Texto - Centro Chiara Lubich

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Texto - Centro Chiara Lubich
Centro Chiara Lubich
Movimento dos Focolares
www.centrochiaralubich.org
Rocca di Papa, 5 de fevereiro de 1979
Jesus naqueles que sofrem (II parte)
Jesus no necessitado, segundo os santos
O Cura d'Ars, em uma sua frase, demonstra como nele era quase inata a visão sobrenatural
das coisas, isto é, a visão verdadeira.
«Muitas vezes pensamos socorrer um pobre e na realidade é a Nosso Senhor quem
socorremos»1.
Ele também esclarece uma dúvida que pode surgir em todos quando se trata de ajudar um
desconhecido: «Há quem diga: 'Oh! Empregará mal a esmola'. Que a use como quiser, o pobre será
julgado pelo uso que tiver feito da vossa esmola e vós sereis julgados pela própria esmola que
podíeis ter dado e não destes»2.
Acontece que os santos são muito competentes no amor para com aqueles que sofrem, são
gigantes na construção de obras de todo tipo em favor dos mesmos, sobretudo são homens que
possuem um coração de carne, como, por exemplo, se lê de São Francisco: «Parecia que dentro de
si tivesse um coração de mãe»3. São pessoas que sentiram na própria carne os sofrimentos dos
pobres e dos necessitados, e neles amaram Cristo até o ponto que ele não esperou a outra vida para
se mostrar a eles.
De Catarina de Sena lê-se: «Certa vez, um pobre lhe pediu, pelo amor de Deus, para ajudá-lo
em suas necessidades. Não tendo nada para lhe dar, disse-lhe que esperasse até que fosse em casa e
voltasse. Mas o pobre insistiu: Se tens algo para me dar, peço-te dá-me agora, porque realmente não
posso esperar.
Não querendo mandá-lo embora triste, arrancou uma pequena cruz de prata e lhe deu. O
pobre, tendo-a recebido foi embora, contente, sem pedir esmola a mais ninguém.
Na noite seguinte, enquanto a virgem do Senhor estava rezando, apareceu-lhe o Salvador do
mundo, tendo nas mãos aquela pequena cruz adornada com pedras preciosas e lhe disse: "Filha,
reconheces esta cruz?” E ela: "Eu a reconheço muito bem, mas, quando era minha não era tão bela".
E o Senhor: "No dia do juízo eu te apresentarei esta cruz como é agora na presença dos Anjos e dos
homens”»4.
«Num outro dia, apareceu-lhe o Senhor na figura de um jovem maltrapilho. Catarina lhe
disse: “Espera-me um pouquinho aqui, amigo, até que eu volte daquela capela e logo te darei a
roupa”. Chegando à capela, tirou com prudência e modéstia a túnica sem mangas que trazia debaixo
do hábito e deu-a ao pobre. Ao recebê-la o pobre pediu ainda: “Oh! Já que a senhora me deu uma
roupa de lã, tenha a bondade de me dar também roupas de linho”. Ela disse: “Segue-me”. Entrando
na casa paterna dirigiu-se ao quarto onde estavam as roupas de linho do pai e dos irmãos e, tomando
uma camisa e umas calças, ofereceu-as com alegria ao pobre. Mas ele diz: “Senhora, o que eu faço
com esta túnica sem mangas?”. Então, sem se aborrecer, Catarina foi procurar outras vestes. Por
acaso viu pendurado num varal, o vestido da criada. Descosturou rapidamente as mangas e deu-as
ao pobre. Ele retrucou: “Eis que a senhora me vestiu mas eu tenho um amigo muito necessitado de
roupa”. Catarina porém lembrou-se de que, na sua casa, todos, com exceção de seu pai, estavam
1
Cura d’Ars, Pensieri, in Scritti scelti, Roma 1975, p. 83.
Ibid.
3
S. Boaventura de Bagnoregio, Leggenda minore, lez. 7, in Fonti francescane, Bologna 1977, p. 1035.
4
Cf. Beato Raimondo da Capua, Santa Catarina de Sena, Sena 1952, pp. 180-181.
2
alarmados pelas contínuas esmolas que ela dava. Não lhe restava outra alternativa senão a de olhar
para o que ela mesma vestia. E pensou se deveria dar ou não àquele pobre a única veste que lhe
tinha sobrado. A caridade lhe sugeria que sim, enquanto que a modéstia virginal lhe dizia que não.
