Interdisciplinar: Revista Eletrônica da UNIVAR
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Interdisciplinar: Revista Eletrônica da UNIVAR http://revista.univar.edu.br Ano de publicação: 2014 N°.:12 Vol.:2 Págs.:20 - 26 ISSN 1984-431X O MENOR INFRATOR DO MUNICÍPIO DE NOVA XAVANTINA/MT: DIAGNÓSTICO PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA Valteir Alves dos Santos1, Ivor Prolo2 e Laura Polyanna Souza Oliveira3 RESUMO: Esta pesquisa tem o intuito de traçar um panorama do menor infrator no município de Nova Xavantina/MT com a finalidade de auxiliar o poder público no planejamento de uma gestão pública eficiente para diminuir e/ou amenizar a problemática causada pelo menor infrator no município. A pesquisa, de caráter qualitativo, utilizou um levantamento de dados oficiais e entrevistas. Como resultados, encontrou projetos na cidade que contribuem com a prevenção dos índices de infração cometidos pelo menor de idade. Embora não exista nenhum centro de ressocialização, cabe ao Estado e ao município promoverem políticas de fortalecimento e reinserção desse jovem no meio social. Palavras-chave: adolescente infrator, ato infracional, ressocialização, política pública. ABSTRACT: ABSTRACT: This research aims to give an overview of the juvenile offender in the city of Nova Xavantina/MT with the purpose of auxiliary the government in the planning of an efficient public management to reduce and/or soften the problems caused by the juvenile offender in the city. The research, qualitative, used a survey of official data and interviews. As a result, it was founded projects in the city that contribute to the prevention of indices of offense committed by the juvenile offender. Although there is no rehabilitation center, accruing to the State and the municipality promote policies of strengthen and reintegration of this young in the social environment. Keywords: juvenile offender, offense act, rehabilitation, public policy. 1 Bacharel em Turismo pela UNEMAT (2012) e em Administração pela UFMT/UAB (2013), pós-graduado em Gestão Pública (2014), trabalha na delegacia de polícia civil de Nova Xavantina. 2 Bacharel em Turismo pela UNEMAT (2006), Mestre em Administração pela FEAD (2014), atuou como professor pesquisador/orientador no curso de Gestão Pública oferecida pela UFMT, modalidade UAB e, atualmente trabalha como profissional técnico da educação superior na Universidade do Estado de Mato Grosso (e-mail: [email protected]). 3 Licenciada em Ciências Biológicas pela UNEMAT (2010), pós-graduada em Gestão Pública pela UFMT/UAB (2012), trabalha como professora na rede estadual de educação (e-mail: [email protected]). 1. INTRODUÇÃO A criminalidade vem crescendo a cada dia e passou a fazer parte do cotidiano brasileiro. Não são poucas as notícias e imagens que chegam expondo o sério problema da violência (ABREU; LOURENÇO, 2010). As causas da violência estão associadas, em parte, aos problemas sociais como a miséria, a fome e o desemprego, no entanto, vale ressaltar que nem todos os tipos de criminalidade derivam das condições econômicas. Adorno (apud OLIVEIRA, 2010, p. 16) faz um interessante questionamento acerca de tema: “como não falar em violência se sequer os direitos sociais fundamentais — o direito ao trabalho, à educação, à saúde, ou seja, aqueles direitos que recobrem a dignidade da pessoa humana não estão universalizados, isto é, assegurados para todos os cidadãos”. Um Estado ineficiente e sem programas de políticas públicas na área de segurança contribui para aumentar a sensação de injustiça e impunidade, que é, talvez, a principal causa da violência. Crianças e adolescentes, com o consumo de drogas, ficam expostas e vulneráveis a prática de outros crimes, os mais comuns praticados para sustentar o vício são os crimes de furto, roubo e tráfico. Na verdade é a droga que leva o adolescente a enveredar pelo caminho do ato infracional. Nesse intuito, o objetivo desse artigo é traçar um panorama do menor infrator do município de Nova Xavantina/MT de maneira que o poder público possa ter um diagnóstico desta situação para poder planejar uma gestão pública preventiva para diminuir e/ou amenizar a problemática causada pelo menor infrator no município. O propósito desta pesquisa vem ao encontro do aumento de autos de investigação de atos infracionais registrados e instaurados no município de Nova Xavantina, também pelo fato, de cada vez mais cedo o adolescente ingressar no mundo do crime. A finalidade é chamar a atenção das autoridades constituídas no município para a importância de se trabalhar com políticas públicas de prevenção e de se criar programas voltados para o adolescente e para as famílias menos favorecidas economicamente, além de ampliar as reflexões sobre essa temática, necessidade relatada por Silva (2009). 