Relatório de Pesquisa
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Relatório de Pesquisa
Relatório de Pesquisa RP0605 – dezembro, 2006 A CRIAÇÃO DE VALOR EM RELACIONAMENTOS COLABORATIVOS Áurea Helena Puga Ribeiro Professora de MKT da FDC Daniela Vilaça Souza Pesquisadora da FDC Luciana Faluba Damásio Professora de MKT da FDC Thomas Brashear Professor Associado de MKT da ISENBERG School of Management (Universidade de Massachusetts Amherst) Centro Alfa – Campus Aloysio Faria Av. Princesa Diana, 760 – Alphaville Lagoa dos Ingleses 34000-000 – Nova Lima, MG – Brasil Tel.: 55 31 3589-7465 Fax: 55 31 3589-7402 e-mail: [email protected] – www.fdc.org.br Relatório de Pesquisa RP0605 – Ano 6 - n° 05 – dezembro 2006 Assessora editorial Teresa Goulart - editora (MG 1716/JP) Supervisão editorial José Ricardo Ozólio Capa Ismael Dias Campos Projeto gráfico (edição final) Célula de Edição de Documentos Revisão Célula de Edição de Documentos Impressão Célula de Edição de Documentos Redação Célula de Editoração Fundação Dom Cabral Tel. (31) 3589-7465 [email protected] Reproduções integrais ou parciais deste relatório somente com a autorização expressa da FDC. É permitida a citação de dados, tabelas, gráficos e conclusões, desde que indicada a fonte. Para baixar a versão digital desta e de outras publicações de temas relacionados à gestão empresarial, acesse a Sala do Conhecimento da Fundação Dom Cabral através do link http://www.fdc.org.br/pt/sala_ conhecimento Copyright 2006, Fundação Dom Cabral. Para cópias ou permissão para reprodução, contatos pelo telefone 55 31 3589 7465 ou e-mail: [email protected]. Sumário 1. Introdução........................................................................................................................................ 7 2. Referencial Teórico........................................................................................................................... 8 2.1 A interdependência e a geração de valor mútuo..................................................................... 8 2.2 Qualidade do relacionamento................................................................................................ 11 2.3 Valor percebido da oferta e valor do relacionamento............................................................ 15 3. Metodologia................................................................................................................................... 23 4. Os casos pesquisados..................................................................................................................... 26 4.1 Embraco – Multibrás.............................................................................................................. 26 4.2 Caso Saint-Gobain – Eaton.................................................................................................... 31 5. Análise dos dados........................................................................................................................... 39 6. Conclusão....................................................................................................................................... 46 Referências......................................................................................................................................... 49 Resumo A literatura de marketing tem apresentado muitas contribuições no sentido de avaliar as condições que propiciam relacionamentos colaborativos (a qualidade do relacionamento), bem como os benefícios percebidos provenientes do relacionamento (o valor do relacionamento). Entretanto, essa literatura ainda não apresenta consenso sobre o lugar do construto valor – se é antecedente ou conseqüente das dimensões que compõem o conceito de qualidade do relacionamento, assim como é incipiente na operacionalização deste construto. A presente pesquisa tem como objetivos operacionalizar e identificar as relações existentes entre os construtos qualidade do relacionamento e valor gerado decorrente dos relacionamentos colaborativos, além de explorar as formas como as organizações têm mensurado o valor gerado nas relações. A criação de valor em relacionamentos colaborativos 1. Introdução O conceito de marketing de relacionamento no Brasil atraiu, na última década, a atenção tanto do mundo acadêmico quanto do empresarial. Aqueles que decidiram ingressar no processo de compreensão e desenvolvimento do conceito e de sua aplicação, perceberam seus benefícios e suas dificuldades e, por ser uma estratégia, concluíram que o marketing de relacionamento requer alterações profundas e definitivas em uma organização (Berry, 1995; Gordon, 1999; Ribeiro, 1999). Marketing de relacionamento é uma mudança de paradigma nas relações comerciais. É uma estratégia corporativa em que se enfatiza a importância da construção de relacionamentos de longo prazo no mercado em detrimento de práticas transacionais de curto prazo, caracterizando um esforço para alcançar maior competitividade. Evans and Laskin (1994), por exemplo, definem marketing de relacionamento como “um processo com o qual uma firma constrói alianças de longo prazo com clientes atuais e potenciais de forma que compradores e vendedores trabalham em direção a um conjunto específico de objetivos comuns”. De acordo com Panda (2003) as empresas, para obterem sucesso, devem satisfazer seus clientes, através de relacionamentos efetivos e de longo prazo, integrando inclusive pessoas (clientes e funcionários), processos, tecnologia e dados. Sustenta-se uma crença de que, em relações de longo prazo, e caracterizadas pela interdependência, obtém-se benefícios mútuos superiores aos que seriam obtidos em relações transacionais. Acredita-se em “cooperar para competir ” e que “juntos fazem mais do que separados”. Entretanto, o marketing de relacionamento não aborda somente relacionamentos com clientes, afinal outros relacionamentos também são relevantes para a oferta de valor ao mercado. O marketing de relacionamento é, portanto, uma estratégia corporativa em que se busca alcançar vantagem competitiva sustentável por meio da habilidade de se estabelecer relacionamentos de longo prazo no mercado (incluindo clientes, fornecedores, parceiros laterais, bem como unidades de negócio da mesma organização ou unidades funcionais). E estas relações, na definição de Morgan e Hunt (1994) se ampliam a relacionamentos reversos (com fornecedores de produtos e serviços), relacionamentos laterais (com concorrentes, organizações sem fins lucrativos, com o governo, ou qualquer outra organização com objetivos coincidentes), relacionamentos com compradores (clientes finais ou intermediários) e finalmente, com clientes internos (unidades de negócios, áreas funcionais e empregados). Esta visão ampliada do marketing de relacionamento reflete o foco estratégico de organizações competindo em redes que se tornam competitivas por formarem um sistema de valor que atua no mercado. Portanto, as organizações se relacionam cooperativamente com o objetivo de gerar valor mútuo. A literatura de marketing de relacionamento tem apresentado pesquisas que focam em aspectos relativos à qualidade do relacionamento e mais recentemente, algumas pesquisas têm sido realizadas no sentido de desenvolver os construtos que definem o valor gerado em relações cooperativas. Entretanto, não existem na literatura pesquisas que visem relacionar os construtos relativos à qualidade do relacionamento à geração de valor decorrente da relação. Quanto ao valor gerado na relação, a literatura de marketing apresenta somente um artigo que operacionaliza seus construtos (Eggert, Ulaga e Schultz, 2005), e as pesquisas realizadas até o momento não apresentam um consenso sobre como medir financeiramente o valor gerado (Srivastava, Shervani e Fahey, 1999). Considerando os estudos presentes na literatura, percebe-se que ainda há necessidade de explorar melhor as dimensões relativas à geração de valor decorrente de relacionamentos colaborativos, bem como relacionar os construtos relativos à qualidade do relacionamento com a geração do valor. Entretanto, maior contribuição fazse necessária no que se refere à exploração de formas de mensurar financeiramente os resultados gerados. O presente estudo, portanto, tem como objetivo trazer as seguintes contribuições: Relatório de Pesquisa – RP0605 • Identificar o valor gerado nos relacionamentos fornecedor-cliente pesquisados, segundo as dimensões do construto de valor presente na literatura. • Explorar, nos casos pesquisados, os indicadores de performance do valor gerado em decorrência da relação. • Identificar, exploratoriamente, as dimensões da qualidade do relacionamento que mais impactam na construção de valor decorrente do relacionamento. Sendo assim, estruturou-se o presente relatório de pesquisa da seguinte forma: na primeira seção, será apresentado o referencial teórico explorando os conceitos de interdependência, geração de valor mútuo e qualidade no relacionamento. Em seguida será apresentada a metodologia do estudo e os casos estudados e, finalmente, a análise dos casos, as conclusões e sugestões para estudos futuros. 2. Referencial Teórico 2.1 A interdependência e a geração de valor mútuo Sistema mútuo de geração de valor é definido por Wehli e Jüttner (1994) como um sistema de atores interdependentes, que tem o valor total aumentado pelo processo interativo de geração de valor e um sistema compete com outros sistemas de geração de valor no ambiente competitivo de que participam. Desta forma, o fato de os atores estarem competindo ou cooperando isoladamente ou em sistemas de valor é que determina as regras e estruturas da concorrência. De acordo com Arndt (1979), um sistema de valor é um sistema de marketing porque é formado, estabilizado e transformado por uma rede de processos interdependentes de trocas de marketing. Para compreender o processo de geração de valor, é necessário partir da orientação de cadeia de valor (PORTER,1989), definida como o processo através do qual se alinham as várias atividades criadoras de valor, no sentido de se obterem vantagens competitivas sustentáveis, por meio de entrega de maior valor ao mercado (diferenciação) e/ou custos mais baixos. Segundo Lewis (1995), esta ênfase em valor permite a integração de qualquer etapa em qualquer cadeia, objetivando maior satisfação do consumidor final. A aplicação deste conceito é acrescida de complexidade na medida em que, no contexto de trocas relacionais, as atividades da cadeia passam a ser desenvolvidas por entidades interdependentes (LEWIS, 1995). Lewis (1995) insiste na observação de que esse tipo de integração entre empresas existe quando há a percepção de que é possível a criação de um valor maior (ou um custo mais baixo) atuando de forma integrada e não competindo isoladamente. Para criar este valor os parceiros precisam concordar sobre o que é necessário para alcançálo e compartilhar os benefícios. Esse autor afirma que, para cooperarem de forma significativa, é importante que as empresas tenham um objetivo mútuo, mas, principalmente, que tenham uma necessidade mútua. Se as partes não tiverem essa necessidade mútua, mesmo tendo um objetivo coincidente, não precisam agir de forma integrada, pois elas podem alcançar seus objetivos sozinhas. Nesse sentido, a interdependência ocorre na medida em que as unidades parceiras precisam umas das outras para construir e entregar um valor ao mercado e compartilham os benefícios da ação conjunta. E sem o compartilhamento dos benefícios não se pode esperar o comprometimento necessário para a cooperação. Wehli e Jütner (1994) complementam a idéia de que a constelação de valor que se forma pelas integrações entre firmas é sustentada nas competências específicas de cada empresa. Os relacionamentos orientados para mercado e relacionais de longo prazo são, portanto, caracterizados por serem relações sociais que geralmente acarretam dependência mútua entre as partes. No contexto das trocas, interdependência se refere ao grau de recíproca dependência por parte de dois ou mais parceiros na troca (Emerson, 1962, p.32). O conceito de interdependência é ancorado pela seguinte questão: há entre as partes uma relação de dependência ou interdependência? A criação de valor em relacionamentos colaborativos A literatura apresenta as variáveis que determinam uma relação interdependente, em vez da dependente: aspectos relativos ao alcance dos objetivos das organizações que se relacionam; o poder das organizações uma sobre as outras; a disponibilidade dos recursos para o alcance dos seus objetivos. 2.1.1 Os objetivos Quanto aos objetivos das organizações, a principal proposição é que a percepção de interdependência dos objetivos afeta significativamente a dinâmica e os resultados da interação social (Deutsch, 1949). As interações se distinguem dependendo da forma como os indivíduos e grupos percebem que seus objetivos estão relacionados. Sendo assim, em uma relação, as partes podem perceber que os objetivos estão positivamente relacionados, negativamente relacionados ou não relacionados (Kelley; Stahelski, 1970; Tjosvold, 1986). Portanto, a literatura apresenta as seguintes variáveis observáveis que expressam essa situação: • Existem alternativas? É mais fácil o fornecedor substituir o cliente ou o cliente substituir o fornecedor? • Qual a importância de uma parte para a outra? • Quem tem a posse ou o acesso ao recurso e quem usa os recursos? • Os ganhos da relação são percebidos como sendo compartilhados com justiça? Como conseqüência, os participantes percebem (ou não) que: • a relação é muito favorável a uma parte? • uma das partes tem muito mais poder? • uma das partes pode obrigá-los a fazer algo • Relação positiva: uma empresa depende da que não quer? • uma das partes tem mais influência sobre a outra? • Relação negativa: o alcance dos objetivos de A relação será não coerciva se: outra para alcançar seus objetivos. uma empresa interfere negativamente no alcance dos objetivos de outra empresa. • Não relacionados – os objetivos não se relacionam. As pesquisas sugerem que a interdependência positiva promove a confiança. Espera-se a ajuda e assistência do outro porque existe a confiança de que é de interesse da outra parte ajudar. Em casos de interdependência negativa, as partes irão estabelecer um relacionamento competitivo visando proteger seus objetivos. • as partes procuram sempre ajudar uma à outra; • sempre obtém bons conselhos da outra parte; • sempre um ajuda o outro a desenvolver o negócio; • acredita que o outro compreende sua necessidade E será coerciva se: 2.1.2 O poder • uma das partes sempre se refere ao contrato Quanto ao conceito de poder que está implícito no construto “interdependência”, as seguintes questões devem ser consideradas: a dependência do outro para o alcance dos objetivos e a disponibilidade de alternativas. De forma que terá menos poder na relação aquele que depender do outro para alavancar seus objetivos e tiver poucas alternativas disponíveis no mercado. Como conseqüência, aquele que possui poder pode forçar o outro a fazer o que é de seu interesse (relação coercitiva ou não coerciva). • • • • quando discute sobre os negócios; uma das partes exige que a outra despenda mais tempo do que o necessário na relação; uma das partes insiste em que se faça algo que a outra não percebe benefícios; uma das partes percebe que há interferência em áreas do negócio que não acha que sejam de sua responsabilidade; uma das partes percebe que está na relação por obrigação e não por perceber benefícios Relatório de Pesquisa – RP0605 Em uma relação interdependente, o equilíbrio de poder ocorre devido à reciprocidade e à dependência mútua para o alcance dos objetivos (EMERSON, 1962). 2.1.3 Os recursos Quanto aos recursos, a dependência é percebida ”quando um dos atores não controla todas as condições necessárias para uma ação ou para a obtenção dos resultados desejados da ação” (PFEFFER; SALANCIK, 1978). Portanto, as interações entre empresas são necessárias para a obtenção dos recursos necessários para a sobrevivência. Esses recursos podem ser propriedade intelectual, humanos, equipamentos, financiamento, especialistas. A relação de dependência se dá na medida em que um depende mais de recursos do outro, é mais vulnerável, mais sujeito a comportamentos oportunistas; portanto, a relação não é simétrica. A literatura sugere que se observe a relação de dependência ou interdependência no que se refere aos recursos, a partir das seguintes variáveis operacionais: • Um percebe que contribui mais que o outro; quem tem mais para contribuir tem mais poder. • As partes querem receber benefícios provenientes da relação na mesma proporção em que investem. • Existem recursos dedicados? São recursos criados somente para aquela relação. Fora da relação não tem valor. Nessa situação, há maior vulnerabilidade e uma das partes fica mais sujeita a comportamento oportunista. 