Gerson Fischmann fala sobre o impacto do Novo Código de

Transcrição

Gerson Fischmann fala sobre o impacto do Novo Código de
Edição 07 - Terceiro trimestre de 2015
BOLETIM DE INFORMAÇÕES E
TENDÊNCIAS DA CESAR PERES
ADVOCACIA EMPRESARIAL
EXCLUSIVO:
Gerson Fischmann fala sobre o
impacto do Novo Código de Processo
Civil para empresas e advogados
‘‘Os advogados que quiserem
tirar melhor proveito das
inovações legais devem
buscar uma estrutura que
lhes capacite conciliações e
mediações e, principalmente,
que compreenda bem a nova
lei.”
O
desafio proposto pelo Novo Código de Processo Civil
não assusta o advogado, professor e escritor Gerson
Fischmann, que usa exemplos para demonstrar
que a nova realidade também contribui com
avanços para o modelo jurídico brasileiro. A nova
legislação autoriza, por exemplo, o juiz a requisitar o auxílio de
conciliadores e mediadores judiciais. ‘‘As audiências de busca de
conciliação serão a regra, e só não ocorrerão se ambas as partes
expressamente não concordarem. É uma tentativa de desafogar
o Judiciário’’, esclarece.
LEIA A ENTREVISTA NA PÁGINA 3
LEIA TAMBÉM
NESTA EDIÇÃO:
O Novo CPC vai
revolucionar as
relações com a Justiça
e com as empresas
Pág. 2
Pepsico pode usar a
marca Chester em
seus salgadinhos
Pág. 5
Multa tem que
ser proporcional
ao tamanho do
estabelecimento
infrator
Pág. 7
Pág. 2
Index Boletim - Terceiro trimestre de 2015
Pág. 3
Index Boletim - Terceiro trimestre de 2015
EDITORIAL
ENTREVISTA
O Novo CPC vai revolucionar as relações com a Justiça e
com as empresas
O mundo empresarial precisa
se cercar de profissionais que
conheçam a fundo os novos ritos
O
s operadores do Direito, de modo paciente e resiliente, ‘‘queimam pestanas’’ para assimilar a letra e o espírito
da Lei 13.105, sancionada pela Presidência da República no último dia 16 de março.
A legislação, conhecida como ‘‘Novo Código
de Processo Civil’’, passa a vigorar em março de
2016 e irá causar uma pequena revolução na
maneira de pensar e exercer o Direito, visto que
impactará a máquina judicial pública, os advogados e as partes, indistintamente. Os objetivos
do legislador não poderiam ser mais nobres:
do lado estatal, desafogar e azeitar a infraestrutura, já cambaleante de tanto processo; do
lado das partes, incentivar, até a ultima ratio, os
acordos e autocomposições nos litígios; e, para
os advogados, fornecer as ferramentas que irão,
efetivamente, acelerar a prestação dos serviços
jurídicos. Aliás, o fulcro é este: destravar, acelerar, resolver rapidamente as pendências.
O Novo CPC, entretanto, é mais do que uma
lei ordinária, com interesse num ou noutro agente social, ou compilamento das ‘‘regras do jogo’’.
Fora da ‘‘arena judicial’’, ele vai mexer com a
própria estratégia das empresas, pois todos os
seus dispositivos contêm incentivos/desincentivos
que levarão a uma reengenharia de condutas. E
todas têm custo. Procrastinar dívidas líquidas e
certas? Falsear com a verdade? Esconder bens?
Nem pensar, pois pode sair mais caro.
Por isso, é com grande satisfação que o Index
traz como Entrevistado Especial o consultor jurídico de Cesar Peres Advocacia Empresarial, advogado Gerson Fischmann. Professor, escritor e
um dos maiores conhecedores do Processo Civil no Estado, Fischmann aceitou dar ‘‘uma palinha’’ sobre a mudança dos novos ritos processuais na vida das empresas. Vale conferir.
Além das matérias sobre decisões nos tribunais, esta edição foi encorpada com conteúdo
produzido pela ‘‘prata da casa’’. O advogado
Rogério Lopes Soares, sócio de CPAE, adverte que o instituto da Recuperação Judicial não
pode ser transformado num simples instrumento
de alívio da pressão dos credores. Bem-condu-
zida, é excelente oportunidade para a correção
dos rumos da gestão, da operação, da regularidade fiscal e contábil de muitas empresas em dificuldades. Mas há de se cuidar o timming.
Em outro artigo, a advogada Michelle Nichterwitz Torino comenta a decisão do Superior Tribunal de Justiça que desobriga uma das partes a
ajuizar ação de cunho condenatório para cobrar
débito discutido via demanda declaratória. Agora, as ‘‘sentenças que, mesmo não qualificadas
como condenatórias, ao declararem um direito,
atestem de forma exauriente a existência de obrigação certa, líquida e exigível, serão dotadas de
força executiva’’.
Finalmente, advogada Alice Romero aborda a
natureza jurídica do cargo de confiança nas organizações, alertando sobre os riscos de condenação do empregador na Justiça do Trabalho.
Boa Leitura!
César Peres - Manager
NOTAS
Cuidado:
sua empresa
pode virar
um Big
Brother
O Ministério Público do Trabalho
(MPT) acaba de lançar um
aplicativo de celular para captar
flagrantes de irregularidades
dentro das empresas. A novidade
chama-se ‘‘MPT Pardal’’, e em
breve estará integrada com
órgãos policiais, Ministério do
Trabalho e Emprego e outros
agentes que fiscalizam esta área.
