Introdução

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Introdução
Efeitos das mudanças climáticas sobre os sistemas de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário da cidade do Rio de Janeiro: uma visão preliminar 1
Isaac Volschan Jr. – Depto. de Recursos Hídricos e Meio Ambiente – Escola Politécnica – UFRJ
Sumário
Introdução ................................................................................................... 1
1 – PROGNÓSTICO ........................................................................................ 2
1.1 – Modificações pluviométricas .................................................................... 2
1.2 – Elevação do nível do mar........................................................................ 4
1.3 – Elevação da temperatura........................................................................ 6
2 – DESAFIOS............................................................................................... 6
2.1 – Prestação adequada dos serviços ............................................................ 6
2.2 – Incertezas quanto às mudanças climáticas de longo prazo........................... 7
3 – MEDIDAS CONJUNTURAIS ......................................................................... 8
3.1 – Planejamento e estrutura do setor ........................................................... 8
3.2 – Gestão da demanda e eficiência hídrica e energética .................................. 9
4 – CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES........................................................... 10
Referência....................................................................................................12
Introdução
Em atendimento ao Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, este documento reune
observações técnicas preliminares sobre eventuais efeitos das mudanças climáticas sobre os
sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário da cidade do Rio de Janeiro.
A partir da revisão de trabalhos técnico-científicos específicos sobre o tema “mudanças
climáticas e águas urbanas”, o presente documento discute a aplicabilidade de alguns destes
conceitos para a realidade da cidade do Rio de Janeiro e, posteriormente, indica outros possíveis
impactos – diretos e indiretos - sobre a estrutura física e a operacionalidade de elementos
componentes dos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
Todos os trabalhos analisados sugerem prognósticos, desafios e medidas conjunturais e
físicas estruturais de caráter mais genérico, que podem e devem ser aplicadas ao melhor
funcionamento dos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, independente
de efeitos que possam ocorrer advindos das mudanças climáticas de longo prazo. Na verdade,
nenhum dos estudos aponta referências muito explícitas e mais detalhadas sobre impactos nos
sistemas de águas urbanas e respectivas adaptações necessárias de seus elementos componentes.
Somente uma experiência internacional de ação local promovida específicamente pelo setor
de águas urbanas encontra-se relatada (Major et al, 2006). Em 2004, o New York City Department
1
Texto elaborado para o Instituto Pereira Passos, para subsidiar os debates do Seminário de Reação: Rio, próximos 100 anos.
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of Environmental Protection (NYCDEP), órgão responsável pela O&M dos sistemas de abastecimento
de água e de esgotamento sanitário, em conjunto à Universidade de Columbia, estabeleceu um
grupo de trabalho sobre o tema “mudanças climáticas e águas urbanas”. O objetivo do estudo foi o
de garantir a previsão dos potenciais riscos dos efeitos das mudanças climáticas no planejamento
estratégico e de investimentos daquela instituição. O trabalho obedeceu a uma metodologia baseada
em diferentes cenários de mudanças climáticas e correspondentes etapas de adaptação, divididas
segundo categorias (gerenciamento, infraestrutura, político-legal) e graus de relevância em função
do tempo (imediato, medio e longo).
Além deste, todos os documentos analisados incluem a elevação do nível do mar, o aumento
da temperatura, a modificação da intensidade e da frequência de chuvas, ocorrência de eventos
extremos e a ocorrência de inundações e estiagens como os fenômenos de mudanças climáticas
causadores de eventuais comprometimentos da infra-estrutura de águas urbanas.
Neste contexto, o presente documento discute prognósticos sobre eventuais efeitos
decorrentes das mudanças climáticas sobre o setor de águas urbanas, aponta desafios e indica
medidas conjunturais necessárias.
1 – PROGNÓSTICOS
1.1 – Modificações pluviométricas
As modificações na sazonalidade, na distribuição espacial e nos regimes das chuvas influenciarão a
quantidade e a qualidade dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos e, consequentemente,
conflitos de uso da água poderão ocorrer nos mananciais dos sistemas de abastecimento de água.