2.1.4 A manifestação da interdependência entre as partes A interdependência entre as empresas se manifesta pelas adaptações que ocorrem entre as organizações que se relacionam para gerar valor mútuo. Na ecologia humana, adaptações simbióticas são consideradas adaptações necessárias entre duas unidades ou organismos que dependem entre si. Elas são importantes para a eficiência conjunta das unidades envolvidas 10 (HALLÉN; JOHANSON; SEYED-MOHAMED, 1991). Nas relações comerciais de longo prazo, é natural que se espere a ocorrência de adaptações às necessidades específicas de importantes clientes, fornecedores ou outro tipo de parceiro. Essas adaptações são consideradas fundamentais para o sucesso do relacionamento. Hakansson e Snehota (1995) afirmam que os relacionamentos de uma empresa (seja com fornecedores, clientes ou terceiros) são considerados conexões ou integrações, na medida em que o relacionamento afeta as interações na outra empresa. Toda empresa conecta diferentes pessoas, atividades e uma miscelânea de recursos com vários graus de adequação mútua. Considerando isso, Hakansson e Snehota (1995)sugerem algumas formas de conexão que afetam seu desenvolvimento, as quais eles denominam textura da interdependência. Segundo os autores, a interdependência toma forma por meio dos seguintes aspectos: • Tecnologia – A interdependência pode se dar no campo tecnológico, na medida em que o desenvolvimento tecnológico dentro de uma empresa ou em seus relacionamentos depende da tecnologia de outra empresa. A tecnologia empregada pelas partes em um relacionamento tende a influenciar não somente as características de produtos ou serviços, mas também a forma de fazer negócios em geral: a logística, rotinas, processos, etc. Os relacionamentos podem ser vistos como laços que refletem uma tecnologia existente. As conexões técnicas entre diferentes relacionamentos de uma empresa são geralmente muito fortes. • Conhecimento – Toda empresa representa uma combinação de recursos humanos e físicos que fazem certa atividade possível. Essas são, então, ligadas às atividades de outras empresas. Por trás das atividades de uma empresa, há um conjunto de conhecimentos e habilidades individuais. O know-how, o conhecimento tácito e o conhecimento combinado daqueles que fazem parte da empresa são geralmente considerados um dos seus principais ativos. Nos relacionamentos, o conhecimento de uma empresa é confrontado com o conhecimento de outra empresa, e um novo conhecimento é A criação de valor em relacionamentos colaborativos criado. Como o novo conhecimento pertence às duas partes, isso significa que as duas partes estão por ele conectadas. • Relações sociais – Os relacionamentos de negócios são viabilizados por pessoas com diferentes papéis pessoais. Os laços sociais que surgem entre as duas empresas são importantes para a confiança mútua entre os indivíduos. • Sistemas administrativos e rotinas – Muito do que acontece nos relacionamentos é administrativo por natureza. Existem regras e normas no contexto das empresas que impõem a execução de certas atividades. Reuniões são realizadas, papéis e documentos são processados para cumprir certas práticas do negócio. Há também obrigações legais que precisam ser cumpridas. Uma série de atividades administrativas na forma de algum processamento de informação ou controle é necessária para facilitar a coordenação do comportamento entre as diferentes partes. Portanto, sistemas administrativos criam conexões entre as empresas. • Laços legais – Além de sistemas gerais de regras ou normas, há a possibilidade de laços legais serem necessários para controlar o relacionamento. 2.2 Qualidade do relacionamento Existem muitas pesquisas que apontam as condições que sustentam os relacionamentos duradouros e o inter-relacionamento entre essas variáveis. Elas basicamente não se contradizem, mas se complementam e alternam as condições antecedentes ou conseqüentes. As principais variáveis apontadas na literatura são confiança e comprometimento (Heskett et al., 1994; Gabardino; Johnsons, 1999; Godinho, 2004; Castro; Ribeiro, 2005; Anderson; Weitz, 1992; Moorman et al. 1993; Doney; Cannon, 1997). Outras variáveis, embora menos citadas na literatura, mas consideradas nos estudos como relevantes para o relacionamento, são percepção de qualidade dos serviços prestados e valor percebido, interdependência e justiça percebida na distribuição dos resultados da relação. A essas condições da relação a literatura denomina qualidade do relacionamento. 2.2.1 Confiança A crescente importância do marketing de relacionamento tem aumentado o interesse no papel desenvolvido pela confiança na promoção de relações mais fortes (SIRDESHMUKH; SING; SABOL, 2002). Urban, Sultan e Qualls (citados por SIRDESHMUKH; SINGH ; SABOL, 2002), Reichheld e Shefter (2000), Hunt e Morgan (1994) e outros propõem a confiança como um elemento essencial na construção de fortes relacionamentos de longo prazo. Berry (1996) posiciona a confiança como a mais poderosa ferramenta de marketing de relacionamento à disposição de uma companhia. O autor ratifica sua posição ao afirmar que vários estudiosos (GUNDLACH; MURPHY, 1993; NOOTEBOOM; BERGER; NOORDERHAVEN, 1997; GARBARINO; JONHSON, 1999; TAX; BROWN; CHANDRASHEKARAN, 1998) concordam que confiança é determinante para a construção de lealdade. A confiança requer a participação efetiva das partes envolvidas no relacionamento. De acordo com Ribeiro (1999, p. 8), confiança é: “A crença, expectativa, certeza ou percepção de que as intenções da outra parte são honráveis e que ela irá agir com integridade. Como resultado, as partes desejam permanecer no relacionamento com o objetivo de obter os resultados positivos”. Corroborando essa idéia, Rotter (1980, p. 3) define confiança como “uma expectativa generalizada abraçada por um indivíduo que acredita na palavra, promessa ou afirmação de um outro indivíduo”. Seguindo essa linha de raciocínio, Morgan e Hunt (1994, p. 22) argumentam ainda que “existe confiança quando uma parte acredita na integridade e na segurança da outra parte”. Confiança é considerada tão importante para a criação de lealdade em relações de longo prazo que Sullivan e Peterson (1982) afirmam que, quando as partes tiverem confiança umas nas outras, então haverá caminhos pelos quais as duas partes poderão trabalhar sem dificuldades. 11 Relatório de Pesquisa – RP0605 De acordo com Morgan e Hunt (1994), algumas variáveis influenciam positiva ou negativamente o construto confiança. As variáveis que influenciam positivamente são os valores compartilhados e a comunicação aberta. A variável que influencia negativamente é o comportamento oportunístico. Segundo os autores, ao avaliar tais variáveis, pode-se obter uma boa noção do grau de confiança de determinada empresa / produto. Percebe-se que a geração de confiança entre as partes – nesse caso, entre empresa e cliente – é ponto fundamental para a construção de lealdade. Para que haja lealdade por parte do cliente, torna-se necessário criar nele um sentimento de confiança, ou seja, a empresa precisa passar a sustentar uma imagem de integridade, mostrando que ela se preocupa em atendê-lo quando e no que ele necessita. Custo do término do relacionamento Aquiescência + + Benefícios do relacionamento + + + Cooperação + Confiança + Propensão a deixar o relacionamento - Comprometimento com o relacionamento + Valores compartilhados + Comunicação + Conflito funcional - Comportamento oportunista (unilateral) Incerteza Figura 1 – Modelo KMV de Marketing de Relacionamento Fonte: MORGAN; HUNT, 1994. Para medir confiança, várias escalas já foram sugeridas e testadas. A maioria delas, conforme sugerido por Hunt e Morgan (1994), refere-se às qualidades das partes envolvidas no relacionamento. Essas qualidades são consistência, competência, honestidade, justiça, responsabilidade, utilidade e benevolência. Fica patente que o crédito que uma parte tem de ter na outra é fundamental para a construção da confiança. • Nós sentimos que o fornecedor está Kozak e Cohen (1997) utilizam os seguintes itens para avaliar a confiança do cliente com seu fornecedor: • 12 • • • • • considerando nossos interesses. As transações com esse fornecedor não precisam ser supervisionadas tão de perto. Nós estamos convencidos de que esse fornecedor respeita a confidencialidade das informações recebidas. Nós temos plena confiança nas informações com que esse fornecedor nos provê. Esse fornecedor esconde informações importantes de nós (R). Nós receberíamos mercadorias desse fornecedor sem conferir totalmente. Esse fornecedor ganhou nossa confiança. A criação de valor em relacionamentos colaborativos Garbarino e Johnson (1999) sugerem os seguintes itens: • • • • • • O XYZ sempre atende às expectativas. É considerado bom. É consistente. Pode ser sempre confiável. É consistentemente de boa qualidade. Vale o dinheiro pago. Duarte e Davies (2004) medem o construto “confiança” considerando duas dimensões: honestidade e benevolência. Das várias escalas analisadas, a escala apresentada por Sirdeshmukh et al. (2002) cobre mais amplamente os aspectos que o conceito “confiança”. Os autores abordam as seguintes dimensões: • Solução de problemas − − − • Honestidade − − − − Mesmo quando o XYZ nos oferece pouca explicação, estou confiante de que está dizendo a verdade. XYZ cumpre suas promessas. Quando o XYZ nos oferece um conselho em nossas operações, estou confiante de que está compartilhando seu melhor julgamento. Eu posso contar que XYZ está sendo sincero. • Competência operacional − − − − • Benevolência − − − − − Quando tem que tomar uma importante decisão, o XYZ considera o bem-estar dos envolvidos. Quando compartilho meus problemas com o XYZ eu sei que ele compreenderá. No futuro, eu posso confiar que o XYZ considera como suas decisões me afetam. Quando acontecem fatos importantes para mim, eu posso contar com o suporte do XYZ. Se as circunstâncias mudarem, eu acredito que o XYZ estará pronto para dar assistência e suporte. Na escala Ser vqual (PARASURAMAN, ZEITHAML; BERRY, 1985, 1988), a dimensão confiança é medida pelos seguintes itens: Eu confio nas informações oferecidas pelos funcionários da empresa XYZ. Os funcionários da empresa XYZ sempre me oferecem as melhores opções para os problemas apresentados. Os funcionários da empresa XYZ conhecem os produtos comercializados e sabem me informar sobre eles. − − XYZ entrega as mercadorias corretamente ou passa corretamente os seus pedidos. O XYZ é ágil na realização do seu serviço. O XYZ é ágil na realização das atividades em interface com o cliente ou fornecedor. Eu tenho confiança nos produtos comercializados (eles não são falsificados, estão sempre dentro da validade e lacrados). Eu tenho confiança no cliente em relação ao manuseio e armazenamento das nossas mercadorias. Sempre encontro o que eu procuro ou o cliente possui as condições gerenciais adequadas para comercializar as nossas mercadorias. • Benevolência operacional − − − − O fornecedor faz o que é certo caso surja algum problema com os seus clientes. O cliente faz o que é certo caso surja algum problema com os seus clientes. O fornecedor–cliente é uma empresa correta. O fornecedor–cliente age considerando que o cliente tem sempre razão. • Quando XYZ promete fazer alguma coisa, cumpre a palavra. • Quando o cliente tem problemas, XYZ é solidária e tranqüilizadora. • XYZ é confiável. 13 Relatório de Pesquisa – RP0605 2.2.2 Qualidade dos serviços Outros estudos têm procurado demonstrar também a existência de um vínculo entre percepção de qualidade superior e satisfação e a retenção de clientes ou intenção de compra favorável (VEIGA, 2000; ZEITHAML; BERRY; PARASURAMAN, 1996). Cronin e Taylor (1992), por exemplo, demonstram que existe correlação positiva entre essas três variáveis. Boulding et al. (1993) também encontraram correlação positiva entre a qualidade de serviço e uma escala de dois itens sobre intenção de recompra e disposição de recomendar o fornecedor a outros clientes. Em outro estudo dos mesmos autores, foram encontradas fortes ligações entre qualidade de serviço e intenções comportamentais estratégicas favoráveis a uma escola. A literatura de marketing tem apresentado muitos estudos que relacionam os construtos qualidade percebida, valor percebido, satisfação e lealdade, em que, de forma geral, a percepção de qualidade se apresenta como um antecedente da percepção de valor (ZEITHMAL, 1988; BERRY; PARASURAMAN, 1991). Vecchi e Luce (2001), por exemplo, verificaram a suposta relação linear entre a qualidade de serviços e as intenções comportamentais das empresas clientes – positiva com as intenções favoráveis à empresa (lealdade e disposição de pagar mais) e negativa com as intenções desfavoráveis (tendência de mudar de fornecedor e propensão a reclamar). O estudo de Vecchi e Luce (2001) evidenciou a existência de associações relativamente mais fortes da qualidade do serviço com as intenções favoráveis dos clientes do que com suas intenções desfavoráveis relativas ao provedor dos serviços. Os resultados da pesquisa apontaram ainda que, quanto mais a qualidade percebida dos serviços prestados se aproxima da expectativa de qualidade desejada pelos clientes, maior será o seu grau de lealdade, maior sua disposição em pagar mais caro pelos serviços, menor sua tendência de abandonar o provedor do serviço e menor a probabilidade de reclamarem do serviço a agentes externos. As primeiras conceituações sobre qualidade de serviços (GRÖNROOS, 1984; PARASURAMAN; ZEITHAML; BERRY, 1985) basearam-se no 14 paradigma da desconfirmação, empregado na literatura de produtos. De acordo com esse paradigma, a qualidade é resultado da comparação entre o desempenho percebido com o esperado (BRADY; CRONIN, Jr., 2001). Um estudo realizado por Athiyaman (1997) utiliza o paradigma da desconfirmação para conceituar qualidade percebida. Segundo o autor, um consumidor apresenta expectativas em relação a um serviço no qual está interessado em adquirir. Ao adquirir tal serviço, esse consumidor terá suas expectativas negativamente desconfirmadas, confirmadas ou positivamente desconfirmadas. A desconfirmação é subjetiva e será o julgamento da discrepância entre o que era esperado e o que foi obtido. Assim, se o consumidor acredita que o desempenho do serviço é menor que as expectativas, a desconfirmação negativa acontece; se o desempenho se iguala às expectativas, essas serão confirmadas e, se o desempenho excede as expectativas, a desconfirmação positiva ocorre. Grönroos (1984), ao dar sua contribuição para a definição de qualidade de serviço, também lança mão desse paradigma, uma vez que o autor diz que o cliente sempre confronta o serviço percebido com o serviço esperado. Os estudos sobre as conseqüências comportamentais decorrentes da percepção de valor e satisfação com a qualidade percebida sustentam que os clientes, ao avaliarem racionalmente as ofertas disponíveis, procuram a alternativa que maximize o valor percebido e tentam ao mesmo tempo reduzir os custos do processo decisório, sujeitando-se às limitações de conhecimento e acesso à informação. Se a expectativa do comprador, quanto ao valor esperado na troca, é atendida, gera-se satisfação e possibilidade de repetição de compra. Isso pode tornar o cliente leal ao fornecedor, devotandolhe credibilidade e confiança. Clientes leais reutilizam os serviços e recompram produtos, recomendam o fornecedor ou marca a terceiros (FORNELL et al. 1996; KOTLER, 2000). A avaliação da qualidade de serviços percebida é sustentada nos estudos desenvolvidos por Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985). Esses A criação de valor em relacionamentos colaborativos autores originalmente identificaram dez determinantes na qualidade de serviços baseadas em uma série de pesquisas (1985). E em 1988 desenvolveram o SERVQUAL, que recoloca os dez determinantes em cinco componentes específicos: itens tangíveis, confiabilidade, sensibilidade, segurança e empatia. A base para identificar esses cinco componentes foi uma análise fatorial da escala de 22 itens desenvolvida com base nos grupos de discussão e nas aplicações setoriais específicas realizadas pelos autores (PARASURAMAN; ZEITHAML; BERRY; 1985, 1988). As escalas foram testadas em vários outros estudos, como os realizados por Carman (1990), Cronin Jr. e Taylor (1992). Entretanto, a validade dos 22 itens individuais da escala de desempenho que formam a escala SEVQUAL demonstrou ser bem sustentada pelos procedimentos usados para desenvolver os itens. Na pesquisa de Cronin Jr. e Taylor (1992), eles encontraram o mesmo padrão de carga fatorial para as empresas pesquisadas, conforme concluído por Parasuraman, Zethaml e Berry (1988). Comprovou-se, portanto, mais uma vez, a confiabilidade das escalas SERVQUAL. A escala para mensurar a qualidade é composta dos seguintes itens: • Confiabilidade Habilidade de prover o serviço com a performance prometida, e de forma confiável e acurada. • Empatia Comunicação eficiente e clara, com linguagem adequada. Compreensão das necessidades do cliente. • Presteza Disposição para ajudar o cliente e proporcionar com presteza um serviço. • Segurança e confiança Conhecimento dos empregados e de sua habilidade em transmitir confiança por sua competência. • Tangíveis Aparência das instalações físicas, equipamentos, materiais de comunicação. 