planeta

Transcrição

planeta
H1
%HermesFileInfo:H-1:20100322:
O ESTADO DE S. PAULO
SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010
SUSTENTABILIDADE
& MEIO AMBIENTE
PLANETA
http://www.estadao.com.br/planeta
Pantanal
Novos vilões
Construção de hidrelétricas
ameaça ecossistema local
Sistema atual de tratamento
não detecta hormônios
Pág. H10
Pág. H9
ARTE: PAULA GAMA / FOTO: FELIPE RAU
Cadê a
água que
estava
aqui?
No Dia Mundial da Água,
analisamos o desafio do
abastecimento em
grandes cidades do mundo
e as iniciativas para
enfrentar o problema
H2
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O ESTADO DE S. PAULO
SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010
PLANETA
Editor-chefe de Publicações: Ilan Kow Editor-executivo: Luiz Américo Camargo Editor: Sergio Pompeu
Editora-assistente: Mariana Della Barba Diretor de arte: Fabio Sales Edição de arte: Andrea Pahim
Diagramação: Maurício Rezende Reportagem: Alice Lobo, Fernanda Fava, Karina Ninni
Tratamento de imagens: Alexandre Godinho, Carla Monfilier, Fernando Correa, Maurício Braga e Fabiano de Vito
ARQUIVO PESSOAL
ALMIR
SATER
mais tarde para São Paulo. Mas
ele aproveitava qualquer chance
de rever o Pantanal, visitando
amigos e insistindo para que
lhe vendessem um “lugar para
ter uma vaca leiteira”.
Enquanto não conseguia
juntar dinheiro para comprar terras, Almir bolou, com
o compositor Paulo Simões,
um pretexto para desbravar a
região.“Os antigos pantaneiros
que conhecíamos estavam muito velhinhos. Dali a pouco iam
todos embora e não tínhamos
nenhum registro deles. Aí falei
para o Simões: "A gente podia
fazer uma viagem para conhecer essa cultura.”
Nasceu assim a Comitiva Esperança, em 1984. Aos dois se
juntaram o já falecido violinista
Zé Gomes, ao jornalista Zuza
Homem de Mello e uma equipe
de filmagens para produzir um
documentário. Em três meses,
Almir e sua comitiva percorreram mais de mil quilômetros
pelo Pantanal.
“Não tínhamos roteiro fixo,
seguíamos de acordo com as
informações das pessoas, procurando cantadores e tocadores
onde estivessem.”
CANTOR
E COMPOSITOR
Casa nova. Em 1991, as econo-
Meu Santuário: Pantanal
Aos 9 anos, violeiro já sabia que queria passar
seus dias pescando (e tocando) na região
APAIXONADO PELO
SILÊNCIO DA MATA
Fernanda Fava /
ESPECIAL PARA O ESTADO
O
compositor Almir Sater se considera um
“guardião das águas
e das matas”. Divide a paixão
pela viola com o amor pelo
Pantanal. Na sua fazenda à
beira do Rio Negro, perto de
Aquidauana (MS), gosta de se
aventurar pelas planícies habitadas por onças, capivaras, antas, queixadas e jararacas. “Os
bichos vão ficando mansos com
a gente. Tenho medo mesmo é
de passar de madrugada pela
Linha Vermelha.”
A ligação de Almir, nascido em Campo Grande, com o
Pantanal vem de menino. Com
9 anos, começou a passar as férias de verão na fazenda de um
amigo de seu pai. “Eu pensava:
'Quero crescer e morar aqui'”,
diz. “Sempre fui apaixonado
pelo silêncio da mata, pelo som
dos pássaros.”
A carreira artística levou Almir a se mudar para o Rio e
QUEM É
*mios Sharp, cantor e violeiro
CV: Vencedor de dois prê-
também trabalhou como ator
em novelas como Pantanale O
Rei do Gado.
mias do compositor já eram suficientes para que ele realizasse
o sonho de criança. Comprou
finalmente uma propriedade, às
margens da confluência do rios
Negro e Corixo, a cerca de 130
quilômetros da área urbana de
Aquidauana. De lá até a capital
Campo Grande são outros 140
quilômetros
Mudou-se para a fazenda no
Pantanal com a mulher, Paula
Sater. Os dois filhos do casal
– Almir tem mais um filho de
outro casamento – nasceram na
fazenda, e, até 1999, o local foi
residência fixa da família.
Por exigências da carreira e
pela necessidade de educar
os meninos, o cantor agora
passa quatro meses por ano
na fazenda e o restante na casa da família em São Paulo,
em um condomínio na Serra
da Cantareira (zona norte).
Quando está no Pantanal,
Almir sai pilotando o seu jipe pela planície durante os
meses de seca. Na época das
cheias, ele troca o veículo por
um avião teco-teco.
Entre suas atividades favoritas está pescar no rio Negro
com vara de bambu e isca de
coco: conhece o nome dos
peixes e a época adequada
para pescar cada um. “São 20
anos de experiência.”
Madeira sustentável. O fa-
zendeiro Almir coordena a
criação de gado, colhe fruta
do pomar, cria abelhas, faz
manejo sustentável da madeira. O cantor e fazendeiros
vizinhos têm um acordo para
conter a pesca predatória e o
desmatamento das margens
de rios. Este ano, Almir quer
juntar, com apoio da prefeitura de Aquidauana, 80 pescadores no período de defesa
da pesca para limpar os rios,
retirando o lixo da superfície
e nas margens.
Segundo Almir, quem vai
ao Pantanal só para explorar recursos naturais não fica muito tempo. “O próprio
Pantanal se defende, não é
todo mundo que aguenta o
calor de 40 graus, onças, cobras, mosquitos, além do fato
de quase não ter estradas e
de só ser possível chegar lá
de avião nos meses de cheia”,
diz. “Se colocar na ponta do
lápis, é um mau negócio: o
Pantanal é para quem souber conservar, ter uma vida
simples em contato com a
natureza.”
H4
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O ESTADO DE S. PAULO
SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010
PLANETA
RIO
PELO MUNDO
TASSO MARCELO/AE
Vai faltar
água boa
para o
consumo
Karina Ninni /
ESPECIAL PARA O ESTADO
veis de água no mundo.
Em 2025, boa parte do planeta
estará em situação de stress hídrico, ou seja: a água disponível
não será suficiente para os diferentes usos que o homem faz do
recurso, como a agricultura, que
é, de longe, a atividade que mais
consome água. Até lá, 3 bilhões
de pessoas sofrerão com escassez de água, segundo a ONU.
O consumo mundial de água
está aumentando – mesmo em
países onde a população cresce
pouco – e as reservas de água boa
estão cada vez mais ameaçadas
pelas atividades humanas. Esse
é o diagnóstico de dez entre dez
especia listas.
