USO DE POPULAÇÕES DIVERGENTES PARA DETECÇÃO DE

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USO DE POPULAÇÕES DIVERGENTES PARA DETECÇÃO DE
III Simpósio Nacional de Melhoramento Animal
USO DE POPULAÇÕES DIVERGENTES PARA DETECÇÃO DE QTLS EM SUÍNOS
Simone E.F. Guimarães e Paulo Sávio Lopes
Departamento de Zootecnia - UFV
Rua P.H. Rolfs, s/n
36570–000 – Viçosa, MG
E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
No Brasil, de acordo com TALAMINI et al., 1997, o valor do Produto Interno Bruto da
Suinocultura foi de 8,7 bilhões de dólares em 1996, sendo um dos maiores do setor
agropecuário. O país apresenta um rebanho de cerca de 33 milhões de cabeças e tem
produzido cerca de 1,5 milhão de toneladas de carne por ano. De acordo com DESCHAMPS
(1998), no país, após anos de produção estagnada, a suinocultura vem crescendo em volume
de produção, utilizando novas tecnologias e obtendo melhores índices produtivos.
Tendo em vista a importância da exploração comercial de suínos, e que a espécie vem se
tornando uma opção para estudos comparativos com humanos, a detecção de QTLs
(Quantitative Trait Loci) em suínos torna-se uma importante ferramenta, não apenas por ser
um modelo genético muito favorável, mas também pela possibilidade de incorporar dados
gerados a programas industriais de melhoramento genético.
PROJETOS DE MAPEAMENTO DO GENOMA SUÍNO
O genoma suíno é composto por 19 pares cromossômicos, com comprimento de cerca de três
bilhões de pares de base de DNA, o que gera, tal como em humanos, um mapa em torno de 30
cM (centiMorgans). O propósito dos projetos de mapeamento é encontrar marcadores
genéticos que cubram o genoma produzindo um mapa em dois níveis: um mapa genético e um
mapa físico. O mapa genético mostra as distâncias entre marcadores estimada a partir da
quantidade de recombinações em cruzamentos experimentais. O mapa físico permite a
localização de grupos de ligação em cromossomos específicos.
De acordo com ROTHSCHILD e PLASTOW (1999), os esforços da comunidade científica
internacional têm sido significativos para o mapeamento do genoma suíno. Cientistas e
administradores têm realizado esforços cooperativos para que o mapeamento genômico das
espécies domésticas possa ser utilizado em programas comerciais. O PigMap Project
(ARCHIBALD et al., 1994) iniciou-se na Europa, financiado pela Comunidade Econômica
Européia. O PigMap envolve 18 laboratórios europeus, além de sete outros laboratórios dos
EUA, Japão e Austrália.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), deu início a dois processos: o
primeiro é um grande projeto desenvolvido no Meat Animal Research Center no Clay Center,
Nebraska; O outro é o National Animal Genome Research Program, desenvolvido sob
direção do USDA a partir de 1993. Este programa foi desenhado para promover uma estrutura
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que estimule a colaboração para o mapeamento genético em todas as espécies, incluindo
suínos. A partir de então, cientistas de entidades privadas e governamentais criaram o Swine
Genome Technical Committee.
A coordenação do US Pig Genome Project, associado a outros projetos, fez com que o status
do mapa genético suíno evoluísse muito rapidamente, sendo hoje um dos mais completos. Em
1989, 50 genes e marcadores estavam mapeados, em 1999, perto de 1800 genes e/ou
marcadores já tinham sido localizados, apesar de nem todos terem sido publicados. A tabela 1
cita exemplos de QTLs e genes identificados e usados pela indústria.
Tabela 1. Alguns QTLs e genes candidatos identificados e usados pela indústria.
QTLs
Crescimento
Cromossomos 1, 4, 6, 7, 13
Obesidade
Cromossomos 4, 6, 7, 13, 18
Comprimento intestinal
Cromossomo 4
Resposta imune
Cromossomos 1, 4, 6
Genes candidatos e principais
RYR1
Síndrome do estresse suíno
ECF18R
Diarréia
KIT
Cor de pelagem (branco dominante)
MC1R
Cor de pelagem (vermelho/preto)
HFABP e AFABP
Gordura intramuscular
Testes da indústria
Teste de paternidade
Uso não exclusivo
Teste do halotano
Qualidade de carne – uso não exclusivo
ESR
Tamanho de leitegada – uso exclusivo
MC1R
Cor vermelha/preta – uso exclusivo
Testes não disponíveis
Várias características
Fonte: Adaptado de ROTHSCHILD e PLASTOW, 1999
MAPEAMENTO DE QTLS E GENES CANDIDATOS
Por definição, QTLs são regiões cromossômicas relacionadas com a variação fenotípica das
características quantitativas. Como poucos locos economicamente importantes são
conhecidos, e os QTLs não têm suas bases moleculares definidas, estes têm sido referidos
mais como uma associação matemática do que como entidade biológica, sendo sua herança
acompanhada pelos marcadores. Portanto, QTLs podem ser melhor definidos como
associações estatísticas entre dados relativos a uma região genômica e a variabilidade
fenotípica existente entre populações segregantes (LI, 1998).