2.3 Valor percebido da oferta e valor do relacionamento A troca tem sido considerada um conceitochave na disciplina de marketing. A maioria das definições de marketing inclui a troca reforçando uma abordagem de marketing transacional. (BAGOZZI, 1975; HUNT, 1991; KOTLER; ARMSTRONG, 2001). Nesse contexto, as trocas no mercado ocorrem porque todas as partes envolvidas esperam receber valor em suas transações. Sendo assim, no contexto das trocas transacionais, valor refere-se ao preço que o cliente está disposto a pagar por um produto oferecido ou à quantia monetária equivalente aos benefícios percebidos (CHRISTOPHER, 1982). Entretanto, Reuter, em 1986, introduziu o conceito de valor em uso, que representa o valor associado com a performance dos produtos em uma determinada aplicação do consumidor. Reuter (1986, p. 79) afirma que, especialmente em produtos industriais, o analista de valor está prioritariamente preocupado com o valor em uso – a performance e confiabilidade do produto – mais do que o valor existente (baseado no prestigio ou aesthetics, valor do custo ou valor da troca). Segundo Anderson et al. (1992), o conceito de valor em uso se assemelha muito ao conceito de “Valor Econômico para o Consumidor” – EVC – desenvolvido por Forbis e Mehta (1981). Esses autores desenvolveram o conceito de avaliação por parte do comprador, da performance do produto focal comparado às ofertas dos concorrentes. O comprador avalia o máximo que estaria disposto a pagar considerando os ganhos ou reduções de custos em suas operações proporcionados pelos produtos sob análise. Portanto, segundo Anderson et al. (1992), o conceito de valor em uso em mercados organizacionais deve ser também expresso em termos financeiros; precisa ser visto como um conjunto de benefícios que o consumidor recebe do uso do produto ofertado comparado a ofertas dos concorrentes. Assim, os autores definem valor em mercados organizacionais como “o valor percebido expresso em unidade monetária de um conjunto de benefícios técnicos, social e 15 Relatório de Pesquisa – RP0605 de serviço, recebidos pela firma consumidora em troca de um preço pago pelo produto ofertado, considerando as alternativas disponíveis ofertadas e seus preços”. Portanto, na última década, a abordagem de valor sai do contexto do produto e migra para o contexto do uso e da relação. Zeithaml, já em 1988 (p.10), por exemplo, definia valor sob essa perspectiva, afirmando que o valor percebido é “a avaliação total do consumidor da utilidade de um produto (ou serviço) baseado na percepção do que é recebido e do que é dado”. E Holbrook, em 1994 (p. 37), ao desenvolver uma tipologia de valor em uso, defende que valor está relacionado a uma experiência, sustentando que o “valor no comportamento do consumidor não reside no objeto (produto ou serviço) comprado, mas se relaciona diretamente à experiência de consumo dele derivada”. Nesse mesmo contexto, Oliver (1999a) desenvolve o conceito de valor estendido, em que considera o valor total como a soma do valor como excelência e valor como performance. O valor como excelência refere-se ao valor intrínseco ao produto, sua qualidade e marca. O valor como ele é percebido em dois momentos no comportamento do consumidor: no período que antecede a compra e no período pós-consumo, quando o consumidor não opera diretamente sobre o produto ou serviço. Entretanto, o valor como performance é gerado em decorrência do uso do produto, na interação do consumidor com o produto e a empresa que o fornece, bem como dos resultados provenientes do consumo. Segundo Holbrook (1994, p. 44 ), “A performance é, portanto, inseparável do ato do uso do produto para atingir algum propósito em interesse próprio”. Oliver (1997) conclui em seu trabalho que o valor estendido é gerado em decorrência não somente da satisfação com a excelência do produto, mas também da satisfação com a experiência de consumo, isto é, a satisfação com os eventos durante o processo de consumo (tempo de espera, conforto, concessões; etc.) e resultados Valor total de episódio = 16 do consumo (eficiência, eficácia, riscos menores, status, sucesso, auto-estima). Portanto, o valor decorre não apenas do que o produto ou serviço é, mas também do que faz pelo seu usuário, por intermédio de sua ação sobre o produto ou serviço, fazendo com que ele atinja um objetivo próprio (HOLBROOK, 1994). Sustentados nesses conceitos, muitos pesquisadores passaram o foco de suas investigações interessando-se por avaliar a geração de valor decorrente de um relacionamento (Ulaga, 2003; Srivastava et al. 1999), o compartilhamento do valor gerado (Jap, 2001), bem como a justiça do compartilhamento dos resultados da relação (Brockner; Wiese n feld , 1 9 9 6 ; C ropa n z an o ; Greenberg, 1997, Greenberg, 1987, 1993; Tyler, 1994). Nesse contexto, Anderson e Narus (1995) afirmam: “value creation and value sharing can be regarded as the raison d’être of collaborative customer-supplier relationships”. Revendo os conceitos de geração de valor e suas diversas abordagens, Payne e Holt (1999) consideraram que o desenvolvimento mais recente foi considerar valor do consumidor do ponto de vista do relacionamento de marketing, o que é descrito pelos autores como valor do relacionamento (relationship value). Alguns autores se empenharam em elaborar uma fórmula que descreva a geração de valor focada em relacionamentos. Ravald e Grönrooss (1996) desenvolveram uma aplicação genérica para percepção de valor gerado em relacionamentos de troca. Eles ressaltaram que a relação entre benefícios e sacrifícios em relacionamentos de longo prazo não é restrita a um episódio isoladamente. Segundo os autores, os clientes avaliam o valor de uma relação considerando os episódios e a relação. Num relacionamento cliente / fornecedor, o termo “valor total de episódio” pode ser descrito como uma função tanto do valor do episódio quanto do valor do relacionamento; existe um relacionamento especial entre os elementos na função. Sendo assim, os autores definem: Benefícios do episódio + benefícios do relacionamento Sacrifício do episódio + sacrifício do relacionamento A criação de valor em relacionamentos colaborativos Um fraco valor de episódio pode ser equilibrado por uma percepção positiva do relacionamento como um todo. Se ter um relacionamento com certo fornecedor é percebido como alto valor pelo cliente (devido, por exemplo, a baixos custos de relacionamento e baixo sacrifício ou o conhecimento e a familiaridade do pessoal de serviço em relação às suas necessidades e preferências, eficiência com que vem desenvolvendo suas atividades), um valor não muito positivo percebido num episódio pode ser equilibrado, e o valor de episódio total, mantido num nível satisfatório. Um bem não vendido não tem valor. A criação de valor só é possível quando um bem ou serviço é consumido. Um bem não vendido não tem valor e um fornecedor de serviço sem cliente não pode produzir nada”. Grönroos (1997), nesse mesmo esforço faz uma distinção entre duas dimensões de sacrifícios e duas dimensões de benefícios: “Valor percebido do consumidor pode ser descrito como a solução essencial adicionada aos serviços divididos por preço e custos do relacionamento”. De acordo com Tzokas e Saren (1999), a maior contribuição dessas abordagens é trazer para um modelo no qual custos e benefícios associados são determinantes para todas as percepções de valor do cliente. Na presente década, o conceito de valor no consumo recebe importantes contribuições para seu desenvolvimento. Berry (1996), Pine II et al. (1999) elaboram o conceito de marketing de experiência. Prahalad e Ramaswamy (2004) evoluem para o conceito de co-geração de valor. Segundo os autores: Grönroos (2000, p. 24-25), coerente com a abordagem de Gummesson (1998), enfatiza que “O foco não está no produto, mas nos processos de criação de valor dos clientes em que o valor emerge para os clientes e é percebido por eles… o foco no marketing é a criação de valor em vez de distribuição de valor”. “No processo convencional de criação de valor, empresas e consumidores têm um papel distinto de produção e consumo. Produtos e serviços contêm valor e o mercado troca este valor do produtor para o consumidor. A criação de valor ocorre fora do mercado. Mas à medida que nos movemos para a co-criação de valor, esta distinção desaparece. Cada vez mais, consumidores se engajam em um processo em que ambos definem e criam valor. A experiência de co-criação do consumidor passa a ser a base para o valor”. A partir dos estudos realizados, houve, entre os pesquisadores, avanços na compreensão do valor criado em relacionamentos (relationship value), tanto conceitual quanto empiricamente (Blois, 1999; 2002; Eggert; Ulaga, 2002; Hogan, 2001; Möller; Törrönen, 2003; Ulaga, 2003; Ulaga; Eggert, 2005; Walter; Ritter; Gemünden, 2001; WALTER et al; 2003). Nesse contexto, Pine II et al. (1999) fazem a distinção entre a lógica centrada em produtos e a lógica centrada em serviços, base para o desenvolvimento de estratégias que visam criar valor sustentando-se na experiência do consumidor. Gummesson (1998, p. 247), por exemplo, afirma: “Se o cliente é o ponto focal do marketing, a criação de valor somente é possível quando bens e serviços são consumidos. QUADRO 1 A lógica dos produtos x a lógica dos serviços Princípios da lógica centrada em Produtos Princípios da lógica centrada em Serviço • Sustenta-se em ativos tangíveis: coisas que transformam coisas. • Sustenta-se em ativos intangíveis: competências essenciais e processos organizacionais. • Pessoas trocam bens. • Pessoas buscam benefícios provenientes das competências dos fornecedores (conhecimento e habilidades). • O consumidor é um recipiente de bens; Nós os segmentamos e comunicamos e vendemos a eles. • Clientes são co-produtores do serviço. Marketing é um processo de fazer coisas na interação com o cliente. • Valor é determinado pelo produtor. Está imbuído no produto e é definido pelo “valor de troca”. • Valor é percebido no contexto do uso. Resulta do benefício da aplicação. Empresas podem somente fazer proposições de valor. • De: fazer e vender • Para: sentir, responder em um processo mútuo de criação de valor. Fonte: PINE II et al, 1999 17 Relatório de Pesquisa – RP0605 Prahalad e Ramaswamy (2004) apresentam um quadro em que sugerem os possíveis resultados obtidos em um relacionamento a partir da intensidade da colaboração e seus pré-requisitos. Pré-requisito para colaboração Destino compartilhado e co-criação de valor; espaço para novas oportunidades Descobrir e criar novas oportunidades Práticas compartilhadas e co-inovação Compartilhar e criar conhecimento (tácito e explícito) Compartilhamento de informação (transação de dados) Relacionamento ao alcance das mãos Colaboração com Fornecedores, clienteschave e parceiros Abordagem tradicional Objetivos Desenvolvimento comuns; conjunto; co-gestão da rede alavancagem conjunta das desenvolvida competências Intensidade da Colaboração Orientação para Melhorias de transação processos, market-based através das limites legais Figura 2: Colaboração e a co-criação de valor Fonte: PRAHALAD; RAMASWAMV, 1994, p. 200. Um estudo de Srivastava, Shervani e Fahey, publicado em 1999, apresenta uma importante contribuição a essa abordagem de geração de valor decorrente de relacionamentos colaborativos. Os autores fazem uma reflexão sobre as atividades de marketing e sua relevância para a definição e desempenho dos processos organizacionais que atravessam horizontalmente a organização, os quais, uma vez vinculados aos requisitos de valor de mercado, são responsáveis por gerar mais valor para os acionistas. Segundo os autores, a criação de valor para o cliente necessita do desempenho de três tarefas centrais: • O desenvolvimento de novas soluções para o cliente e/ou a reinvenção de soluções existentes. Para isso, a organização define o Processo de Desenvolvimento e Gestão de Produtos, que tem como objetivo criar as soluções de que os clientes necessitam. • Contínua aquisição de suprimentos para serem transformados em produtos e serviços desejados pelos clientes, gerando o Processo de Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos. 18 • A criação e alavancagem de relacionamentos com entidades externas, especialmente canais e consumidores finais – Processo de Gerenciamento de relacionamentos com clientes. Uma importante contribuição desse estudo é a abordagem desses processos no contexto das mudanças ambientais que tendem a promover relacionamentos cooperativos e de longo prazo em detrimento dos relacionamentos transacionais. Dessa forma, as organizações se integram para desempenharem tarefas e tais processos. O processo de gestão e desenvolvimento de produtos, por exemplo, no contexto relacional, considera uma série de laços internos e externos para o planejamento e desenvolvimento das soluções; no processo de gestão da cadeia de suprimentos, desenvolve relacionamentos com fornecedores com vistas às próximas gerações de suprimentos; quanto ao processo de relacionamento com clientes, trabalha com os clientes, aprende sobre e desenvolve soluções adequadas às suas necessidades específicas. A criação de valor em relacionamentos colaborativos do relacionamento de compra e venda: função custo, função qualidade, função volume e função segurança. Além disso, quatro funções indiretas completam o potencial dos fornecedores de criar valor: função mercado, função contabilidade, função inovação e desenvolvimento e função de suporte social. 2.3.1 Os construtos de valor decorrentes de relacionamentos (relationship value) O trabalho de Ness et al. (2001) vem acrescentar elementos a uma linha de pesquisa que se desenvolveu com o objetivo de definir os construtos que compõem o conceito de valor do relacionamento (relationship value). De sua abordagem pode-se concluir que o valor para os clientes, na percepção dos autores, pode ser gerado em processos relativos a essas quatro dimensões: marketing e vendas, entrega de produtos e serviços, finanças e cobrança e serviços aos clientes. No mercado de consumidores finais, um importante trabalho foi realizado. Lapierre (2000) desenvolveu uma pesquisa junto a consumidores de serviços de informações, comunicação, entretenimento e serviços financeiros. O autor identificou 13 construtos de valor em relacionamentos, agrupando-os em três dimensões de benefícios: produto, serviço e benefícios do relacionamento. Identificou também duas dimensões de sacrifício: preço e custo do relacionamento. A definição de valor no consumo em negócios organizacionais apresentada no estudo de Anderson, Jain e Chintagunta (1993) foi um dos primeiros esforços na tentativa de identificar e categorizar as dimensões relativas aos construtos de valor decorrentes de relacionamento, ao definirem que valor em mercados organizacionais é gerado por meio da percepção de benefícios de serviços sociais, econômicos e técnicos. Mais tarde, Wilson (1995) desenvolve três dimensões para o valor nos relacionamentos: valor econômico, valor relativo à estratégia e valor comportamental. Os mais recentes estudos com o objetivo de definir os construtos relativos a valor derivado de relacionamentos foram realizados por Ulaga (2003) e Eggert, Ulaga & Shultz (2005). Ulaga (2003) realizou 21 entrevistas em profundidade com profissionais responsáveis por compras com o objetivo de identificar os construtos relacionados a valor derivado de relacionamentos entre clientes e fornecedores. Como resultado encontrou os seguintes direcionadores de valor: Walter, Müller, Helfert e Ritter (2003) pesquisaram 230 compradores de empresas alemãs. Eles sugerem quatro principais dimensões para a criação de valor no contexto QUADRO 2 Direcionadores de valor derivados de relacionamentos Qualidade dos Produtos • • • Performance Confiabilidade Coerência Entrega • • • Pontualidade Flexibilidade Precisão Time to market • • • Força-tarefa Desenvolvimento de protótipos Validação e testes dos produtos Preço • • • Preço alto, baixo e competitivo Aumentos anuais Programas de redução de custos Suporte • • • Comunicação dos serviços Informações ao cliente Terceirização de atividades Conhecimento do fornecedor • • • Conhecimento do mercado Ampliação da linha de produtos Desenvolvimento de novos produtos Interações pessoais • • • Comunicação Solução de problemas Objetivos comuns Custo • • • • Gerenciamento de inventário Manuseio dos pedidos Inspeção de entrada (entrega) Produção Fonte: EGGERT, ULAGA & SHULTZ, 2005 19 Relatório de Pesquisa – RP0605 Em um estudo posterior, Eggert, Ulaga & Shultz (2005) organizaram os construtos de valor derivados de relacionamento em três aspectos: valor derivado da oferta básica, valor derivado dos processos e das operações. Apresentaram também uma escala para medir o valor gerado em cada uma das dimensões propostas. O quadro 3 apresenta o esquema proposto pelos autores: QUADRO 3 Fontes de criação de valor e suas dimensões correspondentes Dimensões de valor decorrentes do relacionamento Oferta Básica Fontes de Criação de Valor Processos de Relacionamento com fornecedores • Qualidade do Produto • Performance da entrega • Serviços de suporte • Interações pessoais Operações dos Clientes • Know how do fornecedores • Time to market Fonte: EGGERT, ULAGA & SHULTZ, 2005 2.3.2 Mensuração do valor decorrente de relacionamentos colaborativos Além de identificar as dimensões do construto valor decorrente de uma relação, faz-se importante medir o valor gerado na realização integrada dos processos entre duas organizações. A preocupação de acadêmicos e gestores quanto a mensurar o valor gerado em decorrência de relacionamentos com clientes não é nova. O conceito de Life Time Value (Valor Gerado ao Longo do Ciclo de Vida do Cliente) desenvolveuse nesse contexto. Muitas críticas ao conceito têm sido levantadas, mas sua maioria em relação a como realizar o seu cálculo. Entretanto, Ness et al. (2001) apresentam uma crítica ao método trazendo para o debate as possibilidades de geração de valor em decorrência do desempenho de processos que a organização desempenha ao se relacionar com os clientes. Para os autores, apesar de a receita incremental ser uma métrica freqüentemente utilizada para mensurar o sucesso do esforço de gestão do cliente, é insuficiente para medir o valor do cliente. Eles sugerem que o LTV seja calculado com base não somente nas receitas dos clientes, 20 mas também na gestão das atividades para atendê-los, chamando esse método de Activity Based Management (ABM). Segundo os autores, para compreender os clientes que estão gerando valor para as empresas, é necessário saber não somente sobre as margens de contribuição dos produtos e serviços que compram, mas também do consumo dos recursos corporativos indiretos. Baseiam-se na premissa de que clientes consomem diferentemente os recursos organizacionais, ou seja, alguns clientes são mais caros que outros nos processos de marketing e vendas, entrega, faturamento e serviços pósvenda. Portanto, o LTV dos clientes pode ser superior ou inferior a partir da habilidade de ampliar as receitas dos clientes e reduzir os custos dos recursos organizacionais para atendêlos. Os autores apresentam os processos e os custos referentes ao atendimento na FIG. 3. Ness et al. (2001) sugerem que, de acordo com sua metodologia, o aumento do Life Time Value ocorre à medida que as organizações reforcem comportamentos, implementem processos e tecnologias que visem aumentar receitas e reduzir custos em todos os pontos de contato com os clientes em interações coordenadas com eles. A criação de valor em relacionamentos colaborativos Unidade de Desenvolvimento de custo Atividades / Processos Propaganda Promoção Custo por pedido Conta / Finanças Entrega Retorno de mercadoria Conta do cliente Movimentação do Custo Entrega do produto / serviço Regra do Conceito de Recursos Conduct Win Back Pedidos Custo de aquisição Custo por aquisição Campanha Marketing e Vendas Custos das Atividades Processo de pagamento Custo por carregamento Activity Consuption Rules G / L Custos Custo do Cliente Custo de Prover Custo por pagamento Custo de Servir Custo por ligação Custo de Retenção Reembolso Serviço do consumidor Retorno das ligações Retorno Figura 3 – Metodologia de Gestão de Custos ABM – Fluxo dos Custos Fonte: NESS et al., 2001. Custo de Aquisição Receita Custo de Prover Custo de Servir Custo de Reter Receita Custo de Prover Custo de Servir Custo de Reter Ano 1 Customer Life Time Value Ano 2 Ano 3 e assim por diante Figura 4 – O cálculo do Life Time Value Fonte: NESS et al., 2001. 