UNIVERSIDAD DE ORIENTE Facultad de Construcciones SONIDOS, OLORES

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UNIVERSIDAD DE ORIENTE Facultad de Construcciones SONIDOS, OLORES
UNIVERSIDAD DE ORIENTE
Facultad de Construcciones
SONIDOS, OLORES, SABORES Y TEXTURAS: LA COMUNIDAD DE POXIM
(BRASIL) Y LOS ASPECTOS DEL PATRIMONIO INTANGIBLE.
Maria Madalena Zambi* , Melissa Mota Alcides**
y Roseline Vanessa Santos Oliveira***
RESUMEN
La individualidad y complementariedad de lo tangible y lo intangible en las señales de la
existencia humana, en el contexto de la contemporaneidad pone el tema del patrimonio
como un desafío para los organismos preservacionistas. Patrimonios intangibles no
siempre son fácilmente identificados y reconocidos como tales. Esta comunicación trata
sobre las señales patrimoniales de Poxim, un pequeño poblado localizado al sur de
Alagoas, estado que integra la región Nordeste de Brasil. En el siglo XVII el área donde
hoy el poblado se reproduce material y culturalmente, fue escenario de la presencia
holandesa. Mas allá de los hechos bélicos y las cuestiones económicas, los registros de
imágenes y textos hechos por los holandeses en el citado período, hoy son fuente
fundamental de investigación y, sobre la cual se apuya el Grupo de Estudios del Paisaje
(UFAL/BR) para hacer el mapa del patrimonio cultural de Poxim y localidades vecinas.
En el caso de Poxim, la investigación señala que, a lo largo del tiempo, antiguos
fragmentos de registros concretos e imaginarios muestran el cotidiano del poblado con
evidencias de un pasado distante, vivo, por medio de la oralidad y en las prácticas
culturales (modos de alimentarse, construir, celebrar, etc.) que oscilando entre la
materialiadd e inmaterialidad espejan la esencia del poblado.
Palavras Chaves: Patrimônio intangible
*
Antropóloga, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem/UFAL Mestre em
o
Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/ UFAL Endereço: Loteamento Riacho Doce, n 123,
Riacho Doce. CEP: 57033-290. Maceió-AL, Brasil.
E-mail: [email protected]
**
Arquiteta e Urbanista, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem/UFAL, Mestre em
o
Desenvolvimento e meio Ambiente PRODEMA/UFAL Endereço: Av. Eng. Paulo Brandão Nogueira, n 80,
Bloco 1, ap. 103, Stella Maris. CEP: 57036-550. Maceió-AL, Brasil.
E-mail: [email protected]
***
Arquiteta e Urbanista, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem/UFAL, Doutoranda
em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia – UFBA Endereço: Rua regente Feijó,
n o 04, Pajuçara. CEP: 57030-590. Maceió-AL, Brasil.
E-mail: [email protected]
Introdução
Quando o ponto de vista é a estrada que corta a região sul de Alagoas ligando-a a
outros Estados, o primeiro contato com o povoado de Poxim é através do nome do
lugar pintado em uma pequena placa de madeira. No discreto pórtico, que abre
passagem para Poxim, a paisagem urbana do povoado escapa à busca panorâmica;
não se revela totalmente. Porém, em um caminho de curta extensão, as lacunas
inscritas na paisagem que se vê podem ser desvendadas.
O caminho que leva ao povoado é estreito e de terra, aos poucos vai se abrindo e
mostrando o seu conjunto de casas geminadas, dispostas de maneira a marcar um
traçado urbano singular.
Com a intervenção na paisagem, outros aspectos do povoado ficam expostos ao olhar
revelando-se, como é o caso, por exemplo, do grande vazio desenhado pelas fachadas
contínuas. As linhas e proporções entre os espaços construídos e desocupados de
Poxim formam uma sintonia paisagística consolidada por um elemento que é foco de
atração na paisagem local: a igreja. Ao chegar nesse espaço percebe-se que o lugar
começa ali e que o caminho aparentemente desajustado que leva ao povoado, na
verdade é fruto de sua expansão, resultante da dinâmica regional voltada à produção
do espaço.
