A5 A Avaliação do Conhecimento das Emoções em Crianças
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A5 A Avaliação do Conhecimento das Emoções em Crianças
A Avaliação do Conhecimento das Emoções em Crianças Paula Machado, Manuela Veríssimo, Lígia Monteiro, Nuno Torres, Inês Peceguina & António. J. Santos (Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Portugal) No modelo de competência sócio-afectiva desenvolvido por Denham (1998), a emoção é concebida como um processo que se inicia num estado de excitação, no momento em que o sistema nervoso autónomo é activado por uma mudança com origem num evento externo ou interno. Porém, as emoções são consideradas elementos básicos das interacções sociais ao longo da vida, já que: (1) são uma fonte significativa de informação tanto para a pessoa que comunica, como para a pessoa que recebe a informação; (2) como processos dinâmicos, criam e são criadas pelas relações com os outros, sendo parte integrante das interacções sociais (Halberstadt, Denham, & Dunsmore, 2001). Algumas concepções teóricas consideram que o ser humano possui um sistema inato de reconhecimento das expressões faciais, sistema esse que serve funções básicas e fundamentais na relação de vinculação (Bowlby, 1982), nas interacções sociais (Klinnert, Emde, Butterfield, & Campos, 1988), na empatia (Thompson, 1998), e na compreensão da emoção e dos processos mentais (Harris, 1989). No entanto, a investigação tem demonstrado que a discriminação e leitura adequada das emoções nas faces dos outros é um processo complexo, que se desenvolve ao longo do tempo (Russell & Widen, 2002). Parece, contudo, ser consensual que o reconhecimento das emoções a partir das expressões faciais tem o seu início antes dos 2 anos, estando a aprendizagem de protótipos de expressões faciais de adultos totalmente adquirida aos 5 anos (Denham, 1998; Harris, 1989). Do ponto de vista do desenvolvimento, as expressões de felicidade são as primeiras a serem adquiridas, seguindo-se as de tristeza e, mais tarde, as de raiva, verificando-se posteriormente, o reconhecimento das emoções mais complexas de surpresa e vergonha. As crianças mais pequenas utilizam estratégias de selecção dos aspectos mais salientes das faces, enquanto que as crianças mais velhas e os adultos se centram nas relações entre as configurações de diversas faces. A capacidade de categorizar passa por diversas fases, nomeadamente: (1) os processos de categorização ainda incluem tanto os elementos simples como as categorias, pelo que se cometem erros ao analisar as semelhanças entre expressões diferentes; (2) consolidação dos processos de categorização, adoptando a estratégia de categorização pela configuração que se torna progressivamente determinante (Walden, & Field, 1982). Porém, a formação destas categorias conceptuais depende dos rótulos verbais associados às emoções que decorre da aquisição da linguagem (Russell & Widen, 2002). Com o início da aquisição da linguagem, o desenvolvimento emocional prossegue verificandose um avanço qualitativo, dado que as emoções se tornam objecto de reflexão. É durante o segundo ano de vida que surgem as primeiras palavras referentes aos estados internos das crianças, nomeadamente: contente, triste e, assustado (Bretherton & Beegly, 1982), tendo como função comentar a forma como as crianças se sentem. Widen e Russell (2003) consideram que a avaliação das competências de nomeação de emoções, (incluindo a raiva e a tristeza) varia de acordo com as metodologias utilizadas, concluindo que a sua aquisição é questionável em crianças de dois anos, contrariamente a outros estudos que utilizam metodologias mais afirmativas (Denham, 1998; Repacholi & Gopnik, 1997). Aos dois anos, as crianças poderão ter acesso a categorias mentais que dão significado às expressões faciais, tendo mesmo adquirido o léxico das emoções, mas a ligação entre este e as respectivas categorias mentais ainda não se processou. Aos 3 anos, as crianças usam um único rótulo verbal – contente ou