21 Relatório de Pesquisa – RP0605 Srivastava et al. (1999) sugerem outro método para mensurar o valor gerado decorrente das relações. Para os autores, as relações colaborativas entre empresas geram valor para os acionistas, por meio do fluxo de caixa: acelerando-se e aumentando o fluxo de caixa e reduzindo riscos. Os autores ainda propõem que outras pesquisas devem ser realizadas no sentido de alcançar esses benefícios no contexto de redes de relacionamentos colaborativos. O quadro 4 apresenta sugestões de como o valor para os acionistas pode ser alavancado por meio do desempenho dos principais processos organizacionais: QUADRO 4 Processos de Negócios e Direcionadores de Valor para o Acionista Processos de Negócios e Direcionadores de Valor para o Acionista Processos de Negócios Processo de desenvolvimento de produtos Processo de relacionamento na cadeia de suprimentos • Aumento da velocidade do tempo de • Aumento da velocidade de adoção de ciclo de tecnologia. • Au m e n t o d a v e l o c i d a d e d o Acelerando o fluxo de caixa desenvolvimento dos produtos, reduzindo o tempo no mercado. Processo de relacionamentos com clientes • Redução do tempo de aceitação de canais e equipamentos de manufatura originais. mercado (ex.: tempo do ciclo de penetração no mercado). • Aumentar a velocidade de adoção dos • Minimização do tempo do ciclo do componentes e suprimentos. • Reduzir o tempo de entrega do pedido. • Reduzir o tempo para produzir o volume desenvolvimento de soluções para o consumidor. desejado. • Diferenciação de produtos para • Reengenharia dos processos de cadeia • Manutenção de altas margens de possibilitar preços e margens mais altas. • Canibalismo de produtos existentes por inovações de preço/margem mais altos. de suprimento para minimizar os custos (ex.: reduzindo a porcentagem de incidências de erros). • Redução do capital de trabalho do capital através do sistema just-in-time. lucro com produtos de marca e serviços superiores. • Ve n d a c r u z a d a d e p a r t e s , mercadorias de consumo e serviços complementares. • Simplificação do design para reduzir • Redução do investimento de capital • Maximização do valor do consumidor Ampliando o fluxo de caixa os custos. • Participação dos consumidores para eliminar funções desnecessárias e, portanto, custos. • Compartilhar módulos de design entre produtos para reduzir custos. reaproveitamento de designs. • Aquisição/licença de tecnologias. • Design para montagem e manufatura através da terceirização de elementos de baixo valor agregado nas cadeias de suprimentos. (e clientes) ofertando soluções para os mesmos (incluindo produtos e serviços competitivos). • Uso de informações de mercado e • Aquisição de mais clientes. aumento previsões para reduzir custos e inventário e também aumentar a capacidade de uso de produtos com alto valor agregado (ex.: preços dinâmicos/gestão de tendências). da base de clientes. • Refinamento da qualidade da base de clientes; gestão de clientes. • Redução do custo de lançar produtos; vender e prestar serviços. para reduzir os custos e o tempo. • Nivelamento por cima da porcentagem • Aumento da troca de custos com os de inovação para manter-se na frente dos concorrentes; distribuidores, provendo serviços, incentivos e programas de lealdade. • Alianças estratégicas e de tecnologias • M i n i m i z a r o s c on f l i t os c o m os para manter padrões de orientação para o mercado; distribuidores; gerir a competição entre e dentro dos canais de distribuição. • Foco contínuo na diferenciação • Design de processos de entrega difíceis Reduzindo o Risco (vulnerabilidade e volatilidade do fluxo de caixa) desenhando produtos difíceis de serem copiados; criando grupos únicos de produtos/serviços; • Design e configurações de produtos dirigidos ao mercado; planejamento de mudanças na linha de produtos (e obsolescência de produtos); de serem copiados. • Flexibilização da manufatura e processos de distribuição, direcionando para a demanda. integrar manufatura e marketing fazendo uso de preços baixos diários, e não grandes mudanças no preço. • Maximização da sinergia entre os • Eliminar as incertezas de demanda na produtos do portfólio (ex.: produtos com sobreposição do ciclo de demandas, mas com uso de recursos comuns). distribuição; influxo de suprimentos (ex: gestão da carteira de vendedores). • Programas de retenção e comprometimento de clientes versus programas de atração e aquisição. • Aumento da troca de custos com os consumidores através de pacotes de produtos e serviços. • Excelência em distribuição de intangíveis, atributos sustentados na experiência do cliente e serviços. • Alavancagem de ativos baseados em mercado (cadeia de valor). • Programas de educação e treinamento de clientes. • Programas de leasing. • Concessões de preços para desenvolver contratos de longo prazo de distribuição. • Ve n d a c r u z a d a d e p a r t e s , materiais de consumo e serviços complementares. Fonte: SRIVASTAVA et al., 1999. 22 A criação de valor em relacionamentos colaborativos 3. Metodologia Para a realização desse estudo foram entrevistados os principais gestores de marketing e vendas, bem como os principais gestores de compras, planejamento da produção e gestores de fábrica, de quatro empresas que formam duas relações cliente-fornecedor: Embraco – Multibrás, Saint-Gobain – Eaton. As entrevistas foram realizadas observandose as seguintes dimensões de análise e suas inter-relações: Objetivos Poder Recursos Interdependência Solução de problemas Competência Benevolência operacional Comportamento confiável Confiabilidade Valor decorrente da relação Oferta básica: •Qualidade do produto •Performance de entrega Processos relativos ao fornecimento: •Serviços de suporte •Interações pessoais Mensuração do valor decorrente da relação Operações dos clientes: •Know-how do fornecedor •Time to market Empatia Presteza Segurança Serviço 23 Relatório de Pesquisa – RP0605 QUADRO 5 Construtos analisados Construto Variáveis observáveis Interdependência Objetivos • Relação positiva: Uma empresa depende da outra para alcançar seus objetivos. • Relação negativa: O alcance dos objetivos de uma empresa interfere negativamente no alcance dos objetivos de outra empresa. • Não relacionados – Os objetivos não se relacionam. Assimétrico / simétrico: Situação: • • • • Existem alternativas? É fácil o fornecedor substituir o cliente ou o cliente substituir o fornecedor? Qual a importância de uma parte para a outra? Quem tem a posse ou o acesso ao recurso X quem usa? Os ganhos da relação são percebidos como sendo compartilhados com justiça? Como conseqüência, os participantes percebem ou não que: Poder • • • • a relação é muito favorável a uma parte. uma das partes tem muito mais poder. uma das partes pode obrigá-los a fazer algo que não quer. uma das partes tem mais influência sobre a outra do que o inverso. Não coercivo: As partes procuram sempre ajudar a outra. Sempre obtém bons conselhos da outra parte. Sempre um ajuda o outro a desenvolver o negócio. Acredito que o outro compreende minha necessidade. Coercivo: “A outra parte sempre se refere ao contrato quando vamos conversar.” “A outra parte quer que eu despenda mais tempo do que acho necessário na relação.” “Insiste que eu faça algo para ela em que não percebo que há benefícios.” “A outra parte interfere em áreas do meu negócio que não acho que seja de sua responsabilidade.” “Faço determinadas coisas mais porque sou obrigado do que por perceber benefícios.” Simétricos / assimétricos Recursos • Um contribui mais que o outro; Quem tem mais para contribuir tem mais poder! • Existem recursos dedicados? São recursos criados somente para aquela relação. Fora da relação, não tem valor. Nessa situação, encontra-se em estado de maior vulnerabilidade e está sujeito a comportamento oportunista. Qualidade da Relação Solução de problemas • Eu confio nas informações oferecidas pelos funcionários do fornecedor-cliente. • Os funcionários da empresa (fornecedora-cliente) sempre me oferecem as melhores opções para os problemas apresentados. • Os funcionários do cliente ou do fornecedor conhecem os produtos comercializados e sabem me informar sobre eles. Competência Operacional Confiança • • • • O fornecedor entrega as mercadorias corretamente ou o cliente passa corretamente os seus pedidos. O fornecedor é ágil na realização do seu serviço. Qual? O cliente é ágil na realização das atividades em interface com o fornecedor. Eu tenho confiança nos produtos comercializados (eles não são falsificados, estão sempre dentro da validade e estão sempre lacrados) • Eu tenho confiança no cliente em relação ao manuseio e armazenamento das nossas mercadorias. • Sempre encontro o que eu procuro ou o cliente possui as condições gerenciais adequadas para comercializar as nossas mercadorias. Benevolência operacional • • • • 24 O fornecedor faz o que é certo caso surja algum problema com seus clientes. O cliente faz o que é certo caso surja algum problema com seus clientes. O fornecedor-cliente é uma empresa correta. O fornecedor-cliente age considerando que o cliente tem sempre razão. A criação de valor em relacionamentos colaborativos Confiabilidade • Habilidade de prover o serviço com a performance prometida, e de forma confiável e acurada. Segurança e confiança Serviço O conhecimento e a cortesia de empregados e sua habilidade em transmitir confiança e confiabilidade. Empatia Comunicação eficiente e clara, com linguagem adequada. Compreensão das necessidades do cliente. Presteza A disposição para ajudar o cliente e proporcionar com presteza um serviço. Valor decorrente da relação Estão ofertando competências complementares para ganhos mútuos? O fornecedor (ou cliente) está realizando alguma função da cadeia de valor do outro? Em quais processos organizacionais estão interagindo? a) Qualidade e ampliação do mix de produtos em decorrência da relação • O fornecedor está oferecendo melhor qualidade do produto decorrente da relação? • Comparado ao concorrente, os produtos do fornecedor estão mais confiáveis, estão sendo menos rejeitados? b) Performance na entrega • • • • • Valor decorrente da relação e Indicadores utilizados para mensurar esse valor O fornecedor desempenha melhor seu compromisso de entrega? As entregas são mais acuradas, sem erros? Percebe-se redução no tempo de desembarque? Percebe-se redução do estoque de segurança? Redução no tempo de entrega do produto? c) Serviços de Suporte • • • • • O fornecedor provê serviços melhores; O fornecedor é mais disponível e rápido quando os clientes precisam de informações? Há maior conformidade do pedido? Há maior conformidade da fatura? Realizamos planejamento conjunto de compras? d) Interações pessoais • • • • Em decorrência da relação é mais fácil trabalhar com o fornecedor? Podemos direcionar melhor os problemas? Podemos discutir os problemas mais livremente com o fornecedor? Passam-nos a sensação de que somos clientes importantes? e) Know how do fornecedor • • • • • • Em decorrência da relação, o fornecedor oferece melhor acesso ao seu know-how? Em decorrência da relação o fornecedor melhora os produtos atuais? O fornecedor apresenta novos produtos ao cliente? Há integração dos fornecedores no processo de planejamento de novos produtos? Há ampliação do mix de produtos sugeridos por fornecedores? Há adequação do produto/linha de produtos ao mercado? f) Time to market • Qual a eficiência do fornecedor em ajudar o cliente a desenvolver produtos • e colocá-los no mercado rapidamente? • O fornecedor ajuda a reduzir o tempo de colocar os produtos no mercado? 25 Relatório de Pesquisa – RP0605 Com o objetivo de explorar como as organizações têm avaliado o retorno financeiro do valor gerado decorrente de relacionamentos, solicitou-se aos respondentes que apontassem os indicadores utilizados para monitorar cada um dos benefícios percebidos na relação. 4. Os casos pesquisados 4.1 Embraco – Multibrás Em função do processo de globalização e da expansão industrial experimentados durante a década de 90, o setor de eletrodomésticos, especificamente a chamada linha branca (refrigeradores, freezers, fogões, lavadoras de roupa, secadoras, lava-louças, fornos de microondas, condicionadores e depuradores de ar), passou por grandes fusões mundiais, concentradas em grupos americanos e europeus como Whirlpool, General Electric, BoschSiemens e AB Electrolux. No Brasil dos anos 80, esse segmento era composto por poucas empresas familiares – Multibrás, Prosdócimo, Continental e outras menores, sendo que a Multibrás, originária da Brastemp e Consul, detinha a liderança absoluta de mercado. Em meados da década de 90, as principais empresas de capital nacional foram adquiridas por grupos estrangeiros: a Multibrás pela americana Whirlpool, a Continental pelo grupo alemão Bosch-Siemens, a Prosdócimo pela sueca Electrolux, e a Dako, fabricante de fogões de baixo preço, pela também americana General Electric. Essa situação intensificou a competição no setor, com as vantagens competitivas conquistadas pelas empresas representando um diferencial cada vez menor, sustentado por cada vez menos tempo: os concorrentes conseguem assimilar rapidamente os diferenciais implementados, caracterizando o fenômeno da hipercompetição (D’AVENI, 1995). Formando a cadeia de valor do segmento de eletrodomésticos, além das chamadas “montadoras” , como é o caso da Multibrás e de suas concorrentes já citadas anteriormente, temos também fornecedores de diversos produtos, tais como plástico, aço, motores e compressores. Esses últimos são considerados fatores críticos de sucesso, uma vez que estabelecem diferencial tecnológico. 26 O foco do nosso estudo está na qualidade do relacionamento entre a Multibrás, empresa pertencente ao grupo Whirlpool, conforme citado anteriormente, e a Embraco, empresa de compressores, fornecedora da Multibrás, que hoje também faz parte da Whirlpool e é um dos maiores produtores de compressores do mundo. Além da Embraco e da Multibrás, a Whirlpool Latin América tem como empresas coligadas a Brascabos, produtora de cabos e componentes eletrônicos, e a Multibrás da Amazônia, fabricante de componentes plásticos para eletroeletrônicos. A Whirlpool Corporation é a maior fabricante de eletrodomésticos do mundo, com vendas anuais de mais de US$12 bilhões, 68 mil colaboradores e cerca de 50 fábricas e centros de pesquisa tecnológica em todo o mundo. 4.1.1 Embraco Fundada em 1971, com o objetivo de suprir a indústria brasileira de refrigeradores, então dependente da importação de compressores, a Embraco, nessa mesma década, tornou-se exportadora e, nos anos 80, seus produtos já chegavam a todos os continentes. A empresa faturou, em 2003, R$1123 milhão, empregando mais de 9000 mil pessoas no mundo. Atende mais de 80 países com bases produtivas no Brasil, Itália, China e Eslováquia, além de uma unidade de negócios nos EUA. É líder mundial do segmento, o que hoje significa uma participação de mercado de 25%. A Embraco atende atualmente cerca de 50% do mercado americano e 70% do mercado brasileiro, considerados seus principais mercados. A Embraco produz 12 famílias de compressores e centenas de modelos adaptados a diferentes m e r c a d o s . Ta m b é m m o n t a u n i d a d e s condensadoras para diversos tipos de aplicação. Na busca por oferecer produtos de maior valor agregado ao mercado, a visão empresarial da empresa evoluiu, e hoje define seu negócio “como solução em refrigeração”. Sendo assim, oferece também ao mercado sistemas completos: unidade de refrigeração, com condensador + vaporador + ventilador. A criação de valor em relacionamentos colaborativos A Embraco sustenta sua liderança de mercado e vantagem competitiva em sua eficiência operacional, qualidade dos produtos e inovações. O desenvolvimento de novas tecnologias garante que os produtos Embraco estejam sempre presentes na indústria de refrigeração de maior performance. O reconhecimento internacional do Centro de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) da Embraco pode ser atestado pelas 352 cartas patentes que a organização detém, em âmbito mundial. Em 2000, o presidente da empresa, Ernesto Heinzelmann, foi homenageado com o prêmio “Mérito Tecnológico” da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia de Empresas Inovadoras – Anpei. Em 2001, a empresa é novamente homenageada com a “Medalha do Conhecimento”, instituída em comemoração aos 50 anos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e o Compressor VCC® recebe Prêmio Finep de Inovação Tecnológica, em âmbito regional e nacional. Em 2003, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e a Financiadora de Estudos e Projetos – Finep –, a empresa investe na construção do Centro Avançado de Pesquisa com ênfase em Refrigeração. Em 2004, Embraco é apontada, em ranking constituído pela revista Amanhã, como uma das cinco empresas mais inovadoras do Brasil. Extremamente preocupada com o meio ambiente, a Embraco possui o certificado ISO 14.001, já estando certificadas as plantas do Brasil e da Itália. Na planta em Joinville, a produção gira em torno de 1 milhão e meio de compressores por mês e 70% do que é produzido vai para os EUA. Apesar dos investimentos em tecnologia, a fábrica da Embraco sofre grande pressão para funcionar com o máximo da capacidade produtiva (linearidade), visando reduzir custos, uma vez que o compressor, considerado item-chave na eficiência do produto final, é considerado uma commodity. Sendo assim, sempre privilegiou o processo de produção order to stock, isto é: produzir e armazenar, e assim ter as mercadorias disponíveis para serem comercializadas. 4.1.2 Multibrás A Multibrás S.A. Eletrodomésticos, detentora das marcas Brastemp e Consul, está presente há mais de 11 anos no país e é hoje a maior empresa do setor de linha branca da América Latina. Em 2004, faturou R$3 bilhões e manteve sua liderança em vendas no Brasil, com participação de aproximadamente 40% no mercado, com as duas marcas. Ao longo desses 11 anos, tornou-se uma das 100 principais empresas exportadoras do país e emprega cerca de 8 mil pessoas em suas unidades localizadas em São Paulo (Cocção), Rio Claro – SP (Lavanderia), Joinville –SC (Refrigeração), Manaus (AM) (Condicionadores de Ar e Microondas), Tamboré – SP (Centro de Logística) e em seus escritórios em São Paulo, Buenos Aires (Argentina) e Santiago (Chile). O presidente da Multibrás é o presidente do grupo Whirlpool Latin América. Atualmente, 42% da produção da Multibrás é destinada ao mercado externo e 58% destinada ao mercado interno, sendo que destes 50% são comercializados para a Casas Bahia, grande varejista nacional. Por depender das oscilações da demanda de mercado, a Multibrás enfrenta um desafio: obter de seus fornecedores uma programação de entrega de componentes e matéria-prima de forma coordenada com a produção, evitando estoques desnecessários. O compressor é um dos componentes mais importantes de refrigeradores. Sua relevância ocorre também na dimensão estratégica, uma vez que o nível de eficiência exigido de um compressor varia de país para país. Hoje, a empresa utiliza compressores diferentes para cada uma dessas exigências. A Europa, por exemplo, exige nível de eficiência maior, requerendo, portanto, compressores mais caros. A Argentina, ao contrário, possui níveis de exigências menores, requerendo compressores mais baratos. Essas variações implicam um número maior de SKUs (Stock Keeping Unit), resultando em um processo produtivo mais oneroso, por exigir mais set ups das máquinas tanto da Multibrás quanto dos fornecedores em seus processos de produção. 