Guilherme Cará - Centro Histórico Embraer

Transcrição

Guilherme Cará - Centro Histórico Embraer
CENTRO HISTÓRICO EMBRAER
Entrevista: Guilherme de Miranda Cará
São José dos Campos – SP
Maio de 2011
Apresentação e Formação Acadêmica
Eu me chamo Guilherme de Miranda Cará, nasci aqui em São José dos
Campos, minha família toda, meus pais, minha mãe também é de São José
dos Campos. Tenho 55 anos, sou casado com a Suzana, tenho quatro filhos
e quatro netos e moro na Vila Adyana aqui em São José dos Campos. Meu
esporte preferido é veleiro de competição em barcos de oceano, gosto
também de fazer ginástica. Minha formação foi na área de pilotos, sempre
focada com esse objetivo, e minha especialidade é dentro dessa carreira na
área de Ensaio em Voo, como piloto de provas.
Minha formação como piloto começou dentro do CTA (Centro Técnico
Aeroespacial) e eu fui contratado muito novo na Embraer – 1975 – eu não
tinha nem completado 18 anos ainda, eu tinha 17 anos, eu fui emancipado,
e já atuava na escola que era o Aeroclube de São José dos Campos dentro
do CTA, no X30 como monitor de instrução e os pilotos, os engenheiros
mais velhos da Embraer, alguns deles voavam esportivamente no aeroclube
no fim de semana, e eu os acompanhava como monitor, porque eles
também não tinham muita experiência de voo, eu não podia voar naquela
época com aluno solo, mas eu poderia voar com aluno que já tinha feito um
determinado treinamento e eu poderia acompanhar como monitor e com
isso acabei conhecendo diversas pessoas que trabalhavam aqui na Embraer.
Falaram-me, em 1975, que no início desse ano iria começar uma avaliação
para a contratação de um piloto novo, com pouca experiência porque a
empresa tinha interesse em formar um piloto novo dentro dos critérios da
empresa, então eu tive essa sorte. Eu estava num belo dia, numa sextafeira, parado em frente ao hangar quando parou um avião da Embraer que
era um Bandeirante (EMB 110 Bandeirante), o prefixo dele era PT EMB,
desceu o piloto chefe coronel Martins da Rosa e o comandante Gualda, esse
foi para mim como um irmão mais velho, me convidando para participar de
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uma seleção e graças a Deus eu fui escolhido e comecei a trabalhar aqui em
1975.
Ingresso na Embraer
Meu desenvolvimento foi muito intenso de 77 até 80 onde eu tive que
acumular bastante conhecimento na área teórica e na área prática e iniciei
minha participação em outros projetos, teve a linha Piper toda, depois veio
os Bandeirante, diversos modelos de Bandeirante (EMB 110 Bandeirante),
depois o Xingu (EMB 121 Xingu) I, II e o III e o Patrulha (EMB 111
Bandeirante Patrulha), tanto o Patrulha da Força Aérea Brasileira quanto o
Patrulha da Força Aérea Chilena foram os aviões que eu mais participei de
ensaio em voo, com maior número de horas em voo nesse programa do
Patrulha, eu, o Otaka (Gilberto Hideo Otaka) e o Horácio Forjaz.
A FAB (Força Aérea Brasileira) precisava de um avião para busca, preparado
para a busca e salvamento, nessa evolução ele evoluiu para proteção e
defesa territorial na água e foi equipado com radares, o nosso Patrulha tem,
inclusive, SBAT-70 que é um armamento com foguete embaixo das asas,
naquela época era um avião completo para buscas de salvamento, inclusive
soberania em águas nacionais, em águas territoriais. Então, foi um
programa muito intenso que demandou muitas, muitas horas de voo e eu
participava ativamente desse programa.
Nós voamos, eu voei todos os modelos da linha Piper, todos os
monomotores, depois a empresa trouxe os monomotores junto com o avião
Seneca (EMB 810 Seneca) e esses aviões foram evoluindo em tecnologia,
em sistemas. O Seneca mesmo tinha o II e o III, hoje tem até o IV, depois
tem uma versão Stol que foi vendida para a Força Aérea, aí um avião maior
era um Navajo (EMB 820 Navajo) I e II e acabou no Carajá (EMB 821
Carajá), que era um Navajo com turbina PTTM, e nós criamos um processo
- os aviões vinham praticamente montados - eles eram terminados aqui na
Embraer e nós fazíamos basicamente, não era desenvolvimento e sim os
voos de produção, os aviões eram terminados, montados e nós voávamos
para checar o avião, se estava conforme o cartão de voo de produção.