Elevadas intensidades de chuvas, particularmente após longos períodos de estiagem – nos quais é
reduzida a permeabilidade do solo, induzirão o incremento do run-off e a ineficiência da recarga de
aquíferos subterrâneos. (Potsdam Institute for Climate Impact Research, 2007).
De fato, sob o ponto de vista quantitativo, períodos prolongados de estiagem tenderão a
comprometer a disponibilidade de água para o exercício dos diferentes usos dos recursos hídricos. É
sabido que a maior parte da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), na qual integralmente
se insere o município do Rio de Janeiro, depende dos macro-sistemas de produção e distribuição de
água do Guandú, Ribeirão das Lajes, Acari e ainda outros micro-sistemas que utilizam mananciais
locais superficiais. Em todos os casos, a indisponibilidade hídrica dos mananciais afetará a
operacionalidade dos sistemas de abastecimento de água.
Observa-se que o macro-sistema do Guandú, responsável pelo atendimento de 80% da
população da RMRJ e pela grande maioria da população do município do RJ, depende da
transposição de águas do Rio Paraíba do Sul, e consequentemente da gestão integrada e
consorciada desta bacia hidgrográfica. Assim, no caso da cidade do Rio de Janeiro, a maior
preocupação frente à possibilidade de maior frequência e duração de períodos de estiagem também
extrapola as bacias hidrográficas dos mananciais de captação dos sistemas de abastecimento de
água.
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Deve-se ainda salientar que os mesmos efeitos poderão ocorrer nos mananciais superficiais e
subterrâneos que servem sistemas individuais e particulares de abastecimento de água - ilegais ou
não, existentes em locais da cidade do Rio de Janeiro – notadamente nas AP-3, AP-4 e AP-5,
sujeitos às deficiências da cobertura e do regime de abastecimento dos macro-sistemas públicos e
coletivos.
Ademais, prolongadas e frequentes estiagens também poderão comprometer a
disponibilidade hídrica dos mananciais superficiais e subterrâneos sob o ponto de vista qualitativo,
em função do menor efeito a ser obtido pela diluição de poluentes provenientes de esgotos
sanitários e efluentes industriais não tratados.
Por outro lado, após chuvas intensas e demasiado incremento do escoamento superficial, as
águas dos mananciais supeficiais tendem a apresentar sobre-elevação da Turbidez, da contaminação
fecal e de outros parâmetros físico-químicos correlatos, requerendo intenso trabalho nas ETA’s para
produção de água tratada que atenda ao padrão de potabilidade (aplicação maior de coagulantes
químicos, maior frequencia de retrolavagem, etc...)
A segurança estrutural das barragens de nível que servem aos sistemas de abastecimento de
água é também motivo de preocupação, principalmente em função dos efeitos de inundação devidos
ao escoamento istantâneo do volume de água represado.
A previsão do incremento da intensidade e da frequência de chuvas extremas terá
repercussão sobre a hidráulica dos elementos componentes dos sistemas de esgotamento sanitário;
a capacidade hidráulica será mais recorrentemente excedida e extravazamentos decorrerão em
comprometimento da qualidade da água dos corpos hídricos receptores (Potsdam Institute for
Climate Impact Research, 2007).
No Rio de Janeiro, como em todo o Brasil e outras regiões tropicais, adota-se a concepção do
sistema de esgotamento sanitário do tipo separador absoluto, no qual os esgotos sanitários são
coletados independentemente das águas pluviais.
Dentre outros problemas operacionais inerentes ao sistema separador absoluto, destacam-se
as contribuições indesejadas de águas pluviais provenientes de instalações prediais – ditas
contribuições parasitárias. O aumento da intensidade e da frequência de chuvas tenderá a aumentar
as vazões devidas a estas contribuições indevidas.