2. A CRIMINALIDADE NO PAÍS ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E O DO No Brasil, a violência é um dos fenômenos que mais tem preocupado a população nas últimas décadas. Esse crescimento gerou estudos em diversas áreas das Ciências Sociais, com a maior parte dos recursos alocados na área de segurança pública voltados, principalmente, para o bem-estar e à ressocialização do menor infrator (ANDRADE e PEIXOTO, 2007; BITU, 2008). Carvalho (2013) apresenta a evolução da taxa de mortalidade por armas de fogo no país, os dados são assustadores e dão conta de que 36.792 pessoas foram assassinadas a tiros em 2010, com a maior incidência entre a população jovem, de 15 a 29 anos. Segundo o autor, o Brasil mantém uma taxa de 20,4 homicídios por 100 mil habitantes, a oitava pior marca entre 100 nações com estatísticas consideradas relativamente confiáveis sobre o assunto. Segundo Petraglia (2014), uma pesquisa divulgada pela ONG (organização não governamental) Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal, do México, aponta Cuiabá como a 29ª entre as 50 mais violentas do mundo, o estudo utilizou taxas de homicídio do ano de 2013. A capital mato-grossense já figurava entre as mais violentas do mundo no ranking de 2012, porém, na 31ª posição. Campanhas foram deflagradas com o intuito de reduzir esses indicadores, a prioridade da segurança pública declarada por governadores e iniciativas do governo federal, como a campanha do desarmamento não foi suficiente para forçar a queda e amenizar os índices de violência na primeira década do século XXI (CARVALHO, 2013), como uma maneira de diminuir o efeito negativo de insegurança e vazio inerente à ação perpetrada da criminalidade a quem está envolvido direta ou indiretamente (OLIVEIRA, 2013). De acordo com Chalita (2004), o laço familiar é essencial para que a criança ganhe confiança e se sinta amparada para esses novos desafios. Afirma ainda que a simples e direta cumplicidade entre pais e filhos é de suma importância para estreitar o relacionamento entre eles para que o filho cresça num ambiente onde possa enxergar nos pais o seu porto seguro, uma vez que os valores éticos e morais devem se repassados de geração a geração, no seio familiar e não através de estranhos ou círculo de amigos. Assis (1999) acrescenta nesta discussão que fatores como a roda de amigos, consumo de drogas, determinados tipos de lazer, valores do que é certo e errado, vínculo afetivo familiar, o número e a posição entre irmãos, a escola, a dor e a aflição devido à violência sofrida pelos pais podem contribuir para o ingresso no mundo do crime. A autora enfatiza que esses fatores podem contribuir ou estar associados à prática ou reincidência de crimes praticados por menores infratores, ainda, que eles possam determinar a identidade futura desse adolescente. A negligência e a privação familiar podem ser fatores responsáveis pelo cometimento de delitos (WINNICOTT, 1994) e o caminho da delinquência juvenil também pode estar relacionado à falta de inclusão, principalmente, no convívio próximo o qual está inserido esse adolescente, a começar pelo seio familiar e escolar (VILAR, 2004). Chalita (2004, p. 21) complementa que “a preparação para a vida, a formação da pessoa, a construção do ser são responsabilidades da família”. Camargo (2013) amplia esta reflexão quando afirma que a violência está relacionada com a desigualdade social. Para o autor, os problemas sociais acabam de certa forma, corroborando para o aumento da violência, contudo, é o Estado quem tem por obrigação amparar e oferecer ao cidadão políticas públicas eficientes, bem como proporcionar a ele oportunidades de viver dignamente. As palavras de Ferreira (2010) vão ao encontro do exposto por Camargo (2013), para eles, a falta de oportunidades e a injustiça social acabam contribuindo, em parte, para o ingresso do jovem na criminalidade, principalmente, aqueles oriundos de famílias menos favorecidas. Porém, Ferreira acrescenta que a sensação de impunidade também leva a prática ou reincidência de crimes, sobretudo, na adolescência quando aqueles que vivem na margem da Lei por não terem oportunidades de emprego, lazer e acesso à escola. Santos (2012) complementa que o crime e a violência, em sua maioria, são praticados por pessoas oriundas das classes sociais mais baixas, considerados como “marginalizados”. Como uma forma de proteger os direitos da criança e do adolescente foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº 8069/90 (BRASIL, 1990). O principal objetivo é a proteção dos menores de 18 anos, proporcionando lhes desenvolvimento