Eu sempre gostei desses aviões em termos de qualidade de voo, mas não
dava para comparar com os nossos produtos. Aerodinamicamente falando,
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nossos aviões são mais refinados, são mais esportivos, são feitos mais
voltados
ao
piloto,
à
parte
operacional.
Eu
lembro
que
algumas
características, especialmente do Seneca e do Navajo, esses aviões que
hoje não seriam certificados se passassem por um processo de certificação
em termos de qualidade de voo. Então a diferença básica, apesar da
sofisticação do sistema, de serem mais confortáveis, voltados para um
público mais diferenciado, eram aviões que na minha opinião eram ótimos
aviões, mas ficavam, em termos de processo e qualidade, abaixo do que
nós produzíamos na época, mas eram excelentes aviões, foi uma
experiência muito boa para nós e para a fábrica também.
Em 1980 eu participei do primeiro curso de pilotos de provas do CTA
(Centro Técnico Aeroespacial), foi a primeira experiência que o Centro
Técnico Aeroespacial constituiu a escola de piloto de provas: eu, o Schittini
(Gilberto Pedrosa Schittini), o Madureira (Luis Alberto Madureira da Silva) –
eu lembro desses nomes porque mais tarde esses pilotos vieram para cá,
para a Embraer. O Tucano (EMB 312 Tucano) foi o meu próximo programa,
eu participei ativamente do Tucano. Depois do Tucano, em 1985, eu fui
para a área de voos de produção e aviação comercial, fiquei lá até 94 mais
ou menos, depois voltei para a área de Ensaio em Voo até 2010 quando
assumi a área de aviação comercial até hoje.
Para mim não importa se é atividade de desenvolvimento ou treinamento,
eu acho que valeu a pena pela oportunidade que eu tive em sedimentar
mais esses processos no voo de produção e no treinamento, porque treinar
é
uma característica muito
particular
de
quem é instrutor, é
um
aprendizado... não é muito fácil você ser instrutor, é uma habilidade que
você tem que desenvolver, conseguir transmitir para alguém aquilo que
você conhece, então foi bom nesse sentido, foram dez anos de aprendizado
onde eu conheci o mundo, foi nessa época que eu tive oportunidade de –
pela Embraer, por esses aviões – ter conhecido essas companhias que
compravam nossos produtos e interagir com os clientes, defender nosso
produto, mostrar que nosso produto é competitivo, então foi uma
aprendizado muito legal.
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Trajetória na Embraer
Essa realmente foi uma fase muito bacana na minha vida, primeiro porque
eu consegui conhecer, eu posso dizer que eu conheço o mundo hoje, eu
conheço todos os oceanos, todos os desertos, todos os continentes, eu
posso dizer isso. Fiz curso de sobrevivência na selva, sobrevivência no mar,
no deserto, foram oportunidades que normalmente você não encontra, você
voar na Groelândia, como eu voei na Groelândia, voei quatro vezes na
Groelândia, a Aurora Boreal, Fogo de Santelmo... São nomes que as
pessoas não vão conseguir entender, você está voando de noite e daqui a
pouco começam uns raios azuis na frente do avião - Fogo de Santelmo,
coisa mais linda do mundo - então, quando você tem essa oportunidade...,
Eu vi onde nasce o rio Nilo, sobrevoei o Lago Vitória, conheço todas as
Cordilheiras do mundo, fotografei tudo isso... Conheço todos os países da
África, interagi com os africanos... Pousar no Arquipélago do Cabo Verde,
nas Ilhas Canárias, todas as ilhas do Caribe... É uma experiência que só
acontece se você estiver numa área como essa, como é que você ensina as
pessoas, cada um tem uma particularidade, como é que você ensina um
chinês, um alemão, um francês, eu aprendi a fazer isso, aprendi a conviver
com essas culturas, com essas diferenças de culturas, foi um aprendizado...