Acrescenta-se ainda o fato de que a consequente elevação do nível freático subterrâneo
induzirá a uma maior infiltração de águas subterrâneas para o interior da rede coletora de esgotos, a
qual é técnicamente admitida até o limite máximo de 1,0 L/s.km.
Em ambos os casos, com o incremento das respectivas contribuições, a capacidade hidráulica
dos elementos componentes do sistema de esgotamento sanitário poderá ser comprometida, e
eventuais extravazamentos para o sistema de drenagem urbana poderão ocorrer, e como
decorrencia, a deterioração da qualidade da água dos corpos d’água receptores.
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Mesmo que extravazamentos não ocorram, critérios de operação hidráulica-sanitária de todos
os elementos que compõem os sistemas de esgotamento sanitário poderão ser violados, podendo
ainda resultar: o refluxo interno dos esgotos em instalações domiciliares, pressões internas elevadas
nos coletores de esgotos, trabalho eletro-mecânico excessivo das estações elevatórias, sobrecarga
hidráulica de unidades da ETE.
Áreas urbanas desprovidas de rede coletora de esgotos contam com unidades individuais de
tratamento e utilizam as galerias de águas pluviais para a destinação final dos esgotos; assim,
efeitos sobre o funcionamento hidráulico dos sistemas de drenagem urbana comprometerão o
escoamento dos esgotos, e eventuais problemas a montante poderão ocorrer.
Áreas urbanas desprovidas de sistemas públicos e coletivos de esgotamento sanitário e de
águas pluviais podem contar com unidades individuais de tratamento de esgotos. No caso, o
incremento da frequência de chuvas tenderá a promover a elevação do lençol freático subterrâneo e
a saturação do solo, o que consequentemente comprometerá o funcionamento de fossas sépticas e
poços absorventes tipo “sumidouros”.
Por fim, áreas urbanas desprovidas de rede coletora de esgotos e de galerias de águas
pluviais – notadamente aquelas mais carentes do município - e que hoje em dia ainda contam com
valas negras para o escoamento conjunto de águas pluviais e esgotos sanitários, estarão em
situação sanitária-ambiental ainda mais adversa no caso de chuvas mais intensas e frequentes.
Cada uma das situações anteriormente abordadas poderão ocorrer na cidade do Rio de
Janeiro, em função das características físicas e das condições operacionais e de manutenção dos
seguintes sistemas de esgotamento sanitário que envolvem o município: Sepetiba, Barra da Tijuca e
Jacarepaguá, Ipanema, Alegria, Penha, Pavuna-Meriti, Bangú, Acari, Ilha do Governador e Paquetá.
1.2 – Elevação do nível do mar
Em certos casos, a elevação do nível do mar poderá impor o reassentamento humano, o que poderá
requerer novos mananciais de abastecimento e nova infraestrutura física de abastecimento de água
e de esgotamento sanitário (Ashley e Cashman, 2006).
Em áreas costeiras, cursos d’água doce superficiais ou subterrâneos estarão sujeitas a intrusão
salina em função da elevação do nível do mar e/ou da elevada extração e rebaixamento do nível
d’água freático; a tecnologia de membranas para desalinização da água ainda demanda elevado
consumo de energia elétrica e ainda apresenta elevados custos de aquisição (Potsdam Institute for
Climate Impact Research, 2007; Ashley e Cashman, 2006).
As captações nos mananciais superficiais dos sistemas de Ribeirão das Lajes e Acari, além
dos sistemas locais que atendem ao abastecimento público da cidade do Rio de Janeiro não estarão
sujeitas à intrusão salina da água do mar, nem mesmo a tomada d’água do sistema Guandú, no
caso impedida pela barragem de controle de nível.
Como já observado, áreas da cidade do Rio de Janeiro estão sujeitas ao abastecimento
público intermitente e portanto contam com sistemas individuais e particulares de extração de água
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subterrânea; no caso da elevação do nível do mar, a intrusão salina poderá comprometer a
qualidade da água subterrânea localmente extraída. Da mesma forma, redes de distribuição
constantemente despressurizadas poderão também estar sujeitas à infiltração da água subterrânea
salinizada.