De fato, o caminho descrito nem sempre foi a principal entrada/saída do lugar. O rio
Coruripe foi, no século XVI a via de acesso ao espaço geográfico de Poxim constituindo
uma das primeiras paisagens registradas por viajantes europeus durante os primeiros
séculos de colonização das terras brasílicas, o que garante a condição de longa
duração da memória dessa paisagem, justificando o nosso interesse em observá-la
com mais cuidado ao que se refere ao seu conteúdo patrimonial.
Para tanto, depreendemos que os dias que vivemos no presente também podem ser
explicados pelos dias que os precederam. Visíveis ou não, sinais de um passado
distante acrescentam à nossa realidade outras realidades.
No caso do povoado de Poxim à realidade de seus habitantes, se acrescentam outras,
muito antigas no tempo e pouco sensíveis aos danos causados pelo mesmo.
Conservadas e sem se deformarem pela passagem dos séculos, outras realidades
acompanham os moradores de Poxim, matizam o olhar sobre si mesmos, sobre o
mundo e singularizam suas práticas históricas, sociais, econômicas, políticas e
culturais.
A paisagem de Poxim é construída à imagem dos que ali vivem e trabalham. Sob ela o
tempo pesa como uma variável fundamental. No passado, quando Poxim também era
chamada de “Vila Real”, o status de “grande produtor” de óleo para iluminação
contribuía para emoldurar com mamonas (Ricinus communis L.) a paisagem do lugar.
O desuso do óleo nos candeeiros imprimiu na paisagem de Poxim uma outra dinâmica
e o vegetal rarefez-se na composição de seus elementos. Na duração, a mamona em
Poxim constitui-se ainda como um recurso importante, entretanto é utilizada apenas na
medicina caseira. Hoje, a paisagem do povoado emoldura-se por vastos coqueirais e/ou
canaviais com os quais, no cotidiano, os moradores tecem vínculos mais estreitos.
Portanto, mesmo que, para a realização desse trabalho tenhamos nos debruçado sobre
as fontes seiscentistas buscando, encontrando registros e objetos biográficos
relacionados ao nosso recorte geográfico, para trazer à tona alguns aspectos no
tocante ao cotidiano de Poxim, os moradores do povoado com suas falas e silêncios
colocaram-se na condição de importantes intérpretes da história do lugar. Muitas vezes
o passado, mesmo quando salvo da voragem do esquecimento, só se torna
cognoscível mediante a voz de um narrador. Portanto, ao lado das fontes seiscentistas,
os dados aqui apresentados também se originam de narrativas orais pelo viés da
memória dos moradores de Poxim.
Para o desenvolvimento da pesquisa foi utilizado um conjunto iconográfico antigo que
retrata o Brasil colônia resultante de uma série de fatores como a importância de
mapear as áreas de extração do açúcar e os feitos da guerra. Artistas e cientistas como
Frans Post, Albert Eckhout, George Marcgrave e Guilherme Piso produziram um
conjunto de imagens da paisagem nordestina nos séculos XVI e XVII que trazem
representações de animais, plantas e alimentos, de construções (engenhos,
fortificações, casas, igrejas...) e, do cotidiano dos habitantes locais frequentemente
representados pescando, preparando a farinha de mandioca, construindo casas,
trabalhando nas plantações de cana-de-açúcar, instalando os carros de boi, se
preparando para as batalhas e exercendo outras atividades do cotidiano colonial.
Projetamos valores organizados pela nossa cultura em tudo que vemos. Toda
paisagem exposta ao olhar está também exposta a várias leituras e a uma intervenção
pelo olhar. O olhar do pintor que interpretou a paisagem das terras americanas não se
limitou a registrar seus elementos. O resultado, como sabemos, não só atendeu às
convenções da história da arte como nos deixou informações e a marca do olhar do
Outro - o estrangeiro - sobre a “paisagem primeira”.
O corpo é outra forma de intervir na paisagem. A partir de seu movimento as lacunas da
paisagem, aos poucos podem ser desvendadas e/ou conhecidas. No início da pesquisa
de campo, na escala do andar, atravessamos a fronteira de Poxim sinalizada através da
pequena placa na estrada. Aos poucos alcançamos os estabelecimentos contíguos do
povoado, as edificações uma ao lado da outra e os seus vazios. E, a partir da
aproximação com os moradores conhecemos outros pórticos, outras fronteiras do lugar,
acessamos portos , lagoas, antigas pontes e paisagens ausentes do povoado. Lugares
que em Poxim são evocadores da memória, porém dificilmente legíveis como tal por
alguém que não pertença ao grupo local. Caminhar por Poxim ao lado dos moradores,
além de nos permitir acesso a um rico testemunho de outras épocas passadas no lugar,
nos mostrou como, na duração, as práticas que serão mostradas neste trabalho ainda
os faz vibrar no presente.