físico, mental, moral e social condizentes com os princípios constitucionais, preparando-os para a vida adulta em sociedade. No entanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente também rege sobre atos praticados pelo menor de idade, o qual utiliza a terminologia “ato infracional” para atribuir o fato praticado por menores infratores, mesmo que se enquadre como crime ou contravenção na esfera penal. Não se atribui uma pena aos atos infracionais praticados por jovens menores de dezoito anos, mas são aplicadas medidas socioeducativas (GOIS, 2005). Entende-se por ato infracional, de acordo com o artigo 103 do ECA “a conduta descrita como crime ou contravenção penal” (BRASIL, 1990), portanto, o ato infracional é o ato condenável, de desrespeito às Leis, à ordem pública, aos direitos dos cidadãos ou ao patrimônio, cometido por crianças ou adolescentes (AQUINO, 2012). Para conceituar atos de impunidade do menor infrator a que se distinguir criança de adolescente para melhor entender as medidas 21 socioeducativas aplicadas a cada um deles. De acordo com Ishida (2008, p. 2), a “criança a pessoa com até doze anos de idade incompletos e adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade”. Bandeira (2010) acrescenta que não se pode aplicar à criança qualquer medida socioeducativa porque — devido à sua condição particular ainda estar em formação — não tem aptidão suficiente para entender o caráter ilícito do ato infracional. Nesse contexto, a criança e o adolescente são enxergados como pessoas em desenvolvimento (SILVA, 2009). O artigo 3º do ECA reforça que devem ser dados à criança e ao adolescente todos os privilégios para que eles tenham garantidos os seus direitos constitucionais, bem como oportunidades de se desenvolver como pessoas: tanto no seio familiar quanto no meio social. Ou seja, deve-se enxergar tanto a criança quanto o adolescente como sujeitos de direitos. O estatuto reforça no seu Art. 70 (BRASIL, 1990), “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”. Quanto à mitologia da irresponsabilidade, essa está relacionada à ideia de que crianças e adolescentes não seriam realmente punidos, já que a legislação é extremamente branda no tratamento desses procedimentos. Porém, deve-se lembrar que inimputabilidade penal é diferente de impunidade (VOLPI, 2001). Silva (1999) discorre sobre a necessidade de conceituar impunidade para não se confundir com inimputabilidade, o primeiro refere-se a não punição e o segundo é quando não há culpa. Portanto, grande parte da sociedade brasileira considera o ECA excessivamente paternalista em relação aos atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes, uma vez que os atos infracionais estão ficando cada vez mais violentos. Muitos consideram que o estatuto (ECA) — que protege e educa a criança e o adolescente—, na prática, deixa-os sem nenhum tipo de punição ou mesmo ressocialização e, em alguns casos, eles são usados por grupos de criminosos para livrar-se de responsabilidades criminais fazendo com que adolescentes assumam a culpa, em face de serem inimputáveis perante a lei. 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Essa pesquisa foi realizada no município de Nova Xavantina, Estado de Mato Grosso, onde a população é de aproximadamente 19.643 habitantes, segundo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010). A cidade fica localizada a 635 quilômetros da capital Cuiabá. Para atingir os objetivos propostos, foi realizada uma pesquisa de caráter qualitativo, que se configurou como exploratória, bibliográfica e de campo, com base em Dencker (1998). Para a autora, a abordagem qualitativa oferece alternativas para que o pesquisador possa, através da pesquisa de campo, complementar o seu embasamento teórico. Houve dois momentos na sua realização: o primeiro, baseado na pesquisa bibliográfica, conforme orientações de Vergara (2007), e o segundo na pesquisa de campo com levantamento de dados estatísticos, tendo referência o ano de 2013 e a aplicação da técnica de entrevista, com perguntas semiabertas, elaborada conforme orientações de Vergara (2009). As entrevistas foram realizadas com integrantes do Conselho Tutelar, Vara da Infância e Juventude – Promotoria e Delegacia de Polícia. Ao total, foram onze (11) entrevistados. Os dados coletados foram interpretados a partir do método de análise de conteúdo. Bardin (2009) discorre que o este método é fundamental para que o pesquisador possa buscar a campo os dados complementares para o andamento da pesquisa. Moraes (1999) complementa que o método de análise de conteúdo constitui uma metodologia usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos, bem como compreende procedimentos especiais para o processamento de dados científicos. 