feliz - num primeiro nível de categoria que se refere à valência positiva de prazer. Por volta dos 4, diferencia-se um outro nome, o de triste ou zangado, para se referir à valência negativa da dimensão de desprazer. Segue-se uma fase de três vocábulos, com duas emoções negativas, a de tristeza e a de raiva, embora a tristeza possa incluir o medo e, a raiva, possa incluir o nojo. Cerca dos 4 anos e meio, surgem as palavras surpreendido, enojado e assustado, mas ainda se verifica a sobreposição de situações correctas e de situações em erro, consoante a situação. Dadas as diferenças de léxicos nos diversos países, este nível de análise deve ter em conta a importância da componente cultural (Widen & Russell, 2003). Nuclear para a compreensão das emoções é o desenvolvimento do conceito de emoção, que não depende exclusivamente da linguagem. A formação deste conceito decorre da construção de scripts que incluem também as expressões faciais, avaliações das situações, reacções fisiológicas, sentimentos, causas típicas das situações emocionais, acções e suas consequências. Todos estes elementos diferem de cultura para cultura, e em cada cultura diferem de pessoa para pessoa já que se vão ligando a redes cada vez mais complexas de crenças e desejos (Bullock & Russell, 1986; Denham, 1998). Os scripts emocionais vão-se tornando cada vez mais elaborados à medida que incluem uma gama mais vasta de elementos (Bullock & Russell, 1986). Uma parte fundamental dos scripts emocionais é o conhecimento das causas das emoções que se desenvolve através do estabelecimento de ligações directas entre os elementos das situações e as emoções, ligações essas que se observam em crianças de 3 anos, já capazes de prever a felicidade quando se recebe algo de agradável e a infelicidade quando se frustra um desejo (Wellman, 1990). Dunn (1988) ligou o súbito interesse das crianças de 3 anos nas causas das emoções de outras pessoas à emergência da “teoria da mente”, capacidade de compreender que as acções das pessoas são orientadas por desejos, pensamentos e crenças, sendo as emoções consequência da interpretação subjectiva de uma situação e não apenas um produto mecânico de resposta emocional a uma situação. De facto, ao longo do terceiro ano, acompanhando um súbito aumento do vocabulário afectivo, as crianças começam a falar sobre o que os outros estão a sentir, sendo já capazes de inferir acerca dos seus estados internos. Mas, apesar de compreenderem os desejos e as crenças das outras pessoas, estes são interpretados como algo de objectivo e universal, ou seja, como se as suas próprias ideias se aplicassem a toda a gente. Ao longo do período pré-escolar, as conversas relativas a causas de emoções adquirem, rapidamente, precisão, clareza e, complexidade. As crianças constroem teorias plausíveis a partir das manifestações corporais e faciais que observam e das relações entre estas manifestações e as suas próprias vivências interpessoais (em família, ou com os seus pares), debatendo estratégias de regulação emocional (Schaffer, 2004). Aos 5 anos, as crianças compreendem que os sentimentos são resposta a memórias, pensamentos e atitudes eventualmente diferentes dos seus, mas apenas por volta dos 6 anos, manifestam compreender o carácter subjectivo das emoções (Rieffe, Terwogt, & Cowan, 2005). Crianças de idade pré-escolar usam informação pessoal e/ou os estados mentais, tendo muitas vezes em conta o comportamento habitual da pessoa, reconhecerem inconsistências entre as características das situações e as reacções emocionais e, já são capazes de conciliar conflitos entre diversas fontes de informação mas, em situações de maior intensidade emocional, poderão não utilizar estas capacidades (Gnepp, 1983). O desenvolvimento emocional é avaliado através do constructo da competência emocional, o qual reúne diversas capacidades associadas às emoções que permitem à pessoa negociar a sua individualidade, através das trocas interpessoais, regulando as suas experiências emocionais em função dos