muito se tem refletido sobre a importância de se utilizar a arte como recurso educacional
e terapêutico, porém o que Denise nos oferece com este livro é a oportunidade de
refletirmos sobre o poder de transformação contido na simples contemplação de uma
pintura. Ela nos revela como a arte pode nos levar para espaços dentro de nós mesmos a
que não teríamos acesso de outra maneira, atuando como um vaso alquímico onde podemos
trabalhar nossa alma.
Ana Angélica Albano, Artista Plástica
São Paulo, fevereiro de 2002
(1)Schuon,F- O esoterismo
Paulo,Pensamento,1985,p166
como
princípio
e
como
caminho,
São
(2) Rilke,R.M.- Cartas a um jovem poeta, Porto Alegre, Editora Globo,1978,p.24.
(3) Moore,T-in Gablik,S- Conversations before the end of the time, New York,
Thames and Hudson,1997,407
(4) idem,p.409
(5) Hillman,J.- A Blue Fire, New York, Harper Perennial,1991
57
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