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H1 %HermesFileInfo:H-1:20100322: O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010 SUSTENTABILIDADE & MEIO AMBIENTE PLANETA http://www.estadao.com.br/planeta Pantanal Novos vilões Construção de hidrelétricas ameaça ecossistema local Sistema atual de tratamento não detecta hormônios Pág. H10 Pág. H9 ARTE: PAULA GAMA / FOTO: FELIPE RAU Cadê a água que estava aqui? No Dia Mundial da Água, analisamos o desafio do abastecimento em grandes cidades do mundo e as iniciativas para enfrentar o problema H2 %HermesFileInfo:H-2:20100322: O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010 PLANETA Editor-chefe de Publicações: Ilan Kow Editor-executivo: Luiz Américo Camargo Editor: Sergio Pompeu Editora-assistente: Mariana Della Barba Diretor de arte: Fabio Sales Edição de arte: Andrea Pahim Diagramação: Maurício Rezende Reportagem: Alice Lobo, Fernanda Fava, Karina Ninni Tratamento de imagens: Alexandre Godinho, Carla Monfilier, Fernando Correa, Maurício Braga e Fabiano de Vito ARQUIVO PESSOAL ALMIR SATER mais tarde para São Paulo. Mas ele aproveitava qualquer chance de rever o Pantanal, visitando amigos e insistindo para que lhe vendessem um “lugar para ter uma vaca leiteira”. Enquanto não conseguia juntar dinheiro para comprar terras, Almir bolou, com o compositor Paulo Simões, um pretexto para desbravar a região.“Os antigos pantaneiros que conhecíamos estavam muito velhinhos. Dali a pouco iam todos embora e não tínhamos nenhum registro deles. Aí falei para o Simões: "A gente podia fazer uma viagem para conhecer essa cultura.” Nasceu assim a Comitiva Esperança, em 1984. Aos dois se juntaram o já falecido violinista Zé Gomes, ao jornalista Zuza Homem de Mello e uma equipe de filmagens para produzir um documentário. Em três meses, Almir e sua comitiva percorreram mais de mil quilômetros pelo Pantanal. “Não tínhamos roteiro fixo, seguíamos de acordo com as informações das pessoas, procurando cantadores e tocadores onde estivessem.” CANTOR E COMPOSITOR Casa nova. Em 1991, as econo- Meu Santuário: Pantanal Aos 9 anos, violeiro já sabia que queria passar seus dias pescando (e tocando) na região APAIXONADO PELO SILÊNCIO DA MATA Fernanda Fava / ESPECIAL PARA O ESTADO O compositor Almir Sater se considera um “guardião das águas e das matas”. Divide a paixão pela viola com o amor pelo Pantanal. Na sua fazenda à beira do Rio Negro, perto de Aquidauana (MS), gosta de se aventurar pelas planícies habitadas por onças, capivaras, antas, queixadas e jararacas. “Os bichos vão ficando mansos com a gente. Tenho medo mesmo é de passar de madrugada pela Linha Vermelha.” A ligação de Almir, nascido em Campo Grande, com o Pantanal vem de menino. Com 9 anos, começou a passar as férias de verão na fazenda de um amigo de seu pai. “Eu pensava: 'Quero crescer e morar aqui'”, diz. “Sempre fui apaixonado pelo silêncio da mata, pelo som dos pássaros.” A carreira artística levou Almir a se mudar para o Rio e QUEM É *mios Sharp, cantor e violeiro CV: Vencedor de dois prê- também trabalhou como ator em novelas como Pantanale O Rei do Gado. mias do compositor já eram suficientes para que ele realizasse o sonho de criança. Comprou finalmente uma propriedade, às margens da confluência do rios Negro e Corixo, a cerca de 130 quilômetros da área urbana de Aquidauana. De lá até a capital Campo Grande são outros 140 quilômetros Mudou-se para a fazenda no Pantanal com a mulher, Paula Sater. Os dois filhos do casal – Almir tem mais um filho de outro casamento – nasceram na fazenda, e, até 1999, o local foi residência fixa da família. Por exigências da carreira e pela necessidade de educar os meninos, o cantor agora passa quatro meses por ano na fazenda e o restante na casa da família em São Paulo, em um condomínio na Serra da Cantareira (zona norte). Quando está no Pantanal, Almir sai pilotando o seu jipe pela planície durante os meses de seca. Na época das cheias, ele troca o veículo por um avião teco-teco. Entre suas atividades favoritas está pescar no rio Negro com vara de bambu e isca de coco: conhece o nome dos peixes e a época adequada para pescar cada um. “São 20 anos de experiência.” Madeira sustentável. O fa- zendeiro Almir coordena a criação de gado, colhe fruta do pomar, cria abelhas, faz manejo sustentável da madeira. O cantor e fazendeiros vizinhos têm um acordo para conter a pesca predatória e o desmatamento das margens de rios. Este ano, Almir quer juntar, com apoio da prefeitura de Aquidauana, 80 pescadores no período de defesa da pesca para limpar os rios, retirando o lixo da superfície e nas margens. Segundo Almir, quem vai ao Pantanal só para explorar recursos naturais não fica muito tempo. “O próprio Pantanal se defende, não é todo mundo que aguenta o calor de 40 graus, onças, cobras, mosquitos, além do fato de quase não ter estradas e de só ser possível chegar lá de avião nos meses de cheia”, diz. “Se colocar na ponta do lápis, é um mau negócio: o Pantanal é para quem souber conservar, ter uma vida simples em contato com a natureza.” H4 %HermesFileInfo:H-4:20100322: O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010 PLANETA RIO PELO MUNDO TASSO MARCELO/AE Vai faltar água boa para o consumo Karina Ninni / ESPECIAL PARA O ESTADO veis de água no mundo. Em 2025, boa parte do planeta estará em situação de stress hídrico, ou seja: a água disponível não será suficiente para os diferentes usos que o homem faz do recurso, como a agricultura, que é, de longe, a atividade que mais consome água. Até lá, 3 bilhões de pessoas sofrerão com escassez de água, segundo a ONU. O consumo mundial de água está aumentando – mesmo em países onde a população cresce pouco – e as reservas de água boa estão cada vez mais ameaçadas pelas atividades humanas. Esse é o diagnóstico de dez entre dez especia listas. “O aumento do consumo está conectado ao crescimento econômico dos países. Quanto maior o PIB, maior o consumo”, afirma Eduardo