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METODOLOGIA DE MODELAGEM DE QUALIDADE DE ÁGUAS PARA RIOS URBANOS Felipe Fraguas de Castro [email protected] Resumo Este trabalho pretende propor uma metodologia de simulação eficiente e de baixo custo da qualidade de águas de rios urbanos para a Fundação Rio-Águas, órgão gestor de recursos hídricos da Prefeitura do Rio de Janeiro. O intuito é que o processo proposto se encaixe na etapa de modelagem do programa Qualidade de Águas Urbanas (QAU), que suportará a tomada de decisão acerca de ações de melhoria e recuperação dos rios do município, proposta no plano diretor da cidade. Foi utilizado o pacote ArcGis com ferramentas próprias desenvolvidas no Microsoft Excel. O modelo proposto compreende algumas rotinas que agilizam a execução de simulações, o que libera o recurso humano para outras atribuições. A teoria para a modelagem se baseia no modelo clássico de Streeter-Phelps, considerando a desoxigenação no consumo de matéria orgânica (DBO) e a reaeração atmosférica prevista pela lei de Henry. Palavras-Chave – Qualidade de Águas. Simulação. Modelagem. URBAN RIVER WATER QUALITY MODELING METHODOLOGY This paper proposes a methodology for efficient and low cost urban river water quality simulation for Rio-Águas Foundation, the management body of the City of Rio de Janeiro’s water resources. It’s intended that this process fits into the modeling step of the local Urban Water Quality program, planned to support decisions regarding improvement and recovery of the city’s rivers, as proposed in the city’s management directives. Along with the ArcGIS package, software includes exclusive tools developed in Microsoft Excel. The proposed model includes some routines that quicken the execution of the simulations, freeing up human resources for other duties. The theoretical basis of the modeling is the classic Streeter-Phelps model, considering deoxygenation in the decomposition of organic matter (BOD) and atmospheric reaeration proposed by Henry's law. Keywords – Water quality. Simulation. Modeling. INTRODUÇÃO O Rio de Janeiro é uma cidade repleta de rios, arroios e nascentes. No entanto, a falta de planejamento de gestões passadas para a manutenção desses corpos hídricos permitiu que urbanização rápida degradasse a grande maioria. Certos rios, como o Maracanã e o Acari, parecem esgotos e lixões a céu aberto, e arrastam até as baías de Guanabara e Sepetiba, as lagoas de Jacarepaguá e o mar grandes quantidades de matéria orgânica e lixo. Isso dificulta o uso dessas XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1 áreas para pesca, recreação e transporte, prejudica imagem e economia locais e ainda atinge a saúde pública. Pensando em reverter a situação, o município colocou a qualidade de águas urbanas no seu plano diretor, e toma passos para poder realizar ações de recuperação nesses corpos d’água. Antes de empregar verbas públicas ou implementar leis que prejudiquem a população e a indústria locais em prol da qualidade de águas, o município precisa de algum tipo de previsão para embasar suas decisões. Paralelamente, seria ideal que essas simulações, a serem desenvolvidas pela Rio-Águas, tivessem o mínimo custo associado, por serem uma atividade de suporte ao planejamento. Essas foram as premissas para que esse projeto fosse desenvolvido, fruto da parceria entre o IME e a RioÁguas. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Pode se entender um modelo como uma representação simplificada da realidade. Esta metodologia de modelagem se baseia no modelo clássico de Streeter-Phelps, que considera a desoxigenação pelo consumo de matéria orgânica e a reaeração atmosférica para manter o balanço de oxigênio dissolvido (OD). Suas premissas são o fluxo em pistão, a mistura instantânea e as condições aeróbias do meio. A equação de Streeter-Phelps, EDO de primeira ordem apresentada em 1, expressa esse balanço em termos das concentrações de demanda bioquímica de oxigênio (DBO) e déficit de oxigênio (D), ambas