L`Amant - Société Internationale Marguerite Duras

Transcrição

L`Amant - Société Internationale Marguerite Duras
Olhares sobre Marguerite Duras
Regards sur Marguerite Duras
Maurício AYER e Maria Cristina Vianna KUNTZ organizadores
Maurício AYER
Jean BESSIÈRE
Denise BOTTMANN
Julia Simone FERREIRA
Dominique FINGERMANN
Catherine GOTTESMAN
Maria Cristina Vianna KUNTZ
Celina Maria Moreira de MELLO
Christophe MEURÉE
Andréa Correa Paraíso MULLER
Catherine RODGERS
Maria Luiza Berwanger da SILVA
| organisateurs
Olhares sobre Marguerite Duras
Regards sur Marguerite Duras
Publisher Brasil, São Paulo, 2014
Maurício AYER e Maria Cristina Vianna KUNTZ organizadores | organisateurs
organização | organisation
Maurício Ayer e Maria Cristina Vianna Kuntz
tradução | traduction
Maria Cristina Vianna Kuntz, Maurício Ayer, Mary-Jô Zilveti
desenho gráfico e capa | design graphique et couverture
Fernando Moser, Shadow Design
foto da capa | photo de couverture
Jean Mascolo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
O45
Olhares sobre Marguerite Duras [recurso eletrônico] = Regards sur
Margerite Duras / Maurício Ayer, Maria Cristina Vianna Kuntz,
organizadores. – São Paulo : Publisher Brasil, 2014.
Dados eletrônicos (1 arquivo : 1.81 Mb).
Inclui bibliografia.
Texto em português, com transcrição paralela em francês.
ISBN 978-85-85938-82-6
1. Literatura francesa - Crítica e interpretação. 2. Duras, Marguerite – Crítica
e interpretação. I. Ayer, Maurício. II. Kuntz, Maria Cristina Vianna. III.
Regards sur Marguerite Duras.
CDU 840.09
CDD 840
Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura francesa : Crítica e interpretação
840.09
(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)
A circulação destes textos no seu formato digital é livre, desde que garantida a citação dos autores e da publicação original.
L’édition numérique de ces textes est de libre circulation, assurée la mention aux auteurs et à la publication.
sumário | table de matières
apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Catherine Gottesman (Société Internationale Marguerite Duras)
présentation . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
A voz da memória e do esquecimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
La voix de la mémoire et de l’oubli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Maria Cristina Vianna Kuntz (Cogeae/PUC-SP)
Maurício Ayer (FFLCH/USP)
Marguerite Duras: o cinema como ato político . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Marguerite Duras: le cinéma en tant qu’acte politique . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Jean Bessière (Université Sorbonne Nouvelle Paris 3)
Marguerite Duras nas décadas de 1970 a 1980 – Repetições na obra,
A trajetória da mulher, desejo infinito: o ciclo da Índia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
La trajectoire de la femme, désir infini : le cycle de l’Inde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Celina Maria Moreira de Mello (UFRJ | CNPq)
Escrever a dor da música . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
Écrire la douleur de la musique . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
figuras da encarnação: da dor à superação do negativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Christophe Meurée (F.R.S. | FNRS | Université Catholique de Louvain | Société
Marguerite Duras dans les années 1970 et 1980 – Répétitions de l’oeuvre,
Internationale Marguerite Duras)
figures de l’incarnation : de la douleur au dépassement du négatif . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
O imaginário da loucura criminosa: o caso Villemin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
Denise Bottmann
Andréa Correa Paraíso Muller (UEPG)
Traduções de Marguerite Duras no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
Memória da escritura, memória da leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
Julia Simone Ferreira (UFA)
Mémoire de l’écriture, mémoire de la lecture . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Marguerite Duras e a escrita da intimidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Catherine Rodgers (University of Swansea | Société Internationale Marguerite Duras)
Marguerite Duras et l’écriture de l’intimité . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Da errância ao nomadismo em Duras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Dominique Fingermann (Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano)
Maria Luiza Berwanger da Silva (UFRGS | Unilasalle)
Marguerite Duras: desejo e gozo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Marguerite Duras e a experiência contemporânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
Marguerite Duras : désir et jouissance . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Marguerite Duras et l’expérience contemporaine . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
apresentação
Em 2014 comemoramos o centenário do nascimento de Marguerite Duras. Filha de
professores franceses da escola colonial, nascida na Indochina francesa (atual Vietnã),
Marguerite veio a tornar-se umas das autoras de língua francesa mais lidas em todo o
mundo. Sua obra literária, dramatúrgica e fílmica, vasta e múltipla, traduzida em mais de
quarenta países de Oriente a Ocidente, não cessa de incitar novos olhares, leituras, escutas. O reconhecimento de sua importância ficou evidente neste ano de celebrações,
em que diversos colóquios, encontros, montagens teatrais, mostras de cinema, exposições, debates, etc. foram organizados ao redor do mundo, de Xangai a Cerisy-la-Salle,
de Hanói a Veneza, de São Paulo a Belém do Pará. Saudamos também a publicação de
suas obras completas em quatro volumes na coleção “Pléiade” da editora Gallimard.
No Brasil, observamos um crescente interesse pela obra de Duras, não apenas
pela sua presença no meio acadêmico como também por sua participação na agenda
cultural recente do país, com lançamento de livros, montagens teatrais e mostras de
cinema. Sua produção criativa, multimídia avant la lettre, seduz a atenção nos campos
mais diversos: letras, teatro, cinema, poéticas visuais, psicologia e psicanálise, filosofia,
geografia... A autora parece mostrar-se cada vez mais contemporânea com o passar
dos anos, quer pela temática que abordou – que abrange todo um campo de motivos
como o tédio, o vazio, a dor, a solidão, o amor, a liberdade, a guerra, a miséria, a homossexualidade, o adultério, o incesto, entre tantos outros –, quer pelo amplo leque de
experimentação de linguagem que ela abriu ao longo de seu percurso.
Passados já 18 anos desde o falecimento de Duras, a distância permite-nos um
mergulho aprofundado em seu universo. Ouvir sua voz, a melodia de suas frases, que
não raro escapam à ordem lógica, esfacelam a cadeia sintática, interrompem qualquer
tentativa de racionalidade. Apreender suas imagens singulares, a impossibilidade de
síntese de seus filmes, o universo sonoro tão importante quanto o visual. “É preciso
perder-se” para penetrar em seu mundo, em sua música, em suas imagens, deixar-se
capturar pelo seu feitiço. Mesmo que Julia Kristeva nos previna quantos aos riscos desse “deslumbramento”: “A morte e a dor são a teia de aranha do texto e infeliz do leitor
cúmplice que sucumbir ao seu charme: ele pode ficar preso de verdade”.1
1
KRISTEVA, Julia. Soleil noir, depression et mélancolie. Paris: Gallimard, p.237. Tradução nossa.
Esta coleção de artigos foi concebida como um encontro de amant(e)s de Duras
– provenientes de diversos estados brasileiros e de França, Bélgica e Inglaterra –, um
espaço para o compartilhamento de leituras e reflexões atuais de pessoas que têm dedicado seu tempo ao convívio com a obra durassiana. Ao mesmo tempo, pelo conjunto
de temas e abordagens aqui reunido, pode servir como uma porta de entrada para leitores neófitos no universo da autora e que desejam ter contato com as reflexões mais
atuais a seu respeito. A edição bilíngue (português e francês) poderá ampliar a abrangência de seu público leitor.
Em parte, este livro retoma as comunicações e os debates ocorridos no Colóquio
Internacional Centenário de Marguerite Duras, que aconteceu em maio de 2014 na
Área de Francês do Departamento de Letras Modernas da FFLCH/USP e na Universidade Mackenzie, juntamente com uma mostra de cinema homônima no CINUSP e na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. O evento, coordenado por Prof.ª Dr.ª Maria Cristina
Vianna Kuntz, Prof. Dr. Maurício Ayer, Prof.ª Dr.ª Verónica Galindez-Jorge e Prof.ª Dr.ª
Gloria Amaral, contou com o apoio de CAPES, PERCEU/USP, Société Internationale Marguerite Duras, Consulado Geral da França, Consulado Geral da Bélgica, Aliança Francesa, Institut Français e Cinemateca Francesa.
A circulação destes textos no seu formato digital é livre, desde que garantida a
citação dos autores e da publicação original. Esperamos que a sua leitura possa inspirar
novas conversas e, quem sabe, provocar o interesse de novos leitores e espectadores
de Marguerite Duras.
Boa leitura!
Maria Cristina Vianna Kuntz
Maurício Ayer
5
présentation
En 2014, nous célébrons le centenaire de la naissance de Marguerite Duras. Fille d’un
couple d’instituteurs français, née en Indochine Française (l’actuel Vietnam), Marguerite
est devenue un des auteurs de langue Française les plus lus. Sa vaste et multiple œuvre
littéraire, dramaturgique et filmique a été traduite en plus de quarante pays de l’Orient à
l’Occident, et continue à inciter de nouveaux regards, nouvelles lectures, nouvelles écoutes. La reconnaissance de son importance a été évidente pendant cette année de célébrations, où plusieurs colloques, rencontres, productions théâtrales, cycles de cinéma,
expositions, débats, etc. ont eu lieu partout dans le monde, de Shanghai à Cerisy-la-Salle,
de Hanoï à Venise, de São Paulo à Belém do Pará. De même, il faut saluer la publication de
ses œuvres complètes en quatre volumes dans la collection « Pléiade » chez Gallimard.
Au Brésil, on observe un intérêt croissant pour l’œuvre de Duras, qui n’est pas
restreint au milieu académique, puis qu’elle participe du calendrier culturel du pays,
avec l’édition de livres, la production de pièces de théâtre et l’organisation de cycles
de cinéma. Sa production créative, multimédia avant la lettre, attire l’attention dans les
domaines les plus divers : lettres, théâtre, cinéma, poétiques visuelles, psychologie et
psychanalyse, philosophie, géographie... L’auteur s’avère être de plus en plus contemporain, soit à cause des sujets existentiels qu’elle a traités dans ses œuvres – tels l’ennui,
le vide, la douleur, la solitude, l’amour, la liberté, la guerre, la misère, l’homosexualité,
l’adultère et l’inceste, parmi d’autres –, soit par l’ampleur de l’expérimentation du langage qu’elle a développée au cours de sa trajectoire.
Dix-huit ans après sa mort, la distance nous ouvre la possibilité de replonger en
profondeur dans son univers. Entendre sa voix, la mélodie de ses phrases, qui souvent
échappent l’ordre logique, détruisent la chaîne syntaxique, interrompent toute tentative de rationalité. Il faut saisir ses images singulières, l’impossibilité de synthèse de ses
films, son univers sonore aussi important que le visuel. « Il faut se perdre » à fin de pénétrer dans son monde, dans sa musique et ses images, et se laisser ensorceler. Quoique
Julia Kristeva nous prévienne quant aux risques de ce « ravissement » : « La mort et la
douleur sont la toile d’araignée du texte et malheur au lecteur complice qui succombe
à son charme : il peut y rester pour de vrai ».1
KRISTEVA, Julia. Soleil noir, depression et mélancolie. Paris: Gallimard, 1989, p.237.
1
Ce recueil d’articles a été conçu comme une rencontre d’amant(e)s de Duras –
provenants de plusieurs régions du Brésil et aussi de France, de Belgique et d’Angleterre –, comme un espace ouvert pour le partage de lectures et réflexions actuelles de
ceux qui dédient son temps à l’étude de l’œuvre durassienne. Au même temps, dû à la
diversité d’approches ici comprise, cette publication pourra aussi fonctionner comme
porte d’entrée à l’univers de Duras aux lecteurs qui sont néophytes en son œuvre mais
qui s’intéressent à avoir contact avec les réflexions les plus actuelles sur elle. Le texte
bilingue (portugais et français) pourra élargir l’ampleur du public lecteur.
En partie, ce livre reprend les interventions et les discussions du « Colloque International Centenaire de Marguerite Duras », qui a eu lieu mai 2014, au Département
de Français de la Faculté de Philosophie, Lettres et Sciences Humaines de l’Université
de São Paulo (FFLCH/USP) et à l’Université Presbytérienne Mackenzie, en même temps
que le cycle de cinéma au CINUSP et à la Cinémathèque Brésilienne, à São Paulo. Le Colloque a été coordonné par Prof. Dr. Maria Cristina Vianna Kuntz, Prof. Dr. Maurício Ayer,
Prof. Dr. Verónica Galindez-Jorge et Prof. Dr. Gloria Amaral, et a été soutenu par CAPES,
PERCEU/USP, la Société Internationale Marguerite Duras, le Consulat Général de France
à São Paulo, le Consulat Général de Belgique à São Paulo, l’Alliance Française, l’Institut
Français et de la Cinémathèque Française au Brésil.
L’édition numérique de ces textes est de libre circulation, assurée la mention aux
auteurs et à la publication. Nous souhaitons que leur lecture puisse inspirer de nouveaux débats, ainsi qu’éveiller l’intérêt de nouveaux lecteurs et spectateurs de Marguerite Duras.
Bonne lecture!
Maria Cristina Vianna Kuntz
Maurício Ayer
Marguerite Duras: o cinema como ato político
Maurício Ayer1
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Universidade de São Paulo
Resumo
O período de mais de uma década em que se dedicou ao cinema, foi o momento em
que Marguerite Duras mais explicitamente fez de sua produção criativa um ato político. A partir de uma sentença paradoxal, pronunciada em seu filme Le Camion – “Que o
mundo rume a perder-se, é a única política possível” –, o sentido político deste cinema
é analisado, levando em conta em especial este filme e India Song, além de escritos e
falas da autora.
Palavras-chave: cinema; política; Marguerite Duras.
Destruir. Perder(-se). (Ex)terminar. Matar. Fim do mundo. Expressões marcadas no
vocabulário de Marguerite Duras e que parecem avessas ao que se poderia denominar
como política, a construção do espaço comum para e no convívio entre diferentes. No
entanto, é na expressão deste paradoxo que Duras afirmará um caminho político, no
momento de sua trajetória criativa em que se dedica prioritariamente ao cinema, do
final da década de 1960 até meados da década de 1980: “Que le monde aille à sa perte,
c’est la seule politique” (“Que o mundo rume a perder-se, é a única política possível”). A
sentença, célebre e paradoxal, pronunciada no filme Le Camion, faz eco a outra: “Que le
cinéma aille à sa perte, c’est le seul cinéma” (“Que o cinema rume a perder-se, é o único
cinema possível”).
Proponho aqui analisar este paradoxo com o intuito de compreender como a destruição mostra-se a Duras como a única via possível para a política e para o cinema.
Dirijo-me a um leitor que não necessariamente conhece a produção durassiana em
profundidade. Ao especialista, se lhe interessar, convido a pular trechos sumariamente
descritivos dos filmes e da biografia de Duras, por demais conhecidos. Tampouco entrarei em questões propriamente da linguagem cinematográfica, apenas pontuarei elementos que permitam adentrar o seu sentido político, conforme o que se depreende
em escritos e falas da autora.2
1. O cinema quantitativo e o outro cinema
1
Maurício Ayer é doutor em Literatura Francesa pela FFLCH/USP, com DEA pela Université de Paris 8, com bacharelado em Música/Composição pela Faculdade Santa Marcelina. Foi coorganizador do Colóquio Internacional Centenário de Marguerite Duras, em São Paulo (2014), realizado em parceria pela FFLCH/USP e Universidade Mackenzie, e também curador e organizador da mostra de cinema de mesmo nome no CINUSP e
Cinemateca Brasileira. Apresentou trabalhos nos Colóquios M. Duras de Göteborg, Suécia (2007), Montreal,
Canadá (2012) e São Paulo (2014). Em 2009, foi o curador e organizador da mostra de cinema Marguerite Duras: escrever imagens, a mais completa já realizada no Brasil, na Caixa Cultural (RJ) com itinerância por Porto
Alegre, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo. Em 2014, publicou o livro Música meu amor: literatura, teatro
e cinema em Marguerite Duras (Publisher Brasil). Seus textos e traduções foram publicados pela Edusp/Fundação Vitae, Editora Unesp e Selo Sesc. Traduziu o romance Dominique, de Eugène Fromentin (Gayo, 2014).
