ASSOCIAÇÃO ENTRE NÚMERO DE CASOS DE - PPGBAIP
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ASSOCIAÇÃO ENTRE NÚMERO DE CASOS DE - PPGBAIP
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIENCIAS BIOLÓGICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOLOGIA DE AGENTES INFECCIOSOS E PARASITÁRIOS ASSOCIAÇÃO ENTRE NÚMERO DE CASOS DE MALÁRIA E INFECTIVIDADE DE Anopheles spp. EM MUNICÍPIOS DO ESTADO DO PARÁ NO PERÍODO DE JANEIRO DE 2010 A DEZEMBRO DE 2013 IZABELA CHAVES DE ARAÚJO Belém-Pará 2015 IZABELA CHAVES DE ARAÚJO ASSOCIAÇÃO ENTRE NÚMERO DE CASOS DE MALÁRIA E INFECTIVIDADE DE Anopheles spp. EM MUNICÍPIOS DO ESTADO DO PARÁ NO PERÍODO DE JANEIRO DE 2010 A DEZEMBRO DE 2013 Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará como requisito final para a obtenção do grau de Mestre em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários. Orientadora: Profa. Dra. Marinete Marins Póvoa Belém-Pará 2015 IZABELA CHAVES DE ARAÚJO ASSOCIAÇÃO ENTRE NÚMERO DE CASOS DE MALÁRIA E INFECTIVIDADE DE Anopheles spp. EM MUNICÍPIOS DO ESTADO DO PARÁ NO PERÍODO DE JANEIRO DE 2010 A DEZEMBRO DE 2013 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará como requisito final para a obtenção do grau de Mestre em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários. Orientadora: Profª Dra. Marinete Marins Póvoa Instituto Evandro Chagas/SVS/MS-PA Membros Titulares: Prof° Dra. Mônica Cristina de Moraes Silva Bonfim Instituto Evandro Chagas/SVS/MS-PA Profª Dra. Jeannie Nascimento dos Santos Instituto de Ciências Biológicas, UFPA Prof° Dr. Ediclei Lima do Carmo Instituto Evandro Chagas/SVS/MS-PA Suplentes: Profª Dra. Maristela Gomes da Cunha Instituto de Ciências Biológicas, UFPA Belém, 1 de julho de 2015 i “O papel dos infinitamente pequenos na natureza é infinitamente grande.” (Louis Pasteur) À DEUS, pelo dom da vida, da inteligência e da capacidade de correr atrás dos meus objetivos. Por ter sido um refúgio para mim em muitos momentos de dúvida e por ter iluminado meu caminho até aqui. AO MEU NAMORADO, Antonio Carlos por todos os conselhos, por ter lutado comigo lado a lado nesta etapa tão importante de minha vida, por ser um espelho, meu maior exemplo de ser humano honesto e batalhador. À FAMÍLIA, pai Edgard, mãe Iolanda e irmã Luiza por me apoiarem sempre em minhas escolhas, acreditarem em meu potencial, por terem orgulho de mim e me fazer enxergar o futuro. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente à Universidade Federal do Pará, juntamente com o Instituto de Ciências Biológicas, por terem sido nestes dois anos de mestrado os lugares onde obtive inestimáveis conhecimentos que levarei por toda a minha vida profissional. Ao Programa de Pós Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários e toda a sua equipe de professores, coordenadores e funcionários. Obrigada por todos os ensinamentos e ajuda que me foram dados em todo o período do mestrado. Ao CNPq, por todo o suporte financeiro que me foi concedido durante dois anos de bolsa. Sem isso, o caminho até aqui teria sido muito mais difícil. Ao Instituto Evandro Chagas, por mais uma vez me receber e permitir que ali eu desenvolvesse minha pesquisa. À Seção de Parasitologia do IEC, especialmente a todos os colegas de trabalho do Laboratório de Pesquisas Básicas em Malária. Obrigada por toda a ajuda com as fichas entomológicas e por todas as dúvidas que me ajudaram a sanar. À minha orientadora Dra. Marinete, por toda a paciência, por todas as dicas e ensinamentos e pela oportunidade de poder desenvolver meu projeto e fazer parte da sua equipe. À toda a equipe do Laboratório de Geoprocessamento, por toda a atenção e ajuda na confecção dos mapas utilizados no meu trabalho; À minha família (pai, mãe e irmã) por todo o apoio incondicional, motivação e puxões de orelha. Ao meu namorado Antonio Carlos, por ter sido durante todo esse tempo a minha força motriz, o meu principal ombro amigo e incentivador. Aos amigos do mestrado, com os quais convivo até hoje. Obrigada por todos os momentos em que aprendemos juntos, pelos momentos de descontração e por toda a torcida. SUMÁRIO RESUMO............................................................................................................. 08 ABSTRACT......................................................................................................... 09 1. INTRODUÇÃO................................................................................................. 10 1.1. ASPECTOS GERAIS DA MALÁRIA............................................................ 10 1.2. EPIDEMIOLOGIA DA MALÁRIA.................................................................. 11 1.3. VETORES.................................................................................................... 14 1.4. ASPECTOS GERAIS DA TRANSMISSÃO DA MALÁRIA........................... 16 1.5. ESTRATÉGIAS DE CONTROLE DA MALÁRIA E CONTROLE VETORIAL 17 1.6. TAXA DE INFECTIVIDADE.......................................................................... 17 1.7. JUSTIFICATIVA............................................................................................ 20 1.8. OBJETIVOS.................................................................................................. 21 1.8.1. Objetivo Geral............................................................................................ 21 1.8.2. Objetivos Específicos............................................................................... 21 2. MATERIAIS E MÉTODOS................................................................................. 23 2.1. TIPO DE ESTUDO......................................................................................... 23 2.2. ASPECTOS ÉTICOS...................................................................................... 23 2.3. ÁREA DE ESTUDO........................................................................................ 23 2.4. COLETA DO NÚMERO DE CASOS DE MALÁRIA........................................ 24 2.5. COLETA DE DADOS DA DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES DE MOSQUITOS ANOFELINOS.......................................................................... 24 2.6. COLETA DOS DADOS DE INFECTIVIDADE DAS ESPÉCIES DE MOSQUITOS ANOFELINOS.......................................................................... 24 2.7. ANÁLISE ESTATÍSTICA................................................................................ 24 3. RESULTADOS................................................................................................... 26 3.1. NÚMERO DE CASOS REGISTRADOS DE MALÁRIA NO PERÍODO DE ESTUDO......................................................................................................... 26 3.2. IDENTIFICAÇÃO DE ESPÉCIES DE Anopheles........................................... 28 3.3. DETERMINAÇÃO DA TAXA DE INFECITIVDADE........................................ 32 3.4. ANÁLISE ESTATÍSTICA.............................................................................. 33 4. DISCUSSÃO...................................................................................................... 34 5. CONCLUSÕES.................................................................................................. 