Mendiondo, do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Universidade Federal de São Carlos. Mendiondo trabalha com um indicador chamado “pegada hidrológica”, que mede o consumo total de água per capita ao ano – incluindo a água embutida nos produtos que consumimos. Ele acaba de fazer o cálculo para a realidade do País: “A pegada hidrológica de um brasileiro médio é de 1.340 m³ per capita ao ano. A de um norteamericano é de 2.500.” O cálculo faz sentido já que, segundo dados da ONU, o consumo em países desenvolvidos é em média seis vezes maior do que nos países em desenvolvimento. Hoje, mais de 1 bilhão de pessoas não têm acesso a fontes confiá- Saneamento. Na América Latina e na África, a ameaça ainda é o lançamento de esgoto sem tratamento nos rios. Isso inclui o Brasil, onde apenas 48% do esgoto doméstico é tratado, de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA). No final do ano passado, durante a 1ª Conferência Nacional de Saúde Ambiental, o governo lançou o Compromisso pelo Saneamento Básico, que prevê o aumento de 80% do volume de esgotos tratados no País até 2020, e de 45% no total da população atendida com coleta de esgoto. À medida que a água doce disponível sofre com a degradação pela poluição, cresce o desafio de garantir acesso ao recurso para a população. Isso porque, excluindo a água congelada dos polos, a água doce representa apenas 0,6% do total disponível no planeta. Destes, 98% estão contidas em aquíferos e apenas 2% nos rios e lagos. Esse cenário preocupante ganha mais atenção no dia de hoje, data escolhida pela ONU para celebrar o Dia Mundial da Água. Com o tema "Água Limpa para um Mundo Saudável”, ONU alerta para a contaminação no Dia Mundial da Água Futuro dosfluminenses. O governo do Rio precisa investir R$ 1,4 bilhão para evitar o desabastecimento a partir de 2015 Com excedente hídrico, Rio sofre com poluição Clarissa Thomé /RIO Ao inaugurar a Adutora de Guandu, responsável pelo abastecimento de água da região metropolitanado Rio, o então governador da Guanabara Carlos Lacerda fez uma promessa: “Água até o ano 2000.” Era 1966 e a população vinha sofrendo com sucessivas crises de escassez. Mais de 40 anos depois, o relatório da Agência Nacional de Águas (ANA)faz um alerta. É preciso investir R$ 1,4 bilhão no Estado para evitar o desabastecimento a partir de 2015. O problema não é escassez de água. O Rio tem excedente de recursos hídricos. Mas a qualidade está comprometida. “O Guandu tem disponibilidade hídrica, mas é preciso am- pliara as estações de tratamento e fazer obras de coleta e tratamento de esgoto”, afirmou o superintendente-adjunto da agência, Sérgio Ayrimoraes Soares. O Guandu não é um rio caudaloso. Ele cresce ao receber dois terços da água do Rio Paraíba do Sul, que é desviado em Barra do Piraí. A água vira energia elétrica numa estação da Light e depois alimenta o Guandu, responsável pelo abastecimento 9 milhões de pessoas de oito municípios. A 300 metros da estação de tratamento da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae), três rios menores deságuam no Guandu – Poços, Queimado e Ipiranga. Esses rios têm cor escura, que demoram a se misturar à água barrenta do Guandu. Vêm carregados de esgoto – cerca de 200 milhões de litros por dia. “E por azar, a tubulação que faz a captação do Guandu carrega justamente essa água escura”, explica o professor Paulo Canedo, coordenador do Laboratório de Hidrologia da Coppe, pós-graduação de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “O resultado é que é preciso cap- tar muito mais água, para diluir a sujeira, e gastar muito mais em produtos químicos para purificá-la.” Segundo Canedo, a necessidade que o Rio tem de transpor parte da água do Paraíba do Sul tem dois impactos. O primeiro: reduz o potencial econômico da região. “As empresas não se instalam ao longo do Paraíba porque vão ter mais dificuldade de captar água”. O segundo é que sobra pouco para São Paulo, que também não LÁ E CÁ • Os rios Poços, Queimados e Ipiranga jogam por dia 200 milhões de litros de água poluída no Guandu • Eles deságuam a 300 metros da estação de tratamento • As obras de canalização desses canais custaram R$ 50 milhões • Para a proteção da tomada de água no Rio Guandu, ANA calcula investimento R$ 217 milhões tem água limpa. E quer buscá-la no Paraíba do Sul. “Essa discussão está em nível técnico e vai emergir em breve”, diz o professor. Para ele, os dois lados da disputa estão errados. “Se o Rio tratasse o seu esgoto, precisaria desviar menos água. Se São Paulo não tivesse esculhambado todos os seus rios, não precisaria do Paraíba do Sul”. Rio canalizado. Para melhorar a qualidade da água que chega à estação de tratamento, a Cedae decidiu canalizar os rios poluidores. “Vamos canalizar os rios Poços, Queimado e Ipiranga, que correrão por baixo do Guandu. Vamos tirar essa água da captação”, afirmou o presidente da Cedae, Wagner Victer. A obra, que vai custar R$ 50 milhões, está em fase de licenciamento ambiental. Victer ressalta que os dados apresentados pela ANA são diagnóstico feito pela própria Cedae, encaminhados para a agência. “Acabamos de fazer a modernização da estação do Guandu e vamos investir mais de R$ 1 bilhão para garantir o abastecimento até 2035.” LUKE MACGREGOR/REUTERS BELÉM CARLOS SILVA/AE Rio Tâmisa. Despoluição não livrou o rio dos sacos plásticos LONDRES Poluição ancestral. No início do mês, o rio Tâmisa, que banha a capital inglesa, atingiu seu nível mais baixo e revelou enormes quantidades de lixo, em sua maioria garrafas e sacolas plásticas. Todo ano, nessa época, voluntários da ONG Thames 21 limpam o rio. Nos últimos dez anos, eles tiraram 250 mil sacolas plásticas do leito. O Tâmisa deixou de ser considerado potável por volta de 1600. Mas o projeto de despoluição só começou a ser colocado em prática no século XIX. Guajará. A Baía é formada em grande parte por águas do rio Guamá, que responde pelo o abastecimento da cidade Ábundância problemática. Em Belém (PA), a rede de abastecimento de água chega