AS PRÁTICAS MÁGICAS NAS MINAS GERAIS DO SÉCULO XVIII
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AS PRÁTICAS MÁGICAS NAS MINAS GERAIS DO SÉCULO XVIII
AS PRÁTICAS MÁGICAS NAS MINAS GERAIS DO SÉCULO XVIII Priscila Emanoeli Rodrigues Cozer UNESPAR Campus de União da Vitória Resumo: O presente artigo tem como objetivo entender as práticas mágicas e como essas práticas se disseminaram no Brasil oitocentista, estabelecer uma relação entre as mulheres negras e as mulheres brancas que praticavam esses tipos de magia, e a partir disso discutir o cotidiano das mulheres negras e forras na Capitania de Minas Gerais do século XVIII, observando a função sexual, a prostituição, honra, desonra concubinato sexualidade, visão da igreja sobre elas, feitiços e magia. O foco principal desse artigo é analisar como se desenvolveu as práticas de magia e como essas mulheres utilizavam-se desses feitiços para conseguir amores, dinheiro, curas, orações e simpatias. E entender como essas mulheres utilizavam poções que envolviam alimentos, plantas, animais, estrelas, sangue, urina, unhas, cabelo e pelos. No Brasil essas práticas de feitiçaria amorosa se deram, de uma mistura das várias culturas que miscigenaram o Brasil. Sabemos que a feitiçaria era considerado um pecado mortal, nesse sentido precisamos mapear a vigilância, ou seja, o Tribunal do Santo Ofício. Os indivíduos que cometessem esses tipos magias eram condenados a pagar penitências ou eram degredados para outros países. Concluímos que as mulheres negras enfrentaram riscos e superaram tradições através de sua participação ativa na vida economia e social das Minas Gerais. E através das práticas mágicas conseguiram se posicionar em um lugar na sociedade, driblando a realidade de miséria, conciliando em seu cotidiano as alegrias dos batuques, e na disputa pela sua liberdade social. Palavras chave: Mulheres. Negras. Forras. Minas Gerais. Práticas mágicas 2734 Introdução No presente artigo pretendemos observar como a sexualidade está interligada com a feitiçaria ou com as práticas mágicas, que muitas mulheres praticavam tanto para se vingar como para atrair o amor. Sabemos que a feitiçaria era considerado um pecado mortal, nesse sentido precisamos mapear a vigilância, ou seja, o Tribunal do Santo Ofício. Nos interessa conhecer onde se originou? Como ele se estruturou? Quais seus desdobramentos na América Portuguesa? A inquisição Portuguesa foi criada em meados do século XIII, servia para controlar os comportamentos dos indivíduos dentro dos preceitos cristãos, que se desvinculassem da religiosidade e fossem contrarias aos dogmas do catolicismo, porém seu ápice se dá apenas na Idade Moderna. Havia uma perseguição significativa aos Cristãos Novos1, mas também havia perseguições à blasfêmia, sodomia, bestialidade, a maioria das práticas de cunho sexual. Segundo Francisco Bethencourt2 os autos de fé ou os ditos julgamentos Inquisitoriais iniciaram-se em decorrência de um terremoto que destruiu parte de Lisboa (1755) e que foi entendido na época como sendo castigo de Deus. Neste sentido a Universidade de Coimbra encontrou uma forma de controlar os indivíduos e suas ações promovendo espetáculos dos processos inquisitoriais como grandes cerimônias. A estrutura de um auto de fé era composta por várias etapas: a primeira era a publicação, em que se analisavam todos os processos no Conselho da Inquisição, autorizando a realização da Cerimônia, neste sentido começavam a divulgar por todas as partes. Eram convidados todas as autoridades locais e muitas vezes até o rei. Os autos de fé eram realizados no verão, os anúncios eram publicados com antecedência de uma semana ou mês, no inicio as cerimônias eram feitas nos dias de semana ou feriados, mas após um tempo começou a ser efetivado nos domingos, neste sentido nenhum indivíduo religioso poderia celebrar missas, eram normalmente realizados e em praça pública ou Igrejas. Os palcos eram enfeitados 1 Cristões Novos: Judeus convertidos ao cristianismo que eram acusados de continuar exercendo sua religião e tentando converter outros cristões. 