27 Relatório de Pesquisa – RP0605 A Multibrás possui cerca de 700 SKUs atualmente e reduzir esse número SKUs é um grande desafio. Nesse contexto, alguns questionamentos que impactam nas relações com fornecedores são realizados, tais como o feito pelo responsável por planejamento de produção de longo prazo da companhia: “Será que padronizar cinco tipos de compressores, nivelando por cima quanto aos níveis de exigência de consumo de energia, eficiência logística e de produção justificaria o custo mais alto?” Até novembro de 2003, o planejamento de produção da Multibrás era mensal e, da mesma forma, passava mensalmente a necessidade dos componentes e matérias-primas para seus fornecedores. Entretanto, por estar mais próxima do mercado de consumo na cadeia produtiva, as oscilações da demanda têm forte no processo produtivo da empresa. A Multibrás não estava preparada para as oscilações de demanda do mercado. Quando a demanda alterava, a fábrica continuava produzindo o planejado: ora faltava produto, ora sobrava produto. Devido a essas oscilações, a Embraco, como um dos principais fornecedores da empresa, estava sempre insatisfeita. Segundo o gestor de Vendas Internas (responsável por garantir que as solicitações dos clientes sejam atendidas na produção): “O que a Multibrás pedia a gente atendia...queremos atender bem... Mas eles têm muitos SKUs e mudam a programação constantemente...” A Multibrás não consegue me dar a previsão do mês seguinte. O que impede: Passa, mas não passa bem. Tem previsão para no máximo 3 semanas... não tem certeza... A Embraco sempre fez uma programação mensal da fábrica. O objetivo é a maior eficiência no processo produtivo: avaliamos as similaridades de produtos, a priorização dos pedidos...” Mas, na percepção dos gestores da Multibrás, eles é que se adaptavam à Embraco. “Nossa dependência sempre foi tão grande, que a Multibrás sempre deu um jeito para planejar sua produção de acordo com a Embraco”, afirma o gerente de PCPM. A Multibrás, para se tornar mais competitiva e evitar estoques desnecessários, inicia, em novembro de 2004 o projeto de Planejamento 28 Integrado de Vendas e Operações – Pivo. Esse projeto tem como objetivo integrar as previsões de venda com a política de estoque e planejamento da produção evitando estocagem. O conceito requer estreito relacionamento com fornecedores e distribuidores, por trabalhar com os conceitos de Kanban e Just-in-Time. No processo de distribuição e entrega a seus clientes, utilizam o conceito de Milk Run – entrega programada na medida da necessidade, nos centros de distribuição de seus clientes – evitando também os seus estoques. Com esse sistema, iniciou-se o planejamento semanal rolante, que aumenta a flexibilidade da fábrica. A área de Vendas da empresa passa para a área de Planejamento de Produção a previsão de longo, médio e curto prazos e a ajusta semanalmente. Porém, a flexibilização no processo produtivo tem um limite, pois é preciso dar estabilidade à fábrica. Foi então determinado um período de congelamento, em que as vendas não podem interferir na produção. Portanto, durante duas semanas, a fábrica trabalha com uma previsão de vendas definida. Ela produz o que vai ser entregue aos clientes na terceira semana. Da mesma forma, os fornecedores recebem informações sobre o que vai ser produzido na Multibrás em três semanas. 4.1.3 A Crise Em 2004, devido à falta de aço no mercado, agravada por problemas logísticos nos portos brasileiros, a Embraco começou a ter problemas com os níveis de estoque no mercado americano, que causaram dificuldades de abastecimento ao mercado externo e interno. Em função disso, tiveram que cortar vários clientes para atender ao mercado americano. Só nos EUA, a Embraco possui 11 armazéns, que costumavam ficar abastecidos com 30 dias de estoque. O estoque está concentrado na Europa e nos EUA. Em meio à crise, as relações com a Multibrás ficaram tensas. Em 2003, faltaram 600 mil compressores para fechar o planejamento do ano. Em quatro meses, a Multibrás deixou de produzir cerca de 90 mil unidades. Em um primeiro momento, a Multibrás tentou estocar compressores da Embraco e até mesmo A criação de valor em relacionamentos colaborativos desenvolver uma linha de produtos que pudesse utilizar compressores de outros fornecedores visando liberar as linhas de produção e atender às exportações. A grande questão era por que atender à Multibrás, considerada um cliente de baixa rentabilidade, deixando de atender aos clientes que geram melhores resultados? Apenas porque são empresas “irmãs”, ou seja, do mesmo grupo? A Embraco abriu mão de atender a alguns clientes antigos para atender à Multibrás, o que agravou a situação, uma vez que elevou a sensação de prejuízo. 4.1.4 A integração entre Embraco e Multibrás em um projeto de supply chain No auge da crise, em março de 2004, observando o comportamento das duas empresas, o responsável pelos resultados das duas empresas, por ser presidente da Multibrás e Presidente da Whirlpool América Latina, questionou: “Estamos perdendo vendas nos Estados Unidos e a Multibrás está estocando! Temos que nos preparar para atender just-in-time. As empresas precisam ter uma equipe de logística só!” Essa diretriz da alta direção veio também ao encontro da necessidade estratégica da Embraco de buscar um diferencial competitivo além da tecnologia e eficiência operacional. “Estamos buscando diferencial competitivo na logística porque não há mais diferencial em produto – qualidade ou tecnologia. A gente acredita que o diferencial logístico vai trazer diferencial competitivo”, afirmou Paulo Felício, o gestor responsável por Supply Chain Management da Embraco. Portanto, a empresa viu no projeto desenvolvido com a Multibrás a oportunidade para buscar diferenciação integrando-se na cadeia logística de seus clientes e passando a produzir segundo o sistema Order to Deliver. Ou seja, em vez de produzir para estocar, a empresa passa a produzir de acordo com os pedidos dos clientes. Um fator crítico de sucesso nesse projeto é o recebimento de pedidos em padrões especialmente desenvolvidos. Com esse novo sistema, a Embraco visa melhorar o nível de serviço a um custo aceitável, flexibilizando, de acordo com as necessidades dos clientes, seus processos de produção e distribuição. Além disso, consegue coordenar os interesses da área financeira, que não quer investir em estoques; a área de produção, que evita variedades e vendas, que pressiona por maior variedade e flexibilidade para atender aos seus clientes. 4.1.5 O Processo da integração Em agosto de 2004, a Multibrás e a Embraco começaram a se reunir para discutir um projeto de integração. Na Multibrás, participaram os gestores das áreas de Suprimento e, PCPM e na Embraco, os gestores de Vendas, Logística, PCPM e Produção. A Multibrás havia começado o projeto de Pivo desde novembro do ano anterior. Sendo assim, ajudou a Embraco a estruturar-se para que pudessem atendê-la segundo o novo modelo. Com a implementação do projeto, a Multibrás passou a operar com estoques somente de três dias, e a Embraco não precisou produzir para estocar a fim de atender a Multibrás. Ela pode produzir e estocar para atender ao mercado externo, além de adquirir know-how para atender a outros clientes com produção enxuta. O gestor de vendas internas da Embraco, Márcio Machado, comenta que em decorrência do novo sistema: “também não queremos que a Multibrás estoque mais porque, para atendê-los, deixamos de atender outro cliente”. Para avaliar o sucesso das operações conjuntas, alguns indicadores foram mais utilizados. A Embraco melhorou imediatamente nos indicadores: perda nas exportações e prazo de entrega dos pedidos. Com a possibilidade de integração na cadeia de valor dos clientes, a Embraco considera as seguintes possibilidades de geração de valor: • Nível de serviço: o produto certo no momento certo, resultando em custos administrativos mais baixos em função da eficiência logística. • Eficiência na fabricação, aliada à flexibilidade, resultando em satisfação e custos baixos de produção. • Inovação nos processos do negócio e em produtos. 29 Relatório de Pesquisa – RP0605 • Atendimento aos clientes dos clientes por meio de uma assistência técnica que, segundo os gestores da Embraco, hoje é invejável. A Multibrás utilizou-se dos seguintes indicadores para avaliar os resultados das ações colaborativas entre as duas empresas: redução de estoques, área para estoques, redução de parada na produção, atendimento à produção (volume produzido). 4.1.6 A qualidade da relação A relação colaborativa entre as duas empresas ainda está no início. Essa relação sempre foi marcada por desconfiança e insatisfações e os fatos passados ainda influenciam a avaliação da relação das empresas no presente. Na avaliação dos gestores de produção da Multibrás, a Embraco ainda não é confiável em relação às informações oferecidas e nem sempre lhes oferece as melhores opções para os problemas apresentados. Entretanto, percebem que a Embraco é uma empresa correta e profunda conhecedora dos produtos que comercializa. Consideram-na também confiável no que tange à qualidade. Entretanto, em suas operações, alegam que ela falha algumas vezes na entrega e, somente quando combinado, é ágil na realização do serviço. Os gestores da área de produção afirmaram também que somente agora, depois desse projeto conjunto, a Multibrás encontra na Embraco as condições adequadas que sempre procuraram. A Multibrás ainda não tem plena confiança de que, caso haja algum problema, a Embraco vai fazer o que é certo e definitivamente ela não age considerando que o cliente tem sempre razão. A Embraco também foi avaliada quanto à qualidade dos serviços prestados nas dimensões clássicas de confiabilidade, empatia, presteza e segurança, itens em que as impressões citadas se repetem. A Embraco, na percepção da Multibrás, é uma empresa competente, pelo conhecimento que detém. O projeto que estão desenvolvendo em conjunto está possibilitando maior confiabilidade ao serviço prestado pela Embraco, que é considerada prestativa, com disposição para ajudá-los sempre que precisam. Mas, quando questionados sobre empatia, os gestores da área de produção afirmaram: “Eles 30 precisam melhorar, precisam se colocar mais no nosso lugar. Ainda acham que têm que ganhar na negociação”. 4.1.7 O potencial para outras ações colaborativas A Embraco, por sua excelência em tecnologia e busca constante de inovação, tem procurado desenvolver produtos que aumentem a eficiência no processo produtivo dos clientes ou a eficiência dos produtos. Ao ser questionado sobre possíveis outras ações colaborativas com a Multibrás ou com outros clientes, um profissional da área comercial citou quatro exemplos: • Por se preocuparem com o processo produtivo do cliente, mudaram o passador de aço do tubo de descarga do compressor para um passador de cobre, o qual esse reduz o tempo e materiais utilizados no processo de produção; • Entregam os compressores já montados com os acessórios (relé + amortecedores de borracha), reduzindo postos de trabalho dos clientes. • Trabalham junto com o cliente no sentido de produzir produtos de alta eficiência, que consomem menos energia. • A experiência da Embraco e Amyr Klink: A Embraco e Amyr Klink estão juntos desde que o navegador, em dezembro de 2001, iniciou a busca por uma efetiva solução de refrigeração para o Parati 2. O desejo do navegador brasileiro era poder dispor de espaços refrigerados para conservar vídeos e filmes, além de congelar alimentos, com o menor gasto possível de energia. Assim, testou com sucesso os sistemas de refrigeração desenvolvidos pela Embraco, que estão utilizando a terceira geração dos compressores de capacidade variável que consomem 50% menos energia, conhecidos pela sigla VCC®3. Do ponto de vista da Multibrás, a estratégia de produção está cada vez mais enxuta, e seu desejo é de que a Embraco monte os compressores em sua linha de produção e entregue o compressor montado no refrigerador. Apesar de já terem solicitado uma proposta da Embraco, não conseguiram dar continuidade às negociações. A criação de valor em relacionamentos colaborativos Segundo o gestor de Planejamento de Produção da Multibrás, a dificuldade está em que a Embraco não consegue perceber e contabilizar os prováveis ganhos nesse tipo de ação colaborativa e deduzir esses ganhos nos custos desse tipo de serviço: “A Embraco não consegue fazer uma proposta a um custo que compense”. Os benefícios apontados pela Multibrás seriam, entre outros: • redução de estoques; • redução de área de estocagem; • redução de custos com movimentação de matéria-prima; • redução de mão -de- obra na linha de montagem. E, para a Embraco, haveria reduções de custos associados à produção Order to Deliver. Tudo o que produzissem seria imediatamente alocado no processo produtivo de seus clientes. Entretanto, a Embraco percebe com restrições esse nível de colaboração. Ainda não se sentem preparados. “Precisamos primeiro arrumar a casa”, afirma o gestor comercial. “Precisamos implementar mais ferramentas para gerenciar melhor os nossos processos e tomar decisões”. 4.2 Caso Saint-Gobain – Eaton “Desde novembro de 2003 a Saint-Gobain Abrasivos, com sede em Guarulhos, passou a propor um desafio a seus clientes: reduzir os custos com abrasivos. Sim, ela se compromete a ajudar o cliente a gastar menos com aquilo que ela mesma produz. ‘Nossa proposta é fazer uma análise de tudo que é usado na empresa, gerenciar as ferramentas e garantir uma redução substancial no custo de retificação’, diz Paulo Botelho, gerente de mercado da Saint-Gobain. ‘Transferimos para nós toda a responsabilidade e preocupação de sermos eficientes e atingirmos a redução estabelecida”. (EXAME, abr. 2003.) O Caso Saint-Gobain – Eaton relata a experiência de um relacionamento cooperativo entre as duas empresas, bem como analisa as variáveis da qualidade do relacionamento que influenciaram essa relação e o valor gerado para as duas empresas decorrente do relacionamento. 4.2.1 Histórico no Brasil A Saint-Gobain atua no Brasil há quase 70 anos. E, desde então, vem apresentando contínuo crescimento, tanto em volume de operação como em número de atividades. A chegada ao Brasil, em 1937, se deu pela aquisição da Companhia Metalúrgica Barbará e da Brasilit S/A. Hoje, a Saint-Gobain ocupa uma posição de destaque, firmando-se como um dos maiores grupos industriais do país. Está presente em todo o território nacional, com 12 empresas operacionais, 44 unidades industriais, seis sítios de mineração e 21 lojas em 42 cidades e oito estados. Emprega cerca de 12 mil funcionários e, em 2004, obteve um faturamento bruto de 4,8 bilhões. Possui empresas como: Saint-Gobain Canalização, Brasilit, Saint-Gobain Vidros, Saint-Gobain Abrasivos, Saint-Gobain Cerâmicas e Plásticos, Saint-Gobain Quartzolit e Saint-Gobain Materiais Cerâmicos. Como em outros setores, a Saint-Gobain é líder mundial na fabricação de abrasivos – peças que provocam atrito, como rebolos ou lixas, que servem para moldar, alisar e tirar arestas dos produtos. Desde o início da década de 90, vinha se preparando para entrar no mercado de abrasivos no Brasil. Em 1990, adquiriu a empresa Norton; em 1996, adquiriu a Carborundum e, em 1997, adquiriu a Winter do Brasil. Entretanto, a Saint-Gobain Abrasivos surgiu no Brasil no ano 2000 com a fusão dessas três empresas. 4.2.2 A Estratégia da Saint-Gobain abrasivos Por atuar em um segmento altamente competitivo, a Saint-Gobain Abrasivos busca desenvolver soluções para os segmentos industriais utilizando as mais avançadas tecnologias em produtos e processos que envolvem abrasivos. A empresa se compromete a desenhar soluções junto a seus clientes que aumentam a produtividade do negócio e reduzem custos associados à produção, assegurando um patamar elevado na relação custo/benefício. Sinergia, Integração e Abrangência são conceitos em que a estratégia se apóia: “Integramos as áreas de Engenharia de Aplicação, Engenharia 31 Relatório de Pesquisa – RP0605 de Produtos, Marketing e Vendas, visando satisfazer as necessidades dos clientes, antecipar inovações tecnológicas e obter excelência em atendimento”, revelam as comunicações corporativas da empresa. “Enquanto nosso time de Engenheiros de Produção trabalha junto com nossos clientes buscando entender suas necessidades e melhor solução, nossos engenheiros de vendas buscam novas técnicas e formas inovadoras para atender às necessidades de abrasivos de acordo com as programações dinâmicas dos clientes. Nosso serviço ao cliente é altamente desenvolvido com vistas a atendê-los de forma coordenada com suas programações das fábricas.” Tudo isso fortalece seu posicionamento competitivo: “Um provedor de soluções” para a indústria, em vez de ser mais um fornecedor de abrasivos. Sendo assim, sustenta a sua estratégia em 3 pilares: 1) Qualidade e tecnologia na produção A empresa promove contínuos investimentos em tecnologia de manufatura, o que torna possível à Saint-Gobain Abrasivos desenvolver avançadas linhas de produção em suas unidades. A equipe técnica busca constantemente altos padrões de qualidade e tempos de fabricação cada vez menores. Em todas as unidades no Brasil a Saint-Gobain Abrasivos possui o Certificado de Qualidade ISO 9001:2000. 