Atenção no entanto, deverá ser dedicada às manobras de descarga de fundo dos
desarenadores a montante da ETA Guandú, que poderão estar sujeitas à influência de eventual
salinidade do rio Guandú. Da mesma forma, poderão estar as indústrias localizadas mais a jusante
da barragem e que fazem uso de sistemas próprios e particulares de abastecimento de água por
meio de captações diretas no rio.
A elevação do nível do mar poderá comprometer o escoamento hidráulico em superfície livre
que rege o lançamento de efluentes tratados de estações de tratamento de esgotos em corpos
d’água receptores, assim como, consequentemente, o perfil hidráulico e a performance de todo o
processo.
Da mesma forma, áreas urbanas desprovidas de sistemas públicos e coletivos de
esgotamento sanitário e sujeitas ao comprometimento do escoamento hidráulico do sistema de
drenagem urbana, poderão ter consequentemente comprometimento o escoamento hidráulico do
efluente de seus sistemas privados de tratamento de esgotos do tipo fossa-filtro e/ou ETEs
compactas.
Considerando os dispositivos de interconexão entre os sistemas de esgotamento sanitário e
de drenagem urbana e o comprometimento do escoamento hidráulico deste último, poderão ocorrer:
violação dos critérios de operação hidráulica-sanitária de todos os elementos que compõem o
sistema de esgotamento sanitário, e possibilidade de ocorrer o refluxo interno de esgotos em
instalações domiciliares, pressões internas elevadas nos coletores de esgotos, trabalho eletromecânico excessivo das estações elevatórias, sobrecarga hidráulica de unidades ineficiência da ETE;
misturação entre águas salinizadas e esgotos sanitários e comprometimento dos processos
biológicos de tratamento de esgotos.
Sempre que ocorrerem inundações de áreas urbanas impostas também em função da
elevação do nível do mar, as ETE’s poderão ser fisicamente afetadas pelo fato de usualmente serem
localizadas próximas aos corpos d’água receptores. No caso da cidade do Rio de Janeiro, dentre as
ETE’s de maior porte, Alegria, Penha, Ilha do Governador, Paquetá, e Pavuna-Meriti são aquelas
localizadas mais próximas ao mar. Segundo as hipóteses de elevação do nível do mar por enquanto
sugeridas, a ETE Pavuna é aquela que se encontra localizada justamente em uma das áreas que
seriam supostamente afetadas na cidade do Rio de Janeiro.
Esta preocupação encontra no caso dos eventos que ocorreram na cidade de Nova York em
2001, o exemplo mais simbólico dos efeitos decorrentes da elevação do nível do mar sobre os
sistemas de águas urbanas; na ilustração da Figura 1 observa-se a ETE de Bronx seriamente
comprometida.
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Figura 1 – ETE de Bronx, 2001
Por fim, cabe observar que o perfil hidráulico do escoamento dos emissários submarinos de
esgotos depende da variação do nível do mar, de forma que a sua elevação também decorrerá na
elevação de todo o nível piezométrico. Nesse sentido, há de se verificar a influência que eventuais
elevações do nível d’água nas caixas de carga piezométrica dos emissários submarinos de Ipanema
e Barra da Tijuca trará ao funcionamento de todos os elementos a montante e que também
compõem estes sistemas de esgotamento sanitário.
1.3 – Elevação da temperatura
A elevação da temperatura encontrará direta e imediata correlação com o consumo percapita de
água, o que demandará a extração de maiores quantidades de água de mananciais superficiais e
subterrâneos (Ashley e Cashman, 2006).
É sabida a correlação entre clima e consumo de água, de forma que para a nossa realidade
tropical, o consumo diário de água nos meses mais quentes do ano pode resultar em aumento de
até 20% em relação a média de consumo diário ao longo do ano. Assim, considerando a eventual
elevação da temperatura, há também de se esperar pelo aumento da demanda de água a ser
exercida sobre os sistemas públicos de abastecimento.
