ituiutaba (mg) - LAGEA - Universidade Federal de Uberlândia
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ituiutaba (mg) - LAGEA - Universidade Federal de Uberlândia
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO GEOGRAFIA E GESTÃO DO TERRITÓRIO A PECUÁRIA LEITEIRA NA COMUNIDADE DA CANOA – ITUIUTABA (MG): persistência e resistência WANDERLÉIA APARECIDA DE OLIVEIRA GOBBI UBERLÂNDIA – MG 2006 WANDERLÉIA APARECIDA DE OLIVEIRA GOBBI A PECUÁRIA LEITEIRA NA COMUNIDADE DA CANOA – ITUIUTABA (MG): persistência e resistência Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Geografia. Área de Concentração: Geografia e Gestão do Território. Orientadora: Profª. Drª. Vera Lúcia Salazar Pessôa UBERLÂNDIA – MG INSTITUTO DE GEOGRAFIA 2006 FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação / mg / 04/06 G574p Gobbi, Wanderléia Aparecida de Oliveira, 1971A pecuária leiteira na comunidade da Canoa – Ituiutaba (MG): persistência e resistência / Wanderléia Aparecida de Oliveira Gobbi. - Uberlândia, 2006. 250f. : il. Orientador: Vera Lúcia Salazar Pessôa. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Geografia. Inclui bibliografia. 1. Geografia agrícola - Teses. 2. Pecuária – Ituiutaba (MG) Teses. 3. Bovino de leite - Ituiutaba (MG) - Teses. I. Pessôa,Vera Lúcia Salazar . II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de PósGraduação em Geografia. III. Título. CDU: 911.3:631(815.1) Ao Gustavo, pela paciência e estímulo a mim dedicados ao longo deste trabalho. AGRADECIMENTOS Este trabalho não poderia ser concretizado se não fosse produto do esforço, da paciência, da amizade e da dedicação de várias pessoas. Por isso, agradeço a todos que de alguma forma colaboraram para a sua conclusão, especialmente: À professora Vera Lúcia Salazar Pessôa, pela orientação e disposição para as exaustivas leituras ao longo da elaboração desta dissertação. Ao professor Celso Donizete Locatel e à Professora Beatriz Ribeiro Soares, pelas contribuições e sugestões durante a realização do Exame de Qualificação. Ao professor João Cleps Júnior, que me despertou para a pesquisa científica. A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Geografia - IG da Universidade Federal de Uberlândia. Ao CNPq, pela concessão da bolsa. Ao Presidente da Comunidade da Canoa, Sr. Valmir Alvares de Faria, e a todos os produtores rurais da Comunidade, pela receptividade e boa vontade demonstrada durante as visitas realizadas às propriedades, no trabalho de campo. A EMATER- Ituiutaba, em especial, Lucas Lemos Bonon. Aos meus pais, Deolica e Walter, por fazerem da realização de seus filhos a sua própria realização. À minha família por adoção, Ana Vera, Francisco, Leonardo, Lívia e Luciano, pela amizade, apoio e crença no meu potencial. À Luiza Maria, cultivamos. pela amizade e companheirismo que, ao longo dos anos, Aos colegas, Djalma, Murilo, Renata, Mírian, Sidivan, Ízula, por suas contribuições intelectuais, opiniões e companhia diária. Aos colegas do LAGEA: Celbo, Claudecir, Paulo, Fredy, Eduardo, Raphael, Joelma, Marcelo, Fransualdo, Edione, Lucimeire, Carla, Cristiano, pelo apoio e contribuições no decorrer do trabalho. Aos meus colegas de turma, pelos momentos de estudo e descontração que desfrutamos durante o curso. Um especial agradecimento aos colegas Márcia, Sandra Muniz, Mirna, Bete, Roberto, Rejane, Gustavo, pelo convívio que tivemos. Agradeço, ainda, aos demais professores do Instituto de Geografia, pelas suas contribuições em minha formação intelectual e pessoal, particularmente, às professoras Beatriz Ribeiro Soares, Lezir Montes Ferreira e Claudete Aparecida D. Baccaro e aos professores Ireneu Antônio Siegler, Luiz Nishiyama, Mauro das Graças Mendonça, Samuel do Carmo Lima e William Rodrigues Ferreira. Às secretárias do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia: Lúcia Elena Peres Ramos, Janete Gonzaga de Freitas Martins, Cynara da Costa Machado Silva e Mizmar Couto de Andrade Costa, pela atenção e disposição em ajudar. Aos técnicos dos Laboratórios do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, especialmente, ao Celso Siqueira e Eleuza, pela digitalização dos mapas utilizado no trabalho. À Professora Ione pela revisão criteriosa da versão final deste trabalho. RESUMO A partir da década de 1990, em nível mundial, tem ocorrido intensa competição, acentuada mudança tecnológica, difusão de informações, abertura comercial, desregulamentação dos mercados, globalização e formação de blocos econômicos. Esses processos implicaram transformações nos cenários mundial, nacional e regional, e seus impactos foram sentidos nas diversas atividades econômicas brasileiras, dentre elas, a pecuária leiteira. Novas exigências foram delineadas para esse setor, dentre elas: maior tecnologia, conhecimento, qualidade e especialização. No município de Ituiutaba (MG), a situação não foi diferente. A pecuária leiteira é uma das atividades econômicas preponderantes, exercida, basicamente, por pequenos produtores com mão-de-obra centrada no trabalho familiar. Essas transformações redefiniram os padrões de concorrência no setor leiteiro. A maior concorrência instigou o processo de diversificação produtiva e a introdução de novas tecnologias em busca de maior competitividade. Na Comunidade da Canoa procuramos verificar a importância social e econômica da produção de leite, caracterizamos os produtores e identificamos como se dá a sua adequação às novas exigências sanitárias, bem como as suas manifestações de resistência a seguir tais normas e, ainda assim, continuarem como produtores de leite. Palavras-Chave: pecuária leiteira, pequeno produtor de leite, agricultura familiar, mudanças tecnológicas, Ituiutaba (MG). RESUMEN A partir de la década de 1990, a nivel mundial, ha ocurrido intensa competición , mudanza teclologica,difusión de informaciones, abertura comercial , desregulamentación de los mercados, globalización y formación de bloques económicos. Esos procesos han implicado transformaciones en el escenario mundial, nacional y regional, y sus impactos han sido sentidos en las diversas actividades económicas brasileñas, dentre ellas, la pecuaria lechera. Nuevas exigencias han sido delineadas para ese sector, dentre ellas: mayor teclología, conocimentos, calidad y especialización. En el municipio de Ituiutaba (MG), la situación no fue diferente. La pecuaria lechera es una de las actividades económicas preponderantes, ejercida, básicamente, por pequeños productores con mano de obra centrada en el trabajo familiar. Esas transformaciones han redefinido los padrones de concurrencia en el sector lechero. La mayor concurrencia instigó el proceso de diversificación productiva y la introducción de nuevas tecnologías en busca de mayor competividad.Verficamos, en la Comunidad de Canoa, la importancia social y económica de la producción de leche, caracterizamos los productos e identificamos como se da su adecuación a las nuevas exigencias sanitarias, bien como sus manifestaciones de resistencia a seguir tales normas y aún así continuar como productores de leche. Palabras-Llave: pecuaria lechera, pequeño productor de leche, agricultura familiar, mudanzas tecnologicas, Ituiutaba (MG). LISTA DE FIGURAS 1 - Produção nacional de leite por regiões brasileiras (%) – 2000 ..................................... 42 2 - Produção de leite por estados brasileiros (%) – 2001 ................................................... 43 3 - Estabelecimentos de laticínios brasileiros (%) – 1997 ................................................. 52 4 - Brasil/ Sudeste/ Ituiutaba (MG): agricultura familiar - número de estabelecimentos e área em 1995/96 (%) ..................................................................................................... 110 5 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): local de residência dos produtores (%) 2005 ............................................................................................................................. 128 6 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): canavial na propriedade arrendada para a Usina Vale do Paranaíba .............................................................................................. 135 7 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): habitação rural feita em madeira .................. 137 8 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): construção típica da região ........................... 138 9 - Habitação rural na Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): construção considerada "moderna": as paredes são de tijolos, há banheiro dentro da residência, energia elétrica, água encanada ................................................................................................ 138 10 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): equipamentos e estrutura para produção de leite (%) – 2005 .......................................................................................................... 141 11 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG) : em destaque, curral, cocheira e casa de bezerros ...................................................................................................................... 142 12 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): em destaque, trituradeira ............................. 142 13 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): tanque de expansão ..................................... 143 14 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): situações que levam o produtor a recorrer à assistência técnica (%) – 2005 ................................................................................... 151 15 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): plantação de milho para pamonhada .......... 154 16 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): preparo do milho ......................................... 154 17 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): confecção dos copos de palha de milho verde ........................................................................................................................... 155 18 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): triturando o milho ....................................... 156 19 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): coando/filtrando o milho ............................ 157 20 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): colocando a massa de milho nos copos ...... 157 21- Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): pamonha pronta para o cozimento ............... 158 22 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): cozimento das pamonhas em tacho com água quente ................................................................................................................ 158 23 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): pamonha pronta .......................................... 159 24 – Estratégia de cruzamento – Girolando – 2005 ........................................................... 164 25 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG) : gado leiteiro girolando – 2005 ................... 166 26 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG) : participação dos entrevistados em relação à idade de desmame dos bezerros (%) – 2005 ........................................................... 169 27 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): participação dos entrevistados em relação à idade de reposição das matrizes (%) – 2005 .............................................................. 170 28 - Laticínio Canto de Minas / Ituiutaba (MG) – 2005 .................................................... 172 29 - Laticínio Guadalupe / Ituiutaba (MG) – 2005 ............................................................ 172 30 - Nestlé / Ituiutaba (MG) – 2005 .................................................................................. 173 31 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): participação dos produtores em relação às empresas responsáveis pela compra do leite (%) – 2005 ........................................... 177 32 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): relação do produtor com a empresa (%) – 2005 ........................................................................................................................... 178 33 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): principais problemas enfrentados pelos produtores de leite (%) – 2005 ................................................................................... 184 34 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): participação dos produtores na utilização de financiamentos para a pecuária leiteira (%) - 2004/05 .......................................... 186 35 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): distribuição dos benefícios da Previdência Rural (por sexo) (%) – 2005 ...................................................................................... 194 36 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): tipo de benefício recebido em relação ao total de pessoas aposentadas (%) – 2005 ................................................................... 196 37 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): estado civil dos beneficiários da previdência rural em relação ao total de pessoas aposentadas (%) – 2005 ................ 197 LISTA DE TABELAS 1 - Minas Gerais produção de leite, vacas ordenhadas, produtividade e participação por Mesorregião–1991/2000 ............................................................................................. 45 2 - Brasil: maiores empresas de laticínios – 2004 ............................................................. 57 3 - Número de estabelecimentos familiares e participação relativa das grandes regiões brasileiras – 1995/96...................................................................................................... 105 4 - Brasil – agricultura familiar: participação nos estabelecimentos, na área e área média, segundo os grupos de área total (em ha) – 2000 ............................................... 106 5 - Valor bruto da produção de produtos selecionados nos estabelecimentos familiares (%) – 2000 .................................................................................................................... 107 6 - Ituiutaba (MG): número de estabelecimentos e área (total e média) por categorias familiar e patronal - 1995/96 ...................................................................................... 111 7 - Ituiutaba (MG): número de estabelecimentos e área de acordo com grupos de área por categorias familiar e patronal - 1995/96 .............................................................. 111 8 - Ituiutaba (MG): estabelecimentos e área segundo a condição do produtor por categoria familiar e patronal (n.º total) - 1995/96 ........................................................ 112 9 - Ituiutaba (MG): pessoal ocupado por categoria familiar e patronal (n.º total) – 1995/96 ........................................................................................................................ 112 10 - Ituiutaba (MG): mão-de-obra na agricultura familiar por tipo e combinação em relação aos estabelecimentos (%) e área (%) - 1995/96 ............................................ 113 11 - Região Sudeste e Ituiutaba (MG): estabelecimentos familiares com acesso à força de trabalho, tecnologia e assistência técnica (%) - 1995/96 ...................................... 114 12 - Ituiutaba (MG): produção e valor da pecuária – 2001 ............................................... 114 13 - Ituiutaba (MG): vacas ordenhadas (n.º), produção de leite (l) e área de pastagem (ha) – 1970 a 2003 ..................................................................................................... 115 14 - Ituiutaba (MG): produção agropecuária - 1970/1980/1991/2002 .............................. 119 15 - Ituiutaba (MG): classificação e participação dos pequenos produtores segundo critérios das empresas – 2005 .................................................................................... 123 16 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): formas de acesso à propriedade fundiária (%) – 2005 .................................................................................................................. 126 17 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): área média (ha), segundo os grupos de área total - 2005 ................................................................................................................. 127 18 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): população jovem e expectativa de permanência na Comunidade (% ) – 2005 .................................................................. 132 19 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): participação dos filhos dos produtores em atividades (%) – 2005 ................................................................................................. 133 20 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): utilização das terras (ha) – 2005 ................. 134 21 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): participação dos produtores nas atividades econômicas desenvolvidas nas propriedades (%) – 2005 .......................................... 135 22 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG) : relação entre propriedades, infra-estrutura e bens de consumo (%) – 2005 ................................................................................... 140 23 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG) : participação dos membros da família nas atividades da propriedade (%) – 2005 ...................................................................... 146 24 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): condições de atendimento da assistência técnica dos entrevistados (%) – 2005 ........................................................................ 150 25 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): participação dos entrevistados na pamonhada (%) – 2005 ............................................................................................... 153 26 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): participação dos produtores nas festas e jogos realizados na Comunidade (%) – 2005 ............................................................ 161 27 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): alternativas de alimentação para o rebanho no período de seca (%) – 2005 ................................................................................... 167 28 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): participação dos produtores na venda do leite in natura às empresas (%) – 2005 ..................................................................... 171 29 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): participação dos produtores nas formas de uso do financiamento (%) – 2005 .............................................................................. 186 30 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): participação dos produtores nas formas de organização social (%) – 2005 ................................................................................... 188 31 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): faixa etária da população aposentada da Comunidade em relação ao total de pessoas (%) – 2005 ............................................ 195 32 - Comunidade da Canoa (Ituiutaba/MG): participação dos produtores em relação à composição da renda (%) – 2005 ................................................................................ 200 LISTA DE QUADROS 1 - Maiores produtores de leite do mundo – 2002 ............................................................. 37 2 - Produção, produtividade de leite de países desenvolvidos - 2002................................ 41 3 - Participação dos países na produção de leite das Américas – 2002.............................. 42 4 - Produtores com mais de 50 litros de leite /dia por regiões brasileiras (%) – 1996 ...... 44 5 - Produtores com mais de 50 litros de leite /dia de empresas localizadas em MG /RJ /SP (%) – 1999 ............................................................................................................. 46 6 - Produção média diária /litros de leite por produtor – 2002 .......................................... 46 7 - Caracterização da heterogeneidade estrutural e regional da produção láctea nas grandes regiões do país – 2002 .................................................................................... 50 8 - Participação dos estados no total de estabelecimentos de laticínios (%) – 2001 ......... 52 9 - Minas Gerais: número de estabelecimentos de laticínios por configuração – 2001 ..... 53 10 - Regiões mineiras: número de estabelecimentos de laticínios – 2003 ......................... 54 11 - Brasil: capacidade da indústria de laticínios (%) – abril/ 2001 .................................. 54 12 - Minas Gerais: participação das micro e pequenas empresas na produção de leite e derivados (%) – 2003 ................................................................................................. 55 13 - Elegê (Avipal): localização das unidades de produção – 2005 .................................. 59 14 - Eventos cronológicos que contam a história da SUDCOOP e sua marca FRIMESA de 1979 a 2004 ........................................................................................................... 64 15 - Fábricas da Nestlé no Brasil – 2005 ........................................................................... 67 16 - Origem dos produtores que comercializam leite nas empresas em Ituiutaba (MG) e produção diária recebida – 2005 ................................................................................ 122 17 - Ituiutaba (MG): periodicidade de recolhimento do leite, preço pago aos fornecedores e sistema de pagamento pelas empresas – 2005 ................................... 124 18 - Preços de tanque de expansão – 2005 ........................................................................ 144 LISTA DE MAPAS 1 – Ituiutaba (MG): localização geográfica - 2005 ............................................................ 20 2 – Comunidade da Canoa: localização geográfica - 2005 ................................................ 24 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 17 1 – A PECUÁRIA LEITEIRA NO BRASIL: uma caracterização ................................ 30 1.1 - A pecuária leiteira no Brasil: uma retrospectiva histórica ................................... 30 1.2 - A importância do leite no Brasil .......................................................................... 34 1.3 - As características da produção leiteira ................................................................. 41 1.4 - As bacias leiteiras no Brasil ................................................................................ 46 1.5 - As principais indústrias de leite no Brasil ........................................................... 51 1.5.1 - Itambé – Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais Ltda – CCPR/Itambé ........................................................................................ 56 1.5.2 - Elegê (Avipal) ......................................................................................... 58 1.5.3 - Parmalat ................................................................................................... 60 1.5.4 - CCL/Paulista ............................................................................................ 62 1.5.5 - SUDCOOP (Cooperativa Central Agropecuária Sudoeste) .............. 63 1.5.6 - DPA (Nestlé) ...................................................................................... 66 2 – A PECUÁRIA E A ATUAÇÃO DO ESTADO NO BRASIL: a política de preços e as transformações na pecuária leiteira ............................................................................. 71 2.1 – A pecuária leiteira no contexto da modernização da agricultura ........................ 71 2.2 – Os impactos da granelização na produção de leite ............................................. 79 2.3 – As importações de leite e os reflexos para a cadeia produtiva no Brasil ............ 83 3 - A PECUÁRIA LEITEIRA NO CONTEXTO DA AGRICULTURA FAMILIAR: as transformações recentes em Ituiutaba (MG) .......................................... 92 3.1 - A agricultura familiar no Brasil: retomando a discussão ................................ 92 3.1.1 - A formação da pequena propriedade no Brasil ................................... 92 3.1.2 - A modernização agrícola e o pequeno produtor .................................. 94 3.1.3 - A agricultura familiar: a revalorização no pós 1990 ........................... 99 3.2 - A importância da agricultura familiar e da pecuária leiteira em Ituiutaba (MG) ........................................................................................................................ 108 3.3 - O futuro dos laticínios em Ituiutaba (MG) ..................................................... 120 4 – A COMUNIDADE DA CANOA: características dos produtores de leite ................ 125 4.1 – Comunidade da Canoa e formas de acesso à propriedade................................... 125 4.2 - Características dos residentes ............................................................................. 127 4.3 - Utilização das terras ............................................................................................. 133 4.4 - Infra-estrutura das propriedades .......................................................................... 137 4.5 - Relações de trabalho do grupo familiar ............................................................... 145 4.6 - Condições de assistência técnica ......................................................................... 147 4.7 - Vivência, cultura e solidariedade entre os moradores .......................................... 153 5 – OS PRODUTORES DE LEITE NA COMUNIDADE DA CANOA: persistência e resistência ........................................................................................................................ 162 5.1 - Processo de produção e comercialização do leite ............................................... 162 5.2- Relação comercial entre produtor de leite e indústria ......................................... 174 5.3 - Situação da pecuária leiteira na visão dos proprietários ...................................... 