Com o objetivo de identificar antigas práticas culturais ainda presentes nos hábitos dos
moradores, essas informações imagéticas foram contrapostas com os cenários atuais
das comunidades estudadas através de levantamento fotográfico e, especialmente, dos
dados adquiridos através da oralidade dos membros de povoados como o de Poxim.
Este e outros localizados em áreas vizinhas, à primeira vista configuram-se como
incipientes, com ruas indefinidas, casario singelo, habitados por pessoas simples. No
entanto, guardam evidências de um passado distante, fragmentos de longa duração,
concretos e imaginários, que ainda pontuam a paisagem e a vida que a anima. Poxim
assim como outros povoados estão localizados na área que no passado colonial serviu
de base para uma grande coleta realizada pelos holandeses.
A região sul de Alagoas apresenta, talvez com mais riqueza que outros recortes, uma
dimensão histórico-cultural constituída de um mosaico de estórias e histórias que se
acumularam ao longo do tempo e que, nesta comunicação, procurou-se analisar na sua
dimensão concreta e nos aspectos relativos ao imaginário.
A pesquisa em tela foi montada a partir desta constatação, intencionando cruzar os
recortes iconográficos extraídos do material seiscentista e evidências buscadas em
levantamentos de campo no povoado de Poxim e de suas proximidades.
Ao cruzar os recortes iconográficos extraídos do material seiscentista com as
evidências buscadas em levantamentos de campo, foi possível construir um panorama
de procedimentos relacionados às manifestações materiais e imateriais de uma região
com parcas informações específicas registradas pela literatura apesar de sua
longevidade e riqueza. Apesar disso, a região onde está localizado o território do
povoado de Poxim, recebeu pouca atenção com relação a estudos documentais
colocando, portanto, a urgência de um mapeamento para abarcar a riqueza das
práticas encontradas na localidade. A partir da aproximação das fontes de registro
histórico geradas pelas matrizes européias e o conhecimento extraído do cotidiano da
comunidade de Poxim, coloca-se em contato as vertentes erudita e popular no ensejo
de que juntas, possam ganhar um outro viço, enriquecendo-se mutuamente e criando
condições de inclusive serem disponibilizadas para além do cenário nacional.
Cabe salientar que a investigação só foi possível pela longevidade e riqueza do
patrimônio imaterial alagoano1 focou-se os modos de fazer e modos de saber
transmitidos de geração em geração através de mais de três séculos aferindo, portanto,
a continuidade e a importância histórica de práticas certamente permeadas pela
diversidade cultural que caracterizou a ocupação da região Nordeste como um todo.
Fragmento brasilis
Na região sul de Alagoas onde estão localizados hoje os povoados de Poxim e Pontal
do Coruripe, a presença da população indígena teve sua origem mais remota registrada
pela literatura como vinculada às tribos Caetés e à populações de origem africana que,
vindas de diversas “Áfricas” fizeram aqui, neste pequeno pedaço de Brasil,
empréstimos culturais importantes a Europas e tribos nativas .
A parte sul do território geográfico alagoano apresenta talvez, com mais riqueza que
outros, uma dimensão histórico-cultural constituída de um mosaico de estórias e
histórias que se acumularam ao longo do tempo. Como exemplo podemos citar o
emblemático acontecimento canibalístico relacionado ao bispo chamado D.Pero
Fernandes Sardinha nos tempos iniciais de ocupação das terras brasílicas.
Outro fato bastante significativo da história colonial brasileira relacionado ao recorte em
estudo foi a ocupação holandesa no século XVII. Além dos feitos da guerra, das
questões econômicas, políticas e identitárias relacionadas a este episódio, cabe
salientar a rica produção cultural legada pelos holandeses. Movidos por um outro
conceito de empreitada colonial, a Companhia das Índias interessava conhecer as
regiões que passavam a seu domínio. No caso do Brasil, esta atitude toma uma outra
proporção com a vida de João Maurício de Nassau, que chega na condição de
administrador, imbuído da missão de extrair da colônia conteúdos que alimentassem
suas intenções humanistas de conhecer, colecionar e classificar os repertórios do
mundo. Desse momento foram produzidos sob sua tutela, imagens, objetos, escritos,
fragmentos da história que venceram o tempo e conservados durante um longo tempo
em arquivos nacionais e internacionais, que hoje se fazem acessíveis, proporcionando
fontes privilegiadas para o estudo da história da paisagem da região Nordeste do Brasil.