O envio da denúncia virtual a
uma das 125 unidades do MPT
espalhadas pelo País, via celular,
garante o sigilo do denunciante
e a automática autuação do
processo eletrônico de investigação. O primeiro parceiro da
instituição é a Polícia Rodoviária
Federal (PRF), que vem utilizando
a tecnologia em caráter experimental. O objetivo é robustecer
provas de flagrantes lavrados na
rotina dos policiais, quando se
deparam com casos de exploração sexual de menores, trabalho
escravo e transporte irregular de
trabalhadores.
STF garante
ao contribuinte
acesso aos
próprios dados
na Receita
O Supremo Tribunal Federal
decidiu, na sessão de 17 de
junho, que qualquer contribuinte pode entrar com ação na
Justiça para ter acesso aos seus
próprios dados. A empresa que
levou o caso à corte, de Santa
Catarina, ajuizou o Habeas Data
para ter acesso a informações
a seu respeito junto ao Sistema
de Conta Corrente de Pessoa
Jurídica (Siconr). No tribunal de
origem, o pedido foi negado
sob o entendimento de que o
Siconr é um ‘‘cadastro de uso
privativo’’ do Fisco, ‘‘o que retira
o enquadramento do direito
invocado ao Habeas Data’’. O
relator, ministro Luiz Fux, disse
que os sistemas de apoio à arrecadação usados pelas fazendas
públicas não estão envolvidos
pelo sigilo fiscal. Em memorial,
a OAB afirmou que a Receita
disponibiliza apenas informações
sobre débitos tributários, mas
não de eventuais créditos ou pagamentos feitos que não estejam
alocados a débitos.
Liminares barram
aumento de
PIS e Confins
sobre receitas
financeiras
Pelo menos três liminares já liberaram as empresas de cumprir o
Decreto 8.426, que restabeleceu
– a partir de 1º de julho – as
alíquotas de 0,65% do PIS/Pasep
e de 4% da Cofins incidentes
sobre as receitas financeiras das
empresas sujeitas ao regime de
apuração de tributos não cumulativa. As decisões dizem que o
Poder Executivo não poderia ter
aplicado a mudança por meio
de decreto. Num dos casos, o
juiz João Augusto Araújo, da
12ª Vara Federal do Rio de
Janeiro, afirmou que a conduta
do Governo Federal “não possui
previsão no texto constitucional”.
Para ele, o “respeito ao princípio
da legalidade tributária exige
que todos os aspectos essenciais
ao surgimento da obrigação
tributária estejam devidamente
previstos em lei”. Ele concedeu
a liminar para evitar que as empresas das Light fiquem sujeitas
ao solve e repete (‘‘pague e
depois reclame’’).
Empresa pode
contestar a
desconsideração
da personalidade
jurídica
A pessoa jurídica tem legitimidade para impugnar a desconsideração de sua personalidade
jurídica. A decisão, tomada em
maio, é da 4ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça, alinhando-se
à posição já adotada pela 3ª
Turma. A desconsideração é um
instrumento útil para evitar que
os sócios usem a pessoa jurídica
para cometer fraudes contra
credores. Assim, as obrigações
da empresa recaem sobre o
patrimônio de seus donos. Até
então, a 4ª Turma não reconhecia o interesse da pessoa jurídica
em contestar decisão que atinge
seus sócios, porque o patrimônio
da sociedade estaria preservado.
Contudo, numa reavaliação do
instituto, os ministros ponderaram que a desconsideração
da personalidade jurídica é
autorizada quando a empresa
se distancia de sua finalidade
original, de forma fraudulenta, e
isso afeta seu patrimônio moral.
EXPEDIENTE
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Advogado, professor e escritor Gerson Fischmann é consultor jurídico da Cesar Peres Advocacia Empresarial
e um dos maiores especialistas no Código de Processo Civil. Além de pós-graduado na matéria, Fischmann
é professor licenciado da Unisinos e da PUC, professor convidado na Escola Superior da Magistratura
(Associação dos Juízes gaúchos) e da Escola Superior da OAB – onde também coordena o Grupo de Trabalho
(GT) sobre ‘‘Reforma do Poder Judiciário’’. É autor das obras ‘‘Tutela de Urgência e Cautelares’’, de 2010,
pela Saraiva; e ‘‘Comentários ao Código de Processo Civil’’, de 2000, pela Revista dos Tribunais, além de ter
contribuído em obras de outros especialistas, em palestras e artigos. Na foto acima, Gerson (E) aparece em
companhia de Rogério Lopes Soares, advogado e sócio da Cesar Peres Advocacia Empresarial.
O novo Código terá rito processual
mais flexível? Como funcionará isso na
prática?
GERSON FISCHMANN – Sim. Há a possibilidade de que as partes, em conjunto
com o juiz, estabeleçam um procedimento
diverso do que em princípio está previsto
na lei, de modo a tornar o processo mais
racional. Por exemplo: se em determinada
causa se sabe que o ponto controvertido
é só um, desde logo se estabelece que a
prova será só documental e só sobre aquele fato. Isso pode dispensar audiência, ra-
zões finais e reduzir o tempo de tramitação. Há previsão no Novo CPC, inclusive,
de depoimentos via internet, sem que a
pessoa tenha de sair de sua casa ou de
sua empresa.
tecnologias, pois o Novo CPC incentiva
o uso do processo eletrônico. Creio que,
com a implantação gradual deste, os custos do processo se reduzirão ao longo do
tempo.
Litigar na Justiça vai ficar mais
caro? Para quem?
Por outro lado, a redução do tempo processual, como promete o novo
código, vai redesenhar as estratégias
dos advogados.