a 80% dos domicílios, mas apenas 4,5% estão conectados à rede coletora de esgoto. O restante joga seus dejetos diretamente nas 14 bacias que cortam a cidade. “São esgotos a céu aberto. Onze dessas bacias deságuam no rio Guamá, que banha a cidade, e de onde vem 75% da água que é tratada para distribuição”, afirma a pesquisadora Vera Braz, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental no Pará. Os dois lagos de tratamento de água da cidade ficam a poucos quilômetros do aterro sanitário de Belém, o aterro do Aurá. "Há um igarapé ao lado do aterro, que corre também para o rio DIAGNÓSTICO 4,5% das casas • estão conectadas à rede coletora de esgotos em Belém, capital do Pará 75% da água • consumida na cidade sai do Rio Guamá, onde deságuam 11 córregos que cortam a região metropolitana Guamá e leva muita sujeira para lá", revela o pesquisador Haroldo Bezerra, da UFPA. Com a ampliação da estação de tratamento, a cidade está pulando de uma produção de 4m³ de água por segundo para 8 m³. “Ou seja: vai produzir mais do que o necessário”, diz Bezerra. Acontece que a rede é comprometida. Em primeiro lugar, a pressão é pequena. "A água não tem força para chegar nas baixadas, onde mora a população pobre, mesmo nos domicílios servidos pela rede", explica Vera Braz. Outro problema é o tráfego intenso de veículos. "O tráfego arrebenta a rede, que não pode ser muito profunda, porque é tudo várzea”. Essas particularidades, mais os “gatos” feitos na rede para furto, tornam perigoso o trajeto da água até a casa do cidadão. “Ela sai potável da estação de tratamento, mas no caminho, tem grandes chances de se contaminar”, diz Vera, acrescentando que a riqueza de água na Amazônia é, ao mesmo tempo, um bem e um mal. "A cultura da abundância é péssima. As pessoas acham que aquilo não vai acabar nunca, que não vai poluir nunca". Há alguns anos foi finalizado um projeto de macrodrenagem feito na bacia do rio Una, uma das mais comprometidas da cidade. Mas, ao invés de conectar as casas à rede coletora de esgoto, o projeto construiu fossas nas residências. "Na questão do saneamento, o projeto deixou a desejar", critica Vera. K.N. FAHAD SHADEED/REUTERS Oração. Habitantes de Riad pedem a Alá que a chuva caia RIAD Um mar de água. A Arábia Saudita sofre com a escassez de água e investe milhões em dessalinização. Para abastecer a capital Riad, com 4,5 milhões de habitantes, a água é extraída do Golfo da Arábia, transportada por cerca de 370 km e então dessalinizada. Com a tecnologia, os custos da dessalinização estão caindo. “Há alguns anos, chegavam a US$ 1,5 por m³. Hoje estão em US$ 0,35”, afirma José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia de São Carlos. O ESTADO DE S. PAULO %HermesFileInfo:H-5:20100322: SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010 H5 PLANETA SÃO PAULO VIDAL CAVALCANTE/AE Sistema Cantareira. A manutenção das matas ciliares e o baixo índice de poluição fazem deste o sistema mais barato da Região Metropolitana de São Paulo Metrópole tem 100 mil novas ligações de água por ano A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é abastecida por oito sistemas que captam água de diferentes mananciais. Dos 39 municípios que a compõem, 31 deles são cobertos pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que produz cerca de 105 mil litros de água por segundo. A empresa trabalha com uma média per capita de consumo diário de 200 a 300 litros. Mas a metrópole tem baixa disponibilidade hídrica. “Para abastecer os quase 20 milhões de habitantes, São Paulo importa 48% da água que consome”, explica Paulo Massato, diretor da Sabesp, salientando que o consumo por residência na grande São Paulo diminuiu, principalmente por causa da redução do tamanho das famílias e das campanhas de conscientização. “Há 12 anos, eram 19 mil litros por mês por residência. Hoje são 12.800 litros”. Mas, em compensação, cem mil novas ligações de água são feitas a cada ano na Região Metropolitana, que hoje tem 3,8 mi lhões de ligações de água ativa. Segundo o Agência Nacional de Água (ANA), São Paulo precisaria investir R$ 3,5 bilhões até 2015 para garantir o abastecimento até 2025. “Já estamos ampliando a estação de Taiaçupeba, no complexo do Alto Tietê, para aproveitar as últimas possibilidades hídricas das barragens de Paraitinga e Biritiba Mirim. Isso aumenta a produção do sistema de 10 mil litros por segundo para 15 mil e deve garantir a demanda para a região metropolitana até 2017”, garante Massato. Esgoto e poluição. Como em todo o País, o abastecimento de água em São Paulo também está ameaçado pelo lançamento de esgoto doméstico nos rios. Segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Ce- tesb), somente 45% do esgoto do Estado é tratado. Por isso, nos mananciais mais pressionados, custa mais caro manter a qualidade necessária para distribuição. “No sistema Cantareira, onde há matas ciliares e o uso do solo não compromete a captação, cada mil litros custam R$ 0,19 só em produtos químicos. Já no sistema Guarapiranga, esse custo sobe para R$ 0,37”, confirma Massato. PERDAS E GANHOS • 3,5 bilhões de litros de água foram desviados por “gatos” na Grande São Paulo em 2009. • A quantidade desviada abasteceria por um mês uma cidade de 650 mil habitantes. • Há 12 anos o consumo por residência era de 19 mil litros mensais. • Hoje o consumo por residência é de 12.800 litros mensais. O controle da qualidade da água dos rios em São Paulo cabe à Cetesb. De acordo com Nelson Menegon Jr., gerente da Divisão de Águas e Solos da Companhia, a rede de monitoramento é composta de 333 pontos. “São feitas seis medições por ano para cada um dos pontos, sendo três medidas em época de chuvas e três na estiagem”, explica. Restrições. Segundo um decreto estadual de 1977, os rios do Estado são divididos em quatro classes. Os da classe 1 são os de uso mais nobre: para preservação da vida aquática e o consumo humano. “O Tietê, dentro de São Paulo, é um classe 4. Para esses rios, não há restrição de lançamento