variantes no tempo. dD/dt = k1 L – k2 D (1) Considerando que a DBO é mais exercida quanto maior for sua concentração, admite-se que essa é exercida segundo uma reação cinética de 1ª ordem, ou seja, decresce exponencialmente no tempo segundo a constante k1. O déficit de oxigênio pode ser interpretado como a diferença entre a concentração de saturação e a concentração existente de oxigênio dissolvido na água. Assim, podese determinar a curva de concentração de oxigênio dissolvido nesse trecho do rio, aplicando as duas premissas anteriores na solução da Equação 1. OD(t) = ODsat – [k₁ L₀ /(k₂ – k₁)](e –k₁t – e –k₂t) – D₀ e –k₂t (2) Portanto, são parâmetros k1, k2 e ODsat e são condições iniciais L0 e D0. Para obter esses parâmetros seria preferível realizar testes de campo, mas, como esses tendem a ser custosos, serão adotados valores com base em resultados de ensaios empíricos. Há estudos que relacionam a constante k1 às condições de limpeza do Rio. A constante k2 está relacionada às propriedades hidráulicas do fluido e pode ser determinada por alguns métodos disponíveis na ferramenta Excel. A concentração ODsat é função da temperatura da água e da altitude. Já as condições iniciais dependem do escoamento que chega no trecho. Essa solução pode ser aplicada em trechos de rio sem novas descargas de matéria orgânica. Sempre que houver um aporte de efluentes ou uma afluência, deve ser aplicada nesse ponto a hipótese de mistura instantânea entre o fluxo existente e o fluxo recebido e, para jusante, alteradas as entradas da equação para essas novas condições iniciais. A hipótese de fluxo em pistão garante que as mudanças não se propagarão para montante, ou seja, tudo o que foi calculado para as seções anteriores continuará válido. Considerando a velocidade média do escoamento em cada trecho, a variável tempo da equação 2 pode ser transformada em distância percorrida no rio, multiplicando o tempo pela velocidade no trecho. Portanto, o que a modelagem determina é a curva de concentração de oxigênio dissolvido ao longo do comprimento do rio. A determinação da velocidade sem realizar ensaios pode ser feita pela Equação de Manning, apresentada em 3, admitindo algumas XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 2 Comentado [V1]: ? aproximações para a seção transversal que definirão Rh e estimando a declividade I0 e o coeficiente de rugosidade de Manning, n. v = n–1 Rh2/3 I01/2, onde (3) Rh = (B – 3ZY) / (B+2Y ((1+Z2)1/2 – Z)) ou Rh = D/4, (4) sendo B, Z e Y a largura de topo, o talude e a profundidade para uma seção admitida trapezoidal ou D o diâmetro para uma seção admitida semicircular. O gráfico da Fig. 1 ilustra a solução da equação, sendo L, no eixo horizontal, a distância em metros à jusante do ponto de lançamento. Essa solução adota parâmetros com valores centrais dos intervalos em que geralmente se encontram, e adota Lrio e Drio a partir de valores sugeridos na literatura. A vazão do rio no exemplo é de 1,0 m3/s e a velocidade média no trecho, de 0,025 m/s. O efluente tem vazão de 50 L/s, DBO de 500 g/m3 e nenhum oxigênio dissolvido, pior caso, adotado para um efluente lançado sem tratamento. Os valores de L0 e D0 são obtidos aplicando a hipótese de mistura perfeita entre o rio e o efluente. DBO e OD ao longo de um rio: Autodepuração Conceitual Concentração (g/m3) 30 25 20 15 10 5 0 0 5000 10000 15000 20000 25000 Distância (m) OD DBO L crítico OD crítico Figura 1 – Exemplo de solução do modelo de Streeter-Phelps, adotando k1 = 0,3 dia-1, k2 = 1,0 dia-1, ODsat = 8,0 g/m3, Lrio = 3,0 g/m3 e Drio = 6,4 g/m3. O objetivo de se modelar o oxigênio dissolvido é garantir que a concentração dele é suficiente para suportar a vida no rio, de acordo com os padrões normativos estabelecidos pelo órgão regulador. Se o corpo d’água consegue decompor a matéria orgânica mantendo seu oxigênio dissolvido acima do limite mínimo, estará ocorrendo o fenômeno de autodepuração. Se o oxigênio estiver abaixo do mínimo e o corpo d’água não se recuperar, diz-se que iniciou