GERSON FISCHMANN – Não necessariamente. Os custos do processo não se
alteram. Claro que os advogados e os tribunais já estão investindo em processos
informatizados, em estruturas com novas
GERSON FISCHMANN – Um dos principais vetores do Novo CPC é, sem dúvida, a redução do tempo do processo, dos
Index Boletim - Terceiro trimestre de 2015
ENTREVISTA
chamados “tempos mortos”. É o caso de
petições que, por força do volume de processos e da burocracia, demoram meses
até chegar à mesa do juiz. Essa redução
de tempo passa pela racionalização no
uso da forma e do processo eletrônico.
Os advogados que quiserem tirar melhor
proveito das inovações devem buscar
uma estrutura que lhes capacite conciliações e mediações e, principalmente, que
compreenda bem a nova lei. Dominando
este conhecimento, poderão racionalizar
e agilizar os procedimentos judiciais.
Como vai ser tratada a desconsideração da personalidade jurídica
– para estender a responsabilidade
aos bens dos sócios – na execução trabalhista?
GERSON FISCHMANN – O Novo CPC
criou um procedimento específico para
que o juiz possa se valer do instituto da
desconsideração da pessoa jurídica. O
juiz poderá determinar a apreensão de
bens que estejam na pessoa jurídica por
dívida do sócio, e vice-versa. Mas, para
isso, terá primeiro de ouvir o sócio ou a
pessoa jurídica cujos bens se quer alcançar, como prevê o artigo 135 do Código.
Isso deverá ser aplicado na execução trabalhista por força da incidência subsidiária do CPC à Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT).
O devedor que esconder bens ou
não colaborar com o bom andamento
do processo será penalizado de forma
mais pesada?
GERSON FISCHMANN – Essa regra já
existe hoje. No Novo CPC, ela aparece
nos artigos 77 e 78, sendo a mais incisiva a que está nos parágrafos 1º ao 5º
dispondo que o não-cumprimento das
determinações judiciais ou criação de
embaraços para a efetivação e execução
das decisões constituirá ato atentatório
ao exercício da jurisdição. Prevê punições
que podem ir até 20% do valor da causa,
conforme a gravidade.
Hoje, o advogado da parte que cobra o crédito tem de indicar bens do
devedor. Se achou bens, vai à penhora; se não, o processo é arquivado.
Parece que isso mudará radicalmente, certo?
GERSON FISCHMANN – A maior mudança é a possibilidade de ser fixada multa para cobrança de dinheiro (artigos 139,
537); são os chamados meios coercitivos
para cumprimento de obrigação. O Novo
CPC também estabelece que, se o credor
não encontrar bens, o juiz deverá auxiliar
na busca, oficiando órgãos públicos (Detrans, operadoras de telefonia, Tribunais
Eleitorais, Receita etc.), a fim de obter as
informações necessárias. Esse é outro vetor
do Novo Código que implica a tentativa,
sempre que possível, de evitar a extinção
do processo sem uma satisfação à parte.
Aliás, falando em penhora, o que
será privilegiado pelos juízes daqui
pra frente: penhora em dinheiro, on
line (BacenJud), de faturamento ou de
cotas?
GERSON FISCHMANN – Prioritariamente, penhora em dinheiro. O artigo 835,
inciso I, e destacadamente o parágrafo 1º,
dizem: “É prioritária a penhora em dinheiro...” e através do sistema Bacenjud. Nesta hipótese, ao contrário de outras deste
Código – que prevê que o juiz deve antes
ouvir as partes –, o bloqueio da conta-corrente ou de investimento é determinado
sem ciência prévia, como alude o artigo
854.
“As empresas precisam se
assessorar de escritórios
que conheçam a fundo
estes ritos. E apostar no
caráter preventivo, com
vistas a evitar o litígio
judicial, que é caro e
moroso.”
E como vai funcionar a uniformização de jurisprudência, a chamada
‘‘padronização de condutas’’? Qual a
importância desta uniformização para
o dia a dia da empresa?
GERSON FISCHMANN – Funcionará por
meio de Precedentes Judiciais (decisões
de uma corte que servem de exemplo
para balizar questões similares) e Súmulas Vinculantes (obriga juízes de todos os
tribunais a seguirem o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal sobre
determinado assunto com jurisprudência
consolidada). Trata-se de criar uma uniformização na jurisprudência, de modo que
a parte tenha orientação de como agir. A
ideia é evitar que uma mesma situação receba tratamento diferente por parte de outro juiz ou corte. Isso se dá muito na área
tributária. Observa-se, às vezes, que um
mesmo tributo é devido por uma empresa e não por outra. Os juízes vão ter que
obedecer aos Precedentes e Súmulas. Por
exemplo: se é feito um pedido que contraria Súmula, o juiz, sem nem mandar citar o
réu, rejeita liminarmente o pedido e extingue o processo com julgamento de mérito.
Isso porá um fim à guerra de liminares?
GERSON FISCHMANN – Em princípio,
cada caso é um caso. Agora, é certo que
nas chamadas ‘‘demandas de massa’’
– ações contra telefônicas, bancos, concessionárias de energia elétrica e, principalmente, o Poder Público – haverá mais
uniformidade e padrão. Pode ocorrer que,
num determinado processo, o juiz dê uma
liminar, o tribunal a revogue e o Superior
Tribunal de Justiça a restaure, por exemplo. Isso dentro de um processo é até
normal, embora não seja a maioria dos
casos. O que se procurará evitar é que,
em processos que tratam da mesma causa, sejam proferidas liminares diferentes.