Sistemas de abastecimento de água perdem fisicamente água, sendo a evaporação em
reservatórios uma das possíveis formas. A elevação da temperatura pode incrementar o mecanismo
da evaporação e desequilibrar setorialmente a relação entre a oferta e a demanda de água de
abstecimento.
No caso de emissários submarinos, a densidade da pluma de esgotos tem influência sobre os
mecanismos de dispersão de poluentes e contaminantes no oceano, os quais poderão ser alterados
em função da elevação da temperatura da água.
2 – DESAFIOS
2.1 – Prestação adequada dos serviços
Os desafios do setor de águas urbanas frente às mudanças climáticas compreenderão a proteção e
o uso eficiente dos recursos hídricos, a manutenção dos padrões de prestação dos serviços, a
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garantia da proteção da saúde pública e do ambiente, e a limitação dos impactos financeiros e
econômicos sobre o próprio setor e os seus consumidores. Os custos financeiros para as adaptações
necessárias poderão extrapolar a capacidade de investimentos dos prestadores de serviços,
principalmente nos sistemas em ruim estado de conservação e/ou limitado índice de atendimento ou
sujeitos à indisponibilidade quantitativa e/ou qualitativa dos mananciais de abastecimento. Londres
atualmente já apresenta desafios para ampliação e melhoria dos sistemas de abastecimento de água
e de esgotamento sanitário existentes, os quais serão ainda maiores para o atendimento ao
crescimento demográfico e para as adaptações necessárias em função de mudanças climáticas
(Potsdam Institute for Climate Impact Research, 2007; Greater London Authority, 2006).
De fato, de acordo com o Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SNIS) – ano de
referência 2005, os indicadores de prestação dos serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário da cidade do Rio de Janeiro apresentam índices de cobertura e de
funcionalidade dos sistemas ainda insatisfatórios, como mostra a Tabela 1.
Tabela 1: Indicadores de saneamento associados ao município do Rio de Janeiro
Fonte: Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SNIS) – ano de referência 2005
INDICADORES – SNIS 2005
%
Índice de atendimento populacional por SAA
100
Índice de hidrometração do SAA
65,26
Índice de perdas de faturamento do SAA
54,03
Índice de atendimento populacional po SES
82,91
Índice de coleta dos esgotos gerados
73,81
Índice de tratamento dos esgotos coletados
83,66
Índice de tratamento dos esgotos gerados
61,74
2.2 – Incertezas quanto às mudanças climáticas de longo prazo
Há dúvidas sobre a incorporação de cenários de mudanças climáticas no planejamento e nos
projetos de engenharia de futuros sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
Embora a adaptação tecnológica da infraestrutura física dos sistemas seja a forma mais usual para
satisfazer ao gerenciamento dos sistemas urbanos de águas, há opiniões conflitantes em relação à
execução de intervenções para atendimento às mudanças climáticas; há questões ambientais,
econômicas, e sociais demasidamente importantes que devem ser consideradas em projetos de
grande porte, devendo-se evitá-los ou adiá-los até que se tenha maior certeza sobre as supostas
modificações hidrólogicas. Por meio de ajustes de práticas gerenciais e arranjos jurídicoinsitucionais, adaptações nos sistemas urbanos de águas vêm sendo constantes e recorrentemente
implementadas visando atender as contínuas e graduais alterações e variabilidades climáticas; no
entanto, estas adaptações de rotina não visam o atendimento às mudanças climáticas de longo
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prazo. Somente alguns exemplos de iniciativas governamentais podem ser apontados no sentido da
adaptação mais ampla do setor; a incerteza quanto ao real prognóstico sobre as mudanças
climáticas e a falta de informações e orientações técnicas mais consistentes sobre a questão não
induzem a difusão de grande quantidade de ações no sentido da adaptação destes sistemas. Planos
estratégicos convencionais do setor, mesmo os de mais de longa duração, elaborados para períodos
de até 20 anos de duração, usualmente não consideram as mudanças climáticas de longo prazo
(Potsdam Institute for Climate Impact Research, 2007; Levina e Adams, 2006).