2) Pesquisa e Desenvolvimento A Saint-Gobain Abrasivos possui centros especializados na Europa e nos Estados Unidos que se dedicam a desenvolver os melhores produtos voltados para o processo de retificação. Esses centros utilizam-se da mais moderna tecnologia para buscar novos abrasivos e novas tecnologias. Além disso, recebem engenheiros de todo o mundo para treinamento e reciclagem de conhecimentos. A Saint-Gobain Abrasivos forma também várias alianças tecnológicas com universidades, visando sempre estar à 32 frente no que diz respeito a abrasivos. Como exemplo desses Centros, a Saint Goban possui o HGTC – Higgins Grinding Technology Center, localizado na cidade de Worcester nos Estados Unidos, e, no Brasil, mantém o laboratório de retificação do Curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos. 3) Mix de Produtos A Saint-Gobain Abrasivos é a única empresa que produz as quatro principais linhas de produtos abrasivos, podendo oferecer um mix completo de produtos para atender às necessidades de seus clientes: • Rebolos (vitrificados e orgânicos) • Discos de corte e de desbaste • Lixas (vários tipos de costados, grãos, espumas e esponjas abrasivas) • Superabrasivos (diamantados) • Engenharia de aplicação. Nos laboratórios de retificação, a companhia não somente promove o avanço tecnológico de produtos abrasivos e da retificação, como também desenvolve sistemas de retificação que agreguem valor para o cliente. Nesse contexto desenvolveram o Field Instrumentation System – FIS –, uma poderosa ferramenta projetada para monitorar e medir processos de retificação. Esse equipamento foi desenvolvido com o objetivo de maximizar performances através da análise detalhada dos dados obtidos durante o processo de retificação. Avaliam o processo de fabricação desenvolvendose quatro tipos de variáveis que se relacionam para a obtenção dos resultados no processo: A criação de valor em relacionamentos colaborativos as máquinas e ferramentas para fabricação, as características das peças que serão retificadas (peça-obra), características dos produtos abrasivos e processos operacionais empregados na retificação. • aumentar a performance e a vida das O monitoramento do processo de retificação por meio dessas variáveis permite: O FIS é operado por engenheiros de aplicação treinados em centros especializados da SaintGobain Abrasivos, como o Higgins Grinding Techonology Center – HGTC –, localizado em Worcester – USA. • otimizar processos de retificação; • reduzir ciclos de fabricação de peças; ferramentas abrasivas; • estudar o comportamento de retíficas; • detectar problemas no equipamento de retífica. Fatores da Máquina Fatores do Material • Propriedades • Design - Rigidez - Precisão - Dinamismo • Características - Poder, velocidade, etc. • Controles ativos - Movimento. • Acesso ao refrigerador - Retificar e Limpeza - Mecânico; - Térmico; - Químico; - Resistência do Abrasivo - Microestrutura • Geometria - Rota / Conformidade Porto; - Perfil da forma. • Qualidade da Parte - Geometria; - Tolerância; - Consistência • Refrigerador - Tipo, pressão e fluxo - Direção e filtragem Fatores de Seleção da Rota • Abrasivo - Tipo - Propriedades - Tamanho da partícula - Distribuição - Índice • Curvatura - Tipo - Dureza / Classe - Rigidez Melhoria dos Resultados • • • • • • Qualidade da superfície Força retida Tolerância do revestimento Taxa de Produção Custo por partes Performance Fatores Operacionais • Dispositivos elétricos • Balanço da Rota • Retirar, limpar e condicionar - Técnicas - Dispositivos - Parâmetros • Designs do ciclo do Griding • Aplicação do refrigerador • Métodos de inspeção - Porosidade - Condições Térmicas • Material do núcleo • Design da Rota Figura 5: Seleção das variáveis que influenciam o Sistema de Griding Fonte: Disponível em: www.saintgobain.com. • Customer Service Com a redução da demanda e o aumento da incerteza no mercado, está ficando cada vez mais difícil prever a demanda dos produtos comercializados. Como conseqüência, freqüentemente torna-se difícil a programação da produção, podendo impactar na disponibilidade de abrasivos a tempo. A entrega confiável de abrasivos de acordo com a programação da fabricação dos produtos é também fator crítico para alguns clientes. Portanto, a Saint-Gobain Abrasivos oferece soluções também para essas questões logísticas. A empresa tem desenvolvido novas técnicas para assegurar que aplicações que se caracterizam por ser capital intensivo não sofram interrupções devido à não-disponibilidade de abrasivos. A empresa desenvolveu o conceito de Programa de Gestão de Abrasivos. É trabalhado também o conceito de Estoque em Consignação. A empresa, além dessas iniciativas dirige esforços para reduzir leads times, assegurando uma disponibilidade mais rápida de materiais. 33 Relatório de Pesquisa – RP0605 • Informação Outra iniciativa da empresa tem sido investir em tecnologia de informação, que permite o acesso a informações em tempo real a respeito das programações de produção dos clientes. Assim, a Saint-Gobain pode entregar os produtos de acordo com as necessidades dos clientes e com rapidez e flexibilidade. EATON A Eaton Corporation é uma indústria fabricante de componentes para veículos cujo faturamento mundial em 2004 foi de US$9,8 bilhões. É líder global em sistemas e componentes eletrônicos que permitem a geração de energia de qualidade, distribuição e controle, tais como: • sistemas fluidos de energia e serviços Os dirigentes da empresa atribuem o sucesso da Eaton às inovações que apresentam ao mercado e à eficiência operacional. Para isso, têm realizado muitas aquisições e investido em mercados de altas taxas de crescimento. Os benefícios dessas práticas são escala, força e escopo. Outra importante fonte de vantagem competitiva para a empresa, segundo seus dirigentes, é o Sistema de Negócios da Eaton (Eaton Business System). Trata-se de um sistema de gestão que oferece fundamentos para uma cultura de alta performance por meio de um sistema de operações integrado. São procedimentos adotados em toda a companhia que permitem medir e alcançar melhorias de performance continuamente. Acredita-se que os processos para alcançar resultados são tão importantes quanto os resultados em si. para equipamentos industriais, móveis e equipamentos para aviões; • sistemas inteligentes de drivetrain para caminhões que permitem maior segurança e economia de combustível; • sistemas de gestão de ar para motores de automóveis; • soluções powertrain e controles especiais para performance, economia de combustível e segurança. Como parte dessa filosofia de trabalho, a Eaton tem investido em programas de qualidade e gestão de última geração, como o lean manufacturing – processo de fabricação enxuto – e o “seis sigmas”, constituindo um centro de competência industrial dos mais avançados, incluindo certificação ISO 9000 e selos de qualidade de produtos, de abrangência internacional. Possui, no total, mais de 56 mil empregados em suas fábricas e vende produtos para clientes em mais de 125 países. 4.2.2 Segmento automotivo Atende a quatro segmentos distintos de mercado: Energia Fluida, Energia Elétrica, Automotivo e Caminhões. Em uma carta dirigida aos acionistas, Alexander M. Cutler, presidente do Conselho e CEO da companhia, faz a seguinte declaração: “A energia da Eaton está verdadeiramente em todo lugar. De energia fluida a energia elétrica e energia mecânica, a Eaton possui um conjunto de capacidades tecnológicas que permitem soluções únicas para as amplas necessidades de aplicações de nossos clientes. Os produtos da Eaton estão oferecendo energia para o que é importante na vida das pessoas em casa, no trabalho e estão presentes em todo o mundo”. 34 O segmento automotivo é um dos quatro segmentos de negócio da Eaton. No mundo, esse segmento representou vendas na ordem de US$1.8 bilhão em 2004. Seus principais produtos incluem supercarregadores, válvulas para motores, cabeças de cilindros, componentes para diferencial, sensores, sistemas inteligentes de controle de cruzeiro (velocidade), válvulas para pneus, conectores fluidos, moldes para o corpo do carpo e pára-choques, todos aplicados para automóveis de passageiro e caminhões leves. A unidade da Eaton, situada em São José dos Campos no Brasil, foco desse caso, fabrica válvulas. A criação de valor em relacionamentos colaborativos 4.2.3 A importância dos abrasivos no negócio da Eaton A Eaton enfrenta um grande desafio de mercado. A demanda de seus clientes varia muito, tendo grandes oscilações na quantidade de peças dos pedidos, requerendo que a produção seja flexível e de baixo custo, e que tenha garantia da disponibilidade dos itens necessários à produção. No processo produtivo de válvulas, as lixas e rebolos (abrasivos e superabrasivos) são fundamentais para o processo de retificação. Impactam decisivamente na qualidade do produto final, como também na entrada em determinados segmentos de mercado que impliquem inovações ou mudança nos produtos e demandem imediata de adequação das lixas e rebolos ao novo processo de produção. Os custos de produção são muito influenciados pelas quebras de rebolos ou abrasivos, que, além de causarem a parada da máquina, param também toda linha de produção, que é em série. Portanto, a quebra de um rebolo afeta a eficiência e a produtividade da linha. 4.2.4 A Relação Saint-Gobain abrasivos - Eaton Em 2002, a Saint-Gobain, por ser uma das fornecedoras da Eaton localizada em São José dos Campos, recebeu uma proposta para entrar em uma concorrência: a empresa entregaria 100% de seu estoque ao fornecedor de abrasivos e superabrasivos que lhes ofertasse o menor preço por peça. A Saint-Gobain Abrasivos estava já há algum tempo buscando a oportunidade de aplicar o FIS – Field Instrumentation System - sua ferramenta gerencial que visa monitorar e medir processos de retificação visando melhorias de performance . Entretanto, as condições internas da empresa, até recentemente, não apresentavam um ambiente propício para o emprego dessa metodologia, uma vez que ainda exigia grande esforço para a integração das marcas e das fábricas recém-adquiridas. Com essa oportunidade, resolveram fazer uma contraproposta mais abrangente baseada em performance. A Saint-Gobain propôs interferir na gestão de fabricação da Eaton, de forma a reduzir custos com inventário, compras, qualidade, engenharia e de não-qualidade, não se restringindo à redução financeira com compras de produtos com preços mais baixos. A proposta era reduzir em 5% os custos totais de produção no primeiro ano, e as duas empresas compartilhariam esses benefícios. Para a Saint-Gobain essa seria uma oportunidade ímpar para alcançar alguns objetivos que vinha perseguindo: • sair da guerra de preços em relação a alguns fornecedores presentes no mercado menos estruturados, oferecendo soluções mais completas; • aumentar o market share no cliente. Antes do programa, a participação da Saint-Gobain na Eaton era de aproximadamente 40% em abrasivos convencionais e menos de 10% nos superabrasivos; • maximizar os resultados. 4.2.5 A operacionalização do relacionamento cooperativo O projeto demorou cerca de oito meses para ser negociado e em 2004 estava em seu segundo ano de operação. No processo de negociação, o conceito foi apresentado à diretoria da Eaton e defendido na matriz nos Estados Unidos. Após sua aprovação, as duas empresas formaram equipes de trabalho. A Equipe Saint-Gobain foi formada por pessoas da alta gerência e diretoria das áreas de compras, marketing, vendas e engenharia de aplicação. Segundo seus diretores, era necessário ter na equipe pessoas de decisão, para comprar a idéia, entender e acreditar no projeto. A equipe Eaton foi formada também por diretores e gerentes da área operacional, engenharia de aplicação de produto, compras, produção, administrativa e logística. A solução proposta para a Eaton De forma geral, os custos totais associados ao processo produtivo de válvulas incluem: 35 Relatório de Pesquisa – RP0605 • • • • custos com abrasivos; custos com inventário; custos com desperdícios; custos de engenharia. Com a implementação do FIS, os custos totais seriam reduzidos. Eventualmente, os custos com abrasivos seriam mantidos ou até aumentados em função da introdução de produtos de tecnologia superior que garantissem melhores níveis de performance. Entretanto, todos os outros custos seriam reduzidos, sendo que o custo de engenharia tenderia, inclusive, a desaparecer, porque a Saint-Gobain passaria a assumir muito da função da gestão dos equipamentos e insumos. Além da implementação do SIS, a Saint-Gobain assumiu 100% dos estoques da Eaton. Para isso, a Saint-Gobain montou nas instalações do cliente um local para armazenamento do estoque de segurança (loja) e um funcionário dedicado ao cliente, à gestão dos processos e indicadores de resultados: “Um dos objetivos do projeto SIS é mudar o foco do produto para serviços, oferecendo soluções através de parceria com o cliente. O conceito de serviço é ampliado – sendo medido pela performance. Pela parceria estabelecida, o fornecedor passa a gerenciar parte do processo do cliente, visando ganhos mútuos: ‘Se eu conseguir fazer com que você aumente o seu lucro, eu também aumento o meu. Aumento através da eficácia de produção, pela redução de custos de produção, redução de custo de compras, redução no consumo de componentes....’ (Alexandre Brito dos Santos – Diretor de Vendas – Brasil). 4.2.6 Pré-requisitos para a parceria SIS A implantação do SIS com sucesso requer alguns procedimentos: • Identificar como os abrasivos interferem no produto do cliente. • Identificar como agregam valor ao produto do cliente. • Identificar como o cliente mensura a performance (É necessário padronizar as métricas entre as duas empresas). • Identificar oportunidades de melhorias e redução de custos do cliente. 36 • Revisar as operações do cliente com base nas • • • • variáveis do SIS: as máquinas e ferramentas para fabricação, as características das peças que serão retificadas (peça-obra), características dos produtos abrasivos e processos operacionais empregados na retificação. Implantar procedimentos de engenharia de aplicação que permitem a coordenação entre o processo de fabricação e suprimento, tais como o Forecast Information System – FIS – RMS – Resource Manufacturing System – RMS. Integrar sistemas de informação permitindo a troca eletrônica de dados – EDI -, visando reduzir leads times, assegurar a disponibilidade de materiais, a redução de custos de administração e compras. Implementar os conceitos e procedimentos de logística integrada – Programa de Gestão de Abrasivos e o conceito de Estoque em Consignação. Treinar o cliente, transferindo o know-how. Portanto, para que a parceria se estabeleça, é necessário que o cliente possua alguns pré-requisitos: • emprego de moder nos conceitos de • • • • manufatura e suprimento, tais como Lean Manufacturing ou Manufatura enxuta, Justin-Time, Kanban, Seis Sigmas, entre outros; certificações ISO; políticas de responsabilidade social; rígidos controles de processos; e, principalmente, gestores que busquem a perfeição. 4.2.7 Os benefícios da parceria Para ambas as empresas houve benefícios resultantes da relação. Para a Saint-Gobain: • Aumento de participação junto ao cliente. Após a implantação do projeto, a Saint-Gobain é responsável por 100% do fornecimento de abrasivos e superabrasivos para a Eaton. • Aumento de rentabilidade originado do contrato de performance – redução de custos do cliente – e aumento de receitas, devido A criação de valor em relacionamentos colaborativos à introdução de produtos de tecnologia superior e, conseqüentemente, de maior valor agregado. • Aumento de mix de produtos fornecidos ao cliente e testes de novas tecnologias. O projeto SIS é também campo de teste para novos produtos. Segundo Paulo Botelho, gerente da conta Eaton, “hoje não é preciso convencer o cliente a fazer o teste, a responsabilidade é toda do fornecedor”. • Redução no tempo de desenvolvimento de um abrasivo. “O nosso produto nasce junto com o produto do cliente” (Paulo Botelho – Gerente de Mercado). • Redução de custos com outros itens relacionados produção e fornecimento, tais como a redução alcançada na embalagem e manuseio. Antes, as caixas eram de madeira. Após o projeto, a embalagem é feita com cinta de aço e plástico e o palete é retornável. Para a Eaton: Os benefícios percebidos pela Eaton são: • redução no custo por peça fabricada; • redução de estoque e custos inerentes à • • • • • • • manutenção de estoques de segurança e sua administração; eliminação de estoques para teste, que hoje não existe mais; maior eficiência administrativa; incremento na imagem da empresa – os clientes da Eaton valorizam ver a integração com a Saint-Gobain, uma empresa tradicional e global. Demonstram sua busca para melhorias contínuas. Têm acesso à tecnologia de processo de ponta: não há mais defasagem tecnológica; melhoria da performance de entrega aos seus clientes – hoje conseguem índice de conformidade referente ao tempo de entrega de 99%; maior organização interna da fábrica; redução no tempo de processo de desenvolvimento de novos produtos. Após a implementação do projeto, em menos de 15 dias conseguem introduzir um produto novo no mercado: Os abrasivos nascem junto com os produtos da Eaton, afirma Anatônio Carlos Cali, gerente de manufatura da Eaton. redução de custos com mão-de-obra, já que antes tinha que se deixar gente disponível para o desenvolvimento de novas tecnologias de produtos e processos; • aumento de produção de válvulas por tempo e por rebolo. Antes produzia em torno de 60 mil unidades por mês; com a implementação do SIS, já alcançou o patamar de 90 mil válvulas / mês: o aumento de produtividade é decorrente, entre outras razões, da redução de ocorrências e tempo de máquina parada. O SIS permite o monitoramento de cada máquina e sua eficiência (válvulas por rebolo ou lixa). Caso uma máquina acuse redução do grau de eficiência, imediatamente a Saint-Gobain aciona a manutenção do cliente, reduzindo o número de ocorrências e paradas da linha de produção; • maximização do uso dos rebolos (reutilização): antes, os rebolos eram mal aproveitados, eram trocados com maior freqüência, e esses rebolos não utilizados completamente eram armazenados perto das máquinas, gerando estoques intermediários. Hoje a Saint-Gobain administra esse processo, voltando com o rebolo para a prateleira e dirigindo o reaproveitamento sempre que possível; • garantia de atualizações constantes no processo, já que o fornecedor está sempre desenvolvendo e testando novos produtos. Não há mais defasagem tecnológica em relação aos fabricantes de válvulas em todo o mundo; • otimização na gestão de pedido, que passou a ser processado por EDI – troca eletrônica de dados; • porém, mesmo com esses benefícios, foi apontada a necessidade de melhorar o processo de desenvolvimento (ex.: aumentar rendimento em peça). Apesar de tantos benefícios, na percepção dos dirigentes de Marketing e Vendas da Saint- Gobain, “existem ganhos soltos no processo que ainda não estão sendo mensurados”. 