Eu nunca tinha voado em neve, como vai ter neve no Brasil? Aprendi a voar
em mau tempo, com neve, baixa visibilidade na Europa. Dizer que você era
instrutor? Muito pelo contrário, eu chegava nessas companhias vestido
como instrutor, mas me portava como aluno, porque no fundo, no fundo, o
que eu queria era aprender, eu explicava para os pilotos: “Eu não estou
aqui querendo ensinar nada, pelo contrário, eu estou pedindo que você me
ensine porque eu posso ser o piloto da companhia, eu posso estar aqui para
te explicar sobre o equipamento, mas eu nunca voei na neve”, e como é
que eu posso dar instrução para um piloto alemão em Frankfurt, nevando,
ele tem muito mais experiência do que eu? Então eu sempre soube, e com
isso as pessoas sempre me ensinaram, então isso foi bacana, porque a
troca foi sempre muito legal, mesmo voando na Noruega – morei oito
meses na Noruega – implantando o Brasilia (EMB 120 Brasilia) na Noruega,
voei quatro meses no Arquipélago de Cabo Verde, África então nem se fala,
implantei a Embraer na França, fiquei dois anos na França... inúmeras
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companhias aéreas em diversos países do mundo... Iraque, várias vezes, eu
tenho fotografia... – a vida é engraçada, relacionada a isso – eu tenho um
relógio que tem a fotografia do Saddam Hussein, que ele me deu de
presente... eu ganhei um relógio com a fotografia dele e depois aconteceu
tudo aquilo com ele, eu fico pensando... as pessoas passam pela sua vida e
hoje nem existem mais... Então, eu tive a oportunidade de viver essas
experiências... No Egito, Belfast, na Tucano Shorts, na fábrica do Tucano
(EMB 312 Tucano) no Egito, na linha de produção do Irã, consegui fazer 26
travessias de Tucano, não existe isso, um avião com um motor só, quatro
pela Groelândia, nove horas e quarenta de operação, o treinamento que eu
tinha que ter... O treinamento psicológico, imagina você ficar nove horas e
quarenta sentado numa cadeira parecida com essa amarrado, voando em
esquadrilha, quatro, seis aviões. Nós desenvolvemos técnicas de transporte
desses aviões que eu fico admirado. Então, essa oportunidade que eu tive
na vida eu sei muito bem agradecer porque não é todo mundo.
Ensaios em Voo
O que eu percebo, basicamente, primeiro, hoje em dia, o que eu valorizo no
perfil de um piloto, no fundo, no fundo, é a estabilidade emocional. Eu acho
que existem condições em que a pessoa tem a competência, a sabedoria,
mas não conseguem que elas andem juntas, o cara sabe o assunto, mas
não tem a sabedoria de aplicar, é um ogro, melhor você deixar ele numa
jaulinha, com alimento, dá o resultado. Mas hoje, primeiro o piloto tem que
ter uma boa habilidade de relacionamento interpessoal com as pessoas,
você viver sob pressão é uma característica de nossa profissão, você acha
que eu não me preocupo na hora que eu aplico a potência ao motor, solto o
freio e o avião começa a correr, a diferença é você estar na frente sempre
do avião, não importa a velocidade que ele está, você tem que estar
sempre preparado, alguns segundos na frente daquela máquina porque se
acontecer alguma coisa você tem que ter o controle porque se não tiver,
você é um passageiro nesse tubinho, simplesmente um passageiro. Então,
eu acho que o piloto deve ter essa habilidade interpessoal, ele se relaciona
com muitas pessoas, ele tem que ter hoje um nível técnico compatível com
o da engenharia para entender esses projetos, o que tem por trás desses
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projetos, ele não precisa ser um especialista, mas ele precisa entender essa
linguagem de “engenherês”, ele tem que entender essa linguagem de
engenharia específica e tem que amar voar, tem que gostar, porque voar
tem essa pressão da decolagem, do pouso, você está voando e daqui a
pouco você entra dentro de nuvem, turbulência, e chuva, e granizo, aí você
se aproxima do aeroporto com baixa visibilidade, pega vento, tempestade...