Marguerite Duras criou seus filmes na recusa do cinema, perfazendo uma trajetória de transformação da linguagem que levou cada vez mais longe a radicalidade dessa
recusa. A evolução se dá no sentido de uma abertura cada vez maior às possibilidades
de leitura, em que o filme oferece não a imagem, mas o mínimo necessário à ativação
do imaginário. Trata-se de potencializar o papel do espectador – e do filme, que se torna
um dispositivo de criatividade, mais que criação. Donde se depreende outro paradoxo
que, como veremos, está na raiz do sentido político deste cinema: o fato deste cinema
2
Retomo aqui ideias e motivos primeiramente desenvolvidos em meu livro Música meu amor: literatura, teatro e música em Marguerite Duras (AYER, 2014).
fundar-se, a um só tempo, na destruição da linguagem e no aprofundamento das condições de diálogo com o público. Mesmo sendo este um público pouco numeroso, pois
que deve dispor-se a este diálogo, e o diálogo, por definição, jamais será universal.
Desde logo, fica evidente que decidir nomear os filmes fundados na “perda do cinema” como anticinema é bem pouco produtivo como caminho de leitura. Haverá que
encontrar o devir deste cinema: o que ele se torna quando busca desfazer-se?
Não por outra razão, Marguerite Duras assinala a diferença entre o cinema “profissional” ou “quantitativo” e o “outro cinema”, no qual ela situa os dezoito filmes que fez,
entre 1965, com La Musica, e 1984, com Les Enfants. O primeiro foi dirigido em parceria
com Paul Seban, o último, com Jean Mascolo e Jean-Marc Turine, todos os demais foram escritos e dirigidos por Marguerite Duras solo.
O outro cinema poderia ser descrito como de “baixo orçamento”, o que para Marguerite Duras é um valor entranhado em seu modo de fazer filmes. Dizia que se lhe
dessem mais dinheiro para fazer seus filmes, ela os faria exatamente do mesmo modo.
A complexidade técnica é, para Duras, um jogo ilusionista, prestidigitação com a finalidade de distrair o público por um certo tempo, público este que justamente busca
diversão, ou diversionismo: desvio de si, tangenciamento do que se é. Este cinema, ela o
denomina “quantitativo”, cujos filmes são avaliados pelo quanto foi gasto, pelo número
de cópias produzidas e de salas ocupadas, pela quantidade de horas de gravação, o tamanho e o custo do elenco, e finalmente pelo número de espectadores que assistiram
ao filme. É com todo sarcasmo que Duras chamava este de “o cinema dos profissionais”.
De fato, ele é produzido por profissionais, e para Duras o cinema nunca foi uma profissão ou um ofício. Se tem profissionais em sua equipe, eles trabalham de outro modo.
Para demarcar sua diferença, Duras descreve o processo de criação e “avaliação do resultado” do cinema quantitativo:
[Esses profissionais do cinema] procuram os temas, procuram as histórias. Eles calibram suas
proposições em detalhe: três crimes, um câncer, um amor, mais este ou aquele ator. Resultado:
700 mil espectadores. Passam tudo para o computador. O filme é feito. Resultado: 600 mil espectadores. Um fracasso. (DURAS, 1980, p.36-7)
7
O sucesso do filme é quantificável, pois se trata de um negócio, ou como normalmente se diz: de uma indústria. São filmes produzidos por uma lógica de quantidades,
de resultados, mesmo quando os filmes são bons. Não se pode arriscar, pois o investimento feito demanda altos retornos. A este cinema corresponde uma crítica na grande
imprensa. Diz Duras:
Tenho a impressão de que os críticos de cinema de plantão só se preocupam com os filmes
que custaram caro. Mesmo quando dizem que um filme não é muito bom, se for caro, eles o
dizem em três colunas cheias [de jornal]. Pelo tamanho dos artigos, sabe-se que o filme custou
caro. (DURAS, 1980, p.57)
De novo, a qualidade do filme é algo secundário; um mau filme que custou caro
vai movimentar imprensa e público. Este, Duras define como o público “mais educado
que há” e, ao mesmo tempo, “infantil”. É educado no tipo de filme que assiste, na sua receita, e rechaça a possibilidade de assistir a outros cinemas. É infantil por ser um público
que entrega a responsabilidade sobre si ao filme, espera que o filme “tome conta” dele
durante o período em que permanece na sala de cinema.
É talvez ali, na sala de cinema, que esse espectador encontra sua única solidão, e essa solidão
consiste em se desviar de si mesmo. Quando ele vai se dar ao cinema, o filme se ocupa dele,
dispõe dele, faz dele aquilo que ele, filme, quer. É ali que o espectador reencontra o cuidado
como criança e dele me apodero, eu autoritariamente nego a ele o seu lugar político.
Pouco importa se este outro entrega-se voluntariamente ao meu domínio.
O cinema político é aquele que se quer gesto público. Gesto enquanto significante de um indivíduo histórico; público porque oferecido diante de uma comunidade e não no recesso do espaço íntimo. Este cinema não tem o propósito de distrair
do real mas de provocar um acontecimento no real, uma transformação em algum
plano. O “outro cinema” considera o outro em sua alteridade, promove um encontro-confronto dos diferentes.
Este cinema incomoda, não se entrega automaticamente. É por definição um cinema que, a cada vez, é preciso aprender a assistir. Daí que, em relação a ele, convém
assumir a postura inculta, esvaziar-se de pressupostos. É a postura essencialmente política: aquela que se abre ao outro para que ele se apresente na sua diferença; aquele que
não se confunde nem se mistura com o outro, mas o distingue e reconhece.
Todo filme resulta de determinado arranjo de elementos visuais e sonoros, de uma
orquestração dos elementos de tal modo que eles produzam gestos. Na perspectiva do
“outro cinema” – não-quantitativo e radicalmente qualitativo –, o que indica o sucesso
do filme não é a complexidade técnica empregada, nem a quantidade de tratamento
que o filme recebeu. O que indica o sucesso do filme é a potência significante que a junção desses elementos vai produzir – ao modo de uma reação química, pela interação
complexa de seus diversos elementos constituintes na geração de gestos-síntese. Para
isso, Duras precisa de muito pouco recurso.
ilimitado do sono e da brincadeira de criança. (DURAS, 1980, p.18-9)
Como eu tenho uma espécie de desgosto em relação ao cinema que tem sido feito, enfim, da
Outro modo de se identificar um cinema infantil: uma criança pode entender e
acompanhar, sem perdas, a “gramática” desses filmes tanto quanto um adulto. Com
efeito, é inimaginável uma criança ler e compreender em sua complexidade textos de
Guimarães Rosa, ou tantos outros autores de literatura adulta. No entanto, não causa
espanto que uma criança de 9 anos de idade compreenda filmes ditos adultos – ressalvadas as restrições temáticas que pautam a indicação de um filme como “inadequado”
para certas idades.
Temos então um ponto de partida para entender o que é o sentido político para
Marguerite Duras: a relação que ela estabelece com o espectador de seus filmes. Ela
espera que seu espectador seja adulto, isto é, que não se esqueça de si, que não deixe
o filme apoderar-se dele. Ao mesmo tempo, que seja um espectador de certo modo
inculto, disposto a descobrir-se ignorante em relação àquele filme.
Se entendermos, com Hannah Arendt, que “a política baseia-se na pluralidade dos
homens” e “trata da convivência dos diferentes”, no momento em que assumo o outro
maior parte do cinema que tem sido feito, eu queria retomar o cinema do zero, numa gramática
bem primitiva… bem simples, bem primária quase: recomeçar tudo. (DURAS; PORTE, 1977, p.94)
Importante evitar um mal-entendido: não se trata de confeccionar um “manifesto à precariedade técnica”, nem seria correto atribuir essa postura a Duras. O trabalho
técnico de seus filmes é minucioso e rigoroso, como atestam aqueles que participaram
das equipes de suas produções.3 Trata-se, outrossim, de compreender duas coisas. Primeiro, que a simplicidade técnica, ou mesmo a “gramática primitiva” ou “primária” a que
ela se refere, tem um duplo sentido político: o de resgatar os elementos primordiais do
cinema, retirando-lhes necessidades impostas por forças alheias às necessidades do
próprio filme, mais em função das engrenagens de um mercado que não pode “errar”
– e portanto não pode “acertar”; e o de produzir um filme que instaure uma diferença
3
A esse respeito, ver os depoimentos coletados em Bernheim, 1975.
radical no meio cultural de então, que se coloque fora do jogo dado e proponha o seu
próprio jogo, seu próprio diálogo. Decorre disso o segundo ponto: Duras submete radicalmente a técnica à ideia, explorando a própria técnica “barata” de modos bastante
inusitados, que em muitos casos vão alterar os próprios dados constitutivos da linguagem cinematográfica.4
2. Sumário de uma trajetória à margem
A guinada de Marguerite Duras para o cinema tem relação direta com Maio de
1968. Quando o movimento eclodiu, ela já havia publicado mais de uma dezena de
romances, estreara peças de teatro, escrevera o roteiro de Hiroshima meu amor, filme
que marcou época, e codirigira seu primeiro filme. Durante aquele mês, participou dos
“Estados Gerais do Cinema”, ao lado de seu amigo Jean-Luc Godard, e dos comitês populares que ocuparam a Universidade de Paris.
Evento anárquico, sem projeto, pleno de potência, Maio de 68 foi sentido por Duras como uma espécie de loucura coletiva, que se traduz num desejo de liberdade por
meio da destruição, a iminência de que o mundo, a cultura, o cinema, a literatura, tudo
venha abaixo, sem saber o que poderia surgir depois: “o amor corria pelas ruas”, descreve, e resume o sentido que espontaneamente assumia o movimento: “não sabemos
para onde vamos, mas vamos!”.
Destaco aqui alguns episódios da biografia de Marguerite Duras que ajudaram a
formar sua personalidade política. Marguerite passou a infância na Indochina francesa,
onde nasceu, inserida na “mais baixa das classes brancas”, o que significou um convívio
próximo com a população nativa mais miserável. Cursou a universidade em Paris, onde
depois presenciou a invasão alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Participou da
Resistência, juntamente com seu marido, Robert Antelme, no grupo de François Mitterrand. Robert foi aprisionado pelos nazistas e enviado a um campo de concentração,
do qual por muito pouco escapou com vida, e Duras viveu o horror da espera de um
deportado de guerra.
Terminada a Guerra, Marguerite, Robert e Dyonis Mascolo (que viria a ser o pai do
seu único filho), juntamente com Edgar Morin, Elio Vitorini, Georges Bataille, Maurice
Blanchot e Claude Roy, entre tantos outros camaradas, formaram um grupo de linha
marxista, que se reunia na casa de Marguerite, em Saint-Germain-des-Prés, Paris. Passaram a ser conhecidos como o Grupo da Rua Saint-Benoît, que se reuniu até 1964. Duras,
Mascolo e Antelme filiaram-se juntos ao Partido Comunista Francês, mas sua presença
4
Sobre isso, vale ler toda a seção dedicada a Marguerite Duras no livro Imagem-Tempo de Gilles Deleuze (2005).
8
era incômoda num partido que se rendia ao dirigismo stalinista soviético, em plena
guerra fria. Acabaram sendo expulsos, assim como outros intelectuais franceses.
Em 1959, foi lançado Hiroshima mon amour, de Alain Resnais, com roteiro de Marguerite Duras. Nos anos 60, ela tomou parte em diversos atos públicos, em particular
no Manifesto dos 121 sobre a questão da Guerra da Argélia (em que intelectuais se posicionaram contra o imperialismo franceses). Duras também escrevia na imprensa, não
raro denunciando o racismo na sociedade francesa.
Esta trajetória atinge uma culminância em Maio de 1968. Não é casual que Duras
se regozije do péssimo humor dos membros do PCF em relação a esse movimento sem
dono que tomou as ruas de Paris, algo que fugiu completamente ao controle de qualquer
partido ou movimento organizado. Duras encontrou uma revolução para chamar de sua.
3. Poética da porosidade, política do esvaziamento
Foi inspirada na energia de 68, no desejo de muitos daqueles jovens de implodir
o Louvre e a Sorbonne e tudo mais que representasse a velha sociedade ocidental, que
Duras estrearia como diretora de cinema solo no ano seguinte, com o sintomático título
Détruire, dit-elle. Pouco tempo depois, o crítico Alain Vircondelet realizou com ela uma
entrevista intitulada Marguerite Duras ou le temps de détruire (MD ou o tempo de destruir).
As formulações de Duras permitem acessar o sentido dessa destruição:
Falo de esvaziar o homem: que ele esqueça tudo. Para poder recomeçar. Que ele renasça em
si mesmo. Poderíamos então com uma extrema cautela retornar ao conhecimento. Claro. Mas
que não se torne jamais uma escolástica. Uma exegese. Nunca. (VIRCONDELET, 1972, p.68)
Lembramos do Beckett de Fim de partida, em que também está presente a questão de trazer o homem de volta a zero, reduzir toda linguagem ao mínimo, declarar inútil e dar um fim a toda erudição que se confunda com letra morta. Além disso, um conhecimento que não é uma “exegese” não procura explicar e julgar as coisas e pessoas,
ao contrário, está aberto às possibilidades do mundo tal como elas se apresentam.
O cinema de Duras vai escancarar aquilo que, a seu modo, já estava presente em
seus livros, a falência de uma cultura que já não se funda na potência, no vivente, mas
sim em “valores”, mesmo que sejam valores de linguagem, que se negociam em mercados não menos perversos e vorazes que os mercados financeiros. Ao fim e ao cabo,
valores resultam ser regulados num regime de ordem moral, com diferentes matizes do
que seja o bem e o mal, o verdadeiro e o falso. Daí vem outra afirmação de Duras nesta
mesma entrevista:
O que é belo a ponto de chorar é o amor. E mais ainda talvez: a loucura, a única salvaguarda
contra o falso e o verdadeiro, a mentira e a verdade, a estupidez e a inteligência: fim do julgamento. (VIRCONDELET, 1972, p.180)
Nos anos que se seguiram, em seus filmes ou em publicações impressas relacionadas a eles, Duras fará outras formulações que, constelarmente, vão tecer essa compreensão do mundo e do humano decadentes, que a autora testemunha e denuncia.
India Song, filme lançado em 1975, é um retrato desse momento do humano.
O núcleo do filme é um baile da sociedade colonial na Índia (também chamada de
“Índia Branca”), realizado na Embaixada da França numa Calcutá imaginária, no período entre as duas guerras mundiais, enquanto do lado de fora um verdadeiro mar de
lepra, fome e miséria se alastra às multidões de mendigos, subumanos. Os cônsules
e adidos sofrem por estarem nesse mundo, imersos no próprio imaginário de tudo
o que é exterior à sociedade europeia e que, em princípio, não existe ou não deveria existir. Mas passado algum tempo, variável de uma pessoa para a outra, todos se
adaptam. Duras fala da “lepra do coração”, uma insensibilidade que se instala qual
doença contagiosa.
Em meio a esse mundo que se conduz na razoabilidade, no que pode ser considerado razoável (poderia ser do “cidadão de bem”), há um (anti)herói trágico que não se
adapta, o Vice-cônsul. Ele atira contra os mendigos na cidade de Lahore e, loucamente
apaixonado pela esposa do embaixador, grita o nome dela diante da sociedade reunida
no baile e, depois, pelas ruas de Calcutá deserta. Ela, Anne-Marie Stretter, tampouco se
adapta, e sofre intensamente esse estado de coisas. Ela é a única da Índia Branca que
permite a entrada dos mendigos nos seus jardins, da residência consular francesa, onde
lhes serve as sobras dos banquetes aristocráticos.
Eles se unem neste ponto: oferecendo tiros ou comida, ambos são os únicos que
não ignoram a massa miserável, são os únicos que se dirigem a ela.
Sobre este filme, Marguerite diz: “Eu acho que é o fim do mundo, sim, eu acho
que India Song é também um filme sobre o fim do mundo” (DURAS; PORTE, 1977, p.77).
E explica:
Penso em nosso desaparecimento, no desaparecimento da Europa. Não é somente a morte da
história que está escrita em India Song, que está dita em India Song, é a morte de nossa história. (...) O colonialismo, aqui, é um detalhe, o colonialismo, a lepra e a fome também. Acho que
a lepra foi mais longe e a fome também. A fome também está por vir e, veja, em India Song, ela
vem. (DURAS; PORTE, 1977, p.78)
Podemos retomar a fala citada no início: zerar o homem é acelerar e concluir essa
trajetória de decadência e degeneração da cultura europeia, compreendida como o
homem e mulher europeus e o seu manto cultural de valores que recobre o mundo.