4. O PERFIL DO MENOR INFRATOR EM NOVA XAVANTINA Para entender a realidade do menor infrator no município de Nova Xavantina, procurou-se traçar um perfil deste menor, considerando os dados coletados na delegacia municipal referente ao ano de 2013. Destaca-se que no ano referência foram instaurados 95 procedimentos (pessoas diferentes), embora tenham registrados somente 76 autos infracionais distintos. Tal diferença ocorre devido ao número de autos de investigação de atos infracionais instaurados com relação ao número de participantes, em face de que, em alguns casos, havia mais de um adolescente infrator por procedimento instaurado. Na Tabela 1, pode ser visualizado o perfil do menor infrator no município de Nova Xavantina. A idade média dos menores de idades é de 15,8 anos e a categoria 16 < 18 aparece como a idade mais recorrente (73%). Quanto à variável sexo, 18% são do sexo feminino e 82% do sexo masculino. É notória a predominância de adolescentes infratores do sexo masculino. Percebe-se que os menores do sexo masculino estão mais propensos à prática de crimes. De acordo com Volpi (apud COLPANI, 2003), a permanência mais prolongada das meninas no lar tem sido apontada como um dos fatores responsáveis pela sua maior frequência à escola, pela menor presença delas nas ruas e pelo seu menor envolvimento em atos infracionais. Quanto à tipificação do ato infracional, a categorização/qualificação em ato grave, não grave e outros, a última tem menor potencial ofensivo. Esta classificação foi baseada nas informações coletadas junto ao “Relatório de Pesquisa – Perfil do Adolescente Infrator”, realizada no Distrito Federal por Araújo (2011), entre os meses de março e dezembro/2010. Os dados obtidos no tocante à qualificação do Ato Infracional no município de Nova Xavantina, pode-se observar que 32% dos adolescentes praticaram atos graves, 45% os atos não graves e 21% praticaram 22 outros procedimentos tipificados como de natureza menos relevante. Ao analisar os dados, percebe que o procedimento com o maior índice de frequência foi o de furto qualificado, categorizado como ato grave, aquele cometido com destruição ou quebra de obstáculo, com abuso de confiança ou mediante fraude, escalada ou destreza, com emprego de chave falsa ou mediante concurso de duas ou mais pessoas (SILVA, 2002). E, ao comparar os dados coletados no município de Nova Xavantina com os dados da pesquisa no Distrito Federal (ARAÚJO, 2011), percebe-se que, enquanto em Nova Xavantina ocorreu uma maior predominância na prática de atos não graves (45%), no Distrito Federal o maior índice de atuação se deu em razão da tipificação de procedimentos de natureza grave (53%), com maior incidência para o delito de natureza roubo. O fato de o Distrito Federal apresentar uma maior incidência para delitos de natureza grave pode estar relacionado ao maior número de habitantes, mais de 2,7 milhões. Benedetti (2013) acrescenta que, enquanto o menor não consegue a consumação de uma infração de natureza grave, não será ele internado, em face de os representantes dos Ministérios Públicos não estarem conseguindo vagas nos centros de internação, os quais estão cada vez mais superlotados, em virtude do aumento no índice de adolescentes na prática e reincidência de delitos. Tabela 1: Perfil do menor infrator no município de Nova Xavantina em 2013 Categoria Número Porcentagem de (%) respostas Idade 12 < 14 08 8 14 < 16 18 19 16 < 18 69 73 Sexo Masculino 78 82 Feminino 17 18 Tipificação do ato infracional cometido Roubo 01 Tráfico de 04 drogas Associação 04 Graves 32 para o tráfico Furto 12 qualificado Estupro 03 Furto 06 Lesão 08 corporal Uso ilícito de 09 drogas Não Receptação 04 45 Graves Vias de fato 04 Dano 02 Ameaça 01 Falso 01 testemunho Difamação 01 Perturbação 01 da Outros 21 tranquilidade Outros 15 Fonte: Dados da Delegacia Municipal de Nova Xavantina / Elaborada pelos autores (2014) 5. O MENOR INFRATOR VISTO ÓRGÃOS DE NOVA XAVANTINA PELOS Essa parte do artigo é resultado das entrevistas realizadas com as pessoas ligadas diretamente aos Conselhos Tutelares, Vara da infância e Juventude Fórum e a Delegacia de Polícia Civil, tendo como critério adotado entrevistar estes servidores que trabalham diretamente no atendimento de casos do menor infrator. Ao levar em consideração o questionamento sobre o que leva o menor de idade à prática de atos infracionais, a maioria dos entrevistados foi enfática em afirmar que a desestrutura familiar é um dos principais agravantes e a conseguinte falta de afeto e amor por parte dos pais. Isso pode ser enfatizado pelo relato de um dos entrevistados que diz que: “Iniciamos a investigação do histórico de um menor infrator e