resultados e objectivos desejados (Saarni, 2000). As competências emocionais em crianças de idade pré-escolar incluem: 1) expressividade (manifestação de sinais não verbais; demonstração empática; adequação da expressividade ao contexto; distinção entre expressividade e experiência emocional); 2) conhecimento das emoções (consciência das suas próprias emoções; compreensão dos estados emocionais dos outros; utilização de vocabulário emocional; 3) regulação (coping com emoções ou situações perturbadoras; coping com emoções ou situações de prazer; regulação estratégica da experiência e expressividade das emoções de forma adequada no tempo e no contexto) (Denham, 1998). Com base no modelo teórico de competência afectivo-social (Halberstadt, Denham, & Dunsmore, 2001), Denham (1986) concebeu o Affect Knowledge Test centrando-se nos aspectos das relações interpessoais, incidindo mais na comunicação não verbal das emoções (facial, gestual e corporal) e menos nas capacidades verbais (com excepção das tarefas de nomeação das emoções). O teste analisa as seguintes componentes do conhecimento das emoções: (1) capacidade de nomear emoções básicas (alegria, tristeza, raiva e medo) com base em expressões faciais; (2) capacidade de reconhecer as expressões faciais das mesmas emoções básicas, com base nos seus rótulos verbais; (3) capacidade de compreender as causas típicas das situações de contexto emocional; (3) capacidade de compreender causas atípicas de situações de contexto emocional, implicando o conhecimento de que as pessoas poderão sentir de modo diferente de si próprio, dependendo da subjectividade dos pensamentos, desejos e crenças. O presente trabalho tem como objectivo apresentar uma adaptação para a cultura portuguesa do teste de conhecimento de emoções (Denham, 1986). Método Participantes Participaram neste estudo 141 crianças, com idades compreendidas entre os 39 e os 84 meses, (M= 60,30; DP= 12,72), sendo 79 do género masculino e 62 do género feminino, que frequentam 8 salas de duas 5 instituições da rede particular de ensino no Concelho de Castelo Branco, Leiria, e Oeiras. Instrumentos Teste do Conhecimento das Emoções Utilizou-se a adaptação portuguesa do Affect Knowledge Test (Denham, 1986), teste de Conhecimento das Emoções para crianças em idade Pré-escolar. O material do instrumento incluiu fantoches com faces amovíveis representando cada uma das emoções básicas primárias (alegria, tristeza, raiva e medo). As tarefas incluídas neste teste distribuem-se nas seguintes dimensões: 1) reconhecimento verbal e identificação não verbal da expressão emocional; 2) conhecimento das emoções desencadeadas em situações típicas e atípicas. A dimensão do reconhecimento verbal, composta por 4 tarefas, avalia a capacidade da criança nomear emoções com base nas expressões faciais, enquanto que a identificação não verbal, igualmente composta por 4 tarefas, analisa a capacidade da criança identificar uma emoção com base na expressão facial e no seu rótulo verbal. O conhecimento das situações emocionais é avaliado com base em diversas situações de contexto emocional, descritas em 20 vinhetas, cujos protagonistas são personalizados por fantoches, utilizando-se para tal a mímica gestual, facial e vocal do administrador. Os fantoches são dois irmãos, um do género masculino e outro de género feminino e, a respectiva mãe, sendo o género do fantoche escolhido em função do género da criança em presença. A avaliação da resposta é feita em função da escolha que a criança faz da face representativa da emoção adequada a cada uma das situações. As situações de contexto emocional subdividem-se em típicas e atípicas. As situações típicas, contempladas nas primeiras 8 vinhetas, foram concebidas de forma a desencadear reacções emocionais inequívocas, tais como a alegria em comer um gelado ou o medo de um pesadelo (Denham, 1998). As situações atípicas, apresentadas nas restantes 12 vinhetas, foram concebidas de forma a suscitar duas emoções alternativas, de acordo com a