Então não é uma vida tranqüila, ela sempre tem esse tipo de pressão: do
conhecimento, porque você tem que conhecer bem o que você faz, do
relacionamento, da liderança - você acaba liderando uma equipe grande de
manutenção, de pessoas que tem por trás disso - o produto final está na
sua mão, a maneira como você conduz esse produto final é o resultado do
seu trabalho e o afastamento... quem gosta de se afastar? Quem gosta de
se afastar da sua casa? Do seu convívio, da sua esposa, da sua mulher, dos
seus filhos, do marido, quem gosta disso? Então, o piloto vive sobre esses
pilares do conhecimento. Por exemplo, eu tenho 55 anos, faço exame
médico a cada seis meses, você acha que eu gosto de ir para o hospital,
fazer exame médico a cada seis meses, tirar sangue, aí vem uma pessoa
começa a me avaliar, tem um lado positivo da história, mas tem o lado que
é obrigação, todo ano eu tenho que fazer um exame teórico e prático para
passar, para checar minha habilidade, para ver se eu estou ainda em
condições de executar as manobras com proficiência, é assim que funciona,
então existe essa pressão, fora a pressão do trabalho. Então, eu acho que é
uma carreira boa, excelente, mas uma carreira também que a pressão
existe, e na carreira de piloto de provas existe ainda o risco associado com
a atividade, fazer o primeiro voo de um avião que nunca voou, ajustar esse
avião que nunca foi ajustado, a diferença é grande entre um piloto de linha
comercial e um piloto de desenvolvimento, essa diferença está entre o
conhecimento e a sabedoria. O piloto de ensaio tem que ter um algo mais,
mesmo em arrojo, não é ser destemido, ele tem que saber parar porque é a
vida dele, da equipe, da tripulação dele, porque as vezes não dá certo, é só
olhar os resultados do passado, em outras áreas, em outras companhias,
em outros fabricantes, então existe esse risco e o piloto tem que conviver
bem com isso.
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Situações Inusitadas
A escala de voo, ela previa... nós estávamos desenvolvendo essa técnica de
filmagem, não tinha uma área específica de filmagem. Quando eu me
formei no 2º colegial nos Estados Unidos eu gostava de filmar as coisas que
eu fazia nos Estados Unidos, então eu tinha certa habilidade com câmera de
filme, na época era super oito, e o pessoal preparou algumas câmeras para
a gente realizar as filmagens dos aviões da Embraer e eu ajudava nessa
área também, eu gostava e o pessoal sabia e eu acabava ajudando. O que
aconteceu nesse voo específico, eu estava usando uma câmera do CTA
(Centro Técnico Aeroespacial), eu estava vestido com um macacão da
época, nós ainda não tínhamos estabelecido os processos de segurança
definitivos para a filmagem, estava sem o cabo de segurança, e numa
manobra
do
avião
Bandeirante
(EMB
110
Bandeirante)
quando
se
aproximava do Xingu (EMB 121 Xingu), eu me desequilibrei e acabei caindo
do avião com a câmera, perdi a câmera do CTA, eu não tinha nenhuma
experiência com o pára-quedas, nunca eu tinha saltado com pára-quedas,
eu caí ao contrário, eu caí de cabeça para baixo e eu lembro muito bem a
cena, nós estávamos muito baixo e o pára-quedas que eu estava era um
pára-quedas de emergência, não era um comum, um T10, eu só lembrava
que tinha que contar até 1001, 1002, 1003, 1004 e comandar, e eu lembro
que eu estava com as pernas batendo e eu contei 1001, 1002,1003 e eu
comandei e vi o extrator saindo entre as minhas pernas, eu estava de
capacete ainda, saiu o extrator, o pára-quedinhas que puxava o extrator,
saiu o pára-quedas principal e quando ele saiu eu estava assim e o capacete
segurava a orelha, ele saiu, quebrou a segurança do capacete e cortou
minhas orelhas, porque ele era fixo nas orelhas, eu não tinha colocado um
lado da perna,estava com a perna solta, completamente solta, estava até
machucando e eu sempre tive uma certa preocupação com o pouso de
pára-quedas, achava que pousava em fio de alta tensão e eu nunca gostei,
e realmente emocionante foi a chegada, fiz tudo errado e deu tudo certo,
não tinha a menor noção do que estava acontecendo, o pára-quedas era
muito pequeno e eu fiquei preocupado com a velocidade que estava
chegando no chão. Então, tinha dois controles que o pessoal chama de
batoque, até hoje eu nunca estudei pára-quedas para saber a terminologia
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dessa linguagem técnica, mas eu achei que se eu puxasse os dois, era como
frear aerodinamicamente o pára-quedas e eu não queria chegar na cidade,
tinha uma várzea, tinha uma praça, e eu estava com meda da cidade, fio,
telhado e eu pensei “Eu tenho que pousar nessa praça”, eu puxei o lado
direito e ele começou a pendular e aí eu perdi toda a sensação de
localização e girei muita velocidade, eu bati três vezes, a minha sorte,
porque se eu tivesse caído de pé eu estaria todo quebrado. A primeira
batida foi eu de costas num arbusto que tinha um jardim grande nessa
praça e eu acabei enroscado nesses arbustos, foi muito cômico.