“O aumento do consumo está
conectado ao crescimento econômico dos países. Quanto maior
o PIB, maior o consumo”, afirma
Eduardo Mendiondo, do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Universidade Federal
de São Carlos.
Mendiondo trabalha com um
indicador chamado “pegada hidrológica”, que mede o consumo
total de água per capita ao ano – incluindo a água embutida nos produtos que consumimos. Ele acaba
de fazer o cálculo para a realidade
do País: “A pegada hidrológica de
um brasileiro médio é de 1.340 m³
per capita ao ano. A de um norteamericano é de 2.500.”
O cálculo faz sentido já que, segundo dados da ONU, o consumo
em países desenvolvidos é em média seis vezes maior do que nos países em desenvolvimento.
Hoje, mais de 1 bilhão de pessoas não têm acesso a fontes confiá-
Saneamento. Na América Latina e na África, a ameaça ainda
é o lançamento de esgoto sem
tratamento nos rios. Isso inclui
o Brasil, onde apenas 48% do
esgoto doméstico é tratado, de
acordo com a Agência Nacional
de Águas (ANA).
No final do ano passado, durante a 1ª Conferência Nacional
de Saúde Ambiental, o governo lançou o Compromisso pelo
Saneamento Básico, que prevê
o aumento de 80% do volume
de esgotos tratados no País até
2020, e de 45% no total da população atendida com coleta
de esgoto.
À medida que a água doce disponível sofre com a degradação
pela poluição, cresce o desafio
de garantir acesso ao recurso
para a população. Isso porque,
excluindo a água congelada dos
polos, a água doce representa
apenas 0,6% do total disponível
no planeta. Destes, 98% estão
contidas em aquíferos e apenas
2% nos rios e lagos.
Esse cenário preocupante
ganha mais atenção no dia de
hoje, data escolhida pela ONU
para celebrar o Dia Mundial da
Água.
Com o tema "Água
Limpa para um Mundo
Saudável”, ONU alerta
para a contaminação no
Dia Mundial da Água
Futuro dosfluminenses. O governo do Rio precisa investir R$ 1,4 bilhão para evitar o desabastecimento a partir de 2015
Com excedente
hídrico, Rio
sofre com
poluição
Clarissa Thomé /RIO
Ao inaugurar a Adutora de
Guandu, responsável pelo
abastecimento de água da região metropolitanado Rio, o
então governador da Guanabara Carlos Lacerda fez uma promessa: “Água até o ano 2000.”
Era 1966 e a população vinha
sofrendo com sucessivas crises
de escassez. Mais de 40 anos
depois, o relatório da Agência
Nacional de Águas (ANA)faz
um alerta. É preciso investir
R$ 1,4 bilhão no Estado para
evitar o desabastecimento a
partir de 2015.
O problema não é escassez
de água. O Rio tem excedente de recursos hídricos. Mas a
qualidade está comprometida.
“O Guandu tem disponibilidade hídrica, mas é preciso am-
pliara as estações de tratamento e
fazer obras de coleta e tratamento
de esgoto”, afirmou o superintendente-adjunto da agência, Sérgio
Ayrimoraes Soares.
O Guandu não é um rio caudaloso. Ele cresce ao receber dois
terços da água do Rio Paraíba do
Sul, que é desviado em Barra do
Piraí. A água vira energia elétrica
numa estação da Light e depois
alimenta o Guandu, responsável
pelo abastecimento 9 milhões de
pessoas de oito municípios.
A 300 metros da estação de
tratamento da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae),
três rios menores deságuam no
Guandu – Poços, Queimado e Ipiranga. Esses rios têm cor escura,
que demoram a se misturar à água
barrenta do Guandu. Vêm carregados de esgoto – cerca de 200
milhões de litros por dia.
“E por azar, a tubulação que faz
a captação do Guandu carrega
justamente essa água escura”, explica o professor Paulo Canedo,
coordenador do Laboratório de
Hidrologia da Coppe, pós-graduação de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“O resultado é que é preciso cap-
tar muito mais água, para diluir a
sujeira, e gastar muito mais em
produtos químicos para purificá-la.”
Segundo Canedo, a necessidade que o Rio tem de transpor parte
da água do Paraíba do Sul tem dois
impactos. O primeiro: reduz o potencial econômico da região. “As
empresas não se instalam ao longo do Paraíba porque vão ter mais
dificuldade de captar água”.
O segundo é que sobra pouco
para São Paulo, que também não
LÁ E CÁ
•
Os rios Poços, Queimados
e Ipiranga jogam por dia 200
milhões de litros de água poluída
no Guandu
• Eles deságuam a 300 metros
da estação de tratamento
•
As obras de canalização desses
canais custaram R$ 50 milhões
•
Para a proteção da tomada de
água no Rio Guandu, ANA calcula
investimento R$ 217 milhões
tem água limpa. E quer buscá-la
no Paraíba do Sul. “Essa discussão
está em nível técnico e vai emergir
em breve”, diz o professor. Para
ele, os dois lados da disputa estão errados. “Se o Rio tratasse o
seu esgoto, precisaria desviar menos água. Se São Paulo não tivesse esculhambado todos os seus
rios, não precisaria do Paraíba do
Sul”.
Rio canalizado. Para melhorar a
qualidade da água que chega à estação de tratamento, a Cedae decidiu canalizar os rios poluidores.
“Vamos canalizar os rios Poços,
Queimado e Ipiranga, que correrão por baixo do Guandu. Vamos
tirar essa água da captação”, afirmou o presidente da Cedae, Wagner Victer. A obra, que vai custar
R$ 50 milhões, está em fase de
licenciamento ambiental.
Victer ressalta que os dados
apresentados pela ANA são diagnóstico feito pela própria Cedae,
encaminhados para a agência.
“Acabamos de fazer a modernização da estação do Guandu e vamos investir mais de R$ 1 bilhão
para garantir o abastecimento
até 2035.”
LUKE MACGREGOR/REUTERS
BELÉM
CARLOS SILVA/AE
Rio Tâmisa. Despoluição não livrou o rio dos sacos plásticos
LONDRES
Poluição ancestral. No início do mês, o rio Tâmisa, que banha
a capital inglesa, atingiu seu nível mais baixo e revelou enormes
quantidades de lixo, em sua maioria garrafas e sacolas plásticas.
Todo ano, nessa época, voluntários da ONG Thames 21 limpam
o rio. Nos últimos dez anos, eles tiraram 250 mil sacolas plásticas do leito. O Tâmisa deixou de ser considerado potável por
volta de 1600. Mas o projeto de despoluição só começou a ser
colocado em prática no século XIX.
Guajará. A Baía é formada em grande parte por águas do rio Guamá, que responde pelo o abastecimento da cidade
Ábundância problemática. Em
Belém (PA), a rede de abastecimento de água chega a 80% dos
domicílios, mas apenas 4,5% estão conectados à rede coletora
de esgoto. O restante joga seus
dejetos diretamente nas 14 bacias
que cortam a cidade.