Nota-se, portanto que as primeiras representações da paisagem Caeté contribuíram
não apenas para as convenções da historia da arte: ao enclausurar a fauna, a flora, os
rastros da humanidade daqueles que interagiam no cotidiano com a paisagem
“ingênua”, “virginal” das telas de Frans Post, as fontes que nascem do olhar do pintor
trazido por Nassau deixam um legado de informações sobre hábitos e costumes do
Nordeste do Brasil, possibilitando o acesso a informações para a investigação acerca
de vários aspectos da história das mentalidades da região, difíceis de serem
encontradas nos documentos escritos.
Rastrear informações acerca da história nordestina através do fragmento territorial
alagoano como Poxim, é referir-se às primeiras expressões culturais brasileiras
resultantes da experiência compartilhada de europeus e nativos. Como numa via de
mão dupla, séculos depois, aproxima a “terra virgem” colonizada (Brasil) e a empresa
colonizadora (Portugal, Paises Baixos, Espanha), através de marcas impressas na
paisagem cujas permanências podem ser reconhecidas não apenas através de um
embate de temporalidades, confrontando registros antigos e atuais em busca de cenas
semelhantes em tudo aquilo que diz respeito à essência da cultura do povoado
estudado: formas de alimentar, de construir, de celebrar, etc.
As práticas que venceram os séculos
Com foi dito anteriormente, vastos coqueirais são marcas visíveis na composição da
paisagem dos territórios de muitos povoados no sul de Alagoas. Em Poxim, alguns
moradores mais antigos encontram neste recurso – o coqueiro – o aporte para certos
marcos estáveis da memória, que algumas vezes remetem a momentos especiais de
seu tempo passado. É o caso dos “Portos” do rio Poxim onde os coqueiros – ao lado de
outros sinais botânicos da paisagem – serviam para delimitar e definir o espaço
particular (local de banho, lavagem de roupa, louça, etc.) de muitas famílias residentes
no povoado de Poxim.
Ao longo do tempo, na intimidade dos seus coqueirais os residentes do povoado fazem
múltiplos usos de todas as partes da palmeira: palhas, caule e frutos. As palhas são
usadas não apenas para cobrir os barcos nos estaleiros, mas as moradas de taipa
construídas nos moldes da tradição local. Com as palhas do coqueiro também se
erguem nos cursos d’água locais, tanques que guardam a macaxeira (Manihot
utilissima Pohl) para o preparo da massa puba e pequenas palhoças que servem de
abrigo na lavagem de roupas.
O fruto do coqueiro, bastante apreciado na culinária local (tapiocas, beijus, bolos,
farinha, etc.) também é usado no preparo de um óleo que na medicina caseira destinase ao trato do cabelo e de males que afetam o couro cabeludo. O “casco do coco”,
especialmente no povoado do Pontal do Coruripe, é usado para a feitura de uma
concha que no linguajar local é conhecida por “coca”. Neste mesmo povoado, muitos
moradores se valem da casca do coco para assar peixe – técnica culinária
regularmente praticada por pescadores, nas embarcações, durante a pescaria. Outros
usam uma parte do caule da palmeira, denominada no linguajar local “tibaca”, como
combustível para os fogões à lenha. Nos respectivos povoados, bem como nos demais
do sul de Alagoas, nos coqueirais, a cada dois meses, um pequeno contingente de
mão-de-obra é reunido para a limpeza e colheita dos frutos.
Fig. 01
Fig. 04
Fig. 02
Fig. 05
Fig. 03
Fig. 06
O ouricuri (Syagrus coronata Mart.), é uma palmeira nativa do Brasil, ocorrendo desde
Pernambuco até o sul da Bahia, sendo uma das principais palmeiras da região semiárida do Nordeste. Ainda hoje é um elemento visível na paisagem de muitos povoados
da região sul de Alagoas. A convivência diária com este recurso despertou os
habitantes tradicionais para as potencialidades de uso desse vegetal, sendo suas
partes utilizadas das maneiras mais variadas, de acordo com a vocação local. A palha
do ouricuri é largamente usada no feitio de artesanato e na confecção de utensílios
destinados ao uso doméstico. Como é o caso, por exemplo, dos moradores de Poxim
que diariamente retiram das matas partes da palmeira para a produção de vassouras
para consumo e comercialização.