179 5.4 - Problemas enfrentados pelos produtores de leite e medidas para sua permanência na atividade .............................................................................................. 182 5.5 - Representação social dos produtores ................................................................. 187 5.6 - Aposentadorias: um complemento de renda para os produtores de leite .......... 189 5.7 - Renda familiar: diversificação das atividades ...................................................... 197 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 202 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 209 ANEXOS ........................................................................................................................... 220 ANEXO A - Roteiro de entrevista - Pequenos Produtores de Leite da Comunidade da Canoa em Ituiutaba – MG ...................................................................................... 221 ANEXO B - Roteiro de entrevista - Presidente da Comunidade da Canoa – Ituiutaba – MG ......................................................................................................... 236 ANEXO C - Roteiro de entrevista - Filhos dos Produtores de Leite da Comunidade da Canoa em Ituiutaba – MG ..................................................................................... 239 ANEXO D - Roteiro de entrevista - Empresas/Laticínios – Ituiutaba – MG .............. 242 INTRODUÇÃO A pecuária leiteira destaca-se, no contexto do setor agrícola brasileiro, por ser importante na alimentação humana e, do ponto de vista econômico, como geradora de empregos e, conseqüentemente, da renda dos agropecuaristas. Ao longo do processo histórico, a pecuária leiteira passou por transformações significativas, no que tange, principalmente, à forma de distribuição do leite. Assim, até as primeiras décadas do século XX, o abastecimento de leite era feito por produtores leiteiros cujas chácaras e granjas se localizavam em torno das cidades. A distribuição era realizada pelo próprio produtor, que vendia seu leite de casa em casa, ou por comerciantes locais. Com o aumento, porém, da população nos principais centros urbanos e conseqüente expansão dos loteamentos e construções residenciais, as chácaras e granjas foram sendo afastadas para longe do centro da cidade, e o leite, para atender à demanda crescente, tinha que ser trazido de localidades cada vez mais distantes. (FLEURY, 1983, p. 55). A produção familiar de leite caracterizava (e ainda caracteriza) esse quadro da economia brasileira. Entretanto, com o desenvolvimento industrial e urbano, desencadeado, de forma mais intensa, a partir da década de 1930, algumas exigências começaram a ser feitas para resolver problemas de higiene e saúde pública, dentre elas, o tempo de resfriamento após a ordenha, acondicionamento em frascos adequados, certificado de inspeção sanitária, aparelhamentos adequados na usinas (recepção, pesagem, coadura, pasteurização, resfriamento) (FLEURY, 1983). A venda e entrega domiciliar do leite e produtos derivados passaram a ser fiscalizados por parte do Estado. É importante destacar que tal situação não era comum em todo o país, apenas ocorria em localidades onde o crescimento industrial e urbano estavam presentes. No que se refere ao preço do leite, o controle passou a ser feito no período do pós-guerra e estendeu-se até 1990. Nesse intervalo, a modernização da pecuária leiteira não ocorreu com mesma intensidade da modernização da agricultura. O aspecto mais significativo foi a utilização 18 da ordenhadeira mecânica, a partir da década de 1970. Por outro lado, o melhoramento de pastagens e a genética também foram variáveis importantes no processo de modernização e que interferiram na pecuária e, de forma específica, na leiteira. Entretanto foi na década de 1990 que ocorreram profundas transformações na economia do país, que afetaram a pecuária leiteira. A liberalização do preço do leite, juntamente com a abertura econômica, em 1991, elevaram as possibilidades de importação, uma vez que o país ficou exposto ao resto do mundo. A consolidação do MERCOSUL e a estabilização da economia a partir do Plano Real, em 1994, também, deram seqüência a esse processo de transformações ocorridos na década de 1990. A abertura comercial trouxe como conseqüência a necessidade de aumento da produtividade e de melhoria da qualidade do produto para torná-lo competitivo em relação a outros países, visto que os consumidores passaram a exigir mais por ter mais produtos para sua escolha. Partiu-se do princípio que os ajustamentos que deveriam acontecer na produção de leite do Brasil identificavam-se na atual estrutura produtiva, em que muitos produzem pouco e poucos produzem muito. Assim, tornou-se necessário conhecer as transformações ocorridas no processo produtivo da pecuária leiteira nestas últimas décadas, de forma que se possa melhorar a eficiência na alocação dos recursos utilizados nessa atividade, para os pequenos produtores. A pecuária é uma atividade de grande relevância no município de Ituiutaba (MG), sendo que a produção de leite é um segmento que se destaca, devido ao seu caráter de complementaridade à renda dos pequenos produtores familiares. A produção de leite, via de regra, não é especializada, porém é praticada por produtores que estão incorporando, progressivamente, tecnologia ao processo produtivo, haja vista a utilização de tanques de expansão e ordenhadeiras mecânicas pelos produtores da região. Cabe ressaltar que uma parcela 19 considerável dos produtores mantem vínculos com o comércio informal de leite e derivados para complementação da renda e melhores preços. Com base na literatura pesquisada, fica nítida a necessidade de promover estudos que possam mostrar a importância da produção familiar de leite para a sociedade. Para isto, escolhemos uma experiência local que viabilizasse um estudo de caso e apresentasse resultados concretos. O município escolhido foi Ituiutaba. Está localizado na porção noroeste da mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (Mapa 1). Essa região não ficou fora do processo de modernização da agricultura que ocorreu no país a partir da década de 1960. Ao fazer uma retrospectiva no tempo, constatamos que as décadas de 1950/60 foram, especificamente para o município de Ituiutaba (MG), o período áureo economicamente, tanto que este ficou conhecido nacionalmente pelo título de "Capital do Arroz". A partir do capital originado pelo arroz, a cidade começou a melhorar e equipar-se com serviços de água, energia elétrica, comércio e serviços diversificados, expansão de loteamentos urbanos e novas atividades, que iriam beneficiar a população, que crescia vertiginosamente nesse período. Para uma visão de crescimento total do município, em 1940, a população era de 35.052 habitantes, aumentando para 53.240 e 68.218 habitantes em 1950 a 1960, respectivamente. Ou seja, em relação a década de 1940, houve um crescimento de aproximadamente 95% (DUARTE, 2001). As mudanças no espaço rural ocorreram paralelamente às do espaço urbano. Grupos de trabalhadores nordestinos chegaram ao município de Ituiutaba e tornaram-se agentes transformadores do campo, responsabilizados pelas roças de arroz, milho e feijão. Desmatavam o cerrado, aravam a terra, plantavam o cereal e ganhavam muito menos do que esperavam (SILVA, 1997). 20 21 O município de Ituiutaba, particularmente, tirou proveito desse espaço por ser banhada por três rios (Paranaíba, Tijuco e Prata) e, portanto, apresentar extensas faixas férteis de solos, que se adequaram perfeitamente ao plantio de arroz durante os anos de 1940 a 1960. O cultivo predominante foi o arroz de sequeiro, altas safras foram produzidas durante os anos de 1950/60 na Microrregião. Silva (1997) comenta que, em 1950, Ituiutaba era a maior produtora de arroz e de milho em todo o estado de Minas Gerais. Cultivou cerca de 48.400 hectares de arroz nesse período, ganhando, com isso, o título de “Capital do Arroz”. Durante a década de 1950, a área territorial de Ituiutaba utilizada para plantio era de 93.353 hectares (IBGE Ituiutaba, 2005). Nesse período, de acordo com Duarte (2001), vários distritos pertencentes ao município de Ituiutaba, tais como: Capinópolis, Gurinhatã e Ipiaçú, colaboraram com a produção de arroz e outros produtos agrícolas, originando uma alta produtividade, o que contribuiu para a construção da ilusão do “Vale da Fartura”, “generalizada na memória de grandes produtores rurais e em boa parte da população que vivenciou esse período” (DUARTE, 2001, p. 31). Ainda nessa década, o fator climático auxiliava o plantio, pois as chuvas mantinham uma periodicidade mais estável, iniciando no mês de outubro até os primeiros meses do ano seguinte, um fator favorável ao arroz, devido a sua fragilidade e necessidade por água. Ao mesmo tempo, que se produziam grãos, também havia abertura para a pecuária, depois da colheita, o gado era solto na palhada1 para alimentar. Foi um período de grande fartura2, o otimismo prevaleceu entre os proprietários da época, o cultivo foi ganhando proporção a ponto de faltar mão-de-obra na colheita, um problema que foi 1 2 Mistura de palha e de farelo, para dar aos animais. Grande quantidade; abundância para os produtores da época no município de Ituiutaba. 22 amenizado na busca de pessoas de outros estados e cidades, principalmente de nordestinos da Paraíba e Rio Grande do Norte3. No final dos anos de 1960, uma crise na economia arrozeira fez com que a produção passasse a diminuir e, paulatinamente, foi havendo dispensa de mão-de-obra no campo. A decadência do cultivo do arroz exigia outra atividade de custos reduzidos e menor número de mão-de-obra, portanto, a atividade da pecuária, que já era uma realidade na Microrregião, passou a ganhar a atenção dos produtores. A partir da década de 1970, ocorreu a ruptura na economia regional (Triângulo Mineiro) até então, apoiada nas culturas de arroz e do milho. A política agrícola, voltada para exportação, intensificou-se, tendo como base a soja. Nesse sentido, o cerrado aparecia como a “solução”e um novo desafio foi criado no país: produzir em alta escala os grãos que viriam a tornar-se “ouro” nas próximas décadas. Em Ituiutaba, área objeto deste estudo, alguns produtores abriram mão do cultivo do arroz – principal cultura da região – pela soja, na esperança de que programas governamentais de incentivo chegassem ao município, o que, porém, não se verificou em relação à agricultura, mas somente à pecuária. Por este motivo, além de outros fatores econômicos e políticos, a maioria dos produtores optou por substituir a rizicultura pela pecuária, que oferecia menos riscos e exigia menos gastos com mão-de-obra e investimentos em tecnologia. De acordo com o Censo Agropecuário – MG (1995/96), o município possuía 641 estabelecimentos familiares, o que correspondia 51% do total dos estabelecimentos. Atualmente (2005), uma das atividades econômicas preponderantes do município de Ituiutaba é a pecuária leiteira, exercida, basicamente, por pequenos produtores, com mão-de-obra 3 Para maiores informações ver: SILVA, 1997. 23 centrada no trabalho familiar. Essa atividade ganhou força na década de 1970, quando Ituiutaba ampliou o rebanho bovino e, conseqüentemente, a produção leiteira. Assim, o objetivo deste trabalho é compreender as transformações ocorridas na produção de leite no município de Ituiutaba, a partir de 1970, especificamente, na Comunidade da Canoa, levando em conta as alterações nas relações de trabalho nas propriedades e nas relações entre produtores e indústrias. As questões que norteiam o desenvolvimento do trabalho residem em investigar: Como se dá o processo de produção e comercialização do leite em Ituiutaba? Quais as transformações que sofreram a produção e a comercialização de leite no município de Ituiutaba? Como e por que elas ocorreram? Quais os aspectos considerados pelo produtor de leite para escolher a quem entregará sua produção? Por que entregar para a Cooperativa ou para as demais empresas do setor? Nesse contexto, o trabalho busca integrar um estudo de caso, ou seja, a Comunidade da Canoa (Mapa 2), a uma realidade mais ampla e complexa, visto que se considera que os locais integram-se à economia global, por intermédio dos mercados, das relações de compra e venda. A Comunidade da Canoa dista, aproximadamente, 42 km da sede municipal. O acesso à área dá-se por estradas vicinais e pela BR-154, no sentido Ituiutaba – Capinópolis. A rodovia que permite acesso à área encontra-se em boas condições de uso. Entretanto, as estradas vicinais de circulação interna encontram-se em condições precárias de uso. No período chuvoso (novembro a maio), principalmente, quando a chuva prolonda-se por mais de um dia, torna-se muito difícil, ou até mesmo inviável, o acesso a certas propriedades. De acordo com os produtores, nos dois últimos mandatos (1997-2000/2001-2004) do Governo Municipal, não foi aplicado investimento algum em infra-estrutura para toda a região. 24 25 O município de Ituiutaba (MG) compreende outras seis Comunidades rurais, que são: Comunidade do Córrego da Chácara; Comunidade da Matinha; Comunidade São Lourenço; Comunidade do Córrego do Açude; Comunidade Santa Rita; Comunidade São Vicente. A Comunidade da Canoa (área de estudo), assim como as demais comunidades rurais do município de Ituiutaba, representa um resquício da agricultura brasileira. Essas comunidades rurais são compostas por pequenos proprietários/produtores, que produzem para o mercado e para o seu próprio consumo. Os produtores, com base em sua experiência profissional, procuram diversificar a produção no decorrer do ano. Assim, sempre envolvidos com algumas atividades em suas propriedades (plantio, colheita, limpeza de manutenção), cultivam um pouco de cada coisa em função de suas necessidades (milho, mandioca...) e do gado (milho, sorgo, cana-deaçúcar) para a alimentação do rebanho leiteiro. Na Comunidade, os pequenos produtores utilizam a troca de dias de trabalho, especialemte, com os vizinhos (geralmente parentes). O trabalho na terra faz parte da história de suas vidas, não se resumindo a um simples negócio. O que causa maior polêmica, relacionada à pequena produção familiar de leite, são as peculiaridades nas relações de produção. Em um mundo, em que quase todas as relações de produção são capitalistas, as que não o são tornam-se uma incógnita. A escolha dessa Comunidade está relacionada a critérios pré-estabelecidos, que foram confirmados a partir de dados preliminares levantados, como o predomínio de pequenas propriedades, o proprietário sendo um trabalhador, a utilização do trabalho temporário, o não emprego de trabalhadores em regime fixo e produtores que produzem o ano todo. A preocupação com a busca da racionalidade da Comunidade da Canoa, que também reflete a realidade de outras Comunidades no município, resguardando as peculiaridades próprias de produção/reprodução, desencadeou a elaboração de um problema que exigiu caminhos 26 sistematizados de análise, constituindo uma investigação científica. A pretensão não é buscar soluções para as diferentes situações que circundam a pequena produção familiar de leite, mas procurar apresentar uma visão mais clara desse contexto tão específico, sobre cujo futuro há tantas incertezas. Para melhor entender as condições socioeconômicas da produção/reprodução da pequena produção familiar de leite em Ituiutaba, procuramos, primeiramente, definir o local que representaria o estudo de caso. Com base em um conhecimento prévio sobre a pecuária de leite no Brasil e, particularmente, sobre as peculiaridades da pecuária leiteira mineira e em Ituiutaba, buscamos definir a amostra. O levantamento de dados quantitativos foi feito na Secretária de Fazenda e Pecuária Municipal, EMATER- Ituiutaba, elaborando a delimitação geográfica da área em estudo e o levantamento de número de propriedades, identificação dos possíveis moradores que compõem a Comunidade da Canoa. A preocupação principal assentou-se na busca de uma Comunidade Rural que tornasse possível a percepção das peculiaridades de pequena produção de leite, no município de Ituiutaba. A definição da amostra de produtores fundamenta nas informações obtidas nos órgãos e instituições contactadas, em que se constatou a existência de 24 pequenas propriedades. O instrumento básico de coleta de dados foi o roteiro de entrevista, contendo informações no âmbito socioeconômico, como condição do produtor, produção, comercialização, força de trabalho, tecnologia, assistência técnica, financiamento e organização dos produtores. As falas dos entrevistados foram respeitadas. De acordo com Whitaker (2002, p. 115): [...] como respeitar a fala do entrevistado? Quando o entrevistado pertence às classes privilegiadas, o problema não se coloca. como num passe de mágica, a transcrição se transubstancia em discurso coerente, sempre reproduzido em ortografia correta, como se os falantes jamais cometessem hesitações ou deslizes fonéticos. Quando o entrevistado pertence a camadas outras, sob pretexto de 27 respeitar-lhe a cultura, cometem-se barbaridades do ponto de vista ortográfico, confundindo-se ortografia com fonética. Portanto, de acordo com a autora, torna-se claro que a sintaxe de qualquer discurso deve ser respeitada para que uma transcrição seja fiel. Assim, se o entrevistado comete erros de concordância ou de regência de verbos, por exemplo, deve-se reproduzir em qualquer transcrição, “até porque a norma culta da língua é por vezes desrespeitada mesmo nos grupos que se consideram mais eruditos. Transcrever erros de sintaxe não configura, portanto, falta de respeito em relação à fala do outro. Falta de respeito seria corrigi-los”. (WHITAKER, 2002, p. 116). Para realização da pesquisa de campo, foram elaborados quatro roteiros de entrevista diferentes, um destinado aos pequenos produtores de leite (Anexo A), presidente da Comunidade (Anexo B), para os filhos dos produtores (Anexo C) e para as empresas/laticínios (Anexo D). Não podemos deixar de salientar a importância das diversas conversas com pessoas específicas, que proporcionaram uma visão ampla da situação do município. Dentre as pessoas entrevistadas, cabe destacar a contribuição do Técnico da EMATER-Ituiutaba, Lucas Bonon, por mostrar um quadro geral sobre a situação atual das Comunidades. Foram ainda, de importância fundamental as entrevistas com o presidente da Comunidade da Canoa, Sr. Valmir Alvares de Faria, com a primeira secretária Ana Lú Alves e a segunda secretária Rivanda Maria Tomas Silva, por disponibilizarem documentos e por terem nos acompanhado durante as visitas a diversos locais da Comunidade. A pesquisa de campo foi realizada em duas etapas. A primeira, no período de 07 a 10 de fevereiro de 2005. Nessa etapa, foram feitas as entrevistas com o Presidente da Comunidade, pequenos produtores de leite, filhos dos produtores e com as empresas (Laticínios: Canto de Minas, Guadalupe, Coopontal e Nestlé). Na fase seguinte (26/02/2005), realizamos as entrevistas 28 e coletamos a documentação da tradicional Pamonhada4 da Comunidade, de que todos os moradores participam. Com relação ao critério de escolha para a classificação dos produtores em pequenos, médios e grandes, adotamos o critério dos Laticínios Canto de Minas e Guadalupe, que a organizam por produção/dia, ou seja, pequeno de 0 a 200 litros/dia; médio de 201 a 500 litros/dia e grande acima de 500 litros/dia. Essa escolha deu-se em decorrência do maior número de produtores da comunidade, que entregam leite a essas empresas. As entrevistas foram realizadas em 24 propriedades, sendo que, em duas delas, havia mais de uma família, além daquela do proprietário, “morando de favor”5 e utilizando apenas o quintal para pomar e horta. Essas famílias também foram entrevistadas, e constam, como outros, da classificação, dando um total de 26 entrevistados. Os resultados obtidos permitiram elaborar um quadro que mostrou, por meio da análise dos dados estatísticos, pesquisa de campo e referencial teórico, parte da realidade atual dos pequenos produtores de leite da Comunidade da Canoa, face às mudanças ocorridas. A dissertação encontra-se estruturada em cinco capítulos, além da Introdução e das Considerações Finais. No primeiro capítulo, fizemos uma caracterização da pecuária leiteira no Brasil, a partir de uma retrospectiva histórica. Mostramos, também, a importância do leite no Brasil, bem como, as características da produção leiteira brasileira e suas principais bacias leiteiras e, ainda, as principais indústrias de leite no Brasil. 4 Pamonhada é uma reunião anual na sede da comunidade, que ocorre há 8 anos, entre os meses de fevereiro e março, dependendo do amadurecimento do milho, em que as pessoas da Comunidade da Canoa, (homens, mulheres, crianças, jovens e idosos) se reúnem para fazer as pamonhas e, depois, comer juntos. Pamonha, espécie de bolo feito de milho verde, manteiga, canela e açúcar, cozido em tubos das folhas do próprio milho, atados nas extremidades. 5 Morar de favor, ter residência, residir num local onde não paga aluguel. Empréstimo do local para morar sem pagar nada por isso. (FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 1158). 29 No segundo capítulo, procuramos analisar a atuação do Estado nas transformações ocorridas na pecuária leiteira brasileira, procurando, ainda, situá-la no contexto da modernização da agricultura, destacar os impactos da granelização da produção de leite e as importações de leite e seus reflexos para a cadeia produtiva no Brasil. No terceiro capítulo, situamos a pecuária leiteira no contexto da agricultura familiar. Para tanto, retomamos a discussão sobre a agricultura familiar no Brasil, desde a formação da pequena produção até a importância da agricultura familiar no pós 1990. Também foi destaque a importância da agricultura familiar e da pecuária leiteira em Ituiutaba (MG) e na Comunidade da Canoa, e a situação dos laticínios diante das transformações ocorridas. No quarto capítulo, procuramos mostrar as informações obtidas na pesquisa de campo, que teve como principal instrumento o roteiro de entrevistas. De forma sistematizada, abordamos as características dos produtores de leite da Comunidade da Canoa, destacando suas formas de acesso à propriedade, o uso da terra, a infra-estrutura das propriedades e a assistência técnica, bem como as relações de trabalho do grupo familiar e parte da cultura e vivência entre os moradores. No quinto capítulo, mostramos através de informações obtidas na pesquisa de campo, como se dá o processo de produção e comercialização do leite e sua relação com os problemas enfrentados pelos produtores e o que fazer para permanecerem na atividade, como é a renda familiar, e destacar a participação dos produtores no sindicato e associação, além da importância das aposentadorias como complementação da renda familiar. 1 – A PECUÁRIA LEITEIRA NO BRASIL: uma caracterização 1.1 – A pecuária leiteira no Brasil: uma retrospectiva histórica Nos primeiros anos da colonização, os portugueses introduziram o gado bovino no Brasil. Alguns fatores naturais, como as planícies, os cerrados e o clima, ajudaram no aperfeiçoamento dessa atividade no decorrer dos anos, não só do gado de corte, mas também do gado leiteiro. A penetração do gado no Brasil [...] foi feita a partir de três pontos: Bahia e Pernambuco, no Nordeste, e São Vicente, na costa paulista. Até meados do século XIX, constituíram-se no Brasil três zonas principais de criação: o sertão do Nordeste; o sul de Minas Gerais; a planícies e planaltos do Sul. (VALVERDE, 1985, p.195). A primeira zona principal de criação foi o Sertão do Nordeste. É a mais antiga, mais extensa e mais importante das regiões pastoris do Brasil colonial. Abastecia de carne toda a faixa litorânea, desde a Bahia até o Maranhão, e a região das Minas. As primeiras cabeças de gado de Pernambuco, de acordo com Valverde (1985), foram trazidas por Duarte Coelho, na década de 1530, por época da implantação da sede de sua capitania, em Olinda. No Nordeste, as fazendas de criação de gado podem ser assim descritas: segundo a Ordem Régia de 27 de dezembro de 1695, o padrão de uma fazenda de criação tinha três léguas de comprimento, medidas ao longo de um rio, e uma légua de largura, sendo meia para cada margem. Como não se construíram cercas, deixavam-se um espaço vazio de uma légua, entre as terras de uma fazenda e outra. (VALVERDE, 1985, p. 197). Para Valverde (1985), o gado criado no Brasil de 1850 – 1875 (século XIX) foi trazido das ilhas portuguesas da costa ocidental da África - Madeira, Açores, Cabo Verde, ou do próprio 31 continente, isto é, de Portugal, e aqui se reproduziu à lei da natureza. Assim, teve origem o gado chamado “pé duro, crioulo ou curraleiro”, pequeno, magro e de chifres enormes. O processo de criação era extremamente primitivo: os animais viviam soltos nos pastos brutos, tornando-se bois magros e musculosos. Os cuidados com o rebanho limitavam-se à cura das feridas, à queima periódica dos pastos, à defesa contra os animais selvagens (sobretudo onças) e à vigilância sobre o gado para este não ficar selvagem. A escassa produção de leite destinava-se ao consumo da fazenda ou à fabricação de um queijo artesanal, de tipo que se faz até hoje "queijo do sertão". A produtividade das fazendas nordestinas era insignificante. Por ano, eram vendidas 250 a 300 cabeças, em média, das quais cerca da metade era perdida no caminho para o mercado. Após as longas caminhadas, os bois magros e cansados eram entregues ao abate imediato, nas cidades (VALVERDE, 1985). A carne-seca ou charque teve sua fabricação iniciada no Ceará. Ali, difundiu-se no Vale do Parnaíba, cuja produção foi importante de 1776 – 1800. Desde então, as charqueadas do Sul do Brasil, especialmente as de Pelotas, suplantaram a produção das outras regiões brasileiras (VALVERDE, 1985). Couros salgados, curtidos, solas e vaquetas6 eram os principais subprodutos da pecuária nordestina. A influência dessa atividade na estruturação regional foi decisiva. Foi em decorrência da pecuária que, em 1758, o Piauí tornou-se capitania emancipada. As secas sucessivas, ocorridas no século XVIII, levaram a pecuária nordestina à decadência (VALVERDE, 1985). No sul de Minas Gerais, na comarca do Rio das Mortes, situada na bacia do alto Rio Grande, desenvolveu-se outra notável zona pastoril dos tempos coloniais. Sua paisagem natural 6 Couro delgado e macio, usado sobretudo para forros. (FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 1753). 