De acordo com BURROW e BLAKE (1998), os experimentos de mapeamento de QTLs
possuem três objetivos básicos: 1) localizar genes responsáveis pela variação fenotípica; 2)
fazer introgressão de cromatina exótica, e 3) servir como base para clonagens de QTLs
responsáveis por fenótipos específicos. A falta de uma definição molecular do que seriam os
QTLs pode estar contribuindo para que ainda não se tenham QTLs clonados.
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O mapeamento em animais domésticos envolve duas estratégias básicas: 1) cruzamento entre
duas populações divergentes que tenham fixado, ou estejam próximas da fixação para
diferentes alelos; 2) mapeamento de QTLs pode ser feito em populações comerciais utilizando
grandes pedigrees que possuam dados completos de acasalamentos. De acordo com
ANDERSSON et al. (1998), o cruzamento entre populações divergentes tem como vantagens:
1) alelos de grande efeito podem estar segregando; 2) maior poder nas análises estatísticas,
devido a alta heterozigosidade nos QTLs; 3) o poder das análises estatísticas aumenta, pois a
fase de ligação entre marcadores e dentro de QTLs devem ser consistentes entre toda F1; 4) o
aumento na heterozigosidade aumenta o número de marcadores e cruzamentos informativos.
Como principal desvantagem, um QTL detectado por meio deste delineamento pode ou não
estar controlando a variação genética dentro de populações comerciais, devendo ser testado
antes de qualquer introgressão.
Com relação aos marcadores utilizados nos programas de mapeamento genômico tem-se
também basicamente duas opções: os microssatélites e os genes candidatos. Os
microssatélites têm sido considerados como os marcadores de eleição em programas de
varredura genômica, pois apresentam todas as qualidades requeridas em um bom marcador:
são altamente polimórficos, sua herança é Mendeliana (ao contrário da herança poligênica dos
QTLs), são abundantes e espalhados aleatoriamente pelo genoma, e sua análise permite a
amplificação por PCR.
Os genes candidatos por sua vez são genes sequenciados de função biológica conhecida e que
estão envolvidos com o desenvolvimento da característica. Podem ser genes estruturais ou
genes regulatórios em uma via bioquímica que afeta o caráter. ROTHSCHILD e SOLLER
(1997) citam que a metodologia de estudo de genes candidatos não é cara e que apresenta
muitas vantagens tais como: alto poder estatístico, ampla aplicabilidade, baixo custo,
simplicidade operacional e conveniente aplicação a MAS (Marker Assisted Selection). Como
principais passos no estudo de genes candidatos, os autores enumeram: escolha dos genes;
obtenção dos primers para amplificar o gene; busca dos polimorfismos; desenvolvimento de
técnicas práticas de genotipagem em larga escala; busca de associações entre o gene candidato
e o fenótipo da característica.
IDENTIFICAÇÃO DE QTLS EM POPULAÇÕES DE SUÍNOS
GENETICAMENTE DIVERGENTES
Em suínos, os projetos de mapeamento genômico, têm-se utilizado de cruzamentos entre raças
comerciais (Landrace, Large White, Pietran) e raças comuns (selvagens, tipo banha ou
nativas). Nos EUA, têm sido utilizadas as raças chinesas, e as equipes européias têm utilizado
o porco selvagem europeu como “contraste” para seus cruzamentos divergentes.
No Brasil, em 1998, iniciou-se no Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de
Viçosa a construção de uma população segregante de suínos, utilizando como base genética
20 fêmeas de linhagens comerciais e 2 machos da raça nativa Piau. Estes cruzamentos
permitiram a seleção de 54 fêmeas e 6 machos F1, que foram acasalados com inicio do
nascimento da geração F2 - que deve ter em torno de 450 animais - marcado para final do 1º
semestre de 2000.
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Pouco se sabe a respeito da origem das raças suínas brasileiras, tem–se especulado que as
mesmas são provenientes de suínos trazidos pelos portugueses durante o período colonial,
havendo ainda indícios de influência de porcos holandeses e mesmo de animais procedentes
da África à época do tráfico de escravos (VIANNA, 1985). As raças nativas, vinham sendo
criadas em pequenas propriedades rurais onde pela rusticidade e grande adaptação às
condições de manejo precário exigiam poucos cuidados alimentares e sanitários, fornecendo
às populações além da carne, a banha de que necessitavam (FRANÇA, 1991). Entretanto, esta
tendência foi invertida durante a década de 90. Poucos animais são remanescentes destas
raças em todo o país. Criatórios considerados como referência foram extintos e com ele as
raças, que estão em vias de extinção. Suas principais características fenotípicas, como a
produção de gordura, já não interessam mais ao consumidor, o que vem restringindo o
mercado para venda destes animais.
