- REDINTER
Transcrição
- REDINTER
A Intercompreensão entre o Português e o Espanhol: Diferenças fonético-fonológicas e Lexicais. João Malaca Casteleiro Susana Reis Vários autores defendem que nativos de línguas próximas têm uma vantagem inicial que vai facilitar a aprendizagem e motivar o aprendente. No caso do Português e do Espanhol essa vantagem está relacionada com o facto de as duas línguas serem demasiado próximas. Comparando as duas línguas podemos constatar que a maior semelhança é a nível lexical, cerca de 85% das palavras possuem uma origem comum, mas por outro lado no campo fonético-fonológico encontramos grandes diferenças entre as duas línguas, uma vez que o sistema fonético-fonológico do português é mais complexo. A escrita, por ser mais normativa, é a componente com maior semelhança entre as duas línguas. Na oralidade ocorre uma situação semelhante, em que quanto mais nos distanciamos da norma culta, maior é a distância entre as duas línguas. Na aprendizagem de duas línguas tão próximas as interferências não se vão produzir apenas nas matérias que são diferentes, mas principalmente naquelas que são mais próximas ou semelhantes. A vantagem inicial dos aprendentes desaparece facilmente à medida que evolui a sua aprendizagem para níveis intermédios ou avançados, podendo nesta altura tornar-se mesmo numa desvantagem. O caminho a percorrer entre as duas línguas é curto, uma vez que falamos de línguas muito próximas, mas também é um caminho demorado, uma vez que tem de se criar uma consciência linguística nos aprendentes, realçando as semelhanças e as diferenças que ocorrem entre as duas línguas com o objectivo de minimizar as interferências e avançar no processo de aquisição da língua alvo. Se não, corremos o risco de o aprendente se fixar numa Interlíngua mais ou menos distante do objectivo final. As semelhanças interlinguísticas têm algumas repercussões no percurso do aprendente e exemplo disso são os chamados falsos amigos, falsos cognatos ou heterossemânticos. No caso do Português e do Espanhol são palavras normalmente derivadas do Latim, com ortografia semelhante ou idêntica, mas que ao longo dos tempos com a sua evolução acabaram por adquirir significados diferentes. Almeida Filho (1995) afirma que o léxico entre as duas línguas é constituído da seguinte forma: 60% de cognatos idênticos e 30 % de cognatos falsos. A aprendizagem do Português por parte dos aprendentes de língua espanhola é vista como uma tarefa desnecessária, uma vez que existe uma compreensão recíproca quando falam cada um a sua própria língua. Quando o contacto entre os aprendentes se torna mais prolongado, predomina uma sensação de “falsa amizade” (Calvi, 2004). Assim, o facto de a semelhança entre as línguas se transformar em divergência depende, em parte, dos processos de evolução das mesmas, por vezes paralelos, por vezes divergentes. Às raízes etimológicas comuns correspondem frequentemente diferenças semânticas e as semelhanças estruturais ramificam-se numa rede complexa de contrastes ao nível da norma e do uso. O falante comum não tem consciência destes processos e, na tentativa de se aproximar da outra língua, sente insegurança, ao confrontar-se com as numerosas ambiguidades e equivalências mais ou menos parciais. (Calvi, 2004). Os aprendentes de língua materna espanhola, de uma maneira geral, não podem ser considerados aprendentes principiantes de Português, uma vez que, sem nenhum ou quase nenhum conhecimento desta língua, eles têm à sua disposição conhecimentos e competências comuns entre o Espanhol e o Português. A semelhança resultante da proximidade leva os aprendentes a perceberem mais facilmente o que é semelhante em vez do que é diferente. Isto leva-nos ao chamado Portunhol (Interlíngua), que, tendo em conta as suas características próprias, necessita de abordagens, métodos e técnicas específicas, com o objectivo de diminuir o tempo em que os aprendentes permanecem nesta etapa da aprendizagem. Diferenças fonético-fonológicas O domínio da língua falada começa com a compreensão do oral e esta, por sua vez, com o reconhecimento das palavras na produção oral. Conseguir delimitar a sequência de fonemas que corresponde a cada unidade semântica, dentro da cadeia sonora é um desafio que se coloca ao aprendente. Este desafio melhor se compreende se considerarmos que o aparelho articulatório do ser humano é extremamente limitado, comparado com as capacidades de comunicação criadas pela sua mente. O uso que o ser humano faz do seu aparelho articulatório varia de língua para língua. Isto explica o facto de as interferências entre duas línguas se tornarem mais evidentes na pronúncia. A interferência fonológica da língua materna na língua alvo, na maioria dos casos, permanece para sempre, mesmo quando o aprendente já adquiriu total