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 41 8 RESUMO A malária é uma doença endêmica da Região Amazônica, onde o Estado do Pará prevalece como um dos estados da região onde mais são registrados casos da doença. O objetivo do presente estudo foi buscar uma associação entre o número de casos de malária registrados no Pará no período de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013 e a taxa de infectividade de mosquitos do gênero Anopheles coletados durante esse período. As áreas de estudo escolhidas foram os municípios de Anapu, Altamira, Canaã dos Carajás, Goianésia do Pará, Itaituba, Pacajá, Parauapebas, Peixe-Boi, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu. No período de estudo, foram registrados ao todo pelo SIVEP-Malária um total de 92.330 casos de malária nos municípios alvo neste estudo. Foram coletados e identificados ao todo 3.060 mosquitos, dos quais 1602 foram Anopheles darlingi, 447 Anopheles albitarsis s.l., 235 Anopheles triannulatus, 356 Anopheles nuneztovari, 86 Anopheles oswaldoi, 83 Anopheles galvaoi, 187 Anopheles strodei, 37 Anopheles braziliensis, 21 Anopheles peryassui, 2 Anopheles mediopunctatus, 2 Anopheles evansae, 1 Anopheles mattogrossensis e 1 Anopheles intermedius. Dos 3.060 mosquitos testados, 19 foram positivos para o teste de ELISA, totalizando taxa de infectividade igual a 0,62%. Ao todo, 17 exemplares de Anopheles darlingi estavam infectados por Plasmodium falciparum ou Plasmodium vivax VK210 e VK247 e 2 Anopheles nuneztovari infectados por P. vivax VK210 ou VK247. O teste estatístico Correlação Linear de Pearson não encontrou qualquer associação entre as variáveis ‘casos de malária registrados’ e ‘taxa de infectividade dos mosquitos capturados’. Este estudo concluiu que o An. darlingi é o principal vetor da malária no Pará e que An. nuneztovari desempenha papel secundário na transmissão da doença. Os casos de malária causados por P.vivax continuam a ser maioria em relação aos casos de malária por P. falciparum. Palavras-chave: Anopheles, infectividade, Pará. 9 ABSTRACT Malaria is an endemic disease in the Amazon region, where the state of Pará prevails as one of the states in the region where more are recorded cases of the disease. The aim of this study was to seek an association between the number of malaria cases reported in Pará from January 2010 to December 2013 and infectivity rate of Anopheles mosquitoes collected during that period. The chosen areas of study were the municipalities of Anapu, Altamira, Canaã dos Carajás, Goianésia do Pará, Itaituba, Pacajá, Parauapebas, Peixe-Boi, Senador Jose Porfirio and Vitória do Xingu. During the study period were recorded at all by SIVEP-Malaria a total of 92,330 cases of malaria in the municipalities targeted in this study. Were collected and identified a total of 3,060 mosquitoes, of which 1602 were Anopheles darlingi, 447 Anopheles albitarsis s.l., 235 Anopheles triannulatus, 356 Anopheles nuneztovari, 86 Anopheles oswaldoi, 83 Anopheles galvaoi, 187 Anopheles strodei, 37 Anopheles braziliensis, 21 Anopheles peryassui, 2 Anopheles mediopunctatus, 2 Anopheles evansae, 1 Anopheles mattogrossensis and 1 Anopheles intermedius. Of the 3,060 mosquitoes tested, 19 were positive for ELISA, totaling infectivity rate of 0.62%. In all, 17 specimens of Anopheles darlingi were infected by Plasmodium falciparum or Plasmodium vivax VK210 and VK247 and 2 Anopheles nuneztovari infected with P. vivax VK210 or VK247. The statistical test of Pearson Linear correlation found no association between the variables 'malaria cases reported' and 'infectivity rate of mosquitoes captured'. This study concluded that An. darlingi is the principal malaria vector in Pará and An. nuneztovari plays a secondary role in disease transmission. Cases of malaria caused by P. vivax are even more common than in the cases of P. falciparum malaria. Key-words: Anopheles, infectivity, Pará 10 1. INTRODUÇÃO 1.1. ASPECTOS GERAIS DA MALÁRIA A malária, conhecida também como febre palustre, impaludismo, sezão, maleita ou febre intermitente, é uma doença febril aguda não contagiosa causada por protozoários intracelulares do gênero Plasmodium. Em humanos, a doença é causada por cinco espécies diferentes de Plasmodium: Plasmodium falciparum, Plasmodium vivax (com suas variantes três variantes, baseadas em análise das unidades repetidas da proteína de superfície Circunsporozoíta: VK247, VK210 e P.vivax-like), Plasmodium malariae, Plasmodium ovale e Plasmodium knowlesi, este último considerado como agente de malária humana a partir de 2008 (White, 2008). Historicamente, o termo “malária” vem do italiano “mal’aria” que significa “mau ar” por se acreditar antigamente que a doença era originária dos pântanos. Entretanto, em meados do século XIX, o francês Alphonse Laveran descobriu parasitos no sangue de pessoas doentes. Subsequentemente, o médico britânico Dr. Ronald Ross descobriu que a malária era transmitida por artrópodes hematófagos, mas só anos mais tarde o professor italiano Giovanni Battista Grassi pôde comprovar que a transmissão ocorre unicamente pela picada de mosquitos do gênero Anopheles (Tuteja, 2007). O Plasmodium possui um ciclo evolutivo complexo e heteroxênico, envolvendo um hospedeiro invertebrado (mosquito) e um vertebrado (homem), sendo transmitida ao homem pela picada da fêmea de mosquitos do gênero Anopheles infectada que, ao exercer hematofagia, injeta na corrente sanguínea do hospedeiro o esporozoíto, forma infectante presente em suas glândulas salivares (Cox, F. E. G. 2010). Uma vez no organismo do hospedeiro, o Plasmodium invade primeiramente os hepatócitos, onde dá início ao desenvolvimento assexuado do parasito. Nesta fase, a infecção pelo plasmódio é assintomática e tem duração de aproximadamente 10 a 12 dias até que os hepatócitos sejam rompidos, liberando milhares de merozoítos na corrente sanguínea (Vasquez & Tobón, 2013). Na fase eritrocítica da malária, os merozoítos invadem rapidamente os glóbulos vermelhos do sangue, causando profundas mudanças na superfície destas células (knobs) à medida que 11 crescem e se reproduzem, resultando por fim na ruptura dos eritrócitos e aparecimento dos sintomas clínicos (Cowman et al., 2012). Em P. vivax e P. ovale, alguns esporozoítos podem permanecer latentes no fígado em forma de hipnozoítos, formas responsáveis pelas recaídas da doença características destas duas espécies (Krotosky, 1989). Dando continuidade ao ciclo, uma pequena parte dos merozoítos se diferencia em gametócitos (masculinos e femininos), infectantes para o hospedeiro invertebrado, que serão ingeridos pela fêmea do mosquito no momento do repasto sanguíneo, sofrendo gametogênese no lúmen intesinal do vetor (Mueller et al., 2010). Após a diferenciação em esporozoíto, estágio infectante para o homem, o parasita migra para as glândulas salivares do vetor, onde estará pronto para ser transmitido a novos hospedeiros (Aly et al., 2009). 1.2. EPIDEMIOLOGIA DA MALÁRIA Dados do ano de 2013 da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que haja noventa e sete países no mundo nos quais a transmissão da malária está ocorrendo, além de outros sete em fase de prevenção para que a reintrodução da doença não aconteça, totalizando assim centro e quatro países considerados como áreas endêmicas da enfermidade. A OMS estima ainda um número total de 3.4 bilhões de pessoas vivendo sob o risco de contrair malária (WHO, 2013) (Figura 1). Figura 1. Distribuição geográfica da malária humana no mundo (Fonte: OMS, 2014). 12 A incidência da malária no ano de 2012 foi de cerca de 207 milhões de casos, sendo que destes 627 mil resultaram em morte. A maior parte dos casos da doença aconteceu na África (80%). A faixa etária mais acometida foi a de crianças com menos de cinco anos de idade, resultando em 77% das mortes do mundo inteiro. De um total de quarenta e três países africanos, oito (Botsuana, Cabo Verde, Eritreia, Namíbia, Ruanda, São Tomé e Príncipe, África do Sul e Suazilândia) estão em processo de diminuição da incidência da doença em 75% ou mais (WHO, 2013). Além do continente africano, países do Sudeste asiático e da América do Sul figuram entre as regiões mais atingidas pela doença (Cruz et al., 2013). Países sul americanos, sendo que os da região amazônica (Suriname, Venezuela, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru e Brasil) são responsáveis por 89,3% dos casos da doença, existindo a possibilidade de subnotificação devido a limitações de diagnóstico e registro de casos em determinadas áreas, não existindo, portanto, um consenso sobre qual a melhor estratégia de controle a ser utilizada (da Silva-Nunes et al., 2011). Segundo dados de 2013 da Organização Mundial da Saúde, houve uma redução de cerca de 75% da incidência da malária em 13 dos 21 países (Argentina, Belize, Bolívia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guiana Francesa, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai e Suriname) onde a transmissão está em curso. A OMS estima ainda que até 2015, três países alcançarão taxas de redução de até 75% (Brasil, Colômbia e Peru). No Brasil, as espécies mais frequentes que causam infecção em humanos são: no ano de 2014 P. vivax foi responsável por 83,3% dos casos registrados, P. falciparum por 15,5,3%; infecções mistas (P. falciparum + P. vivax) por 0,7 % e P. malariae foi raramente detectado (www.saude.gov.br/sivep_malaria, acessado em 10/02/2015). Entre 1970 e final dos anos 1990, o numero de casos de malária multiplicouse exponencialmente, terminando este período com cerca 500 mil novos casos anuais. Este fato é atribuído ao intenso fluxo migratório que se dirigiu à Amazônia em razão de atividades mineradoras e agrícolas, aliado à falta de estrutura adequada de saúde pública destas áreas (Marques, 1984). Já em 2010, foram notificados 334 mil casos de malária. Destes, 99,6% aconteceram na Amazônia, local onde está concentrada a transmissão de malária no Brasil (Braz et al., 2013). Segundo dados de 2013 do SIVEP-MALÁRIA do Ministério da Saúde, o número total 13 de casos positivos da doença naquele ano foi de 169.120. Destes, 99% estavam concentrados nos estados que compõem a Amazônia (167.429 casos). A região amazônica registra um número elevado de casos de malária onde o risco de transmissão da malária é determinado pela Incidência Parasitária Anual (IPA) que apresenta a seguinte equação e classificação: a) Município de alto risco: se o IPA obtiver valor maior que 49,9 casos de malária por mil habitantes. b) Município de médio risco: se o IPA obtiver valor maior que 9,9 a 49,9 casos de malária por mil habitantes. c) Município de baixo risco: se o IPA obtiver valor maior que 0,9 a 9,9 casos de malária por mil habitantes. Segundo Tauil (2011), a Região Amazônica possui diversas condições ambientais que propiciam a transmissão da doença, dentre elas: a abundância do principal vetor, Anopheles (Nyssorhynchus) darlingi; temperatura acima de 16°C, baixas altitudes, alta umidade e frequência de chuvas, fatores estes favoráveis à sobrevivência do mosquito vetor. Somado a isso, condições ambientais, tais como desmatamento, abertura de estradas, colonização recente de áreas desmatadas e de exploração mineral também estão envolvidos na receptividade da região Amazônica para a disseminação da malária. Dentre os estados que constitui a região Norte do Brasil, o Pará sempre foi considerado área endêmica da malária, em particular as áreas mais pobres do estado. Contudo, do ano de 2010 ao ano de 2013, houve um decréscimo significativo no número de casos da doença. Os números passaram de 136.466 casos em 2010 para 25.407 em 2013, segundo dados obtidos no site do Sistema de Informação e Vigilância Epidemiológica, (www.saude.gov.br/sivep_malaria, acessado em 14/10/2014). o SIVEP-Malária 14 1.3. VETORES Os vetores da malária pertencem ao reino Animal, filo Arthropoda, classe Insecta, subclasse Pterygota, ordem Diptera, subordem Nematocera, família Culicidae, subfamília Anophelinae, gênero Anopheles (Consoli & Oliveira, 2004). O gênero Anopheles compreende cerca de 400 espécies reconhecidas, sendo apenas 10% consideradas importantes como vetoras da doença (Rios-Velasquéz et al., 2013). Na África, continente em que ocorre a maior parte dos casos de malária, os principais vetores envolvidos na transmissão são An. gambiae, An. arabiensis e An. funestus devido a alta preferência por ambientes humanos, sendo assim altamente antropofílicos e adaptados às diversas transformações ambientais induzidas pelas atividades destas populações (Collins & Besansky, 1994). O gênero Anopheles está amplamente distribuído também em território sulamericano, em países como Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru, Paraguai, Guianas e Brasil. (Consoli & Oliveira, 1994) (Figura 2). No Brasil, 54 espécies de mosquitos do gênero Anopheles são conhecidas. Dentre elas, 33 espécies ocorrem na Amazônia, onde espécies do subgênero Nyssorhynchus são responsáveis pela manutenção da malária. Anopheles darlingi é tido como principal transmissor da doença não só na Amazônia como também nas Américas (Figura 2), devido ao fato de ser altamente antropofílico e susceptível à infecção pelo Plasmodium, além de apresentar taxas de sobrevivência maiores que de outros vetores. (Tadei, W.P. & Dutary-Thatcher, B., 2000). Outras espécies, tais como An. albitarsis, An. oswaldoi, An. triannulatus, An. deaneorum e An. mediopunctatus são consideradas vetores regionais em potencial (Tadei et al. 1988). An. aquasalis aparece como vetor predominante em áreas costeiras que abrangem o nordeste do Brasil até São Paulo (Deane, 1986). 15 Figura 2. Mapa de distribuição das espécies de mosquitos transmissores de malária nos países onde há registro de casos de malária humana. Fonte: Kiszewksi et al., 2004 Dentro do subgênero Kerteszia, têm-se An. cruzii e An. bellator como principais responsáveis pela transmissão da malária humana na região extraamazônica, como por exemplo áreas recobertas pela Mata Atlântica. (Lorenz et al., 2012). A abundância de anofelinos em áreas endêmicas pode ser regulada por fatores ambientais tais como chuvas e nível dos rios. No estudo de Klein & Lima (1990) realizado na área de Costa Marques, Rondônia, a abundância de An. darlingi estava diretamente relacionada com o nível do Rio Guaporé. Em estudo realizado por Wyse et al. em 2006, o modelo matemático utilizado demonstra que a relação humano-vetor apresenta causas sazonais das estações do ano. Segundo estes mesmos autores, a estiagem diminui de maneira sensível a proliferação de mosquitos, possivelmente por escassez de criadouros, fato que resulta diretamente 16 na diminuição de casos da doença. Por outro lado, o aumento das chuvas provoca um aumento da população de vetores e consequente elevação das ondas epidêmicas. 1.4. ASPECTOS GERAIS DA TRANSMISSÃO DA MALÁRIA Para que o gametócito se torne infectante para um novo hospedeiro definitivo, é necessário que, ao ingressar no hospedeiro invertebrado, ele vença as defesas inatas deste, tais como enzimas digestivas, e penetre na superfície basal do intestino (James, 2013). Após a maturação dos gametas no lúmem intestinal, ocorre a formação do oocineto, que se aloja entre o epitélio e a lâmina basal intestinal para que o contato com os diversos nutrientes da hemolinfa ocorra, transformando oocineto em oocisto, que contém em seu interior diversos esporozoítos em desenvolvimento. Posteriormente, os esporozoítos migram através da hemolinfa até as glândulas salivares do mosquito, onde ficarão aderidos, tornando-se assim infectantes para o hospedeiro definitivo (Aly et al., 2009). O mosquito transmissor da malária possui hábitos crepusculares e noturnos e, normalmente ao entardecer, a fêmea sai de seus criadouros a procura de fontes alimentares que incluem aves, mamíferos e o próprio homem para que possa realizar a hematofagia para posterior maturação de seus ovos. Essa hematofagia, geralmente, obedece a intervalos de 24 horas entre uma e outra, havendo horários de atividade elevada influenciada diretamente por fatores ambientais como clima, umidade, temperatura e ventos (Forattini, 2002). Outros fatores importantes são o horário e local onde a hematofagia acontece. Sendo assim, mosquitos que costumam picar em locais extradomicílio são considerados exofágicos e mosquitos que picam dentro das habitações são considerados endofágicos (Forattini, 2002). Torna-se, portanto, importante o conhecimento destas informações de cunho epidemiológico, uma vez que fazem parte do entendimento acerca do comportamento alimentar do vetor, tornando possível a tomada de medidas de controle da doença em áreas onde a transmissão está ocorrendo. 17 1.5. ESTRATÉGIAS DE CONTROLE DA MALÁRIA E CONTROLE VETORIAL O Programa Nacional do Controle de Malária do Ministério da Saúde possui diversas diretrizes que visam o controle da doença no país, dentre elas: Diagnóstico rápido da enfermidade e tratamento de qualidade da mesma: exames de gota espessa e esfregaço delgado, além do teste de detecção de antígenos do plasmódio no sangue do paciente; tratamento gratuito visando interromper a multiplicação do patógeno no sangue, eliminar as formas hepáticas latentes e outras formas infectantes para o mosquito; Promoção da educação em saúde: melhor compreensão sobre a doença; motivar busca pelo diagnóstico precoce; incentivar adesão ao tratamento; orientar uso adequado de cortinados e mosquiteiros; Prevenção, detecção e contenção de surtos; Controle integrado e seletivo de vetores: mosquiteiros impregnados com inseticidas, borrifação residual intradomiciliar, termonebulização, biolarvicida (Ministério da Saúde, 2005); Estes métodos de controle vetorial têm como objetivos principais, por sua vez: reduzir o contato do homem com o vetor reduzindo assim as possibilidades de se contrair a doença; diminuir a intensidade da transmissão da malária pela redução da expectativa de vida da população de mosquitos local (WHO, 2013). No Brasil o controle vetorial é um suporte às estratégias de controle (diagnóstico rápido e tratamento imediato e eficaz) utilizadas. 