subjectividade do sujeito, como, por exemplo, ficar alegre ou com medo de ir nadar para a piscina (Denham, 1998). Quanto a estas últimas, algumas situações exploraram a possibilidade de desencadear emoções com diferentes valências, positivas ou negativas, enquanto outras, exploraram situações susceptíveis de activar uma de entre duas emoções negativas. As situações típicas avaliam a capacidade da criança em compreender as causas das emoções e, as situações atípicas avaliam a mesma capacidade, mas implicando a capacidade de descentração afectiva, ou seja, quando os estados internos do fantoche são diferentes dos da própria crianças, em situações semelhantes. As respostas a todas as tarefas foram cotadas com: “3” pontos para a escolha correcta, “2” pontos sempre que a valência afectiva positiva/negativa é correctamente atribuída (e.g. “triste” em vez de “raiva”), e “1” para uma escolha totalmente incorrecta. Procedimento Nas tarefas de reconhecimento verbal das emoções, o administrador baralhou as quatro faces amovíveis do fantoche de um dos irmãos (o correspondente ao género da criança em presença), após o que as colocou, em linha, em frente à criança, questionando, uma a uma: “O que sente esta cara?”. As crianças indicaram os nomes de cada uma das emoções. Antes das tarefas de identificação não verbal, o administrador baralhou de novo as faces, colocou-as de igual forma em linha à frente da criança e questionou-a, para cada uma das faces: “Qual a cara que está a sentir (alegria/tristeza/raiva/medo)?”. As crianças apontaram para a face desenhada com a expressão da emoção que consideraram adequada. Antes da utilização dos fantoches para a representação das situações típicas e atípicas, o administrador forneceu uma breve explicação, nomeando cada emoção em simultâneo com a sua representação através da mímica gestual, facial, vocal e corporal do modo standard de expressão de cada uma dessas emoções. Nas tarefas das situações típicas e atípicas, o administrador apresentou as situações usando o mesmo tipo de mímica, concluindo com a seguinte questão: “Como se sente o fantoche?”. Foi, então, pedido à criança para colocar no fantoche a face com a emoção mais adequada. De seguida, o administrador pediu à criança para atribuir o rótulo verbal a essa emoção, embora esta resposta não tivesse sido cotada. Para as situações atípicas foi pedido aos pais que preenchessem previamente um questionário, no qual indicaram qual seria a experiência emocional típica do seu filho, em cada uma das situações descritas nas 12 vinhetas. Nestas situações atípicas, a expressão emocional do fantoche não corresponde à emoção que os pais indicam como sendo a que provavelmente seria vivênciada pelo seu filho (a), naquelas circunstâncias. Deste modo, torna-se possível avaliar a descentração afectiva das crianças. Resultados Análise das distribuições dos itens Sendo 1, 2 e 3, os valores possíveis de cotação para os 28 itens que constituem o Teste do Conhecimento das emoções, foram incluídos, numa perspectiva univariada, todos os outliers detectados pela análise das distribuições das observações. A análise multivariada para identificação de outliers foi efectuada através da análise de regressão linear múltipla entre a variável compósito dos 28 itens como variável dependente e, todas os restantes itens como variáveis independentes. Segundo (Hair, Anderson, Tatham, & Black, 1995), a medida Mahalanobis D2 é a medida, num espaço multidimensional, entre a distância de cada observação e o centro da média das observações. Nesta nossa análise não foram encontrados outliers para esta medida. Para os itens que apresentaram observações não válidas, ou seja, missing data, foi efectuado o diagnóstico de aleatorização dos missing data utilizando o método de comparação entre as observações, com e sem dados em falta, tendo-se concluído não existir diferenças significativas, devendo-se estes, portanto, ao acaso. De seguida, fez-se a substituição dos valores em falta pelo valor da média dos valores