XVI Jornadas sobre Alternativas Religiosas en América

Transcrição

XVI Jornadas sobre Alternativas Religiosas en América
XVI Jornadas sobre Alternativas Religiosas en América Latina
Universidad Catolica Del Uruguay
1 al 4 de noviembre de 2011
Área temática (GT)
GT 12. Sexualidades
Erotismo e Religião: a experiência do sagrado em Georges Bataille e Rubem Alves
Anaxsuell Fernando da Silva1
Resumo:
Nosso objetivo, neste trabalho, é inicialmente apresentar, ainda que brevemente, os termos Erotismo e
Religião presentes em Georges Bataille – autor que expõe a dimensão epistemológica da experiência
erótica e seu fundamento religioso estabelecidos sobre as interdições e transgressões – e em Rubem Alves,
para quem o corpo e a experiência erótica são pré-condições para a comunhão. A abordagem utilizada é
problematizadora e aproximativa, na qual a finalidade é descobrir o sentido da erótica batailliana,
produzindo-lhe uma compreensão da categoria “Religião” e a possível apropriação que Rubem Alves faz
dessa concepção associando-a a possibilidade de liberdade (e a experiência de poder).
***
“Não há orgasmo que ponha fim ao desejo”
O retorno e terno, Rubem Alves
Religião e Erotismo em Bataille
Georges Bataille (1897-1962) nasceu em Billom, Puy-de-Dôme, França. Ficou
marcado na história da filosofia como o metafísico do mal. Sua obra está distingue-se por
três experiências centrais: a experiência cristã de sua formação católica (jesuítica), a
experiência estética (surrealista) e a experiência política (esquerdista). Entre várias coisa,
escreveu sobre sexo, morte, degradação e as potencialidades do prazer.
Para ele, o alvo principal de todo intelectual deveria ser a suplantação da
racionalidade em um ato violento, transcendental de comunhão. Como afirmado
1 Doutorando em Ciências Sociais, com ênfase em Antropologia, pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).
anteriormente, Bataille cursou teologia, com a intenção de ser padre, participou do
movimento surrealista, mas acabou por se dedicar à filosofia, religião e literatura. Fundou
e editou jornais. Sendo o primeiro a publicar autores importantes tais como Barthes,
Foucault e Derrida.
George Bataille, em O Erotismo, pondera que “a sexualidade é uma
experiência que permite ao humano ir além de si mesmo e superar a descontinuidade que
condena o ser” (2004, p. 12). Ao colocar a experiência sensual e erótica no âmbito da
experiência existencial, o filósofo francês expõe sua perspectiva de que tais experiências
permitem acessar a vida interior do homem, de maneira a identificá-la, em profundidade,
com a experiência religiosa.
Nesta perspectiva, o prazer seria marginal se não houvesse esse arrebatador
movimento que ultrapassa o ser. Assim, “o erotismo é, na consciência do homem, o que o
leva a colocar o seu ser em questão” (Bataille, 1988, p. 33). É a forma de se encontrar o
sagrado.
A religiosidade primitiva, na percepção de Bataille, retirou das proibições o
espírito da transgressão, por outro lado, o cristianismo se opõe à transgressão. O
entendimento de bom e mau2, prazer e pecado, no âmbito do cristianismo está
relacionado a tal oposição (idem, p. 101).
Para que avancemos, é preciso compreender a diferenciação entre erotismo e
sexualidade. Erotismo não é sexo rudimentar, puro e simples. “Sexo é animal, só corpo.
Erotismo é humano, é interno e sensível” (Bataille, 2004, p.46). Neste sentido, o objeto de
desejo não está fora do ser, mas em sua interioridade.
Assim, delineia-se uma linha entre natureza e cultura; entre animal e humano.
De modo que a complexidade do ato erótico é resultado dessa separação. Devido ao
2 Vale, neste ponto, realçar a influência que Bataille teve do Marquês de Sade (1740-1814), para o qual o que move a
ação do ser humano é o bom e o ruim. E o bom, para Sade, é tudo o que causa prazer ao indivíduo, ao passo que o
ruim não é o que causa desprazer, mas antes o que vai contra à Natureza.
surgimento das regras sociais (por mais diferentes que elas possam ser devido às
especificidades de cada sociedade) canaliza-se o “instinto”.
Uma importante chave para compreensão da ideia de intimidade e atividade
sexual é a reprodução. Esta é central ao erotismo, pois coloca em jogo dois seres
descontínuos. Tais seres, distintos, nascem e morrem sozinhos. Entre estes seres há um
abismo, uma descontinuidade. Embora sejamos marcados pela descontinuidade (morte e
nascimento estão num círculo inteligível) há, nos seres, uma nostalgia da continuidade
perdida. Daí a angústia deste momento perecível, e a obsessão por uma continuidade
primeira que nos una, que nos religue ao ser.