Eu olho para trás eu não vejo nada nenhuma sombra, nada... meu
travesseiro é meu parceirão, nem para ele... eu só tenho a agradecer,
inclusive... eu saí sem quebrar nada era para quebrar tudo, com muito
menos você põe um pino no joelho, no tornozelo, machucou, fiquei
machucado, mas e daí?
Tucano
O Tucano (EMB 312 Tucano) foi desenhado pelo Kovacs (Joseph Kovacs), é
um avião que teria uma performance bem acima do que existia no mercado
na época, um avião jovem, novo, que se encaixava perfeitamente nesse
cenário - e eu me encaixei perfeitamente nesse cenário - era um avião
extremamente
ágil,
ele
tinha
bastante
potência
e
isso
possibilitou
desenvolver manobras de acrobacias que não eram feitas com essas
categorias no mundo, então foi um aprendizado para mim, porque
acabamos abrindo esse envelope juntos, eu participei desse processo, o fato
interessante nesse programa é que nós só tínhamos um protótipo e numa
sexta-feira eu fui chamado, eu fui escalado para fazer um ensaio de
combustível mínimo em voo invertido, o avião tem um tanque principal, um
em cada asa, e um tanque central que é um coletor onde estão as bombas
de combustível, o avião voando na posição normal, reto nivelado, as asas
com diedro, naturalmente o combustível vai para essa caixa coletora.
Quando ele está invertido, de ponta-cabeça o combustível vai para as
pontas de asa porque o diedro é negativo, então você tem que calcular qual
é o combustível mínimo para que você em voo invertido não fique sem
combustível, nós temos que ensaiar isso e colocar isso no manual de voo,
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ou seja, quando for fazer voo invertido o combustível mínimo é esse,
porque abaixo disso você não vai ter combustível para alimentar o motor, a
idéia é essa, o conceito é esse. E era uma sexta-feira, três da tarde, estava
nublado, a base da camada estava em torno de 1500 pés de altura, e o
topo a 7000 pés e eu saí com o engenheiro, com o Edgar, para fazer esse
voo, aí eu preparei o voo todo, discutimos no briefing a missão, falamos
sobre a meteorologia, “Eu vou fazer esse ponto em cima das nuvens usando
o localizador do aeroporto como referência de alinhamento e quando passar
o marcador externo que é uma estação de rádio que transmite o sinal e o
instrumento indica onde ela está, eu ponho o avião na posição de voo
invertido e eu sei que a pista está dois minutos na frente na pista, se parar
o motor, eu desço tal e pulo na pista”, e aí fizemos assim, decolamos entrei
nas nuvens, subi, subi, subi até passar por 7000 pés, aquele céu lindo,
maravilhoso, parecia um tapete, fui lá, dei a volta, fiz meu alinhamento,
comuniquei com a estação de rádio da engenharia que estava monitorando,
combinei com o engenheiro de Ensaio, passando pelo marcador externo eu
pus o avião em posição de voo invertido, o que acabou acontecendo é que o
motor parou logo em seguida, um minuto depois o motor parou, aí eu
desvirei o avião, estava em cima das camadas ainda, camadas de nuvem,
tentei uma partida, o motor não pegou... e descendo, tentei uma segunda
partida e o motor não pegou... e descendo e aí eu sacudi o avião tanto no
sentido longitudinal quanto lateral, quanto no transversal para ver se enchia
o tanque de glissada, tentei uma terceira partida e o motor não pegou, isso
já estava muito próximo da camada e eu entrei em instrumento e comecei a
descer em círculos a 360 graus, provavelmente, pelas minhas contas, estou
em cima do aeroporto, o engenheiro de ensaio falou “Quero ejetar” e eu
falei para ele assim “Você não vai ejetar”, porque é na sequência de
ejeção... Eu teria que ejetar primeiro para quebrar o canopy – na época
ainda era assim – para ele poder ejetar, já estava fragilizado o canopy,
naquela região atrás era muito mais espessa e eu precisaria que eu
quebrasse primeiro a minha parte para que ele conseguisse sair sem que
ocorresse algum evento que ele não conseguisse sair porque o canopy ou
saísse parcialmente, enfim, tinha uma sequência de ejeção que deveria ser
respeitada, eu disse “Não vou ejetar!”, era o único protótipo da empresa...