válidos de cada item previamente considerado no diagnóstico. Análise Factorial e análise da fidelidade A fim de verificar se a estrutura do Teste do Conhecimento das Emoções em Crianças de idade Pré-escolar se assemelhava à do teste origem, Affect Knowledge Test (Denham, 1986) e, de examinar as suas quatro dimensões, realizaram-se análises factoriais para cada uma destas dimensões: (1) Nomeação (e1, e2, e3, e4) composto por quatro itens; (2) Identificação (i1, i2, i3, i4) composto por 4 itens; (3) Situações Típicas (st1, st2, st3, st4, st5, st6, st7, st8) composto por 8 itens; 3) Situações Atípicas (sa1, sa2, sa3, sa4, sa5, sa6, sa7, sa8) composto por 12 itens. A adequação do uso dos modelos factoriais foi verificada através do teste de esfericidade de Bartlett e da estatística de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO). O teste de esfericidade de Bartlett com valores de p-value <0.0001 em todas as análises factoriais permitiu rejeitar H0, concluindo que as variáveis, em cada uma das dimensões, se correlacionaram significativamente. A estatística de KMO apresentou os valores medíocres mas aceitáveis para a dimensão de nomeação (KMO=.656) e, de identificação (KMO=.620) e, os valores bons, para a dimensão de situações típicas (KMO=.809) e para a dimensão de situações atípicas (KMO=.823). As análises factoriais foram efectuadas utilizando o método de extracção dos factores de unweighted least squares, o qual não requer o pressuposto da normalidade das distribuições, já que nenhum dos itens apresentaram distribuição normal, tendo-se também optado pelo método de rotação sobre os factores extraídos, Direct Oblimin, parecendo ser o mais adequado, dada a variância teórica existente entre as variáveis. A Tabela I apresenta as matrizes factoriais e os factor loadings associados a cada item, para cada um dos factores. Tabela I - Matrizes factoriais de rotação oblíquo (Direct Oblimin) dos itens do Teste de Conhecimento das Emoções em crianças. Matrizes de configuração (“Factor Matrix”a) * itens da dimensão de Nomeação Factor 1 E1 Alegria 0.687 E2 Tristeza 0.579 E3 Raiva 0.649 E4 Medo 0.223 * itens da dimensão de Identificação Factor 1 I1 Alegria 0.507 I2 Tristeza 0.722 I3 Raiva 0.663 I4 Medo 0.687 * itens da dimensão de S.Típicas Factor 1 Factor2 St1 Alegria 0.568 0.780 St2 Tristeza 0.653 St3 Raiva 0.778 St4 Medo 0.786 St5 Alegria 0.378 0.274 St6 Tristeza 0.465 St7 Medo 0.736 St8 Raiva 0.629 * itens da dimensão de S.Atípicas Factor 1 Factor2 Factor3 Sa1 Alegria-Tristeza 0.616 Sa2 Alegria-Tristeza 0.601 Sa3 Alegria-raiva 0.706 0.322 Sa4 Alegria-raiva 0.337 Sa5 Medo-alegria 0.600 0.549 Sa6 Alegria-medo 0.312 Sa7 Raiva-triste 0.652 Sa8 Raiva-triste 0.557 0.372 Sa9 Raiva-medo 0.586 Sa10 Raiva-medo 0.591 Sa11 Tristeza-medo 0.721 Sa12 Tristeza-medo 0.483 Legenda: * Método de extracção: unweighted least squares Método de rotação: com normalização Kaiser Na dimensão de nomeação foi encontrado um único factor que explicou 30% da variância das respostas. A análise de fidelidade foi realizada pelo método de Alpha de Cronbach, tendo-se obtido um valor relativamente baixo (α = 0.56). Os factor loadings de todos os seus itens foram superiores a 0.22. A dimensão de identificação incluiu também um único factor que explicou 42% da variância das cotações, sendo a consistência interna obtida pelo valor pouco elevado de Alpha de Cronbach (α = 0.73). Todos os factor loadings dos seus itens foram superiores a 0.51. A consistência interna da dimensão de situações típicas foi obtida pelo valor de Alpha de Cronbach (α = 0.82), o qual se considera elevado. Foram extraídos dois factores, mas apenas um dos factores obteve um valor próprio superior a “1” que explicou 41% da variância das cotações, tendo todos seus itens, factor loadings superiores a 0.38. Pode-se concluir que no segundo factor, os itens com factor loadings superiores a 0.38 se referiram à emoção de alegria. A análise de fidelidade, para a dimensão de situações atípicas, apresentou um valor elevado de