32 difere muito da do Nordeste: é um grande planalto ondulado, atravessado por alinhamentos montanhosos. O clima tropical é amenizado pelas altitudes; a pluviosidade é elevada; os rios são perenes. As estepes úmidas e os cerrados, interrompidos por cordões de matas ciliares, completam a vegetação (VALVERDE, 1985). A pecuária teve início nessa região na mesma época da exploração do ouro. Em 1765, desciam a Serra da Mantiqueira as primeiras pontas de gado para abastecer a cidade do Rio de Janeiro. O abastecimento de São Paulo, com bois provenientes dessa região, deu início ao povoamento da faixa de Franca a Moji-Mirim. Ao descrever as fazendas de Minas Gerias, Valverde (1985, p. 198) assim se expressa: A. de Saint-Hilaire deixou um valioso depoimento sobre a pecuária sul-mineira: as casas são melhores que as do Nordeste e providas de “leiteiras”, construções onde se fazia a ordenha e se fabricavam queijos. Os pastos eram divididos por cercas de pau-a-pique, valos ou muros de pedras empilhadas. Isto era apenas um dos indícios de que o gado aí merecia melhores cuidados. Embora ainda se fizessem queimadas periódicas nos pastos, a fim de estimular a rebrota, a alimentação do gado era completada, misturando sal, ração e farelo. O gado era, por conseqüência, melhor e a capacidade das fazendas era mais elevada que no Nordeste. Eram criadas de 600 a 700 reses7 em duas léguas8 de terras. Apesar de empregar mão-de-obra escrava no sul de Minas, o fazendeiro e sua família participavam no trabalho diário. A pecuária adquiriu importância excepcional e Minas Gerais constituiu-se no centro criador de mais alto nível na colônia. Ao descrever a pecuária em Minas Gerais, Prado Júnior (1998, p. 85) assim relata: "[...] particularmente a indústria de laticínios, que antes não se praticava no Brasil em escala comercial, torna-se notável. O queijo aí fabricado será famoso, e até hoje é o mais conhecido do país (o "queijo de Minas")". 7 8 Cabeças de gado. 1 légua corresponde a 6 quilômetros. 33 Já as campinas do sul do Brasil são também estepes úmidas, de relevo suave e águas abundantes. Os solos e os pastos naturais da Campanha Gaúcha são, porém, mais ricos que os do Planalto Meridional. A introdução do gado se fez, contudo, primeiramente, nos campos gerais desse planalto, e só no princípio do século XVII, no Rio Grande do Sul. O gado que povoou o planalto Meridional era o crioulo, levado de São Vicente; o da Campanha Gaúcha foi levado do Paraguai. Eram animais maiores, mais gordos e de pelagem escura, por isso, os gaúchos os chamavam de “gado fusco” (VALVERDE, 1985). A mão-de-obra de uma estância era constituída de um capataz e alguns peões, todos mestiços e índios assalariados. Os vaqueiros constituíam uma população nômade, que se reunia duas vezes por ano, nos rodeios, para contar, inspecionar, marcar e castrar o gado. Embora fosse essa região, sem dúvida alguma, a melhor área pastoril brasileira, deixava ainda muito a desejar, qualitativamente. O peso médio do gado gaúcho foi avaliado em nove arrobas, 50% menos produtivo de carne que o do Rio da Prata, (VALVERDE, 1985). Essa era, todavia, a principal produção. A de laticínios era insignificante, embora se comercializasse alguma manteiga, como subproduto sobressaíam: couro, chifres, unha e sebo. As fazendas de criação do Brasil, vegetando numa economia quase fechada, em que a circulação monetária era insignificante, resistiram, por longo tempo, às inovações. É um fato hoje sabido que a divulgação de idéias e de técnicas novas ocorre da cidade para o campo. Como as áreas pastoris eram remotas, e seus contatos com os mercados urbanos eram raros, os progressos técnicos nas referidas áreas se processaram muito lentamente. 34 1.2 - A importância do leite no Brasil O leite tem grande importância na sociedade, tanto pelo seu valor nutricional como pelo seu valor econômico. Por valor nutritivo, o leite é um produto essencial ao crescimento infantil e ao desenvolvimento na fase adolescente. Essa importância é, assim, reafirmada: dentre os diversos produtos agrícolas, o leite é um dos mais importantes em todo o mundo. A atividade leiteira é exercida na maioria dos estabelecimentos agrícolas e, em muitos deles, com grande expressão econômica. Tal atividade possui grande importância econômica e social. (PEDROSO, 2001, p. 8). Cabe, também, ressaltar que o leite é um componente alimentar essencial devido à sua composição de proteínas, vitaminas e sais minerais. É fundamental, em termos nutritivos, para enriquecer a dieta alimentar, que exerce importantes funções no crescimento, digestão, formação óssea e muscular, bem como na regularização do sistema nervoso. No lado econômico, podemos destacar a importância do leite em relação a dois pontos básicos. O primeiro ponto refere-se à grande participação do leite no Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária nacional. Em 1998, a atividade leiteira correspondia a 11% do valor bruto da produção agropecuária brasileira. Com relação ao emprego de mão-de-obra, verifica-se que a cadeia de leite gera 3,5 vezes mais empregos que a construção civil; 3,02 mais que a siderurgia; e 4,77 mais que a indústria automobilística (MAIA, 2001). A produção de leite envolve vários setores da economia. De um lado, abrange agroindústrias produtoras de uma série de derivados lácteos industrializados, que utilizam o leite como matéria-prima básica, e, de outro, as indústrias de insumos e máquinas que são adquiridas pelos produtores de leite e indústrias de laticínios. Há, ainda, o setor informal, no qual é estabelecida uma relação direta de compra e venda entre consumidor e produtor. A diferença 35 entre o preço pago aos produtores pelas empresas e o preço pago pelos consumidores, pelo litro de leite, atua como fator de incentivo à comercialização direta de leite in natura e derivados. Nesse contexto, o complexo leiteiro engloba produtores com exigências e necessidades distintas, que atuam em diversos níveis de produção, e possibilita a criação de empregos nas diversas funções que envolvem a atividade. O setor leiteiro destaca-se por gerar empregos diretos, em que estão envolvidas pessoas que lidam diretamente na produção do leite, e os indiretos, em que estão envolvidas pessoas mais relacionadas à atividade administrativa, ao armazenamento, ao transporte e à comercialização (GOMES, 1999). A manutenção e geração de empregos em um mercado globalizado e competitivo, que tende a eliminar mão-de-obra, indica a importância do setor leiteiro não só para o produtor, mas também para toda a sociedade. Outro aspecto a ser destacado é o fato de a atividade leiteira significar um fluxo de receita regular ao longo do ano. A produção de leite, independentemente do tamanho de sua produção e do número de produtores envolvidos, possui a vantagem de possibilitar uma alternativa segura de renda, mesmo para o agricultor que não tem, no setor leiteiro, sua principal atividade econômica. Portanto, o leite é importante no rendimento mensal do produtor. A expansão ou retração da produção leiteira está relacionada às políticas econômicas adotadas. Ao analisar a conjuntura econômica brasileira, observam-se reduções da produção de leite no início dos anos 1980, em função da crise econômico-financeira ocorrida nesse período. Esse foi um período conturbado, cujos efeitos para o setor leiteiro foram de atraso tecnológico, baixa competitividade e perda de mercados. Dentre os fatores que causaram esta situação desfavorável, destacam-se: endividamento externo, déficit fiscal, inflação e redução de investimentos (SOUZA, 1999). Nos anos 1980, ocorreu a redução do programa de crédito rural subsidiado, menor disponibilidade de recursos financeiros e elevação da taxa de juros. Para Gomes (1999), mesmo com esse cenário adverso, a produção de leite brasileira continuou 36 crescendo, embora a taxas menores que na década anterior. Para o autor, além do aumento do rebanho, ganhos de produtividade também foram responsáveis por um crescimento mais intensivo da produção. No final dos anos de 1980, começou a mudar o cenário para o setor leiteiro nacional. Entre 1986 e 1996, houve elevação do consumo brasileiro de leite e derivados decorrente do período de estabilização inflacionária e melhora da renda per capita, dos planos Cruzado e Real (SOUZA, 1999). A maior estabilidade da moeda e o aumento do poder de compra da população refletiram-se no aumento da demanda por lácteos. Outro fator a influenciar uma maior aquisição de leite foram quedas no preço desse produto. A maior aquisição de leite representou para o produtor um significativo incremento na sua receita mensal. Na década de 1990, a produção de leite no Brasil cresceu 41% em termos lineares, passando de 14,5 bilhões de litros em 1990 para aproximadamente 23,2 bilhões em 2002. Nesse período, o Brasil passou a ser o sexto maior produtor mundial de leite, conforme quadro 1. Hoje (2005), apesar de o Brasil ser o sexto maior produtor de leite no mundo, apresenta uma baixa produtividade em relação a outros países, o que pode ser creditado a uma distribuição assimétrica da produção, a qual tende a aumentar cada vez mais, via concentração da produção e das indústrias. Sua produção, em 2002, foi da ordem de 23,2 bilhões de litros, volume que representa 4,2% da produção mundial, que foi de 499,1 bilhões de litros (IBGE, 2002). O mercado do leite sempre foi motivo de grande preocupação governamental, particularmente pela expressiva participação do produto e seus derivados na cesta básica. Até pouco tempo, o setor lácteo sofreu políticas de intervenção por parte do governo, que consistiam, basicamente, no controle de preços, impostos sobre comercialização e produção. Essas políticas tinham como objetivo principal reduzir a sazonalidade da produção via importações e eram utilizadas como instrumento de controle da inflação. 37 Quadro 1 – Maiores produtores de leite do mundo – 2002 País Estados Unidos Índia Rússia Alemanha França Brasil Reino Unido Nova Zelândia Ucrânia Polônia Produção (bilhões de litros/ano) 77,0 36,5 33,0 27,6 24,8 23,2 14,4 13,9 13,3 12,2 População 2003* (milhares de habitantes) 294.043 1.000.654 143.246 82.476 60.144 178.470 59.251 3.875 48.523 38.587 Fonte: ANUALPEC(2002) Org.GOBBI, W.A. de O./2004 População. Disponível em: <http://cyberschoolbus.un.org/infonation3/menu/advanced.asp > Acesso em: 23 nov. 2005. * Foram utilizados dados de população referentes ao ano de 2003 por não estarem disponíveis na fonte consultada (base de dados da ONU contida em sua página na internet) os dados relativos ao ano de 2002. Entretanto a política de tabelamento imposta pelo governo, no período de 1945 a 1991, trouxe sérios prejuízos para a atividade, pois, ao invés de estimular a modernização do setor, inibiu os investimentos e expulsou capitais e empresários da atividade, além de deixar o setor dependente das importações. Essa política só foi acabar com a abertura comercial em 1991, no início do Governo Collor (1990 - 1992). Mas a década de 1990 marcou o setor de laticínios com significativas transformações. A abertura comercial em 1991, associada à liberalização do preço do leite e à instalação do Mercosul (Mercado Comum do Sul), modificou a estrutura de todo o setor, trazendo modernização e concorrência. Com a globalização e os países abrindo seus mercados ao exterior, houve a necessidade de a economia brasileira também se internacionalizar. Além disso, em 1994, o Plano Real e a estabilização proporcionada por este provocaram mudanças nos hábitos dos consumidores e nas relações produtor-indústria. 38 Portanto, pode-se observar que o setor leiteiro mostra um comportamento representativo da economia brasileira, tanto na década de 1980, quando as políticas econômicas estavam voltadas para o controle da inflação, quanto na década de 1990, em que o setor passou por sérias mudanças estruturais decorrentes de fatores tais como: abertura econômica via globalização e Mercosul, estabilização econômica proporcionada pelo Plano Real e fim do tabelamento de preço. A liberação do mercado trouxe competitividade, e a busca pela eficiência e qualidade tornou-se a principal meta das indústrias e dos produtores. Se antes tudo girava em torno da produção, agora, tudo gira em torno do consumidor, conforme expressa Sr. Marcelo Bernardes Carvalho9, "O mercado passa a ditar as regras. Na aquisição de matéria-prima as empresas passaram a disputar produtos visando melhorar seu mix de custos e qualidade do produto." Assim, constata-se que, pelo lado da venda de produtos finais, estratégias como segmentação do mercado consumidor, diferenciação de produtos e campanhas promocionais de identificação de marcas foram os principais instrumentos utilizados pelas empresas para penetrar no mercado, agora, muito mais competitivo. Não se pode negar que a presença do livre mercado é um fator que seleciona os produtores mais eficientes, mediante melhor remuneração para seu produto. O pagamento diferenciado, seja ele por quantidade ou por qualidade do produto, tende a criar uma situação distinta para todos os produtores. Nesse sentido, Rocha (2002, p. 4) afirmou que diante desta nova realidade, o setor leiteiro é obrigado a repensar suas estruturas e mecanismos de funcionamento, não havendo lugar para produtores com baixa produtividade, altos custos, pouca tecnologia, e sem eficiência. Isto leva a um 9 Diretor Presidente da Cooperativa e do Laticínio Coopontal de Ituiutaba. Entrevista realizada em agosto de 2003. 39 sério problema: o crescente mercado informal, que está relacionado ao processo de modernização do setor produtivo, que exclui aqueles que não conseguem se modernizar e atender às exigências de qualidade das grandes indústrias laticinistas e das multinacionais, passando a atuar no mercado informal. Ainda com relação ao mercado informal, de acordo com Maia (2001), este praticamente não é fiscalizado, nem quanto ao recolhimento de impostos, nem quanto ao controle de qualidade. O mercado informal vem crescendo muito mais do que o formal. Em 1987, tinham-se 77% do leite produzido sob inspeção e, em 1997, constataram-se apenas 54%. A estabilidade de preços veio com o Plano Real e permitiu aos residentes do país um aumento do poder aquisitivo. O consumidor adquiriu novos hábitos e preferências, passou a ser mais exigente e a reivindicar qualidade a preços acessíveis. Um bom exemplo está no aumento do consumo de leite no país: o brasileiro passou seu consumo de 106,3 litros/habitante/ano, em 1990, para 135,9 litros/habitante/ano em 1997, que, mesmo assim, é considerado baixo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Para essa organização, o consumo ideal seria de 215 litros/habitante/ano (MAIA, 2001). Outro fator relacionado aos hábitos dos consumidores está associado ao aumento significativo no consumo de produtos diet e light, o que retrata bem um novo perfil do consumidor, preocupado com sua saúde e alimentação. Para atender a esse mercado, mais consciente e exigente, as empresas foram obrigadas a modernizar-se, diversificar seus produtos e melhorar a qualidade deles. Paralelamente, com o mercado mais competitivo e a concorrência mais globalizada, o preço passou a ser determinado pelas forças de oferta e procura. Tal fato forçou as indústrias do setor a reduzir seus custos sem pecar na qualidade (se é que isto, de fato, é possível). Outra mudança importante no mercado brasileiro de leite, nos anos 1990, foi a grande expansão do consumo de leite longa vida em detrimento do leite pasteurizado. O leite longa vida, 40 ou UHT (ultra high temperature), foi considerado como um grande avanço, tanto no aspecto econômico quanto no comercial. Antes, o leite fluido era comercializado apenas regionalmente e, agora, com o UHT, as barreiras de tempo e geográficas foram vencidas. Além disso, o UHT possui vantagens competitivas como qualidade e preço. As primeiras transformações trazidas pelo UHT foram o deslocamento da produção (principalmente para a região do cerrado) e a quebra do equilíbrio das bacias leiteiras. A seguir, o UHT passou a ser o regulador do mercado de leite, em vez do leite em pó; os supermercados aumentaram sua participação na distribuição, tomando lugar das padarias e comportando-se como uma barreira de mercado, devido ao poder de barganha frente às indústrias do setor; foi incentivada e facilitada a entrada de multinacionais no país, trazendo consigo todo um processo de globalização e competição para a cadeia do leite. Em face dessas mudanças, o cenário para médio e longo prazo prevê uma drástica redução do número de produtores, com a exclusão daqueles que não conseguirem operar em economia de escala. Na visão do Sr. Walter Eurípedes de Oliveira10, "hoje, o pequeno produtor de leite trabalha para pagar as dívidas e nada mais. É um sobrevivente na atividade, não mais um empresário rural, não tendo condições de investir em suas fazendas para que possa ser mais eficiente." Um expressivo contingente de pequenos produtores já ficou fora do mercado formal do leite. Paira um grande dilema sobre o futuro deles, que acabam engrossando o mercado informal de leite no país. 10 Pequeno produtor rural de leite em Ituiutaba. Entrevista realizada em agosto de 2003. 41 1.3 – As características da produção leiteira De acordo com o Censo Agropecuário de 1996, do total de 4.859.865 estabelecimentos agropecuários do Brasil, 1.810.041 dedicavam-se, ao menos em parte, à pecuária leiteira. É importante destacar que esse número aglutina todos os produtores, ou seja, os produtores comerciais e aqueles que têm uma ou duas vacas, apenas para subsistência. Considerando a extensão territorial, as condições de solo e clima e a população do país, percebe-se que sua produção e produtividade ainda são muito modestas, notadamente quando comparadas às dos países desenvolvidos (em 2002), conforme mostra o quadro 2. Quadro 2 – Produção, produtividade de leite de países desenvolvidos - 2002 PAÍSES Produção em Litros EUA 77,0 Produtividade (kg / vaca/ ano) 8.226 Rússia 33,0 - Alemanha 27,6 6.187 França 24,8 3.858 (bilhões) Fonte: INDI, 2003. Org. GOBBI, W.A. de O./2005 De acordo com os dados do Instituto de Desenvolvimento Industrial de Minas Gerais (2003), em 2002, a produção de leite das América foi de 140,6 bilhões de litros. Esse volume representou cerca de 28,2% do total mundial. Os países que lideraram a produção estão representados no quadro 3. 42 Quadro 3 – Participação dos países na produção de leite das Américas – 2002 PAÍSES EUA Participação (%) 53,4 Brasil 15,0 México 6,8 Argentina 5,8 Canadá 5,8 Colômbia 4,1 Demais países 9,1 Fonte: INDI, 2003. Org. GOBBI, W.A. de O./2005 Se considerada somente a produção dos países que fazem parte do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), a participação brasileira representa 67,9% do total. De acordo com a figura 1, em 2000, a produção nacional de leite regionalizada teve a seguinte distribuição. Figura 1 – Produção nacional de leite por regiões brasileiras (%) - 2000 43,4 45 40 35 30 Sudeste 24,8 Sul 25 20 15 10 Centro-Oeste 15,6 10,9 Nordeste Norte 5,3 5 0 Fonte: INDI, 2003. Org. GOBBI, W.A. de O./2005 43 Conforme figura 2, a produção por estados, em 2001, apresentou a seguinte concentração: Minas Gerais com 29,1%; Goiás - 11,3%; Rio Grande do Sul - 10,8%; São Paulo - 9,2%; Paraná 8,7%; Santa Catarina - 5,2%; Bahia - 3,6%, e demais estados - 22,1%. O volume de leite utilizado para a determinação da participação de cada estado é o total produzido pelo Brasil em 2001, que foi da ordem de 20,5 bilhões de litros. Por outro lado, de acordo com o Ministério da Agricultura, o leite recebido pelos laticínios que operam sob Inspeção Federal, no mesmo ano, foi de apenas 13,2 bilhões de litros, ou seja, 64,4% do total. Isso demonstra que os demais 35,6% da produção são destinados ao mercado informal e autoconsumo, sem a fiscalização do Ministério (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL DE MINAS GERAIS, 2003). Figura 2 - Produção de leite por estados brasileiros (%) – 2001 35 30 29,1 Minas Gerais Goiás 25 22,1 Rio Grande do Sul São Paulo 20 Paraná 15 10 11,3 10,8 9,2 Santa Catarina Bahia 8,7 Demais estados 5,2 5 3,6 0 Fonte: INDI, 2003. Org. GOBBI, W.A. de O./2005 A produção de leite de Minas Gerais é a mais expressiva do país, e muitos fatores colaboram para essa supremacia absoluta. Dentre os mais importantes, merecem destaque as boas condições de clima e solo, a localização geográfica estratégica em relação aos grandes centros consumidores e a tradição e experiência na exploração pecuária. 44 Em termos de volume, em 2001, a produção mineira foi de 5,9 bilhões de litros, o que representa 29,0% do total nacional. As regiões do estado com maior liderança na produção de leite, em 2000, foram: Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba - 23,4%; Sul/Sudeste - 18,0%; Zona da Mata - 10,5%; Oeste de Minas - 9,2%; Central Mineira - 8,9%; Região Metropolitana de Belo Horizonte - 8,7%; Vale do Rio Doce - 7,2%, cabendo às demais regiões os outros 14,1% (Tabela 1). O Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba lidera a produção no estado, porém possui o maior número de vacas ordenhadas e uma produtividade de apenas 1.162 kg/vaca/ano, a terceira pior entre as regiões, que indica a prevalência de raças mistas utilizadas na produção. Quando se analisa a produção brasileira, em conformidade com as faixas de produção, concluímos que os pequenos produtores precisam de uma transformação radical, se quiserem permanecer nessa atividade. Considerando as regiões, esse percentual é o seguinte (Quadro 4): Quadro 4 – Produtores com mais de 50 litros de leite /dia por regiões brasileiras (%) – 1996 Regiões Participação (%) Centro-Oeste 27,4 Sudeste 26,9 Norte 9,1 Sul 7,1 Nordeste 4,1 Fonte: INDI, 2003. Org. GOBBI, W.A. de O./2005 Em 1999, os dados de algumas empresas localizadas em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo mostram uma evolução significativa no percentual de produtores que produziram mais de 50 litros de leite/dia, assim distribuídos: (Quadro 5). 45 Tabela 1 - Minas Gerais, produção de leite, vacas ordenhadas, produtividade e participação por Mesorregião – 1991/ 2000 Mesoregiões Produção (milhões de litros) 1991 2000 Participação na produção % 1991* 2000* Vacas ordenhadas * Mil cabeças Participação (%) 1991 2000 1991 2000 Produtividade Mesoregiões (kg/vaca/ano) 1991 2000 Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba 953 1.314 23,3 23,4 1.324 1.131 29,4 27,6 720 1.162 Sul/Sudeste 840 1.008 20,5 18,0 682 644 15,1 15,7 1.232 1.565 Zona da Mata 532 588 13,0 10,5 446 403 9,9 9,8 1.193 1.459 Oeste de Minas 293 514 7,2 9,2 292 296 6,5 7,2 1.003 1.735 Central Mineira 250 500 6,1 8,9 250 301 5,5 7,3 1.001 1.661 Metropolitana de B.Horizonte 299 489 7,3 8,7 285 267 6,3 6,5 1.049 1.829 Vale do Rio Doce 352 401 8,6 7,2 460 401 10,2 9,8 766 1.001 Nordeste de Minas 159 307 3,9 5,5 260 221 5,8 5,4 611 1.389 Campos das Vertentes 238 259 5,8 4,6 155 140 3,4 3,4 1.533 1.855 Norte de Minas 175 225 4,3 4,0 354 300 7,8 7,3 495 750 4.091 5.605 100,0 100,0 4.507 4.104 100,0 100,0 908 1.366 TOTAL Fonte: IBGE - Pesquisa da Pecuária Municipal – 1993; SEBRAE-MG - Projeto Sistema Agroindustrial do Leite; ANUALPEC 2001 - Anuário da Pecuária Brasileira/FNP consultoria & comércioileira * Estimativa do INDI com base na produção e na produtividade 46 Quadro 5 – Produtores com mais de 50 litros de leite /dia de empresas localizadas em MG /RJ /SP (%) - 1999 Empresas Participação (%) Itambé 59,6 CASMIL* 54,7 Cooperativa Vale do Paraíba 45,2 Cooperativa de Santa Rita do Sapucaí 35,7 Cooperativa de São José dos Campos 38,2 Fonte: INDI, 2003. * Cooperativa Agropecuária do Sudoeste Mineiro Ltda. Org. GOBBI, W.A. de O./2005 Nos últimos três anos (2002 - 2005), algumas empresas conseguiram um progresso significativo na produção diária de seus produtores, conforme mostra o quadro 6. Quadro 6 – Produção média diária /litros de leite por produtor - 2002 Empresas Produção /média diária (L) Nestlé 587 Ilpisa 442 Itambé 334 Danone 302 Parmalat 206 CCL 187 Fonte: INDI, 2003. Org. GOBBI, W.A. de O./2005 1.4 - As bacias leiteiras no Brasil As bacias leiteiras tornaram-se referência para o entendimento da complexidade das relações estruturais que permeiam essa atividade econômica. O nível tecnológico, a especificidade da agropecuária, como tipos de rebanhos, produtores, cooperativas, o aparato gerencial, a forma de comercialização e o predomínio de um modo de integração tornaram-se os 47 principais fatores de diferenciação tecnológica e organizacional entre as bacias leiteiras nacionais. No começo da década de 1970, o governo passou a reprimir os preços pagos aos produtores, visando evitar a superoferta do leite in natura. Assim, as bacias tradicionais de Minas Gerais e São Paulo foram prejudicadas. O reflexo foi a estagnação da produção no período de 1970 a 1973. A produção interna não era suficiente para atender à demanda nacional. Em 1974, o governo federal teve de importar vários produtos, como carne, leite, trigo, milho e outros. No caso do leite, mesmo com a ampliação das bacias leiteiras do interior paulista, principalmente a do Vale do Paraíba e de Ribeirão Preto, a importação era necessária (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). Em 1974, houve uma alteração na política governamental láctea. Os preços pagos aos produtores, para estimular a produção, aumentaram, bem como os subsídios para o transporte das bacias leiteiras até as capitais, ou seja, os grandes centros consumidores. Para regularizar o abastecimento, devido ao desequilíbrio entre os períodos de safra e entressafra, foi adotada uma política de importação de leite em pó, para a normalização no abastecimento dos grandes centros entre 1974/1975. Assim, em 1976, o governo não manteve os preços reais para os produtores e os valores começaram a cair (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). No decorrer da década de 1970, não houve o desenvolvimento esperado na pecuária das principais bacias leiteiras produtivas. A produção de leite continuou apresentando baixos níveis de produtividade, tornando-se subproduto da pecuária de corte, em razão do achatamento dos preços do leite realizado pelo governo, por meio de política discriminatória de preços e também pelo desinteresse das indústrias em favorecer a modernização do produtor, pois buscavam matéria-prima mais barata por intermédio da expansão geográfica do mercado de leite in natura 48 em postos de captação. Assim, o progresso tecnológico e o aumento da margem de lucro ocorreram apenas para os produtores de leite tipo B (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). Para Paulillo; Herrera; Costa (2002), a especialização da atividade de extração leiteira concentrava-se, principalmente, no Sudeste. Entretanto, verificava-se maior crescimento do rebanho bovino nas regiões Norte e Centro-Oeste do País. Esse crescimento não foi fruto da adoção de nova tecnologia, foi decorrente de programas governamentais de créditos específicos para determinadas regiões. Tais programas foram iniciados na década de 1970, dentre os quais, destacam-se: Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste – PROTERRA-, Conselho de Desenvolvimento da Pecuária – CONDEPE-, Programa de Desenvolvimento dos Cerrados – POLOCENTRO- e outros, além de incentivos fiscais da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE-. No início da década de 1990, na visão de Paulillo (1991, p. 12), a evolução do rebanho bovino tem sido maior em regiões que ainda possuem terras a serem exploradas como no Norte e Centro-Oeste, tendo a atividade bovina, seja para corte ou leite, crescido em função da incorporação de novas áreas de pastagens, e não devido à modernização e incorporação de novas tecnologias; à medida que uma região se desenvolve, a agricultura também se desenvolve, ocupando áreas de pastagens e deslocando a pecuária para terras mais afastadas. De acordo com os autores Paulillo; Herrera; Costa (2002), foi no final do século XX que a desregulamentação a abertura do mercado lácteo brasileiro e a intensificação das inovações tecnológicas iniciaram um processo de modificações estruturais profundas na organização da produção leiteira brasileira. Esse movimento foi mais significativo, porque o Estado começou a sofrer uma crise fiscal e política que resultou na transformação do padrão de regulação agropecuária nacional. 