A loucura, a mesma que Duras viu assumir-se publicamente e varrer as ruas em
68, está presente em muitas de suas criações, de múltiplas formas. O louco, para ela, é
um ser poroso, esvaziado, que deixa passar por si as ideias e sentimentos que são seus,
assim como os que são dos outros, sem diferenciá-los ou julgá-los, aceitando-os tal
como se manifestam na sua profunda e potente humanidade.
Essa capacidade de se conectar e de não julgar o que se apresenta em sua verdade – seja ela amoral ou imoral, não importa – é o que constitui o homem livre e também
o escritor. O escritor é alguém dotado de escuta e é capaz de não se aprisionar em qualquer modelo socialmente aceito do que seja o “bem escrever”, novamente modelos de
linguagem, de gênero, modelos morais. Escrever é para Duras o oposto do bem escrever. Neste sentido, o estado de quem escreve não é a concentração, mas o contrário
disso, um voltar-se para fora, mesmo que nesse fora encontre a si mesmo:
É sem dúvida o estado que eu busco encontrar quando escrevo; um estado de escuta extremamente intensa, veja, mas do exterior. [...] Quando as pessoas que escrevem dizem ‘quando se
escreve, se está na concentração’, eu diria: não, quando escrevo, tenho a sensação de estar na
extrema desconcentração, não me possuo mais de jeito nenhum, sou eu mesma uma peneira,
tenho a cabeça esburacada. Só posso explicar a mim mesma o que escrevo dessa maneira,
porque há coisas que eu não reconheço, naquilo que escrevo. Então elas vêm de outra parte,
não estou sozinha quando escrevo. Mas isso eu sei. A pretensão é acreditar que se está só
diante da folha de papel quando tudo lhe chega de todos os lados. Evidentemente, os tempos
são diferentes, a coisa chega de mais ou menos longe, chega de você, chega de outro, não
importa, chega do exterior. (DURAS; PORTE, 1977, p.98)
É também por um esvaziamento – uma incompletude que torna o ser poroso –
que surgirá o que Duras chama de “fala feminina”, a escrita própria da mulher, que não é
mais uma imitação da fala masculina, mas uma fala inventada. Este feminino nada tem
de psicologizante ou essencialista, trata-se propriamente de política: desterritorializar a
linguagem e vetorizá-la a um devir-menor, para apropriar-me dos termos de Deleuze &
Guattari (1975). O gênero ou sexo do(a) autor(a) é menos importante que o devir minoritário de sua escrita. Sem contradição, em Écrire (1993), Duras dirá que os autores que
mais leu em sua vida foram homens. É neste sentido preciso que Duras encontrará uma
origem mítica dessa fala feminina na figura da bruxa medieval, tal como descrita pelo
historiador francês Jules Michelet:
9
Michelet diz que as bruxas surgiram assim. Durante a Idade Média, os homens iam à guerra ou
à cruzada, e as mulheres nos campos ficavam completamente sós, isoladas, durante meses e
meses, em suas cabanas, e foi assim, a partir da solidão, de uma solidão inimaginável para nós
hoje em dia, que elas começaram a falar às árvores, às plantas, aos animais selvagens, ou seja,
a entrar..., a..., como dizer?, a inventar a inteligência com a natureza, a reinventá-la. Uma inteligência que devia remontar à pré-história, reatá-la. E as chamaram de bruxas, e as queimaram.
(DURAS; PORTE, 1977, p. 12-3)
Foi na floresta que nós, as mulheres, falamos pela primeira vez, que proferimos uma fala livre,
uma fala inventada; tudo isso que eu lhe dizia de Michelet, que as mulheres começaram a falar
aos animais, às plantas, é uma fala delas, que elas não tinham aprendido. É porque era uma
fala livre que ela foi punida, é que, por causa dessa fala, a mulher desistia de seus deveres para
com o homem, para com a casa, justamente. É a voz da liberdade, é normal que ela provoque
medo. (DURAS; PORTE, 1977, p. 27-8)
O louco, o escritor ou autor e a mulher são portanto entidades correlatas no vocabulário/imaginário durassiano, uma vez que todas elas dão lugar a um tornar-se outro,
um tornar-se livre, ser capaz de receber o outro em si, sem julgá-lo, sem submetê-lo a
padrões de “ordem superior” pré-existentes.
Marguerite Duras fará então um filme, Le Camion, praticamente um manifesto político de alguém que finalmente acerta as contas com o PCF, desde sua expulsão décadas
antes. Duras declarou-se comunista até o fim de sua vida, mas percebe-se que o sentido
desse comunismo era muito diferente daquele que inspirava o partido na época.
Le Camion é uma criação singular. A começar pelo fato de que, em vez de um filme, ele se propõe como um dispositivo, um ato único e irrepetível que será registrado
e, posteriormente, montado, ao modo de um documentário. A proposta é tão simples
quanto inusitada: Gerard Depardieu recebe o roteiro e o lê, pela primeira vez, ao lado
de Duras, diante das câmeras. O filme será feito desta leitura “em tempo real”.
O que se conta nesse roteiro é a história de uma mulher que, todos os dias, pega
carona numa estrada e, para cada motorista que encontra, conta a história de sua vida
– essa história é verdadeira ou inventada, não importa, ela conta, ela é contadora de
histórias e as faz circular pelas rodovias das periferias de Paris.
Os motivos são os mesmos de outros de seus livros e filmes: o fim do mundo, a
revolução, o escrever, um nome judeu e o ódio antissemita. No entanto, há aqui um
deslocamento digno de nota: enquanto o “fim do mundo” existia em India Song como
um processo longamente sustentado no paroxismo, pressionando constantemente a
expectativa de sua conclusão sem nunca chegar a se consumar, no Camion sua presen-
ça tem outro peso. “É o fim do mundo a cada instante”, Duras afirma num momento.
É fato “corriqueiro”, o fim do mundo esgotou a significação trágica que tinha em India
Song e tornou-se algo que, de certo modo, se resolve em sua inconclusão, ao menos
para Duras e a personagem que é seu duplo neste filme.
A impossibilidade de gerar significação trágica – intensa, dramática – é revelada
na interação entre as duas personagens apresentadas no roteiro. A mulher diz que “Karl
Marx acabou” (DURAS, 1977, p.47), o caminhoneiro diz que ela é uma “reacionária”, ela
ri. Ele sugere que ela fugiu do asilo psiquiátrico. O fato é que não há qualquer conflito
real entre eles. Ela não é apreensível e ele não se interessa por ela.
No contexto da discussão sobre tragédia e revolução, o crítico britânico Raymond
Williams diz que “somente há tragédia quando os dois lados pensam ser necessário agir
e recusam-se a ceder” (2002, p.57). Não seria correto dizer que a mulher do Camion (ou
Duras) tenha cedido, simplesmente ela acredita que não vale a pena entrar na luta que
está posta. Ela se coloca de fora e observa, entendendo que é nula sua capacidade de
interferir num jogo cujos adversários fazem igualmente ouvidos moucos a algo que
escape do próprio jogo. Compreende-se então por que a mulher do caminhão seja caracterizada como “déclassée”, quer dizer, a princípio “sem classe”, mas poderíamos coerentemente entender também o termo como “inclassificável”. Duras:
c’est la seule politique”. Frase que revela o caminho vislumbrado por Duras: a política da
destruição, pôr tudo abaixo como condição para o surgimento de algo novo.
A superação da repressão e dos moldes e valores morais, o dar vazão ao pleno
desejo e, por isso, também à loucura, a abertura ao encontro da alteridade, é nisso que
se fundamenta o convívio entre diferentes na Pólis durassiana. Daí, quando se trata de
pensar na perda do sentido político, Duras retorna ao humano, demasiado humano,
para além de bem e mal, e igualará a “perda do senso político” à “perda de si”:
Para muitas pessoas a verdadeira perda do senso político está em juntar-se à formação de um
partido, submeter-se à sua regra, sua lei. Muitas pessoas também, quando falam de apoliticismo, falam antes de tudo de uma perda ou de uma falta ideológica. Eu não sei quanto a vocês,
o que vocês pensam. Para mim, a perda política é antes de tudo a perda de si, a perda da cólera
tanto quanto da doçura, a perda da raiva, da capacidade de sentir raiva tanto quanto da capacidade de amar, a perda da imprudência tanto quanto da moderação, a perda de um excesso tanto quanto a perda de um recato, a perda da loucura, da ingenuidade, a perda da coragem assim
como da frouxidão, a do assustar-se diante de todas as coisas tanto quanto a da confiança, a
perda de seus prantos assim como de sua alegria. É isso o que eu penso. (DURAS, 1980, p.7)
10
(...) essa mulher do caminhão evidentemente não é recenseável na sociedade atual, cujos stalinistas diriam que ela é alienada. Como se a alienação em si fosse uma definição. Os escritores e as pessoas livres são tratadas assim. A liberdade é tratada como loucura na sociedade.
(DURAS, 1977, p.107)
Referências bibliográficas
AYER, Maurício. Música meu amor: literatura, teatro e música em Marguerite Duras. São Paulo: Publisher Brasil, 2014.
Note-se que Duras confunde deliberadamente duas acepções de “alienação”, o
sentido marxista e o sentido de “loucura”. A mulher do caminhão é posta ao lado de “escritores e pessoas livres”. Observamos que a loucura, enquanto porosidade, abertura,
participa da própria estruturação do Camion:
BERNHEIM, N.L. Marguerite Duras tourne un filme – entretiens. Paris: Ed. Albatros, 1975.
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. Trad. Eloisa de Araujo Ribeiro. Revisão filosófica de Renato Janine Ribeiro.
São Paulo: Brasiliense, 2005.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: pour une littérature mineure. Paris: Minuit, 1975.
Pela primeira vez na minha vida, eu absolutamente não me preocupei em manter uma certa
DURAS, Marguerite. Le Camion suivi d’un entretien avec Michelle Porte. Paris, Minuit, 1977.
lógica. (...) eu não quis ter uma ligação lógica entre as sequências [do filme]. (...) Jamais teria
DURAS, Marguerite. Les yeux verts. Paris: Cahiers du Cinéma, n.312/313, junho, 1980 (édition de la Petite bi-
tido essa flexibilidade, essa espécie de abertura completa por toda parte, o filme é verdadeira-
bliothèque des Cahiers du Cinéma, 1996).
mente esburacado por toda parte, é um filme em que se pode entrar em qualquer momento,
DURAS, Marguerite. Ecrire. Paris: Gallimard, 1993.
são apenas aberturas ao exterior. (DURAS, 1977, p.99)
É neste filme que será pronunciada a sentença paradoxal que citada no início deste artigo, aquela que deixa Gerard Depardieu perplexo: “Que le monde aille à sa perte,
DURAS, Marguerite; PORTE, Michelle. Les lieux de Marguerite Duras. Paris: Minuit, 1977.
VIRCONDELET, Alain. Marguerite Duras ou le temps de détruire. Paris: Seghers, 1972.
WILLIAMS, Raymond. Tragédia Moderna. Trad. Betina Bischof. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
Marguerite Duras: le cinéma en tant qu’acte politique
Maurício Ayer1
Résumé
Introduction
Le temps pendant lequel Marguerite Duras se consacre au cinéma est celui où elle fait,
de la façon la plus explicite, de sa production créative un acte politique. À partir d’une
déclaration célèbre et paradoxale prononcée dans son film Le camion – « Que le monde
aille à sa perte, c’est la seule politique » –, et en faisant référence aux écrits et dits de
l’auteur, on analysera le sens politique de son cinéma, en particulier dans Le camion et
India Song.
Détruire. Se perdre. (Ex)terminer. Tuer. La fin du monde. Ces expressions marquées
dans le vocabulaire de Marguerite Duras semblent être à rebours de ce qu’on pourrait
nommer le politique, c’est-à-dire, la construction d’un espace commun pour et dans la
coexistence des différents. Pourtant, c’est dans l’expression de ce paradoxe que Duras
trouvera un chemin pour le politique, pendant la période de sa trajectoire créative où
elle se consacre prioritairement au cinéma, voire depuis la fin des années 1960 jusqu’à
la moitié des années 1980. « Que le monde aille à sa perte, c’est la seule politique »: la
déclaration, célèbre et paradoxale, prononcée dans Le camion, fait écho à une autre :
« Que le cinéma aille à sa perte, c’est le seul cinéma ».
Je me propose ici d’analyser ce paradoxe, pour essayer de comprendre comment
la destruction s’avère pour Duras la seule voie et pour le politique et pour le cinéma. Je
me suppose parler à un lecteur qui ne connaît pas forcément la production durassienne en profondeur. Le spécialiste, s’il est de son intêret, je l’invite à sauter les morceaux
descriptifs des films ou de la biographie de Duras, qui sont trop connus. Je n’entre guère
dans le domaine du langage cinématographique à proprement dire, me limitant à ne
relever que des éléments qui permettront de toucher le sens politique du cinéma durassien, d’après ce que l’on trouve dans les écrits et dits de Duras elle-même.2
Mots-clés: Cinéma, Politique, Marguerite Duras.
Maurício Ayer est docteur en Littérature Française à la FFLCH/USP, a fait un DEA à l’Université de Paris 8,
et a fait ses études en Musique/Composition à la Faculdade Santa Marcelina, São Paulo. Il a co-organisé
le Colloque International Centenaire de Marguerite Duras, à São Paulo (2014), réalisé par la FFLCH/USP et
l’Université Mackenzie, et a aussi été le curateur et organisateur d’un cycle de cinéma homonyme au CINUSP et à la Cinémathèque Brésilienne. Il a présenté des communications aux Colloques M. Duras de Göteborg, Suède (2007), Montréal, Canada (2012) et São Paulo (2014). Il a été le curateur et organisateur du cycle
de cinéma Marguerite Duras: écrire images, le plus complet jamais réalisé au Brésil, chez la Caixa Cultural à
Rio, avec une itinérance à Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte et São Paulo. En 2014, il a publié son livre
Música meu amor: literatura, teatro e cinema em Marguerite Duras (Publisher Brasil). Ses textes et traductions
ont été publiés chez Edusp/Fundação Vitae, Editora Unesp et Selo Sesc. Ayer a traduit le roman Dominique,
d’Eugène Fromentin (Gayo, 2014).
1
1. Le cinéma quantitatif et l’autre cinéma
Marguerite Duras a fait ses films dans le refus du cinéma, tout en parcourant une
trajectoire de transformation du langage qui a mené très loin la radicalité de ce refus.
L’évolution se fait dans le sens d’une ouverture de plus en plus large des possibilités de
lecture, où le film n’offre pas l’image achevée, mais seulement le minimum nécessaire
pour l’activation de l’imaginaire. Il s’agit de donner pleine puissance au rôle du spectateur – et à celui du film, qui devient un dispositif de créativité, plutôt qu’une création.
2
Dans cet article je reprend des idées et des motifs dévéloppés auparavant dans le livre Música meu amor:
literatura, teatro e cinema em Marguerite Duras (AYER, 2014).
On y trouve un autre paradoxe qui, comme on le verra, se situe à la racine du sens politique de ce cinéma : le fait qu’il se fonde à la fois et sur la destruction du langage et sur
l’aprofondissement des conditions du dialogue avec le public. Un public qui sera peu
nombreux, du fait qu’il doit se rendre disponible au dialogue, et le dialogue, par définition, n’est jamais universel.
Disons d’emblée que nommer anticinéma les films fondés sur la « perte du cinéma » s’avère très peu productif en tant que chemin de lecture. Il faudra plutôt essayer
de chercher le devenir de ce cinéma : que devient-il quand il cherche à se défaire ?
Ce n’est pour aucune autre raison que Marguerite Duras signale la différence
entre le cinéma « professionnel » ou « quantitatif » et « l’autre cinéma », dans le domaine duquel elle place les dix-huit films qu’elle a faits entre 1965, avec La Musica,
et 1984, avec Les Enfants. Le premier a été co-dirigé avec Paul Seban, le dernier, avec
Jean Mascolo et Jean-Marc Turine, tous les autres ont été écrits et dirigés par Marguerite Duras en solo.