Fig. 07
Fig. 08
Fig. 09
Fig. 10
Os recursos da paisagem também utilizados na construção da moradia. A taipa é uma
antiga técnica construtiva consistindo em paredes erguidas a partir de terra úmida
socada em moldes (a taipa de pilão) ou de tapamento. Constitui-se de finos e longos
galhos que serve de estrutura da parede vedada com barro. Geralmente as casas de
taipa são cobertas de palha, sendo a do povo mais abastado coberta de telha e
aparentando terem sido erguidas com bloco cerâmico. No cotidiano local, à prática da
tapagem são atreladas cantigas e rituais. Em Poxim, a casa de taipa significa muito
mais que uma morada. O processo construtivo em si é um bem valioso para as pessoas
da comunidade, pois reforça os laços de solidariedade e reciprocidade partilhados.
Fig. 11
Fig. 12
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Fig. 16
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Fig. 20
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Fig. 23
A história da utilização da mandioca está imbricada aos primórdios da história da
culinária brasileira. “A farinha é para os brasileiros o que o trigo é para os europeus”,
registrou Gaspar Barléus em 1647 ao historiar a presença holandesa no Brasil. A
utilização da mesma enquanto alimento principal, foi conhecida pelos europeus através
dos primeiros habitantes do Brasil, dominando o território em 1500 e ainda hoje mostrase fundamental para o sustento do país, como atestam os levantamentos realizados no
litoral sul de Alagoas. Em Poxim, a mandioca é um alimento com forte vínculo territorial.
Entretanto, não se destina apenas ao fabrico de farinha, mas é indispensável para a
feitura de uma diversidade de itens da culinária local. À guisa de ilustração podemos
mostrar o uso da mandioca no preparo de uma alimento cujo consumo em Poxim está
relacionado ao calendário religioso local.
Fig. 24
Fig. 27
Fig. 30
Fig. 25
Fig. 26
Fig. 28
Fig. 29
Nos dias de hoje, ainda é possível encontrar no povoado de Poxim e em localidades
vizinhas, uma memória sobre os tempos coloniais que se evidencia não apenas no
discurso sobre fatos históricos, mas também em uma série de práticas que venceram
os séculos. Os dados obtidos a partir de pesquisa in loco – levantamento fotográfico e
de depoimentos – juntamente com a análise do conjunto iconográfico holandês
permitiram o reconhecimento de cenas que mostram detalhes da vida cotidiana dos
moradores relativas à forma de preparar o alimento, à técnicas de manuseio de
recursos disponíveis na paisagem, todas elas e à formas de celebrar. Esta
Por estar caracterizado por um vasto sistema hidrográfico, o sul de Alagoas permite que
a pesca artesanal seja realizada em diferentes ambientes e que esta atividade – a
pesca – seja um elemento portador de referência à identidade para moradores de
distintos povoados. No caso do recorte da pesquisa a pesca da “lambuda”,
freqüentemente registrada em imagens seiscentistas, possui vitalidade no presente e
coloca-se como atividade essencial para a reprodução material e cultural dos atores
sociais envolvidos.
Fig. 31
Fig. 33
Fig. 35
Fig. 32
Fig. 34
Fig. 36
Fig. 37
Pode-se observar no recorte geográfico do projeto, ainda nos dias atuais, a constante
presença de hábitos tradicionais e outros elementos passíveis de serem repertoriados
no material iconográfico seiscentista. Confirmando, portanto a hipótese de se
mencionar permanências, em outras palavras, de catalogar um patrimônio que vem se
mantendo vivo possivelmente graças à sua aderência ao uso cotidiano.
Considerações finais
A indissociabiliadde e/ou complementaridade do tangível e do intangível nos sinais da
existência humana, no contexto da contemporaneidade, coloca o tema do patrimônio
como um desafio para os órgãos preservacionistas. Patrimônios intangíveis nem
sempre são facilmente identificados e/ou reconhecidos como tais. Para o caso de
Poxim, a investigação sinaliza que, na longa duração, antigos fragmentos de registros
concretos e imaginários pontuam o cotidiano do povoado com evidências de um
passado distante vivo pelo viés da oralidade nas práticas culturais (modos de alimentar,
de construir, de celebrar, etc.) que, oscilando entre a materialidade e a imaterialidade,
espelham a essência do povoado.