Ou melhor, que num caso seja concedida
e noutro não.
Por outro lado, o juiz poderá conceder a ‘‘tutela de evidência’’, sem se
ater à presença do perigo de demora, que é exigida no vigente CPC. Esta
possibilidade não traz insegurança jurídica, atentando contra o espírito do
Novo Código?
GERSON FISCHMANN – O questionamento é válido. Esta é uma das inovações
do Novo CPC. O pressuposto do perigo
da demora não é mais o único que justifica a antecipação. O juiz pode dar uma
liminar com base no que se chama ‘‘tutela
da evidência’’ – conforme o artigo 311 –,
quando entender que a defesa do réu é
precária, ou se houver parte do pedido
incontroverso e outras hipóteses. Agora,
claro que essa antecipação dará mais margem a uma certa discricionariedade judicial, pois é uma avaliação preliminar que
ele fará dos fatos e do Direito, sem visão
ampla, mas sem dúvida já cria um certo
condicionamento para o resultado futuro. Tais medidas, diz a experiência, serão
muito contestadas nos tribunais pela parte
que for prejudicada com a antecipação.
E a questão da possibilidade de
‘‘atribuição dinâmica’’ do ônus da prova? O que é isso e como funcionará na
prática?
GERSON FISCHMANN – Isso vem regulado pelo artigo 373. A regra geral – que
permanece – diz que é ônus do autor da
ação provar os fatos alegados. Entretanto,
seja por previsão legal (Código de Defesa
do Consumidor, por exemplo) ou conforme
as peculiaridades da causa, o juiz pode
alterar esta regra. Depende do grau de dificuldade de se produzir ou obter uma prova. Veja-se o caso de um litígio contra um
banco em que os extratos estão em poder
da instituição financeira. O autor teria que
fazer a prova, mas o juiz pode determinar
que o banco a faça e, se não a fizer, vale
o que foi afirmado pelo autor. As partes
também podem convencionar a alteração
no ônus da prova.
Qual o seu conselho às empresas
nesta fase de adaptação?
GERSON FISCHMANN – As empresas
precisam se assessorar de escritórios que
conheçam a fundo estes ritos. E apostar
no caráter preventivo, com vistas a evitar o
litígio judicial, que é caro e moroso.
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TRIBUTO NÃO
RECOLHIDO
TRF-3 aplica
princípio da
insignificância
em apropriação
indébita
previdenciária
$
$
$
A 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região – que jurisdiciona os
estados de São Paulo e Mato Grosso do
Sul – decidiu pela aplicação do princípio
da insignificância num caso de crime de
apropriação indébita previdenciária.
Segundo a denúncia, o sócio administrador de uma distribuidora de alimentos deixou de recolher aos cofres
públicos as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados
nos períodos de abril de 2003 e maio
de 2004 a fevereiro de 2006, causando
um prejuízo no valor de R$ 12,6 mil, incluídos juros e multa.
Condenado em primeiro grau, o réu
recorreu, alegando que não teve intenção de causar dano aos cofres públicos
e que, em decorrência de dificuldades
financeiras, não teria como agir de forma diferente.
Ao analisar o caso, os desembargadores federais entenderam que é
possível a aplicação do princípio da insignificância, pois o objeto material do
delito é apenas o valor do tributo não
recolhido – o montante de R$ 9,9 mil.
Segundo a turma, os precedentes do
Superior Tribunal de Justiça pontuam
que o objeto material do crime de apropriação indébita previdenciária é o valor
recolhido e não repassado aos cofres
públicos, e não o valor do débito tributário após a inscrição em dívida ativa, já
que aí se acoplam ao montante principal os juros de mora e multa, “consectários civis do não-recolhimento do tributo
no prazo legalmente previsto”.
Também o Supremo Tribunal Federal
entende que o princípio da insignificância é aplicável quando o valor do imposto que não foi recolhido corresponde
ao valor que o próprio Estado, sujeito
passivo do crime, manifesta desinteresse em sua cobrança – no caso, o valor
de R$ 20 mil, nos termos da Portaria 75
do Ministério da Fazenda, editada em
22 de março de 2012.
PROPRIEDADE INTELECTUAL
Pepsico pode usar a
marca Chester em
seus salgadinhos
Crédito: Gil C / Shutterstock.com
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Para a caracterização da infringência de marca, não basta a
demonstração de semelhança dos sinais e a sobreposição ou
afinidade das atividades. É necessário que a coexistência das
marcas seja apta a causar confusão na cabeça do consumidor ou
prejuízo ao titular da marca anterior, configurando concorrência
desleal.
O
fundamento jurídico levou a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a rejeitar recurso da BRF S/A (antiga Perdigão Agroindustrial), dona da marca Chester, mantendo a decisão
de segunda instância que considerou possível a coexistência com a marca Chester Cheetah, de
propriedade da Pepsico Incorporation.
Na decisão do STJ, ficou claro que as empresas litigantes atuam em mercados estrategicamente diferentes. O Chester é produto principal do mercado de aves especiais para as festas de fim de ano e
refeições especiais, sendo exposto no setor de frios e congelados dos estabelecimentos comerciais. O
Chester Cheetah, por sua vez, é protagonista do setor de salgadinhos, sendo exposto em gôndolas e
prateleiras. Além disso, o público alvo é completamente distinto, sendo o primeiro dirigido às donas de
casa; e o segundo, ao público infanto-juvenil.
O caso
A BRF ajuizou ação de nulidade das marcas mistas Chester Cheetah, utilizadas em salgadinhos, pretendendo exclusividade na exploração da marca nominativa Chester, que designa uma ave geneticamente modificada e que foi registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em 1982.