O erotismo emerge como a concretização do sentimento de continuidade
profunda que os seres estão desejosos. Toda a atividade do erotismo objetiva, pois,
atingir o ser mais íntimo, no ponto onde as forças se esvaem, a fraqueza prepondera e há
um aniquilamento do ser. Em suma, a realização erótica tem como ponto nodal a
destruição da estrutura do ser fechado.
Dito isto, cabe relembrar as três formas de erotismo identificadas por Georges
Bataille. São elas: o erotismo dos corpos, o erotismo dos corações e o erotismo sagrado.
E, na medida em que discorre sobre eles argumenta que “a procura sistemática de uma
continuidade do ser para além do mundo imediato requer um esforço essencialmente
religioso” (2004, p. 26). Aqui, é prudente mencionar que o erotismo sagrado, descrito por
Bataille, não é redutível ao divino já que há uma descontinuidade na pessoa de Deus
(devido às representações cristã o ligou a um ser pessoal).
Para Bataille, é na relação entre transgressão e interdição que está a energia
do erotismo e das religiões, pois, onde a interdição atua, a experiência não acontece.
Logo, na medida em que não nos situamos no plano da experiência interior a religião e o
erotismo são inacessíveis para nós.
A imagem da orgia e do cristianismo, usada pelo autor, pode colaborar na
compreensão do entrelaçamento dos aspectos aos quais queremos realçar aqui. O
erotismo, a interdição, a transgressão e a religião.
Bataille advoga a necessidade de desprezar a interpretação moderna de orgia.
Esta tem como premissa a ideia de que há um relativo pudor dos envolvidos nesta prática.
A perspectiva batailliana considera-a um momento de intensidade, desordem e,
sobretudo, de febre religiosa. Para o francês, a orgia é o momento em que a verdade do
avesso revela sua forma espantosa, isto é, sua fusão ilimitada.
Um outro aspecto fundamental para compreender a relação proposta é a
percepção de Bataille da função do sacrifício. Ele considera que “matar, na verdade, nem
sempre tem um significado literal” (Bataille, 1993). Mas, o favorecimento da ordem mítica
se dá, na medida em que a negação da ordem real é maior.
Rubem Alves: o corpo como pré-condição para a comunhão
Rubem Alves um dos pensadores da atualidade, com maior inserção e respeito
em distintas áreas do saber, teologia, educação, psicanálise, filosofia, estudos do
fenômeno religioso, literatura (adulta e infantil), crônicas do cotidiano, etc. Seus livros têm
sido traduzidos em diferentes línguas e seu pensamento é alvo de estudo de
pesquisadores no mundo e mais recentemente no Brasil.
Ele nasceu em 15 de Setembro de 1933, no sul de Minas Gerais, em Boa
Esperança – que naquela época chamava-se Dores da Boa Esperança. Depois “pingou
várias cidades pequenas” (ALVES, 1981, 134). Aos 12 anos mudou-se com a sua família
para o Rio de Janeiro. De lá foi para Campinas, onde estudou teologia de 1953 – 1957 no
Seminário Presbiteriano. Também estudou música e “quis ser médico por amor a Albert
Schweitzer” (Idem).
Concluiu o curso e foi convidado, em 1958, a pastorear uma comunidade em
Lavras/MG. Lá permaneceu até 1964. Sobre esta experiência Alves afirma: “convivi com o
povo, deixei os livros, sem remorsos,.para viver dores e alegrias de outros” e acrescenta
“Assim vivem os pastores protestantes e, imagino, sacerdotes católicos” (Id.).
Foi estudar em New York em 1963, retornando ao Brasil em maio do ano
seguinte com o título de Mestre em Teologia pelo Union Theological Seminary.
Surpreendido com a denúncia por parte das autoridades da comunidade a qual pertencia,
a Igreja Presbiteriana, de ser subversivo, foi perseguido pelo regime militar em 1968.
Deste modo, abandona a instituição e retorna com a família para os Estados Unidos,
fugindo das ameaças. Este cenário impulsiona-o a adentrar à carreira acadêmica,
tornando-se doutor em Filosofia (Ph.D.) pelo Princeton Theological Seminary.
