Etologia de térmitas - José Luiz Lorenz Silva
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Etologia de térmitas - José Luiz Lorenz Silva
REGISTRO ETOLÓGICO DE TÉRMITAS EM TRÊS LAGOAS, MATO GROSSO DO SUL. Izabel Cristina Marques de Souza1, José Luiz Lorenz Silva2 RESUMO Termiteiros constituem uma ocorrência comum no leste sul-mato-grossense, fato atribuído ao intenso desmatamento dos cerrados e à diminuição do sombreamento original. Nas pastagens da região, bem como nas imediações do sistema lacustre dos altos terraços fluviais, observam-se cupinzeiros que atingem mais de dois metros de altura, peculiaridade que é atribuída à necessidade do controle térmico dos ninhos, o que induz à seleção dos materiais sedimentares mais adequados. O presente estudo objetivou registrar o comportamento seletivo da termitofauna local no tocante ao tipo de matéria sedimentar usada para a edificação dos ninhos, bem como proceder ao reconhecimento taxonômico, ao nível de gênero, da população em apreço. Com auxílio de martelo geológico, foram coletados fragmentos de 8 termiteiros imediatos ao sistema lacustre do núcleo urbano do município de Três Lagoas. Dos mesmos ninhos foram coletados espécimes de cupins. Em laboratório, os fragmentos foram desagregados em meio aquoso e dispostos, via calcinação, em lâminas delgadas. Essas foram analisadas sob microscopia óptica e revelaram constituição predominante de minerais resistatos, argilominerais, fibras vegetais e uma grande quantidade de espículas de esponjas de água doce. Esses elementos esqueletais constituem os pelitos biogênicos localmente conhecidos como pó-de-mico; são elementos silicosos que, em conjunto, tem efeito térmico análogo ao da lã de vidro. Os espécimes identificados caracterizam-se por um segmento abdominal longo e dilatado e a mandíbula típica dos humívoros. Nos soldados é comum a presença de uma proeminência tubular denominada de fontanela. Todos os espécimes identificados pertencem à família Termidae e ao Gênero “Velocitermes” Holmgren, 1912. PALAVRAS-CHAVE Cupins, termiteiros, sedimentologia, espículas TERMITES ETHOLOGICAL RECORD ON TRÊS LAGOAS, MATO GROSSO DO SUL ABSTRACT Termites nests are a common occurrence on Mato Grosso do Sul State south-east region. The fact is attributed to the intense cerrados deforestation and the original shading decrease. In the regional pastures as well as in the vicinity of the high river terraces lake system, is possible to see more than two meters high termites nests. That peculiarity is linked to the nests heat control need, which leads to the most appropriate sedimentary materials selection made by termites. This study focuses the selective behavior of local termites fauna with regard to the type of sedimentary material used for the nests construction. Also is made the gender taxonomy recognition of the in-focus population. With geological hammer 12 termites nests fragments from immediate urban lake system were collected. From these same nests, live termites specimens were collected. Into laboratory aqueous media and via calsination, nests fragments were broken down to prepare microscopy thin blades. All blades were examined under optical microscopy and revealed resistant minerals predominance and second composition by clay-minerals, plant fibers and large quantity of freshwater sponges spicules. Such skeletal elements are originated from biogenic pelithic sediments locally known as póde-mico (itching-pound) in witch, taken together silica elements have glass wool thermal isolation effect. The identified specimens are characterized by a long and extended abdominal segment and a typical humivorous jaw. In the common soldiers bodies they are present tubular prominences called fontanelas. All specimens identified belong to “Velocitermes” Holmgren, 1912 Gender of the Termidae family. KEYWORDS Termites, nests, sedimentology, spicules 1 2 Graduanda da Licenciatura em Ciências Biológicas – UFMS/CPTL/DCN Professor orientador – UFMS/CPTL/DCN – [email protected] INTRODUÇÃO Os térmitas dos cerrados brasileiros foram enfocados quanto à biogeografia por Araújo (1958), autor que aborda a diversidade desses insetos no Estado de Minas Gerais. Mathews (1977) apresentou à Academia Brasileira de Ciências, um estudo acerca dos cupins no Estado de Mato Grosso. Cancello (1996), publicou acerca da riqueza e da diversidade dos térmitas no Brasil e, mais recentemente, Constantino (1998), apresentou um catálogo dos cupins do Novo Mundo. Da leitura das obras antes referidas depreende-se que, no Brasil ocorrem quatro famílias de cupins, a saber: Família Kalotermitidae; considerados primitivos e capazes de viver em madeira seca sem contato com o solo; nunca constroem ninhos. Família Rhinotermitidae; maiormente subterrâneos, se alimentam de madeira, sendo considerados pragas importantes. Família Serritermitidae, grupo exclusivamente existente no Brasil e a Família Termitidae que é muito diversificada e inclui cerca de 85% das espécies de cupins conhecidas do Brasil. Dentre os térmitas dessa família, muitos comem madeira, folhas e húmus e muitas espécies constroem ninhos grandes e complexos. O presente estudo enfoca o comportamento seletivo-sedimentar de cupins Termitidae das imediações do sistema lacustre do núcleo urbano do Município sul-mato-grossense de Três Lagoas. Do comportamento dos térmitas em geral e da população avaliada em particular, faz parte a sobreposição de gerações em um mesmo ninho, o cuidado cooperativo da prole, e a divisão de tarefas conforme as castas (operárias, soldados e reprodutores) Essas peculiaridades incluem o grupo na categoria dos insetos eu-sociais (Constantino, 2005). Segundo a EMBRAPA (2007) é grande a diversidade entomológica dos Cerrados (cerca de 90.000 espécies), porém urge o detalhamento dessa fauna devido à rápida substituição das coberturas nativas, fruto dos processos de produção agrícola. A mesma fonte estima em 23% o montante de térmitas na entomofauna dos cerrados. Foram objetivos da presente abordagem, a análise sedimentológica qualitativa e o registro fotomicrográfico da matéria constituinte dos termiteiros imediatos aos sistemas lacustre três-lagoense, a identificação taxonômica e o registro fotográfico das várias castas de térmitas construtores dos referidos ninhos. MATERIAL E MÉTODOS O presente estudo foi desenvolvido no âmbito do Laboratório de Geologia do Departamento de Ciências Naturais do CPTL/UFMS, inicialmente em 2003, quando da realização de um levantamento geoambiental do sistema lacustre três-lagoense. Desde então foram realizados atividades de gabinete, campo e laboratório; iniciando por um levantamento bibliográfico preliminar que visou levantar dados acerca dos ambientes lênticos locais, assim como informações relativas ao embasamento litológico regional. Para tanto foram obras referenciais os textos de Magalhães (1997), Milani (1997), Aranha-Silva (1999) e Roque-Silva (2001). Em outubro do mesmo ano foram coletados, no entorno proximal das Lagoas Do Meio e Menor (Figuras 2 e 3 dos anexos), amostras da parede externa de oito termiteiros posicionados nas imediações das lagoas antes referidas. Cada ponto de amostragem foi georreferenciado via GPS, anotando-se as seguintes coordenadas: Ponto 1) 20o 45’56”S / 51o 42’35,8”W; Ponto 2) 20o 45’54,2”S / 51o 42’31,9”W; Ponto 3) 20o 46’0,4”S / 51o 42’26,1”W; Ponto 4) 20o 46’3,4”S / 51o 42’28,9”W; Ponto 5) 20o 46’5,4”S / 51o 42’33,8”W; Ponto 6) 20o 46’12,5”S / 51o 42’35,5”W; Ponto 7) 20o 46’17,9”S / 51o 42’22,1”W e ponto 8) 20o 46’28”S / 51o 42’35,1”W. As amostras foram etiquetadas, embaladas em sacos plásticos e encaminhadas ao Laboratório de Geologia da UFMS/CPTL/DCN. De quatro dos pontos de amostrados foram também coletados espécimes vivos de térmitas, os quais foram acondicionados em frascos telados, previamente identificados conforme o ponto de amostragem. Em laboratório, a partir de fragmentos de cada termiteiro amostrado, foram confeccionadas 16 lâminas delgadas por meio da técnica da calcinação. Essa inicia pela desagregação, em meio aquoso, do fragmento, posterior secagem natural do produto desagregado e disposição em recipiente de vidro (placas de Petry). À matéria seca agregam-se algumas gotas de álcool e, com auxílio de pincel, faz-se a homogeneização da mistura, a qual é pincelada sobre a superfície de uma lâmina delgada que, a seguir, é aquecida sobre chapa térmica que faz