Acreditamos que o rastreamento dos aspectos materiais, mas também dos imateriais
do recorte geográfico em estudo pode ampliar os acessos ao conhecimento históricocultural do lugar. A expectativa para o futuro é que se crie alternativas para
intervenções posteriores que visem a promoção do patrimônio local, através da
reativação de suas cargas identitárias, pois ativar memórias adormecidas através do
levantamento documental contribui para o conhecimento do conteúdo patrimonial de
antigos núcleos como Poxim potencializando-se seus atributos atuais.
Ao atentar para os aspectos do cotidiano, os fazeres e saberes são convocados a
contribuírem para um conceito de paisagem que se quer colado à existência humana.
Tal qual em outro contexto, outras imagens holandesas, produzidas no mesmo período
áureo da arte nórdica nos seiscentos, retrataram os mais prosaicos atos da existência
dos seus cidadãos, e assim se constituíram em um dos berços do próprio conceito de
paisagem dentro do contexto da cultura ocidental, aliando arte e identidade.
Tal processo de investigação revelou que muitas das práticas indicadas nos registros
seiscentistas ainda podem ser visualizadas na paisagem hoje, seja através de um
pedaço da igreja ou da ponte sobre o rio. Mas esse patrimônio, muitas vezes, não
deixou marcas imóveis na paisagem, afigurando outra existência, como uma música,
uma pesca, o processo da construção de uma casa ou do feitio de uma corda ou ainda,
simplesmente uma lembrança que garante a condição de intimidade, de enraizamento
dos habitantes no lugar em que vivem. Ou, por outro lado, muitos elementos que
participaram dos primeiros momentos da formação desta paisagem só permaneceram
em sua primeira forma registrada como também adquiriram significados quando
apropriados pelo homem e associados a outros elementos que compõem as práticas
tradicionais, dando-lhes cores, sons, texturas, formas e cheiros.
As pessoas que vivem em Poxim, ao longo do tempo estabelecem vínculos com o lugar
de habitação. E, neste processo, certos valores e sentimentos positivos em relação ao
lugar são reforçados. Portanto, a paisagem que traduz seus habitantes e revela sinais
patrimoniais do povoado, na intimidade, revela outros sinais que quando apontados
pelos moradores justapõem-se à paisagem que se vê, na qualidade de um mapa
afetivo, desenhado em ritmo singular a partir de laços com o lugar e com os demais
habitantes que dão vida à paisagem.
Notas
1 Este artigo é fruto dos resultados obtidos com a pesquisa intitulada “Modos de
Construir, Modos de Alimentar Memórias da Paisagem Caeté nas Alagoas , realizada
pelo Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem, sediado no Departamento de
Arquitetura da UFAL e coordenado pela profa. Dra. Maria Angélica da Silva. A pesquisa
foi financiada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
Lista de Figuras
Figura 01: Imagem retirada da COLEÇÃO BRASIL-HOLANDÊS, SCHMALKALDEN,
Caspar. O Diário de Viagem de Caspar Schmalkalden de Amsterdã para Pernambuco
no Brasil. 2 v. Rio de Janeiro: Índex Ed., 1998: 44.
Figura 02: Cocos, por Albert Eckhout, 1644. In: ECKHOUT VOLTA AO BRASIL 16442002: catálogo da mostra. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2002: 188.
Figura 03: Vista da Igreja de Poxim.
Figura 04: Casa inteiramente de palha de coqueiro situada nos arredores de Poxim.
Figura 05: Casa de taipa coberta com palha de coqueiro.
Figura 06: “Tibaca”, parte do coqueiro usada como combustível caseiro.
Figura 07: Engenho Real. Frans Post (Ca. 1637-1644). Roterdão, Museum Boijmans.
In.: CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO: A Construção do Brasil. 1500-1825. Lisboa:
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000:
103.
Figura 08: Ouricuri na paisagem atual de Poxim.
Figuras 09 e 10: Moradoras de Poxim com objetos de ouricuri e o fabrico de vassoura.
Figura 11: Casa pronta para receber a taipa.
Figura 12: O ritual da tapagem da casa de taipa.
Figura 13: Tapagem da casa.