O juízo de primeiro grau não acolheu o pedido. Entendeu que o elemento figurativo da marca de
salgadinhos, sob a forma estilizada de um felino usando tênis e óculos escuros, e o elemento nominativo
Cheetah, são, por si só, suficientes para não induzir o consumidor em dúvida ou erro quanto à origem
dos produtos adquiridos.
Sem similitude
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), por maioria, reformou a
sentença por considerar que a expressão Chester diz respeito unicamente à marca da BRF.
“A apropriação de um vocábulo designativo de uma marca amplamente conhecida, ainda que acompanhado de outras expressões ou de elementos figurativos, atua no sentido de enfraquecer o signo
original”, afirmou o acórdão do TRF-2 em sua primeira decisão.
Inconformada, a Pepsico interpôs embargos infringentes, já que a decisão não havia sido unânime entre os desembargadores. O TRF-2, ao analisar o recurso, concluiu que não há similitude entre as marcas
capaz de gerar confusão ou associação indevida pelo consumidor, tampouco prejuízo para a reputação
da marca original.
Revisão de provas
O relator do recurso no âmbito do STJ, ministro Moura Ribeiro, destacou que, conforme reconhecido
pelo TRF-2, não ficou demonstrada situação que pudesse gerar confusão entre as marcas.
Para modificar o que foi decidido pelo tribunal regional, seria necessária a reanálise de fatos e provas
dos autos, o que é vedado pela neste âmbito judicial pela Súmula 7. Por essa razão, o ministro não
conheceu do recurso especial da BRF, decisão confirmada pelo colegiado da Terceira Turma.
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Index Boletim - Terceiro trimestre de 2015
ÓRGÃO REGULADOR
Multa tem que ser proporcional
ao tamanho de estabelecimento
infrator
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Index Boletim - Terceiro trimestre de 2015
ARTIGOS
ACIDENTES DE TRABALHO
Conhecer a natureza do cargo
de confiança é evitar passivos
RS ocupa a terceira posição
no ranking nacional
Os dados revelam uma média de 163 acidentes por dia e um
trabalhador morto a cada 60 horas no Estado. Além disso, 1.133
trabalhadores gaúchos passaram sofrer de incapacidade permanente em 2013, devido a acidentes ou doenças laborais.
Embora as estatísticas permaneçam no mesmo patamar de anos
anteriores, a situação é alarmante na avaliação do desembargador Raul Zoratto Sanvicente, coordenador do Programa Trabalho
Seguro no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS). A
realidade é ainda mais grave, segundo o magistrado, porque a
Previdência registra apenas os casos de trabalhadores com carteira assinada, que representam 50% da população economicamente ativa. O que acontece no mercado informal, ou até mesmo com
autônomos, não é contabilizado.
Crédito: Andrey_Popov / Shutterstock.com
A multa aplicada por um órgão regulador tem que ser proporcional ao tamanho da empresa autuada.
Assim, não é razoável que um comércio de pequeno porte tenha a obrigação de pagar multa no valor de
quase a metade de seu capital social.
A
da 2ª Vara Federal de Santa Maria, comparou
os efeitos de determinada infração sobre duas
empresas com diferentes capitais sociais: a
primeira com capital de R$ 40 mil e a segunda, de R$ 400 mil.
O estabelecimento foi autuado por não ter
o piso concretado na área de armazenamento
dos botijões, o que foi providenciado três dias
após a visita da fiscalização do órgão regulador. No primeiro grau, o juiz Jorge Ledur Brito,
‘‘A aplicação da multa mínima à empresa
menor (R$ 20.000,00) implica afetação de
50% de seu capital social, ao passo que para
a outra empresa resulta uma afetação de somente 10% do capital social, tudo pela prática
da mesma infração, o que é uma severa distorção. Obviamente, tais distorções devem ser
ssim, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou
sentença que mandou reduzir, pela
metade, uma multa de R$ 20 mil
aplicada pela Agência Nacional do Petróleo,
Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a um pequeno supermercado que revende botijões de
gás, na cidade de Santa Maria (RS).
sanadas pelo Judiciário quando da aplicação
impositiva do Direito’’, escreveu na sentença.
O exemplo, para ele, evidencia incoerência da norma, já que é aplicável a todas às
empresas, independentemente do porte e das
circunstâncias especiais do caso concreto. É
que o juiz levou em conta que o empresário
multado não havia sido notificado das alterações normativas ocorridas em 2007, ter providenciado rapidamente a obra e não ter sido
cobrado pelo Corpo de Bombeiros a regularização do piso.
A juíza convocada Salise Monteiro Sanchotene, que negou a Apelação da ANP, disse que a Administração Pública não está restrita apenas à legalidade em seu sentido preciso, mas também em sentido amplo. Portanto, deve observar os princípios que norteiam a sua atuação e a própria interpretação
das normas legais a que deve respeito e cumprimento.
‘‘Parece que há um evidente interesse público superior em manter, ainda que havido efetivamente descumprimento de alguma norma técnica de
acondicionamento de botijões de GLP, o negócio da empresa autora ativo, para que possa continuar auxiliando no próprio desenvolvimento econômico
nacional, como preconizam vários dos princípios elencados no artigo 170 da Constituição da República Federativa do Brasil e diversos dispositivos ao
longo do Título VII, Da Ordem Econômica e Financeira, da mesma Carta Maior’’, escreveu no acórdão.