“São esgotos a céu aberto. Onze dessas bacias deságuam no rio
Guamá, que banha a cidade, e de
onde vem 75% da água que é tratada para distribuição”, afirma a
pesquisadora Vera Braz, presidente da Associação Brasileira de
Engenharia Sanitária e Ambiental no Pará.
Os dois lagos de tratamento
de água da cidade ficam a poucos
quilômetros do aterro sanitário
de Belém, o aterro do Aurá.
"Há um igarapé ao lado do aterro, que corre também para o rio
DIAGNÓSTICO
4,5%
das casas
•
estão conectadas à rede
coletora de esgotos em Belém,
capital do Pará
75%
da água
•
consumida na cidade sai do
Rio Guamá, onde deságuam 11
córregos que cortam a região
metropolitana
Guamá e leva muita sujeira para
lá", revela o pesquisador Haroldo
Bezerra, da UFPA.
Com a ampliação da estação de
tratamento, a cidade está pulando de uma produção de 4m³ de
água por segundo para 8 m³. “Ou
seja: vai produzir mais do que o
necessário”, diz Bezerra.
Acontece que a rede é comprometida. Em primeiro lugar, a
pressão é pequena. "A água não
tem força para chegar nas baixadas, onde mora a população
pobre, mesmo nos domicílios
servidos pela rede", explica Vera
Braz. Outro problema é o tráfego
intenso de veículos. "O tráfego
arrebenta a rede, que não pode
ser muito profunda, porque é tudo várzea”.
Essas particularidades, mais os
“gatos” feitos na rede para furto,
tornam perigoso o trajeto da água
até a casa do cidadão.
“Ela sai potável da estação de
tratamento, mas no caminho,
tem grandes chances de se contaminar”, diz Vera, acrescentando
que a riqueza de água na Amazônia é, ao mesmo tempo, um bem
e um mal.
"A cultura da abundância é péssima. As pessoas acham que aquilo não vai acabar nunca, que não
vai poluir nunca".
Há alguns anos foi finalizado
um projeto de macrodrenagem
feito na bacia do rio Una, uma
das mais comprometidas da cidade. Mas, ao invés de conectar
as casas à rede coletora de esgoto, o projeto construiu fossas
nas residências. "Na questão do
saneamento, o projeto deixou a
desejar", critica Vera. K.N.
FAHAD SHADEED/REUTERS
Oração. Habitantes de Riad pedem a Alá que a chuva caia
RIAD
Um mar de água. A Arábia Saudita sofre com a escassez de
água e investe milhões em dessalinização. Para abastecer a
capital Riad, com 4,5 milhões de habitantes, a água é extraída
do Golfo da Arábia, transportada por cerca de 370 km e então
dessalinizada. Com a tecnologia, os custos da dessalinização
estão caindo. “Há alguns anos, chegavam a US$ 1,5 por m³. Hoje
estão em US$ 0,35”, afirma José Galizia Tundisi, do Instituto
Internacional de Ecologia de São Carlos.
O ESTADO DE S. PAULO
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H5
PLANETA
SÃO PAULO
VIDAL CAVALCANTE/AE
Sistema Cantareira. A manutenção das matas ciliares e o baixo índice de poluição fazem deste o sistema mais barato da Região Metropolitana de São Paulo
Metrópole tem
100 mil novas
ligações de
água por ano
A Região Metropolitana de
São Paulo (RMSP) é abastecida
por oito sistemas que captam
água de diferentes mananciais.
Dos 39 municípios que a compõem, 31 deles são cobertos pela Companhia de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo
(Sabesp), que produz cerca de
105 mil litros de água por segundo.
A empresa trabalha com uma
média per capita de consumo
diário de 200 a 300 litros. Mas
a metrópole tem baixa disponibilidade hídrica. “Para abastecer os quase 20 milhões de
habitantes, São Paulo importa
48% da água que consome”, explica Paulo Massato, diretor da
Sabesp, salientando que o consumo por residência na grande
São Paulo diminuiu, principalmente por causa da redução
do tamanho das famílias e das
campanhas de conscientização.
“Há 12 anos, eram 19 mil litros
por mês por residência. Hoje são
12.800 litros”.
Mas, em compensação, cem
mil novas ligações de água são
feitas a cada ano na Região Metropolitana, que hoje tem 3,8 mi
lhões de ligações de água ativa.
Segundo o Agência Nacional
de Água (ANA), São Paulo precisaria investir R$ 3,5 bilhões
até 2015 para garantir o abastecimento até 2025.
“Já estamos ampliando a estação de Taiaçupeba, no complexo
do Alto Tietê, para aproveitar as
últimas possibilidades hídricas
das barragens de Paraitinga e
Biritiba Mirim. Isso aumenta a
produção do sistema de 10 mil
litros por segundo para 15 mil e
deve garantir a demanda para a
região metropolitana até 2017”,
garante Massato.
Esgoto e poluição. Como em
todo o País, o abastecimento de
água em São Paulo também está ameaçado pelo lançamento
de esgoto doméstico nos rios.
Segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Ce-
tesb), somente 45% do esgoto
do Estado é tratado. Por isso,
nos mananciais mais pressionados, custa mais caro manter
a qualidade necessária para distribuição.
“No sistema Cantareira, onde
há matas ciliares e o uso do solo não compromete a captação,
cada mil litros custam R$ 0,19
só em produtos químicos. Já no
sistema Guarapiranga, esse custo sobe para R$ 0,37”, confirma
Massato.
PERDAS E GANHOS
• 3,5 bilhões de litros de água
foram desviados por “gatos” na
Grande São Paulo em 2009.
• A quantidade desviada
abasteceria por um mês uma
cidade de 650 mil habitantes.
•
Há 12 anos o consumo por
residência era de 19 mil litros
mensais.
• Hoje o consumo por residência é
de 12.800 litros mensais.
O controle da qualidade da
água dos rios em São Paulo cabe
à Cetesb. De acordo com Nelson
Menegon Jr., gerente da Divisão
de Águas e Solos da Companhia,
a rede de monitoramento é composta de 333 pontos. “São feitas
seis medições por ano para cada
um dos pontos, sendo três medidas em época de chuvas e três
na estiagem”, explica.
Restrições. Segundo um decreto estadual de 1977, os rios do
Estado são divididos em quatro
classes. Os da classe 1 são os de
uso mais nobre: para preservação da vida aquática e o consumo humano. “O Tietê, dentro de
São Paulo, é um classe 4. Para esses rios, não há restrição de lançamento de metais pesados, por
exemplo”, explica Menegon. Ele
acrescenta que não há mais vida
aquática nos rios Tietê (dentro
de São Paulo), Tamanduateí e
Pinheiros.