49 O modo de regulação estatal, anteriormente estabelecido, não se sustentou e permitiu o surgimento da auto-regulação em cada complexo agroindustrial constituído no país. Devido a esses fenômenos, o processo de reestruturação agroindustrial lácteo estabeleceu-se no início de 1990, trazendo impactos relevantes para o desenvolvimento das bacias leiteiras regionais. É importante mostrar que as políticas públicas, voltadas para o complexo agroindustrial do leite brasileiro e suas bacias produtivas, não foram suficientes para resolver o problema da segurança alimentar nacional. Com a auto-regulação láctea, motivada pela crise fiscal do Estado, a abertura e a desregulamentação do mercado nacional, as bacias produtivas mais tradicionais sofreram impactos negativos, como a exclusão e a marginalização de pecuaristas, cooperativas e pequenas usinas de beneficiamento. Esse processo também atingiu a população carente, já que a ausência de políticas públicas específicas para as bacias leiteiras impediu a criação de programas sociais regulares orientados à segurança alimentar dessas regiões produtivas. No quadro 7 é apresentada uma caracterização da heterogeneidade estrutural e tecnologia láctea brasileira mais abrangente. Estas distinções entre as grandes regiões do país referem-se ao abastecimento do produto, à presença de plantas industriais e de cooperativas, à dependência de importações de leite em pó, para abastecer o mercado da grande região, e ao nível de modernização da pecuária. 50 Quadro 7 – Caracterização da heterogeneidade estrutural e regional da produção láctea nas grandes regiões do país - 2002 Nordeste - Leite em pó: abastecido por plantas industriais do sul da Bahia, cuja produção foi estimulada pelas atividades da Nestlé, da Glória e da Itambé. - Leite fluido: pouco importante, o abastecimento cabe a firmas locais e regionais que recebem leite de produtores com a menor produtividade do País – 1,3 l/vaca/dia. - O mercado dessa região revela forte dependência de importações externas e internas. Sudeste - Maior mercado consumidor: concentra tanto a produção pecuária como a industrial. Plantas industriais e equipamentos varejistas mais moderno do País. - Região mais vulnerável, com heterogeneidade tecnológica e organizacional mais elevada. Sul - Mercado regional em expansão. - Apresenta o maior consumo per capita de produtos lácteos do País. - Modernização constante, por meio de investimentos em todo o complexo. - Papel importante de Cooperativas agroindustriais verticalmente integradas. Fonte: Paulillo; Herrera; Costa (2002, p. 175) Dentre as grandes regiões produtoras, o Sudeste ocupa papel principal, mesmo antes de 1960, quando teve início o processo de constituição do complexo agroindustrial lácteo. Essa região, que é a maior produtora de leite do Brasil até hoje, manteve o maior efetivo de rebanho do país até 1985. Entre 1970 e 1999, sua produção cresceu cerca de 98%. Minas Gerais e São Paulo sempre foram os maiores produtores, sendo que a produção mineira superou em três vezes a paulista ao longo dos anos de 1990 (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). No estado de Minas Gerais, a produção de leite tem raízes históricas e, geralmente, as propriedades rurais são passadas de geração em geração. Dessa forma, até os sistemas de produção de leite são repassados de pais para filho, o que, de certa forma, impede a absorção de modos de manejo e de ordenha modernos. Em Minas Gerais, verifica-se que a manutenção da propriedade pela família também se deve à valorização da terra, ou seja, esta funciona como 51 reserva de valor, como fator de produção, o que acaba se tornando um obstáculo à maior produtividades da terra. Minas Gerais, o estado mais relevante na produção do Sudeste do Brasil, abrange bacias lácteas muito tradicionais, porém, o processo de marginalização de boa parte de sua pecuária, que sofre os impactos da abertura comercial, da desregulamentação e das novas exigências promovidas pelos grandes grupos industriais, tem alterado o aspecto estrutural lácteo mineiro: é que sua produção está sendo transferida para o cerrado, o que justifica parte do significativo crescimento da produção e da produtividade na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, onde se encontra o município de Ituiutaba (área de estudo). 1.5 – As principais indústrias de leite no Brasil De acordo com os registros do Ministério da Agricultura, em abril de 1997, o Brasil possuía cerca de 2.251 estabelecimentos de laticínios, assim distribuídos de acordo com a figura 3. Em 1999, o número total de estabelecimentos era de 2.043 e em 2001, 2.017, o que representa uma queda de 9,24% e 10,40% em relação a 1997, respectivamente (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2000). 52 Figura 3 - Estabelecimentos de laticínios brasileiros (%) – 1997 Granja leiteira 40 36,16 Posto de recebimento 35,72 35 Posto de refrigeração 30 25 Posto de coagulação 21,46 20 Usina de beneficiamento 15 Fábrica de laticínios 10 2,49 2,13 5 0 0,67 0,53 Fonte: Ministério da Agricultura, 1997. 0,84 Entreposto de usina Entreposto de laticínio Org. GOBBI, W.A. de O./2005 Em maior ou menor escala, os estabelecimentos estão presentes em todas as unidades da federação. Entretanto a maior concentração verifica-se nos estados onde a produção de leite e o consumo de laticínios são mais desenvolvidos (Quadro 8). Quadro 8 – Participação dos estados no total de estabelecimentos de laticínios (%) – 2001 Estados Participação no total de estabelecimentos de laticínios do país (%) Minas Gerais 34,16 São Paulo 13,93 Goiás 10,16 Paraná 8,03 Rio Grande do Sul 5,95 Rio de Janeiro 3,52 Fonte: INDI, 2001. Org. GOBBI, W.A. de O./2005 53 Com relação a Minas Gerais, conforme os dados do Ministério da Agricultura (2003), os 689 estabelecimentos de laticínios do estado, em 2001, apresentavam as seguintes configurações de acordo com o quadro 9. Quadro 9 – Minas Gerais: número de estabelecimentos de laticínios por configuração - 2001 Tipo Número Fábrica de laticínios 366 Posto de refrigeração 172 Usina de beneficiamento 126 Entreposto de laticínios 14 Posto de coagulação 01 Posto de recebimento 01 Granja leiteira 07 Entreposto de usina 04 TOTAL 689 Fonte: Ministério da Agricultura, 2003. Org. GOBBI, W.A. de O./2005 O Sul de Minas, em 2003, apresentou a maior concentração industrial, seguido pela Zona da Mata, Central, Triângulo Mineiro, Rio Doce, Alto Paranaíba, Centro-Oeste de Minas e demais regiões (Quadro 10). Em 2002, estimou-se que cerca de 37,3% do leite produzido no Brasil foram consumidos e/ou processados sem a fiscalização do Serviço de Inspeção Federal - SIF. Essa informação indica a existência de muitas indústrias que operam na ilegalidade. Esse índice já foi muito maior, mas, para um país que deseja competir no mercado internacional, ainda é muito grande. Em Minas Gerais, possivelmente, a situação seja até pior, em decorrência de sua tradição na produção dos chamados queijos artesanais, produzidos sem inspeção do Ministério da Agricultura ou do Instituto Mineiro de Agropecuária -IMA. (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2003). 54 Quadro 10 – Regiões mineiras: número de estabelecimentos de laticínios - 2003 Regiões Número Total Sul de Minas 210 Zona da Mata 118 Central 94 Triângulo Mineiro 70 Rio Doce 43 Alto Paranaíba 42 Centro-Oeste de Minas 42 Demais regiões 43 Fonte: Ministério da Agricultura, 2003. Org. GOBBI, W.A. de O./2005 Assim, de acordo com as informações do Ministério da Agricultura (2003), a capacidade instalada da indústria de laticínios brasileira, em abril de 2001, apresentava a seguinte caracterização (Quadro 11): Quadro 11 – Brasil: capacidade da indústria de laticínios (%) – abril/ 2001 Estratos % mais de 500 mil litros/dia 1,01 de 300 a 500 mil litros/dia 1,01 de 100 a 300 mil litros/dia 3,25 de 50 a 100 mil litros/dia 3,85 de 20 a 50 mil litros/dia 18,47 de 10 a 20 mil litros/dia 17,49 de 5 a 10 mil litros/dia 19,52 até 5 mil litros/dia 35,40 TOTAL Fonte: Ministério da Agricultura, 2003. 100 Org. GOBBI, W.A. de O../2005 55 Nos estados que lideram a produção nacional de leite e derivados, também prevalecem as micro e pequenas empresas. Em Minas Gerais, a situação é a seguinte (Quadro 12): Quadro 12 – Minas Gerais: participação das micro e pequenas empresas na produção de leite e derivados (%) - 2003 Classes % até 5 mil litros /dia 40,12 de 5 a 10 mil litros/dia 17,57 de 10 a 20 mil litros/dia 16,69 de 20 a 50 mil litros/dia 17,42 mais de 50 mil litros/dia 8,2 TOTAL 100 Fonte: Ministério da Agricultura, 2002. Org. GOBBI, W.A. de O./2005 O setor de laticínios, no Brasil, é um exemplo claro das recentes transformações na estrutura e organização produtiva. A luta pelo domínio de cooperativas, que antes não interessava aos grandes investidores do setor, passou a ser de extremo interesse do setor privado, tanto de grupos nacionais como de grandes multinacionais, o que é uma particularidade do processo de concentração no Brasil. A partir daí, muitas empresas fundiram-se, outras foram absorvidas e muitas deixaram de existir. Entre as empresas líderes do setor de laticínios, destacam-se duas grandes multinacionais (DPA/ Nestlé e Parmalat), duas grandes centrais cooperativas (Itambé e CCL-SP Leite Paulista) e dois grupos privados (Elegê e o grupo Vigor) (Tabela 2). A seguir, é apresentado um breve histórico das estratégias de conquista de mercado utilizadas pelas empresas do setor: Itambé, Elegê, Parmalat, CCL – SP Leite Paulista, SUDCOOP e DPA/ Nestlé, que estão entre as seis maiores. Essa análise permitirá uma visão 56 geral da conduta adotada pelas empresas tanto para expandir-se, como para tentar manter-se no mercado, como é o caso das cooperativas e empresas privadas nacionais. 1.5.1 - Itambé – Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais Ltda – CCPR/Itambé A cooperativa mineira consolida-se como uma das forças do setor leiteiro nacional. Ampliando a capacidade com a construção da fábrica em Uberlândia (MG), o Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba serão ótimos lugares para se produzir leite, com DPA, Itambé e diversas cooperativas, captando leite na região e balanceando a atuação do mercado interno com as exportações crescentes, a empresa mostra que é competitiva e sinaliza um exemplo saudável para as demais cooperativas e empresas nacionais. Para o presidente, Dr. José Pereira Campos Filho (maio de 2005), “nos últimos três anos começamos a colher os frutos das grandes transformações internas, sempre reunindo esforços para tornar a CCPR uma Cooperativa economicamente forte, com excelente saúde financeira e tecnicamente evoluída” (CAMPOS FILHO, 2005, p. 1). 57 Tabela 2 – Brasil: maiores empresas de laticínios – 2004 Recepção Anual de leite (mil litros) Class.* Empresas/Marcas 2002 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 DPA *** ITAMBE ELEGE PARMALAT CCL SUDCOOP EMBARE LATICÍNIOS MORRINHOS CENTROLEITE BATAVIA DANONE GRUPO VIGOR CONFEPAR LIDER ALIMENTOS TOTAL Número de produtores ** 2002 2003 2004 2004 Produtores Terceiros Total 1.489.029 1.500.179 1.136.327 372.740 1.509.067 7.192 7.163 6.112 732.000 750.000 765.000 64.500 829.500 6.010 5.991 6.063 711.335 671.780 659.522 58.185 717.707 28.665 27.676 21.402 751.921 641.127 288.744 117.944 406.688 9.996 6.920 4.566 268.385 309.540 300.943 37.494 338.437 4.512 6.402 4.461 230.952 226.016 234.316 26.783 261.099 6.993 6.734 6.872 192.378 218.687 222.606 33.792 256.398 2.884 4.413 3.666 210.572 191.782 238.768 13.934 252.702 4.990 3.128 2.178 213.503 165.276 272.236 154.158 109.239 163.766 2003 261.230 232.311 225.033 153.145 115.834 129.177 5.664.750 5.625.841 229.135 209.893 116.119 164.224 141.439 141.052 0 0 84.618 32.201 47.869 10.430 4.848.088 900.490 Produção Média Diária (litros) 2002 2003 2004 567 334 68 206 163 90 183 116 574 343 67 254 132 92 136 168 508 345 84 173 184 93 166 300 4.920 3.907 1.072 1.510 5.467 4.557 119 69 302 277 80 160 132 125 484 297 60 134 127 147 296 297 71 85 5.748.578 93.221 89.553 76.753 164 171 173 229.135 209.893 200.737 196.425 189.308 151.482 4.905 6.529 2.470 1.525 3.743 2.807 5.438 5.111 1.274 1.413 5.256 2.634 Fonte: LEITE BRASIL, CNA/Decon, OCB/CBCL e EMBRAPA/Gado de Leite - 2004 Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 * Classificação base recepção (produtores + terceiros) no ano 2004 **Posição/31/dezembro. *** Números referentes à compra de leite realizada pela DPA Manufacturing Brasil em nome da Nestlé, da Fonterra, da DPA Brasil e da Itasa **** Devido à mudança metodológica, com a inclusão das compras de terceiros em 2004, não se recomenda a comparação da produção média diária com os anos anteriores. 58 Nos últimos três anos, foram investidos cerca de R$ 450 milhões (CAMPOS FILHO, 2005), que foram aplicados na ampliação e modernização das fábricas de Sete Lagoas (MG), Goiânia (GO) e Pará de Minas (MG) e em duas novas unidades industriais, que estão sendo construídas em Goiânia e Uberlândia. Com essas ampliações, a previsão da empresa é aumentar de 3 milhões para 4,5 milhões o volume de leite processado por dia. Para o presidente, a construção das novas fábricas está dentro do cronograma previsto, o que mostra que as duas unidades devem entrar em fase de testes já em outubro de 2005. Os produtos da Itambé em destaque nacional são: leite condensado, que ocupa o segundo lugar na preferência nacional, com 19% das vendas; creme de leite lata, com 13% do mercado, ocupa o segundo lugar; leite em pó, segunda marca mais vendida, com 19% do mercado nacional, sendo líder na embalagem sachê com 23% das vendas; manteiga, líder nacional, com 16% das vendas do mercado brasileiro; doce de leite, primeira marca nacional, com 18% de participação no mercado; requeijão, terceira marca mais vendida, com 8% das vendas no mercado (CAMPOS FILHO, J. P., 2005). 1.5.2 - Elegê (Avipal) A Avipal foi fundada em 1959, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Voltada, originalmente, para a produção de carne de frango, é atualmente uma das principais indústrias de alimentos do país, atuando nos segmentos de proteína animal e vegetal, por meio das divisões: carnes (frango e suínos), láteos e grãos. A Avipal S.A. conta com 8.100 colaboradores, alocados, principalmente, em seus complexos industriais, unidades e centros de distribuição, localizados nos estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná (Quadro 13). 59 No segmento de lácteos, com as marcas Elegê, Santa Rosa, Dabon e El Vaquero, é a maior empresa produtora de Leite Longa vida das Américas, com um processamento aproximado de um bilhão de litros de leite por ano (www.avipal.com.br, 2005). A Avipal, além de comercializar os seus produtos no mercado interno, também exporta para outros países, tendo como principais mercados o Oriente Médio, o Leste Europeu, a Rússia, a América Central, a Europa, o Japão e os países do continente africano. Quadro 13 – Elegê (Avipal): localização das unidades de produção - 2005 Localização Lageado Estado Rio Grande do Sul Dourados Mato Grosso do Sul São Gonçalo dos Campos Bahia Porto Alegre Rio Grande do Sul Elegê Rio Grande do Sul Ijuí Santa Rosa São Lourenço Teutônia Três de Maio Carlos Casares (Argentina) Rio Grande do Sul Rio Grande do Sul Rio Grande do Sul Rio Grande do Sul Rio Grande do Sul --- Descrição Unidade industrial onde estão localizadas as principais plantas de abate de aves e suínos. Volume de produção: 280.000 frangos por dia e de suínos 2.000 por dia. Unidade industrial de abate de frango. Volume de produção: 150.000 por dia Unidade industrial de abate de frango. Volume de produção: 150.000 por dia. Unidade industrial de abate de frango para exportação. Volume de produção: 130.000 por dia. Processa 750 milhões de litros de leite por ano. ------------- Fonte: www.avipal.com.br/company/units.php?language=0. Acesso em 6 jul. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 60 A Elegê, braço de laticínios do grupo Avipal, procura acompanhar de perto a evolução dos custos de produção de seus mais de 30.000 fornecedores de leite. A empresa processa 750 milhões de litros de leite por ano (OLIVEIRA, 2005). De acordo com dados da Revista Exame (NAPOLITANO, 2005, p. 118), “a Avipal é dona da marca Elegê e se tornou a maior produtora brasileira de leite depois da crise da Parmalat”. 1.5.3 - Parmalat Em 1972, a Parmalat iniciou suas atividades no Brasil, associando-se à Laticínios Mococa S.A. e, quatro anos mais tarde, passou a operar sua primeira unidade industrial, em Itamonte (MG). Também nesse período, teve início a presença da Parmalat como patrocinadora de esporte, no Campeonato de Mundial de Sky, na Europa, em 1975, e da equipe Brabham, de Formula 1, no ano seguinte, e que levaria o brasileiro Nelson Piquet a dois de seus três títulos mundiais de piloto, em 1981 e 1983. O período de 1990 a 1995 marcou o início do processo de expansão orgânica da Parmalat no Brasil, com a compra de empresas, ativas e incorporação de marcas de produtos. A empresa passam a atuar em diversos estados, como Bahia, Rio de Janeiro, Goiás, Rio Grande do Sul, Rondônia e Ceará, entre outros, e passou no segmento de leite “in natura”, sucos de frutas e, ainda, no de biscoitos e massas, com a aquisição das marcas Britânia e Duchen, da General Biscuits (MAIA, 2001). A ligação entre a marca e o esporte foi marcada pela contratação do piloto Emerson Fittipaldi para campanhas publicitárias, pelo início de um projeto inovador de co-gestão com o departamento de futebol do Palmeiras e com o Juventude, de Caxias do Sul (RS). 61 Nesse período, a matriz italiana Parmalat SpA delegou à Parmalat do Brasil a tarefa de coordenar a expansão da marca na América Latina. A empresa passou a atuar na China, Chile, Venezuela, Equador e Austrália (MAIA, 2001). Os anos de 1996 e 1997 foram marcados pela criação da Gelateria Parmalat, pelo início do patrocínio ao piloto brasileiro de Fórmula 1, Pedro Paulo Diniz, e, especialmente, pelo lançamento da campanha publicitária “Mamíferos”, que, em 1997, tornou-se uma mania nacional. Em 1997, houve o lançamento da bebida isotônica Santal Active, café com leite pronto para beber, doce de leite e de mais 20 itens do segmento de iogurtes, petit suisse e sobremesas. Também nesse ano, começou o processo de reorganização societário do Grupo Parmalat no Brasil (MAIA, 2001), que resultou na criação da Parmalat Brasil S.A. Indústria de Alimentos, e o jogador Ronaldinho, da Internazionale de Milão, passou a fazer as campanhas institucionais da empresa. Entre 1998 e 1999, ocorreu a aquisição do controle da Etti – Produtos Alimentícios, tradicional indústria do setor de atomatados. Também ocorre o aumento do capital social na Batavia S.A., passando a acionista majoritário com 51% do capital total. Criação da Santal Prosport, empresa que passa a administrar o marketing esportivo no Brasil. A Parmalat torna-se a primeira empresa 100% proprietária de um time de futebol, o Etti Jundiaí Futebol. (MAIA, 2001, p.32). Além das estratégias agressivas de marketing e aquisições de empresas, a Parmalat cuidava da qualidade dos seus produtos em todas as etapas do processo: desde a matéria-prima, passando pela produção nas fábricas, os canais de distribuição, até chegar ao consumidor final. No caso do leite, o principal produto e matéria-prima, a empresa mantinha um programa estruturado de suporte e desenvolvimento dos produtores. Sua política leiteira estendia-se a todas 62 as fases, dando suporte tecnológico e de capacitação aos produtores, a fim de aumentar a eficiência e melhorar a qualidade final do produto. O abalo sofrido pela Parmalat, no final de 2003, pesou na posição e nas vendas dos produtos da marca nos supermercados. Em alguns casos, como o do leite longa vida, a crise financeira vivida pela empresa, concordatária desde julho de 2004, abriu espaço para o crescimento de outras marcas regionais. De acordo com o site do Milkpoint6 a marca perdeu vendas nas categorias de leite longa vida e em pó, chá pronto para beber, leite condensado e creme de leite, revelou uma pesquisa feita pela revista Supermercado Moderno com 2,4 mil executivos de supermercados e hipermercados de todo o país em 2004. Eles escolheram as marcas que julgam as mais vendidas em suas lojas em 190 categorias. Com a perda de espaço da Parmalat, a Italac, que em 2003 nem aparecia na lista das mais citadas, ficou em segundo lugar como regional em 2004. O leite Milênio, vendido no Espírito Santo, Minas Gerais e interior do Rio de Janeiro, pulou do sétimo para o primeiro lugar no ranking da pesquisa das marcas regionais. Subiu de 4,17% no índice de preferência dos supermercados para 15,59%. No caso da Parmalat, a pesquisa mostra que o leite longa vida perdeu oito pontos percentuais nas menções dos supermercadistas. A marca caiu de 19,85% para 11,95% na preferência dos entrevistados, mas ainda se mantém na liderança. A Elegê, que tinha 6,1% da preferência, subiu para 7,67%. As marcas líderes e vice-líderes, que investem em divulgação, foram as que mais cresceram na preferência dos supermercadistas em 2004. 1.5.4 - CCL/Paulista A Cooperativa Central de Laticínios de São Paulo foi fundada em 1963, no bairro do Brás, localização que seria de fundamental importância para o crescimento e desenvolvimento da empresa. Para se ter uma idéia, apenas três anos depois de sua criação, a CCL-SP já contava com mais de catorze cooperativas associadas. 63 Nos anos de 1960 e 1970, quando as cooperativas procuravam maior diversificação de seus produtos, investindo em novas tecnologias, a CCL-SP iria se destacar no mercado pelo pioneirismo tanto na fabricação e distribuição de sua linha como pelo lançamento de novos produtos. Entre os de maior sucesso, destaca-se o leite B, lançado no final dos anos 1960 e, hoje, líder de mercado na Grande São Paulo. A partir da década de 1980, a Cooperativa desenvolveu um amplo trabalho focado no consumidor, que resultou no lançamento de produtos lácteos, desenvolvimento de novas embalagens, maior preocupação com as técnicas de comercialização e posicionamento de suas linhas no mercado. Fato relevante ocorreu em 1997, quando a empresa adquiriu equipamentos que permitiram o lançamento, com exclusividade, do leite Paulista Top. A novidade possibilitou à Cooperativa reforçar sua liderança no mercado de leite pasteurizado. Depois de vender parte de seu negócio à Danone, no final de 2000, a Cooperativa concentrou suas atividades na produção e venda de leite pasteurizado, leite em pó, leite longa vida, manteiga e creme de leite pasteurizado. Atualmente (2005), a Cooperativa Central de Laticínios do Estado de São Paulo conta com duas fábricas: a unidade do Brás, localizada na capital paulista, que fabrica leite pasteurizado, leite longa vida, creme de leite pasteurizado e manteiga; e a unidade de Itumbiara (GO), responsável pela produção do leite longa vida, manteiga e leite em pó. 1.5.5 - SUDCOOP (Cooperativa Central Agropecuária Sudoeste) A história da Cooperativa Central Agropecuária Sudoeste – SUDCOOP- começa em 13 de dezembro de 1977, na cidade de Francisco Beltrão, estado do Paraná. Cinco cooperativas: Cooperativa Agropecuária Sudoeste Ltda (Coasul), Cooperativa Agropecuária Capanema 64 (Cooagro), Cooperativa Mista Francisco Beltrão (Comfrabel), Cooperativa Agrícola Mista Duovizinhense Ltda (Candul) e Cooperativa Agropecuária Sabadi Ltda (Coopersabadi), juntaram-se e formaram a Central Sudcoop com o objetivo de industrializar e comercializar a produção de seus cooperados (FRIMESA, 2005). Já em 1978, deu-se início às atividades administrativas e, nesse momento, ingressaram no sistema as seguintes cooperativas do oeste do Paraná: Cooperativa Agrícola Mista Rondon (Copagril), Cooperativa Agroindustrial Lar (Lar), Cooperativa Agrícola Consolota Ltda (Copacol), C.Vale - Cooperativa Agroindustrial (C.Vale) e Cooperativa dos Produtores de Suínos e Leite do Oeste do Paraná (COOPERLAC) e a extinta Cooperativa Agropecuária Mista do Oeste Ltda (COOPAGRO) (FRIMESA, 2005). Os eventos cronológicos que veremos a seguir contam a história da SUDCOOP, da sua marca FRIMESA (Quadro 14) e de sua importância para o desenvolvimento das atividades suíno e leite na região oeste do Paraná, de acordo com dados da FRIMESA, 2005. Quadro 14 – Eventos cronológicos que relatam a história da SUDCOOP e sua marca FRIMESA de 1979 a 2004 ANOS ATIVIDADES 1979 A aquisição do Frigorífico Medianeira S/A possibilitou para a cooperativa a operacionalização no segmento de carne suína com a marca FRIMESA. Nesse mesmo ano, a empresa adquiriu as unidades de leite do Laticínios Rainha, de Marechal Cândido Rondon e Cascavel, marcando o início da industrialização e comercialização de produtos lácteos com a marca Rei do Oeste. 1980 Em 13 de maio, ocorreu o primeiro abate com uma média de 70 suínos por dia. 1981 Transferência da sede em Francisco Beltrão para Medianeira, no oeste do Estado, bem como a desfiliação das cooperativas do sudoeste. 