ficou visível a falta de estrutura familiar, pois, é ali no berço que ele vai definir seus valores e caráter”. Ao questionar os pesquisados se o uso de substâncias psicoativas, como droga e álcool estimula a prática de atos infracionais, todos afirmaram que sim. Segundo eles, estas substâncias acabam encorajando o menor à prática de crimes e, com o passar do tempo, eles continuam a praticar essas infrações para sustentar o vício e até vender os objetos da própria casa. Um dos entrevistados alerta que, além do menor se sentir encorajado com o uso de drogas para a prática de crimes, ele acaba se valendo dessa substância para a prática de outros delitos, os mais comuns, aqueles contra o patrimônio. As drogas podem ser consideradas uma das mais importantes e polêmicas causas de delinquência entre menores, depois de se tornar um dependente, ele depara com a necessidade de manter o vício e, para isto, torna-se capaz de cometer as piores atrocidades contra a vida humana (SANTANA, 2006). O terceiro questionamento procurou saber dos entrevistados se a adoção de políticas preventivas, centradas na promoção da educação, do trabalho, do esporte e do lazer seria capaz de diminuir o risco da prática de atos infracionais. Todos os entrevistados foram categóricos em afirmar que sim. De acordo com eles, é através da educação, cultura e lazer que se cria um cidadão mais consciente, menos corruptível, ainda que o investimento em políticas de prevenção com certeza diminuiria a prática de atos infracionais. Bombardi (apud SEQUEIRA, 2012, p. 21) ressalta que “a sociedade marginaliza os jovens em situação de vulnerabilidade social, oferecendo uma pseudo-educação juntamente com poucos espaços de cultura e desenvolvimento”. A autora esclarece o 23 quanto é necessário e importante trabalhar políticas públicas que realmente atendam as famílias mais carentes, especialmente aos jovens — oferecendo escolas de qualidade e dando a eles oportunidades de crescer, tanto dignamente quanto financeiramente. Já Abramovay (2003, p. 38) faz menção a esse questionamento: para ela “a carência de atividades de diversão na comunidade é explorada pelo tráfico que, em muitos lugares, marca presença ocupando um espaço aberto deixado pelo poder público, constituindo-se em referência para os jovens”. Nas palavras da autora, quando o Estado deixa de atuar na adoção de políticas públicas abre espaço para que outras atividades sejam inseridas na comunidade, estas acabam por levar os jovens a trilhar outros caminhos, muitas das vezes sem volta. O entrevistado da delegacia civil enfatiza que há necessidade da implantação dessas políticas públicas no cotidiano do menor de idade, em face dele ser uma pessoa vulnerável e estar em busca constante pelo novo, segundo ele: “a falta de atividade, ou seja, a ociosidade do adolescente, que por natureza é inquieto, aumenta sua eventual tendência à prática de atos infracionais”. De acordo com outro entrevistado, para que de fato a ressocialização aconteça, o primeiro passo seria trabalhar com a família do menor infrator, pois, ela é a primeira a rejeitá-lo. A base é a família. A escola e a comunidade são importantes para continuação na formação do caráter da criança, enfatiza um entrevistado. Outro entrevistado diz que se o jovem se sentir excluído da família e sociedade com certeza voltará a delinquir porque não encontrará alternativa. É na família e na escola que o menor aprende a ser cidadão, ou seja, as regras de boa convivência. Arpini (apud OLIVEIRA, 2010, p. 21) colabora ao afirmar que “é importante que os adolescentes estejam inseridos no universo de instituições formais como a escola, o trabalho e a família”. De acordo com o exposto pelo autor, se o indivíduo deixa de ser assistido por programas sociais e não recebe o apoio da família pode ser atraído por atividades onde se predomina valores negativos, como a marginalidade. Há um entrevistado que critica que os adolescentes infratores não recebem o tratamento adequado nas instituições em que permanecem segregados e que cabe a família, assim como a sociedade, proporcionar todo o apoio necessário para que ele não volte a delinquir. Assim, há que se pensar em políticas públicas voltadas para programas educacionais e profissionalizantes, além de criar condições para que estes programas possam atuar na formação do caráter e moral desse menor. Sequeira (2012, p. 90) enfatiza que “as medidas socioeducativas mais interessantes são aquelas que oferecem ao jovem a possibilidade de desenvolvimento pessoal, rompem com a ideia de punição vinculada ao preconceito, vingança ou castigo e se embasam no caráter educativo e social”. Para a autora, o processo de ressocialização tem que ser capaz de