37 Relatório de Pesquisa – RP0605 4.3 Os desafios da parceria . Integração dos indicadores: Visando à coordenação dos processos das duas organizações, é realizado um trabalho de pré-auditoria (diagnóstico), em que o cliente é “fotografado”. São analisados vários dados estatísticos (histórico do cliente, consumo médio para determinado insumo, produção média, mix de produtos, consumo específico, melhor produtividade, etc.), para se chegar a um fator. Daí é possível avaliar sua produtividade, e assim detectar oportunidade de melhorias. Segundo Pedro Francisco Apollinari Cury, Diretor de Marketing da Saint-Gobain, uma grande dificuldade encontrada foi com relação às informações, que não estavam formatadas com um mesmo padrão, o que dificultava a percepção dos benefícios tanto para a própria empresa (Saint Goban) quanto para a empresa cliente (Eaton). A Eaton também encontrou dificuldade de levantar as informações necessárias para o SIS. Foi necessário que a Saint-Gobain ajudasse a levantar todos os dados. As informações não tinham uma padronização: a engenharia e compras utilizavam indicadores que não eram compatíveis, impactando a coordenação do processo de suprimento com estoques mínimos. Resistências internas: Paulo Botelho, o gerente da conta, apontou outra dificuldade: as resistências internas no cliente: “O desempenho do abrasivo não depende somente de si mesmo, depende também de máquinas, dos operadores... É necessário fazer um trabalho junto aos funcionários do cliente. Há risco de se sentirem ameaçados, afinal, na revisão dos processos produtivos, algumas funções são alteradas ou deixam de ser desempenhadas por eles”. Risco e responsabilidade: “Ao deixar de ser orientada somente para seu produto e passando a prestar serviço, a Saint-Gobain assume grande risco e responsabilidade, uma vez que passa a se comprometer com todo o processo do cliente”, complementa Alexandre, diretor de Vendas. 38 Aumento do custo de vendas: Há, sem dúvida, aumento do custo de venda. Foi disponibilizado um funcionário em tempo integral junto ao cliente, foi estruturada uma loja nas instalações do cliente e as visitas dos vendedores mantiveram a mesma freqüência. Foi necessário também um trabalho de convencimento interno na SaintGobain de que esses custos seriam compensados pelo incremento na receita. Procedimentos contábeis: Outra dificuldade encontrada por parte da Saint-Gobain foi com relação aos procedimentos contábeis que precisavam ser adaptados. Houve grande dificuldade de mudar esses procedimentos de forma que refletissem os resultados obtidos com a venda de serviços, não mais somente dos produtos. Essa mudança era de extrema importância, já que disso dependia em muito a visualização dos ganhos financeiros e a realização de comparativos. “Nossa contabilidade não estava alinhada com a estratégia SIS. Houve um acompanhamento específico para este processo”, afirma Paulo Botelho Expectativa de contínua redução de custos: Em contratos de performance o desafio é cada vez maior: a redução de custos proveniente de melhorias em processos tem limitações. Ao alcançarmos patamares de eficiência superiores, fica cada vez mais nos comprometermos com melhorias incrementais. Entretanto, estamos também conscientes de que o cliente é dinâmico. Mudanças nos mercados dos clientes são oportunidades para adaptarmos nossos produtos ou desenvolvermos novas tecnologias. Definir novos processos é sempre uma oportunidade de redução de custos. A avaliação dos serviços prestados pela Saint-Gobain. Dimensões Confiabilidade Evidências OK Segurança e Confiança OK Empatia OK Presteza - Transparência - Confiança entre as pessoas A criação de valor em relacionamentos colaborativos Segundo a Saint-Gobain, a confiança antecede a percepção de benefícios. 5. ANÁLISE DOS DADOS Na presente seção, os casos serão analisados à luz do modelo teórico proposto. Observase que os casos referem-se a duas situações de relacionamento: uma permeada por condicionantes que tornaram mais difícil o estabelecimento de um relacionamento cooperativo – Embraco -Multibrás – e outra situação de grande sucesso: Eaton Saint-Gobain. O contraste entre essas duas situações pode ajudar a identificar variáveis que favorecem e desfavorecem a geração e percepção de valor em relação cooperativa de longo prazo. O primeiro construto a ser analisado é o de Interdependência entre as empresas por meio da observação das dimensões que o compõem: objetivos das duas organizações que se relacionam, o poder acesso aos recursos e domínio sobre eles. Em seguida, o construto Qualidade da Relação será analisado observando-se a confiança e a satisfação com o serviço prestado. O Valor decorrente da relação é produzido na medida em que se acelera o fluxo de caixa da empresa. Ampliando o fluxo de caixa e reduzindo a sua volatilidade, reduzem-se os riscos para a organização (Srivastava et al., 1999). Portanto, a capacidade de a relação ofertar esses resultados será analisada nas dimensões propostas por Eggert, Ulaga e Shultz (2005), que são: alavancagem na qualidade do produto, melhorias de performance da entrega, de serviços de suporte e interações pessoais; aplicações com melhores resultados do know-how de fornecedores e melhorias no time to market. Outro aspecto a ser analisado nos casos são os indicadores utilizados pelas empresas para avaliar esses ganhos. 5.1 Embraco – Multibrás Interdependência 5.1.1 Objetivos Observa-se claramente que a Embraco e a Multibrás possuem objetivos organizacionais divergentes: a primeira, apesar de ter sido fundada com o objetivo de atender à indústria brasileira de refrigeradores, que dependia da importação de compressores, tornou-se exportadora. Hoje é líder mundial no segmento, atuando em 80 países, com bases produtivas também na Itália, China e Eslováquia, e atendendo 50% do mercado americano. Para ser competitiva no mercado internacional, buscou ter custos baixos otimizando sua capacidade produtiva e produtos de qualidade e inovadores. Portanto, utilizandose do modelo conceitual de Treacy e Wiersema (1995), a estratégia corporativa sempre se sustentou em excelência operacional e excelência em produtos, e não em intimidade com o cliente. A Multibrás, por sua vez, está mais próxima do mercado consumidor e atende diretamente a grandes varejistas, sofrendo fortemente com as oscilações da demanda de mercado. Além disso, para ser mais competitiva, precisa oferecer grande variedade de produtos ao mercado, implicando maior número de SKUs processo produtivo mais oneroso. Portanto, o maior desafio da Multibrás é obter de seus fornecedores programação de entrega de componentes e matéria-prima de forma coordenada com a produção, evitando estoques desnecessários. E o compressor é um dos componentes mais importantes dos refrigeradores. A princípio, os objetivos das duas organizações possuem uma relação negativa: o alcance do objetivo da Embraco interfere negativamente no alcance dos objetivos da Multibrás e viceversa. A primeira deseja a menor oscilação possível na demanda e o menor número de SKUs para alcançar o máximo de eficiência em sua produção, além de priorizar o mercado internacional. A Multibrás, para enfrentar seus desafios de mercado, demanda um projeto de integração com seus fornecedores, integrando as previsões de vendas com a política de estoques e planejamento da produção. 5.1.2 Recursos A Multibrás, certamente, possui menos alternativas no mercado para suprimento de compressores do que a Embraco. Além disso, suas linhas de produtos são adequadas aos compressores da Embraco. Quando a Multibrás buscava alternativas para suprir a falta de 39 Relatório de Pesquisa – RP0605 600 mil compressores em 2004, comprando de outros fornecedores, consideraram a possibilidade de desenvolver uma nova linha de produtos. Com a falta dos produtos da Embraco, a Multibrás deixou de produzir 90 mil unidades. Entretanto, a Multibrás possui o conhecimento relativo a soluções logísticas integrando vendas, produção e distribuição, possibilitando flexibilidade a baixos custos, conhecimentos que passariam a ser muito úteis para a Embraco em seu novo desafio de integrar-se aos processos produtivos da Multibrás. 5.1.3 Poder Por terem objetivos divergentes e a Multibrás depender dos recursos da Embraco, na fase de conflito entre as duas empresas, a relação parecia não caminhar para uma forma interdependente, sendo mais desfavorável para a Multibrás. E todos os fatos indicavam uma assimetria de poder, com dominação da Embraco. Entretanto, como as duas empresas pertencem ao mesmo grupo e os produtos da Multibrás são de maior valor agregado, houve pressão por parte do presidente do Conselho da Whirlpool América Latina, que também é CEO da Multibrás, para que as duas empresas iniciassem um processo de cooperação. Portanto, o equilíbrio do poder não se deu devido à reciprocidade e à dependência mútua para o alcance dos objetivos, como sugere Emerson (1962), mas devido ao sistema de governança e priorização dos objetivos do grupo e não dos objetivos individuais das empresas que o compõem. A partir da decisão da Whripool América Latina, as empresas iniciaram o processo de cooperação e a Embraco começou a perceber benefícios da mudança em sua estratégia. A empresa viu a oportunidade de buscar a diferenciação adquirindo know-how para integrar-se na cadeia produtiva de seus clientes, passando a produzir segundo o sistema de Order to Deliver, isto é, tudo o que produzem é imediatamente alocado no processo produtivo dos clientes, evitando estoques da Embraco e Multibrás, satisfazendo ambos os lados e remunerando-se melhor. 40 5.2 Qualidade da relação 5.2.1 Confiança As informações constantes no caso nos conduzem a acreditar que, de forma geral, a Multibrás confia na Embraco, no que se refere ao conhecimento que possui sobre os produtos que comercializa e à qualidade dos produtos. Mas ainda não acredita na confiabilidade dos processos da Embraco ao servi-los, e, paradoxalmente, parece reconhecer que o desenvolvimento do projeto em conjunto irá contribuir para melhorias nos aspectos operacionais entre as duas empresas. Entretanto, é ainda bastante reticente no que diz respeito à benevolência da Embraco, caso surjam problemas. 5.2.2 Avaliação do serviço Ao avaliar a Embraco nas dimensões clássicas de confiabilidade, empatia, presteza e segurança, as impressões citadas se repetem. A Multibrás avalia a Embraco como uma empresa competente, pelo conhecimento que detém. além disso, acredita que o projeto que estão desenvolvendo possibilita maior confiabilidade ao serviço prestado pela Embraco. Entretanto, apesar de achar que a Embraco é prestativa, com disposição para ajudá-la sempre que necessário, acham que o fornecedor precisa melhorar no item empatia, que é a capacidade de colocarse no lugar do cliente e abandonar a atitude competitiva do passado, dando lugar a uma postura mais cooperativa. Isso é percebido quando a Multibrás afirma que a Embraco “ainda acha que tem que ganhar na negociação”. Portanto, de forma geral, a Multibrás acredita que a Embrapa é competente e possui qualidade nos produtos, mas que precisa melhorar na qualidade das interações. Acredita ainda que o projeto está ajudando tanto na qualidade das operações conjuntas quanto nas respostas satisfatórias às demandas do cliente. 5.3 Valor decorrente da relação 5.3.1 Ampliação da oferta básica • Qualidade dos produtos As entrevistas realizadas com gestores da Embraco e da Multibrás não apresentaram informações sobre melhorias na qualidade dos produtos, e sim possíveis inovações decorrentes da relação. A criação de valor em relacionamentos colaborativos • Performance na entrega A Multibrás afirmou várias vezes, durante as entrevistas, que o projeto de integração das duas empresas teve como principal conseqüência a entrega do produto certo, no momento certo resultando em custos administrativos mais baixos e produção nos volumes demandados em seu mercado, garantindo também eficiência em seu processo produtivo. Sendo assim, alcançou melhores resultados em decorrência da redução de estoque, de área para estoques, de paradas na produção e do volume produzido de acordo com a demanda. A Embraco reduziu as perdas nas exportações e melhorou os prazos de entrega, uma vez que não estava mais produzindo em excesso para nenhum cliente. Obteve também ganhos provenientes da maior eficiência na fabricação aliada à flexibilidade, resultando em satisfação a custos baixos de produção. • Processos de Interação com fornecedores (suporte) A Embraco afirmou que o serviço de assitência técnica que presta aos clientes dos seus clientes, hoje, é invejável. Mas essa excelência no serviço não surgiu como decorrente da relação. A Embraco reconhece que esse é um segmento lucrativo para ela e, independentemente da relação com a Multibrás, fornece peças de reposição e serviços com bastante eficiência. • Interações pessoais Tanto os gestores da Multibrás quanto os gestores da Embraco afirmaram que, após o início do projeto, a relação entre os gestores começou a melhorar e os níveis de serviços adequados começaram a ser atendidos. Entretanto, os executivos da Multibrás ainda que as interações pessoais precisam melhorar. Eles não sentem total segurança nas relações entre as duas organizações. • Operações dos Clientes Know-how do fornecedor Até o momento das entrevistas, a Embraco estava justamente conhecendo os processos da Multibrás com o objetivo de propor condições logísticas mais favoráveis de fornecimento dos compressores. Segundo a Embraco, eles têm sugerido inovações sustentadas no conhecimento que possuem do processo produtivo do cliente, tais como: mudança do passador de aço do tubo de descarga do compressor para um passador de cobre. Dessa forma, o cliente reduz o tempo e os materiais utilizados no processo de produção; a entrega de compressores já montados com os acessórios (relé + amortecedores de borracha), resultando em redução de postos de trabalho dos clientes; a produção de produtos de alta eficiência, que consomem menos energia. Entretanto, do ponto de vista da Multibrás, a Embraco poderia ser mais agressiva quanto a essas iniciativas. Com sua estratégia de produção cada vez mais enxuta, a Multibrás deseja que a Embraco monte os compressores em sua linha de produção e entregue o compressor montado no refrigerador. Segundo os gestores da área de produção da Multibrás, apesar de já terem solicitado uma proposta da Embraco, não conseguiram dar continuidade às negociações: “A Embraco não consegue fazer uma proposta a um custo que compense”, afirmou o gerente de Planejamento de Produção da Multibrás. 5.4 Os direcionadores de valor para os acionistas decorrentes de relacionamentos de longo prazo O grande desafio do Marketing de Relacionamento atualmente é conseguir contabilizar o retorno sobre o investimento realizado. Esses ganhos podem ser percebidos ao longo dos processos de desenvolvimento de produtos, relacionamento com fornecedores e processo de relacionamento com clientes, conforme sugerem Srivastava et al. (1999). Portanto, os relacionamentos entre as empresas podem acelerar o fluxo de caixa, ampliá-lo e reduzir a sua volatilidade ao longo de três importantes processos na organização: processo de desenvolvimento de produtos, processo de gestão da cadeia de suprimentos, processo de gestão de relacionamento com clientes. 5.4.1 Acelerar fluxo de caixa 5.4.1.1 Processo de desenvolvimento de produtos A Embraco percebe que a relação com os clientes lhe permite criar produtos diferenciados: por 41 Relatório de Pesquisa – RP0605 exemplo, compressores que consomem menos energia. 5.4.2 Processo de relacionamento com fornecedores Em decorrência do planejamento integrado entre vendas e produção em um processo coordenado com os clientes, a Embraco conseguiu produzir para atender a Multibrás e também ao mercado externo. Portanto, não faltou produto para ser ofertado ao mercado. Houve uma redução do tempo de entrega de pedido, permitindo à Embraco ofertar mais produtos à Multibrás. Houve também redução do tempo para produzir o volume necessário à demanda de mercado. 5.4.3 Ampliar fluxo de caixa Redução do capital de trabalho das duas empresas devido ao sistema just-in-time que a Embraco passou a oferecer à Multibrás. Compartilhamento das informações do mercado consumidor com o fornecedor de compressores, possibilitando redução de custos com estoques desnecessários. 5.4.4 Reduzir risco – volatilidade do fluxo de caixa Devido ao desenvolvimento do projeto de cooperação logística entre as duas empresas, a Multibrás encerrou o processo de busca de alternativas no mercado para suprir a falta de compressores. Portanto, a Embraco fidelizou a Multibrás. 5.5 Caso Saint-Gobain – Eaton Interdependência 5.5.1 Objetivos O caso Saint-Gobain – Eaton apresenta uma perfeita harmonia entre as estratégias das duas organizações. A Saint-Gobain tem como estratégia a oferta de soluções por meio das parcerias com os clientes. Utiliza o conhecimento que possui sobre processo de retificação para reduzir custos dos clientes e antecipar inovações 42 tecnológicas. Com essa estratégia, sai do foco do produto e competição baseada em preços para o foco em serviços que visam ajudar o cliente a inovar mais rapidamente e reduzir custos. A Eaton tem como estratégia a excelência operacional e a inovação. Portanto, a abordagem da Saint-Gobain, no que diz respeito à redução de custos do cliente e de time to market de produtos inovadores, é percebida como valiosa e harmônica em relação aos seus objetivos. Disso se conclui que os objetivos das duas organizações possuem uma relação positiva: uma organização depende da outra para alcançar seus objetivos. O sucesso da estratégia da Saint Gobain depende de encontrar empresas que tenham excelência operacional e pratiquem os mais modernos conceitos de manufatura e suprimentos. O sucesso da estratégia da Eaton é potencializado por fornecedores estruturados para integrar-se em seus processos produtivos. 5.5.2 Recursos No caso da relação Saint-Gobain com a Eaton, há simetria em relação aos recursos. A Eaton possuía várias alternativas no mercado para comprar as lixas e rebolos, tanto que abriu concorrência entre os fornecedores buscando preços mais baixos. Entretanto, a SaintGobain era considerada a empresa com a linha de produtos mais completa. Sendo líder de mercado, a Saint-Gobain também não dependia em nada da Eaton. 