1.6. TAXA DE INFECTIVIDADE Um dos principais parâmetros utilizados para o monitoramento da malária em áreas endêmicas é a análise da taxa de infectividade dos vetores capazes de transmitir a doença aos humanos. Em áreas onde a malária é endêmica ou já foi erradicada, os testes de infectividade natural são úteis para medir o nível de endemicidade, verificar a presença ou ausência de transmissão, investigar a reintrodução de novos casos e avaliar os programas antimaláricos. Esses testes 18 possuem boa sensibilidade e especificidade, além de auxiliarem na identificação do plasmódio infectante (Ferreira & Sanchez, 1988). Na Amazônia, o primeiro estudo feito sobre a introdução da técnica de ELISA para a incriminação de vetores foi liderado por Arruda et al. em 1986, onde encontraram An. darlingi infectado pelo P. falciparum e An. albitarsis s.l. pelo P. vivax. Estudos determinantes acerca do grau de infectividade do Anopheles já foram realizados na Amazônia e são importantes para ajudar a entender a dinâmica de transmissão da doença em áreas específicas, uma vez que o comportamento da espécie vetora tem influência direta no padrão epidemiológico local (Santos et al., 2009). Nas áreas onde predomina a floresta amazônica, diversos espécimes capturados foram encontrados naturalmente infectados pelo Plasmodium. No estudo de Tadei & Tatcher (2000) conduzido em diversos municípios do estado do Amazonas as espécies An. triannulatus, An. mattogrossensis, An. nuneztovari, An. braziliensis, An. darlingi, An. mediopunctatus e An. albitarsis foram encontradas infectadas pelo P. vivax. O P. falciparum foi encontrado infectando as espécies An. triannulatus, An. albitarsis, An. nuneztovari, An. mattogrossensis e An. darlingi, esta ultima sendo considerada como vetor altamente eficiente para transmitir ambas as espécies de Plasmodium. Segundo Klein et al. (1986), a eficiência de um vetor e a susceptibilidade dele ao parasita pode ser medida através da taxa de esporozoítos encontrados nas glândulas salivares de cada espécie e, em seu levantamento, An. darlingi foi considerado o mais importante vetor por apresentar alta taxa de susceptibilidade ao parasito e grande quantidade de esporozoítos em suas glânduas salivares. Em estudo conduzido por Póvoa et al. (2001) no município de Serra do Navio, Amapá, foram realizadas coletas nas quais 15 espécies de anofelinos foram identificadas: An. albitarsis s.l. (a mais frequente), An. braziliensis, An. nuneztovari, An. triannulatus e outras menos frequentes como An. oswaldoi, An. darlingi, An. peryassui, An. minor, An. neiva, An. intermedius, An. mediopunctatus s.l., An. rangeli, An. evansae e An. argyritarsis. A taxa total de infectividade encontrada foi de 0,8% (23/2876) e pertenceu às seguintes espécies: quatro An. nuneztovari (infectadas por P. vivax VK210 e VK247), um para An. braziliensis, An. triannulatus, An. oswaldoi (infectado por P. falciparum) e An. rangeli e quinze An. albitarsis s.l. (infectadas por P. falciparum e P. vivax VK210 e VK247), este último apresentando 19 alta densidade em todas as localidades alvo do estudo e infectado pelas principais espécies de plasmódio humano causadoras de malária no Brasil, sendo considerado importante vetor da malária nestas localidades. Em outro estudo realizado no estado do Amapá, cinco espécies de anofelinos foram encontradas positivas: An. darlingi, An. marajoara, An. triannulatus, An. intermedius e An. nuneztovari, sendo as duas primeiras mais frequentemente encontradas infectadas com todas as espécies plasmódio humano causadoras de malária no Brasil em todas as localidades estudadas (Galardo et al., 2007). A importância de An. albitarsis como vetor da doença foi demonstrada também no estudo de Póvoa e colaboradores, realizado em 2006 no município de Boa Vista, Roraima. Comparações de dados de atração humana e taxa de picada feitas entre An. albitarsis e An. darlingi colocam a primeira espécie como importante e mais abundante vetor da malária em diversas localidades do município. Além do mais, An. albitarsis foi a espécie que apresentou maior taxa de infecção por P. vivax com relação a An. darlingi. Dados semelhantes foram obtidos em estudo realizado por da Silva-Vasconcelos e colaboradores (2002) no mesmo município. Os resultados obtidos no estudo de Barbosa & Souto (2013) realizado em Macapá, Amapá, complementam esta hipótese, uma vez que An. albitarsis foi a espécie mais frequentemente identificada, infectada com todas as espécies de Plasmodium. No município de Marabá, estado do Pará, o An. darlingi também foi considerado como principal vetor, estando naturalmente infectado por P. vivax VK247, P. falciparum e P. malariae, atingindo taxas de infecção de 22,4%. An. albitaris s.l., um dos principais vetores no leste do Pará, foi encontrado infectado por duas variantes de P. vivax, VK 210 e VK247 (taxa de infecção de 5,2%). An. rondoni estava infectado por P. falciparum e P. vivax VK2010, sendo este relato pioneiro. Mesmo assim, An. rondoni foi considerado como vetor regional em potencial por ter sido o terceiro mosquito mais frequentemente capturado em áreas endêmicas de malária, além de ter apresentado taxa de infecção de 3,6% e atingido o número máximo de espécimes capturados num período de alta taxa de transmissão naquela área (Rocha et al., 2008). Em duas aldeias indígenas do estado do Pará (Nhamundá-Mapuera e Cuminapanema) foram realizadas coletas nas quais foram capturados anofelinos das espécies An. nuneztovari (não considerado vetor de malária humana embora frequentemente seja encontrado infectado), An. mattogrossensis, An. triannulatus, 20 An. intermedius, An. oswaldoi, An. mediopunctatus, An. albitarsis, An. braziliensis, An. minor, An. peryassui, An. squamifemur e An. darlingi, sendo esta última encontrada naturalmente infectada por todas as espécies de plasmódios (P. falciparum, P. vivax VK 210 e VK 247 e P. malariae) (Santos et al., 2009). No estudo conduzido em Belém, estado do Pará, por Silva e colaboradores, no ano de 2006, foi realizado um levantamento da fauna anofélica do município. De 1996 até 2006, um total de 14 espécies de anofelinos foram capturados em diferentes bairros da cidade: An. albitarsis s.l, An. aquasalis, An. braziliensis , An. darlingi An. evansae, An. mediopunctatus An. intermedius, An. nuneztovari, An. oswaldoi, An. peryassui, An. shannoni, An. strodei, An. triannulatus s.l. e Anopheles (Nyssorhynchus) sp. As espécies consideradas vetoras primárias em Belém no período de estudo foram: An. aquasalis, considerado provável transmissor no Distrito de Mosqueiro (DAMOS) devido à correlação feita a partir destes dados com dados de epidemiologia da malária da SESMA; An. darlingi como principal transmissor no Distrito do Entroncamento (DAENT), área de matas preservadas onde estão localizados dois lagos de abastecimento de água da cidade. Segundo Póvoa e colaboradores (2003), ambas as espécies de anofelinos foram encontradas parasitadas naturalmente por P. falciparum, P. vivax e P. malariae. Quanto às outras espécies encontradas, não houve registros de importância na transmissão de malária em Belém. 1.7. JUSTIFICATIVA Segundo Valle e Lima (2014), a Amazônia brasileira desempenha um papel crítico nas Américas no que diz respeito ao número de casos de malária e fatalidade destes. A região é responsável por 99,8% de todos os casos de malária relatados no Brasil. No primeiro semestre de 2010, o estado do Pará registrou um número total de 51.697 casos de malária, tornando-se assim o estado mais acometido pela doença no país (Brasil et al., 2012). Embora esses índices tenham se tornado mais favoráveis para a redução do número de casos nos anos seguintes, o Pará continua sendo uma importante área endêmica da malária devido o fato de possuir inúmeras condições ambientais e socioeconômicas favoráveis para a proliferação da doença. 