domínio sobre o vocabulário e a gramática da língua estrangeira. O estudo fonológico detalhado dos contrastes entre a língua materna e a língua alvo vai ajudar o aluno a tomar consciência de que os sons de um e de outro idioma não são exactamente iguais e que essas diferenças podem ser relevantes, afectando o seu entendimento. No momento da aquisição da produção oral é importante impedir a comunicação espontânea, precipitada, evitando por parte do locutor a compreensão do todo, mesmo que as expressões não tenham sido adequadas. Esta comunicação espontânea muitas vezes apoia-se numa colagem do sistema da língua materna à língua alvo. Deveremos então concentrar-nos nesta percepção por parte do aprendente, tentando saber como este a construiu, para que a possamos posteriormente desconstruir. Em relação à estrutura fonológica do Português e do Espanhol, o aprendente de língua materna espanhola depara-se com bastantes dificuldades na produção de sons do sistema do Português. Uma delas, por exemplo, diz respeito a certas palavras que apresentam certas vogais e que se tornam difíceis de pronunciar por falantes de espanhol, uma vez que o seu sistema fonético não tem este tipo de vogais. Qualquer hispano-falante acredita que pode entender e fazer-se entender em situações de comunicação com falantes de língua portuguesa, isto porque existe uma grande facilidade de compreensão do texto escrito em português mesmo que nunca tenham estudado a língua. A semelhança entre as duas línguas é uma vantagem para a aprendizagem rápida, mas uma desvantagem para uma aprendizagem correcta e consciente, uma vez que, ao alcançar uma etapa mais avançada na sua aprendizagem, o aprendente defrontase constantemente com pequenas diferenças entre as duas línguas, mas diferenças estas que podem trazer alguns inconvenientes. Uma outra desvantagem ao nível fonético-fonológico, quando se fala da aprendizagem de duas línguas tão próximas, é que o aprendente acaba por tentar encontrar, na sua língua materna, estruturas semelhantes que lhe possibilitam uma pronúncia aproximada, ao contrário do que é pretendido, ou seja, a pronúncia correcta da língua. Os sistemas gráficos do Português e do Espanhol também revelam grande proximidade, o que constitui outra das vantagens para a compreensão rápida das duas línguas, mas, por sua vez, esta aparente proximidade leva o aprendente espanhol ao erro na pronúncia das palavras, em que mais um vez ele tenta articular a palavra portuguesa de igual forma que a sua correspondente na língua espanhola. Um dos grandes entraves à aprendizagem da pronúncia correcta da língua portuguesa é o sistema das vogais. A língua portuguesa tem oito vogais orais, as altas [i] e [u] e as restantes que se dividem em abertas e fechadas. Estas são as mais problemáticas para o aprendente cuja língua materna é o Espanhol. É muito importante fazer a distinção entre as vogais abertas e as fechadas, uma vez que existem muitas palavras que se distinguem apenas pelo timbre da sua vogal tónica, como acontece, por exemplo, com os verbos da 1ª conjugação (terminados em – ar), em que as formas da 1ª pessoa do plural no presente e no pretérito perfeito do indicativo se distinguem pelo timbre da vogal tónica, reflectido, aliás, na diferença da acentuação: nós falamos (presente indicativo), com fechamento da vogal tónica e sem acento gráfico vs nós falámos (pretérito perfeito do indicativo), com abertura da vogal tónica e acento gráfico. As vogais átonas apresentam-nos outro tipo de problemas. No Português europeu as vogais átonas e e o pré-tónicas e pós-tónicas quase não são articuladas, ao contrário do que sucede em Espanhol. Daí o dizer-se que os portugueses são vocalófagos. Assim, palavras como menino, bondade, domínio articulam-se com e e o relaxados, o que leva ao seu quase desaparecimento, o que constitui um grande entrave para a compreensão. No que diz respeito às consoantes, existe no Português padrão uma diferença clara de articulação entre b e v, ao contrário do que sucede, a nível regional, em toda a zona norte de Portugal. Existem, por outro lado, em Português os grafemas lh e nh, que equivalem respectivamente a ll e ñ em Espanhol. As sibilantes são aquelas que apresentam maiores dificuldades na aprendizagem por parte de falantes de espanhol, uma vez que estas são linguodentais (Cunha e Cintra, 1984) e as castelhanas são ápicoalveolares. As formas sonoras destas consoantes apresentam também dificuldades, uma vez que não existem na língua espanhola. O grafema x, por ter várias realizações fonéticas, é também dos que oferecem mais dificuldades de articulação, uma vez que será necessário conhecer previamente as palavras com ele escritas. Esta breve referência ao sistema fonético-fonológico do Português mostra-nos algumas dificuldades de pronúncia