L’autre cinéma saurait être décrit comme un « cinéma à petit budget », ce que pour
Marguerite Duras est une valeur essentielle dans sa façon de faire des films. Elle affirmait en effet que, même si on lui donnait plus d’argent, elle ferait ses films exactement
de la même manière. Pour Duras, la complexité technique n’est qu’un jeu d’illusioniste,
de prestidigitation pour distraire le public pendant un certain temps, un public justement en quête de distraction, de diversion, ou plutôt de diversionnisme: voire de se
détourner de soi, de mettre sur la tangente ce que l’on est. Ce cinéma, qu’elle l’appelle
« quantitatif », est celui où les films seront évalués selon la somme d’argent dépensée,
le nombre de copies produites et de salles occupées, la quantité d’heures de tournage,
la dimension et les dépenses avec le casting et, finalement, le nombre total de spectateurs qui ont vu le film. Avec beaucoup de sarcasme Duras qualifiait ce cinéma comme
étant celui « des professionnels ». En effet, il est produit par des professionnels, tandis
que pour Duras le cinéma n’a pas été une profession. Si elle a des professionnels dans
l’équipe, ils travaillent d’une autre façon. Pour souligner sa différence par rapport aux
professionels, Duras se moque du processus de création et « d’évaluation du résultat »
du cinéma quantitatif :
11
[Ces professionnels du cinéma] cherchent des sujets. C’est là aussi une des différences décisives. Ils cherchent des histoires. On leur en propose, soit des romans, soit des scénarii
faits par des spécialistes de leur genre. Cela, souvent. Ils jaugent ces propositions, les détaillent : trois crimes, un cancer, un amour, plus tel et tel acteur. Résultat : 700 000 spectateurs.
Le tout est passé à l’ordinateur. On fait le film. Résultat : 600 000 spectateurs. Un échec.
(DURAS, 1980, p.36-7)
Le succès du film est quantifié, parce que c’est du business, ou comme on dit : une industrie. Ce sont des films produits par une logique de quantités, de résultats, même quand
ils sont bons. On n’y prend pas de risques parce que l’investissement qu’on y fait est considérable. C’est le genre de cinéma qui reçoit toujours l’attention de la critique, selon Duras :
J’ai le sentiment que les critiques de cinéma en place ne s’occupent plus que des films qui ont
coûté cher. Même s’ils disent qu’un film n’est pas très bon, s’il est cher, ils le disent sur trois colonnes pleines. À la longueur des articles on sait que le film a coûté cher. (DURAS, 1980, p.57)
La qualité du film sera secondaire ; un film mauvais et coûteux attirera l’attention
de la presse et du public. Duras appelle ce public « le plus cultivé qu’il y a » et, en même
temps, « enfantin ». Il est cultivé dans le genre de film qu’il est habitué de voir, il connaît
sa recette et refuse la possibilité de voir d’autres cinémas. Il est enfantin parce que c’est
un public qui délègue sa propre responsabilité au film, il espère que le film « prenne
soin de lui » le temps qu’il est dans la salle de cinéma.
C’est peut-être là, dans la salle de cinéma, que ce spectateur trouve sa seule solitude et cette
solitude consiste à se détourner de lui-même. Quand il va se donner au cinéma, le film s’occupe de lui, il dispose de lui, en fait ce que lui, le film, veut. C’est là que le spectateur retrouve la
prise en charge illimitée du sommeil et du jeu de l’enfance. (DURAS, 1980, p.18-9)
Autre façon d’identifier un cinéma enfantin : un enfant peut comprendre et suivre
la « grammaire » des films comme le ferait un adulte. En fait, on ne peut même pas imaginer qu’un enfant comprenne dans toute leur complexité les textes d’un João Guimarães Rosa – par exemple, ou de n’importe quel auteur de littérature adulte. Cependant
on n’est pas surpris qu’un enfant de neuf ans puisse comprendre des films dits pour
adultes – exception faite des critères thématiques utilisés pour classifier les films comme appropriés pour certaines tranches d’âge.
Voici donc un point de départ pour comprendre ce qu’est le sens politique pour
Marguerite Duras : le rapport qu’elle établit avec le spectateur de ses films. Duras es-
père que son spectateur soit adulte, c’est-à-dire, qu’il ne s’oublie pas lui-même, qu’il
ne permette pas que le film prenne le pouvoir sur lui. En même temps, qu’il soit, dans
une certaine mesure, un spectateur non-cultivé, prêt à se découvrir ignorant par rap­
port au film.
Si on accepte, avec Hannah Arendt, que la politique se fonde sur la pluralité des
hommes et qu’elle traite de la coexistence des différents, au moment où je suppose
l’autre un enfant et m’empare de lui, en plein autoritarisme, je lui nie son lieu politique.
Peu importe si l’autre se rend volontairement à mon domaine.
Le cinéma politique est celui qui veut être un geste public. Geste en tant que signifiant d’un individu historique ; public parce qu’offert devant une communauté et non
restreint au repos de l’espace intime. Le cinéma politique n’a pas le but de distraire du
réel, mais celui d’instaurer un événement dans le réel, une transformation dans un plan
quelconque. « L’autre cinéma » considère l’autre dans son altérité, promeut la rencontre-confrontation des différents.
Ce cinéma dérange, il ne se rend pas de façon automatique. C’est, par définition,
un cinéma que, chaque fois, il faut apprendre à voir. Il convient, donc, d’avoir une attitude non-cultivée par rapport à lui, se débarrasser de toute supposition préalable. C’est
l’attitude politique par excellence : celle de l’ouverture à l’autre pour qu’il se présente
dans sa différence ; celle de quelqu’un qui ne se confond ni se mélange avec l’autre,
mais qui, au contraire, le distingue et le reconnaît.
Tous les films résultent d’un certain arrangement d’éléments visuels et sonores, de
leur orchestration faite pour qu’ils produisent des gestes. Sous la perspective de « l’autre cinéma » – non-quantitatif et radicalement qualitatif –, ce qui indique le succès d’un
film n’est pas la complexité des techniques employées ni la quantité de traitements que
le film a subis. Ce qui indique le succès du film, c’est la puissance signifiante que la réunion de ses éléments constitutifs pourra produire, à la façon d’une réaction chimique :
c’est l’interaction complexe des différents éléments constitutifs qui pourra générer des
gestes-synthèse. Pour y parvenir, Duras a besoin de très peu de moyens.
Dans le cinéma, comme j’ai une sorte de dégoût du cinéma qui a été fait, enfin de la majeure
partie du cinéma qui a été fait, je voudrais reprendre le cinéma à zéro, dans une grammaire
très primitive... très simple, très primaire presque : ne pas bouger, tout recommencer. (DURAS;
PORTE, 1977, p.94)
Il faut éviter un malentendu : il ne s’agit pas ici de produire un « manifeste pour
la précarité technique » ; il ne serait pas correct non plus d’atribuer une telle vision à
Marguerite Duras. Le travail technique de ses films est minutieux et rigoureux, comme
le confirment ceux qui ont intégré des équipes de ses productions3. Il s’agit, en fait, de
mieux comprendre deux points. Le premier point, c’est que la simplicité technique, ou
même la « grammaire primitive » ou « primaire » à laquelle Duras se réfère, a un double
sens politique : celui de récupérer les éléments primordiaux du cinéma, en y enlevant
les besoins imposés par des forces étrangères aux besoins du film lui-même, en fonction des engrenages d’un marché qui ne peut pas « commettre une erreur » – donc, de
ce fait, qui ne peut « réussir » non plus ; et celui de produire un film qui instaure une
différence radicale à l’intérieur du milieu culturel de son temps présent, un film qui se
place au dehors du jeu en marche et qui propose son propre jeu, son propre dialogue.
De cela découle le deuxième point : chez Duras la technique est radicalement soumise
à l’idée, d’où la technique « à petit budget » qui est exploitée de plusieurs manières fort
insolites, qui souvent vont altérer les données constitutives du langage du cinéma.4
2. Sommaire d’une trajectoire en marge
Le tournant de Marguerite Duras vers le cinéma a une relation directe avec les
événements de Mai 1968. Quand le mouvement éclata, elle avait déjà écrit plusieurs
romans, avait écrit et dirigé des pièces de théâtre, et avait écrit le scénario de Hiroshima
mon amour, film qui a marqué son époque ; elle avait aussi codirigé son premier film.
Pendant le mois de Mai, elle a participé des « états généraux du cinéma », à côté de son
ami Jean-Luc Godard, et des comités populaires qui ont occupé l’Université de Paris.
Événement anarchique, sans projet, et plein de puissance, Mai 68 a été perçu par
Duras comme une espèce de folie collective, qui se traduit par un désir de liberté à travers la destruction ; l’imminence de l’écroulement du monde, de la culture, du cinéma,
de la littérature, sans savoir ce qui en pourrait survenir. Duras témoigne que « l’amour
coulait dans les rues », et donne une synthèse de la (non-)direction qui spontanément
a pris le mouvement : « on ne sait pas où on va, mais on y va ! ».
Je relève ici quelques événements de sa biographie qui ont contribué à la formation de sa personnalité politique. Marguerite est née et a vécu son enfance dans
l’Indochine française, et appartenait à la « plus basse des classes sociales blanches », ce
qui lui faisait mener une vie proche de celle de la population indigène la plus misérable. Puis elle a déménagé à Paris, où elle a étudié à l’université et vécu sous l’Occupation
allemande, pendant la Seconde Guerre mondiale. Elle est entrée dans la Résistance,
avec son mari Robert Antelme, dans le groupe de François Mitterrand. Robert a été
arrêté par les nazis et envoyé dans un camp de concentration, où il a failli perdre la vie
À ce propos, voir les témoignages recueillis dans Bernheim, 1975.
4
À ce propos, lire la section consacrée à Marguerite Duras dans L’image-temps de Gilles Deleuze (1985).
3
12
et dont il n’est sorti qu’à la fin de la Guerre. Duras a donc vécu l’horreur de l’attente
d’un déporté.
Après la guerre, Marguerite, Robert et Dyonis Mascolo (qui serait le père de son fils
unique), avec Edgar Morin, Elio Vitorini, Georges Bataille, Maurice Blanchot et Claude
Roy, parmi plusieurs autres camarades, ont formé un groupe marxiste, qui se réunissait
chez Duras, à Saint-Germain-des-Prés, à Paris. Ils étaient connus comme le Groupe de
la Rue Saint-Benoît, qui s’est réuni jusqu’en 1964. Duras, Antelme et Mascolo se sont
inscrits au Parti Communiste Français, mais leur présence était dérangeante dans un
parti qui, en pleine guerre froide, obéissait au dirigisme staliniste soviétique. Ils seront
finalement expulsés du parti, tout comme d’autres intellectuels français.
Dirigé par Alain Resnais et avec un scénario de Marguerite Duras, Hiroshima mon
amour est sorti en 1959. Dans les années 1960, Duras participe à plusieurs actes publics,
en particulier au Manifeste des 121 sur la question de la Guerre d’Algérie – dans lequel
les intellectuels ont pris parti contre l’impérialisme français. Duras écrivait aussi dans la
presse, et y dénonçait souvent le racisme dans la société française.
Cette trajectoire culmine en Mai 1968. Ce n’est pas par hasard que Duras se réjouisse de
la mauvaise humeur des membres du PCF par rapport à ce mouvement sans chef qui a pris
les rues de Paris, un mouvement qui a échappé au contrôle de tout parti politique ou mouvement organisé. Duras avait enfin trouvé une révolution à laquelle elle pouvait s’identifier.
3. Poétique de la porosité, politique de l’évidement
Inspirée de l’énergie de 68, du désir de plusieurs jeunes gens qui voulaient faire
exploser le Louvre et la Sorbonne avec tout ce qui représentait la vieille société occidentale, Duras débutait comme cinéaste en solo l’année suivante, avec un film dont le
titre était très suggestif : Détruire, dit-elle. Peu de temps après, le critique Alain Vircondelet a fait un entretien avec elle intitulé : Marguerite Duras ou le temps de détruire, dans
lequel les formulations de Duras explicitent le sens de cette destruction :
Je parle d’un passage à vide de l’homme : c’est qu’il oublie tout. Pour pouvoir recommencer. Qu’il
renaisse en lui. On pourrait alors avec une extrême prudence revenir à la connaissance. Bien sûr.
Mais qu’elle ne devienne jamais une scolastique. Une exegèse. Jamais. (VIRCONDELET, 1972, p.68)
On se souvient de Fin de partie, de Samuel Beckett, où se trouve la même problématique: mener l’homme à zéro, réduire tout langage au minimum, déclarer inutile et
en finir avec toute connaissance qui se confonde avec de la lettre morte. En outre, une
connaissance qui n’est pas une « exegèse » en est une qui ne cherche pas à expliquer
et juger les choses et les gens, au contraire, elle est ouverte aux possibilités du monde
telles qu’elles se présentent.
Le cinéma de Duras va montrer ce qui, d’une certaine façon, était déjà présent
dans ses livres : la faillite d’une culture qui ne se fondait plus sur la puissance, le vivant,
mais sur des « valeurs », y compris les valeurs de langage, négociées dans des marchés
aussi abusifs et voraces que les marchés financiers. Du reste, toutes les valeurs résultent
d’un ordre moral, quelles que soient les variantes qui serviront à nommer le bon et le
mauvais, le vrai et le faux. Dans ce même entretien, Duras déclare :
Ce qui est beau à pleurer, c’est l’amour. Et plus encore peut-être : la folie, seule sauvegarde contre le faux
et le vrai, le mensonge et la vérité, la bêtise et l’intelligence : fin du jugement. (VIRCONDELET, 1972, p.180)
Les années suivantes, dans ses films ou d’autres publications, Duras proposera
d’autres énoncés qui vont tisser, telle une constellation, une compréhension de la décadence du monde et de l’humain, ce qu’elle témoigne et dénonce.
India Song, film sorti en 1975, est une illustration de ce moment de l’humain. Le
nœud du film est un bal de la société coloniale en Inde (nommée aussi « l’Inde Blanche »), réalisé à l’Ambassade de France, dans un Calcutta imaginaire, entre les guerres, tandis que dehors une vraie mer de lèpre, de faim et de misère se répand avec les
multitudes de mendiants, de sous-humains. Les Consuls et les Attachés souffrent d’être
dans ce monde, submergés dans leur propre imaginaire par tout ce qui est extérieur à
la société européenne et qui, en principe, n’existe pas ou ne devrait pas exister. Mais le
temps passe, et tous finissent par s’adapter. Duras appelle cette adaptation la « lèpre du
coeur », une insensibilité qui s’installe comme une maladie contagieuse.
Au milieu de ce monde qui se conduit dans ce qui est considéré raisonnable (on
pourrait dire l’univers des « citoyens nés du bon côté »), il y a un (anti-)héros tragique
qui ne s’adapte pas, le Vice-consul. Il tire contre les mendiants de la ville de Lahore et,
follement épris d’amour pour l’épouse de l’Ambassadeur, crie le nom de cette femme
devant la société réunie dans le bal, puis dans les rues de Calcutta désert. Elle, Anne-Marie Stretter, ne s’adapte pas non plus, et souffre intensément de cet état de choses. Elle
est la seule de l’Inde Blanche qui permette l’entrée des mendiants dans ses jardins, dans
la résidence consulaire de France, où on leur sert les restes des festins aristocratiques.
Le Vice-Consul et Anne-Marie se rencontrent dans ce point : ils sont les seuls à ne
pas ignorer la foule misérable, ils sont les seuls à s’adresser à eux, que ce soit en leur
tirant dessus ou en leur donnant de la nourriture.
À propos de ce film, Duras affirme : « Je pense que c’est la fin du monde, oui, je pense qu’India Song est aussi un film sur la fin du monde. » (DURAS; PORTE, 1977, p.77). Et elle explique :
Je pense à notre disparition, à la disparition de l’Europe. Ce n’est pas seulement la mort de l’histoire qui est écrite dans India Song, qui est dite dans India Song, c’est la mort de notre histoire.
(...) Le colonialisme, ici, c’est un détail, le colonialisme, la lèpre et la faim aussi. Je crois qu’ici la
lèpre a gagné plus loin et la faim aussi. La faim, elle est aussi à venir, dans India Song, elle vient.