Por isso disse ao pobre: “Se fosse lícito para mim ficar sem o hábito, eu o daria de bom
grado, mas não me é permitido”. Ele respondeu: “Eu bem sei que me darias de bom grado tudo
aquilo que pudesses dar. Adeus”.
Na noite seguinte, enquanto Catarina rezava, apareceu-lhe o Salvador do mundo sob as
aparências daquele pobre, trazendo nas mãos a túnica que ela lhe dera, adornada porém com pérolas
e pedras preciosas e lhe disse: “Conheces esta túnica, ó filha querida?”. Tendo ela respondido que
sim, mas que não a dera tão preciosa assim, o Senhor acrescentou: “Ontem tu me vestiste; agora te
darei do meu corpo sagrado uma veste que será invisível aos homens, mas a ti também sensível,
através da qual tua alma e teu corpo serão protegidos contra todo o frio perigoso, até quando chegar
o momento no qual eles serão revestidos de glória e de honra diante dos Santos e dos Anjos”. E
logo, da ferida do peito, tirou com suas santíssimas mãos uma veste de cor sanguínea e, colocando-a
sobre ela, disse: “Eu te dou esta veste com todas as suas virtudes, enquanto tu estás na terra, como
sinal e penhor da veste de glória com a qual serás vestida no céu quando chegar o momento”. E
assim a visão desapareceu.
A santa virgem, desde então, nunca durante o inverno cobria-se mais do que no verão»5.
São Vicente de Paulo, cujo carisma da caridade em favor dos pobres e de todos os
necessitados, resplandece nos séculos, explicando a Regra às primeiras «Filhas da Caridade»,
chegou a dizer: «Saibam, minhas filhas, que quando deixarem de rezar ou de ir à missa, para servir
aos pobres, não perderão nada, pois assistir os pobres significa ir ao encontro de Deus e vocês
devem ver Deus neles»6.
Vejamos ainda alguma coisa sobre outro grande santo dos pobres, que se fez ele mesmo
Pobreza por amor de Cristo. Nós o conhecemos: Francisco de Assis. Ele sentia de um modo
profundo a fraternidade universal (não é por acaso que dizem ser ele o santo que mais se assemelha
a Cristo), portanto não aceitava um mundo com desníveis sociais, com pessoas que possuem demais
e com outras que não possuem nem mesmo o necessário.
«Um dia, enquanto cavalgava pela planície que se estende nas proximidades de Assis,
encontrou-se com um leproso. Aquele encontro inesperado causou-lhe repugnância. Mas,
lembrando-se da decisão ... de tornar-se “cavaleiro de Cristo”..., correu ao encontro do leproso para
abraçá-lo e enquanto este lhe estendia a mão para receber a esmola, deu-lhe dinheiro e o beijou.
Em seguida montou novamente o cavalo; mas, por mais que olhasse em todas as direções e
embora o campo ao redor fosse completamente aberto, não viu mais, de modo algum, aquele
leproso.
Transbordante de admiração e de alegria, começou a cantar os louvores do Senhor...»7.
Francisco, «quando encontrava os pobres, dava-lhes generosamente tudo o que havia
recebido de presente, até mesmo o que era necessário para viver; ainda mais, estava convencido de
que devia restituí-lo aos pobres, com se fosse propriedade deles.
Certa vez ... encontrou um pobre. E Francisco, por causa da doença, tinha colocado sobre o
hábito um manto. Vendo com olhos cheios de misericórdia a pobreza daquele homem, disse ao
companheiro: “É preciso restituir o manto a este pobre, porque é dele. Com efeito nós o recebemos
emprestado até quando acontecesse de encontrar alguém mais pobre do que nós”.
5
Cf. ibid., pp. 182-185.
M. Auclair, La parola a san Vincenzo de’ Paoli, Roma 1971, p. 132
7
S. Boaventura da Bagnoregio, Leggenda maggiore, 1, 5, in Fonti francescane, cit., p. 842.
98 Ibid., pp. 902-903.
6
O companheiro, porém, considerando o estado no qual se encontrava o pai compassivo,
opôs-se firmemente; ele não tinha o direito de se esquecer de si para ajudar o outro. Mas o Santo
replicou: “Acredito que o Grande Esmoleiro me acusará de furto, se eu não der aquilo que tenho a
quem é mais necessitado”».