2 BETHENCORT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália. Século XV-XIX. São Paulo: CIA das Letras, 2000. 2735 como se fosse para uma festa, um espetáculo, havia um dualismo 3 nos espaços usados para as cerimônias. O segundo passo da cerimônia era a procissão que se iniciavam uma noite anterior ao auto de fé. O terceiro passo era abjuração, os autos podiam durar por vezes dois ou três dias, muitas vezes pelo número de julgados que podia chegar até 150 indivíduos condenados pelas mais diversos “crimes religiosos” os acusados deveriam abjurar para poder ter o perdão divino. E por último era a execução, que eram realizadas depois da cerimônia dos autos de fé. As autoridades religiosas não podiam condenar ninguém à morte (prática proibida pelo direito canônico), logo essas atividades eram direcionadas as autoridades civis. Percebemos uma ligação entre a Igreja e o Estado, pois a Igreja apenas acusava e o Estado executava. No Brasil a situação era outra, como sabemos o Tribunal Inquisitorial não se estabeleceu na América Portuguesa, este agiu sobre a Colônia Portuguesa através de visitações esporádicas, ou seja, temporárias e de caráter limitado, autorizadas pelo Conselho Geral, não tendo necessariamente a função de preparar a fundação de um tribunal local. Uma das mais importantes foi a primeira Visitação do Grão Pará. Eram estruturadas sob o poder de comissários (membros do clero) e Familiares do Santo Oficio (leigos com pré-requisito de “pureza de sangue”) que deviam fidelidade e obediência ao tribunal lisboeta. Como sabemos durante o período colonial a sociedade deveria seguir os preceitos do catolicismo europeu. A Igreja buscou bloquear o máximo possível o contato das pessoas com seu corpo e sua sexualidade. Isso porque se acreditava que, assim como a alma, o corpo também deveria ser casto e puro para que os fiéis alcançassem a salvação. Sabemos que a vigilância e repressão Eclesiástica não foram tão eficazes devido ao vasto território da América Portuguesa e do pequeno número de padres, em que muitos desses cometiam algum tipo de pecado moral contra a Igreja. As visitações do Santo Ofício tiveram inicio em meados do século XVI e percorreram grande parte do nordeste brasileiro, depois desta data as visitações entraram em declínio, neste sentido entendemos que a estrutura do Santo Ofício vai se modificando e se intensificando com o passar dos tempos. Foram estabelecidos 3 O palco era disposto em dois lados, o primeiro era decorado com panos fino e colorido como damasco e o outro lado do palco era decorado com panos escuros, mostrando a questão do bem e mal. 2736 alguns agentes, comissários, entre outros, que iriam compor a rede do Santo Oficio organizada para o controle da população. No século XVIII houve um grande fluxo de pessoas que se deslocaram para a Capitania mineira em busca de ouro e diamantes, esse grande contingente populacional que se dirigiu para as minas acabaram causando algumas dores de cabeça para o Estado e a Igreja. Neste sentido o fluxo de visitações há Capitania do Ouro cresceu, eram verdadeiras patrulhas para instaurar a fé e vigiar os habitantes da Capitania e até os próprios clérigos. Segundo Luciano Figueiredo 4 o caráter das Visitações não era apenas disciplinador, mas sim sua ação dentro da Capitania mineira. As visitações tinham como principal objetivo a punição dos indivíduos, não desejavam se firmar como uma instituição rigorosa ao extremo. Porém era uma forma de controlarem a sociedade e quando houvesse algum tipo de criminoso ou herege, havia uma amplitude nas penas. Assim essas visitações se transformaram em um dos principais instrumentos da política religiosa nas Minas colonial. A grande maioria das visitações na capitania de Minas Gerais encontravamse reguladas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, concluídas em 1707. Cuidavam de conferir a situação das igrejas, o comportamento dos clérigos locais e até de problemas que estes não pudessem resolver, como celebrar casamentos. Além dessas atribuições, organizavam um pequeno