Alpha de Cronbach (α = 0.84). Extraíram-se três factores, mas apenas um apresentou um valor próprio superior a “1”. Este factor explicou 33% da variância das respostas das crianças e os seus itens apresentaram factor loadings superiores a 0.31. Tal como na dimensão anterior, o segundo factor incluiu itens com factor loadings superiores a 0.31 que envolveram a emoção de alegria (alegria-raiva; alegria-medo) mas, o terceiro factor, incluiu apenas um item com um factor loading superior a 0.31, envolvendo a emoção de raiva e a emoção de medo. Confirmaram-se correlações positivas e estatisticamente significativas entre todas as dimensões do teste. Entre a dimensão de nomeação e de identificação (r = 0.43, p <0.001); nomeação e situações típicas (r = 0.44, p <0.001; nomeação e situações atípicas (r = 0.40, p <0.001). Entre a dimensão de identificação e situações típicas (r = 0.52, p <0.001); identificação e situações atípicas (r = 0.45, p <0.001). E, entre a dimensão de situações típicas e atípicas (r = 0.74, p <0.001). Análise de sensibilidade No sentido de analisar as diferenças por género e idade e, por emoção para cada grupo de idade, em cada uma das suas dimensões, recorreu-se ao teste de normalidade de KolmogorovSmirnov (K-S) que infirmou a hipótese de normalidade na distribuição das variáveis. Utilizou-se então os testes não-paramétricos de Wilcoxon na comparação das médias entre as variáveis, duas a duas, e, de Wilcoxon-Mann-Whiten, sempre que as diferenças entre as médias das variáveis foram analisadas por idade. Não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre géneros. Conforme se pode observar na Tabela II, as tarefas da dimensão das situações típicas foram as mais fáceis (M= 2.79), seguindo-se as da dimensão de situações atípicas (M= 2.70), de identificação (M= 2.66) e, de nomeação (M= 2.10). Tabela II - Médias e Desvios Padrões das Dimensões/ Idades Nomeação M Identificação SD M S. Típicas SD M S.Atípicas SD M SD 3 anos 1.65 0.57 2.15 0.77 2.36 0.45 2.22 0.34 4 anos 2.02 0.47 2.45 0.58 2.67 0.43 2.64 0.36 5 anos 2.16 0.45 2.74 0.44 2.84 0.20 2.79 0.30 6 anos 2.25 0.16 2.88 0.27 2.96 0.12 2.84 0.16 7 anos 2.04 0.60 3.00 0.00 2.92 0.10 2.80 0.23 MÉDIA GLOBAL 2.10 0.50 2.66 0.54 2,79 0.35 2.70 0.34 A Tabela II também permite verificar que as médias de todas as dimensões aumentaram progressivamente com a idade, com excepção dos sete anos, em que este aumento apenas se verificou na dimensão de identificação. Nesta idade, na dimensão de nomeação, a média decresceu, encontrando-se entre a média da idade de 4 e de 5 anos. Nas dimensões de Situações Típicas e Situações Atípicas, a média referente aos 7 anos também decresceu, encontrando-se entre o valor de 5 e 6 anos. Na dimensão de nomeação, as diferenças significativas encontradas foram as seguintes: entre a média dos 3 anos e os 4 anos (U= 196; W= 406; p = 0.04), 5 anos, (U= 100; W= 310; p = 0.006) e, 6 anos (U= 225; W= 435; p = 0.00); entre a média dos 4 anos e os 6 anos (U= 621; W= 1086; p = 0.03). Na dimensão de identificação as diferenças estatisticamente significativas verificam-se entre a média dos 3 anos e os 5 anos, (U= 103; W= 313; p = 0.005), 6 anos (U= 219; W= 429; p = 0.00) e, 7 anos, (U= 15; W= 225; p = 0.004); entre a média dos 4 e, os 6 anos, (U= 479; W= 944; p = 0.00) e, os 7 anos, (U= 36; W= 501; p = 0.01). Nas situações típicas, verificam-se diferenças significativas entre a média dos 3 anos e os 4 anos, (U= 160,5; W= 370,5; p = 0.005), 5 anos (U= 69; W= 279; p = 0.00), 6 anos, (U= 116; W= 326; p = 0.00) e, 7 anos, (U= 14; W= 224; p = 0.005); entre a média dos 4 e, os 6 anos, (U= 314; W= 779; p = 0.00); entre a média dos 5 e dos 6 anos, (U= 319.5; W=529.5; p = 0.00). Finalmente, nas situações atípicas, as diferenças significativas verificaram-se entre a média dos 3 anos e os 4 anos, (U= 106.5; W= 316.5; p = 0.00), 5 anos (U= 39.5; W= 249.5; p = 0.00), 6 anos, (U= 75; W= 285; p = 0.00) e, 7 anos, (U= 8; W= 218; p = 0.002); entre a média dos 4 e, os 6 anos, (U= 590; W= 