evaporar o álcool, deixando a matéria sedimentar aderida sobre a lâmina. A fina camada resultante é de espessura ideal para observação microscópica. As lâminas assim obtidas foram analisadas sem sobrelaminação. O registro fotomicrográfico digital foi realizado via acoplamento à lente ocular do microscópio ótico de uma câmera Pentax com resolução de 4.0 megapixels. O mesmo equipamento, acoplado à lente ocular de uma lupa, foi usado para fotomicrografar espécimes vivos das várias castas dos térmitas locais. Esse registro, visando a identificação taxonômica dos espécimes da termitofauna, foi enviado via eletrônica para os laboratórios do Instituto de Ciências Biológicas do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília, sob a responsabilidade do especialista em Isoptera, Dr. Reginaldo Constantino. Entre 2004 e 2006, as informações inicialmente coletadas foram reservadas para posterior organização, o que ocorreu ao longo de 2007, quando também se procedeu a identificação detalhada e a descrição dos constituintes bio e minerogênicos das paredes dos termiteiros e o refino dos dados taxonômicos inicialmente obtidos. Para tanto o referencial teórico incluiu textos de Volkmer-Ribeiro (1992), Leipnitz e Lorenz-Silva (2002) e Constantino (1999 e 2005). RESULTADOS E DISCUSSÃO Os cupins são organismos que usam sedimentos ou produtos do seu retrabalhamento para a construção de seus ninhos, o que faz com que muitos desses elementos fiquem expostos ou em depósitos superficiais de fácil acesso e análise, constituindo indicadores primários da composição do respectivo substrato. A termitofauna encontrada nas imediações do sistema lacustre três-lagoense pertence à Família Termitidae, Gênero Velocitermes Holmgren, 1912. A referida família é rica em número de espécies e ecologicamente diversificada. A identificação dos Isoptera a nível de espécie é tarefa difícil, sendo árdua até mesmo para os especialistas no grupo, exigindo minuciosas comparações com espécimes de coleção (Cancello & Schlemmermeyer,1999). O gênero Velocitermes tem distribuição Neotropical; ocorre no Cerrado do Brasil Central, no Sudeste e também em algumas Savanas Amazônicas. A maioria das espécies vive em áreas de vegetação aberta e se alimenta de gramíneas que são forrageadas a céu aberto, durante a noite. Os ninhos, geralmente subterrâneos, são construídos por meio de pequenas estruturas cartonadas, de consistência mole. Entre as castas do gênero existem vários tipos de soldados, todos caracterizados por possuir pernas longas quais possibilitam os movimentos rápidos que nomeiam o táxon (Constantino 1999). Também caracterizam o gênero, um segmento abdominal longo e dilatado que, nos soldados, antecede a um céfalo com fontanela (proeminência tubular). As mandíbulas dos espécimes coletados nas imediações da Lagoa do Meio são do tipo humívoro, tem a forma de um C-cortado. De acordo com Constantino (2005), os humívoros constituem o grupo mais diversificado, quase todos pertencendo à subfamília Apicotermitinae. Nos térmitas , os soldados e os operários são castas estéreis; cada colônia é formada por um casal reprodutor (rei e rainha), que se ocupa apenas de produzir ovos. Inúmeros operários executam todo o trabalho o que inclui alimentar as outras castas, inclusive os soldados, esses os responsáveis pela defesa da colônia. Existem também reprodutores neotênicos, assim denominados os formados a partir de ninfas cujos órgãos sexuais amadurecem sem que o desenvolvimento geral se complete. Esses podem substituir o rei ou a rainha no caso da morte de um desses e não é raros existirem em grande número numa mesma colônia (Constatino, 1999). Segundo Lima e Costa-Leonardo (2007), a vasta gama de fontes alimentares utilizadas pelos cupins, permite que esses ocupem quase todos os biomas, maiormente nas regiões quentes e temperadas; assim os isoptera ocorrem em praticamente todos os ambientes terrestres, sejam naturais ou antropicamente modificados. Os termiteiros variam quanto a forma, a localização, o tamanho, a coloração e a estrutura e material de construção, sendo constituídos por uma câmara real (compartimento de cria), câmaras de armazenagem de alimento e galerias de forrageamento. Sofrem