o processo de eutrofização. Nesse processo, os organismos anaeróbios, que utilizam aceptores finais de elétrons diferente do oxigênio e produzem gases malcheirosos, substituem os aeróbios, degradando o corpo d’água e desvalorizando o seu entorno. Comentado [V2]: Terminar rápido detalhamento do processo amanhã METODOLOGIA A metodologia proposta se baseia em um ciclo de PDCA, com etapas de planejamento da coleta de dados e entradas na ferramenta, seguida de uma etapa de execução da modelagem considerando as condições presentes e uma etapa subsequente de calibração. A proposta é que a simulação compare as condições presentes com cenários caso a prefeitura realizasse alguma ação. Portanto, segue uma nova etapa de execução, desta vez criando os cenários modificados e os XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 3 simulando. Os resultados são analisados e caberá ao modelador acompanhar as mudanças na região para agir atualizando o modelo e simulando novamente a condição presente. Figura 2 – Mapa do Processo de Modelagem Proposto O uso do ArcGis se faz necessário nas das etapas de planejamento. Construir o modelo da bacia envolve identificar fontes poluidoras e redes de lançamento de efluentes, definir os nós da bacia e as áreas que drenam para esses nós, estimar a população dessas áreas e das áreas esgotadas por redes, para estimar vazão e DBO lançadas e ainda usar propriedades geométricas para estimar a velocidade do escoamento. Todas essas informações são obtidas de forma conveniente em um software de SIG e tem a vantagem de poderem ser automatizadas, redução dos equivalentes a tempo completo necessários para a simulação que não foi implementada nesse trabalho. Recomenda-se que, na etapa de definição da bacia, seja feito um levantamento dos dados de campo existentes e estudada a possibilidade de implantar estações de medição, visto que serão necessárias para monitoramento futuro do corpo d’água. Em paralelo, sugere-se criar toda a estrutura de dados geográficos, solicitando as camadas vetoriais necessárias aos bancos de dados e criando as camadas que serão necessárias. A definição dos nós deve ser feita equilibrando simplicidade e complexidade. Isso porque o ideal seria definir um nó em cada ponto onde houvesse uma afluência de tributário ou descarga de rede, porém esse preciosismo tornaria o modelo complexo demais, exigindo do modelador muito tempo para realizar a simulação. Os nós serão os elementos de iteração da ferramenta, e carregam as informações do ponto, como o aporte de vazão, DBO e OD, as afluências e a elevação, e do trecho de rio à jusante, como comprimento, velocidade e parâmetros de autodepuração. As figuras 3, 4, 5 e 6 mostram capturas de tela da ferramenta calculadora de OD. As áreas de contribuição dos nós são as áreas que drenam até eles, podendo ser calculadas analisando as curvas de nível ou utilizando ferramentas próprias do AutoCAD Civil 3D. Uma das aproximações admitidas pelo modelo é a de que todo o efluente gerado pela população da área de XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 4 contribuição será lançado no nó para o qual essa área drena, salvo área atendidas por redes que drenem para outros nós. É uma aproximação que visa construir o pior caso de lançamento, no qual não há tratamento ou sistemas de esgotamento individuais, como fossas, sendo adotados. As populações das áreas de contribuição são estimadas admitindo-se que a densidade demográfica dos setores censitários é uniforme. Os setores censitários dificilmente coincidirão com a área de contribuição, portanto, para determinar a população da área, faz-se a interseção de cada setor censitário j com cada área de contribuição i, e determina-se a fração do setor que essa interseção representa, fij. O vetor da população de cada área i, Popi, é calculado como o produto do vetor das populações dos setores, Popj, pela matriz das frações fij, como na equação 5. [fij] * [Popj] = [Popi] ou Popi = ∑ fij Popj, com fij = (Ai∩Aj)/Aj (5) Na etapa de