“O problema, hoje, é que boa
parte dos rios está enquadrada
em uma classe, mas na realidade
já não pertence mais a ela, pelo
nível de poluentes que estão nas
águas”, admite.
A crescente degradação das
águas superficiais do Estado
pressiona os reservatórios de
águas subterrâneas. Segundo a
Cetesb, atualmente, aproximadamente 80% dos municípios
são total ou parcialmente abastecidos por águas subterrâneas,
atendendo uma população de
mais de 5,5 milhões habitantes.
“Estimamos em 12 mil o número de poços existentes na Região Metropolitana, mas só 30%
deles são legais. Na Grande São
Paulo, boa parte da água subterrânea já está contaminada”,
afirma Ricardo Hirata, professor do Instituto de Geociências
da USP.
Postos de gasolina, lixões,
aterros mal operados, acidentes com substâncias tóxicas, armazenamento, manuseio e descarte inadequado de matérias
primas utilizadas na indústria,
mineração, vazamento das redes coletoras de es goto e uso
incorreto de agrotóxicos e fertilizantes são principais fontes
de contaminação.
"As águas subterrâneas são a
caixa d'água do planeta. É preciso cuidar", alerta Hirata. K.N.
CALAMIDADE
3,8%
milhões
•
é o número de ligações ativas
de água na Região Metropolitana
de São Paulo.
3,5
bilhões
•
é o valor que deverá ser
investido até 2015 para garantir
abastecimento na Grande São
Paulo até 2025.
30%
dos poços
•
da Região Metropolitana de
São Paulo são ilegais. Segundo
o Instituto de Geociências da
USP, no total, há 12 mil poços na
metrópole.
STRINGER/REUTERS
NOVA DÉLHI
JITENDRA PRAKASH/REUTERS
Rio Yangtze. Opção para garantir água à capital chinesa
PEQUIM
No limite. Um em cada quatro chineses não tem acesso à água
potável. A situação é particularmente grave em Pequim, onde a
população de 17 milhões de habitantes supera a capacidade de
abastecimento local. A cidade também sofre com secas periódicas. Para tentar suprir a capital chinesa, cerca de 1 bilhão de
metros cúbicos de água do rio Yangtze serão transpostos para
Pequim anualmente, a partir de 2014. Ao todo, 48 bilhões de
metros cúbicos de água serão desviados.
NOOR KHAMIS/REUTERS
Rio Sagrado. Símbolo da purificação para os indianos, o Ganges é hoje um dos rios mais poluídos do mundo
Ironia indiana. O rio Ganges é
Sem saída. Compra de água para encarar racionamento
NAIRÓBI
Seca e corrupção. Na capital do Quênia, a seca e o desma-
tamento fizeram a represa de Ndakaini baixar 44 milhões
de m³. Três dos quatro rios que alimentam a represa já
secaram. Como se não bastasse, no ano passado foi descoberta uma quadrilha que desviava quase metade da água
da cidade para irrigar fazendas. Os 3 milhões de habitantes
tiveram de comprar água para poder suportar o racionamento.
o símbolo da pureza espiritual
para os indianos. O épico sanscrito Ramayana apontava que
qualquer pessoa que tocasse a
sua água se purificaria. Mas isso
foi quatro séculos antes de Jesus Cristo e bem anterior à era
Industrial.
Nos últimos anos, os níveis de
poluição do rio e de seus afluentes são uma ameaça para a saúde
humana. Mesmo assim, a população local continua a se purificar
no Ganges. Em 1984, a intoxicação das águas do rio matou 20
mil pessoas. Desde os anos 90,
o volume de esgoto despejado
no Ganges dobrou. Na cidade de
Varanasi, considerada como o local mais sagrado do país, o nível
de bactérias do rio é 3 mil vezes
superior ao que a Organização
CALAMIDADE
69%
dos esgotos
•
das cidades indianas são
despejados em rios, lagos e no
mar, sem tratamento.
500 mil
pessoas
•
morrem por ano na Índia de
doenças ligadas à poluição das
águas.
Mundial da Saúde (OMS) considera aceitável. Num dos trechos do rio Yamuna, afluente do
Ganges e que atravessa a capital
Nova Délhi, a vida aquática desapareceu. Em 1909, o rio Yamuna
era descrito como tendo águas
"azuis". Mas depois de abastecer
50 milhões de pessoas e de receber 58% dos esgotos de Délhi, o
rio também está entre os mais
poluídos do mundo.
Hospitais para tuberculosos
têm seus esgotos direcionados
aos rios Ganges e Yamuna. Além
disso, 69% dos esgotos das cidades indianas são despejados nos
rios, lagos e no mar sem tratamento. Os dados são do Conselho de Controle de Poluição de
Nova Délhi.
Não por acaso, 500 mil pessoas morrem por ano na Índia de
doenças ligadas à poluição das
águas. Ela é a primeira causa de
doenças de pele no país e a maior
responsável pelas taxas de mortalidade infantil.
Em 2009, o governo criou a Autoridade para a Bacia do Rio Ganges e estipulou, em parceria com
o Banco Mundial, um projeto de
US$ 1 bilhão para salvar o rio. Outros US$ 4 bilhões devem ser usados até 2020 para garantir que os
esgotos não continuem a ser jogados no rio e seus afluentes.
Mas muitos duvidam que o dinheiro seja usado de forma eficiente. Em dez anos, US$ 500
milhões já foram gastos para recuperar o Yamuna na região de
Nova Delhi. Mas em 2009 fconstatou-se que o rio estava tão ou
mais poluído que em 1989. JAMIL CHADE
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%HermesFileInfo:H-6:20100322:
SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010
O ESTADO DE S. PAULO
H8
%HermesFileInfo:H-8:20100322:
O ESTADO DE S. PAULO
SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010
PLANETA
ESTAÇÃO DE TRATAMENTO ALTO DA BOA VISTA
1 Captação
Sistemas de distribuição de água da Grande São Paulo
Equipes da Sabesp
fiscalizam a represa,
retirando o lixo da água
HIDROGRAFIA
FISCAIS
DA SABESP
Cidade de São Paulo
2 Coagulação
COAGULANTE
PARA ATRAIR IMPUREZAS
FORMANDO PEQUENOS
COÁGULOS
CLO
CLORO
PARA INICIAR A PURIFICAÇÃO
CAL
PARA TRATAR O PH
DA ÁGUA
A agitação constante da
água permite que as
partículas de sujeira se
juntem formando
coágulos
CANTAREIRA/
ALTO TIETÊ
CANTAREIRA
ALTO TIETÊ
BAIXO COTIA
GUARAPIRANGA/
ALTO TIETÊ
RIO CLARO/
ALTO TIETÊ
CANTAREIRA/
GUARAPIRANGA
ALTO COTIA
GUARAPIRANGA
3 Floculação
Mantendo as
párticulas em
velocidade mais
baixa, o sistema
impede que os
coágulos se
desfaçam
RIO CLARO
RIO GRANDE
RIO CLARO
RIBEIRÃO DA ES??
