ANÁLISE DO CONCEITO FREUDIANO DE APARELHO PSÍQUICO
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ANÁLISE DO CONCEITO FREUDIANO DE APARELHO PSÍQUICO
ANÁLISE DO CONCEITO FREUDIANO DE APARELHO PSÍQUICO A PARTIR DA FILOSOFIA DE MARTIN HEIDEGGER. Jilvania de Jesus Barbosa¹; Caroline Vasconcelos Ribeiro² 1:Bolsista PIBIC/FAPESB, Graduanda em Psicologia, Universidade Estadual de Feira de Santana, email: [email protected]. 2: Orientadora: Drª Caroline Vasconcelos Ribeiro, Departamento de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Estadual de Feira de Santana, e-mail: [email protected]. PALAVRAS-CHAVE: Aparelho psíquico, Freud, Heidegger. INTRODUÇÃO O presente resumo expandido tem a tarefa de apresentar resultados alcançados com a execução da pesquisa de iniciação científica intitulada “Análise do conceito freudiano de aparelho psíquico a partir da filosofia de Martin Heidegger,” cujo apoio foi da FAPESB. A temática do referido plano está alocada no campo de conhecimento denominado Filosofia da Psicanálise, o qual propõe uma discussão de conceitos psicanalíticos à luz de pensamentos filosóficos e vice-versa. Com esta pesquisa analisamos, a partir da filosofia de Martin Heidegger, a concepção freudiana de aparelho psíquico. Na obra Seminários de Zollikon (2007a) Heidegger afirma que Freud, ao conceber a vida anímica à luz da teoria de aparelho psíquico, perpetua o pensamento filosófico radicado na metafísica moderna e explica o existir humano a partir de leis físico-matemáticas, tomando o homem como uma coisa objetificada. Diante destas alegações heideggerianas, levamos a cabo as seguintes indagações: Será que Freud reduz o psíquico ao seu funcionamento maquinal ou apenas faz analógica com uma máquina? O pai da psicanálise, ao apontar que o inconsciente faz parte desse aparelho, não estaria fugindo das determinações da cientificidade moderna? O fato de esse aparelho não ter localização anatômica e ser apenas uma especulação, não são evidencias que apontam que Freud não é um cientista da natureza? Quais os fundamentos da crítica heideggeriana ao conceito de aparelho psíquico? Com este resumo expandido pretendemos apresentar – dentro do escopo que lhe cabe – o conceito de aparelho psíquico e as heranças científico-naturais que, segundo Heidegger, estão presentes em sua formulação. MATERIAL, MÉTODOS OU METODOLOGIA (ou equivalente) A pesquisa, a qual este resumo expandido está relacionado, adotou a metodologia de natureza bibliográfica. Nossa principal tarefa baseou-se numa rigorosa leitura e fichamento de obras dos autores principais, a saber, Freud e Heidegger, além de comentadores dos mesmos. O primeiro passo metodológico da pesquisa consistiu na familiarização com a crítica de Heidegger à Freud e, para execução desta proposta, utilizamos o artigo Além do Inconsciente – sobre a desconstrução heideggeriana da psicanálise de Zeljko Loparic (2001), um importante comentador de Heidegger. O segundo passo metodológico consistiu numa tentativa de nos aproximar da teoria freudiana com o objetivo de examinar o conceito de Aparelho Psíquico e relacioná-lo com outros conceitos metapsicológicos. Para tanto, nos servimos das seguintes obras de Freud: A interpretação dos Sonhos (1996a), O inconsciente (1996b), A pulsão e seus Destinos (1996c), Esboço de Psicanálise (1996d) e O eu e o id (2007). Ainda com o objetivo de maior aprimoramento conceitual recorremos às obras As palavras de Freud: vocabulário freudiano e suas versões de Paulo C. Souza (2010), Vocabulário de Psicanálise de Laplanche e Pontalis (2001) e Introdução à Metapsicologia Freudiana de Garcia-Roza (1993). Além do esclarecimento inicial do conceito de aparato psíquico, realizamos um estudo detalhado, a partir de um olhar filosófico, sobre metapsicologia freudiana. Para este feito utilizamos como referência os artigos: Freud e a ficção teórica do aparelho psíquico (2008a), O método especulativo de Freud (2008b), As especulações metapsicológicas de Freud (2003) todos do comentador Leopoldo Fulgencio; e o texto A máquina no homem (2005) de Loparic. Um passo metodológico necessário para alcançar uma compreensão epistemológica da psicanálise consistiu na leitura e fichamento das obras Introdução à epistemologia freudiana de P. L. Assoun (1983) e Psicanálise: ciência ou “contraciência”? de Hilton Japiassu. No decorrer de toda a pesquisa realizamos um estudo sistemático da obra Seminários de Zollikon (2007a). E, para maior aproximação com o pensamento heideggeriano utilizamos ainda: Que é metafísica? (Heidegger, 1991), Nietzsche II (Heidegger, 