1982 Aquisição dos laticínios de Matelândia e Nova Santa Rosa, ampliando a capacidade de industrialização de leite. Início do trabalho de fomento e desenvolvimento da bacia leiteira do Oeste do Paraná. As cooperativas filiadas, juntamente com a central SUDCOOP, promoveram um crescimento organizado da produção leiteira. No começo eram 45 mil litros de leite, e em 20 anos, esse número passou para 750 mil, fruto do trabalho organizado. Nesse 1983 65 1985 1987 1988 mesmo período, foram iniciados os trabalhos da suinocultura, com o desafio de melhorar a produtividade e a qualidade dos suínos. Início do desenvolvimento tecnológico do processo de industrialização dos produtos do frigorífico. Venda da fábrica de ração de Francisco Beltrão. Implantação de reflorestamento próprio visando à auto-sustentação de lenha para as indústrias e a preservação do meio ambiente. Início do programa de melhoramento da gestão na empresa, com a realização do diagnóstico em estratégia de marketing e estrutura organizacional. 1989 Adoção do planejamento estratégico e tático, que continua até hoje com aperfeiçoamentos. 1990 Inauguração da fábrica de queijos em Marechal Cândido Rondon (PR), que possibilitou o incremento de novos produtos, principalmente de derivados de leite, sendo comercializados com a marca Reggio. 1992 A SUDCOOP implantou um sistema gerencial fundamentado em Planejamento, Execução, Relatório e Avaliação. Início da comercialização do leite longa vida. 1994 Implantação de um programa de Qualidade Total, baseado no TQM. Ações da empresa voltadas para o cliente. 1996 Investimentos no frigorífico, aumentando a industrialização. Mudança da logomarca FRIMESA, tornando-a mais moderna e simpática junto aos seus consumidores. Aquisição do concentrador de leite da Confepar em Marechal Cândido Rondon. Venda da granja núcleo de Matelândia. Sistema de gerenciamento pelas diretrizes readequando a empresa no ambiente competitivo 1997 1998 Unificação das marcas FRIMESA e Reggio. A partir desse ano, a cooperativa vem comercializando os produtos carnes e lácteos com a marca FRIMESA, com o propósito de aprimorar e fortificar a comunicação com seus consumidores. 2000 Integração da atividade leiteira junto a Centralpar e suas cooperativas filiadas. Isso acrescentou à cooperativa 160 mil litros de leite diário e importante fatia do mercado de Curitiba. Incorporação dos laticínios de Douradina e de Capanema, no Paraná e Joaçaba em Santa Catarina, tornando a FRIMESA a maior empresa paranaense em recebimento diário de leite. Pesquisa com consumidoras aponta o perfil da marca FRIMESA como uma marca amiga, e a partir desse conceito, foi traçado o novo posicionamento da marca. 2001 2003 Transferência do fomento suínos para as cooperativas filiadas, com adoção de um modelo compartilhado de integração na suinocultura entre cooperativa-filiada-central, proporcionando eqüalização dos resultados da cadeia produtiva. 2004 Em fevereiro de 2004, a FRIMESA conquistou o certificado ISO 9001:2000 atestando 66 que os procedimentos de gerenciamento da sede administrativa, em Medianeira, e da industrialização de lácteos da unidade de Marechal Cândido Rondon (UFQ) estão em conformidade com os requisitos da norma internacional. As ações mercadológicas da FRIMESA para conquistar seu posicionamento de mercado dão a empresa o prêmio de Cooperativa do Ano - Categoria Marketing-, oferecido pela Organização das Cooperativas Brasileiras e Revista Globo Rural. Fonte:http://frimesa.com.br/principal.php?linha=3&menu=1&submenu=0&PHPSESSID=a0b1cce48ee18b2517f59fa b07386c4f>. Acesso em: 8 jun. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 Nos seus 27 anos de existência, o crescimento da empresa é o resultado do trabalho dos produtores e da determinação das cooperativas filiadas em realizar a industrialização da matériaprima. Hoje (2005), para industrializar a produção dos mais de 8 mil produtores de leite e suinocultores, a FRIMESA conta com doze unidades fabris. Essas unidades geram mais de 2,1 mil empregos diretos, e outras de 24 mil pessoas estão ligadas economicamente à empresa. A FRIMESA é a maior empresa paranaense em recebimento diário de leite, com 750 mil litros, e a 6ª colocada no Brasil. Em abate de suínos, os 1,5 suínos abatidos diariamente dão a empresa a 2ª e a 10ª colocação, respectivamente. 1.5.6 - DPA (Nestlé) A Nestlé instalou-se no Brasil no ano de 1921, com uma fábrica na cidade de Araras, estado de São Paulo. De acordo com dados da Nestlé11, o Leite Moça foi o primeiro produto Nestlé a ser fabricado no Brasil. Com o seu sucesso, vários outros produtos foram lançados e, atualmente, são comercializados no território brasileiro mais de 1.000 itens sob a marca da Nestlé. O Leite Moça é o que detém maior volume de venda. ___________________ 11 Disponível em: <www.milkpoint.com.br/non/girolacteo/artigo.asp?nv=1&id_artigo23743>. Acesso em 5 de julh. 2005). 67 A Nestlé Brasil, além de produtos para alimentação e nutrição humana, produz alimentos para animais de estimação. Ela atua em doze segmentos de mercado: leites, cafés, culinários, achocolatados, cereais, biscoitos, nutrição, chocolates, refrigerantes, sorvetes, food services e petcare (www.Nestlé.com.br, 2005). De acordo com o quadro 15, a Nestlé possui 26 fábricas no Brasil. Sua rede de clientes abrange mais de 1.600 municípios. Quanto aos fornecedores, são cerca de 37 mil ativos. Na fabricação dos produtos que comercializa a partir do Brasil, a Nestlé adquire, anualmente, mais de 230 mil toneladas de açúcar, 55 mil toneladas de café, quase 35 mil toneladas de cacau e mais de 1,5 bilhões de litros de leite. Isso faz dela a grande consumidora nacional desses itens. Em 2003, as operações da Nestlé geraram mais de R$ 1,1 bilhão entre impostos, taxas e contribuições (www.Nestlé.com.br, 2005). Com relação ao serviço de assistência técnica, como o caso da integração parcial, este não denota nenhum aspecto de “bondade” da empresa, mas é, sem dúvida, um instrumento valioso para controlar e tornar dependente e subordinado o produtor rural, assentado na necessidade vital da empresa de garantir qualidade, baixos preços da matéria-prima. No que se refere à Nestlé, o Programa de Desenvolvimento da Pecuária Leiteira – PDPL-, é focado na prestação de serviços aos fornecedores de leite, apresentando soluções para diferentes necessidades. Dessa forma, seu objeto é viabilizar a chegada até o produtor de informações e assistência técnica adequada. Quadro 15 – Fábricas da Nestlé no Brasil - 2005 Fábricas 1- Pari 2- Belenzinho 3- Araraguara 4- Caçapava 5- CPW – Caçapava Cereais Matinais 6- Araçatuba 7- Araras 8- Araras Nescafé Estado São Paulo (Capital) São Paulo (Capital) São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo 68 9- Araras Refrigerados 10- Lins 11- Marília 12- São José do rio Pardo 13- Ribeirão Preto 14- Porto Ferreira 15- Ibiá 16- Ituiutaba 17- Montes Claros 18- Teófilo Otoni 19- Itabuna 20- Camaquã 21- Goiânia 22- Jataí 23- Rialma 24- Jacarepaguá 25- Barra Mansa 26- Espiríto Santo Fonte: http://www.nestle.com.br. Acesso em: 24 fev. 2005. São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo Minas Gerais Minas Gerais Minas Gerais Minas Gerais Bahia Rio Grande do Sul Goiás Goiás Goiás Rio de Janeiro Rio de Janeiro Espiríto Santo Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 A Dairy Partnes Americas – DPA - mantém uma série de convênios com profissionais qualificados na prestação de serviços à atividade leiteira, e divulga, através de diferentes meios de comunicação, todas as informações necessárias para a melhoria da gestão técnica e econômica de sua atividade. Entre os convênios já estabelecidos pela DPA, estão o PDPL , firmado com as Universidades Federais de Viçosa (MG) e Goiás, o Educampo, em conjunto com o Serviço Brasileiro de Apoio a Pequena e Média Empresa – SEBRAE -, e uma parceria com a EMBRAPA. Muitos produtores já vêm sendo beneficiados por estas iniciativas. Em 1975, a Nestlé escolheu Ituiutaba para instalar uma das suas fábricas, por estar estrategicamente localizada, uma vez que recebe leite de produtores de Minas Gerais e Goiás. A cidade fornecia a base necessária para o bom funcionamento da fábrica, como pessoal capacitado, energia elétrica e água de boa qualidade. Atualmente, juntamente com mais outras seis fábricas da Nestlé, pertence à DPA, empresa que assumiu em janeiro de 2003, a fabricação de leite em pó, 69 a gestão da compra e coleta de leite e do relacionamento com os produtores e o negócio de refrigerados e produtos UHT (PRATO, 2003). A unidade de Ituiutaba é uma das mais modernas da América Latina (PRATO, 2003), e a de maior em volume de leite processado diariamente no Brasil. Ituiutaba produz leite em pó, operando com sistemas de qualidade desenvolvidos mundialmente pela Nestlé. “Recebemos a classificação A em auditória realizada pelos técnicos do Ministério da Agricultura, o que significa que todos os nossos processos, controles e níveis de higiene estão estritamente de acordo com as exigências desse órgão” (PRATO, 2003, p. 9). O Triângulo Mineiro é uma região em que a atividade leiteira tem uma presença expressiva. Conta com características importantes como solo, relevo e clima favoráveis e com uma alta capacidade industrial instalada, o que gera grande necessidade de leite. Assim, são produzidos diariamente na região cerca de um milhão e oitocentos litros (PRATO, 2003). Além disso, o Triângulo Mineiro está muito bem situado geograficamente, atendendo aos mercados da região Sudeste, que possui a maior população do País (PRATO, 2003). Ricardo Rodrigues, chefe da região leiteira que compreende as Unidades de Ituiutaba (MG) e Jataí (GO), é quem coordena toda a operação de compra e coleta de leite. Ele informa que a DPA atua fortemente na compra e captação de leite na região, principalmente em Ituiutaba. “Nosso objetivo é fomentar o desenvolvimento da pecuária leiteira na região” (RODRIGUES, 2003, p. 9). A DPA mantém a mesma relação já estabelecida pela Nestlé, marcada pelo sistema criterioso de pagamento ao fornecedor, cujo o preço é informado com antecedência. E pretende aumentar o contato com o produtor, incentivando a troca constante de informações que contribuam para elevar a produtividade das fazendas leiteiras. 70 No próximo capítulo, mostraremos o papel do Estado na atividade da pecuária, destacando a política de preço e as transformações ocorridas no setor. 2 - A PECUÁRIA E A ATUAÇÃO DO ESTADO NO BRASIL: a política de preço e as transformações na pecuária leiteira 2.1 – A pecuária leiteira no contexto da modernização da agricultura A partir da década de 1950, iniciou-se a modernização da agricultura brasileira e o processo de desenvolvimento do capitalismo no campo, “rompendo as velhas formas de dominação, eliminando antigas relações de produção e ampliando as fronteiras agrícolas”. (GRAZIANO DA SILVA, 1987, p. 12). Ao citar o rompimento com as velhas formas de dominação, o autor esclarece que isto ocorreu com a passagem dos Complexos Rurais para os Complexos Agroindústriais. (GRAZIANO DA SILVA, 1987, p. 18). Para melhor entendimento, podemos assegurar que [...] os complexos rurais constituíam uma forma autárquica de organização da produção rural onde a própria unidade produtiva provia as suas necessidades de insumos e instrumentos e equipamentos de trabalho. Nela também se desenvolviam a produção de manufaturas em geral, bem como a maior parte dos bens utilizados no processo de produção e na reprodução social da mão-de-obra. Praticamente, inexistia a divisão do trabalho entre o conjunto das atividades desenvolvidas. O "planejamento" da produção se restringia à mobilização dos esforços produtivos de acordo com o comportamento do mercado internacional dos produtos explorados. Nos períodos favoráveis dos mercados desses produtos, todos os fatores produtivos disponíveis pela unidade produtiva eram mobilizados para a produção dos mesmos, enquanto que, nos momentos desfavoráveis, o "planejamento" voltava-se para o atendimento das necessidades internas das unidades produtivas. Não havia um mercado interno nacional capaz de dinamizá-los. Tratava-se, portanto, de uma economia em estágio natural, cujos produtos, com características predominantes de valor de uso, constituíam bens de consumo final. Após 1850, tem início a crise desestruturadora dos complexos rurais. Os principais fatores históricos determinantes dessa crise relacionaram-se aos efeitos das restrições impostas ao tráfico negreiro e à vigência da Lei de Terras. A partir de então, o desenvolvimento dos complexos cafeeiros do Oeste paulista introduziu novos elementos na forma de organização da produção agrícola, como são os casos do emprego do trabalho livre e do deslocamento de várias das 72 atividades manufatureiras, do interior das unidades produtivas, para os centros urbanos em expansão. A crise dos complexos rurais prolonga-se até os anos de 1940 quando tem início, então, o processo de modernização da agricultura brasileira, cuja gênese esteve contextualizada à realocação de mercado dos setores da indústria de guerra, em especial, das indústrias mecânica e química. (TEIXEIRA, 2006. p. 02). Graziano da Silva (1999) salienta que a modernização agrícola no Brasil foi conservadora e excludente, já que privilegiou algumas culturas, algumas regiões, e algumas classes sociais. Assim, “a estrutura fundiária da agricultura brasileira evoluiu num sentido concentrador e excludente ao longo dos anos de 1970, no sentido de evitar qualquer tipo de acesso à terra aos trabalhadores rurais brasileiros”. (GRAZIANO DA SILVA, 1999, p. 117). Essas características foram aprofundadas pela política agrícola executada pelo governo. Nesse sentido, os [...] maiores níveis de modernização da agricultura tendem a se associar inequivocamente com maiores índices de concentração da renda. Embora possa ser levantada uma discussão acerca da casualidade do processo, acreditamos que as características da modernização da agricultura brasileira [...] e as políticas a ela associadas, como as de crédito rural e fundiário, são, em grande parte, responsáveis pelas desigualdades da distribuição da renda ao setor agropecuário. (GRAZIANO DA SILVA, 1999, p. 124). Portanto, o que se constata é que o avanço do modo de produção capitalista na agricultura serviu para reforçar a concentração de terras e de renda, bem como a modificação das relações de trabalho. Sobre isso, argumenta Graziano da Silva (1999, p. 133): [...] dado o avanço do capitalismo e a decorrente intensificação do processo de diferenciação da estrutura social no campo, não é mais possível pensar as políticas para o setor agropecuário “em bloco” ou “por produto”. Um reconhecimento mínimo da heterogeneidade daquela estrutura e, conseqüentemente, da diversidade, das necessidades e reivindicações das categorias de produtores aí presente é um passo imprescindível na formulação e condução de uma política realmente nova para a agricultura brasileira. 73 Assim, as políticas deveriam buscar maneiras de fomentar a geração de renda no campo, por meio de atividades agrícolas ou não agrícolas, pois mediante isso, estariam criando formas de fixar a população rural, evitando os grandes problemas de aglomeração nos centros urbanos. O processo de modernização da agricultura brasileira, que teve início na década de 1950, trouxe algumas repercussões para a cadeia produtiva do leite no Brasil. É nesse contexto que pretendemos destacar as principais transformações ocorridas na modernização da pecuária de um modo geral, conferindo as mudanças evidenciadas pelo setor lácteo após os anos 1960. A pecuária leiteira, no Brasil, é uma das atividades mais tradicionais no contexto do setor agropecuário. A produtividade do rebanho e das pastagens é das mais baixas do mundo, e a qualidade do leite produzido é, freqüentemente, questionada pela própria indústria processadora. A indústria de leite e laticínios baseou seu crescimento e modernização nos estratos de população de renda média e alta. Sua capacidade aquisitiva foi suficiente para sustentar tal crescimento, mas não para criar condições de modernização para a pecuária leiteira, em sua totalidade. A cada estímulo de preço ao produtor, a resposta da oferta detinha-se no tamanho do mercado. Consciente da dificuldade estrutural da economia brasileira, a indústria sempre se opôs a políticas estáveis de preços que levassem a aumentos significativos de produtividade para todo o setor. Sendo assim, nada mais lógico do que optar por um crescimento horizontal, aproveitando a disponibilidade do território e do caráter misto da pecuária (carne e leite) no Brasil. Expandindose para a região Centro-Oeste, com o apoio de uma forte política de subsídio, a indústria conseguiu manter o abastecimento da matéria-prima de que precisava, sem que houvesse um processo generalizado de modernização. Assim, o poder de barganha dos produtores leiteiros repousa fundamentalmente na diversificação das atividades em que se envolvem. Quanto menor a dependência do leite, maior 74 sua capacidade de resistir a flutuações de preços reais. Também a este respeito a situação apresenta-se diferenciada. A pecuária mista de carne e leite, para a qual o que conta é o preço relativo do boi gordo, está presente em toda região Norte e Centro-Oeste, Norte de Minas, Noroeste de São Paulo, Norte do Paraná e Sul do Rio Grande do Sul. No Norte deste último estado, Santa Catarina e algumas regiões de São Paulo e Minas Gerais, estão a produção mista de pecuária leiteira e a agricultura. Especialmente no tocante à região Sul, essa diversificação tem permitido movimentos de paralisação da produção, impossíveis para produtores especializados e pequenos produtores de subsistência. A pecuária altamente especializada encontra-se em São Paulo, Sul de Minas Gerais e Paraná. Entretanto, neste caso, os produtores organizaram-se para utilizar a mesma estratégia do setor industrial: calcar o crescimento e a modernização nas classes de renda média e alta, diferenciando seu produto. Com o auxílio da legislação higiênico-sanitária, criou-se o leite B. Sobre isso, argumentam Paulillo; Herrera; Costa (2002, p. 157): [...] nos anos 70, outras inovações tecnológicas chegaram à produção de leite, embora restritas a um pequeno número de pecuaristas das bacias do Estado de São Paulo, como a introdução da ordenhadeira mecânica para produção de leite tipo B. A introdução do leite tipo B no Brasil foi especialmente importante para os grandes produtores que, insatisfeitos com a política de tabelamento de preços do leite, podiam auferir com uma margem de lucro superior. Para Paulillo; Herrera; Costa (2002), a introdução do leite tipo B foi importante não só para os produtores e a indústria, mas também para os consumidores de maior renda, os quais demandavam um produto de qualidade superior. O funcionamento desse mercado depende, fundamentalmente, do controle de oferta. Isto é, de regras que não permitam que o número de produtores cresça sem que o mercado suporte. Isto é feito, basicamente, por meio das exigências higiênico-sanitárias e das regras de formação de preços. Entretanto esse controle não é completamente eficiente, e, durante os anos de 1980, a 75 produção cresceu mais do que o mercado, reduzindo a rentabilidade dos produtores. Surgiu, então, o leite A. Mais rigoroso no tocante às exigências técnicas, selecionam-se produtores por sua capacidade de investimento, já que a pasteurização deve ser feita na própria fazenda. O leite A disputa consumidores de alta renda com o leite B e o longa vida. Da mesma forma que o primeiro, seu caminho de acesso ao consumidor foi calcado nas crises de oferta e na baixa qualidade do leite C. A formação de preços ao consumidor, antes do Plano Cruzado, ficava por conta da negociação com a indústria. No caso do leite B, isto era feito por intermédio de uma associação de produtores, a ABPLB (Associação Brasileira de Produtores de Leite B). Seu sucesso, entretanto, pode ser, em grande parte, atribuído à importância das cooperativas de abastecimento de leite fluido de São Paulo, cujos dirigentes são, em geral, produtores de leite B. No caso do leite A, as distribuidoras pertencem, na maioria, a grandes produtores. Essa classificação do leite, embora não se constitua no ideal a ser perseguido por uma política governamental, de fato viabilizou a modernização da pecuária de São Paulo e Sul de Minas Gerais, ao remunerar adequadamente a atividade. Um ponto interessante relacionado à pecuária leiteira diz respeito à incorporação de tecnologia. Os primeiros produtores a inovar tecnologicamente alcançam ganhos maiores, diminuem seus custos e consolidam-se na atividade. Por sua vez, os produtores que não conseguem atualizar-se e reduzir seus custos, inviabilizam-se na atividade e tendem a deixá-la. Na Comunidade da Canoa, objeto de estudo deste trabalho, houve uma clara percepção de que os produtores dali não irão deixar de trabalhar na atividade leiteira, porquanto estão acostumados a lidar com severas restrições: áreas escassas e/ou pouco produtivas, tecnologias rudimentares e baixos rendimentos. A pecuária leiteira é uma atividade difícil para os produtores, porque abrange não só a criação e a reprodução do gado, mas também a produção do leite, que 76 requer uma ou duas rígidas ordenhas diárias, sem possibilidade de cancelamento ou adiantamento. Esses produtores estão conseguindo superar as dificuldades, tornando viável a sua permanência no meio rural. De acordo com Jank e Galan (1997), à medida que se for propagando o desenvolvimento tecnológico, muitos produtores não se adequarão, e seus sistemas de produção se tornarão inviáveis. O setor leiteiro está-se direcionando à diminuição dos produtores de leite. Devem permanecer na atividade somente os produtores profissionalizados que consigam enfrentar a concorrência e busquem a qualidade técnica. Essas afirmações refletem o descaso com os produtores que não puderem se adequar às novas exigências. É inviável, para a maioria dos produtores da Comunidade da Canoa, tendo em vista a pouca disponibilidade de recursos, alcançar, imediatamente, altos padrões de tecnologia em suas propriedades rurais. Portanto, dentro da diversidade de tecnologias disponíveis aos produtores de leite, a utilização de uma ou outra dependerá do contexto no qual estão inseridos. Deve-se destacar que não existem, a priori, alguns produtores bons, eficientes e viáveis e outros ruins, ineficientes e inviáveis. Na verdade, trata-se das oportunidades e circunstâncias oferecidas. A atividade leiteira apresenta-se, de modo geral, com baixo nível tecnológico, deficiências de captação dos produtores e pouca capacidade de investimento. Contudo, indo contra essa perspectiva, a segunda metade de 1990 marca a obtenção de maiores volumes na produção, resultado não só do aumento dos rebanhos, como também esse período sinaliza modificações em termos de volume e qualidade, como a aquisição de rebanhos especializados. Assim, constatamos uma tendência ao investimento no setor leiteiro e disposição dos produtores a se adaptarem às mudanças. 77 Um fator que vem ameaçando o pequeno produtor de leite é o sistema de coleta a granel implantado pela indústria por determinação da Portaria n.º 5612 .Esse novo processo de coleta requer altos investimentos, e a difusão dessa nova prática poderá restringir a permanência de produtores menos capitalizados, uma vez que a indústria poderá recusar-se a receber leite que não seja armazenado em tanques de resfriamento. O menor tanque disponível no mercado comporta 200 litros de leite, implica custo relativamente elevado e demanda fonte regular de energia elétrica, cujo consumo pelo tanque agrega mais um custo ao produtor. Ainda assim, permanece a determinação para que a produção de leite na região Sudeste do Brasil esteja modernizada até julho de 2005, consolidando as mudanças relacionadas à produção, ao transporte e à conservação determinadas pelo Ministério da Agricultura. Conforme afirmam Jank e Galan (1997), a granelização representa, em médio prazo, a inevitável seleção de produtores. Para os autores, só os produtores especializados se adaptarão às novas regras, os demais deverão deixar de produzir o leite, ou seja, tendem ao desaparecimento. De maneira contrária a essa posição, Rocha e Couto (2002) admitem que muitos avanços técnicos na agricultura têm aumentado a produtividade do trabalho e liberado mão-de-obra, mas argumentam que a granelização da atividade leiteira é um processo que apenas facilita o transporte e diminui as possibilidades de contaminação do leite. Assim, a adoção dessa tecnologia, praticamente, não aumenta a produtividade física da atividade. Os procedimentos tecnológicos, mais comuns, encontrados no sistema de produção especializado, são: preocupação com a sanidade do rebanho, controle de doenças e aplicação de vacinas; controle da alimentação, utilização de calagem e adubação, análise do solo, utilização de sementes selecionadas para a implantação das pastagens; fiscalização sobre a reprodução, 12 A Portaria n.º 56, de 07 de dezembro de 1999, do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, estabeleceu o regulamento técnico de produção, identidade e qualidade de leite. 