tribunal, onde denúncias contra criminosos eram recebidas, compiladas e punidas. Procedia-se desta forma a uma devassa. Em seu livro 5º, título 39, as Constituições Primeiras definiam assim esta prática: "As devassas a que o direito chamou inquirições são uma informação do delito, feita por autoridade do juiz ex-offtcio. Foram ordenadas para que, não havendo acusador, não ficassem os delitos impunidos". Elas são, por assim dizer, uma derivação das visitações diocesanas. Ainda neste título são estabelecidas as linhas gerais que deveriam nortear as inquisições. Tais instruções constituem uma pequena bula dirigida aos visitadores diocesanos, com normas amplas e genéricas o suficiente para abarcar qualquer diversidade. Sendo cumpridas, a devassa caminharia de acordo com os padrões eclesiásticos e a verdade poderia ser alcançada - pelo menos assim esperavam os legisladores canônicos.5 Como podemos perceber as Visitações do Santo Ofício determinavam a heresia como o crime que se sobrepunha aos outros delitos julgados. As práticas mais combatidas pela Igreja, eram referente às práticas mágicas, destacando-se a feitiçaria amorosa justamente por aguçar dois tipos de desvio: O desvio moral que se constitui no desejo amoroso e sexual, que na maioria dos casos para fins libidinosos, 4 FIGUEIREDO, Luciano Raposo de. A, Segredos de Mariana: pesquisando a Inquisição mineira. Acervo Rio de Janeiro v. 2 n. 2 jul.-dez. 1987. 5 FIGUEIREDO, Luciano Raposo de. A. 1987 Op. Cit. p.02 2737 e o desvio da fé que buscava contato com o sobrenatural sem o intermédio da Igreja para alcançar seus objetivos, que no caso da feitiçaria amorosa eram voltadas para as relações homem/mulher. Para a inquisição, não havia distinção entre bruxas, feiticeiras, curandeiras, e qualquer outro indivíduo que se envolvesse com as práticas mágicas. Como exemplo, temos os curandeiros que manipulavam as ervas para fins de cura ou morte. Claramente houve uma homogeneização desses cultos. Segundo Emanuel de Araújo6 durante todo o período de funcionamento do Tribunal do Santo Ofício, os processos de bruxaria tiveram como documento norteador o Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras), escrito em 1486 pelos frades dominicanos James Sprenger e Heinrich Kramer, a partir do Manual dos Inquisidores elaborado cem anos antes por Nicolás Eymirick. Amor através das praticas mágicas: Portugal e Brasil Podemos entender que as práticas mágicas e a feitiçaria no Brasil foram também uma consequência da Inquisição Portuguesa, pois quem era condenado pelo Tribunal Inquisitorial era degredado para o Brasil, sentenciados a viver na Colônia. Segundo as Ordenações Filipinas7 os condenados deveria pagar uma multa ao seu acusador e era degredado para a colônia brasileira, neste sentido vieram para o Brasil muitas mulheres e homens acusados pela Inquisição portuguesa. Como sabemos a feitiçaria e as práticas mágicas tiveram seu inicio na Europa e foram muitas vezes vinculados aos prazeres da carne, ou seja, o desejo de um amor, ou amor proibido. Nestes casos as mulheres fabricavam produtos como perfumes, ou preparavam comidas com ervas ou sangue menstrual, utilizavam esses artifícios para atingir o homem desejado. A feitiçaria também era utilizada para fins de cura ou para provocar doenças. Nestes casos segundo Marilda Silva 8 a feitiçaria era associado ao pacto com o demônio. E a maioria dos indivíduos nessas práticas mágicas ou feitiços eram mulheres, normalmente negras. As práticas dos acuados diziam respeito basicamente a anseios de comunicação com o sobrenatural, à previsão do 6 ARAÚJO, Emanuel. 1997, Op. Cit. p. 199 ORDENAÇÕES FILIPINAS : Livro V/ Organização Silva Hunold Lara. São Paulo: companhia das letras, 1999. 8 SILVA, Marilda Op. Cit. p.172. 