mudanças periódicas que são alteradas de acordo com a qualidade do substrato de forrageamento. A análise dos constituintes das paredes dos ninhos localmente coletados, revela a presença de agregados de espículas (megascleras), grãos de quartzo, fragmentos vegetais e substâncias aglutinantes secretadas pelo próprio construtor. Os elementos esqueletais constatados são de esponjas de água doce, das quais são conhecidas menos de 200 espécies dentre cerca de 7.000 espécies conhecidas (Volkmer-Ribeiro, 1992). Segundo a mesma autora, no Brasil há registro de 44 espécies de esponjas de água doce, as quais distribuem-se por 20 gêneros. A comunidade que forma espongilitos restringe-se a seis espécies as quais constituem uma fauna típica de ambientes pouco dinâmicos. Nas amostras das paredes dos cupinzeiros foram identificadas espículas pertencentes a duas espécies de esponjas dulcícolas, a saber: Metania spinata e Dosilia pydanieli, espécies comuns desde Roraima até o sudeste de Mato Grosso. CONCLUSÕES O incremento dos termiteiros da região do Alto Paraná sul-mato-grossense decorre do desmatamento e da perda do sombreamento, fatores que induzem a expansão superficial desses ninhos. A maior exposição dos termiteiros possibilita inferir a qualidade do substrato local que, por condicionamento etológico, faz os cupins selecionarem dentre os sedimentos disponíveis aqueles que melhor isolamento térmico propiciam. Em áreas desmatadas da região estudada, maiormente nas pastagens ou várzeas, constata-se a presença de termiteiros de dimensões que são inversamente proporcionais à disponibilidade local de sedimentos refratários. Os menores termiteiros são turfosos ou espiculíticos, esses a escolha dos cupins do Gênero Velocitermes, os identificados nas imediações do sistema lacustre três-lagoense. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Aranha-Silva, E., 1999. Três Lagoas: Uma interpretação do rural com o urbano. Presidente Prudente, SP. Dissertação de Mestrado. UNESP, 130 p. Araújo, R.L. 1958. Contribuição à biogeografia dos térmitas de Minas Gerais, Brasil. Arquivos do Instituo Biológico 25:219-236. BRASIL/EMBRAPA em www.agencia.cnptia.embrapa.br, acessado aos 20 de setembro de 2007. Cancello, E. M. 1996. Termite diversity and richness in Brazil: an Overview. In C.E.M. Bicudo & N.A. Menezes (Eds.). Biodivversity in Brazil: a first approach. Cancello, E. M. & Schlemmermyer. 1999. Isoptera, p.82-91. Biodiversidade do Estado de São Paulo, Brasil: Síntese do Conhecimento ao Final do Século XX. Invertebrados Terrestres. São Paulo, FAPESP, Vol. 5, 279p. Constantino, R. 1998. 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Disponível em: 11. 12. 13. 14. http://biotaneotropica.org.br/v7/n2/pt/abstract?thematic-review+bn04007/022007. Acessado em: 17/10/2007. Magalhães, F. M., 1997. Considerações sobre o geoambiente e a exploração de sedimentos no Rio Paraná, Município de Castilho, SP. Três Lagoas, MS. Monografia de Bacharelado. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. 120p. Milani, E. J., 1997. Evolução tectono-etratigráfica da Bacia do Paraná e seu relacionamento com a geodinâmica fanerozóica do Gondwana sul-ocidental. Porto Alegre, RS. Tese de Doutoramento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. 255p. Roque-Silva, L.C., 2001. Resenha geofisiográfica do Município de Três Lagoas, MS. Três Lagoas, MS. Monografia de Bacharelado.Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. 120 p. Volkmer-Ribeiro, C., 1992. The Freshwater Sponges. In: Some peat-bog ponds in Brazil. Amazoniana, (12) 2 :.317-335. ANEXOS Figura 1. Perfil litoestratigráfico em contexto geográfico. Figura 2. Posicionamento do sistema lêntico três-lagoense. Figura 3. Fragmento de imagem de satélite centrada entre as Lagoas Menor e do Meio do sistema lêntico três-lagoense com a localização dos pontos de amostragem. Fonte: Google Earth com imageamento no inverno de 2004. Figura 4. Castas de Velocitermes; A) Soldado, B) Operário e C) Forma proto-alada. D) Fragmento de um termiteiro, E) Fotomicrografia mostrando predominante conteúdo espiculítico em amostra laminada das paredes de um ninho.
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