ejeta, não ejeta... Eu desliguei o hot mike, porque eu tinha que me
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preocupar com todo o procedimento de emergência e todos os alarmes
tocando: alarme do trem de pouso, alarme de combustível..., não consegui
dar a partida pela quarta vez no motor e nisso eu saí visual e eu estava do
lado da pista, só que eu estava muito próximo do centro da pista e então eu
tive que fazer uma curva na aproximação final muito acentuada, o avião
estava sem o trem de pouso, que estava ainda recolhido, na hora que eu
abaixei o trem de pouso de emergência, que era um acumulador de
emergência o sistema foi montado da seguinte forma; a válvula de hélio
estava antes do acumulador, no projeto tinha sido previsto certa situação...
Quando eu comandei parte da pressão do trem de pouso foi para a
atmosfera, o trem de pouso não baixou, ele simplesmente destravou, ele
estava destravado, mas não abaixou e eu falei “Vou pousar sem trem” e já
reclamando... O único protótipo da empresa e eu vou acabar pousando sem
trem. Eu faço todo o trafico em curva acentuada, travei o manche com a
perna, e disse “Só tem uma maneira de travar esse trem de pouso, vou
usar o motor...” fechei essa válvula lateralmente, peguei o motor e coloquei
na função de corte, peguei o botão de partida, desliguei a ignição e fiquei
com o botão de partida para girar a parte de acessórios do motor para gerar
pressão suficiente para baixar o trem de pouso, eu fiz todo o tráfico sem
falar com ninguém curvando acentuada na grama ou no asfalto... no
asfalto, nos últimos segundos, eu pus o avião no asfalto e o trem estava
embaixo, esse fato de eu ter segurado o manche com as pernas, segurado
o botão de partida, porque o botão de partida é spring load, ele não fica lá,
você tem que ficar mantendo. Mas enfim, o avião estava com trem baixo e
eu consegui pousar.
Eu ajudei esse processo, com o Tucano eu ajudei a sedimentar as
acrobacias aéreas nos aviões militares, eu fiz as primeiras demonstrações
em público do Tucano, e não era meu relacionamento com a Força Aérea,
eu não era um piloto da Força Aérea, mas eu era um piloto de fábrica e eu
participei de todas essas demonstrações aéreas no início da operação desse
avião. Então, eu acho que foi um aprendizado para mim e uma participação
legal nesse aspecto, desenvolver essas manobras, o Lancevak, por
exemplo, foi desenvolvido aqui com esse avião.