7 2738 futuro do universo social e, sobretudo, à vida afetiva e amorosa. Estas práticas utilizavam-se basicamente de orações que aportam a plantas e animais dotados de significado simbólico, porte de bolsas, orações de conjuro de demônios, 9 visões e curas de animais e pessoas doentes. Nos capítulos anteriores abordamos a questão da mulher estar ligada a demonização e relacionada com os pecados de Eva, no que se refere a feitiçaria não seria diferente. Foi construído um imaginário em torno das mulheres que praticavam a magia, eram vistas com uma vassoura voadora, voando de dia ou noite, na visibilidade ou invisibilidade. Segundo Emanuel de Araújo10 não só a Igreja, mas também a Legislação Civil tomou algumas providências referente as penas para as mulheres que praticavam a feitiçaria. A maioria dos réus julgados pelo Tribunal Inquisitorial eram degredados para as colônias Portuguesas, como por exemplo, o caso da feiticeira Antônia Fernandes Nóbrega degredada para o Brasil, acusada de alcovitar a própria filha 11. Os condenados eram obrigados a pagar multas pecuniárias e podiam ser açoitados publicamente em alguns casos até a morte como Bethencourt expõe em seu livro 12. Proibiam várias práticas como, por exemplo, invocar espíritos diabólicos, adivinhar por meio da água, espada ou qualquer coisa luzente. Segundo Laura de Mello e Souza13 os portugueses chegaram ao Brasil em um momento que havia uma forte presença do Satã no imaginário dos homens, era um lugar marcado por monstros e seres diabólicos, onde houve uma mistura dos índios da América, negros da África e brancos da Europa construindo práticas mágicas e de feitiçarias extremamente fortes e complexas. Neste sentido entendemos que todas essas práticas mágicas executadas no Brasil eram vistas como consequência de uma mistura criando novas formas mágicas. Algumas das práticas mais utilizadas pelos indivíduos em toda a colônia portuguesa foram às adivinhações, em que eram frequentemente associadas ao demônio. Outra prática mágica condenada era o curandeirismo, essas curas eram desenvolvidas através de ervas, rituais e orações, atuando como agente principal 9 SILVA, Marilda, 2001, Op. Cit. p. 172. ARAÚJO, Emanuel, 1997, Op. Cit. p.203. 11 ARAÚJO, Emanuel. 1997, Op. Cit. p. 204. 12 Ver BETHENCORT, Francisco. História das Inquisições. . Portugal, Espanha e Itália. Século XV-XIX. São Paulo: CIA das Letras, 2000. p. 39. 13 SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial, São Paulo: Companhia das Letras. 1986. 10 2739 para a medicina do período, pois a Coroa não queria estabelecer Universidades, logo o número de médicos era reduzido e as formas mais difundidas de cura era a busca pelo curandeirismo. As benzeduras, bolsas de mandinga, entre outras práticas foram largamente usadas nas capitanias brasileiras. Como foco principal do capitulo procuramos entender como essas feitiçarias e práticas mágicas estavam ligadas aos desejos amorosos, e como as mulheres eram vistas como os agentes disseminadores dessas práticas. Pretendemos fazer uma comparação em relação ao Brasil e Portugal, pois essas duas culturas utilizam da mesma forma de magia. Práticas de magia em Portugal As feitiçarias de amor foram às principais magias praticadas em Portugal. Após o descobrimento das Américas e o início da escravidão houve em Portugal um grande esvaziamento de homens que seguiram para as colônias portuguesas em busca de trabalho e riquezas, neste sentido houve uma diminuição do número de homens disponíveis para casamento, porém a saída que essas mulheres portuguesas encontraram foram às práticas mágicas para conquistar o amor. A confecção de filtros, poções, unguentos, o recursos a sortilégios diversos que facilitassem as relações amorosas é, portanto um procedimento muito antigo. Talvez com base nisto, juízes e inquisidores que trataram dos crimes de feitiçaria tenderam a sexualizá-lo e a enxergar muitas vezes as bruxas 14 como prostitutas ou semiprostitutas. As cartas de tocar15 eram comuns tanto em Portugal (feitiçaria erótica) como no Brasil colonial. Acreditava-se que ao tocar o amado com a carta, este seria conquistado. Por exemplo, em Portugal houve uma disseminação de alguns elementos como a pedra d‟ Ara16 considerada boa para benquerenças, uma vez que 14 Souza, Laura de Mello e. 1987, Op. Cit. p. 227 São pedaços de papéis ou cartas escritos rezas e sinais cabalísticos misturados. 