Para formação de populações referência para estudos de mapas de ligação e efeitos de QTLs e
genes candidatos, estes animais possuem um grande potencial ainda não explorado. Além do
seu fenótipo relativo a deposição de gordura/carne ser o oposto das raças comerciais, as raças
nativas apresentam extrema resistência a condições precárias de manejo e doenças. IRGANG
(1986) cita que a preservação do potencial genético destas raças poderia ser útil, para
eventuais cruzamentos destinados a aumentar a rusticidade de animais derivados
exclusivamente de raças importadas. Portanto, somando-se a divergência existente entre as
raças escolhidas para originar a população de referência, com o imenso conhecimento que já
existe sobre o genoma suíno, fica claro o potencial multiplicador destas pesquisas genômicas.
Todos os animais parentais e da geração F1 estão sendo genotipados, tanto para marcadores
anônimos, tipo microssatélite, quanto para genes candidatos (leptina, receptor da leptina,
hormônio de crescimento, fatores miogênicos, fatores de crescimento, entre outros). Assim
que a geração F2 nascer, esta será genotipada e avaliada para as características: conversão
alimentar, taxa de crescimento, avaliação da carcaça in vivo (área de olho de lombo e
espessura de toucinho), e pós abate (rendimento, cortes e qualidade de carne). Numa segunda
etapa do mesmo projeto, pretende-se avaliar as características de resistência a doenças e
reprodutivas.
IDENTIFICAÇÃO DE MARCADORES DE RNA MENSAGEIRO
Com a evolução dos métodos de análise gênica, têm surgido técnicas otimizadas de extração e
amplificação de RNA genômico. A primeira delas, a RT-PCR (Reverse Transcription –
Polimerase Chain Reaction), é uma técnica extremamente sensível, possibilitando a detecção
da expressão de genes específicos em pequenas amostras de tecido, ou até em poucas células.
Pela RT-PCR, faz-se após a extração do RNA, a síntese do cDNA (DNA complementar), que
é então amplificado especificamente para um determinado gene. Uma técnica alternativa é a
DDRT-PCR (Differential Display Reverse Transcription –Polimerase Chain Reaction), que
permite após a síntese do cDNA amplificar e detectar sequências diferencialmente expressas
(LIANG e PARDEE, 1992). Ao contrário da RT-PCR, a DDRT-PCR se utiliza de primers
arbitrários, que permitem a amplificação de várias sequências aleatórias – mesmo as expressas
em baixos níveis – em uma única reação de PCR. Estas sequências após amplificadas são
clonadas e sequenciadas, permitindo a identificação dos genes expressos.
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A DDRT-PCR por ser um método poderoso para elucidar diferenças e/ou mudanças na
expressão gênica entre animais com fenótipos divergentes, tem sido também utilizada no
projeto desenvolvido pelo Departamento de Zootecnia da UFV como uma das ferramentas na
detecção de polimorfismos entre a raça nativa e as raças comerciais utilizadas em seus
cruzamentos.
Os marcadores de RNA permitem que sejam identificadas sequências gênicas importantes
para a expressão do fenótipo no momento em que este está ocorrendo. O DNA ao contrário, é
o mesmo para todas as células do animal, independente de seu estado fisiológico e de suas
interações genéticas e com o ambiente. Por este motivo e pela alta sensibilidade das técnicas
utilizadas na obtenção de seus marcadores, acredita-se que o RNA possa ser fonte importante
de informações, auxiliando rotineiramente a identificação de major e minor genes na genética
e no melhoramento animal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERSSON, L., ANDERSSON, K., EKLUND, L.A. et al. Mapping of QTLs for growth
and fatness in the pig. In: Molecular dissection of complex traits. 1º ed. CRC, p. 241-254.
1998.
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map of the pig (Sus scrofa). Mammalian Genome, 6:157-175. 1994.
BURROW, M.D., BLAKE T.K. Molecular tools for the study of complex traits In: Molecular
dissection of complex traits. 1º ed. CRC, p. 13-30. 1998.
DESCHAMPS, J.C. A cadeia produtiva na suinocultura; In: Agronegócio Brasileiro.
CNPq/MCT, p. 239-256. 1998.
FRANÇA, L.R. Análise morfofuncional da espermatogênese de suínos adultos da raça Piau.
Tese MS. UFMG. 185p. 1991.
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LI, Z. Molecular analysis of epistasis. In: Molecular dissection of complex traits. 1st ed. CRC,
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polimerase chain reaction. Science, 257:967-971, 1992.
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