«Ele pedia sempre aos doadores a permissão para poder dar licitamente tudo aquilo que lhe
davam para aliviar as necessidades do corpo, caso encontrasse uma pessoa mais necessitada do que
ele. Enfim, nada se salvava: mantos, hábitos, livros e até mesmo toalhas do altar, dava tudo aos
indigentes, logo que pediam ...» 98.
Jesus naqueles que sofrem, segundo Paulo VI
Como o papa Paulo VI considerava os sofredores? Ele disse, de modo sublime, que via Jesus
neles quando, em 1965, foi visitar os presos de Roma: «Eu vos estimo, não por um sentimento
romântico, não impulsionado por uma compaixão humanitária: mas vos amo realmente porque
descubro ainda agora em vós a imagem de Deus, a semelhança com Cristo ...
... E agora digo-vos ... um paradoxo. Uma verdade que não parece verdadeira. O Senhor
Jesus ... nos ensinou que, justamente a vossa desgraça, as vossas feridas, esta vossa humanidade
dilacerada e sofrida, constitui o motivo pelo qual eu venho aqui, para vos amar, assistir, consolar e
para vos dizer que sois a imagem de Cristo, que refletis diante de mim este Crucifixo … Por isso eu
vim;... para cair de joelhos diante de vós...»8.
Falando das educadoras dedicadas ao cuidado de crianças doentes, Paulo VI disse: «... Elas
são destinadas a uma espécie de adoração perpétua, que não é a do Senhor sob as aparências
eucarísticas, na sua presença real, mas aquela que Bossuet chamava a presença humana de Cristo
Jesus nos sofredores»9.
Esta presença de Jesus no irmão pobre e sofredor é explicada por Paulo VI do seguinte
modo: «É preciso lembrar que Jesus é o Filho do Homem. Ele próprio chamou-se e definiu-se
assim.(...). Isto quer dizer que cada homem, cada vida, tem uma ligação com Ele. Jesus está em
relação com cada criatura; portanto, Jesus tem um relacionamento com todo aquele que sofre ...
Jesus atrai para si toda a dor humana; e não somente porque é aquele que sofreu em maior grau e
por maior injustiça, mas também porque ... tem uma imensa simpatia ..) por aqueles que
padecem»10.
Eis algumas ideias sobre a presença de Jesus naqueles que sofrem.
Que nunca nos esqueçamos de que pertencemos à Igreja dos pobres e que o Movimento
deve ser o Movimento dos pobres, mesmo porque isto não é outra coisa senão o cristianismo. No
fim da vida - como vimos - o exame final será sobre esta matéria: em prática sobre as chamadas
obras de misericórdia.
O Papa João Paulo I disse: «O catecismo exprime estas palavras do juízo final e outras
palavras da Bíblia no duplo elenco das sete obras de misericórdia corporais e espirituais»11.
Transformemos, então, retificando a intenção, cada ato de amor que fazemos a cada próximo
necessitado, em casa, no escritório, na escola, na rua, em todos os lugares, em uma das obras de
misericórdia. E abramos inteiramente o nosso coração a todos os miseráveis, pecadores,
abandonados, doentes, escórias da sociedade, humilhados nos direitos humanos, marginalizados,
desprezados, dos quais tomamos conhecimento dia após dia, nas nossas cidades e nas nações
distantes.
8
Aos presos do cárcere «Regina Coeli», in Insegnamenti di Paolo VI, cit., II, 1964, p. 1110.
Às educadoras de «La Nostra Famiglia», in Insegnamenti di Paolo VI, cit., II, 1964, p. 1178.
10
Discurso da Sexta-Feira Santa, depois da «Via Sacra» no Colosseo, in Insegnamenti di Paolo VI, cit., III, 1965, pp.
1219-1220.
11
João Paulo I, Audiência geral, em 27.9.1978, in «Oss. Rom.», 28.9.1978, p. 1.
9
Os pobres e o Movimento
Já ao redor de Jesus recém-nascido vemos os pobres e a atenção para com eles foi uma das
principais preocupações da comunidade cristã primitiva. Muitas vezes os santos começaram a
escalada para Deus indo ao encontro dos pobres. Da mesma forma, ao redor do primeiro palpitar de
vida dos nosso Movimento, encontramos os pobres.
Eu estava em casa, na rua Gocciadoro, e com as primeiras focolarinas começávamos a nova
aventura.
Não sei, não sei exatamente quem foi que nos impeliu a lançar-nos com tanto zelo ao
encontro dos pobres da cidade de Trento, o mesmo zelo que continuamos a ter também no primeiro
focolare. Penso que foi a palavra de Jesus: «Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais
pequeninos a mim o fizestes»12.