Sua tese de doutorado intitulada A Theology of human Hope, foi defendida em
1968 e publicada no ano seguinte pela editora católica Corpus Books, composta de três
volumes em língua inglesa. Nela o pastor presbiteriano Rubem Alves, trabalhava em meio
a um cenário de final de década que marcou o surgimento de uma nova forma de pensar
a fé cristã na América Latina, de modo especial no campo protestante. Iniciava um
itinerário teológico que continua até hoje, mesmo sendo o precursor e um dos fundadores
afasta-se da teologia da libertação, realizando incursões temáticas aparentemente pouco
relacionadas à teologia – como a crítica da ciência e da religião, o jogo, o corpo e a
cultura. Deste modo, antecipara o tratamento de muitos assuntos que posteriormente
seriam cuidadosamente retomados e discutidos. Esta foi traduzida para o italiano, francês
e o espanhol.
A relação com o outro, na perspectiva de Rubem Alves, não acontece a
despeito do corpo. Neste sentido, o erotismo é um aspecto fundante na efetivação de
vínculos e fundamenta a possibilidade de aproximação.
Tal aspecto, possibilita pensar a relação humana como uma relação de
comunhão, neste sentido cabe realçar dois elementos: o fato do corpo humano ser
histórico (em nenhum momento Rubem Alves concebe a experiência do corpo apartada
da história e da cultura), além do fato do corpo humano presentificar um chamado à
liberdade.
Para Rubem Alves, o primeiro impulso direcionado ao outro é guiado pelo eros.
Em Da Esperança ele afirma:
O ser humano não é primeiramente atraído pelo ágape, ou seja, pelo amor
do outro, independente do que o outro seja. É Eros quem conduz. (…) este
fato faz parte da bondade da criação e constitui uma realidade que
condiciona e torna necessário o sentido erótico da vida. (Alves, 1987, p.
201)
Embora o momento fulgurante da relação entre seres seja marcado pela
sexualidade, Rubem (assim como Bataille) compreende que este “instante poético” não se
reduz ao sentido genital. A vocação para liberdade – a qual Alves compreende como uma
atitude de protesto contra as forças domestificadoras que fecham possibilidades para o
novo e para o futuro – presente na experiência humana atua na relação com o outro
assim como na relação com a natureza.
Neste sentido, o referido amor transformado em liberdade traz consigo duas
experiências. Primeiramente, uma forte e impetuosa (ainda que efêmera e escorregadia);
outra suave, tranquila e duradoura. A referência inicial é à experiência do corpo, atração
sexual, fogo arrebatador que se esgota depois dos jogos de amor físico. A segunda é a
experiência do corpo livre e histórico. É a experiência do amor alargado, na medida a
relação entre corpos incorpora um sentido semiótico, isto é, a força da palavra (Logos).
Ao ser pautada pela linguagem, a relação humana transborda, ultrapassa o
espaço de dois seres e constitui uma comunidade. Para Rubem Alves, o ser humano é
fundamentalmente um ser de desejos. Desejo, seria a experiência de vazio que se
instaura na esfera do sentido. Não um vazio inapreensível, mas sim, um vazio que
experimenta sobretudo porque “a palavra se fez carne”.
Assim, a palavra é dada ao homem como possibilidade de evidenciar seu mais
profundo desejo. E, por meio das palavras, ele metamorfoseia esse vazio em esperança ,
engendrando
uma
cosmovisão.
Palavra-Desejo 3
é
uma
ideia
importante
para
compreender o pensamento do filosofo mineiro. Esta circunscreve a palavra não mais no
3 Refiro-me, aqui, especialmente à obra O poeta, o guerreiro e o profeta. Na qual, sob a ótica da linguagem, o autor
trabalha na perspectiva da Palavra-Desejo.
âmbito instrumental, meio ou utensílio para alcançar determinado fim. Palavra-Desejo é
expressão de experiências fundamentais, que se constituem em pontos nodais da vida ou
da morte. E por ela e nela que se alarga a relação com o outro, suplantando a
efemeridade e possibilitando laços de comunhão.
É neste cenário que Rubem Alves não compreende Deus como um conceito ou
objeto de conhecimento, e sim uma experiência. A ponto de afirmar “de Deus, o único que
podemos saber é o bem que faz ao nosso corpo” (1987, p. 137). Não haveria, portanto,
lugar para uma transcendência além do mundo. O corpo é o espaço privilegiado para uma
experiência profunda, uma aposta na esperança. Do corpo oprimido, impotente, nasce a
paixão contagiante, força de transformação.
Neste movimento corpóreo, emocional e místico. Duas possibilidades se
apresentam. Por um lado, a força do eros que captura o processo e produz vida aberta ao
novo (por isso frágil e cheia de riscos) – viver impulsionado por Eros é ousar, saltar sobre
o desconhecido em busca daquilo que se deseja. Do outro lado, está o tânatos, morte que
oferece ao corpo vantagens substitutivas, propõe trocas, esvazia o desejo e faz imperar o
medo.