de metais pesados, por exemplo”, explica Menegon. Ele acrescenta que não há mais vida aquática nos rios Tietê (dentro de São Paulo), Tamanduateí e Pinheiros. “O problema, hoje, é que boa parte dos rios está enquadrada em uma classe, mas na realidade já não pertence mais a ela, pelo nível de poluentes que estão nas águas”, admite. A crescente degradação das águas superficiais do Estado pressiona os reservatórios de águas subterrâneas. Segundo a Cetesb, atualmente, aproximadamente 80% dos municípios são total ou parcialmente abastecidos por águas subterrâneas, atendendo uma população de mais de 5,5 milhões habitantes. “Estimamos em 12 mil o número de poços existentes na Região Metropolitana, mas só 30% deles são legais. Na Grande São Paulo, boa parte da água subterrânea já está contaminada”, afirma Ricardo Hirata, professor do Instituto de Geociências da USP. Postos de gasolina, lixões, aterros mal operados, acidentes com substâncias tóxicas, armazenamento, manuseio e descarte inadequado de matérias primas utilizadas na indústria, mineração, vazamento das redes coletoras de es goto e uso incorreto de agrotóxicos e fertilizantes são principais fontes de contaminação. "As águas subterrâneas são a caixa d'água do planeta. É preciso cuidar", alerta Hirata. K.N. CALAMIDADE 3,8% milhões • é o número de ligações ativas de água na Região Metropolitana de São Paulo. 3,5 bilhões • é o valor que deverá ser investido até 2015 para garantir abastecimento na Grande São Paulo até 2025. 30% dos poços • da Região Metropolitana de São Paulo são ilegais. Segundo o Instituto de Geociências da USP, no total, há 12 mil poços na metrópole. STRINGER/REUTERS NOVA DÉLHI JITENDRA PRAKASH/REUTERS Rio Yangtze. Opção para garantir água à capital chinesa PEQUIM No limite. Um em cada quatro chineses não tem acesso à água potável. A situação é particularmente grave em Pequim, onde a população de 17 milhões de habitantes supera a capacidade de abastecimento local. A cidade também sofre com secas periódicas. Para tentar suprir a capital chinesa, cerca de 1 bilhão de metros cúbicos de água do rio Yangtze serão transpostos para Pequim anualmente, a partir de 2014. Ao todo, 48 bilhões de metros cúbicos de água serão desviados. NOOR KHAMIS/REUTERS Rio Sagrado. Símbolo da purificação para os indianos, o Ganges é hoje um dos rios mais poluídos do mundo Ironia indiana. O rio Ganges é Sem saída. Compra de água para encarar racionamento NAIRÓBI Seca e corrupção. Na capital do Quênia, a seca e o desma- tamento fizeram a represa de Ndakaini baixar 44 milhões de m³. Três dos quatro rios que alimentam a represa já secaram. Como se não bastasse, no ano passado foi descoberta uma quadrilha que desviava quase metade da água da cidade para irrigar fazendas. Os 3 milhões de habitantes tiveram de comprar água para poder suportar o racionamento. o símbolo da pureza espiritual para os indianos. O épico sanscrito Ramayana apontava que qualquer pessoa que tocasse a sua água se purificaria. Mas isso foi quatro séculos antes de Jesus Cristo e bem anterior à era Industrial. Nos últimos anos, os níveis de poluição do rio e de seus afluentes são uma ameaça para a saúde humana. Mesmo assim, a população local continua a se purificar no Ganges. Em 1984, a intoxicação das águas do rio matou 20 mil pessoas. Desde os anos 90, o volume de esgoto despejado no Ganges dobrou. Na cidade de Varanasi, considerada como o local mais sagrado do país, o nível de bactérias do rio é 3 mil vezes superior ao que a Organização CALAMIDADE 69% dos esgotos • das cidades indianas são despejados em rios, lagos e no mar, sem tratamento. 500 mil pessoas • morrem por ano na Índia de doenças ligadas à poluição das águas. Mundial da Saúde (OMS) considera aceitável. Num dos trechos do rio Yamuna, afluente do Ganges e que atravessa a capital Nova Délhi, a vida aquática desapareceu. Em 1909, o rio Yamuna era descrito como tendo águas "azuis". Mas depois de abastecer 50 milhões de pessoas e de receber 58% dos esgotos de Délhi, o rio também está entre os mais poluídos do mundo. Hospitais para tuberculosos têm seus esgotos direcionados aos rios Ganges e Yamuna. Além disso, 69% dos esgotos das cidades indianas são despejados nos rios, lagos e no mar sem tratamento. Os dados são do Conselho de Controle de Poluição de Nova Délhi. Não por acaso, 500 mil pessoas morrem por ano na Índia de doenças ligadas à poluição das águas. Ela é a primeira causa de doenças de pele no país e a maior responsável pelas taxas de mortalidade infantil. Em 2009, o governo criou a Autoridade para a Bacia do Rio Ganges e estipulou, em parceria com o Banco Mundial, um projeto de US$ 1 bilhão para salvar o rio. Outros US$ 4 bilhões devem ser usados até 2020 para garantir que os esgotos não continuem a ser jogados no rio e seus afluentes. Mas muitos duvidam que o dinheiro seja usado de forma eficiente. Em dez anos, US$ 500 milhões já foram gastos para recuperar o Yamuna na região de Nova Delhi. Mas em 2009 fconstatou-se que o rio estava tão ou mais poluído que em 1989. JAMIL CHADE H6 %HermesFileInfo:H-6:20100322: SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010 O ESTADO DE S. PAULO H8 %HermesFileInfo:H-8:20100322: O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010 PLANETA ESTAÇÃO DE TRATAMENTO ALTO DA BOA VISTA 1 Captação Sistemas de distribuição de água da Grande São Paulo Equipes da Sabesp fiscalizam a represa, retirando o lixo da água HIDROGRAFIA FISCAIS DA SABESP Cidade de São Paulo 2 Coagulação COAGULANTE PARA ATRAIR IMPUREZAS FORMANDO PEQUENOS COÁGULOS CLO CLORO PARA INICIAR A PURIFICAÇÃO CAL PARA TRATAR O PH DA ÁGUA A agitação constante da água permite que as partículas de sujeira se juntem formando coágulos CANTAREIRA/ ALTO TIETÊ CANTAREIRA ALTO TIETÊ BAIXO COTIA GUARAPIRANGA/ ALTO TIETÊ RIO CLARO/ ALTO TIETÊ CANTAREIRA/ GUARAPIRANGA ALTO COTIA GUARAPIRANGA 3 Floculação Mantendo as párticulas em velocidade mais baixa, o sistema impede que os coágulos se desfaçam RIO CLARO RIO GRANDE