16 A pedra d‟ ara – pedaço de mármore contendo orifício interno onde são depositados relíquias de santos mártires e sobre o qual os sacerdotes consagram a hóstia e o vinho – possuía grande significado mágico por ser indispensável à realização do mistério da Eucaristia. As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia chamavam-na de “altar portátil”: sempre que o sacerdote dissesse missa fora do altar da igreja, deveria leva-lá consigo e coloca-lá sobre uma mesa, celebrando sobre ela. Na mentalidade popular europeia, seu significado deve ter se mesclando ao das “pedras de virtude” do patrimônio maravilhoso, das quais só o melhor cavaleiro podia se aproximar, e ainda ao toda uma gama de pedras sagradas: as romanas, com as quais se marcavam 15 2740 a pessoa amada fosse tocada pela pedra, se apaixonaria imediatamente. A pedra d‟ Ara também era usada como amuleto, obtidos diretamente das Igrejas. Havia outras formas de conquista amorosa utilizadas em Portugal que se disseminaram para o Brasil, entre elas a utilização de óleos santos, adoração de Santos, lua ou e a declamação de palavras encantadas (orações).17 As histórias de santos inspiram algumas das formulas recolhidas (como já fizemos referencia as nota anterior). Segundo Isabel Sanches, quem quisesse encantar o marido deveria deixa-lo sair porta afora e dizer-lhe nas costas “eu te encanto com Sam Cebrião (são Cipriano) que encantou os lobos na barreira e os touros na carreira e a onça e o ladrão e fez ajoelhar os três ladrões ao pé da cruz”. Cecilia Fernandes conhecia outro procedimento que consista em fechar a mão com o dedo polegar debaixo dos outros e dizer: “eu te encanto com Deus padre e Deus filho e Deus espirito santo e com os sete anjos da corte do céu e com bem aventurado São 18 Silvestre que aperta a boca serpe e o coração do leão”. Outras formas de feitiçaria que se destacaram em Portugal foram os encantamentos que se constituíam de várias formas como, por exemplo, dizer palavras mágicas nas costas ou na boca do homem desejado. A segunda forma era o encantamento da novena, durante nove dias a mulher deveria guardar nove pedras, após esses dias ela deveria vestir uma camisola soltar os cabelos e olhar fixamente em uma estrela segurando as noves pedras e conjurar “Marta”. Já no feitiço da tesoura, a mulher abre a tesoura em forma de cruz e deve dizer algumas palavras mágicas. Existiam também feitiços com animais os mais conhecidos são com frangos pretos, focinho de porco e buço de lobo, que geralmente eram usados como amuletos para a benquerença. “A manipulação de elementos do reino animal, aos quais era atribuída a virtude, tem paralelo na procura de elementos do reino vegetal para as mesmas finalidades” 19 Em Portugal as práticas de magias percorriam tanto o mundo dos vivos como o mundo dos mortos, neste sentido era usado pedaços de do corpo em várias composições como, por exemplo, unhas, cabelos, saliva ossos, pele, entre outros. As formulas eram preparadas moendo-se os ingredientes e dando de comer ou os limites das províncias e das propriedades privadas; as barbaras, cultuadas pelos povos germânicos. 17 BETHERCOURT, Francisco, O Imaginário da Magia: Feiticeiras, Adivinhos e Curandeiros, São Paulo, Companhia das Letras, 2004. p. 102. 18 BETHERCOURT, Francisco, 2004. Op. Cit. p. 102. 19 BETHECOURT, Francisco, 2004. Op. Cit. p. 99-108. 2741 beber a pessoa a quem se quisesse bem. Faziam –se formulas mágicas usando os mais variados ingredientes, sêmen, barba de moribundo, cabelos, unhas e peças de roupa. Os ingredientes mais curiosos percebidos nestas receitas mágicas eram a urina e o sangue menstrual, em Portugal as mulheres misturavam o sangue menstrual no vinho ou na comida, mesma coisa acontecia com a urina. “Do sangue menstrual podia-se fazer ainda uma matula com que se ascendesse um candeeiro à noite, passando – o por trás e por diante do amante ao mesmo tempo que se dizia: “assim como o meu sangue arde entre mim e ti assim arda o teu coração por mim”. 