definição de parâmetros e dados de entrada, são escolhidos os métodos que serão adotados para determinar esses valores. No mapa do processo, alguns desses itens estão ligados a etapas anteriores; são pré-requisitos. A definição de fontes pontuais permite determinar a carga que essas fontes lançam. Similarmente, as cargas dispersas são estimadas com base na população de cada área de contribuição, multiplicando a população por uma estimativa contribuição diária – adota-se como base vazão de retorno de 80% do consumo diário de 200 L/hab.dia e DBO de 540 g/hab.dia. Existe uma segunda planilha para determinar os aportes de forma mais direta. Os dados hidráulicos em sua maioria vêm de cálculos em cima da geometria no ArcGis, enquanto os parâmetros de autodepuração são estimados com base em uma seleção de modelos já incluída na ferramenta. Executada a simulação, que se resume a executar um par de rotinas em VBA para cálculo e plotagem da concentração de OD ao longo do comprimento, compara-se o resultado obtido com algum resultado de campo, de modo a obter um fator de ajuste para majorar o resultado da simulação – isso é feito exclusivamente no caso em que o resultado teórico é menor que o real. Caso não haja dados reais e mesmo assim se queira ajustar a modelagem, sugere-se executar uma Simulação Monte Carlo considerando distribuições uniformes para os parâmetros e dados de entrada, o que pode consumir tempo devido ao elevado número de incertezas. Estuda-se então quais entradas deveriam ser alteradas para considerar um cenário diferente. No entanto, procura-se alterar ao mínimo o modelo obtido até aqui, focando em fazer alterações nas taxas de tratamento equivalentes, αeq, de acordo com a equação 6. Nessa equação, L, L’, α0 e α’0 a representam as concentrações de DBO no efluente e as taxas de tratamento antes e depois da alteração. Faz-se essa consideração porque as taxas equivalentes consideram o efluente lançado, e não o efluente produzido. αeq = 1 – (L’/ L) (1 – α’0) / (1 – α0) (5) Após serem executadas as simulações modificadas, faz-se a análise dos resultados. Tendo em vista que muitos dos resultados derivam de estimativas e simplificações, não se espera destas simulações curvas precisas da concentração do oxigênio dissolvido. Pelo contrário, o que esta metodologia se propõe a fazer é uma comparação entre a curva obtida no cenário original e as curvas obtidas nos cenários modificados, de modo a definir de qual modificação se espera observar o melhor resultado e o quão melhor espera-se que esse resultado seja. Essa conclusão pode ser utilizada para auxiliar o poder público municipal a definir onde e como empregar recursos ou quais regras de zoneamento poderiam ser adotadas para diminuir o impacto da população sobre os recursos hídricos. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 5 Fig. 3 – Entradas e Fórmulas da planilha de cálculo de OD: entradas. ´´ Fig. 4 – Entradas e Fórmulas da planilha de cálculo de OD: coeficiente de desoxigenação; k1. Fig. 5 – Entradas e Fórmulas da planilha de cálculo de OD: coeficiente de reaeração, k2. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 6 Fig. 6 – Entradas e Fórmulas da planilha de cálculo de OD: resultados. CONCLUSÃO A metodologia de simulação proposta atende aos requisitos iniciais de baixo custo e praticidade, porém está tão sujeita a alterações quanto o programa na qual se encaixa. Reconhece-se que há muito espaço para melhoria. Algumas possibilidades seriam considerar mais fenômenos no modelo de equilíbrio do oxigênio dissolvido; obter modelos estatísticos locais para estimação de parâmetros como k1, k2 e vazão; reformular os recursos iterativos, para que realizem cálculos de forma menos discreta nos trechos do rio; automatizar mais etapas do processo de construção do modelo a simular; ou ainda construir estações de monitoramento de modo que o modelo possa ser calibrado especificamente para as condições de cada rio. REFERÊNCIAS LEE, F. F. 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