O atual estágio da perspectiva sobre mudanças climáticas ainda não é prontamente
determinante para a imposição de novos critérios de projeto e de adaptações físicas estruturais ou
operacionais dos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário existentes.
Não obstante, é sempre conveniente o continuado planejamento do setor de saneamento, de
forma que quando reconhecido o risco de ocorrrência ou permanência de determinado evento
climático, possam ser os sistemas mais facilmente ajustados e adaptados.
3 – MEDIDAS CONJUNTURAIS
Devem as estratégias de adaptação do setor de águas urbanas ser cientificamente
embasadas, satisfazer longos períodos de projeto, estar inseridas e de acordo com o plano de
gestão de recursos hídricos, prever os riscos de inundações e estiagens, considerar a partição
dos custos da adaptação entre todas as partes envolvidas, e estabelecer regulamentação
para a captação, distribuição e consumo da água.
Estratégias de natureza econômica devem ser previstas e objetivar a modificação dos
padrões de consumo de água e a provisão de recursos financeiros para investimento e
operação e manutenção dos sistemas, incluindo as adaptações necessárias em função de
mudanças climáticas. Da mesma forma, estratégias de comunicação que permitam a
informação transparente e a participação pública como requerimentos necessários aos
processos de tomada de decisão sobre as adaptações necessárias (Levina e Adams, 2006;
Potsdam Institute for Climate Impact Research, 2007)
3.1 – Planejamento e estruturação do setor
A organização do arcabouço legal e institucional do setor de águas urbanas deve
complementarmente suportar as adaptações necessárias. É reconhecida a importância da existência
de um arcabouço jurídico-institucional do setor, passível de adaptações perante as necessidades
impostas pelas mudanças climáticas, e que contenha um sistema legal, com definições de direitos e
responsabilidades dos diferentes níveis de governo e do setor privado; um arcabouço de instituições
de âmbito nacional, regional e local responsável por promover a gestão do setor; políticas públicas
de interesse ao cumprimento da base legal; a própria estrutura física dos sistemas de abastecimento
de água e de esgotamento sanitário capaz de ser ajustada em função de adaptações necessárias;
um conjunto de planos de gestão do setor cercado de flexibilidade para as adaptações necessárias; e
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dados científicos, sistemas de monitoramento, mecanismos de troca e disseminação de informação e
de comunicação social (Levina e Adams, 2006).
O setor de saneamento em todo o país vive momento de expectativa, amparado pela
motivação da aprovação do marco regulatório do setor de saneamento – Lei da Política Nacional de
Saneamento Básico, e pela previsão de alocação de expressivos recursos para investimentos no
âmbito do PAC. Especificamente na cidade do Rio de Janeiro há ainda a expectativa em função do
recente e inovador acordo entre os entes municipal e estadual para a prestação municipal dos
serviços de esgotamento sanitário na zona oeste da cidade.
Países em desenvolvimento devem direcionar atenção para as seguintes ações visando
melhor adaptarem seus respectivos setores de águas urbanas às mudanças climáticas: rever e
atualizar a legislação sobre águas urbanas visando adequá-las para as necessárias adaptações;
implementar um modelo sustentável para permissão de extração de águas superficiais e
subterrâneas; avaliar a capacidade institucional instalada e adaptá-la para gestão das águas
urbanas; desenvolver estratégias de planejamento dos sistemas de águas urbanas; criar sistemas
formais de informação entre os organismos, setores e níveis da administração pública e entre a
comunidade científica (Levina e Adams, 2006).
Embora o setor conte com expressivo arcabouço legal sobre águas urbanas, há a necessidade
de adaptações, revisões, e complementações que possibilitem a melhor gestão dos recursos
hídricos. Por exemplo, entre outros, há conflitos de gestão de corpos d’água de natureza
eminentemente municipal; há na prática, ineficiência de imposições para o tratamento localizado de
esgotos sanitários; há conflitos técnico-institucionais para a extração individual de água
subterrânea, etc.