1055; p = 0.01). Na análise de sensibilidade do instrumento por dimensão/emoção, encontraram-se diferenças significativas para a emoção de medo, a qual apresentou sempre médias inferiores às restantes emoções. Os resultados demonstraram também uma diferença estatisticamente significativa na dimensão de situações atípicas, entre o item de alegria-tristeza e de alegria-raiva, z = -3.24, p <0.05. As restantes diferenças significativas encontradas, referiram-se ao medo e, apenas para as dimensões de nomeação e de situações atípicas: (1) nomeação: entre alegria e medo, z = -8.16, p <0.05, tristeza e medo, z = -8.16, p <0.05 e, raiva e medo, z = -6.94, p <0.05; (2) situações atípicas, alegria-medo e alegria-tristeza, z = -3.61, p <0.05, alegria-medo e alegria-raiva, z = -3.93, p <0.05, alegria-tristeza e tristeza-medo, z = -4.13, p <0.05, alegria-tristeza e raiva-medo, z = -3.76, p <0.05, alegria-medo e alegria-tristeza, z = -3.61, p <0.05, raiva-medo e alegria-raiva, z = -3.33, p <0.05,tristeza-raiva e alegria-medo, z = -4.14, p <0.05, tristeza-raive e tristeza-medo, z = -4.40, p <0.05, tristeza-raiva e raiva-medo, z = -4.80, p <0.05. Na Tabela III, pode-se também verificar, considerando a totalidade dos itens da dimensão de nomeação, identificação e de situações típicas, que a emoção de medo apresentou médias inferiores às restantes emoções em todas as idades. Até aos 5 anos, é a emoção de tristeza que obtém médias superiores, igualando-se aos 5 anos com a emoção de alegria (M=2.73). Aos 6 anos é a emoção de raiva que obtém a média superior (M=2.88) e aos 7 anos, é a emoção de alegria (M= 2.83) que apresenta uma maior média. Aos 3 anos, os resultados demonstraram diferenças estatisticamente significativas, revelando maior facilidade na emoção de tristeza relativamente à de medo, z = -2.68; p <0.05. Aos 4 anos, a emoção de medo apresentou diferenças significativas e foi mais difícil do que a alegria, z = -2.75; p <0.05, tristeza, z = -3.30; p <0.05 e raiva, z = -3.24; p <0.05. Também aos 5 anos, a média da emoção de medo foi estatisticamente diferente e inferior às médias da emoção alegria, z = -2.65; p <0.05 e, tristeza, z = -2.768 p <0.05. O mesmo se passou aos 6 anos, com diferenças entre a alegria e o medo, z = -5.56; p <0.05 e, a tristeza e o medo, z = -4.96; p <0.05. Nesta idade, verificaram-se também diferenças significativas entre a tristeza (M = 2.80) e a raiva (M= 2.88), z = -5.49; p <0.05, sendo a emoção raiva a que obteve media superior. Aos 7 anos não se verificaram diferenças significativas entre as médias das diferentes emoções. Tabela III - Médias e Desvios Padrões Emoções/Idades Alegria Tristeza Raiva M SD M SD M 3 anos 2.05 0.60 2.28 0.45 2.15 4 anos 2.52 0.49 2.54 0.41 5 anos 2.73 0.30 2.73 6 anos 2.84 0.21 7 anos 2.83 MEDIA GLOBAL 2.64 Medo SD M SD 0.50 2.02 0.49 2.52 0.50 2.22 0.46 0,26 2.66 0.44 2.46 0.33 2.80 0.23 2.88 0.23 2.54 0.28 0.20 2.79 0.19 2.71 0.25 2.54 0.25 0.45 2.66 0.36 2.66 0.44 2.39 0.41 Discussão O Teste de Conhecimento de Emoções em Crianças de idade Pré-escolar foi aferido com base no teste original Affect Knowledge Test (Denham, 1986), tendo por objectivo avaliar o nível do desenvolvimento emocional passível de ser medido através de um dos componentes da competência emocional, o conhecimento das emoções. Relativamente à dimensão estrutural do teste, embora os valores de KMO assumissem valores relativamente baixos para as dimensões de nomeação e de identificação, os valores de KMO e, a análise de fidelidade das duas outras dimensões foram bastante razoáveis, indicando que, provavelmente, os modelos das primeiras duas dimensões seriam mais adequados no caso de se acrescentar mais itens. Na dimensão de situações típicas, a extracção de mais um factor, embora com um eigenvalue inferior a “1” e, não passível de ser utilizado, revelou que os seus itens com factor loadings aceitáveis se referiam exclusivamente à alegria. A reforçar esta situação, também na dimensão de situações atípicas, alguns itens que envolveram