que os aprendentes encontram, pelo que se torna necessário, durante o processo de aquisição da língua, chamar a sua atenção para este tema e torná-los conscientes deste facto. O momento ideal para o desenvolvimento de uma boa pronúncia será o inicio da aprendizagem, quando o aprendente constrói uma matriz fonológica da língua alvo e quando os desvios de pronúncia correm o risco de se cristalizarem. Diferenças Lexicais É no campo lexical que, com a análise contrastiva das duas línguas, surge a questão dos falsos amigos, palavras que possuem uma grafia e/ou sonoridade semelhante, mas apresentam significados diferentes. Esta relação de “falsa amizade” pode ocorrer em pelo menos três situações diferentes: em palavras que são graficamente semelhantes, mas que foneticamente são diferentes, como “academia“ (Português) “ academia“ (Espanhol); em palavras que alteram de género entre as duas línguas, como por exemplo “ a dor “, (Português) “ el dolor “, (Espanhol); em palavras que derivam do mesmo étimo latino e que, com ortografia semelhante, apresentam significados diferentes, como acontece, por exemplo, em “ esquisito“ (Português), com o significado de «algo estranho», e “ exquisito“ (Espanhol), que significa «algo delicioso ou de muito bom gosto». Este tipo de expressões lexicais, que muitas vezes coincidem gráfica e foneticamente nas duas línguas, implica uma tal variação de significado que pode criar confusões e provocar erros. Os erros mais frequentes na tradução entre o português e o espanhol e vice-versa ocorrem devido ao desconhecimento dos falsos amigos. Estas falhas podem levar à perda do verdadeiro sentido do texto original. O número de falsos amigos varia de acordo com a proximidade das duas línguas. Alguns estudos referem que o número de falsos amigos entre duas línguas depende directamente da sua proximidade, isto é, quanto mais próximas são as línguas, mais situações de “ falsa amizade “ ocorrem. Conforme já foi referido, Almeida Filho, in Português para Estrangeiros – Interface com o Espanhol, afirma que os léxicos do Português e do Espanhol apresentam 30% de falsos amigos. A título exemplificativo, apresentamos a seguir um quadro com alguns dos mais frequentes falsos amigos: PORTUGUÊS ESPANHOL ESPAÑOL PORTUGUÉS aborrecer aburrir/molestar aborrecer detestar aceitar aceptar aceitar lubrificar com óleo aceite (p.p.) aceptado aceite óleo acordar = / despertar acordarse lembrar-se anedota chiste anécdota história breve/episodio real apagar = / borrar apagar = (apagar) apaixonado enamorado apasionado afeiçoado/partidário apurar purificar apurar apurar, acabar asa ala asa cabo/pega assinatura firma asignatura disciplina/cadeira aula clase (lección) aula sala (de uma escola) azar mala suerte azar balão globo balón casualidade bola balcão mostrador balcón varanda bodega porquería bodega adega / armazém bola balón / pelota bola globo brincar bromear / jugar brincar saltar brinco pendiente brinco salto cadeira silla cadera anca cana caña / carrizo cana cabelo branco (cã) cena escena cena jantar verdadeiro certo correcto cierto coche carruaje (antiguo) coche carro coelho conejo cuello pescoço competência = (cualificación / incumbencia) competencia = / concorrência conforme según conforme conformado / resignado contestar manifestarse contra contestar responder desenvolver desarrollar desenvolver desembrulhar doce dulce/mermelada doce doze embaraçar enredar / embrollar embarazar tornar grávida / engravidar encerrar cerrar encerrar prender / fechar à chave engraçado gracioso / mono engrasado lubrificado envolver involucrar envolver enrolar / embrulhar / = (envolver) escritório oficina escritorio secretária estufa invernadero estufa fogão exprimir expresar exprimir espremer / torcer a roupa fechar cerrar fechar datar isenção neutralidad / = (exención) exención isenção lã lana la (art.) a (art.) largo ancho / plaza largo comprido / longo logo de inmediato luego depois mas pero, mas más mais ninho nido niño criança / rapaz nota = (nota, calificación) / billete de banco nota = (nota, qualificação) / factura / talão oficina taller oficina escritório / gabinete pegada pisada pegada encolada pegar agarrar/coger (Esp.) pegar bater pescoço cuello / pescuezo pescuezo pescoço (animais) polvo pulpo polvo pó presunto jamón serrano presunto suposto rato ratón rato momento ronha maña / pereza roña sarna ruivo pelirrojo rubio loiro salada ensalada salada salgada salsa perejil salsa molho seta flecha seta cogumelo sucesso éxito suceso acontecimento taça copa tasa taxa talher cubierto (cuchara, tenedor, cuchillo) taller oficina tirar quitar / agarrar / sacar / tomar... tirar atirar / deitar / puxar vaga ola grande / plaza libre vaga preguiçosa vassoura escoba basura lixo Em contexto de aula, normalmente, os falsos amigos só estão