Considerações Finais
A experiência da transcendência, para Rubem Alves, se faz dentro da condição
humana. O corpo humano é desejante e peregrino à procura de um mundo onde seja
possível a alegria. O movimento, a abertura que faz parte da história humana, é resultado
da procura do corpo em efetivar esse desejo de vida, desejo profundo que é
experimentado superficialmente, entretanto, que nunca se realiza plenamente. O desejo
faz com que o corpo humano seja possuído por uma esperança escatológica.
A vida, portanto, se configura como sendo esta luta constante em busca de um
desejo que mora em profundidade. Para Alves, a divindade vem de encontro a esse
desejo de maneira misteriosa. Daí a compreensão de Rubem Alves da religião:
Sabia que a religião é uma linguagem? Um jeito de falar sobre o mundo. Em tudo, a
presença da esperança e do sentido. Religião é tapeçaria que a esperança constrói
com palavras. E sobre estas redes as pessoas de deitam. É. Deitam-se sobre palavras
amarradas Umas nas outras. Como é que as palavras se amarram? É simples. Com o
desejo. Só que, às vezes, as redes de amor viram Mortalhas de medo. Redes que
podem falar de vida e podem Falar de morte. E tudo se faz com as palavras e o desejo.
Por isso para entender religião , é necessário entender o caminho da linguagem .
(Alves, 1981)
O sagrado só se concretiza como sagrado por estar além do humana. A
descontinuidade, evocada por Bataille, prescinde uma continuidade que se dará pela
entrega diante do apelo que é evidenciado pela presença do fascinante. A produção
teológica e literária de Rubem Alves ensaia resistência, por meio da entrega ao mistério.
Rubem Alves e Georges Bataille tem preocupações comuns. Ambos, em suas
reflexões, trafegam entre o cristianismo e o prazer introduzindo uma ideia não habitual
aos círculos desta religião – a percepção de que o prazer humano não se constitui como
excrecência. Ao contrário, para os dois filósofos, a vida inicia-se a partir do erotismo –
assim, distam-se da marcação teológica/doutrinária acerca do pecado.
A cosmovisão cristão, no entanto, assimila a ruína moral consecutiva ao
pecado à carne. De modo a reduzir ao sentimento de uma transgressão a estabilidade
geral e a conservação da vida. Admitiu-se uma noção de prazer misturada ao mistério
expressivo da interdição que determina e condena, ao mesmo tempo, o prazer. De sorte
que a essência do erotismo em Bataille – e podemos afirmar, também em Rubem Alves –
é dada na vinculação íntima entre interdição-transgressão-prazer-libertação.
De maneira particular, em Bataille a transgressão:
é o fator constitutivo da humanidade que a atividade laboriosa organiza. A
transgressão é, ela mesma, organizada. O erotismo é, no conjunto, uma
atividade organizada... que muda através do tempo.
Assim, a transgressão é a mola propulsora da vida. Sem ela o erotismo
morreria na interdição. Com ela há um ordenamento que ultrapassa os limites, para a
continuidade.
Enquanto para o francês a experiência mística é “a última possibilidade de vida”
(Bataille, 2004, p 348). Para Rubem Alves, o corpo é o centro da existência e da fé. E, a
palavra proferida através do corpo (comprometido com o prazer-libertação) reacende a
chama do amor “não há orgasmo que ponha fim ao desejo” (Alves, 2010, p. 125).
Em ambos autores, sensualidade e misticismo retroalimentam-se. Alargam
sentidos. Possibilitam experiências desligadas de condicionantes – sejam eróticas ou
religiosas. O erotismo se situa além do real imediato e não pode ser redutível a uma
divindade (no caso de Rubem alves, mais especificamente, a uma pessoa divida. Daí o
seu interesse por questões ecológicas). Em, suma, para os autores abordados, o erotismo
se dá como forma de encontrar o sagrado.
Referências Bibliográficas
BATAILLE, Georges. O Erotismo. Lisboa, Edições Antígona, 1988.
BATAILLE, Georges. A literatura e o mal. São Paulo, L&PM, 1989.
BATAILLE, Georges. Teoria da religião. São Paulo, Ática, 1993.
STROZZI, G. V. Erotismo e Religião em Georges Bataille. (Tese de doutorado em
Ciências da Religião). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2007
ALVES, Rubem. Da esperança. Campinas: Papirus, 1987.
ALVES, Rubem. O Poeta, o Guerreiro e o Profeta. Petrópolis - RJ: Vozes, 1991.
ALVES, Rubem. Concerto para Corpo e Alma. Campinas - SP: Papirus, 1998
ALVES, Rubem. O que é religião?. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1981.
ALVES, Rubem. O retorno e terno. Campinas: Papirus, 2010.