2007b) e Carta sobre o humanismo (Heidegger, 2009) e Dicionário Heidegger (Inwood, 2002) RESULTADOS E/OU DISCUSSÃO (ou Análise e discussão dos resultados) O conceito de aparelho psíquico está alocado na parte especulativa da Psicanálise, ou seja, está inserido em sua teoria metapsicológica, a qual é composta por conceitos abstratos postulados para explicar fenômenos empíricos. Sendo assim, o construto “aparelho psíquico” é uma formulação especulativa e, assim como o de inconsciente, pulsão e recalque, consiste numa construção auxiliar que serve para organizar dados empíricos. Vale pontuar que tais construções não possuem realidade objetiva, portanto, não são passíveis de demonstração ou comprovação. Segundo Fulgencio (2003, p. 146), os conceitos especulativos “(...) têm por finalidade completar as teorias empíricas, tornando possível melhor agrupar e ordenar os fatos clínicos, fornecendo um guia tanto para a procura de explicações quanto para obter novos dados.” Para Freud (1996a) o nosso psiquismo funciona como um aparelho composto por instâncias distintas. Esta máquina psíquica é movida por uma força constante, a pulsão, que a força a trabalhar. O conceito de aparelho psíquico é algo que não tem a pedra de toque da experiência, visto que não temos como detectá-lo empiricamente, ou seja, anatomicamente. Por se tratar de um conceito impossível de ser observável, Freud utiliza analogias para tornar inteligível o funcionamento do seu aparato. Na obra tardia Esboço de Psicanálise (1996d) Freud afirma que a vida psíquica equivale a um aparelho constituído por diversas instâncias e com um funcionamento semelhante a um telescópio, microscópio ou algo do gênero. Ao formular o conceito de aparelho psíquico como uma especulação desprovida de localização anatômica, o pai da psicanálise se ancora num modo de fazer pesquisa avalizado pelo programa kantiano para as ciências da natureza. Na obra Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza, Kant (1990, p. 15) afirma que uma genuína ciência natural pressupõe uma metafísica da natureza. Tal ciência deve conter sempre puros princípios, que não são empíricos. É por utilizar estes princípios, diz Kant, que esta parte da ciência da natureza leva o nome de metafísica. Segundo o projeto kantiano para uma genuína ciência natural é lícito fazer uso de ideias abstratas, de caráter especulativo, para conduzir o entendimento na ordenação e apreensão de fenômenos empíricos. Freud assume que utiliza este tipo de recurso metodológico ao afirmar, na obra A Interpretação dos sonhos: “(...) é lícito darmos livre curso às nossas especulações”. (FREUD, 1996a, p.563). Devido aos pressupostos epistemológicos presentes na teoria especulativa de Freud, Heidegger argumenta que o psicanalista não rompeu com a filosofia moderna, ao contrário, se serviu desta herança filosófica. O filósofo faz a seguinte afirmação nos Seminários de Zollikon (2007, p. 222): “a metapsicologia de Freud é a transferência da filosofia neokantiana para o homem. De um lado ele tem as ciências naturais e de outro a teoria kantiana da objetidade.” Ao longo de nossa pesquisa percebemos que esta asserção heideggeriana tem fundamento posto que Freud, ao assumir que a natureza do conceito de aparelho e de pulsão é especulativa, se alinha com o programa kantiano para as ciências da natureza. Segundo Fulgencio (2003, p. 135), Freud “foi formado, como um homem de ciência, numa linha de método que prescreve o uso de um método de pesquisa no qual se associam construções auxiliares especulativas com a apreensão e sistematização dos dados empíricos.” CONCLUSÃO Ao formular o conceito de aparelho psíquico os métodos utilizados por Freud se aproximam dos que orientaram a formulação do conceito de força na física. Tal método baseia-se na construção de conceitos que não têm realidade empírica, mas são capazes de organizar dados empíricos e determinar as leis que regem tais dados. Ao longo de sua obra Freud não demonstra qualquer espécie de reserva em relação às ciências duras, pelo contrário, ele assume que os processos em que sua ciência está interessada “são em si próprios, tão incognoscíveis quanto aqueles que tratam as outras ciências, a Química ou a Física, por exemplo; mas é possível estabelecer as leis a que obedecem e seguir suas relações mútuas e interdependentes através de longos trechos” (Freud, 1996d, p.170). Com esta afirmação Freud está ressaltando que a psicanálise se serve de pressupostos que, apesar de não terem valor de verdade, têm valor heurístico. Loparic (2001, p. 265) esclarece que os conceitos