5.5.3 Poder Percebe-se também no caso Saint-Gobain – Eaton que a relação de poder não é coerciva, sendo bastante equilibrada: a Saint-Gobain possui o conhecimento que ajuda a Eaton a alcançar seus objetivos, e as condições comerciais estabelecidas com a Eaton permitem à Saint-Gobain alcançar também os seus objetivos: • Sair da guerra de preços em relação a alguns fornecedores presentes no mercado menos estruturados, oferecendo soluções mais completas. • Aumentar o market share no cliente. Antes do programa, a participação da Saint-Gobain na Eaton era de aproximadamente 40% em A criação de valor em relacionamentos colaborativos abrasivos convencionais e menos de 10% nos superabrasivos. • Maximizar os resultados. O depoimento do diretor Comercial da SaintGobain esclarece ainda mais a convergência entre os objetivos das duas organizações: Se eu conseguir fazer com que você aumente o seu lucro, eu também aumento o meu. Aumento através da eficácia de produção, pela redução de custos de produção, redução de custo de compras, redução no consumo de compontentes...”. Portanto, nesse caso houve uma relação de interdependência conforme sugerido por Emerson (1962), uma vez que o equilíbrio de poder se deu devido à reciprocidade e dependência à mútua para o alcance dos objetivos. 5.6 Qualidade da relação 5.6.1 Confiança Para a utilização da ferramenta SIS, houve necessidade de profundo conhecimento das operações da Eaton. Era importante identificar como os abrasivos interferem no produto do cliente, como o cliente mensura performance, oportunidades de melhorias, reduções de custos, etc. Foi necessário, entre outros aspectos, desenvolver indicadores de performance para acompanhamento conjunto. Para tudo isso, era necessária muita confiança em todas as suas dimensões: confiança de que a Saint-Gobain é competente para solucionar problemas, portanto que sempre oferece as melhores soluções para os problemas apresentados; confiança de que a Saint-Gobain vai realizar as operações de que dispõe com competência, tais como o manuseio das mercadorias, o armazenamento, a gestão dos estoques, a gestão do suprimento de acordo com as necessidades do cliente; finalmente, a confiança de que, sendo uma empresa correta e prezando a relação, age com justiça, caso surja algum problema. A imagem da Saint-Gobain no mercado foi considerada tanto pelos gestores da Eaton quanto da Saint-Gobain como um aspecto importante para o estabelecimento da confiança inicial que permitiu o estabelecimento do projeto. Avaliaram a Saint-Gobain como sendo líder de mercado, tradicional e global, e conhecida pela tecnologia que detém. Entretanto, tanto os gestores da Saint-Gobain quanto o gerente da fábrica disseram que a Eaton ainda guarda certo nível de confidencialidade. Não revela completamente todas as informações, temendo o poder que podem proporcionar à Saint-Gobain. Preservam, assim, o equilíbrio de poder. Outra observação importante, no que se refere à confiança, é a ameaça que esse tipo de projeto significa para alguns funcionários que gerenciavam processos que passaram a ser gerenciados pelo fornecedor. Os gestores da Saint-Gobain alertaram que esse representa certo risco para o projeto, por ser um foco de resistência, e precisa ser administrado. 5.6.2 Avaliação do serviço A principal conseqüência da aplicação da ferramenta SIS nos processos produtivos do cliente é o alcance de níveis de excelência de serviço. Por exemplo, a partir do projeto, a Eaton alcança níveis de conformidade de entrega aos seus clientes de 99% e aumenta a produtividade de 60 mil válvulas por mês para 90 mil por mês. A avaliação da Eaton em relação à Saint-Gobain é muito positiva em todas as dimensões da qualidade: a confiabilidade nos processos foi o principal ganho do projeto; a confiança na competência da fornecedora é indiscutível e foi o motivo pelo qual aceitou estabelecer a relação; a empatia foi avaliada como adequada assim como a presteza. Antonio Carlos Cali enfatizou que a relação entre as duas empresas é marcada pela transparência e confiança entre as pessoas. 5.7 Valor decorrente da relação 5.7.1 Ampliação da oferta básica • Qualidade dos produtos A Saint-Gobain oferece melhor qualidade de produtos em decorrência da relação. Devido aos laboratórios de retificação que possui e que patrocina, promove o avanço tecnológico nos produtos abrasivos e oferta produtos mais 43 Relatório de Pesquisa – RP0605 adequados às peças que estão sendo retificadas, às máquinas e aos processos operacionais do cliente. Além disso, por causa da relação estabelecida e da remuneração da Saint-Gobain em função do aumento da produtividade do cliente, é possível colocar no processo produtivo abrasivos de alta tecnologia, que antes seriam questionados por terem preço mais elevado. Entretanto, esses produtos é que permitem maior performance. • Performance na entrega A Saint-Gobain conseguiu oferecer à Eaton redução de custos em grande parte devido à gestão de estoques que passou a assumir. Não há mais falta de produtos na linha de produção; eliminou estoques de teste, pois assumiu a responsabilidade da realização dos testes; há maior aproveitamento dos abrasivos e menos perdas devido a manuseios inadequados. • Processos de Interação com fornecedores (Suporte) Uma vez que os indicadores de performance são gerenciados em conjunto, há grande satisfação em relação ao serviço de suporte. A Saint-Gobain detecta os problemas no processo de retificação até mesmo antes dos próprios gestores da Eaton, tomando providências, quando o problema é de sua responsabilidade, e avisando à Eaton, quando não é. Por exemplo: quando o sistema da Saint-Gobain identifica que alguma máquina não está aproveitando todo o potencial do rebolo, imediatamente a Eaton é acionada para providenciar a assistência técnica, impedindo que haja parada na linha de produção. • Interações pessoais Pela avaliação dos gestores da Eaton e da SaintGobain, a relação entre os funcionários das duas empresas, em todos os pontos de contato, é muito boa, o que proporciona a discussão de problemas e busca de soluções. • Operações dos clientes Know-how do for necedor e time to market 44 Em decorrência da relação, a Eaton teve acesso aos mais modernos conceitos na gestão do processo de retificação. Além disso, em decorrência da relação, a Eaton reduziu o time to market de suas inovações. Segundo os gestores, os abrasivos necessários para produzir os novos produtos e as novas válvulas nascem juntos. A relação entre as empresas permite que a Eaton coloque no mercado um produto novo em menos de 15 dias. Antes, esse processo demorava meses. 5.7.2 Os direcionadores de valor para os acionistas decorrentes de relacionamentos de longo prazo Os benefícios da relação entre a Saint-Gobain e a Eaton podem também ser mensurados financeiramente identificando-se a oportunidade que oferecem para acelerar o fluxo de caixa ampliá-lo e reduzir a sua volatilidade ao longo dos processos de desenvolvimento de produtos, de gestão da cadeia de suprimentos e de gestão de relacionamento com clientes. 5.8 Acelerar fluxo de caixa 5.8.1 Processo de desenvolvimento de produtos Os fluxos de caixa da Eaton e da Saint-Gobain podem ser acelerados na medida em que reduzem o tempo para desenvolver uma inovação e para colocá-la no mercado. 5.8.2 Processo de relacionamento com fornecedores Devido ao compartilhamento das informações, foi possível reduzir os custos com paradas de linha de produção e aumentar a produtividade da empresa, passando de uma produção de 60 mil por mês para 90 mil por mês. 5.8.3 Ampliar fluxo de caixa A Saint-Gobain, em decorrência do projeto, consegue que seus produtos de maior tecnologia, portanto de maior valor agregado, sejam aceitos pela Eaton. A criação de valor em relacionamentos colaborativos Oferece um mix de produtos maior à Eaton além de testes de novas tecnologias. O projeto SIS é também campo de teste para novos produtos. A Saint-Gobain, por conhecer melhor os processos do cliente, conseguiu eliminar alguns custos, que antes não percebia, como com as embalagens de madeira dos rebolos. A Eaton transferiu vários custos para a SaintGobain: custo de testes de novos produtos, treinamento sobre manuseio dos abrasivos; gerenciamento de estoque, compartilhamento do custo de administração, entre outros. A Eaton reduziu também o custo por peça fabricada. Entre a Saint-Gobain e a Eaton houve redução do capital de trabalho das duas empresas devido à redução de estoque em função do sistema just-in-time que a Saint-Gobain passou a oferecer à Eaton, assim como em conseqüência do gerenciamento do estoque que passou a ser realizado pela Saint-Gobain, reduzindo os custos inerentes à manutenção de estoques de segurança e sua administração: Além disso, a Eaton reduziu estoques de testes, os quais passaram a ser de responsabilidade da Saint-Gobain. Redução de custos foi devido à maior eficiência administrativa. O compartilhamento das informações referentes à gestão da produção possibilitou uma maior eficiência em todo o processo, adequando os abrasivos às máquinas e às peças produzidas. 5.8.4 Reduzir risco – volatilidade do fluxo de caixa Antes, a Saint-Gobain participava na Eaton em 40% em abrasivos e 10 % em superabrasivos. Com o projeto SIS, a Saint- Gobain passou a atender a 100% da demanda da Eaton. 45 Relatório de Pesquisa – RP0605 6 CONCLUSÃO Na análise dos dados, percebem-se alguns aspectos que merecem destaque, por trazerem novas perspectivas sobre o tema, podendo ser aprofundados em pesquisas futuras. 6.1 Condicionantes das empresas que se relacionam a) A estratégia Percebe-se que a estratégia de relacionamento das empresas que se relacionam é uma estratégia corporativa, em que a organização oferta valor integrando os seus processos organizacionais aos processos organizacionais dos clientes. A Embraco teve de incorporar a alternativa de ofertar soluções logísticas como forma de diferenciação e, assim, assimilar métodos de gestão da produção que permitam a flexibilidade aliada a baixos custos. Enquanto a Embraco buscava volume de produção e maximização da capacidade produtiva sem flexibilidade como meio para alcançar a excelência operacional, não conseguia visualizar oportunidade de atender satisfatoriamente à Multibrás. A Saint-Gobain, ao contrário, é totalmente estruturada para ofertar soluções para seus clientes. Possui um mix completo de produtos, total domínio da gestão dos processos de retificação bem como de gestão logística interna e externa. Todos esses métodos de gestão têm o objetivo de permitir a integração nas operações do cliente, reduzindo os custos e aumentando sua eficiência. b) Metodologias de gestão Possuir metodologias de gestão adequadas para o relacionamento parece ser fundamental para se estabelecer o relacionamento e perceber os benefícios financeiros. A Saint-Gobain possui as mais modernas ferramentas de gestão de processos de retificação que lhe permitem ofertar solução para o cliente em vez de produtos. Entretanto, ela afirma que não havia feito esse tipo de proposta a nenhum cliente porque precisava “arrumar a casa” antes. Havia recentemente passado por 46 vários processos de aquisição. Sendo assim, os processos internos bem como as marcas ainda não estavam completamente integrados de forma que possibilitassem uma coordenação interna necessária para a estratégia de integração com os clientes. A Embraco usou a mesma expressão quando afirmou que ainda precisava se estruturar melhor para ofertar o mesmo tipo de solução para outros clientes, além da Multibrás. Da mesma forma, o cliente precisa estar estruturado para a relação e para perceber os seus benefícios. A Saint-Gobain define algumas condições para o sucesso de sua estratégia de relacionamento: • emprego de moder nos conceitos de manufatura e suprimento, tais como Lean Manufacturing ou Manufatura enxuta, Justin-Time, Kanban, Seis Sigmas entre outros; • certificação ISO; • políticas de responsabilidade social; • rígidos controles de processos. • e, principalmente, gestores que busquem a perfeição. Sendo assim, a estratégia de relacionamento inicia-se com o conhecimento dos processos do cliente, mas é fundamental que o cliente tenha rígidos controles de seus processos e, assim, possa estabelecer indicadores comuns para o monitoramento compartilhado. c) Posição na cadeia de valor Outro aspecto a ser observado é que, quanto mais próximo do mercado consumidor, mais a integração com seus fornecedores torna-se relevante para poder lidar com as incertezas da demanda a custos mais baixos. Esse aspecto foi abordados nos casos da Embraco – Multibrás e Saint-Gobain – Eaton. A criação de valor em relacionamentos colaborativos d) Sistema de Governança A literatura sobre governança de relacionamentos com fornecedores aponta exatamente os três aspectos anteriores como variáveis a serem observadas no que se refere à integração de fornecedores, na cadeia de valor à habilidade e motivação do fornecedor para dar suporte à estratégia e incentivo que se refere à percepção de benefícios (KENETH; HEIDE, 2004). Algumas vezes, o próprio cliente oferece um programa de qualificação. Foi o que aconteceu com a Multibrás e a Embraco, com o objetivo de preparar a empresa para ofertar a flexibilidade necessária na produção e entrega. No caso da Eaton – Saint-Gobain, o fornecedor é que apresentou um programa de qualificação e apresentou as possibilidades de benefícios. Entretanto, percebe-se que nem sempre esses mecanismos de governança são utilizados para convencer o outro a integrar-se. No caso da Embraco – Multibrás, as empresas pertencem ao mesmo grupo e a Embraco situa-se em posição na cadeia de valor em que seus produtos são de menor valor agregado. Sendo assim, o grupo a obrigou a colaborar, Todavia, esta finalmente percebeu benefícios. na colaboração. Mas existem casos em que a empresa que se encontra em posição inferior na cadeia, por pertencer ao mesmo grupo, se vê obrigada a praticar preços baixos, em uma relação competitiva com a empresa para a qual fornece e é cobrada por resultados, e o grupo não incentiva a colaboração. Portanto, em casos de empresas integradas verticalmente (do mesmo grupo), imagina-se que variáveis relativas à gestão do grupo influenciem na qualidade e no tipo de relação estabelecida entre as empresas que se relacionam: perfil dos gestores do grupo, estratégia do grupo, cultura, etc. 6.2 Interdependência o compartilhamento dos ganhos provenientes da relação é fundamental para relacionamentos de longo prazo. b) Tamanho da empresa Os casos até aqui registrados versam sobre empresas globais, portanto de grande porte. Entretanto, existem casos ainda não registrados, neste documento, do relacionamento de grande sucesso entre pequena empresa e uma grande empresa: caso Estel – CST. Em estudos futuros, essa variável deve também ser considerada: em quais circunstâncias o tamanho influencia ou não influencia a relação de poder e, portanto o estabelecimento de relacionamento de longo prazo entre fornecedor e cliente? 6.3 Qualidade da relação a) Confiança e qualidade do serviço Os casos apresentados confirmam mais uma vez o que a teoria apresenta sobre a relevância da confiança em relacionamentos de longo prazo. Percebe-se ainda nos casos o acesso à informação como demonstração de confiança: permitir que conheçam os processos e façam monitoramento conjunto; resguardar um pouco da informação como forma de impedir excesso de poder ao outro, que pode utilizá-la de forma oportunística. Portanto, dar acesso à informação revela a intensidade com que uma parte confia na outra. Nos casos vistos, a reputação da empresa pela qualidade dos serviços prestados e o conhecimento sobre o know-how e práticas gerenciais também surgem como relevantes para o estabelecimento e manutenção do relacionamento. a) Poder 6.4 Geração de valor decorrente do relacionamento O equilíbrio de poder foi percebido como fundamental para a interdependência. A percepção de ganhos mútuos parece ser realmente o principal fator impulsionador do equilíbrio. Assim como afirma Anderson e Narus (1995) e Jap (2001), a preocupação com Uma das maiores preocupações em torno dos projetos que visam integrar empresas em relacionamentos de longo prazo é se há retorno financeiro, uma vez que há também um aumento do custo com os serviços. Portanto, é necessário identificar as fontes de aumento de 47 Relatório de Pesquisa – RP0605 receita ou reduções de custo e criar indicadores para monitorá-los, bem como considerar os ganhos na contabilidade das empresas. com outros fornecedores para suprir com maior eficiência ou atender aos mercados dos clientes a custos menores ou com melhores receitas. Paulo Botelho, responsável comercial pela conta da Eaton, afirmou que um dos principais problemas enfrentados pela Saint-Gobain foi contabilizar na organização os ganhos da parceria. Utilizou por alguns meses um controle paralelo até que os ajustes fossem feitos. Ele afirmou também que existem muitos ganhos ao longo do processo que ainda não estão sendo contabilizados. Os objetivos da presente pesquisa foram cumpridos. Identificou-se o valor gerado decorrente da relação utilizando-se os construtos oferecidos pela literatura e ainda a da abordagem de Srivastava et al . (1999) como guia para a contabilização dos ganhos. Identificouse ainda que, entre as variáveis referentes à qualidade do relacionamento, a confiança parece ser a mais relevante para se estabelecer o relacionamento. A abordagem proposta por Srivastava et al. (1999), associada à operacionalização do construto de valor proposta por Eggert, Ulaga e Shultz (2005), sugere um arcabouço interessante para a contabilização dos ganhos provenientes de relacionamentos. Uma vez construindose indicadores comuns, esses ganhos passam a ser percebidos pelas organizações que se relacionam. Outro desafio levantado no caso Eaton – SaintGobain é a expectativa de reduções de custos ou aumento de receitas crescentes ao longo do tempo no relacionamento. Entretanto, há limite para ganhos em eficiência. Depois de um certo tempo, a fonte de benefícios provenientes de relacionamento teria que migrar da eficiência operacional e avançar mais na direção de ajudar cada vez mais o cliente a inovar ou fazer inovações conjuntas; estabelecer uma rede junto 48 Por meio da pesquisa qualitativa, levantaramse variáveis que devem ser melhor estudadas por meio de um levantamento probabilísticoquantitativo. Entretanto, a contribuição teórica do presente trabalho refere-se a: • uma reflexão sobre variáveis relevantes para os relacionamentos de longo prazo, sugerindo novas variáveis a serem observadas; • uma aplicação de um construto recente na literatura de marketing sugerido por Eggert, Ulaga e Shultz (2005) e ainda não publicado, que é o de identificação do valor decorrente de relacionamentos; • um avanço na teoria disponível, apresentando um arcabouço para mensurar o retorno financeiro proveniente desses benefícios baseando-se na proposta de Srivastava et al. (1999). 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