SE PAPO FURADO FOSSE AVIÃO

Transcrição

SE PAPO FURADO FOSSE AVIÃO
SE PAPO FURADO FOSSE AVIÃO...
Eugenio do Carvalhal *
Artigo publicado na revista CONJUNTURA ECONÔMICA– COLUNA NEGOCIAÇÃO – PÁG. 42 em 1/4/2004
Uma frase da sabedoria popular escancara no para-choques de um caminhão a
compulsão brasileira por jogar conversa fora: “se papo furado fosse avião o Brasil teria a
maior força aérea do mundo”.
Rolando Lero era um personagem popular que enrolava o professor e seus colegas de
turma no programa de TV Escolinha do Professor Raimundo., com seu lero-lero e sua
conversa-fiada sem conteúdo. Parece que o Brasil tem mais Rolandos por aí do que josés
e joãos e marias. Essa massa de faladores compulsivos está permanentemente
negociando e criando problemas por conta de suas armadilhas de linguagem e de suas
bombas de inconsistência cujos efeitos irão aparecer no futuro, desnudando-lhes a
credibilidade. Basta ligar a televisão e prestar atenção aos discursos das TVs Câmara,
Senado e Justiça para perceber o quanto o brasileiro é exagerado e prolixo. Esses canais
são o palco da escola de comunicação à brasileira.
O que o presidente Lula fala sempre será objeto de reflexão. Um presidente não pode
eternamente usar o discurso de candidato ou de líder sindical. Nas negociações
internacionais, interlocutores não se mobilizam apenas com argumentos de mascates.
Enquanto um presidente fala, os formadores de opinião analisam o crédito que lhe será
dado.
Um negociador no meio político articula sua pregação de campanha eleitoral para massas
pouco críticas, usando um estilo histriônico que apela para a comoção de fundo
emocional. Um negociador sindical desenvolve sua argumentação e a retórica apropriada
no contexto do que está em jogo entre as classes patronais e laborais. O papo cabeça de
estudantes e sindicalistas da década de 70 estava relacionado a um momento político e
social e se desenrolava regado a cerveja no bar da esquina.
Basta ligar a televisão para perceber o quanto o brasileiro é exagerado e prolixo
Palavras o tempo todo! Apesar de usá-las para a comunicação com semelhantes, nem
sempre temos consciência de seus significados e consequências. Tomar consciência
requer sensibilidade e persistência para aprender, o aprendizado exige tornar mais aguda
a capacidade de observação. Saber silenciar é de extrema importância no processo de
comunicação. Evitar sofismas, reconhecer preconceitos e diferenças culturais são
importantes para projetar credibilidade.Argumentar de acordo com as circunstância e
situação, com base em fatos e conceitos ajuda a fazer juízos de valor mais consistentes.
Discordâncias entre o discurso e a ação afetam a confiança necessária a qualquer
relação.
Apreço - O Sucatão foi a aeronave que nos últimos 30 anos conduziu diversos
presidentes. Quando presidente, Fernando Henrique Cardoso (acadêmico com o dom da
oratória de professor poliglota) entendia que um país endividado não poderia se dar ao
luxo de ter um avião mais novo. Nos oito anos de seu governo, entretanto, a Embraer
tornou-se, com perseverança e atenção aos detalhes, a mais bem sucedida empresa de
jatos regionais do mundo.
Poderia haver maior prova de apreço à nossa indústria do que um presidente viajar num
show room aéreo, fruto do que temos de melhor? Parece, entretanto, que a qualidade e
autonomia de voo dos aviões da Embraer não são suficientes para satisfazer a eloquência
planetária do presidente Lula. Parece não ter sido percebido o impacto que teria essa
mensagem não-verbal. Assim como o êxito não é produto de grandes planos, mas de
detalhes, a comunicação que transforma tem mais a ver com o discurso consistente,
integrado à ação, do que com pregações improvisadas cuja verborragia contamina a
lucidez e faz esquecer a própria realidade. A prática passou longe do discurso de vender
o Brasil para o mundo!
O novo avião presidencial, de mais de U$ 60 milhões, “força aérea número um” de nossa
frota aérea, precisa ter autonomia de voo global e origem europeia para conduzir o porta
voz da retórica terceiro-mundista para os quatro cantos do planeta. Tomara que os voos
altos dos discursos de improviso não caiam da estratosfera por falta de lembrança de que
é com os pés no chão que mais de 100 milhões de brasileiros excluídos esperam menos
papo furado e mais ação.
(*) Coordenador do Curso de Formação de Negociadores da FGV-IBRE e EBAPE

Documentos relacionados