4 Decantação
Nesse estágio, os
coágulos de sujeira,
mais pesados, vão para
baixo e 90% das
impurezas são retiradas
nesse estágio. A água é
coletada na superfície.
COÁGULOS
O caminho
da água
até a sua
torneira
Após ser retirada de um
rio ou uma represa, ela
passa por várias fases
de purificação até ser
totalmente limpa
Fernanda Fava/
ESPECIAL PARA O ESTADO
Não são poucas as barreiras
que separam a água retirada de
rios, mananciais ou represas das
torneiras das casas paulistanas.
Em alguns locais, como na represa Guarapiranga, a ocupação
irregular das margens contamina
a água com o despejo de esgoto,
além de desmatar a vegetação do
entorno, aumentando o risco de
assoreamento. Frente a isso, antes mesmo de começar a etapa
do tratamento, a Sabesp realiza
tarefas preventivas para que a
água que chega à estação de tratamento do Alto da Boa Vista - re-
Guia
Como
escolher o
purificador de
água ideal
tratada ao lado - tenha uma qualidade aceitável e não encareça o
processo.
Uma delas é a operação Catabagulho, que retira da represa
resíduos como garrafas PET, latas, sacolas plásticas. Segundo
o superintendente de produção
de água da Sabesp, Hélio Castro,
esses materiais também podem
encalhar nas grades de proteção
da adutora que retira a água da
represa e leva para a estação de
tratamento, atrapalhando a vazão do líquido e demanda uma
boa manutenção das grades.
Já na captação são adicionadas
substâncias para eliminar algas
que se proliferam em ambientes
aquáticos contaminados, principalmente quando há despejo de
esgoto. Além da estação Alto da
Boa Vista, existem outros sete
complexos hídricos são responsáveis pelo abastecimento de 33
municípios da região metropolitana a uma vazão de 67 mil litros
por segundo de água, que percor-
5 Filtração
Filtros livram a água
das últimas impurezas
COÁGULOS
SE DEPOSITAM NO
FUNDO DO TANQUE
6 Tratamento final
CARVÃO MINERAL
PROTEGE A CAMADA DE AREIA
40 cm
AREIA
FAZ A FILTRAGEM
27 cm
PEDREGULHOS
SUPORTE DAS OUTRA CAMADAS
27 cm
Últimos componentes
químicos são adicionados
CLORO
ADIÇÃO DE
0,5MG/LITRO
FLÚOR
POR LEI, É NECESSÁRIO
ADICIONÁ-LO PARA REDUZIR
A INCIDÊNCIA DE CÁRIES
CAL
AJUSTA O PH DA ÁGUA
PARA CONTER A ACIDEZ
rem cerca de 1,2 mil quilômetros
de tubulação para chegar na casa
dos paulistanos.
O sistema Guarapiranga é o
maior dos oito complexos, atendendo a 8,1 milhões de pessoas quase metade da população com
acesso a água tratada na Grande
São Paulo. Esse volume abastece bairros do Centro e da Zona
Norte, além de municípios como Osasco, Santo André e São
Caetano do Sul. O complexo da
Guarapiranga vem em seguida,
abastecendo 3,8 milhões de pessoas na zona sul e sudoeste.
Em alguns lugares, a água vem
de distâncias de mais de 70 km,
de outras cidades e até de outro
Estado, como na Cantareira, que
abrange 12 municípios.
A ÁGUA É PROVADA
7 Distribuição
A água segue para os
reservatórios dos bairros
e de lá para as casas
AE
O/
TT
IO
O:
IC
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OG
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PE
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OI
M
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LL
WI
R
MA
MP
CA
I
As vantagens e
desvantagens
de cada método
A partir da semana que vem,
os fabricantes e importadores
de filtros e purificadores terão
o prazo de até um ano para
vender apenas produtos com
um selo único de certificação
emitido pelo Inmetro.
"Esse selo único vai garantir
aos consumidorer que o que
está escrito no rótulo dos
filtros e aparelhos foi seguida
à risca durante a fabricação",
afirma o chefe de Programas
de Avaliação da Conformidade
do Inmetro, Gustavo Kuster.
Com informações de Kuster e
de Sheila Silveira, especialista
do Instituto Falcão Bauer, o
Estado preparou um guia para
o consumidor decidir qual a
melhor maneira de se obter
um copo de água potável em
casa.
1 Fervura
2 Filtro de barro
Basta ferver a água numa chaleira
ou panela em temperatura de ebulição, 100° C, durante cerca de 10
minutos.
Feitos de barro ou de cerâmica, os
filtros funcionam por gravidade,
com a água passando de um
recipiente para outro, sem ligação
com a rede hidráulica.
• PRÓS
A técnica mais simples e barata.
É suficiente para matar os principais micro-organismos que
provocam doenças.
• CONTRAS
Por não ser um método de filtragem, não elimina pequenos
resíduos ou vírus como o da
hepatite A, que só é destruído a
120° C
• PRÓS
Os elementos responsáveis pela
filtração, como velas com microporos, que conseguem remover
até 99% das impurezas.
• CONTRAS
Alguns modelos não eliminam
completamente as bactérias. A
limpeza e a troca da vela precisa
ser feita regularmente.
3 Purificador e
filtro de torneira
4 Pastilhas de
iodo ou cloro
Funcionam de forma semelhante aos
filtros de barro, mas precisam estar
ligados ao encanamento da casa.
Adicionadas à água, elas ajudam
a matar micro-organismos. Seu
efeito começa após 30 minutos.
• PRÓS
• PRÓS
Alguns purificadores têm carvão
ativado, que reduz o gosto forte dessa substância. Outros usam ozônio
para reduzir o nível de bactérias
• CONTRAS
Muitos consumidores não precisariam desse método, já que a água
que recebem é de boa qualidade.
Outra desvangagem é o preço,
mais alto que os filtros de barro.
Pela praticidade, são muito usadas por viajantes que não têm
acesso à água tratada
• CONTRAS
É preciso utilizar, paralelamente,
um método de filtragem, pois
elas não retiram pequenos resíduos sólidos e agrotóxicos. Além
disso, o iodo e o cloro podem
deixar gosto ruim na água
O ESTADO DE S. PAULO
%HermesFileInfo:H-9:20100322:
SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010
H9
PLANETA
ALERTA
JOSÉ LUIZ DA CONCEIÇÃO / AE
Novos vilões
ameçam
abastecimento
Sistema convencional
de tratamento da água
não detecta hormônios
e outras substâncias
nocivas
Clarissa Thomé/RIO
Karina Ninni /
ESPECIAL PARA O ESTADO
Não bastassem todas as substâncias químicas que as estações
de tratamento já retiram da água
que chega à nossa casa, uma nova
ameaça vem preocupando especialistas no Brasil e do mundo: os
hormônios e outros compostos
que o sistema atual não detecta.