(DURAS; PORTE, 1977, p.77-8)
On pourrait reprendre ce qu’on a dit plus haut : la reprise à zéro du cinéma ou le
passage à vide de l’homme, c’est une façon d’accélérer et de conclure la trajectoire de
déchéance et de dégénération de la culture européenne, ici comprise comme l’homme
et la femme européens et leur voile culturel de valeurs qui recouvre le monde.
La folie, que Duras a vue balayer les rues de Paris en 68, prend des formes multiples dans les oeuvres durassiennes. Duras décrit le fou comme un être poreux, vide, qui
se laisse traverser par des idées et des sentiments qui sont aussi bien de lui-même que
des autres, sans les distinguer ou les juger, en les acceptant tels qu’ils se manifestent,
dans son humanité profonde et puissante.
La faculté de se connecter sans jugement à ce qui se présente dans toute sa vérité
– qu’elle soit amorale ou immorale, peu importe –, c’est ce qui constitue l’homme libre,
aussi bien que l’écrivain. L’écrivain est quelqu’un capable de se mettre dans un état
d’écoute, quelqu’un capable de ne pas se laisser emprisonner par n’importe quel modèle social du « bien écrire », c’est-à-dire, des modèles de langage, de genre, des modèles
moraux. Écrire, pour Duras, c’est à l’opposé du bien écrire. Cependant, celui qui écrit ne
se trouve pas dans la concentration, mais bien au contraire se tourne vers le dehors,
même si au-dehors l’écrivain retrouve lui-même :
C’est sans doute l’état que j’essaie de rejoindre quand j’écris ; un état d’écoute extrêmement
intense, voyez, mais de l’extérieur. Quand les gens qui écrivent disent : quand on écrit, on est
dans la concentration, moi je dirais : non, quand j’écris, j’ai le sentiment d’être dans l’extrême
déconcentration, je ne me possède plus du tout, je suis moi-même une passoire, j’ai la tête
trouée. Je ne peux pas m’expliquer ce que j’écris que comme ça, parce qu’il y a des choses que
je ne reconnais pas, dans ce que j’écris. Donc elles me viennent bien d’ailleurs, je ne suis pas
seule à écrire quand j’écris. Mas ça, je le sais. La prétention, c’est de croire qu’on est seul devant
sa feuille alors que tout vous arrive de tous les côtés. Evidemment, les temps sont différents, ça
vous arrive de plus ou moins loin, ça vous arrive de vous, ça vous arrive d’un autre, peu importe, ça vous arrive de l’extérieur. (DURAS; PORTE, 1977, p.98-9)
C’est aussi à partir d’un évidement – l’incomplétude qui rend l’être poreux – que
se produira ce que Duras appelle « la parole féminine », l’écriture de la femme, qui n’est
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plus une immitation de la parole masculine, mais une parole inventée. Ce « féminin » n’a
rien de psychologisant ou d’essencialiste, il s’agit précisement de politique : c’est déterritorialiser le langage vers un devenir-mineur, pour reprendre les termes de Deleuze &
Guattari (1975). Le genre ou sexe de l’auteur(e) n’est pas aussi important que le devenir
minoritaire de son écriture. Sans contradiction, dans Écrire (1993), Duras affirme que les
auteurs qu’elle a le plus lus dans sa vie c’étaient des hommes. Duras trouvera donc une
origine mythique de cette parole féminine dans la figure de la sorcière médiévale, telle
comme la décrit l’historien français Jules Michelet :
Michelet dit que les sorcières sont venues comme ça. Pendant le Moyen Age, les hommes
étaient à la guerre du seigneur ou à la croisade, et les femmes dans les campagnes restaient
complètement seules, isolées, pendant des mois et des mois dans la forêt, dans leurs cabanes,
et c’est comme ça, à partir de la solitude, d’une solitude inimaginable pour nous maintenant,
qu’elles ont commencé à parler aux arbres, aux plantes, aux animaux sauvages, c’est-à-dire à
entrer, à, comment dirais-je ? à inventer l’intelligence avec la nature, à la réinventer. Une intelligence qui devait remonter à la préhistoire, si vous voulez, à la renouer. Et on les a appelées les
sorcières, et on les a brûlées. (DURAS; PORTE, 1977, p. 12-3)
C’est à la forêt que nous avons parlé, nous les femmes, les premières, que nous avons adressé
une parole libre, une parole inventée ; tout ce que je vous disais de Michelet, que les femmes ont commencé à parler aux animaux, et aux plantes, c’est une parole à elles, qu’elles
n’avaient pas apprise, celle-là. C’est parce que c’était une parole libre qu’elle a été punie,
c’est que, du fait de cette parole, la femme désistait de ses devoirs vis-à-vis de l’homme, vis-à-vis de la maison, justement. C’est la voix de la liberté, mais il est normal qu’elle fasse peur.
(DURAS; PORTE, 1977, p. 27-8)
Le fou, l’écrivain ou l’auteur et la femme sont, donc, des entités corrélatives dans
le vocabulaire/imaginaire durassien, car tous donnent lieu à un devenir autre, à un devenir libre, et sont capables de recevoir l’autre sans le juger, sans le soumettre à des
modèles « d’ordre supérieur » pré-existents.
Marguerite Duras fera donc un film, Le Camion, qui est presque un manifeste politique d’une femme qui finalement règle ses comptes avec le PCF, depuis son expulsion. Duras s’est déclarée communiste jusqu’à la fin de sa vie, mais on voit bien que son
communisme était très différent de celui qui inspirait le parti à cette époque-là.
Le Camion est une création singulière. D’emblée, par le fait que, au lieu d’un film, il
se présente comme un dispositif, un acte unique et sans répétition qui sera enregistré
puis édité à la façon d’un documentaire. La proposition est aussi simple qu’insolite : Gé-
rard Depardieu reçoit le scénario et le lit, pour la première fois, à côté de Duras, devant
les caméras. Le film sera fait de cette lecture en temps réel.
Le scénario lu raconte l’histoire d’une femme qui, tous les jours, fait de l’auto-stop
sur la route et, à chaque chauffeur qu’elle rencontre, elle raconte l’histoire de sa vie –
vraie ou inventée, peu importe, elle raconte, c’est une conteuse d’histoires et elle fait
circuler ses histoires à travers les routes des banlieues de Paris.
Les motifs sont les mêmes que ceux d’autres livres et films durrasiens : la fin du
monde, la révolution, l’écriture, la folie, un nom juif et la haine antisémite, etc. Cependant, on y reconnait un déplacement remarquable : tandis que la « fin du monde » existait dans India Song comme un processus soutenu longuement jusqu’au paroxisme,
dont l’expectative de conclusion demeure sous pression sans jamais se consommer,
dans Le camion, en revanche, le topique a un autre poids. « C’est la fin du monde à chaque instant », dit-elle à un moment donné. C’est un fait « ordinaire », la fin du monde
a épuisé la signification tragique qu’elle avait dans India Song et est devenue quelque
chose qui, d’une certaine manière, se résout dans son inconclusion même, au moins
pour Duras et pour le personnage qui est son double dans ce film.
L’impossibilité de générer une signification tragique – intense, dramatique – est
révélée dans l’interaction entre les deux personnages présentés dans ce scénario. La
femme dit que « Karl Marx c’est fini » (DURAS, 1977, p.47), le chauffeur du camion dit
qu’elle est une « réactionnaire », elle rit. Lui, il suggère qu’elle s’est enfuie d’un hôpital
psychiatrique. Il n’y a pas de vrai conflit entre eux. Elle n’est pas saisissable et lui, il ne
s’intéresse pas à elle.
Dans le contexte de la discussion sur tragédie et révolution, le critique britanique
Raymond Williams explique qu’« il n’y a de tragédie que quand les deux côtés pensent
qu’il est nécessaire d’agir et les deux se refusent à céder » (2002, p.57). Il ne serait pas correct de dire que la femme du Camion (ou Duras) ait cédé, simplement elle croit qu’il ne
vaut pas la peine d’entrer dans le combat qui y est proposé. Elle se met dehors et observe, et elle comprend qu’est nulle sa capacité d’interférer dans un jeu dont les adversaires
font également la sourde oreille à tout ce qui échappe à leur propre jeu. On comprend
pourquoi la femme du Camion est décrite comme « déclassée », c’est-à-dire, premièrement, « sans classe », mais aussi dans ce contexte : « inclassable ». Duras explique :
(...) cette femme du camion, qui évidemment n’est pas recensable dans la société actuelle,
dont les staliniens diraient qu’elle est aliénée. Comme si l’aliénation en soi était une définition.
Les écrivains et les gens libres sont traités comme ça. La liberté est traitée comme la folie dans
la société. (DURAS, 1977, p.107)
Notons que Duras confond exprès les deux acceptions d’aliénation, le sens marxiste et le sens de « folie ». La femme du camion est mise du côté des « écrivains et personnes libres ». Il faut observer que la folie, en tant que porosité, évidement et ouverture, participe de la structure même du Camion :
Pour la première fois dans ma vie, je ne me suis absolument pas souciée d’une certaine logique. (...) je n’ai pas voulu avoir de lien logique entre les séquences. (...) Ça n’aurait jamais eu
cette souplesse, cette espèce d’ouverture complète partout, le film est vraiment troué partout,
c’est un film où on peut entrer à n’importe quel moment, ce n’est qu’ouvertures sur le dehors.
(DURAS, 1977, p.99)
C’est dans ce film que la femme prononcera la phrase paradoxale qui laisse Gérard
Depardieu perplexe : « Que le monde aille à sa perte, c’est la seule politique ». La sentence, en fait, révèle le chemin entrevu par Duras : la politique de la destruction, tout
détruire comme condition préalable de l’apparition de quelque chose de nouveau.
Surmonter la répression et les modèles moraux, laisser couler le plein désir et ainsi
la folie, s’ouvrir à l’altérité, ce sont les fondements de la vie en commun entre les différents dans la « Polis » durassienne. D’où, quand il s’agit de penser la perte du sens politique, Duras revient à l’humain trop humain, par-delà le bien et le mal, et elle va donner
pour équivalente la « perte du sens poltique » et la « perte de soi » :
Pour beaucoup de gens la véritable perte du sens politique c’est de rejoindre une formation de
parti, subir sa règle, sa loi. Pour beaucoup de gens aussi quand ils parlent d’apolitisme, ils parlent avant tout d’une perte ou d’un manque idéologique. Je ne sais pas pour vous ce que vous
pensez. Pour moi la perte politique c’est avant tout la perte de soi, la perte de sa colère autant
que celle de sa douceur, la perte de sa haine, de sa faculté de haine autant que celle de sa faculté
d’aimer, la perte de son imprudence autant que celle de sa modération, la perte d’un excès autant que la perte d’une mesure, la perte de la folie, de sa naïveté, la perte de son courage comme
celle de sa lâcheté, celle de son épouvante devant tout chose autant que celle de sa confiance,
la perte de ses pleurs comme celle de sa joie. C’est ce que je pense moi. (DURAS, 1980, p.13)
14
Références bibliographiques
AYER, Maurício. Música meu amor : literatura, teatro e cinema em Marguerite Duras. São Paulo : Publisher Brasil, 2014.
BERNHEIM, N.L. Marguerite Duras tourne un filme – entretiens. Paris : Ed. Albatros, 1975.
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. Trad. Eloisa de Araujo Ribeiro. Revisão filosófica de Renato Janine Ribeiro.
São Paulo : Brasiliense, 2005.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: pour une littérature mineure. Paris : Minuit, 1975.
DURAS, Marguerite. Le Camion suivi d’un entretien avec Michelle Porte. Paris : Minuit, 1977.
DURAS, Marguerite. Les yeux verts. Paris : Cahiers du Cinéma, n.312/313, junho, 1980 (édition de la Petite bibliothèque des Cahiers du Cinéma, 1996).
DURAS, Marguerite. Ecrire. Paris: Gallimard, 1993.
DURAS, Marguerite; PORTE, Michelle. Les lieux de Marguerite Duras. Paris : Minuit, 1977.
VIRCONDELET, Alain. Marguerite Duras ou le temps de détruire. Paris : Seghers, 1972.
WILLIAMS, Raymond. Tragédia Moderna. Trad. Betina Bischof. São Paulo : Cosac & Naify, 2002.
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Marguerite Duras nos anos 1970 e 1980 – Repetições da obra, figuras da encarnação: da dor à superação do negativo1
Jean Bessière2
Université Sorbonne Nouvelle Paris3
Resumo
Introdução
Sabe-se que a obra de Marguerite Duras apresenta continuidades e descontinuidades,
que ela é também um tipo de discurso biográfico, uma autoficção. Muitos códigos de
leitura foram propostos para interpretar as continuidades, as descontinuidades e a autoficção. Com Le Navire Night, A dor, O amante e O amante da China do Norte, Marguerite
oferece com suas duas obras de autoficção, um discurso de amor que é expressamente
uma generalização desse discurso da dor. Com A dor, escrito durante e depois da Segunda guerra mundial, ela propõe uma descrição e uma caracterização da dor. Essa caracterização permite ler, nas dores, físicas ou psíquicas, um jogo duplo: o da decadência
humana, o da percepção dessa decadência e a possível restauração da figura humana
plena. As narradoras de Marguerite Duras e ela própria percebem essa decadência, essa
restauração. Essa percepção permite dizer a certeza dos corpos e a do humano. Ela autoriza construir um código de leitura da obra.
As interpretações na obra de Marguerite Duras podem ser lidas segundo códigos
relativamente simples: código biográfico, que é indissociável à codificação da obra por
ciclos, código analítico, código feminino, código político e aumentos desses códigos.
Eles são certamente pertinentes e úteis para levar em conta a evolução e a continuidade da obra. O jogo de diversas artes (teatro, cinema) permite torná-los mais maleáveis e propor cruzá-los de diversas maneiras. As retomadas autobiográficas desenham
um jogo ficcional; elas impuseram um último código, o da autoficção. Cada um deles
fala da dificuldade que existe para dar uma biografia ao escritor, bem como para situar
a obra segundo uma verdade biográfica, para validar esses códigos. Ao identificar os
códigos de interpretação da obra, de um lado notam-se essas dificuldades; por outro,
destaca-se precisamente que essas convenções de leitura são bastante praticadas – por
isso a crítica da obra de Marguerite Duras parece redundante.
Além da pertinência de suas interpretações, além das dificuldades que acabam de ser
mencionadas, além dessas convenções, há, no entanto, alguns pontos importantes nessa
obra, particularmente evidentes a partir do final dos anos 1970 e durante os anos 1980. Eles
autorizam uma leitura explicitamente contínua, interativa e ligada a algumas anotações
claras que Marguerite Duras pôde deixar em sua escritura – essas anotações são, entretanto, indiretas como veremos mais adiante. É um traço indissociável dos pontos importantes
que acabam de ser mencionados: essa obra é inteiramente reflexiva, não em um sentido
formal, mas no sentido duplo da obra refletida – obra que se pensa por si mesma, calcula-se
expressamente –, e que não cessa de voltar a si mesma. A obra refletida leva a concluir que
há um controle dessa obra, que ela é legível de acordo com esses pontos notáveis.
A partir de então, pode-se chegar à construção de uma lógica da obra, sem que se
passe necessariamente pela biografia, mas por alguns testemunhos de Marguerite Duras, pelas perspectivas analíticas, pelas abordagens fantasmáticas e por muitos outros
motivos que contribuem para a construção de uma lógica da obra.
Essa lógica compreende a duplicação: o(a) escritor(a) dá os meios para perseguir
sua obra – conservando elementos de partida de dados relativamente restritos – ela
Palavras-chave: Marguerite Duras; autoficção; dor; representação.
1
Tradução de Maria Cristina Vianna Kuntz, Mary-Jô Zilveti e Maurício Ayer.
2
Jean Bessière é professor emérito de Literatura Geral e Comparada na Universidade Université Sorbonne
Nouvelle Paris III, presidente honorário da Association Internationale de Littérature Comparée (AILC/ICLA).