RIO CLARO RIBEIRÃO DA ES?? 4 Decantação Nesse estágio, os coágulos de sujeira, mais pesados, vão para baixo e 90% das impurezas são retiradas nesse estágio. A água é coletada na superfície. COÁGULOS O caminho da água até a sua torneira Após ser retirada de um rio ou uma represa, ela passa por várias fases de purificação até ser totalmente limpa Fernanda Fava/ ESPECIAL PARA O ESTADO Não são poucas as barreiras que separam a água retirada de rios, mananciais ou represas das torneiras das casas paulistanas. Em alguns locais, como na represa Guarapiranga, a ocupação irregular das margens contamina a água com o despejo de esgoto, além de desmatar a vegetação do entorno, aumentando o risco de assoreamento. Frente a isso, antes mesmo de começar a etapa do tratamento, a Sabesp realiza tarefas preventivas para que a água que chega à estação de tratamento do Alto da Boa Vista - re- Guia Como escolher o purificador de água ideal tratada ao lado - tenha uma qualidade aceitável e não encareça o processo. Uma delas é a operação Catabagulho, que retira da represa resíduos como garrafas PET, latas, sacolas plásticas. Segundo o superintendente de produção de água da Sabesp, Hélio Castro, esses materiais também podem encalhar nas grades de proteção da adutora que retira a água da represa e leva para a estação de tratamento, atrapalhando a vazão do líquido e demanda uma boa manutenção das grades. Já na captação são adicionadas substâncias para eliminar algas que se proliferam em ambientes aquáticos contaminados, principalmente quando há despejo de esgoto. Além da estação Alto da Boa Vista, existem outros sete complexos hídricos são responsáveis pelo abastecimento de 33 municípios da região metropolitana a uma vazão de 67 mil litros por segundo de água, que percor- 5 Filtração Filtros livram a água das últimas impurezas COÁGULOS SE DEPOSITAM NO FUNDO DO TANQUE 6 Tratamento final CARVÃO MINERAL PROTEGE A CAMADA DE AREIA 40 cm AREIA FAZ A FILTRAGEM 27 cm PEDREGULHOS SUPORTE DAS OUTRA CAMADAS 27 cm Últimos componentes químicos são adicionados CLORO ADIÇÃO DE 0,5MG/LITRO FLÚOR POR LEI, É NECESSÁRIO ADICIONÁ-LO PARA REDUZIR A INCIDÊNCIA DE CÁRIES CAL AJUSTA O PH DA ÁGUA PARA CONTER A ACIDEZ rem cerca de 1,2 mil quilômetros de tubulação para chegar na casa dos paulistanos. O sistema Guarapiranga é o maior dos oito complexos, atendendo a 8,1 milhões de pessoas quase metade da população com acesso a água tratada na Grande São Paulo. Esse volume abastece bairros do Centro e da Zona Norte, além de municípios como Osasco, Santo André e São Caetano do Sul. O complexo da Guarapiranga vem em seguida, abastecendo 3,8 milhões de pessoas na zona sul e sudoeste. Em alguns lugares, a água vem de distâncias de mais de 70 km, de outras cidades e até de outro Estado, como na Cantareira, que abrange 12 municípios. A ÁGUA É PROVADA 7 Distribuição A água segue para os reservatórios dos bairros e de lá para as casas AE O/ TT IO O: IC ÁF R OG NF PE F I IL E OI M IA LL WI R MA MP CA I As vantagens e desvantagens de cada método A partir da semana que vem, os fabricantes e importadores de filtros e purificadores terão o prazo de até um ano para vender apenas produtos com um selo único de certificação emitido pelo Inmetro. "Esse selo único vai garantir aos consumidorer que o que está escrito no rótulo dos filtros e aparelhos foi seguida à risca durante a fabricação", afirma o chefe de Programas de Avaliação da Conformidade do Inmetro, Gustavo Kuster. Com informações de Kuster e de Sheila Silveira, especialista do Instituto Falcão Bauer, o Estado preparou um guia para o consumidor decidir qual a melhor maneira de se obter um copo de água potável em casa. 1 Fervura 2 Filtro de barro Basta ferver a água numa chaleira ou panela em temperatura de ebulição, 100° C, durante cerca de 10 minutos. Feitos de barro ou de cerâmica, os filtros funcionam por gravidade, com a água passando de um recipiente para outro, sem ligação com a rede hidráulica. • PRÓS A técnica mais simples e barata. É suficiente para matar os principais micro-organismos que provocam doenças. • CONTRAS Por não ser um método de filtragem, não elimina pequenos resíduos ou vírus como o da hepatite A, que só é destruído a 120° C • PRÓS Os elementos responsáveis pela filtração, como velas com microporos, que conseguem remover até 99% das impurezas. • CONTRAS Alguns modelos não eliminam completamente as bactérias. A limpeza e a troca da vela precisa ser feita regularmente. 3 Purificador e filtro de torneira 4 Pastilhas de iodo ou cloro Funcionam de forma semelhante aos filtros de barro, mas precisam estar ligados ao encanamento da casa. Adicionadas à água, elas ajudam a matar micro-organismos. Seu efeito começa após 30 minutos. • PRÓS • PRÓS Alguns purificadores têm carvão ativado, que reduz o gosto forte dessa substância. Outros usam ozônio para reduzir o nível de bactérias • CONTRAS Muitos consumidores não precisariam desse método, já que a água que recebem é de boa qualidade. Outra desvangagem é o preço, mais alto que os filtros de barro. Pela praticidade, são muito usadas por viajantes que não têm acesso à água tratada • CONTRAS É preciso utilizar, paralelamente, um método de filtragem, pois elas não retiram pequenos resíduos sólidos e agrotóxicos. Além disso, o iodo e o cloro podem deixar gosto ruim na água O ESTADO DE S. PAULO %HermesFileInfo:H-9:20100322: SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010 H9 PLANETA ALERTA JOSÉ LUIZ DA CONCEIÇÃO / AE Novos vilões ameçam abastecimento Sistema convencional de tratamento da água não detecta hormônios e outras substâncias nocivas Clarissa Thomé/RIO Karina Ninni / ESPECIAL PARA O ESTADO Não bastassem todas as substâncias químicas que as estações de tratamento já retiram da água que chega à nossa casa, uma nova ameaça vem preocupando especialistas no Brasil e do mundo: os hormônios e outros compostos que o sistema atual não detecta. “O esgoto produzimos hoje é completamente diferente do da década de 40. Hoje consumimos