a emoção de alegria, apresentaram factor loadings aceitáveis num segundo factor não passível se ser utilizado. Podemos concluir acerca da distinção entre duas categorias: uma de valência positiva e, outra de valências negativa (Widen & Russell, 2003). As dimensões de situações típicas e atípicas, que se referem à compreensão das causas das emoções e que dependeram exclusivamente de respostas não verbais, apresentaram valores próximos dos seus valores máximos aos 5 anos e, demonstraram uma maior precocidade do que as competências que exigiram rótulos verbais. Porém, a dimensão de situações atípicas, que exige a capacidade de descentração afectiva e a aquisição da teoria da mente, apresentou valores inferiores à dimensão de situações típicas. As dimensões de nomeação e de identificação dependem de respostas verbais (nomeação) e, da ligação entre o léxico das emoções e o reconhecimento das emoções a partir das expressões faciais. No caso da nomeação, verificou-se uma melhoria substancial entre os 3 e os 4 anos, evoluindo de uma forma muito lenta que culminou aos 6 anos e decresceu aos 7 anos. Segundo Widen e Russell (2003), a aquisição de categorias totalmente diferenciadas para as emoções básicas, ainda é duvidosa aos 4 anos, verificando-se a alternância entre situações correctas e incorrectas. Eventualmente, esta situação manter-se-á ao longo da idade pré-escolar. Verificou-se também que as crianças desta amostra utilizaram muitas vezes os termos verbais de “rir”, “chorar” e “gritar” o que desqualificou as cotações. Já na dimensão de identificação, os valores máximos de cotação foram atingidos aos 7 anos, apresentando aos 5 anos valores muito elevados e, mantendo-se aos 4 anos, a alternância entre situações correctas e incorrectas tal como na dimensão de nomeação. Quanto às emoções, os resultados apontaram para uma diferenciação mais precoce da tristeza seguindo-se, em simultâneo, da alegria e da raiva e, por último, de forma bastante distanciada, do medo. Estes resultados contrariam a literatura que afirma que a primeira emoção a ser diferenciada é a alegria (Widen & Russell, 2003; Denham, 1986, 1998). No entanto, não existindo diferenças significativas entre as emoções de alegria, tristeza e de raiva, podemos concluir que, aos 3 anos, todas estas emoções iniciaram a sua conceptualização em categorias diferenciadas e, que a dimensão de nomeação, face à já referida desqualificação nas cotações, poderá ter contribuído para estas pequenas diferenças. Aos 6 e 7 anos, para a emoção de medo, ainda se verificaram muitas respostas incorrectas, levando-nos a reflectir em que medida a socialização desta emoção será preterida face às restantes nas relações adulto-criança, e nas relações entre pares. Apresentando como limitação do nosso trabalho a pequena dimensão da amostra, a proposta de instrumento que resulta desta análise deverá ser estudada em amostras mais amplas e mais diversificadas de crianças em idade pré-escolar. A possibilidade de avaliar a competência emocional no que se refere à componente de conhecimento das emoções pode constituir um passo fundamental para a avaliação do desenvolvimento emocional destas crianças, bem como para a investigação e compreensão das ligações entre a aquisição destas competências e outras que também se relacionam com o desenvolvimento social e cognitivo. Nota: Agradecimentos Os autores gostariam de agradecer a todas as mães, pais e crianças que aceitaram participar neste estudo, financiado pela F.C.T (PTDC/PSI/66172/2006). Os autores gostariam ainda de agradecer a colaboração de todos os colegas que colaboraram na recolha dos dados. Referências Bowlby, J. (1982). Attachment and loss: Vol.1. Attachment (2d Rev. Ed.). New York: Basic Books (Original work published, 1969). Bullock, M., & Russell, J. A. (1986). Concepts of emotion in developmental psychology. In C. E. Izard & P. B. Read (Eds.), Measuring emotions in infants and children (Vol. 2, pp. 203-237). 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