Advogada especializada em
Processo e Direito do Trabalho
E
mbora careça de definição específica na legislação, considera-se o
cargo de confiança como uma posição estratégica no ambiente empresarial. Neste ambiente, seu ocupante, pelas atribuições concedidas,
confunde-se com o próprio empregador.
O artigo 62, inciso II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), diz que
os detentores de cargo de confiança são os gerentes com cargos de gestão, os
diretores, chefes de departamentos e os administradores. No entanto, na prática,
verifica-se uma variação enorme na nomenclatura adotada nos mais diferentes
tipos de empresas.
Além da Previdência, que desembolsou cerca de R$ 10 bilhões
em 2014 para prover afastamentos e aposentadorias relacionadas
a acidentes ou doenças do trabalho, a situação também impacta
o Judiciário. A Justiça Trabalhista gaúcha, por exemplo, recebeu,
no ano passado, 8,3 mil processos envolvendo acidentes e doenças ocupacionais. Devido à demanda e as particularidades do
julgamento da matéria, duas cidades contam com uma Vara do
Trabalho específica para ações deste tipo: Porto Alegre (30ª VT)
e Caxias do Sul (6ª VT). Um anteprojeto de lei em tramitação no
Congresso Nacional propõe a criação de mais duas unidades desta especialidade na capital gaúcha.
Para caracterização do cargo de confiança, encontram-se dois requisitos basilares na leitura deste dispositivo da CLT, combinado com seu parágrafo único:
o requisito subjetivo, que se refere ao poder de gestão; e o objetivo, que prevê
o recebimento de gratificação de função de no mínimo 40% sobre o salário do
cargo efetivo.
Para o desembargador, é errado atribuir os acidentes à fatalidade ou ao infortúnio. “O Brasil carece de uma cultura forte de
prevenção por parte das empresas e dos empregados. As entidades de classe, como sindicatos e federações, devem investir nisso.
Ambas as partes precisam fazer uma análise dos riscos da sua
atividade e criar um plano preventivo contra eles. Dos acidentes já
ocorridos, é possível encontrar um padrão, algo que se repete, e
começar a prevenção por ali”, aconselha.
Observando o espírito do mesmo dispositivo, tem-se que os ocupantes do
cargo de confiança não estão abrangidos pelo capítulo regulador da duração
do trabalho, dadas as atividades exercidas e a ampla autonomia para tomar
decisões, o que afasta qualquer possibilidade de recebimento de valores atinentes às horas extraordinárias. Contudo, vale esclarecer que qualquer tentativa
do empregador de controlar a jornada de um empregado detentor de cargo
de confiança pode, invariavelmente, descaracterizar essa posição diferenciada,
colocando-o no mesmo patamar dos demais, ainda que subordinados, no que
tange ao pagamento de horas extraordinárias. Assim sendo, o detentor de cargo
de confiança não tem, em nenhuma hipótese, a jornada controlada. Isso pode
ser considerado uma espécie de terceiro requisito para a sua caracterização,
avaliado de forma cumulativa pelos juízes do Trabalho.
As doenças ocupacionais também são alvo de preocupação.
Conforme o juiz Luiz Antonio Colussi, titular da 30ª VT de Porto
Alegre e um dos gestores regionais do Programa Trabalho Seguro,
enquanto os acidentes típicos representam a face visível do problema, o adoecimento físico e psíquico do trabalhador é um processo silencioso, que prejudica a vida de muitas pessoas e onera
a Previdência. “Os empregadores também devem ter uma cultura
preventiva nesses casos. É importante identificar as doenças que
mais acometem os empregados, investigar as causas e adotar medidas que evitem danos à saúde”, recomenda.
Conforme a Previdência Social, os setores com maior número de
acidentes de trabalho são: comércio e reparação de veículos automotores (14% dos casos), saúde e serviços sociais (10%), construção (8,6%), transporte, armazenagem e correios (8%) e indústria
de produtos alimentícios e bebidas (7,3%). Em 69% dos casos, as
vítimas são do sexo masculino.
Brasil
RS
Acidentes de trabalho
2011
720.629
57.915
2012
713.984
55.397
2013
717.911
59.627
Mortes em acidentes
Recurso
Por Alice Romero
Em 2013, oficialmente, houve 717.911 acidentes de trabalho em todo o Brasil, o que culminou com 2.792 mortes. No Rio
Grande do Sul, foram registrados 59.627 acidentes e doenças
ocupacionais, com 140 óbitos. O número de ocorrências coloca o
Estado em terceiro lugar no ranking nacional, atrás de São Paulo
(248.928 casos) e de Minas Gerais (77.252). Os números, com dados consolidados de 2013, aparecem no último Anuário Estatístico
da Previdência Social, lançado em janeiro deste ano.
2011
2.938
174
2012
2.768
166
2.797
140
2013
Incapacidade permanente
2011
16.658
1.300
2012
17.047
1.312
2013
14.837
1.133
* Fonte: Gabriel Borges Fortes (Secom/TRT-RS)
Quanto ao poder de gestão, destaca-se, principalmente, a possibilidade de
admitir, demitir e advertir funcionários, mas também de representar a empresa
perante terceiros, por meio de poderes concedidos por procuração específica.
Nesse contexto, pouco importa o título do cargo ocupado, mas sim as atribuições
e privilégios a ele concedidos. Não se trata de mera confiança do empregador
em relação ao seu funcionário, mas a delegação de poderes que o confunde
com o próprio interesse empresarial.