20 A disseminação das práticas de magia no Brasil No Brasil essas práticas de feitiçaria amorosa se deram, como já foi dito antes, de uma mistura das várias culturas que miscigenaram o Brasil, neste sentido acreditamos que grande parte das feitiçarias praticadas em Portugal tem os mesmos fundamentos das que foram praticadas no Brasil Colonial. Um exemplo disto é a questão das cartas de tocar, orações e sortilégios. Segundo Gilberto Freyre21 como em Portugal a bruxaria, a feitiçaria no Brasil, depois dominada pelo negro, continuou a girar em torno do motivo amoroso, de interesse de geração e de fecundidade. Vindas de Portugal desabrocharam aqui várias crenças e magias sexuais. No século XVIII na Capitania de Minas Gerais também se usavam cartas de tocar diferentes de outras regiões da Colônia, geralmente na Capitania mineira as cartas eram escritas com palavras “magicas” ou orações e depois eram desenhadas algumas cruzes ou símbolos para conseguir seu amor. Já em Recife as cartas eram constituídas de um papel com um signo salmão, e quem a tocasse se apaixonava, muitas vezes os homens que utilizavam dessa prática usavam com os saquinhos de mandigas. Em Minas, “(...)no taquaral, feitiçaria amorosa e promiscuidade sexual apareciam juntas: Agueda Maria tinha um papel com algumas palavras e cruzes que ela dizia servir para tocar em homens para terem com ela tratos ilícitos”. 22 20 BETHECOURT, Francisco, 2004. Op. Cit. p. 111. FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: Formação da Família brasileira sob o regime de Economia Patriarcal. 2º Tomo; 13ª Edição brasileira, José Olympio, Rio de Janeiro, 1966. 22 SOUZA, Laura de Mello e, 1987, Op. Cit. p. 229. 21 2742 Neste período em Minas Gerais também houve muitos casos de venda de produtos como cartas de tocar, pó mágico para atrair o amor, pedra‟ d Ara, também eram vendidos produtos para vinganças. Neste sentido as punições contidas no livro das Ordenações Filipinas23 toda pessoa, de qualquer qualidade e condição que seja que, de lugar sagrado ou não sagrado, tomar pedra „ d ara ou corporais, ou parte de cada uma destas coisas, ou qualquer coisa sagrada, para fazer com ela alguma feitiçaria, morra morte natural. As orações eram outras formas de feitiços amorosos realizados na Capitania de Minas Gerais, esses feitiços eram realizados em forma de ritual ditando palavras mágicas, o nome de Deus era e entrelaçado com o do demônio, essas práticas são características do período Medieval. Percebemos, como já foi citado acima, que em Portugal também havia essas formas de feitiçaria realizadas como Orações evocando Santo Católicos ou São Cipriano. “Na segunda metade do século XVIII, utilizava-se para fins amorosos a oração de são Cipriano”24. Em algumas formulas mágicas também se envolviam alimentos, plantas, animais e estrelas, sempre evocando os três reis magos se expressando com alguma forma de oração ou conjuro. Em principio essa prática de conjuro era considerada relacionada com Jesus Cristo, porém em outras vertentes Europeias da Idade Média foi relacionada com o demônio. Os sortilégios eram receitas com ingredientes nada comuns, em que as feiticeiras colocavam de um tudo como cabelo, unhas, coros de pele, pelos pubianos, mas também eram utilizados: tabaco, cachimbos, banhos de ervas, defumações das partes intimas, raízes, entre outras técnicas. Em meados do século XVIII na Capitania de Minas Gerais essas práticas foram se misturando com as orações. Havia sortilégios de vários tipos. No inicio do segundo quartel do século XVIII, no Recife, Ana Ferreira orientava a filha noiva para que saísse a noite, em anáguas, os cabelos soltos às costas, e desce três pancadas na porta da Igreja, conseguindo, assim a confirmação de seu casamento. “No princípio do século XVII, nossa já conhecida Maria Barbosa dera um caldo para o marido beber e fizera dormir por três 23 24 ORDENAÇÕES FILIPINAS, 1999, Op. Cit. p. 63 Souza, Laura de Mello e. 1987, Op. Cit. p. 232. 