Figura 14: A casa de taipa coberta com palha de coqueiro.
Figura 15: Porto do Rio Paraíba, por Montanus, 1671. In: ADONIAS, Isa. Mapa Imagens da Formação Territorial Brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Emílio Odebrecht
Ed., 1993: 156
Figura 16: Detalhe da figura 15.
Figura 17: Vista de Porto Calvo, por Montanus, 1671. In: ADONIAS, Isa. Mapa Imagens da Formação Territorial Brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Emílio Odebrecht
Ed., 1993:189.
Figura 18: Detalhe da figura 17.
Figura 19: Vista da Alagoas (Marechal Deodoro) Montanus, 1671. In: ADONIAS, Isa.
Mapa - Imagens da Formação Territorial Brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Emílio
Odebrecht Ed., 1993: 187.
Figura 20: Detalhe da figura 19.
Figura 21: Detalhe da figura 19.
Figura 22: Mocambos, Frans Post, 1659. Disponível no Museu de Belas Artes do Rio de
Janeiro. In.: O Brasil e os holandeses. Belo Horizonte: Galeria do Palácio das Artes,
1999.
Figura 23: Detalhe da figura 22.
Figura 24: Homem Tupi, por Albert Eckhout, 1644. In: ECKHOUT VOLTA AO BRASIL
1644-2002: catálogo da mostra. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2002.
Figura 25: Mandioca, por Albert Eckhout, 1644. In: ECKHOUT VOLTA AO BRASIL
1644-2002: catálogo da mostra. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2002.
Figura 26: Mandioca. In: COLEÇÃO BRASIL-HOLANDÊS. WAGENER, Zacharias.
Thierbuch. Rio de Janeiro: Editora Índex, 1997: 111.
Figuras 27, 28, 29 e 30: Preparo da massa da mandioca para o feitio de bolo
relacionado ao calendário religioso local.
Figura 31: Porto do Rio Paraíba, por Montanus, 1671. In: ADONIAS, Isa. Mapa Imagens da Formação Territorial Brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Emílio Odebrecht
Ed., 1993: 156.
Figura 32: Detalhe da figura 31.
Figura 33: Vista da Alagoas (Marechal Deodoro) Montanus, 1671. In: ADONIAS, Isa.
Mapa - Imagens da Formação Territorial Brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Emílio
Odebrecht Ed., 1993: 187.
Figura 34: Detalhe da figura 33.
Referências Bibliográficas
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Brasil, 1647. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Editora da Universidade de São
Paulo, 1974.
Brasil-Holandês: Coleção Niedenthal, Animaux et Oiseaux & Naturalien-Buch de Jacob
Wilhelm Griebe. 3 v. Rio de Janeiro: Index Ed., 1998.
Brasil-Holandês: documentos da biblioteca universitária de Leiden, o Thierbuch e a
Autrobiografia de Zacharias Wagener e os quadros do Weinbergschlösschen de
Hoflössnitz. 3 v. Rio de Janeiro: Índex Ed., 1997.
Brasil-Holandês: Miscelânea Cleyeri, Libri Principis & Theatrum rerum naturalium
Brasiliae. 5 v. Rio de Janeiro: Índex Ed., 1995.
Brasil-Holandês: o Diário de Viagem de Caspar Schmalkalden de Amsterdã para
Pernambuco no Brasil. 2 v. Rio de Janeiro: Índex Ed., 1998.
Brasil-Holandês: Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae. 2 v. Rio de Janeiro: Índex Ed.,
1995.
Brasil-Holandês: Theatrum rerum naturalium Brasiliae. 2 v. Rio de Janeiro: Índex, 1993.
ECKHOUT VOLTA AO BRASIL 1644-2002: catálogo da mostra. São Paulo: Pinacoteca
do Estado de São Paulo, 2002.
FONSECA, João Severino da. Origem de alguns nomes patronímicos da Província das
Alagoas. VOLUME I. Ano 1876.
LEMOS, João R. Poxim, terra de história e de mitos: Vila Real de São José de Poxim
do Sul. Coruripe: Prefeitura Municipal, 2001.
MARCGRAVE, George. História Natural do Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do
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MORIN, Edgar. Saberes Globais e Saberes Locais, o olhar transdisciplinar de Edgar
Morin com a participação de Marcos Terena. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
PISO, Guilherme. História Natural do Brasil Ilustrada. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1948.

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