Antigo aluno do ENS, concursado em Letras modernas, doutor pela Sorbonne (1976) com a tese La Patrie à
rebours : les écrivains américains de la Génération Perdue et la France (1917-1935). Exil et création littéraire. Ensinou em diversas universidades norte-americanas (University, Stanford University, McGill University), e em
diversas francesas (Rouen, Paris X, Amiens, ENS). Professor convidado em universidades no México, Buenos
Aires, Montréal, Bolonha, Sun Yat-Sen, UCLA, e diversas universidades brasileiras, etc. Foi diretor de departamento e diretor científico junto ao Ministério da Pesquisa e das Universidades (1984-1994). Além de sua
tese, publicou individualmente mais de quinze livros nos últimos vinte anos. Le Roman contemporain ou la
problématicité du monde (2010), Questionner le roman. Quelques voies au-delà des theories du roman (2012).
dispõe esses elementos para evidenciar um jogo específico de apresentação e interlocução ou inter-renúncia, perfeitamente exposto em Moderato Cantabile, que em seguida se transformou em uma moda de escritura.3
Ao dizer tudo isso, respondemos à primeira pergunta que traz anotações de Marguerite Duras sobre Roland Barthes e a uma segunda indagação com anotações de Philippe Sollers sobre Marguerite Duras.4 Essas duas questões permitem precisar ao que
visa a obra do(a) escritor(a), e se nos comprometemos a ler externamente os códigos
que foram percebidos. Marguerite Duras não viu em Roland Barthes um escritor, porém um professor. Ela não foi muito longe em sua leitura de Fragmentos de um discurso
amoroso – precisamente porque a obra não tinha nenhuma paixão do amor, nenhuma
encarnação do amor. A questão é a da representação do amor e da figuração de sua
incorporação em uma obra literária.
Philippe Sollers nota:
Essa teocracia (de Marguerite Duras)5 não me parece de natureza profunda da literatura tal
qual eu a concebo. Eu acho seus livros fortes, hipnóticos. Mas acredito que isso envelhecerá
mal. Nos filmes, isso já é invisível. Os livros também serão afetados da mesma maneira em um
momento ou outro. É uma literatura que parece artificial, inflada, em reiteração. Eu sempre
senti nela, mesmo por telefone, uma vontade de dominação. (SOLLERS, 1998)
É preciso compreender: em Marguerite Duras, toda representação, assim como a
obra traduzem um uso dominante do amor e da dor; a recusa dos homossexuais, segundo uma outra observação de Philippe Sollers, traduz o mesmo jogo de dominação.
A questão é, então, a de uma representação do amor e da dor que não seja apenas a
Exceto pelas referências a Outside, não daremos nenhuma outra referência bibliográfica das obras de Marguerite Duras as quais evocaremos. Elas são conhecidas e identificáveis facilmente pelos leitores de Duras.
4
Estas duas séries de observações são citadas porque permitem introduzir explicitamente a questão do objeto da representação, a obra de Marguerite Duras.
5
Por este termo, Philippe Sollers quer sugerir que Marguerite Duras se considera mestre quase divina de seu
universo e dos mundos que se ligam a ela.
3
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de uma vontade de dominação, e que encontra sua relevância não apenas no reconhecimento de um sujeito do amor e da dor, mas no uso que é feito dessa representação
de anotações do amor e da dor. Nessa perspectiva, que é uma forma de iniciar uma
resposta às observações de Philippe Sollers, a representação não é nem um controle do
escritor nem uma espécie de submissão deste ao seu objeto. Ela é a oportunidade de
uma restauração da figura humana.
As duas questões que acabamos de mencionar podem ser reunidas em apenas
uma: qual pode ser a representação do amor e da dor que não se confunda nem com a
recusa nem com um controle do escritor? Como é mostrado em Uma barragem contra
o Pacífico, em O amante e O amante da China do Norte – e nós voltaremos a este ponto
–, esta é uma questão constante na obra de Marguerite Duras.
Essas retomadas trazem, assim, uma lição evidente: por um lado, dizem cada vez
mais precisamente a dor de Marguerite Duras; por outro lado, restauram cada vez mais
sua figura – essa restauração se diz no final de O Amante da China do Norte por transferência da figura da dor sobre o universo, o oceano e as terras, e por identificação da
jovem narradora à espera de uma nova vida. Isso supõe reconhecer a um texto tardiamente encontrado por Marguerite Duras, A Dor, um lugar essencial na obra: este leva à
arqueologia de tudo o que é escrito a partir do final da guerra; é uma chave essencial
para a interpretação (não é preciso compreender que se trata de uma interpretação biográfica) na medida em que ele permite identificar as condições do jogo representativo.
A dor e o jogo representativo que estão ligados são os dados constitutivos da obra de
Marguerite Duras e os elementos do código de leitura dessa obra – dados e código bem
específicos, mais específicos que os códigos de leitura que foram citados inicialmente.
I. Elementos mínimos e definidores das obras dos anos 1980
São, pois, esses elementos que permitem caracterizar a obra de Marguerite Duras
e que permitem começar a responder às questões que acabam de ser propostas.
1. Pontos notáveis a partir do final dos anos 1970:
Le Navire Night – o filme e o texto publicados de maneira independente – fixo aqui
o que é uma narração de diálogo específico – o de uma troca assimétrica sob o signo do
amor, de um amor segundo a voz e segundo a ausência. Essa troca paradoxal, que pode
ser lida de maneira relativamente tradicional – o amor e a morte, o amor certo e impossível apesar da proximidade paradoxal dos que se amam –, traz os traços específicos: o
reconhecimento do amor é também reconhecimento de uma fuga – a moça não para
de fugir; nesse diálogo, que convém precisar: o jogo da enunciação não se limita jamais
ao enunciador; ele inclui a enunciação do outro.
Em um tal diálogo, por mais identificados que sejam, os dois sujeitos estão
concordes com uma impessoalidade comum – toda história de um sujeito é história
de um outro sujeito, bem como suas enunciações se passam da mesma maneira.
Este já era um dispositivo implícito em Moderato Cantabile – sendo assim, a relação
entre Anne Desbaresdes, o homem (Chauvin) e a mulher que grita. Essa relação de
troca direta permanece incerta, entretanto, sem se tomar uma relação de estranheza ou imaginária.
Esse jogo de enunciação é ainda um dispositivo de L’Amour: convém, então, perguntar se a temática do amor vale por si ou se tem a finalidade de realçar esse jogo
enunciativo paradoxal.
Em Le Navire Night, esse jogo não está dissociado da individualização que figura
a loucura. Esta figura a individualização porque exclui uma representação conveniente
do jogo enunciativo. Quando observada, ela não traduz nem uma violência, nem um
despojamento, nem um movimento irracional do sujeito, mas sua plena identidade,
que é centrífuga, isto é, indissociável de uma maneira de impessoalidade – esta ilustrada por Anne Desbaresdes ou pelo personagem masculino de Le Navire Night. Isto não é
certamente uma maneira usual de figurar a individualização. Esse uso da loucura deve
ser relacionado com o da dor na obra de Marguerite Duras.
2. Pontos notáveis durante os anos 1980 e no início dos anos 1990 :
Facilmente podemos apontar esses pontos notáveis – publicações de O Amante e
de O Amante da China do Norte, de um lado e de outro, de A Dor. Nessas obras existe
um jogo autobiográfico, cuja característica pública é parcialmente acidental – o manuscrito de A Dor, diz Marguerite Duras, teria sido encontrado por acaso e não estaria
acabado. Pouco importam os detalhes da construção do jogo autobiográfico, que nos
deixa Marguerite Duras e que são dificilmente verificáveis. Importam dois pontos:
Em A Dor, a dor compreende ao mesmo tempo uma desfiguração do ser humano
e sua certeza, sua destruição e evidência de sua carne, e ainda, uma maneira de comunidade, a do sujeito em relação à dor e do sujeito que percebe essa dor. Existe aí um
paradoxo: é sob esse quase desaparecimento e com essa dor que podemos esperar ver
o ser humano. Esse ser humano que, em A Dor, será visto através do lento restabelecimento de Robert Antelme.
Não se trata aqui de sugerir leituras concordantes do O Amante, de O amante da
China do Norte e de A dor. Trata-se de sublinhar que as três obras implicam suas leituras
cruzadas, tendo como pivô as leituras de A Dor.
Na constatação da dor e graças a ela, eu, espectador, leitor, não daria conta de uma
imagem (de uma narrativa, de um romance) sem colocá-los em correlação com um corpo
olhando (meu próprio corpo, isto é, o do espectador, o do leitor) e um mediador olhado –
o corpo doloroso, mediador da dor e da desfiguração que ela supõe. Na perspectiva que
acaba de ser definida, as histórias de amor compreendem, por certo, o amor e a perda
do amor, a assimilação dessa perda para a morte. Mais essencialmente, ela se diz segundo a dor, segundo a evidência do corpo enfraquecido – do corpo envelhecido (da mãe),
do corpo feio (M. Jo em Barragem contra o Pacífico), do corpo perdido (o do Chinês, o do
afogado em O amante da China do Norte), e de todos os corpos estragados como os das
crianças em Barragem contra o Pacífico, O amante, O amante da China do Norte. Nessas
histórias de amor aparecem ainda o corpo que olha, que é sempre um substituto de Marguerite Duras ou ela mesma. Justifica-se a retomada de elementos de Barragem contra o
Pacífico: a retomada é o meio de construir mais explicitamente esse olhar que olha, que
é o mediador da dor – eles se leem explicitamente segundo Marguerite Duras. Este jogo
pretende desenhar uma verdade da dor, uma verdade que seja identificável pelo leitor;
ele não se confunde necessariamente, é preciso repetir, com a verdade dos fatos contados. Ele assegura uma imagem do ser humano e figura um jogo de comunicação: fazer
ler essa verdade, essa figura. Essas observações podem agora ser formuladas na obra de
Marguerite Duras, não importa quais sejam os dados autobiográficos confessados, não
é o da expressão e da representação de si, mas o da história daquilo que é indissociável:
a alteração da figura humana – por exemplo, somente por seu grito – e sua restituição.
1. A repetição de dados explicitamente pessoais (isto não quer dizer que esses dados sejam
verídicos), tirados de Barragem contra o Pacífico.
3. Chaves de leitura, reveladoras em algumas propostas críticas de Marguerite Duras
2. O fato de que A Dor oferece a reconstituição de uma arqueologia pessoal da dor – palavra e
Marguerite Duras deixou – indiretamente6 – comentários essenciais sobre sua
própria obra. Assim, ela observou, em seu Tintoret, que Sartre havia se voltado para si
tema prenhes em Un barrage, em O amante e em O amante da China do Norte. Convém precisar como se compreende a dor. Esta é corporal e mental, é de um sujeito e há também a dor
daquele que a percebe, sendo esta uma aproximação com a morte.
6
Indiretamente, porque, nas indicações que fornecemos, a escritora não fala de suas próprias obras.
17
mesmo (DURAS, 1984). Ela propõe ainda outra chave de leitura de sua obra, quando
aproveitou a seguinte noção de Francis Bacon, o pintor: “a imaginação técnica”, indissociável da noção de “acidente” (DURAS, 1984, p.285 e seg.). Enfim, ela apontou algumas
características de obras (literárias ou artísticas) que lhe são diretamente aplicáveis: o
artista se adianta quanto ao silêncio; a loucura é apenas uma perspectiva sobre a individualidade; uma história tem sempre outra como continuação; e finalmente um livro
é um pensamento vazio, entretanto decisivo (Id., Ib., p.261, 252, 213, 190).
Neste momento, basta reter as constatações seguintes, para cada uma das chaves
de leitura que pertencem ao(à) escritor(a) e que acabam de ser citadas:
uma função que já foi precisada: expor o médium da dor, dar a ler essa exposição, como
índice, ícone, alegoria do indivíduo, da individualidade – é preciso repetir Le Navire Night e La
Marguerite Duras a lê nesse jogo dos retornos.
Maladie de la mort. Essa alegorização situa toda narrativa de Marguerite Duras sob o signo da
exemplaridade que, entretanto, não desfaz a singularidade dos personagens. Nessa perspec-
– Essa imaginação não exclui – e isso é fartamente dito em O amante e em O amante da China do
tiva, a loucura apresenta a mesma dualidade e a mesma função que a dor – esta é específica,
Norte – o acidente, o evento; estes mesmos constituem as reiterações que são dos dois romances,
mas é o melhor meio de mostrar um ser humano. Convém ainda acrescentar que essa loucura-
o que esses romances carregam em seus mundos.8 Certamente, acidente e evento são mais ou
-alegoria não é dissociável do jogo de interlocução, que deve ser nossa leitura última da obra:
menos repetidos. Entretanto, eles não se alteram enquanto acidente, evento. O amor, a paixão,
na loucura, em sua impessoalidade, o sujeito aparece submetido a um movimento centrífugo
a espera são acidentes. Fazem dessa imagem constituída pelas narrativas uma imagem sempre
– a enunciação de si pode ser aquela do outro. Jacques Lacan, em seu comentário a respeito
atual. A narrativa é passado, assim como o é esse amor evocado. A narrativa não é, porém, o que
de Lol V. Stein, identificou esse jogo que liga os personagens:
designa o passado em si. Porque aparecendo sempre como uma atualidade, ela expõe, no aci– Retornos constituídos por O amante e O amante da China do Norte, os jogos de correspon-
dente, no evento, a constatação presente do amor e de seu luto, a encarnação constante desse
Sobretudo leia. A cena da qual o romance inteiro é tão somente a rememoração, é propria-
dência embaralhados pelos dois romances. Os retornos não trazem nenhuma revelação. Eles
presente. Tudo isso se coaduna com a imagem escrita do corpo da moça; essa imagem está sem-
mente o arrebatamento de dois em uma dança que os funde, e sob os olhos de Lol, terceira,
permitem uma maior precisão dada pelo escritor no desenho de sua própria imagem, a qual
pre presente, uma vez que a escritora se dá como a própria médium dessa imagem.
com todo o baile, a sofrer o rapto de seu noivo por aquela que só apareceu repentinamente (LACAN, 1965, p.7-15).
ela inscreve nessa vasta imagem formada em cada romance. Esses retornos permitem ainda
a mais clara afirmação da presença do escritor ( já que Duras diz que esses romances são os
A repetição é um recomeço e altera a própria narrativa; ela designa com isso seu invariante,
romances de sua vida) e a evidência de seu papel explícito de médium e de personagem que
essa imagem escrita do corpo. Por não ser dissociável do médium (constante) que é a escritora,
tudo capta, no momento em que seus papéis estão definidos.
a escrita pode designar a perenidade da história e seu tempo, que é o da perda. Da mesma
A individualização é paradoxal: ela supõe que o sujeito se desfaça nos olhares
compartilhados, que incluem seu próprio olhar – isso define sua dor e sua loucura.
maneira que, em Barragem contra o Pacífico, as barragens contra o Pacífico não deixam de ser
– Esses retornos sãos práticas da imaginação – a qual consiste precisamente no próprio re-
reconstruídas e de se desfazerem e a mãe subsiste, o amor não deixa de ser dito e desfeito, na
– Esses pontos característicos da obra de Marguerite Duras constituem um conjunto coeren-
torno – ; este é calculado – essa imaginação é um modo de imaginação técnica (e não um
permanência desse médium que é a escritora - pelo papel que ela assume, tornando-se eterna,
te, no sentido de que eles definem ao mesmo tempo as proposições e a maneira pela qual as
modo de imaginário).7 É preciso compreender que a história assim construída – segundo
e ainda agente do amor e de seu luto.
narrativas do(a) escritor(a) se justificam. Estas são, por isso mesmo, aparentadas, além do fato
dos retornos. Isso explica que Marguerite Duras tenha percebido que uma história tem sem-
o retorno – vale sem dúvida por si mesma, mas mais essencialmente pelo que ela permite
expor. Retomar (de fato, modificando) duas vezes elementos de Barragem contra o Pacífico
– Conhecemos os silêncios das obras de Marguerite Duras. Que o artista o faça ouvir – como
pre por sequência uma outra história. É preciso compreender que as diversas obras formam
equivale a dar-se o recurso de uma vasta construção oximórica – a presença e a perda, o
nota Marguerite Duras sobre o pintor Alexis Kuroda, que ele se adianta sobre o silêncio – ela dá
um encadeamento de histórias a partir da dor em si, do jogo do personagem médium e do
cheio e o vazio, o amor e a morte. Essa construção permite inscrever a dor na evocação mais
a entender que o silêncio confirma o controle do artista. O silêncio é um tipo de performativo
personagem que observa, do caráter centrífugo da fala do sujeito. Compreende-se, assim, que
ampla do mundo, fazer do(a) próprio(a) escritor(a) o médium indispensável à percepção da
paradoxal em um diálogo: ele é atual na atualidade das palavras que são ditas. É também um
o(a) escritor(a) pode concluir que um livro é algo vazio e entretanto, decisivo – vazio porque é
imagem da dor, uma vez que Marguerite Duras reconhece o caráter autobiográfico desses
cálculo da obra, a própria parte da obra refletida, como ilustram Le Navire Night e La Maladie
menos sua própria temática do que essa figuração específica da dor e da interlocução, da in-
romances. Principalmente, não importam aqui a verdade ou a falsidade desse jogo auto-
de la mort – para reter um título que encerra os anos 1970 e um que pertence aos anos 1980.
terenunciação; decisivo porque ele é a constante retomada dessa figuração. Exprime-se assim,
biográfico. Importa, sim, o fato de que o(a) escritor(a) se dá de uma maneira contínua por
Esse caráter paradoxal do silêncio permite conferir ao diálogo, ao seu tempo, o mesmo jogo de
de novo, a importância de A dor – texto que permaneceu por muito tempo desconhecido, mas
esse meio, e que ela faça que nesse estado de mediação se reconheça a razão de ser dessas
permanência que caracteriza a imagem que acaba de ser dita.
que definiu toda a obra escrita depois da prova que ele reporta.
obras, de sua escritura, sem que esse jogo de referência pessoal se confunda com algumas
7
fantasias. Essa história duas vezes retomada, temos que realçar de novo, é uma prática da
– Marguerite Duras reconhece a loucura em muitos de seus personagens, da mesma forma
imaginação. Imaginação se compreende literalmente: o que constitui uma imagem, uma
que a reconheceu em si mesma às vezes, e como foi identificada em sua obra por diversos crí-
imagem legível segundo os termos que são pessoais a Marguerite Duras. Essa imagem tem
ticos.9 Essa loucura deve, entretanto, ser lida, quando ela é dita, não por si mesma, mas como
Para precisar essa terminologia que Marguerite Duras empresta de Francis Bacon, digamos que a imaginação seja uma exposição técnica da imagem – imagem feita por um texto, feita por um filme. Essa imagem
expõe jogos de percepões específicas.