anticoncepcional, medicamentos, produtos de limpeza e higiene pessoal que não existiam e têm atividade hormonal”, diz a professora Márcia Bezotti, coordenadora do Laboratório de Controle de Poluição das Águas, da Coppe, pós-graduação de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Por isso, o tratamento de esgoto e água não pode continuar igual, mas as es- tações do Rio são de 1950." Testes realizados pela Coppe com amostras de água não tratada do Rio Paraíba do Sul revelaram a presença de estradiol - hormônio capaz de alterar o funcionamento reprodutor. Os pesquisadores fizeram coletas de água nos municípios de Resende, Volta Redonda, Barra Mansa e Campos dos Goyta- EM NÚMEROS 8 amostras • DAS 15 coletadas em águas não tratadas de municípios do Rio continham o hormônio estradiol 90 países • ASSINARAM um tratado internacional para banir poluentes orgânicos, incluindo o Brasil cazes. Das 15 amostras, 8 continham estradiol. “A literatura médica mostra que mesmo em baixa concentração essa substância aumenta o risco de câncer de próstata, de mama, de útero”, afirma Márcia. Ainda que feita com amostras não tratadas, a descoberta levanta a discussão sobre a necessidade de se modernizar estações de tratamento de água e esgoto. Márcia defente que métodos tradicionais de tratamento não eliminam os hormônios completamente. “Nós captamos água já tratada do Guandu e só uma das amostras apresentou atividade hormonal", afirma a professora, acrescentando que isso não é motivo para alarde, mas deveria incentivar a melhoria dos sistemas de tratamento. O presidente da Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio, Wagner Victer, rebate. “Nosso sistema de tratamento é utilizado no mundo inteiro e segue rígida legislação.” No Brasil, a água que sai das estações de tratamento tem de estar dentro de normas de potabilidade estabelecidas por uma portaria do Ministério da Saúde em 2004. Mas diversas substâncias não têm parâmetros de mensuração, caso de componentes presentes em alguns agrotóxicos. “Existem 800 substâncias diferentes com uso autorizado no Brasil, como tipos de pesticidas e inseticidas. Essas substâncias acabam indo parar na água. Dessas, apenas 22 constam da portaria do Ministério, com limite de uso”, explica a engenheira química Eliana Freire Gaspar de Carvalho, da Universidade Federal do Mato Grosso. PERIGO. Outra preocupação dos Poluição. Para Márcia Bezotti, é preciso modernizar tratamento especialistas são os POPs: poluentes orgânicos persistentes. “São substâncias químicas que persistem no ambiente, acumulado-se nos microorganismos, nas plantas, nos animais e no homem”, esclarece José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia de São Carlos. Em maio de 2001, 90 países, inclusive o Brasil, assinaram um Tratado Internacional para banir os 12 POPs considerados mais perigosos para o meio ambiente e a saúde pública. Apesar de muitos deles já terem sido proibidos em vários países, justamente por terem vida longa, continuam sendo detectados em algumas áreas. “Detectamos a presença de DDT, uma substância já proibida no Brasil, em amostras de sedimentos de rios no Pantanal", diz Eliana. Apesar de ser nocivo, o DDT foi usado para pulverização em áreas endêmicas de malária e outras doenças tropicais até os anos 90, porque o número de mortes causadas pelas doenças era um risco maior para a população do que o uso da substância. “Existem mais de 200 mil produtos stóxicos sendo utilizados no mundo. Eles não causam problemas somente para a espécie humana. São especialmente nocivas também para o ambiente aquático”, alerta Tundisi. H10 %HermesFileInfo:H-10:20100322: O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010 PLANETA RISCO MÔNICA NÓBREGA/AE Pantanal na berlinda Rio Paraguai. Regime de secas e cheias pode ser modificado com hidrelétricas Osmar Nunes de Souza: “O rio tem vida igual a gente. Se você mexe de um lado, ele corre pro outro. Ele não vai mais andar solto como anda hoje.” PESCADOR E MORADOR DE COXIM 7O% Débora Calheiros: “Outro agravante é o fato de 70% dessas hidrelétricas estarem previstas para a mesma área. Os projetos estão sendo licenciados separadamente, ao invés de se realizar um estudo sobre os impactos em toda a bacia”. BIÓLOGA DA EMBRAPA PANTANAL já em andamento. Por meio de sua assessoria de imprensa, o presidenInstalação de mais de te da EPE, Maurício Tolmasquim, 100 hidrelétricas ameaça afirmou que a empresa iniciará este ecossistema da região e ano o levantamento. pode prejudicar atividade “Às vezes, no mesmo rio, há duas, três PCHs projetadas”, explica Déda população ribeirinha bora. Um bom exemplo é o Rio Coxim, que banha a cidade de mesmo Karina Ninni/ nome, no Mato Grosso do Sul, a um passo da planície pantaneira. Só ali ESPECIAL PARA O ESTADO estão previstas três barragens. Já no Ivanise Andrade/ município de São Gabriel do Oeste, DE COXIM, MS a poucos quilômetros de Coxim, No Pantanal, onde a dinâmica da já existe uma em operação: a PCH água dita o ritmo de vida de milha- Ponte Alta. “No ano passado, a liberação dos res de pessoas, a pesca, a agricultura familiar, a criação de gado e até o sedimentos de Ponte Alta provocou turismo pesqueiro estão ameaça- a morte de milhares de peixes. Os dos pela instalação de 116 pequenas ribeirinhos ficaram muito preocucentrais hidrelétricas (PCHs) na pados”, diz Nilo Peçanha Coelho Bacia do Alto Paraguai - principal Filho, do Consórcio Intermuniciresponsável pelo regime de inunda- pal para o Desenvolvimento Susções periódicas que fazem da região tentável da Bacia do Rio Taquari um Patrimônio da Humanidade. O alerta é da bióloga Débora Calheiros, pesquisadora da Embrapa Pantanal. “Desmatamento e criação de gado de forma equivocada são problemas possíveis de minimizar. Os impactos das pequenas centrais não são.” Por trás da construção dessas PCHs está o interesse de grupos empresariais de segmentos como a agricultura mecanizada. As barragens impedem que os peixes subam os rios e que os nutrientes