21 Por essa razão é evidente a necessidade de estudos como este que desenvolvemos para que façam o levantamento dos casos de malária e análise dos mesmos frente a variáveis entomológicas, tornando assim possível o entendimento da dinâmica de transmissão, e então subsidiar a tomada de decisão das autoridades de saúde municipais, estaduais ou federais quanto as estratégias de controle e vigilância da malária a serem implantadas. 1.8. OBJETIVOS 1.8.1 Objetivo Geral Avaliar a associação entre o número de casos de malária e a infectividade natural de espécies de mosquitos anofelinos em diferentes municípios do estado do Pará no período de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013. 1.8.2 Objetivos Específicos Verificar em sites oficiais do Ministério da Saúde o número de casos positivos de malária notificados em dez diferentes municípios do Estado do Pará, no período de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013; Realizar levantamento das espécies de mosquitos capturados nos municípios alvo do estudo registradas em fichas de campo do Laboratório de Pesquisas Básicas em Malária; Realizar levantamento da taxa de infectividade natural dos anofelinos capturados nos municípios alvo do estudo registrada nos livros de resultados do teste de ELISA do Laboratório de Pesquisas Básicas em Malária; Identificar as espécies de mosquitos anofelinos possíveis vetoras de malária em cada município alvo do estudo. 22 Analisar a associação do número de casos de malária com dados de infectividade natural para cada município alvo do estudo; 23 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1. TIPO DE ESTUDO O estudo é do tipo retrospectivo e descritivo. 2.2. ASPECTOS ÉTICOS O presente estudo não necessitou de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos do Instituto Evandro Chagas, uma vez que os dados nele utilizados são de fichas de trabalho de campo já disponíveis nos arquivos do Laboratório de Pesquisas Básica em Malária da instituição ou do portal do SIVEPMalária, ambos de domínio público. 2.3. ÁREA DE ESTUDO Os municípios alvo do estudo foram: Anapu, Altamira, Canaã dos Carajás, Goianésia do Pará, Itaituba, Pacajá, Parauapebas, Peixe-boi, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu (Figura 3). Figura 3. Mapa do Estado do Pará destacando os municípios em estudo. (Fonte: LABGEO/IEC/SVS/MS) 24 2.4. COLETA DO NÚMERO DE CASOS DE MALÁRIA A pesquisa do número total de casos de malária por município deste estudo foi feita por meio de consultas online de dados públicos disponíveis no portal do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica, o SIVEP (www.saude.gov.br/sivep_malaria) do Ministério da Saúde. Foram levados em consideração os casos da doença que foram registrados no site no período de janeiro de 2010 a dezembro de 2013 no estado do Pará. Os dados obtidos foram organizados em forma de tabelas feitas no software Microsoft Word 2010. 2.5. COLETA DE DADOS DA DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES DE MOSQUITOS ANOFELINOS Foram extraídas das fichas de trabalho de campo dados quanto às espécies de mosquitos anofelinos coletados por município alvo do estudo, e que estão arquivadas no Laboratório de Pesquisas Básicas em Malária da Seção de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas/SVS/MS. Os dados obtidos foram organizados em forma de tabelas feitas no software Microsoft Excel 2010. 2.6. COLETA DOS DADOS DE INFECTIVIDADE DAS ESPÉCIES DE MOSQUITOS ANOFELINOS Foram retiradas dos livros de registro dos resultados do teste de ELISA para determinação da infecção natural dos mosquitos coletados nos municípios alvo deste estudo, as informações quanto a infeção (número de mosquitos infectados, espécie infectante e período). Estes livros pertencem ao acervo do Laboratório de Pesquisas Básicas em Malária da Seção de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas/SVS/MS. Os dados obtidos foram organizados em forma de tabelas feitas no software Microsoft Excel 2010. 2.7. ANÁLISE ESTATÍSTICA Para verificar se há correlação entre o número de casos de malária notificados e a taxa de infectividade dos mosquitos capturados nos municípios alvo 25 deste estudo foi utilizado o teste estatístico paramétrico Correlação Linear de Pearson. As análises foram feitas no software SSPS Statistics 20 onde as diferenças foram consideradas significativas quando o p ≤ 0.05. 26 3. RESULTADOS 3.1. NÚMERO DE CASOS REGISTRADOS DE MALÁRIA NO PERÍODO DE ESTUDO As informações acerca do número de casos positivos de malária registrados no período de estudo (www.saude.gov.br/sivep_malaria), estão detalhadas na tabela abaixo: Tabela 1. Número de casos registrados de malária em dez diferentes municípios do Estado do Pará, no período de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013. Fonte: SIVEPMalária. Município/ Altamira Anapu Ano C. dos G. do Carajás* Pará* Itaituba Pacajá Paraua Peixe- S. J. V. do Pebas Boi Porfírio* Xingu* 2010 1849 1668 2 7787 12006 6407 93 1 827 202 2011 1403 3310 2 3776 11740 4563 41 - 1295 180 2012 1831 1506 2 1647 14155 2397 13 - 732 143 2013 306 235 2 250 10873 839 9 - 195 43 TOTAL 5389 6719 8 13460 48774 14206 156 1 3049 568 Legenda - *Canaã dos Carajás; *Goianésia do Pará; *Senador José Porfírio; *Vitória do Xingu No município de Altamira, em janeiro de 2010 a Dezembro de 2013, houve uma redução significativa no número de casos de malária notificados. Em 2010, 1849 casos de malária foram registrados. O número caiu para 1403 casos em 2011 mas voltou a aumentar para 1831 em 2012. Por fim, Altamira terminou o período registrando em 2013 306 casos de malária. Em Anapu, o número de casos de malária registrados variou durante os quatro anos de estudo. Em 2010, foram 1668 casos. No ano 2011, este número praticamente dobrou e fechou o ano em 3310 casos. A partir de 2012, houve uma significativa redução do número de casos, sendo registrados 1506 naquele ano. Em 2013, a redução continuou acontecendo até terminar o ano com 235 casos de malária notificados. Em Canaã dos Carajás, o número de casos permaneceu constante durante todo o período que vai de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013. Foram notificados 27 apenas dois casos em cada ano, totalizando oito casos em um período de quatro anos. Em Goianésia do Pará, o número de casos notificados de malária sofreu uma redução expressiva ao longo dos quatro anos de estudo. Passou de 7787 em 2010, 3776 em 2011, 1647 em 2012 até alcançar seus menores números em 2013, com 250 casos notificados. Em Itaituba, município em que o número de casos de malária foi maior, os índices apresentaram certa redução, embora continuem bastante altos. Em 2010 foram 12006 casos notificados. Em 2011 o número de casos caiu, totalizando 11740 naquele ano. Em 2012, este número voltou a aumentar, atingindo 14155 casos. Já em 2013, o índice atingiu os 10873 casos de malária. No geral, a situação pouco mudou no município de Itaituba; o número de casos continua alto e não houve redução expressiva destes no período de estudo. Esse fato se deve, provavelmente, à existência de diversos garimpos na região, o que acaba se tornando um agravante na transmissão da doença e um obstáculo ao controle da mesma. Outro município que sofreu significativa redução no número de casos de malária foi Pacajá. Em 2010 foram 6407 casos de malária. Em 2011 esse número caiu para 4563 casos. A redução continuou em 2012 e 2013, anos em que o número de casos de malária foi de 2397 e 839, respectivamente. Em Parauapebas os números são discretos. Foram 93 casos em 2010, 41 casos em 2011, 13 casos em 2012 e 9 casos em 2013. De qualquer maneira, o município seguiu a mesma tendência dos demais (exceto Itaituba), apresentando sucessivas reduções no número de casos de malária ao longo dos anos. No município de Peixe-Boi houve apenas o registro de um único caso no ano de 2010, caso este provavelmente importado pois não há registros de transmissão de malária na região. O município de Peixe-Boi não registrou nenhum outro caso de malária desde então. Em Senador José Porfírio, os casos de malária notificados também sofreram redução, embora deva ser considerado o aumento do número destes que aconteceu entre os anos de 2010 e 2011, contabilizando 827 casos e 1295 casos, respectivamente. Após isso, este número atingiu os 732 casos em 2012 e 195 casos em 2013. 