8
9
A própria aparição do futuro amante é um acidente.
O primeiro a notar um conhecimento intuitivo da loucura na obra de Marguerite Duras foi Jacques Lacan
(1965).
II. O argumento da obra: da dor ao tratamento do negativo e a restituição da
figura humana
Voltemos às questões tiradas das notas de Marguerite Duras sobre Roland Barthes e de Philippe Sollers sobre Marguerite Duras. Elas se resumem em uma questão:
18
qual pode ser a representação da dor e, por consequência do amor, que não se confunda nem com a sua recusa, nem com a imagem de um controle do escritor? Esta
questão pode ainda ser precisada por meio de dois apontamentos: 1) se a imagem de
um controle do(a) escritor(a) sobre a representação deve ser recusada, isso implica que
o(a) escritor(a) seja ligado(a) de modo inconteste a esta representação, a qual apresente ao mesmo tempo uma certa pertinência e lhe conceda, assim, um direito de cidade
(droit de cité) ou a sua figura. 2) não recusar a representação da dor não acarretaria
nenhum reconhecimento da dor em si mesma, nem aquela do meio da dor; essa representação traz um jogo de mediação na própria obra, ao olhar do leitor. Que o amor não
seja dissociável dessa representação da dor, como ilustra desde logo Barragem contra
o Pacífico, conforme o confirmarão as duas retomadas de alguns de seus episódios, ligando-o certamente aos dados usuais da temática amorosa – Moderato Cantabile oferece um exemplo claro desse aspecto –, mas mais essencialmente às representações
dos corpos que essa temática permite. Essa representação dos corpos é, sem dúvida,
indissociável da representação do corpo doloroso ou, em menor escala, do corpo que
não se reconhece plenamente. A dor é, pois, o paradigma mais constante da obra, o
que determina as representações. Esse jogo representacional é específico da obra de
Marguerite Duras.
Reconhecer, assim, no centro da obra de Marguerite Duras a questão do que pode
ser representado (représentationnel) leva-nos a verificar a grande originalidade dessa
obra, particularmente se comparada com as obras principais da literatura francesa após
1945. Não se trata de ser a favor ou contra a representação – à maneira que o novo romance francês quis ou não – mas de relacionar, como já foi observado, a evidência da
dor à do ser humano.
Como ensina A dor, essa relação é difícil de ser estabelecida, pois a representação
da dor é a negação da própria possibilidade da imagem humana. A pretensão da representação define-se então, como a da superação do negativo. Essa ultrapassagem se faz
de acordo com os traços da obra que acabam de ser definidos. O desenho último da
figura humana e o término da interlocução, da interenunciação supõem esse negativo.
A temática amorosa é ao mesmo tempo a do corpo, a do negativo, e a desse desenho e
do término, no próprio apelo do negativo.
O negativo é muito frequente na obra de Marguerite Duras – assim as tragédias
das guerras, das injustiças sociais, das tristezas de amor, das adversidades da vida. É,
pois, uma constância dessa obra ausentar-se de uma figura plenária – o ser humano
que existiria por si só e seria plenamente segundo sua própria aparência. Nessa intervenção atinge-se um máximo na evocação da dor – é preciso repetir que em A Dor, há
muitas maneiras de variar essa intervenção.
Conforme o estado dos sentimentos, os status sociais, os espetáculos da miséria, do
amor, dos signos constantes que estão ligados à dor – a impotência, o grito, a ausência, a
fuga. A dor se diz, assim, segundo todos os impasses da vida, da sociedade, do indivíduo;
Marguerite Duras se sustenta nesses impasses; faz deles sua temática; faz deles o simbólico de sua obra – por isso Philippe Sollers viu aí um catastrofismo constante e artificial.
Não será, entretanto, no privilégio dado ao catastrofismo que estará o verdadeiro
uso da dor e de seus impasses. Ninguém pode negar que a história contemporânea
ilustra a certeza das calamidades. É o que sabe Marguerite Duras, é o que ela diz precisamente em A Dor, mas também em Barragem contra o Pacífico e em suas retomadas;
o que ela confessa expressamente em Détruire, dit-elle, o que ela tematiza, de maneira
mais velada em Abahn Sabana David, que ela sugere apresentando várias de suas personagens como judias, assim como não para de sugerir naquilo que é o contraponto
dessa certeza do catastrofismo: a fuga, exatamente o que conclui Abahn Sabana David
(onde o personagem do judeu recomeça sua fuga). O catastrofismo se desenha também de maneira particular – o grito em Moderato Cantabile, a loucura da mulher prevista em Le Navire Night… é preciso reafirmar Barragem e suas retomadas.
Mas, além disso, há ainda uma maneira de dizer esse negativismo e a dor: colocá-los nas situações extremas e nos jogos de reflexão – isso faz da obra de Marguerite
Duras uma obra explicitamente reflexiva e permite ultrapassar o negativismo, assim
como o jogo específico de interenunciação.
Nos anos 1980, duas obras são exemplares dessas constatações:
Olhos azuis cabelos negros (1986) leva ao extremo o sentimento da dor – o do amor
e do desejo impossíveis entre um homossexual e uma mulher –, ao mesmo extremo da
percepção da proximidade dos corpos. Por esses dois extremos, se dizem o negativo
e sua ultrapassagem simbólica em um duplo equívoco: o de uma troca dos jogos de
enunciação entre o homem e a mulher – há a separação e há a possibilidade de substituição de enunciação de um personagem a outro; o dos “brancos” – ao mesmo tempo
sinal de luto e de transparência. O ponto a ressaltar seria que os dois personagens, em
seu jogo de diálogo e observação recíproca, são mediadores da dor e ao mesmo tempo, os que a percebem.
O tema do encontro do homossexual e da mulher vale mais por si do que como
meio de construir o jogo de percepção, que supõe uma dor comum. Esta propicia o
jogo interenunciativo, assim como da superação da dor – simbolizada no equívoco do
branco. Esse romance é o exemplo acabado da obra reflexiva – não no sentido de um
jogo formal, é preciso repetir, mas no sentido da volta às condições primeiras da obra,
isto é, da dor, percepção do corpos da dor, mediador dessa percepção, e jogo recíproco
desse movimento pelos personagens.
Esse retorno, que tem sua versão biográfica com o O amante e O amante da China
do Norte, é o meio da superação do negativo, porque permite realçar a encarnação da
dor e o jogo específico da percepção que foi dita. Pelo qual se dá a figura plenária do
ser humano. O tema dos “brancos” é também, acabamos de dizer, o da transparência,
maneira de designar essa figura plenária.
Emily L. (1987) oferece na página inicial, o diálogo, o olhar, a observação do olhar
pelo outro, o cruzamento dos olhares e a promessa da escrita. Há também o medo; há a
dificuldade de reconhecer o que se percebe, a dificuldade de estar seguro do que se vê.
O romance começa, pois, essencialmente interrogativo pela sua possibilidade: o medo,
os jogos de percepção que são tanto jogos sobre o outro percebido como meio de um
mundo, de ocasiões e troca de questões, como exercício interenunciativo que supõe
que o homem e a mulher (o autor) vejam o outro como meio. Tudo isso se duplica com
a história (observada) de Emily L. e do capitão – uma história de escrita observada.
Vamos, pois, do medo ao reconhecimento da necessidade de escrever, que só se compreende segundo o medo e segundo as trocas e essas substituições de enunciação, e
segundo o passado. Passado de dor, sem dúvida, e dor porque o passado é passado.
Por essa dor, o passado vem inevitavelmente na narrativa do autor(a) e do homem
que a acompanha. Ao mesmo tempo, subsiste o apontamento do catastrofismo – o fim
do mundo virá pela Ásia.
Não se trata de uma notação “ridícula” como foi dito pela crítica quando da publicação do livro. Essa observação é notável por duas razões. De um lado, ela traz de volta
a origem biográfica da obra de Marguerite Duras, assim como a ambivalência dessa origem, ao mesmo tempo feliz e infeliz que é contada em Barragem contra o Pacífico e suas
retomadas. De outro lado, ela confirma, sob o signo da dor absoluta e certa, a evocação
dessa origem e do futuro.
Olhos azuis cabelos negros e Emily L., embora não tenham relação direta com O
amante e com O amante da China do Norte, revelam, de fato, as justificativas da escrita
dessas narrativas autobiográficas. História de um amor, história do que aparece como
determinante de uma vida, não se compreende segundo a certeza da dor e da separação que permitem construir o jogo da mediação e da percepção no apelo constante
do amor (Yeux bleus cheveux noirs), e segundo o reconhecimento da função da escrita,
precisamente expor esse jogo e esse apelo (Emily L.).
Essas afirmações permitem prosseguir com as observações sobre a representação. O autor(a) partiu prenhe da representação, porque reconhece em si um duplo status, mais do que reconhece que seja ela o próprio objeto ou porque ela a construa (a
representação); ela percebe a dor, ela é um “medium” da dor – escrever significa expor
esses dois estados, de uma maneira direta – Yeux bleus cheveux noirs –, de uma maneira
19
desdobrada (Emily L.). Essa representação é uma reconstituição da figura humana através desse duplo jogo, e, assim, uma superação do negativo.
Essas obras dos anos 1980, A dor (que nós datamos pelo momento de sua publicação), O amante, O amante da China do Norte, Olhos azuis cabelos negros, Emily L. constituem um conjunto notável. Elas fixam um modo de antropologia fundadora da obra de
Marguerite Duras (A dor). Purificam seu jogo representacional, assim como o jogo de sua
construção simbólica (Olhos azuis cabelos negros). Destacam uma representação da escritora e da escrita (Emily L.). Elas retomam essa antropologia, esse jogo representacional
na autoficção (O amante, O amante da China do Norte), graças ao qual Marguerite Duras
deixa a arqueologia biográfica de sua obra – uma arqueologia exatamente congruente
com os desenvolvimentos temáticos e representacionais dessa obra. Seria preciso aqui
repetir as observações que definem alguns traços notáveis da obra de Marguerite: eles
são coerentes com essa sistemática da obra que desenham os textos dos anos 1980.
Preferimos concluir com mais essa observação sobre a importância da dor, do negativo, sobre o jogo reflexivo de sua obra, porque eles autorizam uma dupla indicação.
Nesse jogo legível nos textos que foram citados, dispõe-se da justificativa e do comentário da escolha da escrita que se inicia com Le Ravissement de Lol V. Stein. Marguerite
Duras lembrou expressamente em Ecrire que a escrita deste romance correspondia à
provação de um “buraco” existencial – variante da dor – e o medo do “branco” – seria a
notação de que a percepção de todas as coisas e de si se reconstrói segundo a dor. Le
Ravissement de Lol V. Stein é a resposta a essas constatações. Marguerite Duras colocou
esse romance sob o signo da loucura. Não se deve interpretar mal essa observação. Ela
não traduz o despojamento, mas a entrada na consciência da propriedade da dor. No
final da década de 1970 e durante os anos 1980, a obra é a pura exposição dessa consciência e dos cálculos criadores que ela permite.
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Referências bibliográficas
DURAS, Marguerite. Outside. Paris: Pol, 1984.
LACAN, Jacques. Hommage fait à Marguerite Duras du Ravissement de Lol. V. Stein. Cahiers Renaud-Barrault,
Paris: Gallimard, 1965, n° 52, p.7-15, depois in Marguerite Duras, Paris: Albatros, 1975, p.7-15.
SOLLERS, Philippe. L’hypnose Duras (interview), L’Evénement du jeudi, n°722, 3 sept. 1998
10
Acrescento aqui uma sugestão que pediria outros comentários. Esse jogo sobre a dor, sobre a alteração
da figura humana é onipresente no pensamento e na literatura dos anos 1960 e seguintes. Lembremos o
apagamento da figura humana do qual fala Michel Foucault em Les Mots et les choses. A obra de Marguerite
Duras deve ser lida nesse contexto, do qual ela é um dos melhores exemplos de que se dispõe.
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Marguerite Duras dans les années 1970 et 1980 – Répétitions de l’œuvre, figures de l’incarnation : de la douleur au dépassement du négatif
Jean Bessière1
Université Sorbonne Nouvelle Paris3
Résumé
Introduction
On sait que l’œuvre de Marguerite Duras présente des continuités et des discontinuités,
qu’elle est aussi une sorte de discours biographique, une autofiction. Bien des codes de
lecture ont été proposés pour interpréter les continuités, les discontinuités et l’autofiction. Avec Le Navire Night, La Douleur, L’Amant et L’Amant de la Chine du Nord, Marguerite
offre un discours de l’amour qui est expressément un discours de la douleur, avec ses
deux œuvres d’autofiction, une généralisation de ce discours de la douleur. Avec La
Douleur, écrit durant et après la Seconde guerre mondiale, elle propose une description
et une caractérisation de la douleur. Cette caractérisation permet de lire, dans les douleurs, physiques ou psychiques, un double jeu : celui de la déchéance humaine, celui
de la perception de cette déchéance et de la possible restauration de la pleine figure
humaine. Les narratrices de Marguerite Duras, Marguerite Duras elle-même perçoivent
cette déchéance, cette restauration. Cette perception permet de dire la certitude des
corps et celle de l’humain. Elle autorise à construire un code de lecture de l’œuvre.
Les interprétations de l’œuvre de Marguerite Duras peuvent être lues selon des
codes relativement simples : code biographique, dont est indissociable la codification
de l’œuvre par cycles, code analytique, code féminin, code politique, croisements de ces
codes. Ils sont certainement pertinents et certainement utiles pour rendre compte de
l’évolution et de la continuité de l’œuvre. Le jeu des divers arts (théâtre, cinéma) permet
d’assouplir ces codes et de proposer de les croiser de nouvelles manières. Les reprises
autobiographiques dessinent un jeu fictionnel ; elles ont imposé un ultime code, celui
de l’autofiction. Chacun sait la difficulté qu’il y a à donner une biographie de l’écrivain.
Chacun sait en conséquence la difficulté qu’il y a à véritablement situer l’œuvre selon
une vérité biographique, à valider ces codes. En notant les codes des interprétations de
l’œuvre, on note ces difficultés, d’une part ; d’autre part, on souligne précisément que
ces conventions de lecture sont largement pratiquées – par quoi la critique de l’œuvre
de Marguerite Duras apparaît redondante.