Em geral, as empresas enfrentam maior dificuldade de comprovar o requisito subjetivo, uma vez que as grandes corporações possuem uma infinidade
de graus hierárquicos entre a base e a ponta administrativa do poder. Nesse
cenário, as decisões tomadas por seus diretores e gerentes vão sendo diluídas
ao longo dessa escala de gestores, a ponto de um único gerente, por exemplo,
não deter, sozinho, a capacidade admitir, demitir ou advertir algum subordinado
faltoso, necessitando reportar a postura tomada. Tal burocracia interna pode fomentar, durante a ação trabalhista, a falsa tese de que o então reclamante não
ocupava cargo de confiança, constituindo-se numa das partes das articulações
de comando do empregador. Provada, coloca por terra todo o esforço da defesa.
Outro ponto espinhoso seguidamente encontrado durante os embates processuais é a ausência de clara discriminação dos valores atinentes à gratificação de
função, tornando inócua a argumentação em contrário. Seguidos são os casos
de funcionários com claros e incontroversos poderes de gestão, mas com salários complessivos (pagos globalmente, sem especificação no recibo do que está
sendo pago) ou gratificação aquém dos 40% exigidos por lei. Como a prova
é eminentemente documental, a não apresentação dos recibos de pagamento
acarreta a confissão. Com isso, dificilmente será possível rebater um pedido de
horas extraordinárias. Portanto, a organização documental e o correto pagamento da gratificação de função são vitais, eis que têm o condão de evitar o
pagamento de indenizações vultosas em processos trabalhistas.
Por ilustrativo, vale uma observação prática. Muitos empregadores têm por
hábito, equivocado, diga-se, de encaminhar e-mails determinando horários de
entrada e saída desses funcionários. Esta ‘‘prova gratuita’’, invariavelmente, é
utilizada pelo empregado nas reclamatórias, para afastar a tese da defesa e
pleitear as horas extras respectivas. Repisa-se: havendo qualquer tipo de controle
da jornada, restará descaracterizado o cargo de confiança perante a Justiça do
Trabalho, já que cerceia a autonomia inerente à função. Tal postura pode trazer
grandes prejuízos à empresa, uma vez que as indenizações trabalhistas, nesses
casos, geralmente são de grande monta, face aos salários elevados, cumulado
com a grande quantidade de horas em que o funcionário permanece dentro da
empresa ou à sua disposição.
Assim, é fundamental o trabalho conjunto dos operadores jurídicos com os
responsáveis pelo setor de Recursos Humanos, no sentido de manter organizada
e revisada a informação de todos os funcionários. Com isso, haverá substancial
economia do passivo da empresa com ações trabalhistas caríssimas, desnecessárias e de fácil prevenção.
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Index Boletim - Terceiro trimestre de 2015
ARTIGOS
Quando a Recuperação Judicial
ainda é uma alternativa
Mesmo sendo ré, empresa pode
executar sentença
Por Rogério Lopes Soares
Por Michelle Nichterwitz Torino
Advogado especializado em
Direito Societário e Recuperacional
Advogada especializada em
Direito Civil
Q
uem está no “olho do furacão” não consegue vislumbrar quando a Recuperação Judicial ainda é uma alternativa viável para sair da situação de
crise e dar a volta por cima. As rotinas administrativas e operacionais da
empresa levam o empresário, mesmo em momentos de extrema dificuldade, a olhar para o paciente (empresa) e não para a doença (crise). A identificação de tal fato necessita impreterivelmente de um olhar externo, isento e sem
emoções. É neste momento que devem entrar em cena os especialistas que, por
calejados, não se deixam contaminar pela atmosfera de dificuldades.
O diagnóstico sério, analisando a posição da empresa perante seus fornecedores, mercado e credores, pode ser o indicativo da utilização de um remédio que
deixou de ser apenas jurídico há muito tempo. Este remédio atende pelo nome
de Recuperação Judicial. Criada pela Lei 11.1.01/05, acabou se transformando
numa excelente ferramenta para a correção dos rumos da gestão, da operação,
da regularidade fiscal e contábil de empresas em dificuldades. A legislação revolucionou o antigo instituto da concordata, o qual era simplesmente um momento
de moratória legal.
Assim, entender a Recuperação Judicial como simples instrumento jurídico para
a instalação da moratória legal e para o “alivio” da pressão dos credores é um
grande equívoco, que poderá culminar na falência propriamente dita. Esse raciocínio advém da exigência do legislador com o comprometimento da recuperação
empresarial, com a estipulação de prazos e etapas pré-definidos para regularizar
as pendências. Ou seja, a Recuperação Judicial, após o pedido aceita pela Justiça,
é um andar para a frente. O futuro é o que conta, e não o passado.
Ocorre que a maioria dos empresários, sem o diagnóstico preciso da situação
e ante o esgotamento de todas as linhas de negociação, reajuste e equalização
da operação de créditos e débitos, lança mão desta ferramenta como a última
alternativa frente aos seus credores. Aí, pode ser tarde, pois seu prestígio estará
desgastado e as relações comerciais em ruína. Neste cenário, o resultado positivo
esperado da sua empresa – para a amortização de compromissos – já estará atrelado ao custo do capital tomado para a manutenção da operação.
Não podemos esquecer: o empresário enxerga – e tal não se constitui pecado – o
paciente (empresa) sobre o leito e não pode deixar de dar oxigênio (disponibilidade
em caixa), para mantê-lo vivo.
Em tempos de crédito aquecido, como em anos recentes, essa rotina até se tornou fácil. Contudo, a postergação da análise de crise, face ao imenso arsenal de
medicamentos (tomada de recursos a curto prazo) traz, no curto espaço de tempo,
quase sempre de um a dois ciclos financeiros, resultados assustadores.