“O esgoto produzimos hoje é
completamente diferente do da
década de 40. Hoje consumimos
anticoncepcional, medicamentos, produtos de limpeza e higiene pessoal que não existiam
e têm atividade hormonal”, diz
a professora Márcia Bezotti, coordenadora do Laboratório de
Controle de Poluição das Águas,
da Coppe, pós-graduação de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Por isso, o
tratamento de esgoto e água não
pode continuar igual, mas as es-
tações do Rio são de 1950."
Testes realizados pela Coppe
com amostras de água não tratada do Rio Paraíba do Sul revelaram a presença de estradiol - hormônio capaz de alterar o funcionamento reprodutor.
Os pesquisadores fizeram coletas de água nos municípios de
Resende, Volta Redonda, Barra Mansa e Campos dos Goyta-
EM NÚMEROS
8
amostras
• DAS 15 coletadas em águas
não tratadas de municípios
do Rio continham o hormônio
estradiol
90
países
•
ASSINARAM um tratado
internacional para banir
poluentes orgânicos, incluindo
o Brasil
cazes. Das 15 amostras, 8 continham estradiol. “A literatura
médica mostra que mesmo em
baixa concentração essa substância aumenta o risco de câncer
de próstata, de mama, de útero”,
afirma Márcia. Ainda que feita
com amostras não tratadas, a
descoberta levanta a discussão
sobre a necessidade de se modernizar estações de tratamento de
água e esgoto. Márcia defente que
métodos tradicionais de tratamento não eliminam os hormônios completamente.
“Nós captamos água já tratada do Guandu e só uma das
amostras apresentou atividade
hormonal", afirma a professora, acrescentando que isso não é
motivo para alarde, mas deveria
incentivar a melhoria dos sistemas de tratamento.
O presidente da Companhia
Estadual de Águas e Esgoto do
Rio, Wagner Victer, rebate. “Nosso sistema de tratamento é utilizado no mundo inteiro e segue
rígida legislação.”
No Brasil, a água que sai das estações de tratamento tem de estar dentro de normas de potabilidade estabelecidas por uma portaria do Ministério da Saúde em
2004. Mas diversas substâncias
não têm parâmetros de mensuração, caso de componentes presentes em alguns agrotóxicos.
“Existem 800 substâncias diferentes com uso autorizado
no Brasil, como tipos de pesticidas e inseticidas. Essas substâncias acabam indo parar na
água. Dessas, apenas 22 constam da portaria do Ministério,
com limite de uso”, explica a engenheira química Eliana Freire
Gaspar de Carvalho, da Universidade Federal do Mato Grosso.
PERIGO. Outra preocupação dos
Poluição. Para Márcia Bezotti, é preciso modernizar tratamento
especialistas são os POPs: poluentes orgânicos persistentes.
“São substâncias químicas que
persistem no ambiente, acumulado-se nos microorganismos,
nas plantas, nos animais e no
homem”, esclarece José Galizia
Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia de São Carlos.
Em maio de 2001, 90 países,
inclusive o Brasil, assinaram um
Tratado Internacional para banir
os 12 POPs considerados mais perigosos para o meio ambiente e a
saúde pública. Apesar de muitos
deles já terem sido proibidos em
vários países, justamente por terem vida longa, continuam sendo
detectados em algumas áreas.
“Detectamos a presença de
DDT, uma substância já proibida no Brasil, em amostras de sedimentos de rios no Pantanal",
diz Eliana. Apesar de ser nocivo,
o DDT foi usado para pulverização em áreas endêmicas de malária e outras doenças tropicais até
os anos 90, porque o número de
mortes causadas pelas doenças
era um risco maior para a população do que o uso da substância.
“Existem mais de 200 mil produtos stóxicos sendo utilizados
no mundo. Eles não causam problemas somente para a espécie
humana. São especialmente nocivas também para o ambiente
aquático”, alerta Tundisi.
H10
%HermesFileInfo:H-10:20100322:
O ESTADO DE S. PAULO
SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010
PLANETA
RISCO
MÔNICA NÓBREGA/AE
Pantanal
na berlinda
Rio Paraguai.
Regime de secas
e cheias pode ser
modificado com
hidrelétricas
Osmar Nunes de Souza: “O rio tem vida igual a gente. Se você mexe de um lado, ele
corre pro outro. Ele não vai mais andar solto como anda hoje.” PESCADOR E MORADOR DE COXIM
7O%
Débora Calheiros: “Outro agravante é o fato de 70% dessas hidrelétricas estarem
previstas para a mesma área. Os projetos estão sendo licenciados separadamente, ao
invés de se realizar um estudo sobre os impactos em toda a bacia”. BIÓLOGA DA EMBRAPA PANTANAL
já em andamento. Por meio de sua
assessoria de imprensa, o presidenInstalação de mais de
te da EPE, Maurício Tolmasquim,
100 hidrelétricas ameaça afirmou que a empresa iniciará este
ecossistema da região e ano o levantamento.
pode prejudicar atividade
“Às vezes, no mesmo rio, há duas,
três PCHs projetadas”, explica Déda população ribeirinha
bora. Um bom exemplo é o Rio Coxim, que banha a cidade de mesmo
Karina Ninni/
nome, no Mato Grosso do Sul, a um
passo da planície pantaneira. Só ali
ESPECIAL PARA O ESTADO
estão previstas três barragens. Já no
Ivanise Andrade/
município de São Gabriel do Oeste,
DE COXIM, MS
a poucos quilômetros de Coxim,
No Pantanal, onde a dinâmica da já existe uma em operação: a PCH
água dita o ritmo de vida de milha- Ponte Alta.
“No ano passado, a liberação dos
res de pessoas, a pesca, a agricultura familiar, a criação de gado e até o sedimentos de Ponte Alta provocou
turismo pesqueiro estão ameaça- a morte de milhares de peixes. Os
dos pela instalação de 116 pequenas ribeirinhos ficaram muito preocucentrais hidrelétricas (PCHs) na pados”, diz Nilo Peçanha Coelho
Bacia do Alto Paraguai - principal Filho, do Consórcio Intermuniciresponsável pelo regime de inunda- pal para o Desenvolvimento Susções periódicas que fazem da região tentável da Bacia do Rio Taquari
um Patrimônio da Humanidade.
O alerta é da bióloga Débora Calheiros, pesquisadora da Embrapa
Pantanal. “Desmatamento e criação de gado de forma equivocada
são problemas possíveis de minimizar. Os impactos das pequenas
centrais não são.”
Por trás da construção dessas
PCHs está o interesse de grupos
empresariais de segmentos como
a agricultura mecanizada.