Independente do grau de desenvolvimento, devem ainda os países adotar as seguintes
medidas como estratégias de adaptação às mudanças climáticas: integrar a gestão dos recursos
hídricos ao uso do solo, regulamentando a ocupação e o desenvolvimento de áreas alagáveis, por
meio de mapas de zonas de risco de inundações; desenvolver planos de controle de inundação
contendo medidas de mitigação e apoiados em sistemas de previsão e contigenciamento; implantar
arranjo institucional para situações emergenciais, com definição de responsabilidades e mecânismos
para tomada de decisão; implantar políticas de gerenciamento da demanda de água; desenvolver
serviços de atendimento hospitalar, educação e treinamento profissional preparado para situaçõs
impostas por mudanças climáticas (Levina, 2006; Potsdam Institute for Climate Impact Research,
2007).
3.2 – Gestão da demanda e eficiência hídrica e energética
As instituições públicas governamentais devem continuamente garantir uma campanha pública de
interesse coletivo em relação a eficiência e ao uso racional da água, e não somente em situações de
estiagem. As estratégias de natureza técnica são baseadas na aplicação das melhores tecnologias
disponíveis e no gerenciamento e na otimização da demanda de água, no aproveitamento de águas
de chuva e no uso de esgotos sanitários tratados. O Plano Diretor de Londres aponta incentivos para
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o reúso de água cinzas e o aproveitamento de águas de chuva (Potsdam Institute for Climate Impact
Research, 2007; Greater London Authority, 2006).
Como estratégia para otimizar o consumo da água, a micromedição deve-se tornar
compulsória para todos os domicílios, acompanhada de um novo modelo tarifário. Novas construções
– domicíliares ou comerciais – devem incorporar as melhores práticas e tecnologias para o uso
eficiente e racional da água e programas de certificação de consumo eficiente da água em domicílios
devem ser criados. A prestadora dos serviços de abastecimento de água de Londres tem
implementado um programa continuado de estabilização e redução de pressões no sistema de
distribuição, visando a redução de rompimentos de tubulações e perdas físicas de água (Greater
London Authority, 2006).
Nesse sentido, deve-se destacar o Decreto Municipal RJ - n° 23940/2004, o qual institui no
município do Rio de Janeiro, a obrigatoriedade de que imóveis com mais de 500 metros quadrados
de área impermeabilizada sejam dotados de reservatórios para coleta de água de chuva, inclusive
estimulando o seu aproveitamento em diferentes usos.
Como anteriormente observado, os índices de hidrometração e de perdas por faturamento do
sistema de abastecimento de água da cidade não correspondem ao princípio do uso eficiente e
racional da água. Independente das consequencias advindas das mudanças climáticas, deve o setor
de sanamento se concentrar prontamente em programas locais eficazes de combate às perdas e aos
desperdícios do consumo, e nesse sentido o município do Rio de Janeiro deve também evoluir.
A setorização do sistema de abastecimento de água da cidade segundo a referência dos
reservatórios de distribuição deve ser otimizada com ênfase na eficiência energética, visando
diminuir a demanda específica de energia elétrica exercida - 360 GWh, equivalente a 2,5% do
consumo de energia elétrica do município. A setorização também deve enfatizar a regularização de
pressões segundo patamares que evitem a sobrelevação e perdas físicas de água devidas ao
rompimento de tubulações.
4 – CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Embora as observações deste documento respondam de forma ampla e genérica às suposições e
hipóteses formuladas, independentes de efeitos ambientais de longo prazo, devem ser prontamente
implementadas para a melhoria da prestação dos serviços de abastecimento de água e de
esgotamento sanitário da cidade do Rio de Janeiro.