2743 dias e três noites; o episodio tornara-se público em Pernambuco, onde o marido era soldado no Recife”.25 Como vimos no decorrer do artigo havia várias formulas de feitiços amorosos, percebemos que nesse processo há um predomínio de mulheres exercendo essas práticas, mas em uma primeira instância segundo Emanuel de Araújo a uma predominância de pessoas brancas nesses tratos mágicos, contudo em Minas Gerais esse índice se mostra diferente. Também vemos que há uma mistura regional cultural da feitiçaria, havendo uma miscigenação variando de região para região do Brasil Colonial. É interessante observar também que até finais do século XVII o maior número de acusados era de cor, branca, mas daí em diante houve predomínios de pretos e mestiços, registrando – se grande quantidade de casos em Minas Gerias. Temos aqui um aspecto novo, inusitado até, na história da feitiçaria: as formas peculiares não europeias, abrigadas em áreas de colonização europeia, de cultos ou práticas religiosas que dominadores (europeus, evidentemente) rotularam na categoria genéricas de “feitiçaria”, tomando por base seu próprio folclore que se vinculavam a procedimentos característicos de feiticeiras.26 A punição O medo do Estado e da Igreja era visível, essas manifestações das práticas mágicas e da feitiçaria tanto no Brasil como em Portugal, foram semelhantes. Segundo o Arcebispado da Bahia27 proibiam estreitamente todos os súditos usem palavras, cartas de tocar, e de coisas, que afeiçoem e alienem os homens de usas mulheres de seus maridos, a utilização de medicamentos, que tirem o Juízo, ou consumam os corpos. Para Marilda Silva28 a legislação eclesiástica condenava à pena de excomunhão maior dos que praticassem a magia, feitiçaria ou superstições e fortes agouros. Se o individuo fosse plebeu pagaria apenas uma penitência que deveria cumprir publicamente em um domingo ou dia santo. Sendo nobre não pagaria essa penitência, deveria pagar cinquenta cruzados se cometessem esse crime várias 25 SOUZA, Laura de Mello e. 1987, Op. Cit. p. 233. ARAÚJO, Emanuel de. Op. Cit. p. 208. 27 CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA. São Paulo, 1853. 28 SILVA, Marilda Santana da, 2001 Op. Cit. 175 26 2744 vezes poderiam ser degredadas para a África. Os que cometessem os crimes mais graves poderiam ser degredados por dois anos. Percebemos que as Leis se configuram mais rigorosas dos que realmente são, isso se configura em Minas Gerais, apesar de alguns casos os acusados receberam penas rigorosas, mas a maioria foi absolvida. É isso mesmo qualquer pessoa que, em circulo ou fora dele, ou em encruzilhada invocar espíritos diabólicos ou der alguma pessoa a comer ou a beber qualquer coisa para quer bem o mal a outrem, ou outrem, a ele, morra por isso morte natural. Porém, nestes dois casos primeiro que se faça execução, no – lo farão saber, para vermos a qualidade da pessoa e modo em que se tais coisas fizerem, e sobre isso mandarmos o que se deve 29 fazer. Como vimos no decorrer do capítulo houve certamente um mistura das feitiçarias e magias, africanas, portuguesas e indígenas, que construíram as práticas mágicas que conhecemos até hoje no Brasil. Percebemos que a feitiçaria era muito importante tanto para mulheres quanto para homens, se relaxavam de tudo um pouco, como cartas de tocar, saquinhos de mandigas, sortilégios, curandeirismo, entre outras. Referências Bibliográficas ARAÚJO, Emanuel, O teatro dos Vícios: Transgressão e transigência na sociedade urbana colonial – 2 ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1997. ARAÚJO, Emanuel. A Arte da Sedução: Sexualidade feminina na Colônia. p.45 a 78, In História das Mulheres no Brasil/ Mary Del Priore (org); Carla Bassanezi (coord. De texto). – 2ed. – São Paulo: Contexto, 1997. BETHENCORT, Francisco. História das Inquisições. Portugal, Espanha e Itália. Século XV-XIX. São Paulo: CIA das Letras, 2000. BETHERCOURT, Francisco, O Imaginário da Magia: Feiticeiras, Adivinhos e Curandeiros, São Paulo, Companhia das Letras, 2004. DEL PRIORE, Mary, Ao Sul do Corpo: Condição feminina, maternidade e mentalidades no Brasil Colônia/ Mary Del Priore. – 2ed, - Rio de Janeiro: José Olympio, 1995. 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