Lembro-me do corredor de minha casa, bastante comprido, repleto de tudo aquilo que
poderia ser útil aos pobres: caixas de doce, leite em pó, sacos de farinha, roupas, remédios, lenha.
Eu me lembro que dispondo de pouco tempo, porque todas nós trabalhávamos e
estudávamos, logo que terminávamos o almoço, saíamos cada uma com duas grandes malas cheias
e pesadas, para visitar os três bairros mais pobres da cidade: le Laste, la Portella, le Androne. Era
uma contínua corrida. Subíamos as escadas escuras, carcomidas pelo tempo e pelos ratos, velhas e
perigosas, numa escuridão quase completa, numa desolação que fazia sofrer os nossos jovens
corações. E em seguida, chegando no primeiro andar, encontrávamos um quarto escuro e um pobre
deitado na cama, geralmente carente de tudo. Era Jesus. Dávamos aquilo que podíamos.
Consolávamos, lavávamos, prometíamos tudo em nome de Deus onipotente. Certa vez uma
focolarina, amando com predileção Jesus numa pobre senhora, demorou-se bastante em sua casa,
limpando tudo e cantando no final uma canção à mãe. Em seguida pegou uma infecção no rosto,
que se tornou depois uma grande chaga. Mas desde aquele momento exultava por ser um pouco
semelhante a Jesus abandonado.
Quando um pobre vinha à nossa casa, escolhíamos a melhor toalha, os melhores pratos e
talheres, e sua refeição era muitas vezes aquilo que tínhamos deixado de comer no almoço ou no
jantar, colocando pão e queijo ou outras coisas no avental, enquanto os nossos pais não olhavam
para nós e envolvendo neste jogo de amor as irmãs menores.
Cada uma tinha uma caderneta, e o coração vibrava quando víamos um pobre. Com grande
amor nos aproximávamo-nos dele, perguntávamos o seu nome e endereço, para amá-lo «até o fim».
Sim, porque se para nós o problema era sem dúvida ajudar os pobres individualmente, tudo
tinha também começado com um programa bem preciso: nós queríamos resolver o problema social
da cidade de Trento. E Deus não nos deixava ver outra coisa, como se, tendo feito isto, tudo no
mundo estivesse resolvido. Por isso nos dirigimos para os bairros mais desfavorecidos da cidade
para socorrê-los, primeiro com tratamentos, com o pão e com o fogo, depois com empregos.
Frequentemente, aconteciam episódios nos quais era evidente a mão de Deus que nos encorajava. E
de alguns deles ainda hoje nos lembramos.
Na praça dos Capuchinhos o trabalho continuou intenso. Numa grande panela,
cozinhávamos todos os dias uma sopa que levávamos aos pobres de São Martinho; ou então os
pobres, sentindo-se no focolare como em sua própria casa, colocavam-se à mesa conosco: um pobre
e uma focolarina, um pobre e uma focolarina.
Depois a guerra terminou e também a situação dos pobres melhorou e nós, aos poucos
espalhamo-nos por toda a Itália para anunciar a nova descoberta do Evangelho.
Mas sempre - quando a Obra difundiu-se no mundo, por toda a parte onde houvesse
necessidade, como na República dos Camarões na África; no Brasil ou na Ásia, ou quando os Gen,
12
Cf. Mt 25, 40.
num contexto análogo e diferente, tinham que fazer a mesma experiência da primeira geração sempre os pobres estiveram conosco.
Além disso, hoje, o Movimento na sua totalidade, vive uma etapa de novo desenvolvimento
sob a fisionomia de Humanidade Nova que, embora timidamente, mas com decisão, colocou-se a
serviço da sociedade e de maneira particular dos pobres de hoje: os drogados, os marginalizados, os
desempregados, os pecadores, os amorais, aqueles que não creem.
E «morrer pela própria gente» é o lema desta operação que espelha e revive aquilo que Jesus
fez.
Agindo assim, aguardamos o dia em que Jesus poderá dizer também a todos nós: eu era
marginalizado e me introduziste em tua comunidade; era drogado e me deste novamente a
felicidade autêntica; estava desempregado e conseguiste trabalho para mim. Eu não tinha moral e
me ensinaste a lei de Deus. Eu estava sem Deus e me fizeste redescobri-lo como Amor.
(Texto publicado em Cristo no Outro, Cidade Nova, São Paulo, 1979, pag. 63-81)

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