Considerando a data recente de publicação e a análise da bibliografia revisada, há a indicação
de que a presente iniciativa da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro acompanha as discussões
internacionais e ainda incipientes sobre o tema mudanças climáticas quando abordadas sob a
perspectiva da infraestrutura de saneamento das cidades.
No entanto, não obstante a válida preocupação com o futuro da cidade frente às mudanças
climáticas, deve também se concentrar na situação presente dos sistemas públicos e coletivos de
abastecimento de água e de esgotamento sanitário da cidade do Rio de Janeiro, ainda caracterizados
pela limitada cobertura espacial e por importantes deficiências operacionais. A discussão, o
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planejamento e a ação sobre a cidade do presente nos melhor prepararão para a administração da
cidade do futuro.
Nesse sentido, é imperiosa a necessidade da cidade prover seus domicílios e atividades sócioeconômicas com abastecimento de água público e de qualidade e sistema coletivo de esgotamento
sanitário – incluindo coleta, transporte e destinação final adequada dos esgotos gerados, e
minimamente atender as recomendações das Metas do Milênio da ONU: até 2015, reduzir em 50% o
déficit existente em 2000.
Muito embora o arcabouço institucional recentemente estabelecido para a gestão das águas
urbanas nos limites do município, confira à Prefeitura do Rio de Janeiro a prestação dos serviços de
esgotamento sanitário de parte da cidade, deve a administração municipal conhecer a realidade da
prestação dos serviços e atuar para o planejamento e a gestão dos sistemas de saneamento de todo
o seu território.
Nesse sentido, visando a melhoria do atendimento atual e as expectativas de atendimento
futuro - que também incluam a previsão de efeitos decorrentes de mudanças climáticas, é
fundamental o olhar do município do Rio de Janeiro no processo de revisão e atualização dos planos
diretores de abastecimento de água e de esgotamento sanitário de toda a região metropolitana.
Da mesma forma, deve também a Prefeitura garantir aos seus munícipes o planejamento
organizado de ações em situações de risco e de contingenciamento do consumo de água potável,
por meio de Plano de Segurança da Água, de acordo com as recomendações para a qualidade da
água de consumo humano da Organização Mundial de Saúde (Guidelines for Drinking Water Quality,
2004).
A expansão urbana e o licenciamento de novas construções em áreas da cidade desprovidas
de sistemas públicos e coletivos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário devem ser
criteriosamente debatidas, uma vez que a atual legislação urbana assim as autoriza desde que
soluções locais, individuais e particulares sejam empreendidas, mesmo que tecnicamente sejam
reconhecidamente ineficientes.
Por fim, políticas públicas municipais devem incentivar ações individuais visando a
conservação e uso racional da água – tais como o já obrigatório aproveitamento de água de chuva, e
a segregação e o uso de águas cinzas e águas negras. Por outro lado, deve também incentivar ações
da operadora que visem à eficiência hídrica e energética dos elementos componentes dos sistemas
de abastecimento de água, o que também inclui a micromedição e o controle de perdas físicas.
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Referência:
Ashley, R.; Cashman, A. (2006). Infrastructure to 2030: Telecom, Land Transport, Water and
Eletricity. OECD.
Greater London Authority (2006). Adapting to Climate Change: Lessons for London. London Climate
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Major, D.C et al. (2006). Managing Risk by Adapting to Climate Change: Planning for New York
City’s Water Supply, Sewer and Wastewater Treatment Systems. AWRA 2006 Annual Water
Resources Conference. Baltimore
Levina, E. (2006). Domestic Policy Frameworks for Adaptation to Climate Change in the Water
Sector - Part II: Non-Annex I Countries. OECD.
Levina, E.; Adams, H. (2006). Domestic Policy Frameworks for Adaptation to Climate Change in the
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Potsdam Institute for Climate Impact Research (2007). Water Supply and Sanitation Discussion
Paper. Conference “Time to Adapt - Climate Change and the European Water Dimension:
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USGCRP (2003). US National Assessment of the Potential Consequences of Climate Variability and
Change – Draft Summary of the Water Sector Workshop
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