As barragens impedem que os
peixes subam os rios e que os nutrientes da água fluam de um local para outro. Ou seja: prejudicam
Nilo Peçanha Coelho,
tanto a desova quanto a alimentamembro do Cointa
ção dos peixes. Além disso, a liberação de sedimentos das barragens
pode assorear os rios.
Segundo Débora, outro agravan- (Cointa).
te é o fato de 70% das PCHs estaSegundo ele, cerca de 5 mil pessorem previstas para o mesmo local: as vivem do turismo ligado à pesca
a região norte da Bacia do Alto Pa- em Coxim. “Todo mundo vai sofrer
raguai. Das 116 previstas, já existem as consequências das barragens”,
29 em operação. O restante está em prevê.
fase de construção, licenciamento
Pesadelo. O impasse que cerca a
ou estudo.
“Os projetos estão sendo licen- instalação de PCHs no Pantanal
ciados separadamente, ao invés de não é privilégio daquela região. Em
se realizar uma avaliação ambiental Roraima, índios que habitam a pointegrada, que dá conta dos impac- lêmica reserva Raposa Serra do Sol
tos das obras para toda a bacia”, protestaram recentemente contra a
afirma a bióloga, ressaltando que instalação de pequenas centrais hio excesso de PCHs pode modifi- drelétricas em suas terras. Em São
car o pulso de inundação natural Paulo, na bacia Sorocaba-Médio
da região. S
Tietê, há previsão de instalação de
A Empresa de Pesquisa Energé- duas PCHs, nos municípios de Itu
tica (EPE), ligada ao Ministério de e Cabreúva. O projeto está tirando
Minas e Energia, é a responsável o sono de ambientalistas e até de
pela realização da avaliação integra- políticos locais.
da. No entanto, o estudo ainda não
“É uma questão de escolha: se
foi realizado mesmo com as obras quisermos preservar a o potencial
2010
ANOS
1990 – Rádio Eldorado inicia a
campanha pela recuperação do rio Tietê,
em parceria com a BBC de Londres.
1991 – Rádio Eldorado coordena
o maior abaixo-assinado por uma
causa ambiental da América Latina.*
ANOS
2000 – A Rádio Eldorado inicia
campanha para estimular a
consciência ambiental, com
valores como qualidade de vida
nas cidades, consumo consciente,
descarte e preservação ambiental.
Em 10 anos:
1992 – Rádio Eldorado repercute em
matérias os avanços da campanha e
consegue a primeira vitória com o início
do projeto de despoluição do rio Tietê.
2010 – 20 anos da reportagem que
começou tudo isso.
A Rádio Eldorado continua de olho.
– 565 horas de informação.
– 1.000 crianças beneficiadas
pelo projeto.
– 2.000 toneladas
de material reciclado.
– 10 entidades assistidas.
Duas décadas de compromisso
com o meio ambiente e a cidadania.
Queremos suas ideias
para os próximos anos.
Mande sua mensagem para o blog
Eldorado Socioambiental. Acesse
www.territorioeldorado.com.br e participe!
* Fundação SOS Mata Atlântica
A Rádio dos melhores ouvintes
"A maioria das
pessoas só vai
sentir o
impacto daqui
a 10 anos e será
tarde demais"
pesqueiro e paisagístico do Pantanal, não podemos instalar 116 hidrelétricas indiscriminadamente.
Agora, se a escolha for pelo fornecimento de energia, a sociedade
deve saber o preço dessa opção”,
conclui Débora, acrescentando que
a mesma lógica se aplica também a
outras regiões ameaçadas por essas
barragens.
Pelé. O temor da pesquisadora so-
bre a situação que se desenha no
Pantanal também está presente no
depoimento de Osmar Nunes de
Souza, de 49 anos, pescador desde
os nove. Conhecido como Pelé, ele
é morador dos arredores de Coxim. “O rio tem vida igual a gente.
Se você mexe de um lado, ele corre
pro outro. Ele não vai mais andar
solto como anda hoje, vai ter muita
água presa, e a gente tem medo de
assorear muito e não ter mais como
transitar, nem pescar.”
O problema é que o assoreamento já é uma ameaça para a região, sobretudo para a planície. “A planície
pantaneira é um ‘fundo de prato’.
Nas beiradas - o planalto - estão os
rios que nascem e desembocam na
região”, explica didaticamente a
pesquisadora Emiko Rezende, da
Embrapa Pantanal.
Ela trabalha há anos com a bacia
do rio Taquari, também um afluente do Paraguai. “O assoreamento do
Taquari é um processo antigo e, até
certo ponto, natural. Mas a intervenção humana está acelerando o
processo, e algo que aconteceria em
30 anos agora acontece em cinco.”
Resultado: o leito do rio subiu
muito e algumas áreas da planície
pantaneira não secam mais. “Isso
impossibilita culturas como banana, laranja e arroz”, afirma Emiko.
Ela explica ainda que o assoreamento reduz os estoques pesqueiros. “Se a área não seca, não cresce
a vegetação terrestre que, na época
da inundação, vira comida para os
peixes”.
Caseira de um rancho à beira do
rio Coxim, Maria Aparecida de Moraes, de 62 anos, critica a construção de hidrelétricas. “Isso aqui é a
nossa história. É o rio que a gente
vive.” Para ela, represar o rio significa perder seu emprego e impedir
que seus filhos continuem vivendo
da pesca.
“O pior é que a maioria das pessoas só vai sentir e perceber o impacto daqui uns 10 anos e aí já vai
ser tarde demais”, diz Nilo Peçanha, do Cointa.
H12
%HermesFileInfo:H-12:20100322:
O ESTADO DE S. PAULO
SEGUNDA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2010
PLANETA
CONSUMO
Não basta
matar a
sede. Tem
de ter grife
Alice Lobo
ESPECIAL PARA O ESTADO
Autor de Fine Waters - A
Connoisseur's Guide to the World's
Most Distinctive Bottled Waters, um
guia de águas sofisticadas para
consumo, o americano Michael Mascha calcula que existam
mais de 3 mil marcas no mundo.
Só um punhado delas faz parte
do clube das águas de grife, símbolos de status equivalentes aos
grand crus de vinícolas renomadas. Para chegar a esse posto, o
marketing é vital, mas também
pesam fatores como tradição e,
segundo especialistas como Mascha, qualidade.
E qualidade, nesse caso, está
ligada à composição. O nível de
carbonatação (a presença de gás
carbônico) determina o quanto a
água é gaseificada – em entrevista
à revista Time, Mascha afirmou
que 75% da experiência de consumir uma água premium está
ligada ao tamanho e à quantidade
das bolhas. O pH também conta:
as alcalinas são adocicadas, as ácidas puxam para o amargo. Outro
fator é a concentração de minerais. Águas com baixo índice de
minerais são mais neutras, leves.