78 planejamento das parições, utilização de inseminação artificial; utilização de ordenhadeira mecânica. Os produtores que não atenderem a essas “necessidades” serão considerados atrasados e representarão um empecilho para o desenvolvimento da cadeia produtiva leiteira. O futuro do pequeno produtor de leite, de acordo com Jank e Galan (1997), depende da racionalização das linhas de coleta, da qualidade na matéria-prima, da redução nos custos de transportes, da granelização e refrigeração, das economias de escala e regularidade de oferta. Essas exigências não poderão ser cumpridas por todos os produtores e, fatalmente, atuam em direção ao desaparecimento do pequeno produtor, que enfrenta dificuldades como a falta de investimentos, que se torna um limitante à obtenção de maior produtividade. Faz-se necessário um plano de desenvolvimento orientado para o pequeno produtor familiar, de modo a permitir não somente a permanência na atividade, mas a sua expansão e obtenção de uma renda familiar satisfatória. O tipo de tecnologia que tem sido desenvolvida estimula a uma competição entre produtores. Há um discurso de que os melhores, mais aptos, mais eficientes, terão melhores resultados. No entanto tal competição tornou-se excludente. O produtor que incorpora apenas parcialmente a tecnologia “recomendada” necessita empregar mais mão-de-obra e, por conseqüência, despende maior quantidade de capital. Portanto, se a mão-de-obra utilizada for familiar e não remunerada, seus custos são menores. Os pequenos produtores, aqueles que retardaram as modificações de seus processos produtivos, são excluídos da atividade. A lógica está em que as tecnologias mais avançadas, se adotadas dentro de uma escala adequada de produção, reduzem os custos e, com isto, aumentam a lucratividade (JANK; GALAN, 1997). Ao comparar os sistemas tradicional e especializado, percebemos que, caso o produtor leiteiro produza a mesma quantidade de leite em ambos os sistemas, a renda familiar obtida por 79 esse produtor no sistema tradicional será maior do que no tecnificado. A renda da família proveniente do leite aumenta com a incorporação de tecnologia, desde que a produção seja realizada em maiores escalas, uma vez que a produção tecnificada é poupadora de mão-de-obra, comparativamente à tradicional. Assim, devemos ter cuidado com prognósticos que afirmam existir um caminho único e inevitável: o desaparecimento de produtores não tecnificados. A seleção e o desaparecimento de grande parte dos produtores de leite do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba podem ser impedidos, desde que haja interesse político em fazê-lo. Os produtores devem se organizar e não permitir a sua exclusão do processo como se fossem um obstáculo à modernização da pecuária leiteira. Os pequenos produtores de leite precisam ser estimulados, pois, assim, serão capazes de gerar importantes ganhos de produtividade e tornarem-se eficientes na produção leiteira. 2.2 – Os impactos da granelização na produção de leite Os anos de 1990 podem ter representado o divisor de águas entre um modelo arcaico de produção de leite e a modernização dessa atividade econômica primária, com seus reflexos nos ganhos de produtividade, no provável início de um processo de competitividade com os produtos lácteos importados e na ampliação substancial da qualidade dos produtos oferecidos aos consumidores. A modernização do setor produtivo do leite brasileiro e derivados iniciou-se, de fato e por assim dizer, a partir das primeiras regulamentações técnicas emanadas do MERCOSUL (1992) e que fixaram padrões de identidade e qualidade dos produtos lácteos de maior interesse comercial nesse mercado (SOUZA; FRANCIS, 2002/2003). A produção de leite no Brasil vem passando por um processo de regulamentação, que contempla uma revisão dos padrões de qualidade e de fiscalização do produto. Assim, foi criado 80 pelo Governo Federal o PNML (Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite). Cabe destacar que ele é composto de várias propostas, sendo que algumas merecem destaque: aumento da amplitude e eficiência do sistema de inspeção; a ordenha e o armazenamento do leite na propriedade rural, sob refrigeração; estabelecimento de limites no horário de recepção do leite tipo C nos laticínios; substituição da coleta de leite em latões pelo transporte a granel de leite refrigerado; processo de educação técnico-sanitária continuada de todos os segmentos envolvidos no processo produtivo. A conseqüência de maior impacto da nova legislação será a substituição, dentro de determinados prazos, do leite in natura tipo C por matéria-prima resfriada na propriedade rural e transportada a granel até a indústria. Esse leite terá, desde o início de sua produção e diferentemente do leite tipo C, padrões de qualidade progressivos, tanto no sentido de sua aplicação pelas diferentes regiões do país, quanto aos calores mínimos ou máximos dos diferentes parâmetros a medir. Podemos estimar que esse leite deverá atingir ou superar, dentro de pouco tempo, os índices de qualidade já tradicionalmente estabelecidos para o leite cru tipo B, resultando, provavelmente, na fusão de ambos os tipos. A produção de leite in natura resfriado, propriamente dito, estará devidamente regulamentada quanto aos índices de qualidade dessa matéria-prima, assim como terá como esteio a chamada granelização (Regulamento Técnico da Refrigeração do Leite na Propriedade Rural e seu Transporte a Granel). Hoje (2005), discute-se muito sobre determinados aspectos da granelização, notadamente, a utilização coletiva de tanques de refrigeração, a rapidez da refrigeração (tempo) e a temperatura máxima do leite na propriedade rural. Por um lado, predomina, nas indústrias, o temor de que o uso de tanques comunitários acarretem mais problemas à qualidade da matéria-prima; por outro, a apreensão dos pequenos produtores rurais, 81 receosos de se acharem, de um momento para outro, excluídos da atividade econômica que, em muitos casos, lhes garante parte considerável, senão total, do sustento familiar. Ao lado das exigências das empresas, ocorre o aumento do número de produtores que vendem leite e derivados diretamente ao consumidor. A produção e a comercialização de derivados lácteos, especialmente de queijo, não é recente, e sempre se constituiu numa alternativa utilizada pelos produtores que não desejam entregar toda a sua produção às empresas, obtendo baixa remuneração. Desta maneira, outra alternativa muito utilizada é a venda de leite no mercado informal, cujo preço alcançado é superior ao que é pago pelas empresas. O volume de leite informal produzido no Brasil tem aumentado, consideravelmente, desde a abertura comercial. No final da década de 1990, o leite informal já correspondia a 46% da produção total (TANNÚS, 2005). Isto é preocupante no que diz respeito ao desenvolvimento do setor leiteiro e também pelo risco que produtos sem inspeção podem representar para os consumidores. O setor leiteiro, conforme já destacado, durante os anos de 1990, passou por profundas transformações. Após o progressivo fluxo de importações subsidiadas e o crescimento do consumo de leite e derivados, atribuído principalmente à estabilização da moeda em 1994, a produção nacional teve que passar por uma reestruturação, visto que apresentava baixa elasticidade de oferta. O mercado de leite envolve questões complexas que, provavelmente, não serão resolvidas apenas com as determinações contidas na Portaria n. 56 do Ministério da Agricultura. Além disso, o mercado informal de leite e derivados, ao lado das importações subsidiadas no país de origem, representam considerável dificuldade para a modernização do agronegócio do leite no país. 82 Para o entendimento das questões envolvidas no mercado informal de leite e derivados, devemos considerar os seguintes fatores: 1) o grande crescimento da produção de leite sem inspeção demonstra que este mercado não é formado apenas de pequenos produtores. Ao contrário, cada vez mais, médios e grandes produtores são atraídos para a informalidade, o que denota as forças políticas e econômicas desse mercado não são desprezíveis; 2) a descentralização da fiscalização para estados e municípios mais piorou do que melhorou a situação. Na dúvida, não se fiscaliza e, conseqüentemente, não se pune. Já são conhecidas as ingerências políticas na fiscalização dos municípios e dos estados; 3) na atual crise de desemprego, os governos federal, estadual e municipal tendem a afrouxar a vigilância, temendo as implicações sociais que uma fiscalização rigorosa poderia trazer. Isto não acontece só com o setor leiteiro, mas em vários setores da economia do país, em que a informalidade não é uma exceção, mas uma regra; 4) mesmo que exista a decisão política de fazer cumprir a portaria, ainda assim, isto poderá não acontecer, em razão da incapacidade do governo de fiscalizar, dada a falta de recursos humanos e financeiros; 5) se, por um lado, o mercado informal representa uma concorrência desleal com o formal, por não recolher impostos e pouco ou nada se gastar para assegurar a qualidade do leite e derivados, implicando menores custos, por outro, os agentes econômicos do mercado informal ampliam a concorrência de todo o mercado (TANNÚS, 2005). Além disso, e, talvez, o mais importante é que o mercado informal envolve vendedor (produtor) e comprador (consumidor). Não é uma questão apenas do produtor, como se costuma pensar. Portanto, para combatê-lo, é necessário conhecer as razões que levam produtor e consumidor a preferir esse mercado. E a principal delas é o preço pelo qual o leite é vendido/comprado. 83 Com a eliminação dos intermediários (laticínios e varejistas), o produtor pode vender o leite por um preço até mais de 100% maior do que venderia para o laticínio, e o consumidor pode comprá-lo por um preço entre 13 e 100% menor do que pagaria num supermercado ou padaria13. Pelo lado do consumidor, a preferência pelo leite in natura é motivada, ainda, pela crença de que o produto seja de melhor qualidade que a do leite pasteurizado (tipo C) ou mesmo do leite longa vida. É muito comum, inclusive, as pessoas se referirem ao leite in natura como “leite de vaca” e ao leite longa vida e ao pasteurizado (tipo C) como “leite de caixinha” e “leite de saquinho”, respectivamente. Diante desse debate, paira a determinação geral e efetiva de conferir real, progressivo e consistente ganho de qualidade ao processo produtivo em geral. Será necessário tornar compatíveis os diversos interesses envolvidos, na medida do possível, não se perdendo de vista, entretanto, o objetivo principal de todo esse processo de mudança, que é a melhoria da qualidade do leite. 2.3 – As importações de leite e os reflexos para a cadeia produtiva no Brasil As políticas públicas para o setor leiteiro foram marcadas pelo tabelamento, pela importação/reidratação de leite em pó para a produção de leite fluido e pela descontinuidade de ações. Durante 46 anos, ou seja, de 1946 a 1991, o setor leiteiro sofreu interferência governamental por meio da fixação dos preços do leite, tanto para o produtor, quanto para o 13 Comparação entre os preços do leite in natura integral e do leite longa vida integral, base agosto de 2005. Preço médio do litro de leite in natura vendido pelo produtor ao laticínio: de R$ 0,45 a R$ 0,50; Preço do leite in natura vendido pelo produtor no mercado informal: R$ 1,00; Preço médio do leite longa vida integral praticado pelos varejistas: de R$ 1,15 a R$ 2,00 (dependendo do porte do estabelecimento). 84 consumidor. Essas políticas visavam controlar os índices inflacionários e, conseqüentemente, os reajustes salariais. Porém, tal situação levou a uma forte descapitalização do setor, uma vez que a cadeia não se mostrava viável a investimentos empresariais (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). A interferência do Estado, quanto ao preço do leite, no período pós-guerra, ocorreu porque o leite era um produto básico na dieta alimentar, com um peso significativo na cesta de consumo da população urbana. Assim, era de interesse manter baixo o seu preço em função da reprodução das classes trabalhadoras (FLEURY, 1983). Entretanto, após os anos 1990, não havia mais como manter a política de tabelamento do preço do leite, face à modernização que vinha ocorrendo no setor. O MERCOSUL teria um papel importante neste processo. Ao fazer uma avaliação dos resultados obtidos pela intervenção governamental no setor, de abril de 1945 até setembro de 1991, Paulillo; Herrera; Costa, (2002), concluímos que não foram beneficiados nem o consumidor, nem o produtor. A fórmula importação/reidratação e o tabelamento do preço não atenderam ao consumidor no que diz respeito à qualidade, preço e disponibilidade do produto no mercado. Ao mesmo tempo, freou a modernização da pecuária leiteira. A conseqüência da política governamental para o setor lácteo não poderia ser outra: criou um setor deficiente e marcado por crises recorrentes de abastecimento. A sociedade brasileira só não percebeu o prejuízo, porque foi abastecida, maciçamente, pelas importações de leite e derivados altamente subsidiados nos países de origem. Os efeitos dessa política desestimulante ao produtor de leite alcançaram também o consumidor nacional, que convive com produtos importados de qualidade duvidosa e com os riscos decorrentes da existência de um mercado informal expressivo, além dos problemas sociais 85 gerados pela migração rural-urbana, fruto do abandono da atividade leiteira por diversos produtores. A cadeia produtiva do leite passou por várias reformulações a partir dos anos de 1980, em decorrência da abertura comercial, da regulamentação do setor pelo governo federal e da consolidação do MERCOSUL, que, apoiado na liberação de tarifas entre os países membros, provocou a importação sistemática de leite e derivados dos países membros. A importação de leite e derivados tem prejudicado o setor leiteiro nacional, notadamente no que diz respeito aos produtores, pois à medida que aumentam as importações, os produtores nacionais sofrem com a redução do preço pago pelas empresas. A liberalização do preço do leite, em 1991, provocou a extinção de vários programas sociais que absorviam grandes volumes de leite pasteurizado e em pó. Assim, de acordo com Stevanato (2002, p. 23), “O governo deixou de ser importador exclusivo de produtos lácteos, abrindo desta forma o mercado”. Para Santos (2004, p. 67): a liberalização comercial se caracterizou por redução geral das tarifas comerciais para importação. O governo abriu o mercado com o intuito de promover tais reformulações na política comercial, sendo que as importações foram favorecidas pela sobrevalorização da taxa de câmbio. Para Bernardes; Nogueira Netto; Mustefaga (2000), o comércio mundial de lácteos é extremamente distorcido. Os preços dos produtos refletem as práticas de subsídios e dumping14 utilizadas pela maioria dos países exportadores. Essas práticas desleais de comércio reduzem artificialmente o preço dos produtos lácteos, prejudicando a pecuária de leite dos países em desenvolvimento. 14 O setor sofre com as aquisições de laticínios de terceiros mercados a preços inferiores aos respectivos custos de produção nos países de origem caracterizando dumping. 86 Durante os anos de 1990, houve a constatação da prática de dumping, uma vez que foram negociadas grandes quantidades de leite em pó, com vantagens comerciais para os países exportadores, quais sejam, Argentina, Uruguai, Nova Zelândia, além da União Européia. O aumento das importações de leite em pó, aliado à desvalorização do real, em 1999, e à queda dos preços do produto no mercado internacional, levou a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) a investigar a ocorrência de práticas desleais no comércio de leite no mesmo ano. O Brasil apresenta déficit de abastecimento e baixos indicadores de produtividade, que estão diretamente ligados às importações e às políticas intervencionistas, apesar do seu potencial de produzir a custos baixos. Podemos afirmar que o setor de laticínios, no país, não precisa atuar contra as importações e nem a livre concorrência entre os países. No entanto, é inaceitável competir com produtos que sejam comercializados internacionalmente por um valor inferior à metade do seu custo de produção, a exemplo do leite em pó. “O custo de produção do leite em pó na União Européia é superior a US$ 3 mil dólares por tonelada. Esse mesmo produto chegou a ser vendido ao Brasil por US$ 1.500, caracterizando, inequivocamente, uma prática desleal de comércio”. (BERNARDES, NOGUEIRA NETTO, MUSTEFAGA, 2000, p. 49). O maior trunfo do setor de laticínios no Brasil é o tamanho do mercado: mais de 180 milhões de habitantes, (IBGE, 2005). O país apresenta déficit de abastecimento e um invejável potencial de crescimento do consumo per capita. Porém, a conquista desse mercado e a exploração de seu potencial exigem defesa comercial ágil e eficaz contra as importações desleais. Infelizmente, até o momento, essa função indelegável do Governo não foi exercida efetivamente. O setor de lácteos no Brasil experimentou mudanças na década de 1990, especialmente nos três primeiros anos do Plano Real, quando houve aumento da produção, do consumo per capita e melhoria na qualidade da matéria-prima. Em 1999, no entanto, a produção entrou em 87 queda, reduzindo vagas de trabalho e perdendo espaço no mercado doméstico. De acordo com Jank e Galan (2000), as maiores indústrias de laticínios são: Nestlé, Parmalat, Itambé, Paulista, Elege (Avipal), Grupo Vigor, Batavia, Agromilk, Fleischman Royal, Danone e Laticínios Morrinhos. As 12 maiores indústrias de laticínios do país chegaram a perder 42 mil produtores entre 1997 e 1999. Como conseqüência, a recepção do leite por essas empresas caiu 4,6%, passando de 5,56 bilhões de litros, em 1997, para 5,30 bilhões, em 1999. Tudo indica, porém, que o setor voltará à fase de crescimento, iniciada em 1994, com o Plano Real, quando o Brasil produzia 15,7 bilhões de litros. De lá para cá, apesar dos reveses dos dois últimos anos, a produção de leite saltou para o patamar de 20 bilhões de litros. Esse resultado só foi possível, porque o pecuarista especializouse. Houve melhoria da qualidade de matéria-prima, com o resfriamento do leite na propriedade e com o transporte a granel. O aumento da escala de produção compensou o declínio no número total de produtores, permitindo o incremento na captação da indústria. Esses avanços, somados à introdução de tecnologias adequadas à realidade nacional, privilegiando a utilização de forrageiras tropicais e o bom gerenciamento da propriedade, estão modificando o perfil da atividade leiteira em diversas regiões do país. A partir das medidas antidumping no ano de 2000, verificou-se a redução nas importações de leite. Essas medidas tiveram por objetivo regularizar o mercado e corrigir distorções, mas sem proteção ou vantagens para nenhum país ou empresa. As importações são alternativa à compra do leite in natura dos produtores, e, quando os preços internacionais estão baixos, fortalecem o poder de barganha da indústria, que tende a pressionar para baixo os preços pagos ao produtor, deixando de remunerar adequadamente a atividade. Dessa forma, como o mercado brasileiro está totalmente aberto às importações, os preços domésticos acompanham os preços internacionais. Infelizmente, essa regra vale somente 88 para os preços pagos aos produtores de leite, mas não chega ao consumidor. Quando os preços internacionais estão baixos, as indústrias rebaixam os preços ao produtor, mas não necessariamente repassam ao consumidor a diferença obtida nos preços pagos pela matériaprima. Santos (2004) menciona que as importações são estimuladas pela taxação e pelo prazo de pagamento, que pode chegar a dois anos. Além das importações, uma outra questão que merece ser abordada refere-se ao fim do tabelamento do preço do leite pelo governo federal, que afetou desde o produtor até o consumidor final. Durante 46 anos (1945-1991) em que vigorou o tabelamento, a pecuária leiteira pouco se modernizou, pois não havia incentivos governamentais que estimulassem a produção. Por outro lado, no período em que vigorou o tabelamento, os produtores tinham uma garantia de quanto seriam os seus rendimentos, ao contrário do que ocorre atualmente, podendo os laticínios reduzir os preços ao produtor, de acordo com os seus interesses. O consumidor também enfrentou problemas até 1991, referentes à qualidade, à disponibilidade e à variedade dos produtos no mercado. Em 1991, a intervenção governamental no setor teve seu fim, fato que, associado ao processo de abertura da economia brasileira, fez com que várias empresas multinacionais do setor de laticínios ingressassem no país, conquistando os consumidores com suas inovações. O Plano Real, implantado em julho de 1994, foi fundamental para o mercado de alimentos, pois, com a estabilidade da moeda no início da sua vigência, ocorreu uma ampliação do poder aquisitivo e as pessoas tiveram acesso a produtos considerados supérfluos até então. Nesse contexto, cabe destacar que o leite e seus derivados são produtos muito sensíveis à redução de preços e ao aumento da renda. O Plano Real, nos seus primeiros anos de implantação, provocou a estabilização monetária, propiciando a redução do preço do leite e dos derivados. Portanto, essa redução teve 89 um aspecto negativo, uma vez que foi transmitida também aos produtores, que passaram a receber menos pelo leite entregue aos laticínios. A diferença entre o preço pago pelos consumidores e o que é recebido pelos produtores pode ser apropriada tanto por intermediários, como por cooperativas e laticínios, cujo poder econômico é maior que o dos produtores, e, conforme afirmam Bernardes; Nogueira Netto; Mustefaga (2000, p. 34): [...] os aumentos de preços ao consumidor freqüentemente não são repassados aos produtores ou, quando isto acontece, demora meses e não são transferidos integralmente. Esta situação também ocorre na alternância de períodos de safra e entressafra, que impõe ao mercado a oferta sazonal de matéria-prima a preços variáveis. A indústria antecipa a redução de preços aos produtores quando o período de safra se aproxima, ao passo que retarda o aumento no preço do leite ao produtor quando se avizinha o período da seca. Esse comportamento do segmento industrial é facilitado pelo fato de, na maioria das vezes, o pagamento aos produtores ser realizado depois de um mês da entrega do leite. Embora o preço pago pelo litro do leite ao produtor tenha sofrido redução, não se pode negar que o aumento do consumo de leite estimulou o aumento da produção nas bacias leiteiras brasileiras tradicionais e, também, em novas áreas, como o Cerrado de Minas Gerais e de Goiás, por exemplo. A abertura da economia brasileira provocou várias transformações no sistema agroindustrial do leite no país. Assim, consideramos importante mencionar o momento atual, em que a oferta de leite no país está abaixo da demanda, o que tem estimulado a recuperação dos preços pagos ao produtor. Ainda que esteja ocorrendo esta recuperação que beneficia o produtor, a indústria de laticínios pode voltar com a importação de leite e derivados, muito comum até pouco tempo, visando à queda dos preços pagos ao produtor. A esse respeito, Campos Filho (2005, p. 1) faz um alerta: 90 o governo brasileiro deve estar atento a essa situação, não apenas por estar preocupado com o produtor de leite brasileiro e estimulá-lo para que no mínimo a produção nacional atenda às necessidades de consumo, mas por que, sem isso, a exemplo do que aconteceu no passado, o Brasil será um importador crônico de leite, deixando de gerar no campo milhares de empregos e contribuindo para o aumento da fome e da violência urbana em nosso país. A recuperação dos preços ao produtor ainda é pequena, todavia está contribuindo para o aumento da produção de leite no país. Nesse sentido, o Brasil caminha para a auto-suficiência em lácteos, possuindo capacidade industrial suficiente para atender a toda a demanda de leite em pó, acarretando, assim, a redução das importações desse produto. O leite em pó importado hoje (2005) pelas empresas no Brasil é utilizado na fabricação de leite condensado, que é exportado com maior valor agregado. Portanto, as importações de leite em pó passam a ter outra finalidade, à medida que este produto deixa de ser importado para se destinar ao consumidor brasileiro, passando a transformar-se em produtos voltados à exportação. Esta é uma nova característica dos mercados expressa pela globalização/liberalização comercial, assim, as importações são realizadas na entressafra e, posteriormente, exporta-se o produto processado. O leite em pó tem um papel importante, tanto para o mercado de consumo final, quanto por ter a vantagem de poder ser estocado, ou utilizado como insumo reidratado. Em outros países, esse produto é utilizado, principalmente, para outros fins, embora a tradição de consumo no Brasil seja muito mais forte do que nos países desenvolvidos, onde os mercados de insumos industriais e rações animais representam importantes saídas. Conforme destacou Campos Filho (2005, p. 1), o governo dos EUA já autorizou uma doação de 98.880 toneladas para os produtores rurais do Oeste, destinados para alimentação animal, para auxiliá-los em função das dificuldades da seca que acomete aquela região do país. E se a seca continuar, deverá ser autorizada nova doação, de 113.390 toneladas de leite em pó. Isto contribuirá muito para reduzir os estoques e ajudar os produtores do oeste do país, que estão em dificuldades. 91 O leite em pó constitui-se num dos primeiros substitutos do leite fluido, a partir do processo de consolidação da urbanização brasileira. Nos anos de 1980, esse produto seria substituído pelo leite longa vida, que, pela sua praticidade, conquistou o consumidor brasileiro e, a partir dos anos 1990, passou a ser o preferido dos consumidores, em detrimento do leite pasteurizado. No próximo capítulo, mostraremos a importância da pecuária leiteira no contexto da agricultura familiar, procurando destacar a produção familiar de leite em Ituiutaba (MG), face à importância desse segmento no contexto econômico do município. 