28 O município de Vitória do Xingu seguiu a tendência da maioria dos municípios acima citados, apresentando reduções sucessivas do número de casos de malária ao longo dos anos. Em 2010 foram 202 casos da doença. Em 2011, 180 casos. Em 2012, 143 casos e por fim, 43 casos em 2013. Estes resultados podem também ser visualizados através da figura abaixo: Figura 4. Mapa do Estado do Pará, mostrando o número de casos de malária nos municípios estudados no período de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013. (Fonte: LABGEO/IEC/SVS/MS) 3.2. IDENTIFICAÇÃO DE ESPÉCIES DE Anopheles No período do estudo e nos dez municípios selecionados para o mesmo, foram capturadas e identificadas 3.060 fêmeas de mosquitos pertencentes ao gênero Anopheles e às seguintes espécies: An. triannulatus, An. strodei, An. braziliensis, An. galvaoi, An. mediopunctatus, An. evansae, An. mattogrossenssis, An. intermedius, An. nuneztovari, An. oswaldoi, An. peryassui, An. darlingi e An. 29 albitarsis, com destaque para as duas últimas, capturadas em maior número em comparação às outras (Figura 5). Figura 5. Distribuição do número de exemplares capturados por espécie. Em Altamira, as coletas aconteceram nos anos de 2012 e 2013 em diversos pontos do município. Ao todo, foram capturadas e identificadas 187 fêmeas de mosquito do gênero Anopheles, pertencentes às seguintes espécies: An. darlingi, An. albitarsis An. triannulatus, An. strodei, An. braziliensis, An. galvaoi, An. nuneztovari, An. oswaldoi, An. peryassui e An. aquasalis. Neste contexto, pode-se observar que An. darlingi foi uma das espécies mais frequentemente capturadas no município. Além desta espécie, destacam-se também An. triannulatus e An. nuneztovari. O ponto alto das coletas coincidiu com a estação chuvosa no Estado, fevereiro dos anos de 2012 e 2013 (Tabela 2). Em Anapu, as coletas ocorreram apenas nos meses de Fevereiro e Junho do ano de 2013. Neste município apenas uma fêmea de An. darlingi foi capturada durante o período de estudo (Tabela 2). Em Canaã dos Carajás, as coletas foram realizadas apenas nos meses de Outubro e Dezembro do ano de 2010. No primeiro mês de coleta, nenhum espécime foi capturado. Contudo, no mês de Dezembro, período este que coincide com a estação chuvosa no Estado, um total de 69 fêmeas de Anopheles foram capturadas. Estas fêmeas pertencem às seguintes espécies: An. albitarsis (em maior número), An. triannulatus, An. oswaldoi, An. nuneztovari e An. galvaoi (Tabela 2). 30 Em Goianésia do Pará, as coletas ocorreram nos meses de Agosto de 2010, Fevereiro, Junho, Novembro e Dezembro de 2011 e Fevereiro, Março e Maio de 2012. No período de estudo, foram capturadas 419 fêmeas de mosquitos do gênero Anopheles, pertencentes às seguintes espécies: An. darlingi, An. albitarsis, An. nuneztovari, An. oswaldoi, An. triannulatus, An. braziliensis, An. strodei, An. peryassui e An. galvaoi. (Tabela 2) No município de Itaituba, as coletas foram realizadas ao longo dos anos de 2011 e 2012, nos meses de Setembro, Março e Julho. No período de estudo, foram capturadas fêmeas das seguintes espécies: An. darlingi, An. triannulatus, An. oswaldoi e An. galvaoi. (Tabela 2) Em Pacajá, as coletas ocorreram apenas nos meses de Junho e Outubro de 2013. O número de mosquitos capturados foi pequeno, totalizando onze espécimes, sete An. darlingi e quatro An. triannulatus. (Tabela 2) Em Paraupebas, a captura de mosquitos também foi muito pequena: apenas um exemplar de An. albitarsis capturado em Dezembro de 2010. (Tabela 2) No município de Peixe-boi, as coletas foram realizadas em Outubro de 2012 e Julho e Dezembro de 2013. A quantidade de exemplares capturados durante o período de estudo totalizou 445 mosquitos distribuídos nas seguintes espécies: An. darlingi, An. nuneztovari, An. triannulatus, An. peryassui, An. oswaldoi, An. braziliensis e principalmente An. albitarsis. Contudo, vale ressaltar que estes exemplares foram coletados em áreas de estábulo, sugerindo, portanto, um comportamento preferencialmente zoofágico. (Tabela 2) Em Senador José Porfírio, as coletas ocorreram em 2012 e 2013, nos meses de fevereiro/março, junho/julho e outubro em diversas localidades do município. No caso específico deste município, o ponto alto das coletas foi no mês de fevereiro de 2012, período do ano que coincidiu com a estação chuvosa no estado. As espécies capturadas foram: An. darlingi (em maior número), An. albitarsis, An. triannulatus, An. nuneztovari, An. braziliensis, An. oswaldoi e An. aquasalis. (Tabela 2) No município de Vitória do Xingu, as coletas foram realizadas nos anos de 2012 e 2013, nos meses de fevereiro/março, junho/julho e outubro em diversos pontos da cidade. O número de exemplares capturados neste período passou dos 880, sendo que estes foram identificados nas seguintes espécies: An. darlingi, An. albitarsis, An. triannulatus, An. oswaldoi, An. braziliensis, An. nuneztovari, An. strodei e An. peryassui. O ponto alto das coletas coincidiu com os meses de 31 fevereiro e março dos dois anos citados, período em que as chuvas no Estado se tornam abundantes. (Tabela 2) Tabela 2. Distribuição das espécies de mosquitos anofelinos coletadas no período de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013, por município. Total de Anopheles capturados Espécie/ Cidade Altamira DAR ALB TRI NUN OSW GAL 51 5 17 24 1 79 Anapu 1 - - - - C. dos Carajás* G. do Pará* Itaituba - 55 5 3 114 101 13 100 - Pacajá - Parauap ebas Peixeboi S. José Porfírio* V. do Xingu* TOTAL MED EVA INT MAT STR PER BRA - - - - 5 2 3 - - - - - - - - 4 2 - - - - - - - 18 2 1 - - - - 163 2 5 4 25 9 1 - - - - - - - 7 4 - - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - - - - 34 260 76 8 62 - - - 1 - - 2 2 633 1 27 125 - - - 2 - 1 - - 9 669 17 89 153 8 - 2 - - - 19 15 18 1602 447 235 356 86 83 2 2 1 1 187 21 37 Legenda - DAR: An. darlingi; ALB: An. albitarsis; TRI: An. triannulatus; OSW: An. oswaldoi; GAL: An. galvaoi; MED: An. mediopunctatus; EVA: An. evansae; INT: An. intermedius; MAT: An. mattogrossensis; STR: An. strodei; PER: An. peryassui; BRA: An. braziliensis. *Canaã dos Carajás; *Goianésia do Pará; *Senador José Porfírio; *Vitória do Xingu. 3.3. DETERMINAÇÃO DA TAXA DE INFECTIVIDADE De um total de 3.060 mosquitos testados, 19 estavam infectados por plasmódios humanos, resultando numa taxa de infectividade igual a 0,62%. Dos dez municípios estudados, cinco não apresentaram nenhum registro de infecção durante o período de estudo: Anapu, Canaã dos Carajás, Pacajá, Parauapebas e Peixe-boi. Nos outros cinco municípios, as taxas de infecção natural dos mosquitos coletados foram as seguintes: Altamira 1%, Goianésia do Pará 1 %, Itaituba 1%, Senador José Porfírio 1,3% e Vitória do Xingu 0,1% (Figura 6; Tabela 3). 32 Figura 6. Mapa do Estado do Pará, destacando os municípios nos quais foram encontrados mosquitos infectados por plasmódios e nos quais não houve registro de infecções. Através do mapa, pode-se observar que os municípios nos quais houve registro de mosquitos infectados ficam na área do Sudoeste e Sudeste paraense, principalmente em municípios que sofrem influência direta das obras da Usina de Belo Monte (Senador José Porfírio, Altamira e Vitória do Xingu). Embora Anapu e Pacajá também façam parte da área de influência da usina, não foram observados mosquitos naturalmente infectados por plasmódios no período de estudo. Município Infecções Nº coletados PF VK 210 VK 247 Mista Altamira 186 0 1 NUN 1 DAR 0 G. do Pará* 366 2 DAR 1 NUN 1 DAR 0 Itaituba 105 0 1 DAR 0 0 S. José Porfírio* 804 3 DAR 4 DAR 4 DAR 0 Vitória do Xingu 989 0 0 1 DAR 0 33 Tabela 3. Número e espécie de mosquitos infectados por plasmódio humano no período de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013, por município. Legenda – PF: Plasmodium falciparum; VK 210: Plasmodium vivax VK210; VK 247: Plasmodium vivax VK 247. *Goianésia do Pará; *Senador José Porfírio; * DAR: An. darlingi; NUN: An. nuneztovari De todas as treze espécies de Anopheles identificadas, apenas An. darlingi e An. nuneztovari foram encontradas infectadas por plasmódio humano. Os plasmódios infectantes foram identificados como P. falciparum, P. vivax VK 247 e P. vivax VK2010. Não houve registro de mosquitos infectados por P. malariae bem como de infecções mistas no período de estudo. 