desenvolver a cidadania do adolescente, muitas das vezes esquecida pela condição de vida marcada pela exclusão social. Por último, foi questionado se os entrevistados conhecem algum programa no município de Nova Xavantina que pode estar contribuindo para diminuição dos índices de menores infratores. Todos elencaram os programas e/ou locais que desenvolvem atividades voltadas para esses menores: o Centro de Formação e Espiritualidade Missionária - CEFEM; a Secretaria de Esportes do Município de Nova Xavantina; Projeto Mais Educação, desenvolvido pela Escola Arlindo Estilac Leal e o Projeto Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo, antigo Prójovem, o qual vem sendo desenvolvido em parceria com o Projeto AABB Comunidade. Percebe-se que durante a pesquisa nenhum dos entrevistados se atentou para o fato de não existir no município um centro de apoio que trabalhe diretamente com a ressocialização do menor infrator. O gestor público precisa se conscientizar da necessidade de, em parceria com outras cidades, buscar mecanismos para a implantação de um centro que possa atuar na ressocialização desse menor, com cursos e oficinas profissionalizantes, criação do primeiro emprego, em fim, desenvolver alternativas para que as famílias mais carentes possam ter a oportunidade de dar uma boa educação aos seus filhos. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante o exposto, reporta-se que a criminalidade se tornou um dos principais problemas para a sociedade, um tema polêmico e complexo, não deve ser analisado isoladamente, sendo necessário integrá-lo num contexto social, cultural, político e econômico. Diversos são os fatores que contribuem para o amadurecimento do adolescente e na formação de sua identidade: escola, família, amigos e comunidade e fatores biológicos, psicológicos e emocionais. A adolescência é um período de intensas atividades e transformações na vida mental e corporal do indivíduo. Estas diversas manifestações de comportamento pode contribuir para que esse adolescente venha a se tornar um menor infrator. No decorrer da pesquisa ficou claro que a desestruturação familiar é um dos principais agravantes que leva o adolescente a se tornar um infrator. Como estão vulneráveis, essas crianças e adolescentes estão mais expostas aos malefícios da sociedade que, ao ser confrontados com desafios e responsabilidades que a vida os traz, alguns preferem optar pelo caminho que lhe parece mais fácil: a delinqüência. A visão do ECA não é somente de uma justiça que tem por finalidade o restabelecimento da ordem violada pelo delito, mas sim a premissa de que a prevenção é mais eficiente do que a punição, pois o estatuto visa a socialização do adolescente infrator — buscando a participação do jovem e da sua família no processo socioeducativo. Durante a pesquisa observouse a questão da infância e juventude como sendo uma questão de política pública e não somente de segurança 24 pública. O estado deve promover e adotar programas que deem respostas sociais justas e adequadas à pratica de atos infracionais. É preciso enxergar o ato infracional como uma causa oriunda de um processo de exclusão, como: a falta de acesso à escola, a falta de oportunidade de lazer e de uma opção de vida, a ausência do convívio familiar e de uma relação positiva com a sociedade ao qual o menor está inserido. Através de suas autoridades constituídas, o Estado precisa promover, desenvolver e aprimorar políticas públicas voltadas para o atendimento do adolescente em conflito com a lei, que tenha como propósito a sua inclusão em uma política mais ampla e que, de fato, provoque a reinserção desse jovem no meio social, resgatando-o das condições adversas a que está imposto. Portanto, além de desenvolver programas específicos voltados para o adolescente infrator, é preciso se atentar para a necessidade de se criar alternativas para que a família do adolescente, principalmente aquelas mais carentes, tenha a oportunidade de propiciar uma educação de qualidade para os seus filhos. O Estado precisa dar condições para que a família realmente atue como um agente socializador, com programas voltados para o bem-estar e ressocialização do menor infrator. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, M. Escola e violência. Brasília: UNESCO/UCB, 2003. ABREU, J. M. de; LOURENÇO, L. C. Mídia, violência e segurança pública: Novos aspectos da violência e da criminalidade no Brasil. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 74, mar. 2010. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/index.php?artigo_id=7319&n_link =revista_artigos_leitura>. Acesso em: 23 fev. 2014. ANDRADE, M. V.; PEIXOTO, B. T. 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