heurísticos têm função de auxiliar a teoria dos fatos clínicos e não possuem realidade empírica. Embora não sejam nem verificáveis nem falsificáveis pela experiência direta, as ficções heurísticas freudianas não são arbitrárias, elas tentam se aproximar, por analogia, da perspectiva dinâmica de funcionamento dos fenômenos, em função disso, a máquina freudiana é mobilizada por forças antagônicas que se chocam e entrechocam: as pulsões. Em contraposição à concepção de um psiquismo análogo a uma máquina, Heidegger apresenta, na obra Seminários de Zollikon (2007a), seu conceito de homem como Dasein (ser-aí), cuja constituição consiste em ser um ente que compreende ser e é aberto para suas próprias possibilidades. O filósofo afirma que o Dasein “(...) nunca é um objeto simplesmente presente. Ao contrário, ele não é de forma alguma e, em nenhuma circunstância, algo possível de objetificação.” (HEIDEGGER, 2007a, p. 33). Em função deste modo de conceber o homem e de sua a resistência às tentativas de objetificá-lo, Heidegger questiona a presença o pensamento científico-natural na ciência freudiana e afirma que a compreensão do psiquismo como um aparelho não é algo que rompe com as pretensões modernas de tornar tudo explicável. O uso de analogias, ao invés de impugnar a cientificidade natural da psicanálise, a reafirma. Sendo assim, concluímos nossa pesquisa cientes que, ao pensar o psiquismo em analogia com uma máquina, Freud não fugiu dos padrões científico-naturais. Afinal, como nos indica Fulgencio (2008b), Freud foi autorizado a se servir de especulações com valor heurístico pela epistemologia do séc. XIX e se empenhou em ocupar um lugar em meio às ciências da natureza. REFERÊNCIAS ASSUON, Paul Laurent. Introdução à epistemologia freudiana. Rio de Janeiro: Imago, 1983. FREUD, S. “A interpretação dos Sonhos”. In: Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996a. Vol. V. _________.“O Inconsciente”.Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996b, Vol. XIV. _________. “A pulsão e seus destinos”. In: Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud: Imago Editora 1996c. Vol. XXIII. _________. “Esboço de Psicanálise”. In: Edição Standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996d. Vol. XIV. _________. “O Eu e o Id” in: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Tradução de Luiz Alberto Hanns. – Rio de Janeiro: Imago Editora. Vol. III, 2007 FULGENCIO, L. “As Especulações metapsicológicas de Freud.” In: Natureza Humana – Revista Internacional de Filosofia e Psicanálise. São Paulo: EDUC, vol. 3.n 1, 2003. _______________. “Freud e a ficção teórica do aparelho psíquico” In: AIRES, S.;RIBEIRO, C. (org). Ensaios de filosofia e psicanálise. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2008. _____________. O método especulativo em Freud. São Paulo: EDUC, 2008 GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à Metapsicologia Freudiana. Rio de Janeiro, vol. 2. Ed. Jorge Zahar, 2008. HEIDEGGER, M. “Que é metafísica?” In: Conferências e escritos filosóficos. (Coleção Os pensadores) Tradução Ernildo Stein. São Paulo. Abril Cultural, 1991. _____________. Carta sobre o humanismo. Introdução, tradução e notas de Emmanuel Carneiro Leão. 3.ed. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 2009. _____________. Ser e Tempo. Tradução e notas de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2004. _____________.Seminários de Zollikon. Tradução de GabriellaArnhold, Maria de Fátima de Almeida Prado. – São Paulo: EDUC; Petrópolis, RJ: Vozes, 2007ª. _____________. Nietzsche II.Tradução de Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007b. INWOOD, M. Dicionário Heidegger. Tradução de Luísa Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. JAPIASSU, H. Psicanálise: ciência ou “contraciência”? Rio de Janeiro: Imago. 1989. LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J.B. Vocabulário de psicanálise. Tradução: Pedro Tamen. São Paulo: Martins Fontes, 1992. LOPARIC, Z. “Além do Inconsciente – sobre a desconstrução heideggeriana da psicanálise”. In: Natureza Humana – Revista Internacional de Filosofia e Psicanálise. São Paulo: EDUC, vol. 3.n 1, pp. 91-140, 2001. _____________. “A máquina no Homem” in: FULGENCIO, L. e SIMANKE, R. (org). Freud na Filosofia Brasileira. São Paulo: Escuta, 2005. KANT, I. Princípios metafísicos da ciência da natureza. Lisboa: Edições 70,1990 SOUZA, P. C. As palavras de Freud: vocabulário freudiano e suas versões. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
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