da água fluam de um local para outro. Ou seja: prejudicam Nilo Peçanha Coelho, tanto a desova quanto a alimentamembro do Cointa ção dos peixes. Além disso, a liberação de sedimentos das barragens pode assorear os rios. Segundo Débora, outro agravan- (Cointa). te é o fato de 70% das PCHs estaSegundo ele, cerca de 5 mil pessorem previstas para o mesmo local: as vivem do turismo ligado à pesca a região norte da Bacia do Alto Pa- em Coxim. “Todo mundo vai sofrer raguai. Das 116 previstas, já existem as consequências das barragens”, 29 em operação. O restante está em prevê. fase de construção, licenciamento Pesadelo. O impasse que cerca a ou estudo. “Os projetos estão sendo licen- instalação de PCHs no Pantanal ciados separadamente, ao invés de não é privilégio daquela região. Em se realizar uma avaliação ambiental Roraima, índios que habitam a pointegrada, que dá conta dos impac- lêmica reserva Raposa Serra do Sol tos das obras para toda a bacia”, protestaram recentemente contra a afirma a bióloga, ressaltando que instalação de pequenas centrais hio excesso de PCHs pode modifi- drelétricas em suas terras. Em São car o pulso de inundação natural Paulo, na bacia Sorocaba-Médio da região. S Tietê, há previsão de instalação de A Empresa de Pesquisa Energé- duas PCHs, nos municípios de Itu tica (EPE), ligada ao Ministério de e Cabreúva. O projeto está tirando Minas e Energia, é a responsável o sono de ambientalistas e até de pela realização da avaliação integra- políticos locais. da. No entanto, o estudo ainda não “É uma questão de escolha: se foi realizado mesmo com as obras quisermos preservar a o potencial 2010 ANOS 1990 – Rádio Eldorado inicia a campanha pela recuperação do rio Tietê, em parceria com a BBC de Londres. 1991 – Rádio Eldorado coordena o maior abaixo-assinado por uma causa ambiental da América Latina.* ANOS 2000 – A Rádio Eldorado inicia campanha para estimular a consciência ambiental, com valores como qualidade de vida nas cidades, consumo consciente, descarte e preservação ambiental. Em 10 anos: 1992 – Rádio Eldorado repercute em matérias os avanços da campanha e consegue a primeira vitória com o início do projeto de despoluição do rio Tietê. 2010 – 20 anos da reportagem que começou tudo isso. A Rádio Eldorado continua de olho. – 565 horas de informação. – 1.000 crianças beneficiadas pelo projeto. – 2.000 toneladas de material reciclado. – 10 entidades assistidas. Duas décadas de compromisso com o meio ambiente e a cidadania. Queremos suas ideias para os próximos anos. Mande sua mensagem para o blog Eldorado Socioambiental. Acesse www.territorioeldorado.com.br e participe! * Fundação SOS Mata Atlântica A Rádio dos melhores ouvintes "A maioria das pessoas só vai sentir o impacto daqui a 10 anos e será tarde demais" pesqueiro e paisagístico do Pantanal, não podemos instalar 116 hidrelétricas indiscriminadamente. Agora, se a escolha for pelo fornecimento de energia, a sociedade deve saber o preço dessa opção”, conclui Débora, acrescentando que a mesma lógica se aplica também a outras regiões ameaçadas por essas barragens. Pelé. O temor da pesquisadora so- bre a situação que se desenha no Pantanal também está presente no depoimento de Osmar Nunes de Souza, de 49 anos, pescador desde os nove. Conhecido como Pelé, ele é morador dos arredores de Coxim. “O rio tem vida igual a gente. Se você mexe de um lado, ele corre pro outro. Ele não vai mais andar solto como anda hoje, vai ter muita água presa, e a gente tem medo de assorear muito e não ter mais como transitar, nem pescar.” O problema é que o assoreamento já é uma ameaça para a região, sobretudo para a planície. “A planície pantaneira é um ‘fundo de prato’. Nas beiradas - o planalto - estão os rios que nascem e desembocam na região”, explica didaticamente a pesquisadora Emiko Rezende, da Embrapa Pantanal. Ela trabalha há anos com a bacia do rio Taquari, também um afluente do Paraguai. “O assoreamento do Taquari é um processo antigo e, até certo ponto, natural. Mas a intervenção humana está acelerando o processo, e algo que aconteceria em 30 anos agora acontece em cinco.” Resultado: o leito do rio subiu muito e algumas áreas da planície pantaneira não secam mais. “Isso impossibilita culturas como banana, laranja e arroz”, afirma Emiko. Ela explica ainda que o assoreamento reduz os estoques pesqueiros. “Se a área não seca, não cresce a vegetação terrestre que, na época da inundação, vira comida para os peixes”. Caseira de um rancho à beira do rio Coxim, Maria Aparecida de Moraes, de 62 anos, critica a construção de hidrelétricas. “Isso aqui é a nossa história. É o rio que a gente vive.” Para ela, represar o rio significa perder seu emprego e impedir que seus filhos continuem vivendo da pesca. “O pior é que a maioria das pessoas só vai sentir e perceber o impacto daqui uns 10 anos e aí já vai ser tarde demais”, diz Nilo Peçanha, do Cointa. H12 %HermesFileInfo:H-12:20100322: O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010 PLANETA CONSUMO Não basta matar a sede. Tem de ter grife Alice Lobo ESPECIAL PARA O ESTADO Autor de Fine Waters - A Connoisseur's Guide to the World's Most Distinctive Bottled Waters, um guia de águas sofisticadas para consumo, o americano Michael Mascha calcula que existam mais de 3 mil marcas no mundo. Só um punhado delas faz parte do clube das águas de grife, símbolos de status equivalentes aos grand crus de vinícolas renomadas. Para chegar a esse posto, o marketing é vital, mas também pesam fatores como tradição e, segundo especialistas como Mascha, qualidade. E qualidade, nesse caso, está ligada à composição. O nível de carbonatação (a presença de gás carbônico) determina o quanto a água é gaseificada – em entrevista à revista Time, Mascha afirmou que 75% da experiência de consumir uma água premium está ligada ao tamanho e à quantidade das bolhas. O pH também conta: as alcalinas são adocicadas, as ácidas puxam para o amargo. Outro fator é a concentração de minerais. Águas com baixo índice de