3.4. ANÁLISE ESTATÍSTICA Embora tenham sido registrados casos de malária em todos os dez municípios no período em estudo, nem todos apresentaram ocorrência de mosquitos naturalmente infectados por plasmódios humanos. Por essa razão, o teste de correlação não demonstrou associação direta significativa entre as duas variáveis (taxa de infectividade de Anopheles e casos de malária notificados). O valor da Correlação de Pearson foi r = 0,414 e o p valor foi p = 0,235 (maior que 0,05, portanto, não significativo). 34 4. DISCUSSÃO A malária constitui um grave problema de saúde pública nas áreas onde está mais presente, pois suas consequências afetam diretamente o desenvolvimento de países, regiões e estados acometidos. No Brasil, a doença está mais presente nos estados que compõe a Amazônia (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), especialmente nas áreas onde as populações vivem em condições precárias de moradia e trabalho. A incidência da malária na Amazônia está diretamente relacionada à ocupação desordenada de terras, exploração mineral, projetos de assentamento relacionados à produção extrativista e à migração intensa de pessoas de áreas rurais para as periferias das grandes cidades (Silveira & Rezende, 2001). O Estado do Pará era considerado pelo Sistema de Informação e Vigilância Epidemiológica (SIVEP) um estado que possui médio risco de transmissão da malária, pois apresenta uma forte variação sazonal da doença, onde os períodos com maiores números de casos se concentram nos meses de transição entre os mais chuvosos e os mais secos (SIVEP-Malária, 2012). Hoje o Pará apresenta um quadro de intensa redução no número de casos de malária notificados. Segundo o SIVEP-Malária, em 2013 foram notificados 25.497 casos de malária e, fazendo a comparação com os dados de 2012, o número de casos da doença caiu 69%. Isto se deve, principalmente, ao conjunto de medidas que vêm sendo tomadas pelos órgãos de saúde responsáveis no âmbito da prevenção e vigilância epidemiológica da malária, dentre elas o rápido diagnóstico da doença e tratamento adequado dos pacientes (Ministério da Saúde, 2014). No presente estudo, a maioria dos municípios pesquisados apresentou redução significativa no número de casos de malária registrados no período de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013 (Tabela 1), exceto Canaã dos Carajás que manteve o mesmo número de casos durante os quatro anos, ainda que sejam números muito baixos. Canaã dos Carajás, juntamente com Parauapebas, município que também apresentou redução de 90% dos casos de malária (Tabela 1), compõem a Região de Integração Carajás, cuja dinâmica socioeconômica e espacial é condicionada a processos de extração de minérios (Pará, 2013). Devido a isso, a região recebe intenso fluxo migratório de pessoas, o que por si só pode ocasionar ocupação 35 desordenada das periferias dessas cidades, acarretando graves problemas sociais e facilitando assim a disseminação da malária. Por isso, é importante que a vigilância seja constante a fim de evitar que o número de casos da doença nesses municípios volte a crescer. Nos municípios que estão sob influência direta da implantação da Usina de Belo Monte (Anapu, Altamira, Pacajá, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu) as reduções no número de casos de malária foram evidentes (Tabela 1). Estes municípios integram o Plano de Ação para o Controle da Malária (PACM) da empresa Norte Energia, responsável pela instalação da Usina de Belo Monte. Segundo o PACM, as reduções nos casos de malária chegaram a 80% nesta área no ano de 2013, mostrando que as ações de vigilância e controle da malária que vem sendo feitas na área estão sendo eficazes no sentido de reduzir drasticamente o número de casos. (http://blogbelomonte.com.br/2013/10/10/malaria-tem-reducaode-80-no-entorno-de-belo-monte, acessado em 19/02/2015). Esses dados complementam os dados obtidos no SIVEP-Malária, mostrando que a diminuição dos índices de malária nos municípios em questão já é uma realidade. O município de Altamira teve em 2013, comparado com o ano de 2010, redução de 83% no número de casos de malária. Anapu sofreu redução de 85% no número de casos de malária em 2013 em relação ao ano de 2010. Em Pacajá, a redução foi de 86%. Em Senador José Porfírio, a redução dos casos de malária atingiu os 84% no final de 2013. Por fim, em Vitória do Xingu, essa redução chegou a 78%. Nos últimos anos, o município de Goianésia do Pará passou por uma preocupante epidemia de malária que cessou no final do ano de 2010, totalizando assim 46 meses epidêmicos (Braz et al., 2013). Ao final deste ano, segundo o SIVEP-Malária, o município apresentou 7787 casos da doença (Tabela 1). Deve-se considerar ainda que a taxa de Incidência Parasitária Anual registrada em Goianésia no ano de 2010 foi de 288,5, fazendo com que o município fosse considerado de alto risco para a transmissão de malária. Desde então, a cidade de Goianésia vem passando por uma forte redução nos índices de malária, terminando o ano de 2013 com 250 casos registrados e Incidência Parasitária Anual de 7,1. Essa redução representa 96% em comparação ao ano de 2010. (www.saude.gov.br/sivep_malaria, acessado em 14/10/14). Em Itaituba, segundo o SIVEP-Malária, foram registrados 48.777 casos no período que compreende Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013. O município 36 apresentou um padrão de distribuição do número de casos irregular ao longo dos anos, não havendo reduções significativas nesses índices (Tabela 1). Dentre os dez municípios relacionados para o presente estudo, Itaituba apresentou a maior positividade para a malária, mostrando assim a importância que esse município tem no cenário atual da doença na Região Norte. O estudo de Pina-Costa e colaboradores publicado em 2014 mostra que o município de Itaituba contribuiu com uma porcentagem de 21% dos casos totais de malária na Amazônia brasileira, estando acompanhado de municípios como Porto Velho (RO) e Cruzeiro do Sul (AC). Um dos principais fatores que contribuem para a alta positividade da malária em Itaituba é a existência de inúmeros garimpos clandestinos na região. Estima-se que sejam mais de dois mil locais de extração de ouro localizados em áreas de difícil acesso, o que dificulta a ação dos órgãos de saúde competentes. Segundo Silbergeld e colaboradores (2002), as atividades artesanais de extração de ouro criam nichos propícios para a reprodução do Anopheles, pois ocasionam desmatamento, destruição dos sistemas aquáticos com a formação de “piscinas” artificiais no lugar de cursos fluviais normais. Além disso, a prática da extração do ouro acaba por atrair fluxos migratórios intensos de diversas partes do Brasil, fazendo com que os assentamentos se tornem mais dispersos. Em Peixe-Boi, Região Nordeste do Pará, houve apenas o registro de um único caso de malária no período de estudo. Trata-se de um caso de malária causada por Plasmodium vivax que foi notificado no ano de 2010, mas por se tratar de uma área em que a transmissão de malária é inexistente, pode-se supor que este caso específico é importado. Nesse mesmo ano, a IPA de Peixe-Boi foi de 0,1. Consultas realizadas ao site do SIVEP-Malária mostram que nos anos de 2011, 2012 e 2013 não houve casos de malária notificados no município. Neste estudo, observou-se que a quantidade de exemplares de Anopheles capturados em PeixeBoi é bastante significativa, embora essas coletas tenham sido realizadas em sua maioria em áreas de estábulo. Esse fato sugere que esses espécimes em especial apresentam um comportamento preferencialmente zoofílico, o que pode contribuir diretamente para a ausência de transmissão de malária para humanos no município. Com relação à diversidade de espécies do gênero Anopheles coletadas entre Janeiro de 2010 e Dezembro de 2013, neste estudo constam treze espécies identificadas pertencentes aos subgêneros Nyssorhynchus e Anopheles. Dentro do subgênero Anopheles, foram identificadas exemplares de An. intermedius e An. 37 mattogrossensis. São