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Tecnologia
Hoje o piloto tem um maior número de informação se comparada com o que
ele tinha no passado, está disponível para ele. Então, para ele entender
essa mecânica toda, esse processo todo, ele tem que entender como isso
funciona. Por exemplo, é que nem nós falarmos sobre o celular, a evolução
do celular hoje, todo mundo usa o celular, eventualmente você consiga
manipular aquele celular muito melhor do que eu manipulo, que seu pai
manipula ou sua mãe, você dá até risada de ver os adolescentes brincando
com os pais, aprende a digitar naquele espaço numa velocidade incrível, o
que é isso?, é uma adaptação, uma tecnologia disponível dos meios de
comunicação, hoje você filma, fotografa, interage, cria vídeo conferência,
faz o impossível, só que você tem que entender um pouquinho, obriga você
a participar desse processo tendo que estudar os manuais, estudar os
sistemas para entender as diferenças o que é 3G, o que é 4G, o que é
roaming, com o avião é a mesma coisa, o que mudou, está mais fácil, mais
seguro hoje?, provavelmente sim, está muito mais fácil e muito mais
seguro, mas em contrapartida para você entender o que tem por trás de um
conector, de um cabo, um sistema fly by wire, um sistema mecânico,
antigamente era opção mecânica, era um gancho, uma roldaninha, um
cabinho,
estica,
faz
assim,
sobre
lá,
era
assim,
hoje
não
é
um
potenciômetro, vai para a caixa de controle, transforma todos aqueles
dados, manda lá o sinal e a superfície se mexe. Você tem que entender um
pouquinho disso aí, então a diferença está na complexidade dos sistemas,
mas também na vontade de você aprender, tem que acompanhar senão
você fica para trás, do sistema, do avião, da sua tarefa. Então,
comparando, hoje os aviões são mais eficientes, são mais modernos, mais
seguros do que comparados com os aviões da década de 70,80.
Cultura Embraer
A minha visão hoje, como piloto de uma indústria aeronáutica do porte da
Embraer. Primeiro: essa pessoa tem que gostar muito de voar, é um
sentimento que não pode ter dúvidas. Então, eu gosto de voar, eu gosto de
estar dentro de um avião, até do cheiro, do convívio com essa máquina, o
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que tem por trás disso. Segundo: eu gosto de voar e não posso ter medo de
voar, porque existem pessoas que voam e tem medo de voar. Para ser um
piloto de indústria, o piloto tem que, além de gostar de voar, ele não pode
ter medo de voar. Um item que eu considero muito importante hoje é o
conhecimento, é inaceitável hoje um piloto de uma empresa como a nossa
não ter uma graduação em engenharia, que eu acredito que com essa
graduação – ele nem precisa ser um especialista –, mas isso vai facilitar a
compreensão e entender a linguagem dos engenheiros. Isso daqui é uma
fábrica de engenheiros, pura engenharia, então vai ter que entender essa
linguagem. Bom, tem que gostar de liderar, o piloto é um líder nato, está
habituado a tomar decisões, está habituado a tomar decisões que às vezes
impactam
financeiramente
a
empresa,
comercialmente,
impactam
a
segurança. Então, são decisões que tem que ser tomadas por pessoas que
tem um perfil de líder e estejam dispostas a aceitar esses desafios de
liderança. Também acredito que liderar é uma característica que eu
recomendaria
como
também
a
característica
de
relacionamento
interpessoal, ele tem que saber se relacionar com as diversas culturas, com
as diversas pessoas, uma empresa globalizada como a nossa, e que está no
mundo todo, ele tem que gostar de interagir com as pessoas, com as
culturas, ele tem que gostar de viajar, o avião é uma máquina interessante,
você fica sentadinho na cadeira e ele leva você para lá e para cá,
quilômetros e quilômetros de distância. Você tem que gostar de viajar, ele
tem que aceitar o risco naturalmente da profissão, que é um risco, eu acho
que todos esses atributos fariam para a empresa um bom profissional e,
mais, finalizando: tem que gostar de estudar - porque se ele não estudar,
ele não acompanha a inovação no tempo correto, no tempo certo, ele não
vai entender. Hoje, um piloto, é um gerenciador de atividades, a cabine é
um gerenciamento de atividades desde o abastecimento do avião, mau
tempo, co-piloto, comissárias, passageiros, tráfego, ele tem que gerenciar
aquele todo e num tempo super-rápido, porque se ele não gerenciar como é
que ele vai ter certeza que vai chegar no lugar certo, na hora certa e com a
segurança necessária? Então, ele tem que ter uma capacidade de
gerenciamento acima da média. Esses são alguns atributos que eu
considero como importantes para essa carreira e pelo que vem pela frente.
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