minerais são mais neutras, leves. Se fossem associadas ao mundo dos vinhos, seriam vinhos brancos. Alto índice de minérios dá origem a uma água mais encorpada, um vinho tinto. E, é claro, a tradição pesa. Tida como a “champanhe das águas”, a S. Pellegrino é engarrafada desde 1899, mas já era conhecida como “água milagrosa” desde a Idade de sódio, é uma água leve e costuma ser muito usada por sommeliers para acompanhar a degustação de vinhos GASEIFICADA naturalmente, passa por um processo no qual a água e os gases são retirados separadamente e combinados antes do envase Até R$25 R$ 89 COM FONTE na Lombardia, na Itália, vem de um aquífero a 400 metros de profundidade, onde entra em contato com pedras calcárias e rochas vulcânicas FEITA DE ALUMÍNIO, a famosa garrafa reutilizável suíça tem versões coloridas ou com frases em defesa do meio ambiente cem hoje à Nestlé, líder mundial de água engarrafada com mais de 70 marcas e 19% do mercado. Em 2008, teve faturamento de R$ 16 bilhões. A segunda maior produtora é a francesa Danone, que detém 11% do mercado e faturou R$ 7 bilhões em 2008. Parte do sucesso da Danone se deve à Evian, que vem de um aquífero abastecido por neve derretida dos Alpes franceses. Em 2007, a marca lançou uma edição limitada assinada por estilistas que custava o equivalente a R$ 25. Mas o valor de nenhuma dessas águas se compara à americana Bling, que custa de R$ 60, a garrafa fosca, a R$ 4.500, a cravejada de cristais. QUÍMICA • A quantidade de gás • carbônico na água determina se ela é gaseificada ou não. • A alta concentração de cálcio e magnésio é responsável pela “dureza” da água. • A forte presença de nitrato • QUERIDINHA das celebridades de Hollywood, a água americana • A classificação “mineral” varia conforme o país por garrafas, como a água passou a ser vendida e por que nós a compramos). Sua inspiração veio do fato do mercado de água engarrafada ser o que mais crescia entre as bebidas. "Comecei a pensar como a gente chegou ao pon- Bling tem uma edição limitada, em que a garrafa é cravejada com 10 mil cristais Swarovski to de ter 50 bilhões de garrafas descartadas por ano nos EUA”, disse Elizabeth em entrevista ao Estado. Ela explica que antes do uso de cloro no sistema de tratamento público, fazia sentido TORNEIRA comprar garrafas de água. Mas com a chegada de água tratada nas casas das grandes cidades, o mercado mudou. "Foi nos anos 80 que criaram a ideia de que era fundamental para a saúde beber muita água - uma ação esperta do marketing desta indústria." Com a cultura de beber tanta água durante o dia veio a importância de portabilidade da mesma. “Nos anos 90 a Coca-Cola e a Pepsi perceberam que estavam perdendo espaço para este mercado e na época elas vinham sendo criticadas por estimular consumo de refrigerantes. Decidiram, então, entrar neste mercado. E elas tinham muito dinheiro para "Chegamos ao ponto de ter 50 bilhões de garrafas descartadas todos os anos nos EUA" Elizabeth Royte, escritora americana CLAYTON DE SOUZA/AE Projeto estimula o uso de água filtrada em bares e restaurantes de São Paulo mentos. “Ela já é um produto que consumimos em nosso dia a dia, seja para a preparação da comida, em cafés, sucos ou gelo de bebidas. Por que não bebê-la?”, pergunta Letycia. A iniciativa, que tem o apoio da Prefeitura e do Governo de São Paulo, ainda não foi lançada oficialmente, mas já tem adeptos. É o caso do restaurante Fred Frank, em Moema (zona sul de São Paulo), e a casa de eventos Eco House, em • R$ 4.500 acusa se ela vem de solo contaminado "É HORA DE FUGIR DO ENGARRAFAMENTO" Foi com a ideia de reduzir o impacto ambiental do consumo de água engarrafada em mente que a economista Letycia Janot e a administradora de empresa Maria Fernanda Franco criaram o projeto Água na Jarra. O objetivo é promover a mudança cultural de consumo da bebida em bares e restaurantes, além de implementar o uso de água da torneira tratada, filtrada e purificada no maior número possível de estabeleci- • Bilhões. Essas três grifes perten- Livro explica por que compramos água E Até R$ 20 • COM BAIXA quantidade Entrevista: Elizabeth Royte u me sinto uma idiota comprando água engarrafada”, diz a jornalista americana Elizabeth Royte, autora do livro Bottlemania - How water went on Sale and Why We Bought It (algo como Loucos Até R$ 25 FOTOS: DIVULGAÇÃO Marketing, tradição, acidez e quantidade de bolhas transformam garrafinhas d'água em um mercado bilionário Média. Em 1957 a empresa San Pellegrino comprou a Acqua Panna, cuja fonte fica nas colinas da Toscana. Sem gás, a Acqua Panna é rica em minerais, mas tem baixa quantidade de sódio. Outra premium, a Perrier passa por processo em que gases vulcânicos encontram a água e emergem numa nascente de bolhas em Vergèze, no sul da França, usada para banhos termais desde o tempo dos romanos. Pinheiros (zona oeste). Pelo projeto, os interessados precisam ter um filtro com selo de qualidade e se comprometem a servir água tratada e purificada em uma jarra de vidro. Servir água da torneira é uma prática comum na Europa, onde ela muitas vezes nem é cobrada. Alguns restaurantes em São Paulo fazem o mesmo, como o Café Suplicy, o Ici Bistrô e o Le Jazz Brasserie. investir em propaganda. Foi aí que a água engarrafada ganhou um grande empurrão”, revela Elizabeth. A jornalista conta que bebe a água da torneira de sua casa e aconselha todos a fazerem o mesmo. Para quem fica inseguro com essa opção, ela sugere levar uma amostra da água para um laboratório. Se a qualidade não for comprovada, a americana defende o uso de um filtro. “Aí, basta comprar uma garrafa reutilizável. Lembre de pegá-la sempre, assim como seu celular e suas chaves. Não é preciso comprar água privatizada em pequenas garrafas de plástico.” COSMÉTICOS R$ 27 e R$ 50 • A ÁGUA TERMAL da La Roche-Posey tem ação cicatrizante e antioxidante R$ 25 a R$ 47 • Água na Jarra. Entra o filtro e saem as garrafinhas de plástico A DA MARCA Vichy acalma peles irritadas e estimula suas defesas naturais