espécies que possuem ampla distribuição geográfica nos países da América Central e América do Sul, dentre eles o Brasil. An. intermedius é encontrado em todo o território brasileiro, sendo mais abundante na região Amazônica. An. mattogrossensis foi identificado em estados da Região Norte como Acre, Amapá, Amazonas, Roraima, Rondônia e Pará. Apesar de ter distribuição variada em território brasileiro, não existem registros que apontem estas duas espécies como vetoras da malária (Moroni et al., 2010). Outras onze espécies do subgênero Nyssorhynchus foram coletadas e identificadas durante o período do estudo, sendo esse o subgênero mais frequentemente documentado. Estudos como o conduzido por Dos Santos e colaboradores em 2003 apontam as espécies pertencentes ao subgênero Nyssorhynchus como principais vetoras da malária na Bacia Amazônica. Esses mesmos autores também destacam An. darlingi como o principal vetor da malária no Brasil, especialmente na Amazônia. Outros pesquisadores como Deane (1986) e TADEI & TATCHER (2000) também apontam An. darlingi como o vetor mais importante no Brasil devido à sua alta antropofilia, longevidade e capacidade de adaptação a diversos ambientes modificados pelo homem, dentre outras importantes características de sua biologia. No presente estudo, An. darlingi foi a espécie mais capturada no período de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013, correspondendo a 34% do total de exemplares coletados (1602 espécimes capturados). An. darlingi foi também a espécie que apresentou maiores as taxas de infecção por Plasmodium. Dos dezenove exemplares naturalmente infectados dezessete são da espécie An. darlingi, que apresentaram-se infectados por P. falciparum, P. vivax VK247 e VK210. Em um estudo de revisão de literatura, Hiwat & Bretas (2011) conseguiram demonstrar a grande importância deste vetor em diversos países da América, explicando que apesar das taxas de infecção natural deste mosquito tenderem a ser baixas, essa espécie apresenta excelente capacidade vetorial. Portanto, pode-se considerar que em decorrência de sua alta densidade, ampla distribuição geográfica e susceptibilidade à infecção pelo Plasmodium, o An. darlingi é apontado como um dos principais vetores da malária no Estado do Pará. Contudo, espécies do complexo An. albitarsis merece destaque devido à sua alta densidade nas capturas. Essa espécie foi a segunda mais capturada no atual estudo, correspondendo a 14% do total de exemplares (447 espécimes). A 38 importância de An. marajoara, espécie deste complexo, já foi demonstrada anteriormente no estudo conduzido por Conn e colaboradores em 2002 no Estado do Amapá. Nesse estudo, An. marajoara foi considerado mais abundante e antropofílico do que An. darlingi, além de ter tido taxas maiores de infecção natural por plasmódios. Em Serra do Navio, Estado do Amapá, An. albitarsis s.l. também foi a espécie mais frequente, sendo neste estudo considerada a principal vetora da malária na área, pois também apresentou altas taxas de infecção natural por Plasmodium (Póvoa et al., 2001). Póvoa e colaboradores (2006) também atestaram que An. albitarsis s.l. é o vetor mais importante e abundante na capital do Estado de Roraima, Boa Vista. Os resultados referentes à taxa de infectividade nos estudos anteriores diferem dos resultados obtidos no estudo atual, pois no período de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2013 nenhum An. albitarsis foi encontrado infectado nas áreas pesquisadas. De qualquer maneira é importante que as atividades de coleta e vigilância desta espécie continuem acontecendo. Em 2008, Rocha e colaboradores constataram que An. albitarsis s.l. é um importante vetor da malária em Marabá (PA) e região em decorrência de sua abundância e susceptibilidade ao plasmódio. Outras duas espécies capturadas em altas densidades no período de estudo foram An. nuneztovari e An. triannulatus. Apesar do An. nuneztovari já ter sido relatado como importante vetor da malária em países da América do Sul como Venezuela, Colombia e Suriname, na Amazônia essa espécie não desempenha um papel vetorial tão importante assim, apesar de ser frequentemente encontrado infectado (Faran & Linthicum, 1981). No presente estudo, dois exemplares de An. nuneztovari estavam infectados por P. vivax VK210. Anteriormente, a importância de An. nuneztovari como vetor de P. vivax VK210 na Amazônia já havia sido demonstrada em estudos de Tadei et al. (1988), Arruda et al. (1986) e Galardo et al. (2007). Em outro artigo, publicado por Tadei & Tatcher (2000), o estudo realizado em diversas áreas da Amazônia mostrou que An. nuneztovari também foi encontrado naturalmente infectado pelo P. falciparum, P. vivax e P. malariae, embora esse mosquito tenha sido considerado como um vetor de papel secundário na manutenção da transmissão da malária. Em relação à An. triannulatus, seu papel no contexto da transmissão da malária se assemelha ao de An. nuneztovari. No atual estudo, An. triannulatus não foi encontrado infectado, mas existem relatos na literatura que mostram que essa 39 espécie pode ser ocasionalmente um albergador do Plasmodium (Tadei & Tatcher, 2000; Galardo, et al., 2007; Póvoa et al., 2001). Embora relatos de infecção dessa espécie existam, An. triannulatus não é considerado como um vetor habitual de malária (Deane et al., 1948; Faran & Linthicun, 1981). Espécies como An. oswaldoi, An. galvaoi, An. peryassui, An. braziliensis e An. strodei também foram identificadas nas coletas, embora nenhuma tenha se apresentado naturalmente infectada. Entretanto, a literatura mostra que eventualmente An. oswaldoi pode aparecer infectado por plasmódios humanos e ser um potencial vetor da malária na Amazônia (Arruda et al., 1986; Oliveira-Ferreira et al., 1990; Rosa-Freitas et al., 1998, Branquinho et al.). Embora An. peryassui e An. braziliensis também já tenham sido encontrados infectados em outros relatos, observa-se que essas duas espécies tem apenas um papel secundário na transmissão da malária (Tadei & Tatcher, 2000; Póvoa et al., 2001). An. strodei já foi encontrado naturalmente infectado por Plasmodium vivax no estudo de OliveiraFerreira e colaboradores (1990). Outras duas espécies coletadas em menores proporções foram An. mediopunctatus e An. evansae. Neste estudo, nenhuma das duas espécies foi encontrada infectada. Entretanto, isso não significa que alguma dessas espécies não sejam albergadores do Plasmodium e possíveis transmissores da malária. Segundo a literatura, An. mediopunctatus pode ocasionalmente atuar como vetor da doença (Tadei & Tatcher, 2000). Por outro lado, An. evansae não tem sido relacionado à transmissão de malária (Marrelli et al., 2005). Os dados referentes à taxa de infectividade obtidos nas fichas do Laboratório de Pesquisas Básicas em Malária mostram que o parasito infectante mais encontrado pertence à espécie Plasmodium vivax. Dos dezenove mosquitos encontrados infectados, quatorze albergavam o Plasmodium vivax, dando sustentação a afirmação de que essa espécie de plasmódio é a principal causadora da malária não só no Pará, mas também no Brasil (Souza-Neiras et al., 2007; Da Silva-Nunes et al., 2012). Dados do SIVEP-Malária também complementam essa evidência. Em 2013, os casos de malária causados por P. vivax foram 17.920; por P. falciparum, foram 5.046 casos (www.saude.gov.br/sivep_malaria, acessado em 14/10/14). 40 5. CONCLUSÕES O Estado do Pará vivencia uma intensa redução no número de casos da malária desde 2010; O An. darlingi é o principal vetor da malária no Pará, por ser mais abundante e suscetível à infecção pelo plasmódio; Apesar de ter sido encontrado infectado por Plasmodium neste estudo, sugere-se que An. nuneztovari possui papel secundário na transmissão da malária no Pará; Os casos de malária causados por P. vivax continuam a ser maioria em comparação aos casos de malária causados por P. falciparum; 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE-NETO V. F.; POHLIT, A. M.; PINTO, A. C. S.; SILVA E. C. C.; NOGUEIRA, K. L.; MELO, M. R. S.; HENRIQUE, M. C.; AMORIM, R. C. N.; SILVA, L. F. R; COSTA, M. R. F.; NUNOMURA, R. C. S.; NUNOMURA, S. M.; ALECRIM, W. D.; ALECRIM, M. G. C.; CHAVES, F. C. M.; VIEIRA, P. P. R. 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