Em muitos casos, o empresário indaga a si mesmo: “Como cheguei a esta situação? Perdi o timing para buscar a Recuperação Judicial? Qual o melhor momento
para acionar a Justiça?” Por óbvio que as respostas passam por análise criteriosa
do passivo empresarial. E não só. É preciso identificar os ativos. A retomada de
qualquer operação passará, sem sombra de dúvidas, pela valorização dos ativos e
equacionamento dos passivos. Caso não disponha mais de ativos intangíveis (contratos, credibilidade na operação, posição mercadológica), o trabalho para obter
sucesso na recuperação alcançará níveis extremos de risco.
Clientes estratégicos, operações com melhor margem de contribuição para pagamento de custos fixos, contratos com rentabilidade zero ou negativa, diferencial
da empresa no mercado, histórico, credibilidade alcançada (e já desgastada) perante a clientes e fornecedores são alguns dos fatores que devem ser analisados
para a verificação da viabilidade da Recuperação Judicial. Ou, melhor dizendo,
além de equacionar o passivo, necessária se faz a análise da geração de caixa a
curto, médio e longo prazos. Dessa ponderação não há como escapar.
Em alguns casos, o empresário é tão reticente a aderir à Recuperação Judicial
como meio de sobrevivência que, quando “cai em si”, não tem mais o quê recuperar, pois seus credores já tomaram conta da operação. Este, literalmente, perdeu o
timing. Custou a entender que a solução é bem vista principalmente pelos credores
– isso mesmo: CREDORES. Eles sabem que é o único caminho para readequar
corretamente os ciclos de amortização do passivo.
Não há como haver retomada desta amortização se a empresa ainda se mantém em “estado de guerra” com seu passivo. É preciso haver um tempo de “bandeira branca” e de análise sem emoções quanto ao futuro no curto, médio e longo
prazo. Contar com bons profissionais de gestão, com sólidos conhecimentos em
legislação, finanças, contabilidade e administração, é pressuposto necessário para
vencer a turbulência e permanecer viável no mercado.
I
númeras empresas são surpreendidas com ações declaratórias propostas
por devedores que pretendem anular títulos de crédito, muitos com intuito
inicial de apenas afastar protestos indesejáveis, mesmo que pelo tempo de
trâmite da demanda. A empresa credora, ré na ação, ficava impossibilitada, em caso de sentença improcedente, de dar cumprimento a ela para buscar
a satisfação do seu crédito, mesmo que reconhecida a existência de obrigação
do autor em relação ao réu da demanda. A possibilidade de requerer o cumprimento da decisão judicial só era prevista para as sentenças condenatórias.
O réu era obrigado a ajuizar outra ação, de cunho condenatório, para cobrar o
débito que se encontrava em discussão via demanda declaratória.
Atualmente, não há mais tal impedimento. Decisão proferida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial
n.º 1.481.117-PR, em 03/03/2015, assentou o entendimento, em julgamento
unânime, de que se considera título executivo judicial a sentença proferida no
processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, entregar coisa
ou pagar quantia. Segundo o voto do ministro-relator João Otávio de Noronha,
“as sentenças que, mesmo não qualificadas como condenatórias, ao declararem um direito, atestem, de forma exauriente, a existência de obrigação certa,
liquida e exigível, são dotadas de força executiva”, autorizando, dessa forma, a
execução da sentença em favor do réu.
Anterior à vigência da Lei 11.232/05, que fixou o regime do cumprimento de
sentença, o inciso I, do artigo 584, do Código de Processo Civil, previa que somente a sentença condenatória era considerada titulo executivo judicial. Assim,
baseado em tal dispositivo, se tratando de uma sentença de cunho declaratório,
mesmo reconhecendo relação jurídica, não poderia ser executada por meio
de cumprimento de sentença, pois não teria as qualidades de titulo executivo
judicial, sendo necessário a propositura de uma outra ação para rever o que
de direito.
Com a vigência da lei em comento, o artigo citado foi revogado, e o artigo
475-N, do Código de Processo Civil, trouxe um novo rol de títulos executivos
judiciais, dentre eles “a sentença proferida no processo civil que reconheça a
existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”.
Não se vislumbra no texto a expressão “condenatória”, ganhando espaço o
entendimento de que se poderia executar de imediato uma sentença de cunho
declaratório, dispensando, inclusive, que o réu pleiteie em contestação a satisfação de seu crédito para poder propor cumprimento de sentença nos próprios
autos.
As opiniões ainda divergem. Há os que entendam que as ações declaratórias
se limitam apenas à obtenção de uma declaração judicial, enquanto outros
acreditam ser perfeitamente possível atribuir eficácia executiva às sentenças
de cunho declaratório. O ponto crucial está no reconhecimento da obrigação
e do direito à prestação para poder haver eficácia executiva e, dessa forma,
constituir o titulo como executivo judicial.
Portanto, acertada a decisão do Superior Tribunal de Justiça, na qual prevaleceu o entendimento de que a sentença meramente declaratória tem eficácia
executiva, podendo ser objeto de cumprimento de sentença a teor do artigo
475-N, do Código de Processo Civil. O julgamento da demanda declaratória
importará em juízo de certeza sobre a existência ou não de obrigação entre as
partes, conferindo tutela jurídica com o mesmo efeito prático de uma reconvenção.
O fato é que, seja sentença condenatória ou declaratória, a inclusão do cumprimento de sentença no ordenamento jurídico trouxe uma maior celeridade
processual, com rápida solução do litígio, e redução dos meios procrastinatórios
nas execuções, bem como economia processual significativa, aliviando o nosso
sobrecarregado Poder Judiciário.
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