3 – A PECUÁRIA LEITEIRA NO CONTEXTO DA AGRICULTURA FAMILIAR: as transformações recentes em Ituiutaba (MG) 3.1 – A agricultura familiar no Brasil: retomando a discussão 3.1.1 – A formação da pequena propriedade no Brasil O surgimento da pequena exploração agrícola no contexto de desenvolvimento do capitalismo, no meio rural brasileiro, tem raízes e especificidades históricas, com destaque a dois momentos cruciais, quais sejam: o período colonial, com o advento da grande exploração; e o transcorrer do século XIX, com a criação de núcleos coloniais com base na pequena propriedade rural. No período colonial, a economia estava, de acordo com Prado Júnior (1981), baseada na grande exploração, uma vez que essa organização fundiária atendia aos interesses da metrópole portuguesa e do próprio sentido da colonização do país, que, na perspectiva desse autor, estava centrada no empreendimento comercial. Na análise de Prado Júnior (1981), a grande exploração representou o "nervo" da agricultura colonial, em detrimento da pequena, que, nesse período, representava um apêndice da organização agrária de grande porte econômico, possuindo, dessa forma, um caráter de economia complementar e subsidiária. Os principais elementos de sustentação da grande lavoura, como é o caso do trabalho escravo e da monocultura, propiciaram, até o século XIX, uma considerável expansão em termos econômicos. Porém, com a abertura política e econômica de 1808 e, sobretudo, com a transição 93 para o trabalho livre (segunda metade do século XIX), tais elementos mostraram-se amplamente desfavoráveis. Foi nesse contexto que se consolidou, no Brasil, o papel da pequena propriedade agrícola. A pequena propriedade, no Brasil, possui características e particularidades, com relação ao seu surgimento e consolidação, em diferentes regiões do país. Isso porque, diferentemente do que ocorreu no sul do Brasil, onde se originou mediante políticas de criação de núcleos coloniais, no Estado de São Paulo, a pequena propriedade surgiu como forma de atrair mão-de-obra imigrante à lavoura cafeeira. A partir da criação desses núcleos coloniais, muitos colonos passaram a ser atraídos pela possibilidade de se transformarem em pequenos proprietários de terra. Para Petrone (1982, p.48), as propostas do governo atendiam aos interesses desses imigrantes: em São Paulo, a pequena propriedade surgiu com objetivos diferentes do que nos outros estados e se integrou em realidade outra, transformando-se em elemento complementar do latifúndio. O aceno de acesso à terra depois de um estágio na fazenda fazia dos projetos de criação de pequena propriedade uma “isca” para atrair imigrantes. Conforme apontou Petrone (1982), os núcleos coloniais, diferentemente da Região Sul, em São Paulo, não prosperaram, tanto em número quanto em eficácia de povoamento, e, no caso específico de São Paulo, predominou a ‘imigração subvencionada’, que empregava os braços dos imigrantes à grande lavoura cafeeira. A partir de 1840, com a progressiva expansão do café no estado de São Paulo e, sobretudo, com a falta de braços à lavoura em virtude da transição ao trabalho livre, criou-se um embate com relação ao destino dos colonos imigrantes. Isso porque eles passaram a ser disputados tanto por núcleos de pequena propriedade, como também pelos fazendeiros de café em São Paulo: 94 [...] a pequena propriedade em São Paulo devia funcionar como reservatório de braços com os quais o fazendeiro podia contar por ocasião da colheita. E esse aspecto que induziu muitos fazendeiros a lotear, em seus domínios ou nos seus limites, as terras não próprias para a cultura de café, a fim de fixar próximo ao cafezal uma população que, para arredondar seus rendimentos, ofereceria sua força de trabalho em certas ocasiões. (PETRONE, 1982, p. 48). Assim, o surgimento da pequena propriedade, em São Paulo, no século XIX, cumpriu outros objetivos e transformou-se num elemento complementar ao latifúndio, em contraste com outras áreas, cujos objetivos militares de ocupação com base na pequena propriedade conseguiram êxito, embora muitos núcleos tenham ficado isolados no âmbito econômico. Petrone (1982) lembra-nos que uma das formas de implementar a entrada de imigrantes nas fazendas de café no Estado de São Paulo foi o contrato de trabalho. Nesse sentido, o sucesso atingido pelo sistema de parceria nas fazendas de café possibilitou, de certa forma, o crescimento da produção, assim como das áreas plantadas com essa cultura em direção a outras áreas do estado de São Paulo. Foi com o advento da cultura do café e, sobretudo, a partir da Lei Euzébio de Queiroz (1850), que teve início o processo de passagem do trabalho escravo ao sistema de colonato com base no trabalho imigrante, que, por sua vez, consolidou a importância do trabalho familiar assentado na pequena propriedade. Entretanto, foi como complemento do latifúndio que a pequena propriedade instalou-se como parte do processo fundiário no meio rural. 3.1.2 – A modernização agrícola e o pequeno produtor O desenvolvimento da agricultura, ocorrido no Brasil no período entre 1930 e 1960, foi marcado por um padrão de crescimento agrícola, apoiado na expansão horizontal com baixo nível 95 tecnológico e pela ação do Estado por meio de políticas de colonização, para o crescimento da economia agrícola, voltando a produção para o mercado interno (SORJ, 1986). Portanto, a dinâmica da produção agrícola tinha passado a orientar-se por determinantes internos. Com o deslocamento da produção para o mercado interno, as transformações da base técnica ainda estavam vinculadas ao setor externo, dependendo da capacidade de importação de máquinas e insumos que o país tinha, para que houvesse a incorporação de inovações técnicas. Assim, as decisões de produzir estavam se internalizando gradativamente, dadas as novas exigências do mercado nacional, enquanto os elementos necessários à produção dependiam cada vez mais da abertura para o mercado externo (KAGEYAMA, 1990). Ocorreu um intenso processo de modernização das atividades agrícolas com base na revolução verde, que beneficiou principalmente as grandes propriedades, que exploravam produtos para exportação e se localizavam, em grande parte, nas regiões mais industrializadas do país. Apesar das grandes modificações introduzidas na estrutura produtiva do campo, o padrão de distribuição fundiária preservou sua principal característica, a forte concentração de terras. Os pequenos produtores rurais, em sua maioria, não se beneficiaram com o crescimento ocorrido nesse período (WANDERLEY, 1997). As principais instituições que lidavam com as questões agrícolas – governamentais, de ensino, de pesquisa, de assistência técnica pautavam-se pelo modelo da revolução verde, que priorizava o incremento da produção e da produtividade mediante a incorporação de tecnologias agroquímicas e mecânicas. O planejamento das ações orientadas para o desenvolvimento rural centrava-se nas atividades desenvolvidas no interior das unidades produtivas, não considerando, adequadamente, os processos que se realizavam à sua montante e jusante, o que, inevitavelmente, gerava uma visão reducionista e distorcida do setor agrícola (GRAZIANO DA SILVA, 1999). Por outro lado, a intervenção do Estado orientava-se, em grande parte, por princípios 96 patrimonialistas, na alocação dos recursos públicos no setor, o que ampliava as desigualdades existentes. A maneira de compreender e de intervir no campo, se, de um lado, contribuiu para a emergência dos grandes complexos agroindustriais, de outro, manteve os acentuados níveis de pobreza que atingiam a maioria da população rural (PEIXOTO, 1998). Dito de outra maneira, o processo de crescimento da agricultura criou novas realidades produtivas, mas não foi capaz de resolver as principais questões sociais existentes. Portanto, o dinamismo atual das atividades agrícolas precisa ser compreendido em novas bases teóricas, incorporando as determinações geradas pela globalização e pela abertura da economia para o exterior, mas as questões herdadas do passado também requerem um entendimento baseado em um quadro de referências novas, por sua vez, condicionado pelo aparecimento de um novo contexto social. A crescente internacionalização e interligação dos mercados gerou a necessidade de novos padrões de qualidade para os bens produzidos, a preocupação com a conservação dos recursos materiais e com a autosustentabilidade da produção agrícola. Por outro lado, o aprofundamento das relações intra e intersetoriais fez com que a agricultura deixasse de ser vista como uma atividade setorial e, sim, como uma cadeia produtiva. Por essa ótica, as determinações mais importantes da produção agrícola estão situadas fora dela e não mais no seu interior. As cadeias produtivas compreendem os processos que se dão à montante da propriedade (crédito, insumos, maquinário etc.), os que ocorrem em nível da produção agrícola e os que se efetivam à sua jusante, a exemplo da industrialização e comercialização dos produtos obtidos. Estes últimos implicam uma contínua agregação de valor aos bens produzidos. Isto vai configurar o que, na literatura recente, é denominado de "negócio 97 agrícola", cujo elo mais importante são, justamente, os grandes complexos agroindustriais, que passam a responder pela maior parte do valor da produção agrícola (PEIXOTO, 1998). Embora, hoje (2005), a modernização da agricultura atinja, direta ou indiretamente, todo o país, processou-se de forma extremamente seletiva, privilegiando os territórios, as culturas e os segmentos socioeconômicos mais rapidamente suscetíveis à organização de uma atividade agrícola sustentada pelas inovações científico-técnicas e que, assim, pudessem ter uma produção e um consumo globalizados e interligados aos demais setores econômicos. A difusão de inovações, assim como a distribuição de crédito rural deram-se de maneira não uniforme, constituindo um setor baseado em uma estrutura dual, promovendo um desenvolvimento cada vez mais desigual e combinado do setor no país. As áreas, as culturas e os produtores que não foram, de alguma forma, incorporados ao processo de modernização exercem papéis periféricos na organização da produção agrícola que se processa nas últimas décadas. O espaço rural não foi homogeinizado, uma vez que foi desigualmente atingido pela difusão de inovações agrícolas. Construiu-se, desse modo, um espaço seletivo, com uma forte concentração territorial das formas resultantes do processo de modernização da agricultura. Enquanto o modelo tradicional de exportação de produtos agropecuários era baseado, particularmente, na utilização extensiva de terra e da força de trabalho, o modelo ideal do período da modernização teve como fundamento o uso intensivo de capital, tecnologia, informação, mãode-obra especializada e uma quantidade incomensurável de insumos industrializados diversos, o que acabou por desenvolver diversos ramos da indústria. Paralelamente à modernização da agricultura, desenvolveu-se um moderno parque industrial, fosse das indústrias para suprir as novas demandas da atividade agrícola e pecuária (fertilizantes, adubos, tratores, pulverizadores, etc), fosse das indústrias para transformar os resultados dessa produção das agroindústrias. 98 Nas áreas agrícolas onde o desenvolvimento ocorreu de forma integrada aos demais setores econômicos e em bases modernas, foi comum o processo de substituição das culturas voltadas à demanda do mercado interno de alimentos (como o arroz, o feijão, o milho, a mandioca, a batata, a cebola, entre outros), pelas culturas voltadas à exportação (soja, cana-deaçúcar e laranja), com preços mais competitivos no mercado internacional. Estas últimas passaram a ocupar parte significativa da pauta de exportações do Brasil, nas décadas mais recentes (1990, 2000) e caracterizam-se por serem produzidas em grandes propriedades, por terem amplo acesso ao capital financeiro e às inovações, por contarem com um sistema de transporte e armazenamento modernos e por todas as demais influências da produção agrícola brasileira moderna. Em contrapartida, a produção e a produtividade dos alimentos voltados à demanda do mercado interno modernizaram-se muito menos, crescendo em ritmo mais lento e, muitas vezes, até decrescente, gerando escassez e obrigando, em vários casos, a importação de produtos tradicionalmente pertencentes à cesta básica do brasileiro, como o feijão, o arroz, a carne bovina, o leite, que se tornaram mais onerosos no orçamento da maior parte da população. 3.1.3 – A agricultura familiar: a revalorização no pós 1990 A agricultura familiar brasileira foi marcada profundamente pelas origens coloniais da economia e da sociedade brasileira, com suas três grandes características: a grande propriedade, as monoculturas de exportação e a escravatura. A fragilidade e a dependência social e política desse estrato de agricultores estão estreitamente relacionadas com os eventos que proporcionaram o surgimento das grandes propriedades, a partir de 1850, e com os "ciclos" econômicos do açúcar e café. 99 No período das monoculturas exportadoras, como a determinação do volume a ser produzido estava diretamente ligada ao preço internacional, estando este em alta, estimulava-se a expansão dos produtos familiares para o abastecimento do mercado interno, pois as terras dos latifúndios eram utilizadas exclusivamente para a produção de exportação. Com a queda dos preços internacionais, parte das terras ocupadas com a monocultura era trabalhada pelos escravos ou arrendatários para a produção de subsistência e para o suprimento do mercado interno. Portanto, “no início do século XIX, a extinção do regime de sesmarias, aliada à ausência de outra legislação regulando a posse das terras devolutas, provoca uma rápida expansão dos sítios desses pequenos produtores” (GRAZIANO DA SILVA,1996a, p. 27). Assim, com a implantação da Lei de Terras, em 1850, cria-se um instrumento de restrição ao acesso à terra, podendo adquiri-la somente o proprietário de capital. Aliada a esse fato, ocorre a proibição do tráfico negreiro e, em 1888, a abolição da escravatura. O resultado dessas medidas foi a criação da força de trabalho não-escrava, formada por homens sem condição de ter acesso à terra, que vinham somar-se ao contingente, já existente, de homens livres desprovidos de capital. Formou-se uma grande massa de mão-de-obra disponível, atendendo às necessidades dos latifúndios que, além de verem supridas suas necessidades de trabalhadores, ficariam protegidos contra uma expansão da propriedade familiar, pois “[...] se houvesse homem 'livre' com terra 'livre', ninguém iria ser trabalhador dos latifúndios” (GRAZIANO DA SILVA,1996a, p. 28). Após 1888, verificamos a instalação de uma indústria no país, ainda que incipiente: fabricas de chapéus, de louças, de fiação e tecelagem, gerando um novo campo para a propriedade familiar, que, a partir daí, poderia produzir, além de alimentos, matérias-primas para essas fábricas, “[...] uma vez que o latifúndio continua a monopolizar a produção destinada à exportação – o café” (GRAZIANO DA SILVA,1996a, p. 29). 100 Por volta de 1930, ocorreu a crise do café e o início da efetiva industrialização do país. O núcleo da economia foi, lentamente, sendo transferido da agricultura para a indústria. Nesse processo, a indústria ia, progressivamente, assumindo a liderança do processo de acumulação de capital. Entretanto, o deslocamento do foco da economia no sentido agricultura/indústria, alavancado pelo capital das oligarquias cafeeiras, não resultou em uma alteração na estrutura agrária do país. O início da modernização da agricultura deu-se somente após a metade dos anos de 1950 e trouxe para o Brasil as indústrias de tratores e equipamentos agrícolas, fertilizantes químicos, rações e medicamentos veterinários, dentre outros. A partir da constituição desses novos ramos da indústria agrícola, novos mercados também tinham que se abrir. O governo implementou um conjunto de políticas agrícolas destinadas a incentivar a aquisição dos produtos desse novo ramo da indústria, acelerando o processo de incorporação de modernas tecnologias pelos produtores rurais. Esse modelo desenvolvimentista gerou uma grande concentração de terras e de renda no meio rural, marginalizando, do processo, mais de dois terços da população que vivia no campo (www.seag.es.gov.br, 2005). O resultado desse modelo tem-se refletido, de maneira geral, apesar do aumento na produção global, no agravamento do desemprego no campo e na cidade, no aumento dos preços dos alimentos, na degradação do meio ambiente e na ocupação desordenada do território nacional. Outros problemas estão também vinculados ao modelo, como a queda na qualidade dos alimentos e o progressivo desaparecimento das tradições culturais no meio rural. Assim, numa perspectiva histórica, pode-se observar que as características que marcaram a agricultura brasileira foram: “[...] de um lado, grande sucesso comercial das culturas de exportação e, de outro, escassez relativa de gêneros alimentícios, exploração predatória da 101 natureza, escravização da mão-de-obra seguida de precárias condições de acesso à terra e de emprego” (ROMEIRO, 1998, p. 101). A partir da década de 1990, a discussão sobre agricultura familiar vem tomando força no Brasil devido ao reconhecimento da importância desse segmento econômico em gerar renda, emprego e melhores condições de vida no campo. As abordagens dos autores, a seguir, possibilitam melhor compreensão dessa realidade. Wanderley (1999) mostra que a agricultura familiar é uma categoria genérica, que tem como característica uma vasta diversidade de formas sociais. Dentre estas diversas formas sociais que compõem a agricultura familiar, podemos destacar a agricultura camponesa, a agricultura de subsistência e a pequena produção. Por isso, é importante fazer distinções, que, por vezes, causam algumas distorções conceituais. Uma dessas distinções é diferenciar agricultura camponesa de agricultura de subsistência: [...] conforme os objetivos que se propõem os agricultores, para si mesmos e para suas famílias, e conforme, também, os contextos sócio-econômicos (sic) locais e o respectivo nível de desenvolvimento, deve-se distinguir as unidades de produção camponesas de outras consideradas de subsistência. Se a função de subsistência está bem presente no modelo camponês, ele não se reduz jamais a isto; há neste modelo, profundamente arraigada, uma vontade de conservação e de crescimento do patrimônio familiar. (WANDERLEY, 1999, p. 30). A outra distinção importante a fazer é entre agricultura camponesa e pequena produção: [...] a agricultura camponesa é, em geral, pequena; dispõe de poucos recursos e tem restrições para potencializar suas forças produtivas; porém, ela não é camponesa por ser pequena, isto é, não é sua dimensão que determina sua natureza, e, sim, suas relações internas e externas [...]. (WANDERLEY, 1999, p. 31). Ainda sobre o conceito de agricultura familiar, Wanderley (1999) e Abramovay (2000) destacam que ela é centrada na propriedade dos meios de produção e na execução do trabalho por familiares. 102 Retomando as idéias de Wanderley (1999), a autora mostra que é necessário, para a compreensão dessas diversas formas sociais, o conhecimento do conceito de agricultura familiar, ou seja, “aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo” (WANDERLEY, 1999, p. 23). As opiniões sobre a agricultura camponesa não são muito divergentes, pois, para Wanderley (1999) e Abramovay (2000), a produção, nessa categoria, não possui fins lucrativos, mas para a subsistência. A agricultura camponesa é considerada por Wanderley (1999) como uma das formas sociais que compõem a agricultura familiar, pois ela é baseada na relação entre propriedade, trabalho e família, porém apresenta algumas características no que tange à sua inserção no meio econômico e social. Para Abramovay (2000), a atividade econômica, dentro da agricultura camponesa, é determinada pelas necessidades de consumo do grupo, ou seja, o volume de trabalho é determinado pelo consumo familiar. Assim, diferentemente de uma empresa capitalista, num estabelecimento camponês o critério de maximização da utilidade não é a obtenção da maior lucratividade possível em determinadas condições. O uso do trabalho camponês é limitado pelo objetivo fundamental de satisfazer às necessidades familiares. (ABRAMOVAY, 2000, p.61). É nessa caracterização do trabalho camponês que Abramovay (2000) mostra o conceito de auto-exploração do campesinato desenvolvido por Chayanov, que assim se refere: “[...] mientras el tamaño de la unidad agraria capitalista es teóricamente ilimitada, la extensión de la unidad doméstica de explotación agraria está naturalmente determinada por la relación entre las necesidades de consumo de la familia y su fuerza de trabajo” (CHAYANOV, 1974, p. 89). 103 Na luta para garantir a sua reprodução social, a agricultura camponesa promove investimentos em busca de melhores condições de vida ou, pelo menos, manutenção das condições atuais para as gerações futuras. [...] um dos eixos centrais da associação camponesa entre família, produção e trabalho é a expectativa de que todo investimento em recursos materiais e de trabalho despendidos na unidade de produção, pela geração atual, possa vir a ser transmitido à geração seguinte, garantindo a esta, as condições de sua sobrevivência. (WANDERLEY, 1999, p. 3). Lamarche (1998, p. 70) apresenta claramente o conceito do modelo de agricultura camponesa: este modelo define-se por uma forte predominância das lógicas familiares e uma fraca dependência em relação ao exterior. Composto por estabelecimentos que produzem pouco e utilizam técnicas bastante tradicionais, o objetivo primeiro aqui é satisfazer às necessidades familiares. Para Lamarche (1998), a existência de modelos de agricultura camponesa ou de subsistência em contextos socioeconômicos específicos pode ser justificada por estarem num estágio de subdesenvolvimento das atividades ou por uma crise de desenvolvimento. Outra discussão sobre a agricultura familiar foi aquela apresentada pelo Relatório INCRA/FAO (1996). O Relatório, utilizando dados do Censo Agropecuário 1995/96, adotou os seguintes critérios “[...] a) a direção dos trabalhadores era exercida pelo produtor; b) não foram realizadas despesas com serviços de empreitada; c) sem empregado permanentes e com número médio de empregados temporários menor ou igual a três; d) com área total menor ou igual a quinhentos hectares para as regiões Sudeste e Sul, mil hectares para as demais regiões” (INCRA/FAO, 1996, p. 5). 104 Portanto, o relatório, elaborado pelo estudo INCRA/FAO (1996), deixa claro que o tamanho da propriedade é determinado pelo que a família pode explorar com base em seu próprio trabalho, associando-o à tecnologia de que dispõe15. A importância dos agricultores familiares é também mostrada no Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO (2000), que utilizou dados do Censo Agropecuário 1995/96: os agricultores familiares são responsáveis por 30,5% da área total cultivada no país, correspondendo a 85,2% de estabelecimentos e contribuindo com 37,9% da produção total. Ainda de acordo com o estudo, os agricultores familiares demonstram ser mais eficientes no uso do crédito rural que os agricultores patronais, pois produzem mais com menos recursos do crédito rural. Após essa breve apresentação do conceito de agricultura familiar, é necessário conhecer o contexto nacional em que esse segmento da agricultura se insere no Brasil. Para isso, é necessário compreender sua participação no desenvolvimento agrícola brasileiro e na produção familiar. De acordo com a tabela 3, o total de estabelecimentos familiares é de 4.139.369, sendo que, deste total, a maioria encontra-se localizada na região Nordeste (2 milhões), seguida pela região Sul (907 mil), região Sudeste (633 mil), região Norte (380 mil) e a região Centro-Oeste com 162 mil estabelecimentos familiares. 15 Além desse critério, foi utilizada uma metodologia específica para estabelecer o tamanho médio das unidades familiares. Para mais detalhes, ver FAO/INCRA, 2000, p.11. 105 Tabela 3 – Número de estabelecimentos familiares e participação relativa das grandes regiões brasileiras – 1995/96 Regiões Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste BRASIL N.º de N.º de Estabelecimentos Estabelecimentos Total Familiares 446.175 2.326.413 841.665 1.003.179 242.436 4.859.868 380.895 2.055.157 633.620 907.635 162.062 4.139.369 % sobre o Total Nacional Familiar 9,2 49,7 15,3 21,9 3,9 100,0 Fonte: IBGE – Censo Agropecuário (MG) 1995/96. Disponível <http://www.incra.gov.br/sade/EstabArea vBPFAM. asp>. Acesso em: 23 jun. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 % sobre o Total Regional 85,4 88,3 75,3 90,5 66,8 85,2 em: INCRA/FAO Assim, podemos verificar que a região Centro-Oeste (Tabela 3) ocupa a menor percentagem de propriedades familiares tanto em termos de total nacional (3,9%) como no total regional (66,8%). Para Caume (1997, p. 12), a justificativa se dá “pelas características do seu processo de ocupação histórica alicerçado em grandes unidades praticantes de uma pecuária de caráter extensivo.” Pessoa (1999) afirma que essa atividade era a mais viável economicamente para a região, por exigir apenas pastagens naturais, pouca mão-de-obra, instalações rústicas e reduzido capital. A região Nordeste compreende 49,7% de propriedades familiares (total nacional). Para Azevedo (2005, p.1), a predominância da propriedade familiar nessa região ocorre porque, no Nordeste, a pecuária deu sustentação tanto à plantation açucareira quanto à cotonicultura, persistindo e ganhando força nas décadas atuais, pós-falência cotonícola. A partir das transformações econômicas e socioespaciais ocorridas durante a formação histórica nordestina, a pecuária partiu de uma base estritamente de corte para a consolidação da produção de leite. Não obstante os fatores limitantes como condições naturais desfavoráveis e volubilidade do mercado, a mesma tem ganhado força, se modernizando e se expandindo, graças ao incentivo estatal. 106 A região Sul participa com o segundo maior número de produtores familiares (907 mil), porém trata-se de uma região colonizada por emigrantes europeus, que trouxeram o modelo de produção de seus países de origem, e onde a modernização da agricultura teve maior alcance que a ocorrida no Nordeste. Essa região também se caracteriza por grande difusão do cooperativismo e do associativismo e maiores facilidades para captar recursos governamentais. Já a região Sudeste se encontra no patamar intermediário, abrangendo, respectivamente, 15,3% do total nacional e 75,3% do total regional. Conforme tabela 4, no Brasil, 39,8% dos estabelecimentos familiares atingem, sob qualquer condição, menos de 50 ha, sendo que outros 30% possuem entre 5 e 20 ha, e 17%, entre 20 e 50 ha. Ou seja, 87% dos estabelecimentos familiares abrangem menos de 50 ha. Os agricultores familiares com área maior que 100 ha e menor que a área máxima regional são representados por 5,9% dos estabelecimentos, mas ocupam 44,7% de toda a área da agricultura familiar brasileira. Tabela 4 – Brasil – agricultura familiar: participação nos estabelecimentos, na área e área média, segundo os grupos de área total (em ha) – 2000 Grupos de Área Total (ha) Menos de 5 % nos Estabelecimentos 39,8 % na Área Área Média 3,0 1,9 5 a menos de 20 29,6 12,2 10,7 20 a menos de 50 17,2 20,4 31,0 50 a menos de 100 7,6 19,7 67,8 100 ha a 15 módulos 5,9 44,7 198,0 regionais Área média dos agricultores familiares 26,0 Fonte: MDA/INCRA, 2000. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/sade/doc/agriFam.htm>. Acesso em: 23 jun. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 107 O percentual do Valor Bruto da Produção – VBP - produzido pela agricultura familiar, quando consideradas algumas atividades, demonstra a sua importância em produtos destinados ao mercado interno e também entre os principais produtos que compõem a pauta de exportação agrícola brasileira. A tabela 5 mostra que os agricultores familiares produzem 24% do VBP total da pecuária de corte, 52% da pecuária de leite, 58% dos suínos e 40% de aves e ovos produzidos. Em relação a algumas culturas temporárias e permanentes, a agricultura familiar produz 31% de arroz, 67% de feijão, 97% de fumo, 84% da mandioca, 49% do milho, 32 % da soja e 25% do café. Tabela 5 - Valor bruto da produção de produtos selecionados nos estabelecimentos familiares (%) – 2000 Produto Participação no VBP Total Fumo 97 Mandioca 84 Feijão 67 Suínos 58 Pecuária leiteira 52 Milho 49 Aves / ovos 40 Soja 32 Arroz 31 Café 25 Pecuária de corte 24 Fonte: MDA/INCRA, 2000. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/sade/doc/agriFam.htm>. Acesso em: 23 jun. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 O crescimento da renda desse segmento, por meio da conquista de mercado, traz impacto favorável, principalmente às regiões interioranas do país, onde exerce papel fundamental para o 108 desenvolvimento social, evitando o êxodo rural e tornando-se instrumento de inclusão social, geração de trabalho e renda. 3.2 - A importância da agricultura familiar e da pecuária leiteira em Ituiutaba (MG) A agricultura familiar é uma categoria social que mostra uma característica histórica marcante, que é a sua marginalização ou exclusão de todo o processo de modernização da agricultura brasileira, conforme já analisado anteriormente. Essa marginalização tem origem no processo de reestruturação espacial e social que a modernização promoveu no Brasil. A marginalização espacial no sentido geográfico de ter criado áreas específicas modernizadas e produtivamente competitivas, promovendo uma grande diversidade regional, é considerada, por Graziano da Silva (1999), como uma das principais características da modernização brasileira. Social, no sentido de ter possibilitado um diferencial social entre os produtores, como os modernizados e não modernizados, excluindo do processo um grande número de agricultores, destacando entre eles o agricultor familiar. Nesse processo, o Estado teve um papel fundamental, pois foi por meio da política agrícola, que promoveu a modernização da grande propriedade e garantiu sua reprodução em detrimento da agricultura familiar, que sempre ocupou um lugar secundário na sociedade brasileira (WANDERLEY, 1995). Nesse contexto, a agricultura familiar passou a sobreviver em um espaço social definido pós-modernização, por duas variáveis que condicionam a sua reprodução social: a primeira é o acesso restrito à propriedade da terra, e a segunda é a sua capacidade limitada de investimentos. Tendo em vista esses problemas, os agricultores familiares buscam diversas estratégias para garantir sua sobrevivência dentro desse espaço social limitado, e a Comunidade da Canoa é 109 uma delas, em que o agricultor organizado possui uma maior representatividade frente às suas reivindicações. O caso de Ituiutaba ilustra esta situação. No município de Ituiutaba, o número significativo de unidades de produção familiar leva à necessidade de diferenciar as categorias familiar e patronal, visto que os dados utilizados, para compor o perfil da agricultura familiar no município, estão tabulados de acordo com essas categorias. Portanto, com o relatório elaborado pelo estudo FAO/INCRA (2000), podemos distinguir como unidades de produção familiar os estabelecimentos que possuam as seguintes características: a direção dos trabalhos do estabelecimento é exercida pelo produtor; o trabalho familiar é superior ao trabalho contratado; e o tamanho da propriedade é determinado pelo que a família pode explorar com base em seu próprio trabalho, associado à tecnologia de que dispõe16. Já a categoria patronal pode ser evidenciada pela utilização de mão-de-obra assalariada, incluindo trabalhadores permanentes e temporários, em que o trabalho familiar é marginal, limitando-se aos trabalhos de gestão e supervisão das atividades dentro da unidade de produção (FAO/INCRA, 2000). Em Ituiutaba, a agricultura familiar apresenta um quadro diferente em relação à região Sudeste, onde o número de estabelecimentos e a área ocupada por este tipo de agricultor apresentam os maiores valores comparados com os dados nacionais. Enquanto os agricultores familiares ocupam, no Brasil, um percentual de 30,5% da área total, o que corresponde a 85,2% do número total de estabelecimentos. No Sudeste, os números são, respectivamente, 29,2% e 75,3%, sendo que, em Ituiutaba, os agricultores familiares ocupam 19,6% da área do município e 51% do número total de estabelecimentos (Figura 4). 16 Para mais detalhes, ver FAO/INCRA, 2000, p.11. 110 Figura 4 – Brasil/ Sudeste/ Ituiutaba (MG): agricultura familiar - número de estabelecimentos e área em 1995/96 (%) 90 85,2 75,3 80 70 Percentuais 60 51 50 40 30,5 30 Estabelecimentos (%) 29,2 Área Total (%) 19,6 20 10 0 Brasil Sudeste Ituiutaba (MG) Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 1995/96. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br.> Acesso em: 28 jun. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 De acordo com os dados do Censo Agropecuário de 1995/96, Ituiutaba possui 641 estabelecimentos familiares, que correspondem a 19,6% da área total. A categoria patronal ocupa 80,4% da área total, com 606 estabelecimentos, o que equivale a 48,2% do número total (Tabela 6). A área média das propriedades familiares no município é de, aproximadamente, 72 hectares, ficando acima da média para a Região Sudeste, que é de 29 hectares, e muito acima da média nacional, que é de 26 hectares. Com relação à categoria patronal, a área média, em Ituiutaba, é de 315 hectares; no Sudeste, esse número é de 222 ha; e, no Brasil, de 433 ha. Observamos que ocorre um equilíbrio entre o número de estabelecimentos familiares e patronais e que a área ocupada pelos estabelecimentos familiares é mais de quatro vezes menor que os estabelecimentos patronais (Tabela 6). 111 Tabela 6 – Ituiutaba (MG): número de estabelecimentos e área (total e média) por categorias familiar e patronal - 1995/96 Categorias Número de Área Total (ha) Área Média (ha) Estabelecimentos Familiar 641 46.748 72,9 Patronal 606 190.935 315,1 Outras* 10 247 24,7 TOTAL 1.257 237.930 189,3 Fonte: IBGE – Censo Agropecuário (MG) 1995/96. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 * Outros – Instituições religiosas e públicas De acordo com a tabela 7, o número de estabelecimentos familiares encontra-se no grupo de área de 20 a 50 ha, totalizando 199 estabelecimentos (31%), e, em seguida, vêm os estabelecimentos do grupo de área de mais de 100 ha, com 158 unidades de produção, representando 24,6% do total de estabelecimentos. Esses dados mostram que mais de 50% dos estabelecimentos possui área entre 20 e mais de 100 hectares. Tabela 7 – Ituiutaba (MG): número de estabelecimentos e área de acordo com grupos de área por categorias familiar e patronal - 1995/96 Categorias Familiar Patronal Menos de 5 ha N.º Área 43 134 10 30 Entre 5 e Entre 20 e 50 20 ha ha N.º Área N.º Área 104 1.375 199 6.936 24 68 68 2.358 Entre 50 e 100 ha N.º Área 137 10.070 93 7.081 Mais de 100 ha N.º 158 Área 28.234 411 181.149 Fonte: IBGE – Censo Agropecuário (MG) 1995/96. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 A condição do produtor centraliza-se na de proprietário, tanto para a categoria familiar como para a patronal, correspondendo a 83,6% e 90,2%, respectivamente, dos estabelecimentos totais (Tabela 8). 112 Tabela 8 – Ituiutaba (MG): estabelecimentos e área segundo a condição do produtor por categoria familiar e patronal (n.º total) - 1995/96 Categorias TOTAL Proprietário Arrendatário N.º N.º ha N.º ha N.º ha 91 9.396 5 1.026 75 8.394 ha 1.086 219.112 Parceiro Ocupante Familiar 536 40.217 58 3.546 2 165 45 2.819 Patronal 547 178.723 33 5.849 3 861 23 5.500 Fonte: IBGE – Censo Agropecuário (MG) 1995/96. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 Do total do pessoal ocupado na agricultura em Ituiutaba (Tabela 9), a agricultura familiar é responsável pela absorção da maioria dos trabalhadores (74,6%), enquanto a categoria patronal emprega 25,4% do pessoal. A agricultura familiar ocupa 1.863 trabalhadores, dos quais 81,4% correspondem à mão-de-obra dos membros da família, sendo o restante dividido entre parceiros (11,5%), empregados permanentes (6,1%) e outra condição (1,0%). Tabela 9 – Ituiutaba (MG): pessoal ocupado por categoria familiar e patronal (n.º total) 1995/96 Categorias Total Familiar Familiar Parceiros Empregados Empregados Outra maior de menor de (n.º Total) Permanentes Temporários Condição 14 anos 14 anos (n.º Total) (n.º Total) (n.º Total) (n.º Total) (n.º Total) Familiar 1.863 1.390 123 214 114 1 18 Patronal 2.496 745 10 1.312 333 32 64 Fonte: IBGE – Censo Agropecuário (MG) 1995/96. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 A combinação de mão-de-obra familiar com empregados permanentes e temporários (Tabela 10) corresponde a uma parcela insignificante do total de estabelecimentos (5,4%). O trabalho na agricultura é, basicamente, praticado pela mão-de-obra familiar (46,6%) e pela conciliação da mão-de-obra familiar com as demais combinações (31,4%). 113 Tabela 10 – Ituiutaba (MG): mão-de-obra na agricultura familiar por tipo e combinação em relação aos estabelecimentos (%) e área (%) - 1995/96 Mão-de-obra Estabelecimentos Área Total n.º % ha % 641 100 46.748 100 299 46,6 17.402 37,2 e 16 2,5 1.806 3,9 Mão-de-obra fam., temp. e 6 0,9 712 1,5 119 18,6 7.920 16,9 201 31,4 18.906 40,4 Total familiar Só mão-de-obra familiar Mão-de-obra familiar temporária permanente Mão-de-obra fam. e emprego máquinas Mão-de-obra fam. e demais combinações Fonte: IBGE – Censo Agropecuário (MG) 1995/96. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 É importante salientar que, ao comparar os dados do município de Ituiutaba com os da região Sudeste, pode-se notar que os agricultores familiares de Ituiutaba têm maior acesso à tecnologia e assistência técnica que a média geral da região (Tabela 11). 114 Tabela 11 – Região Sudeste e Ituiutaba (MG): estabelecimentos familiares com acesso à força de trabalho, tecnologia e assistência técnica (%) - 1995/96 Estabelecimentos Só força Manual Local (%) Uso da Força Animal ou Mecânica Energia Elétrica (%) Uso de Adubos e Corretivos (%) Assistência Técnica (%) (%) Sudeste 42,2 57,8 56,2 60,6 22,7 Ituiutaba 25,9 74,1 78,0 73,5 36,0 Fonte: IBGE – Censo Agropecuário (MG) 1995/96. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005 Atualmente (2005), uma das atividades econômicas preponderantes do município de Ituiutaba é a pecuária leiteira, exercida, basicamente, por pequenos produtores, com mão-de-obra centrada no trabalho familiar. Essa atividade ganhou força na década de 1970, quando Ituiutaba ampliou o rebanho bovino e, conseqüentemente, a produção leiteira. Podemos observar, na tabela 12, que a produção de leite e carne em Ituiutaba, no ano de 2001, correspondeu a 83.673,6 mil litros de leite e 8.728,7 toneladas de carne, com valores de 40.163,32 e 29.677,75 mil reais, respectivamente. Tabela 12 – Ituiutaba (MG): produção e valor da pecuária - 2001 Produtos Leite Carne Produção (mil l) (t) 83.673,6 ----- 8.728,7 Fonte: EMATER-MG(2003) Valor da produção (mil R$) 40.163,32 29.677,75 Org.GOBBI, W.A. de O./2003 O total do rebanho bovino é de 199.834 cabeças. Com relação à mão-de-obra ocupada, 1.482 pessoas trabalham na atividade leiteira e 471 pessoas são empregadas na atividades relacionadas ao rebanho de corte (EMATER, 2003). 115 Com relação ao número de vacas ordenhadas e quantidade de leite, em Ituiutaba (Tabela 13), houve um aumento significativo de 1970 (13.252 vacas/ 5.434 mil litros) para 2003 (29.900 vacas ordenhadas/ 28.600 mil litros). Houve, também, um aumento na área de pastagem, principalmente entre os anos de 1970 (163.265 ha) a 1985 (203.782 ha), em decorrência da abertura dos cerrados, o que permitiu o estabelecimento de pastagens de capins do gênero Brachiaria e a expansão da pecuária. Em Ituiutaba, a área destinada às culturas de arroz, milho e algodão até o final da década de 1960, foi, progressivamente, ocupada por pastagens, a partir da década de 1970. Tabela 13 – Ituiutaba (MG): vacas ordenhadas (n.º), produção de leite (l) e área de pastagem (ha) – 1970 a 2003 Anos N.º de vacas Leite (mil litros) Área de pastagem (ha) ordenhadas 1970 13.252 5.434 163.265 1975 15.040 6.166 (*)--- 1980 28.693 20.807 168.401 1985 26.667 25.436 203.782 1995/96 27.742 30.172 145.464 2003 29.900 28.600 174.414 Fonte: IBGE – Censo Agropecuário (MG) 1970, 1975, 1980 1985, 1990, 1995/96, 2000 e 2003. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 14 nov. 2005. *(---) Dado não encontrado no ano de 1975. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005. Na área em questão, a pecuária é uma atividade praticada por pequenos, médios e grandes produtores, atendendo à finalidade de corte e, principalmente, leite pelos pequenos e médios. Porém, mesmo com o preço, tanto da carne quanto do leite, não correspondendo ao custo de produção, tem ocorrido a expansão da pecuária que, para Graziano da Silva (1978, p.91), “está bastante vinculada à afirmação do modo capitalista de produção da agricultura.” 116 O referido autor apontou quatro fatores que contribuíram para explicar a expansão da atividade pecuária no Brasil. Em primeiro lugar, os investimentos em pecuária (compra de terras de pastos naturais e rebanhos) asseguram, por si mesmos, a “valorização” do capital investido, num período de inflação alta, como nas décadas de 1970 e 1980. Dessa forma, tanto o rebanho quanto as terras passaram a ser transformadas em dinheiro a qualquer momento. Em segundo lugar, a evolução dos preços do boi para o corte, na década de 1970, foi favorável e constante ao mercado. Em terceiro lugar, o custeio intensivo da pecuária esteve em consonância com o absenteísmo do grande proprietário. O gado alimentava-se do pasto natural e exigia baixo nível tecnológico (poucas vacinações e sal grosso). Por último, a pecuária de corte era uma atividade de poucos riscos, exigindo poucos investimentos (GRAZIANO DA SILVA, 1978). Assim, a pecuária regional, que era praticada como meio de subsistência paralelo às atividades de agricultura, ganhou, nesse sentido, mais incentivo para tornar-se a atividade principal, e os campos abertos para cultivo passaram a ser transformados em pastos. De acordo com Duarte (2001), como incentivo à pecuária, alguns projetos beneficiaram fazendeiros na Microrregião de Ituiutaba, destacando o Conselho de Desenvolvimento da Pecuária (CONDEPE) e o programa de Desenvolvimento da Pecuária do Cerrado (PROPEC). A introdução do capim Brachiara nos cerrados foi um incentivo na alimentação do gado. Desenvolvida por técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA -, que buscavam uma espécie de gramínea para responder à situação com uma alta produção em massa para sustentar os animais e os alimentasse tanto no período das águas quanto no da seca. Na visão do Sr. Walter17, “para a produção do leite, a brachiara, não é a gramínea mais recomendada, mas na região, ela é atualmente (década de 1990/2000), a 17 Entrevista concedida pelo Sr. Walter Eurípedes de Oliveira – pequeno produtor rural de leite em Ituiutaba – em fevereiro de 2005. 117 gramínea predominante, justamente pela sua duração e a sua resistência ao clima”. Após a década de 1970/80, os municípios da Microrregião de Ituiutaba passaram a investir numa economia voltada para o setor leiteiro e de carnes. Os serviços foram adaptados em função desse novo rural, e técnicas e instituições de pesquisa ganharam relevância, tais como a EMBRAPA, Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais – EMATER -, Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG -, entre outros. Entretanto, a forte inclinação do município para a pecuáriam, após 1970, reduziu a produção agrícola, tornando-se menos significativa, de acordo com a tabela 14. O arroz e o algodão representam muito pouco do que já simbolizaram para a Microrregião de Ituiutaba, a cana-de-açúcar tem crescido devido à instalação de duas usinas de álcool, sendo uma no município de Canápolis e outra no município de Capinópolis. Estes dois municípios são vizinhos de Ituiutaba, e sua produção serve de matéria-prima para as usinas. Portanto, após a década de 1990, os grãos (milho, soja) e o algodão são os cultivos mais plantados pelos produtores, principalmente pelos arrendatários (Tabela 14). De acordo com a tabela 14, a produção leiteira praticamente triplicou, e a de carne dobrou entre 1970 e 1980, apresentando, posteriormente, taxas reduzidas de crescimento, posto que já havia se consolidado na Microrregião de Ituiutaba. Em 1975, conforme já destacado, ocorreu a instalação de uma fábrica de leite em pó da Nestlé, responsável, mais tarde, por mudanças relevantes nesse setor envolvendo os produtores regionais. Sua presença, passa a ser a causa e ao mesmo tempo que a conseqüência da euforia leiteira regional. Significou para os fazendeiros um grande incentivo e a certeza de um comprador para o leite, contribuindo decididamente para a especialização da pecuária regional. (OLIVEIRA, 2003, p. 87). 118 A mudança de atividade (lavouras de arroz, milho, algodão...) para pecuária de leite gerou novas relações, que são visualizadas no campo e no urbano de Ituiutaba. A instalação da Nestlé passou a reestruturar as relações comerciais, econômicas, sociais e políticas no município. Sua presença gerou a necessidade entre os fazendeiros de se adaptarem ao sistema tecnológico que a Nestlé exigiu, “tudo por uma melhor qualidade do produto”. A instalação passara a ser a causa e conseqüência da especialização leiteira na microrregião de Ituiutaba, e o seu nome a ter um importante significado para a cidade. 119 Tabela 14 – Ituiutaba (MG): produção agropecuária - 1970/1980/1991/2002 Produção Agrícola (ha) Ano Algodão Arroz Banana Cana- Feijão Laranja Produção Pecuária Milho Soja Sorgo TOTAL Bovinos Leite (L) In Área de de- (N.º de natura pastagem açúcar cabeças) Mandioca (ha) 1970 2.449 19.526 24 63 1.521 10 7 12.236 41 --- 35.836 83.972 5.430.000 163.265 1980 561 8.615 33 144 33 35 122 10.626 2.096 30 19.841 166.886 20.807.000 168.401 1991 2.000 3.430 45 300 110 75 350 12.000 2.500 --- 20.810 178.222 26.253.000 145.464 2002 1.000 250 --- 1.000 --- 560 500 6.000 12.000 1.000 22.310 220.000 28.000.000 174.414 Fonte: IBGE – Censo Agropecuário (MG) 1970, 1980, 1991 e 2002. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 14 nov. 2005. Org. GOBBI, W. A. de O. /2005. 120 Questões, como a alta produtividade leiteira de Minas Gerais e da tradicional bacia leiteira do Triâgulo Mineiro/Alto Paranaíba, foram levadas em conta, bem como a proximidade com o Estado de Goiás e rodovias que se direcionam a São Paulo. A Nestlé também realizou uma pesquisa em busca de condições favoráveis à sua instalação, que exigia um mercado regional fornecedor e consumidor de sua matéria-prima (leite), além de infra-estrutura de circulação e telecomunicação. Hoje (2005), uma cooperativa (Coopontal) e outras empresas (laticínios Canto de Minas, Guadalupe) de menor porte também dividem o mesmo espaço em Ituiutaba no ramo de laticínios, além de frigoríficos que absorvem a produção bovina e suína de corte. Para Duarte (2001), a pecuária de corte é bastante representativa para o município, bem como para a região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. O Frigorífico Bertin, instalado na cidade, destaca-se como um dos maiores exportadores de carne do país. Quanto à pecuária leiteira, a fábrica de leite em pó da Nestlé e o Laticínio Canto de Minas estão capacitados a processar até 1.350.000 e 50.000 litros de leite/dia, respectivamente. 3.3 – O futuro dos laticínios em Ituiutaba (MG) O município de Ituiutaba conta com a instalação de empresas de destaque no setor lácteo nacional, conforme já destacado. Assim, podemos mencionar o laticínio Canto de Minas Ltda, responsável pela fabricação dos produtos com a marca da empresa, o laticínio Guadalupe, que faz a padronização do leite e cuja produção é toda vendida para a indústria de São Paulo. A Nestlé18 _________________________ 18 Houve dificuldade de estabelecer contatos com esta empresa. A nossa entrevista foi realizada com o chefe da região leiteira, que ignorava informações(sobre o funcionamento da empresa, sua relação com o produtor, dados mais consistentes com relação a parte financeira, etc.) importantes para o nosso trabalho. 121 Brasil Ltda., responsável pela produção de leite em pó (Ninho, instantâneo e integral) e o laticínio COOPONTAL – Cooperativa Agropecuária do Pontal do Triângulo Mineiro Ltda.-, fazem a padronização do leite, que é vendido para Conquista (MG), e São Paulo. O laticínio Canto de Minas foi fundado em Ituiutaba em 1994, processa leite totalmente granelizado, obtido por meio de captação própria, é caracterizado por oferecer um mix de produtos diversificados e produção de alimentos com qualidade. De acordo com o quadro 16, o volume médio processado diariamente é de 20.000 litros, que são entregues por 95 produtores, sendo que 81 são do município de Ituiutaba. O laticínio COOPONTAL foi fundado em primeiro de julho de 1993. Toda a produção é padronizada, o volume diário varia em torno de 45 a 50.000 litros, e esta produção é entregue por 520 produtores, sendo que 303 são do município de Ituiutaba (Quadro 16). O Laticínio Guadalupe, fundado em Ituiutaba em cinco de maio de 2004, tem sua produção padronizada, com um volume de 25.000 litros/dia, com 240 produtores, sendo que 144 são do município. A Nestlé, fundada em 16 de setembro de 1976, processa leite 100% granelizado; o volume processado diariamente pela empresa é de 1.200.000 litros, entregues por 600 produtores. Não foi possível conseguir saber quantos produtores são do município de Ituiutaba (Quadro 16). Quanto à aquisição da matéria-prima, para as empresas Canto de Minas, Guadalupe e Nestlé, os maiores problemas são a concorrência desleal, a instabilidade da econômica e a baixa renda da população brasileira, conforme informações obtidas na pesquisa de campo. 122 Quadro 16 – Origem dos produtores que comercializam leite nas empresas em Ituiutaba (MG) e produção diária recebida - 2005 Produtores Empresa comercializam o leite na empresa (N.º total) pertencentes ao município de Ituiutaba pertencentes a outros municípios (N.º total) (N.º total) Laticínio COOPONTAL – Cooperativa Agropecuária do Pontal do Triângulo Mineiro Ltda. 520 303 Produção de leite “in natura” recebida pela empresa (Produção diária) 217 em torno de 45 a 50.000 litros/dia 20.000 litros/dia a 50.000 litros/dia Laticínio Canto de Minas Ltda 95 81 14 Laticínio Guadalupe Ltda 240 144 96 Nestlé Brasil Ltda. 600 não informou não informou 25.000 litros/dia Fonte: Pesquisa de Campo/fev. 2005. 1.200.000 litros/dia Org. GOBBI, W.A. de O./2005 O perfil dos produtores que entregam leite para essas empresas é constituído por pequenos, médios e grandes produtores, critério este estabelecido pela empresa para a classificação desses produtores. Os laticínios Canto de Minas e Guadalupe fazem a distinção por produção/litros/dia, a Coopontal a faz por área, e a Nestlé, por escala. A tabela 15 ilustra a participação dos pequenos produtores nas referidas empresas. É inegável que a organização dos pequenos produtores seja a única alternativa para que eles permaneçam na atividade. O município de Ituiutaba só terá um sistema agroindustrial do leite mais dinâmico, quando os produtores se organizarem e, além de adquirir um tanque de expansão, possam dedicar-se em conjunto ao aprimoramento das raças, à inseminação artificial, e compreenderem a importância da qualidade do leite. 123 Tabela 15 – Ituiutaba (MG): classificação e participação dos pequenos produtores segundo critérios das empresas - 2005 Empresa Classificação dos produtores Laticínio COOPONTAL – Cooperativa Agropecuária do Pontal do Triângulo Mineiro Ltda. Laticínio Canto de Minas Ltda Até 96,8 ha - Pequeno 96,9 até 484 ha - Médio Acima de 484 ha - Grande Laticínio Guadalupe Ltda Nestlé Brasil Ltda. 0 até 200 l/dia - Pequeno 201 até 500 l/dia - Médio Acima de 500 l/dia - Grande 0 até 100 l/dia - Pequeno 200 até 500 l/dia - Médio Acima de 500 l/dia - Grande Escala de 300 l/dia à 10.000 l/dia Fonte: Pesquisa de Campo/fev. 2005. Participação dos pequenos produtores (%) 70 ----40 ----50 ----Não respondeu Org. GOBBI, W.A. de O./2005 As tendências apontadas pelos entrevistados para o sistema agroindustrial do leite, nos próximos anos, são as mesmas mencionadas em outros momentos deste trabalho, ou seja, referem-se à eliminação dos pequenos produtores que não se adaptarem às exigências da Instrução Normativa 51/2002, e à eliminação dos pequenos laticínios que, de acordo com os entrevistados, prejudicam os grandes, devido ao fato de sonegarem impostos. As empresas entrevistadas declararam o valor pago aos produtores de leite, a periodicidade de recolhimento do leite nas propriedades e o sistema de pagamento. Pelo quadro 17, constatamos que a periodicidade de recolhimento do leite pelas empresas é assim estruturada: diária, no laticínio COOPONTAL, devido à falta de caminhões isotérmicos. Nas demais empresas, o recolhimento é feito de 2 em 2 dias. Os produtores recebem entre R$ 0,33 (0,13 centavos de dólar)19 a R$ 0,62 (0,25 centavos de dólar) por litro de leite entregue às empresas, sendo que os laticínios COOPONTAL e Guadalupe ainda recebem leite no latão e granelizado, o valor varia de R$ ________________________ 19 Dólar comercial em 17/08/05 = R$ 2,45. Disponível em: <http://www.bb.com.br> (Banco do Brasil). Acesso em: 17 ago. 2005. 124 0,33 (0,13 centavos de dólar) a R$ 0,50 (0,20 centavos de dólar). O sistema de pagamento aos produtores é mensal em todas as empresas, normalmente, no dia 20 de cada mês. Quadro 17 - Ituiutaba (MG): periodicidade de recolhimento do leite, preço pago aos fornecedores e sistema de pagamento pelas empresas - 2005 Empresa Periodicidade do recolhimento do leite armazenado no tanque de expansão Preço pago por litro de leite Latão Granelizado Varia de R$ 0,33 a R$ 0,45 centavos o litro de R$ 0,33 a R$ 0,45 centavos o litro Laticínio COOPONTAL – Cooperativa Agropecuária do Pontal do Triângulo Mineiro Ltda. Diária Laticínio Canto de Minas Ltda De 2 em 2 dias ---------------- R$ 0,52 centavos Laticínio Guadalupe Ltda De 2 em 2 dias R$ 0,35 centavos o litro de R$ 0,40 a R$ 0,50 centavos o litro Nestlé Brasil Ltda. De 2 em 2 dias --------------- Fonte: Pesquisa de Campo/fev. 2005. de R$ 0,53 a R$ 0,62 centavos o litro Sistema de pagamento Mensal Mensal Mensal Mensal Org. GOBBI, W.A. de O./200 No próximo capítulo, procuramos mostrar as características dos produtores de leite da Comunidade da Canoa, destacando suas formas de acesso à propriedade, o uso da terra, a infraestrututa das propriedades e a assistência técnica, bem como as relações de trabalho do grupo familiar e parte da cultura e vivência entre os moradores.