Se fossem associadas ao mundo
dos vinhos, seriam vinhos brancos. Alto índice de minérios dá
origem a uma água mais encorpada, um vinho tinto.
E, é claro, a tradição pesa. Tida
como a “champanhe das águas”, a
S. Pellegrino é engarrafada desde
1899, mas já era conhecida como
“água milagrosa” desde a Idade
de sódio, é uma água leve e
costuma ser muito usada por
sommeliers para acompanhar a
degustação de vinhos
GASEIFICADA naturalmente,
passa por um processo no qual
a água e os gases são retirados
separadamente e combinados
antes do envase
Até R$25
R$ 89
COM FONTE na Lombardia, na
Itália, vem de um aquífero a 400
metros de profundidade, onde
entra em contato com pedras
calcárias e rochas vulcânicas
FEITA DE ALUMÍNIO, a
famosa garrafa reutilizável
suíça tem versões coloridas ou
com frases em defesa do meio
ambiente
cem hoje à Nestlé, líder mundial
de água engarrafada com mais de
70 marcas e 19% do mercado. Em
2008, teve faturamento de R$ 16
bilhões. A segunda maior produtora é a francesa Danone, que detém 11% do mercado e faturou R$
7 bilhões em 2008.
Parte do sucesso da Danone se
deve à Evian, que vem de um aquífero abastecido por neve derretida
dos Alpes franceses. Em 2007, a
marca lançou uma edição limitada
assinada por estilistas que custava
o equivalente a R$ 25. Mas o valor
de nenhuma dessas águas se compara à americana Bling, que custa de R$ 60, a garrafa fosca, a R$
4.500, a cravejada de cristais.
QUÍMICA
• A quantidade de gás
•
carbônico na água determina
se ela é gaseificada ou não.
•
A alta concentração de cálcio
e magnésio é responsável pela
“dureza” da água.
• A forte presença de nitrato
• QUERIDINHA das celebridades de Hollywood, a água americana
•
A classificação “mineral”
varia conforme o país
por garrafas, como a água passou a ser vendida e por que nós
a compramos). Sua inspiração
veio do fato do mercado de água
engarrafada ser o que mais crescia
entre as bebidas. "Comecei a pensar como a gente chegou ao pon-
Bling tem uma edição limitada, em que a garrafa é cravejada com 10
mil cristais Swarovski
to de ter 50 bilhões de garrafas
descartadas por ano nos EUA”,
disse Elizabeth em entrevista
ao Estado.
Ela explica que antes do uso
de cloro no sistema de tratamento público, fazia sentido
TORNEIRA
comprar garrafas de água. Mas
com a chegada de água tratada
nas casas das grandes cidades, o
mercado mudou. "Foi nos anos
80 que criaram a ideia de que era
fundamental para a saúde beber
muita água - uma ação esperta do
marketing desta indústria."
Com a cultura de beber tanta
água durante o dia veio a importância de portabilidade da mesma. “Nos anos 90 a Coca-Cola e
a Pepsi perceberam que estavam
perdendo espaço para este mercado e na época elas vinham sendo
criticadas por estimular consumo de refrigerantes. Decidiram,
então, entrar neste mercado. E
elas tinham muito dinheiro para
"Chegamos
ao ponto de
ter 50 bilhões
de garrafas
descartadas
todos os anos
nos EUA"
Elizabeth Royte,
escritora americana
CLAYTON DE SOUZA/AE
Projeto estimula o uso de água filtrada
em bares e restaurantes de São Paulo
mentos. “Ela já é um produto que
consumimos em nosso dia a dia,
seja para a preparação da comida,
em cafés, sucos ou gelo de bebidas.
Por que não bebê-la?”, pergunta
Letycia.
A iniciativa, que tem o apoio da
Prefeitura e do Governo de São
Paulo, ainda não foi lançada oficialmente, mas já tem adeptos. É o
caso do restaurante Fred Frank, em
Moema (zona sul de São Paulo), e
a casa de eventos Eco House, em
•
R$ 4.500
acusa se ela vem de solo
contaminado
"É HORA DE FUGIR DO
ENGARRAFAMENTO"
Foi com a ideia de reduzir o impacto ambiental do consumo de
água engarrafada em mente que a
economista Letycia Janot e a administradora de empresa Maria
Fernanda Franco criaram o projeto Água na Jarra. O objetivo é
promover a mudança cultural de
consumo da bebida em bares e
restaurantes, além de implementar o uso de água da torneira tratada, filtrada e purificada no maior
número possível de estabeleci-
•
Bilhões. Essas três grifes perten-
Livro explica por que compramos água
E
Até R$ 20
• COM BAIXA quantidade
Entrevista: Elizabeth Royte
u me sinto uma idiota
comprando água engarrafada”, diz a jornalista
americana Elizabeth Royte, autora do livro Bottlemania - How
water went on Sale and Why We
Bought It (algo como Loucos
Até R$ 25
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Marketing, tradição,
acidez e quantidade de
bolhas transformam
garrafinhas d'água em
um mercado bilionário
Média. Em 1957 a empresa San Pellegrino comprou a Acqua Panna,
cuja fonte fica nas colinas da Toscana. Sem gás, a Acqua Panna é
rica em minerais, mas tem baixa
quantidade de sódio.
Outra premium, a Perrier passa
por processo em que gases vulcânicos encontram a água e emergem numa nascente de bolhas em
Vergèze, no sul da França, usada
para banhos termais desde o tempo dos romanos.
Pinheiros (zona oeste).
Pelo projeto, os interessados
precisam ter um filtro com selo
de qualidade e se comprometem a
servir água tratada e purificada em
uma jarra de vidro.
Servir água da torneira é uma
prática comum na Europa, onde
ela muitas vezes nem é cobrada.
Alguns restaurantes em São Paulo fazem o mesmo, como o Café Suplicy, o Ici Bistrô e o Le Jazz
Brasserie.
investir em propaganda. Foi aí
que a água engarrafada ganhou
um grande empurrão”, revela
Elizabeth.
A jornalista conta que bebe
a água da torneira de sua casa
e aconselha todos a fazerem o
mesmo. Para quem fica inseguro com essa opção, ela sugere
levar uma amostra da água para
um laboratório. Se a qualidade
não for comprovada, a americana defende o uso de um filtro.
“Aí, basta comprar uma garrafa
reutilizável. Lembre de pegá-la
sempre, assim como seu celular e suas chaves. Não é preciso
comprar água privatizada em
pequenas garrafas de plástico.”
COSMÉTICOS
R$ 27 e
R$ 50
•
A ÁGUA TERMAL da
La Roche-Posey tem ação
cicatrizante e antioxidante
R$ 25 a
R$ 47
•
Água na Jarra. Entra o filtro e saem as garrafinhas de plástico
A DA MARCA Vichy acalma
peles irritadas e estimula suas
defesas naturais

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