presentes quando relacionados com alguma história engraçada que aconteceu a algum aluno ou com o professor, ou em listas utilizadas como material de apoio à aula. Normalmente não são abordados no processo de aquisição da língua para que o aprendente crie uma consciência linguística e estes lhe causem o mínimo de dificuldades possíveis. Para isso torna-se necessário desenvolver actividades que trabalhem as semelhanças e divergências entre o léxico das duas línguas, a fim de que, num nível mais avançado, o aprendente seja capaz de ultrapassar a chamada etapa interlinguística. Em conclusão, verificamos, pois, que o Português e o Espanhol, embora tenham um tronco comum, apresentam diferenças em vários domínios. Aqui referimos apenas o domínio fonético-fonológico e o lexical e apresentámos apenas algumas diferenças com o intuito de melhorar o processo de intercompreensão entre as duas línguas. Não podemos deixar de referir que a aquisição de uma língua estrangeira, semelhante à língua materna, requer tanto estudo e dedicação como a de qualquer outra língua mais distante. Bibliografía Almeida Filho, J. C. P. (Org.), (1995) Português para Estrangeiros: interface com o Espanhol, Campinas, Brasil, Pontes Editores. Alves Soares, J. (2002) Los heterosemánticos en español y portugués. Un desafío a la lectura/interpretación: el caso de los "vestibulandos” brasileños. In Proceedings of the 2. Congreso Brasileño de Hispanistas, São Paulo, Brasil. Disponível em http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC000000 0012002000100032&lng=en&nrm=iso Arruda, Lígia (2004), Gramática de Português para Estrangeiros, Porto, Portugal, Porto Editora Calvi, M. V., (2004), Aprendizaje de lenguas afines: español e italiano, RedELE Revista Electrónica de Didáctica del Español Lengua Extranjera, vol. 1, Junio. Disponível em http://www.sgci.mec.es/redele Carrasco González, Juan M. (1994) Manual de iniciación a la lengua portuguesa, 5ª reimpresión, Barcelona, España, Ariel Ceolin, Roberto (2003), Falsos amigos estruturais entre o Português e o Castelhano, IANUA 4, Institut für Romanistik-Universität Salzburg. Disponível em http://www.romaniaminor.net/ianua Cunha, Celso, e Cintra, Luís F. Lindley (1984), Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Portugal, Edições Sá da Costa. Domínguez Vázquez, M. J. (2001), En torno al concepto de interferencia. Disponível em http://www.ucm.es/info/circulo/no5/dominguez.htm Galiñanes Gallén, M. (2004), Proprio/propio. El análisis contrastivo en la clase de español, Espéculo – Revista de estudios literarios, número 28. Disponível em http://www.ucm.es/info/especulo/numero28/propio.html Matte Bon, F. (2004), Análisis de la lengua y enseñanza del español en Italia, Revista RedELE, número 0. Disponível em http://www.sgci.mec.es/redele Moura, José Almeida (2006), Gramática do Português Actual, Lisboa, Portugal, Lisboa Editora. Santos Gargallho, I. (1993) Análisis contrastivo, Análisis de errores e Interlengua en el marco de la Lingüística Contrastiva, Madrid, España, Síntesis. Vaz da Silva, Ana Margarida Carvalho e Vilar , Guillermo, (2004), Os falsos amigos na relação Espanhol-Português, Cadernos de PLE 3, Aveiro, CLC-UA Resumo O presente artigo tem como objectivo chamar a atenção para dois aspectos da análise contrastiva entre o Português e o Espanhol, ou seja as diferenças fonético-fonológicas e as lexicais. Que pelo facto de estarmos em presença de duas línguas tão próximas, estas diferenças poderão causar alguns entraves na intercompreensão das duas línguas. Consciencializar o aprendente da existência destas diferenças vai ajudar à desconstrução da Interlíngua, criada pela facilidade de compreensão e semelhança entre as duas línguas, contribuindo assim para uma mais profícua aquisição da língua alvo. Chamamos ainda a atenção para a necessidade de criação de estratégias, tarefas e materiais específicos na perspectiva do ensino aprendizagem de duas línguas tão próximas, tendo como preocupação essencial as diferenças e consciencialização do aprendente. Abstract The article addresses two aspects of contrastive analysis between Portuguese and Spanish: the phonetic phonological and lexical differences. Since we are dealing with two similar languages, these differences may cause a few problems to the intercomprehension of both. If the learner is made aware of these differences, s/he will be able to deconstruct the interlanguage that was, in the meantime, created due to the comprehension facility and similarity between Portuguese and Spanish, thus contributing to the acquisition of the target language. We also call attention to the need to create specific strategies, tasks, and materials with a view to teaching and learning two similar languages, bearing in mind their differences and the learner’s awareness.