Au-delà de la pertinence de ces interprétations, au-delà des difficultés qui viennent
d’êtres dites, au-delà de ces conventions, il est cependant quelques points remarquables
dans cette œuvre, particulièrement évidents à partir de la fin des années 1970 et durant
les années 1980. Ils autorisent une lecture de cette œuvre, explicitement continue, explicitement itérative, explicitement liée aux quelques notations claires que Marguerite Duras
a pu livrer sur son écriture – ces notations sont cependant, comme on le verra, indirectes.
Il est un trait de l’œuvre indissociable des points remarquables qui viennent d’être indiqués : cette œuvre est une œuvre entièrement réflexive, non pas en un sens formel, mais
au double sens d’œuvre réfléchie – œuvre qui se pense elle-même, se calcule expressément –, et d’œuvre qui ne cesse de revenir sur elle-même. Œuvre réfléchie fait entendre
qu’il y a un contrôle de cette œuvre et qu’elle est lisible selon ces points remarquables.
De tout cela peut se conclure, sans que l’on passe nécessairement par la biographie, par quelques aveux de Marguerite Duras, par des perspectives analytiques, par des
approches fantasmatiques et par bien d’autres choses, à la construction d’une logique
de l’œuvre. Cette logique se comprend elle-même doublement : l’écrivain(e) se don-
Mots-clés : Marguerite Duras ; autofiction ; douleur ; représentation.
1
Jean Bessière est professeur émérite de Littérature Générale et Comparée, Université Sorbonne Nouvelle
Paris III, président honoraire de l’Association Internationale de Littérature Comparée (AILC/ICLA). Ancien
élève de l’ENS, agrégé de Lettres modernes, docteur d’État de la Sorbonne (1976) – La Patrie à rebours : les
écrivains américains de la Génération Perdue et la France (1917-1935). Exil et création littéraire. Il a enseigné
dans diverses universités nord-américaines (Indiana University, Stanford University, McGill University), ainsi
que dans plusieurs universités françaises (Rouen, Paris X, Amiens, ENS). Il a été Professeur invité ou conférencier dans des universités étrangères (Mexico, Buenos Aires, Montréal, Bologne, Sun Yat-Sen, UCLA, diverses universités brésiliennes, etc.). Il a été directeur de département et directeur scientifique au Ministère de
la recherche et au Ministère des universités (1984-1994). Outre sa thèse d’Etat, il a publié individuellement,
plus de quinze titres depuis une vingtaine d’années, étant les derniers: Le Roman contemporain ou la problématicité du monde (2010), Questionner le roman. Quelques voies au-delà des theories du roman (2012).
ne les moyens de poursuivre son œuvre – en lui conservant pour éléments de départ
des données relativement restreintes – ; elle redispose ces éléments pour mettre en
évidence un jeu spécifique de présentation et d’interlocution ou de l’interénonciation,
parfaitement exposé dans Moderato Cantabile et devenu ensuite un mode de l’écriture2.
En disant tout cela, nous répondons à une première question que portent des
remarques de Marguerite Duras sur Roland Barthes et à une seconde question que portent des remarques de Philippe Sollers sur Marguerite Duras3. Ces deux séries de remarques et ces deux questions permettent de préciser ce que vise l’œuvre de l’écrivain(e) si
on entreprend de la lire hors des codes qui ont été notés.
Marguerite Duras n’a pas vu dans Roland Barthes un écrivain, mais un professeur.
Elle n’a pas été très loin dans sa lecture de Fragments d’un discours amoureux – précisément parce que cela ne portait aucune passion de l’amour, aucune incarnation de
l’amour. La question est donc celle de la représentation de l’amour et de la figuration
de son incarnation dans une œuvre littéraire.
Philippe Sollers note :
Cette théocratie (de Marguerite Duras)4 ne me paraît pas dans la nature profonde de la littérature telle que je la conçois. Je trouve ses livres forts, hypnotiques. Mais je crois que cela vieillira
mal. Les films sont déjà invisibles. Les livres seront atteints de la même façon, un jour ou l’autre. C’est une littérature qui me paraît artificielle, gonflée, dans la réitération. J’ai toujours senti
chez elle, même au téléphone, une volonté de domination. (SOLLERS, 1998)
Il faut comprendre : chez Marguerite Duras, toute représentation et l’œuvre même
traduisent un usage dominant de l’amour et de la douleur ; le refus des homosexuels,
Excepté pour les références à Outside, nous ne donnons aucune référence bibliographique des œuvres de
Marguerite Duras que nous évoquons. Elles sont connues aux lecteurs de Duras.
3
Ces deux séries de remarques sont citées parce qu’elles permettent d’introduire explicitement la question
de l’objet de la représentation, dans l’œuvre de Marguerite Duras.
4
Par ce terme, Philippe Sollers veut suggérer que Marguerite Duras se tient pour le maître quasi divin de son
univers et des mondes qui lui sont attachés.
2
21
selon une autre remarque de Philippe Sollers, traduit le même jeu de domination. La
question est donc celle d’une représentation de l’amour et de la douleur qui ne soit pas
celle d’une volonté de domination, et qui trouve sa pertinence non pas dans la seule reconnaissance d’un sujet de l’amour et de la douleur, mais dans l’usage qui est fait dans
cette représentation des notations de l’amour et de la douleur. Dans cette perspective,
qui est une manière d’engager une réponse aux remarques de Philippe Sollers, la représentation n’est ni une maîtrise de l’écrivain ni une sorte d’asservissement de l’écrivain
à son objet. Elle est l’occasion bien spécifique d’une restauration de la figure humaine.
Les deux questions qui viennent d’être citées peuvent se réunir en une seule question : quelle peut être une représentation de l’amour et de la douleur qui ne se confonde ni avec leur refus ni avec l’image d’une maîtrise de l’écrivain ? Comme le montrent
les reprises d’Un Barrage contre le Pacifique, que sont L’Amant et L’Amant de la Chine du
Nord – nous reviendront sur ce point –, cela est une question constante de l’œuvre de
Marguerite Duras. Ces reprises portent ainsi une leçon évidente : d’une part, dire de
plus en plus précisément la douleur de Marguerite Duras ; d’autre part, restaurer de
plus en plus précisément sa pleine figure – cette restauration se dit à la fin de L’Amant
de la Chine du Nord par le transfert de la figure de la douleur sur l’univers même, l’océan
et les terres, et par l’identification de la jeune femme narratrice à l’attente même d’une
nouvelle vie. Cela suppose de reconnaître à un texte tardivement retrouvé par Marguerite Duras, La Douleur, une place essentielle dans l’œuvre : il en livre l’archéologie pour
tout ce qui est écrit à partir de la fin de la guerre ; il en est une clef d’interprétation essentielle (il ne faut pas comprendre qu’il s’agit d’une interprétation biographique) dans
la mesure où il permet d’identifier les conditions du jeu représentationnel. La douleur
et le jeu représentationnel qui lui est lié sont les données constitutives de l’œuvre de
Marguerite Duras et les éléments du code de lecture de cette œuvre – données et code
bien spécifiques, plus spécifiques que les codes de lecture qui ont été cités initialement.
I. Eléments minimaux et définitoires des œuvres des années 80
Soient donc ces éléments qui permettent de caractériser l’œuvre de Marguerite Duras et qui permettent de commencer à répondre aux questions qui viennent d’être dites.
1. Points remarquables à partir de la fin des années 1970 :
Le Navire Night – le film et le texte publié de manière indépendante – fixe ce qui
est un récit de dialogue spécifique – celui d’un échange asymétrique sous le signe de
l’amour, d’un amour selon la voix et selon l’absence. Cet échange paradoxal, qui peut
être lu de manière relativement traditionnelle – l’amour et la mort, l’amour certain
et impossible malgré la proximité paradoxale de ceux qui s’aiment –, porte des traits
spécifiques : la reconnaissance de l’amour est aussi la reconnaissance d’une fuite – la
jeune femme ne cesse de fuir – ; dans ce dialogue, qu’il convient de préciser : le jeu
de l’énonciation n’est jamais limité à l’énonciateur ; il est inclusif de l’énonciation de
l’autre. Dans un tel dialogue, aussi identifiés qu’ils soient, les deux sujets sont selon
une manière d’impersonnalité commune – toute histoire de tel sujet est histoire d’un
autre sujet, ainsi que leurs énonciations vont de la même manière. Cela était déjà un
dispositif implicite dans Moderato Cantabile – ainsi du rapport entre Anne Desbaresdes, l’homme (Chauvin) et la femme qui crie. Ce rapport, rapport d’échange direct,
reste cependant un rapport incertain, sans devenir cependant un rapport d’étrangeté
ou un rapport selon la seule imagination. Ce jeu d’énonciation est encore un dispositif de L’Amour : il convient alors de se demander si la thématique amoureuse vaut
pour elle-même ou vaut comme la mise en évidence de ce jeu énonciatif paradoxal.
Dans Le Navire Night, ce jeu n’est pas dissociable de l’individualisation que figure la
folie. Celle-ci figure l’individualisation parce qu’elle exclut une représentation convenue du jeu énonciatif. Quand elle est notée, elle ne traduit ni un emportement, ni une
dépossession, ni un mouvement irrationnel du sujet, mais la pleine identité du sujet,
une identité qui est centrifuge, c’est-à-dire indissociable d’une manière d’impersonnalité – cette impersonnalité qu’illustrent Anne Desbaresdes ou le personnage masculin de Le Navire Night. Cela n’est certainement pas une manière usuelle de figurer
l’individualisation. Cet usage de la folie doit mis en rapport avec celui de la douleur
dans l’œuvre de Marguerite Duras5.
2. Points remarquables durant les années 1980 et au début des années 1990 Ces points remarquables se disent aisément – publications de L’Amant et de
L’Amant de la Chine du Nord, d’une part, et, d’autre part, de La Douleur. Il y a, dans ces
œuvres, tout un jeu autobiographique, dont le caractère public est partiellement accidentel – le manuscrit de La Douleur aurait été, dit Marguerite Duras, retrouvé par hasard
et n’aurait pas été celui d’une œuvre achevée. Peu importent les détails de la construction du jeu autobiographique, que nous livre Marguerite Duras et qui sont difficilement
vérifiables. Importent deux choses.
5
Sur la douleur, voir les « points remarquables suivants ».
1. La répétition de données explicitement personnelles (cela ne veut pas dire que ces données
soient véridiques), issues d’Un barrage contre le Pacifique.
2. Le fait que La Douleur offre la reconstitution d’une archéologie personnelle de la douleur –
mot et thème prégnants dans Un barrage, dans L’Amant, dans L’Amant de la Chine du Nord.
Il convient de préciser comment se comprend la douleur. Celle-ci est corporelle
et mentale, celle de tel sujet et celle de celui qui la perçoit ; elle est une approche de
la mort. Comme le montre La Douleur, la douleur dit donc à la fois une défiguration de
l’être humain et la certitude de celui-ci, sa destruction et l’évidence de sa chair, et une
manière de communauté, celle du sujet en proie à la douleur et du sujet qui perçoit cette douleur. Il y a là un paradoxe : c’est selon sa quasi-disparition et selon sa douleur que
l’on peut espérer voir un être humain. Cet être humain que, dans La Douleur, on finira
par revoir à travers le lent rétablissement de Robert Antelme.
Il ne s’agit pas ici de suggérer des lectures concordantes de L’Amant, de L’Amant de
la Chine du Nord et de La Douleur. Il s’agit de souligner que les trois ouvrages impliquent
leurs lectures croisées, avec pour pivot de ces lectures La Douleur. Dans le constat de
la douleur et grâce à ce constat, moi, spectateur, lecteur, je ne saurais rendre compte
d’une image (d’un récit, d’un roman) sans la (les) mettre en corrélation avec un corps
regardant (mon propre corps, c’est-à-dire celui du spectateur, du lecteur) et un medium
regardé – le corps douloureux, medium de la douleur et de la défiguration que celle-ci suppose. Dans la perspective qui vient d’être définie, les histoires d’amour disent
certes l’amour et la perte de l’amour, l’assimilation de cette perte à la mort. Plus essentiellement, elles se disent selon la douleur, selon l’évidence du corps amoindri – du
corps vieilli (la mère), du corps laid (M. Jo dans Un barrage contre le Pacifique), du corps
perdu (celui du Chinois, celui du noyé dans L’Amant de la Chine du Nord), et de tous les
corps abimés, ceux des enfants dans Un Barrage contre le Pacifique, L’Amant, L’Amant de
la Chine du Nord. Ces histoires d’amour se disent encore selon le corps regardant, qui
est toujours un substitut de Marguerite Duras ou elle-même. On a la justification de la
reprise d’éléments d’Un barrage contre le Pacifique : la reprise est le moyen de construire
plus explicitement ce regard regardant et le medium de la douleur – ils se lisent finalement et explicitement selon la seule Marguerite Duras. Ce jeu entend dessiner une
vérité de la douleur, une vérité qui soit identifiable par le lecteur ; il ne se confond pas
nécessairement, faut-il répéter, avec la vérité des faits rapportés. Il assure une image
de l’être humain et figure un jeu de communication : faire lire cette vérité, cette figure. Ces remarques peuvent encore se formuler : l’œuvre de Marguerite Duras, quelles
que soient les données autobiographiques avouées, n’est celle de l’expression et de la
22
représentation de soi, mais celle l’histoire de ce qui est indissociable : l’altération de la
figure humaine – par exemple, par le seul cri – et sa restitution.
3. Clefs de lecture, décelables dans quelques propositions critiques de Marguerite Duras :
ble à la perception de l’image de la douleur puisque Marguerite Duras avoue le caractère au-
est aussi un calcul de l’œuvre, la part même de l’œuvre réfléchie, ainsi que l’illustrent Le Navire
tobiographique de ces romans. Remarquablement, n’importent pas ici la vérité ou la fausseté
Night et La Maladie de la mort – pour retenir un titre qui clôt les années 1970 et un qui appar-
de ce jeu autobiographique. Importe le fait que l’écrivain(e) se donne d’une manière continue
tient aux années 1980. Ce caractère paradoxal du silence permet de prêter au dialogue, à son
pour ce medium, et qu’elle fasse de cet état de medium qu’elle se reconnaît la raison d’être
temps, le même jeu de permanence qui caractérise l’image et qui vient d’être dit.
de ses œuvres, de son écriture, sans que ce jeu de la référence personnelle se confonde avec
Marguerite Duras a livré – indirectement6 – des commentaires essentiels sur sa
propre œuvre. Elle a ainsi noté que, dans son Tintoret, Sartre s’était retourné sur lui-même (DURAS, 1984, p.189). Elle a encore proposé une clef de lecture de son œuvre, lors­
qu’elle a retenu telle notion de Francis Bacon, le peintre : « l’imagination technique »,
indissociable de la notion d’« accident » (Id., Ib., p.265). Elle a enfin offert quelques caractérisations d’œuvres (littéraires ou artistiques) qui lui sont directement applicables :
l’artiste est en avance sur le silence ; la folie n’est qu’une perspective sur l’individualité ;
une histoire a toujours pour suite une autre histoire ; et enfin un livre est une pensée
vide, cependant décisive (Id. Ib., p.261, 252, 213, 190).
A ce point, il suffit de retenir les constats suivants, pour chacune des clefs de lecture qui appartiennent à l’écrivain(e) et qui viennent d’être citées :
quelques fantasmes. Cette histoire deux fois reprises est, faut-il souligner à nouveau, une pra-
– Marguerite Duras reconnaît la folie à bien de ses personnages, comme elle se l’est parfois
tique de l’imagination. Imagination se comprend littéralement : cela qui constitue une image,
reconnue à elle-même, comme cette folie a été identifiée dans son œuvre par bien des criti-
une image lisible selon des termes qui sont personnels à Marguerite Duras. Cette image a une
ques9. Cette folie doit cependant être lue, lorsqu’elle est dite, non pour elle-même, mais com-
fonction déjà précisée : exposer le medium de la douleur, donner à lire cette exposition, com-
me l’indice, l’icône, l’allégorisation de l’individu, de l’individualité – il faudrait répéter Le Navire
me Marguerite Duras la lit dans ce jeu des retours.
Night et La Maladie de la mort. Cette allégorisation place tout récit de Marguerite Duras sous
le signe de l’exemplarité, une exemplarité qui ne défait pas cependant la singularité des per-
– Cette imagination n’exclut pas – et cela est abondamment dit dans L’Amant et dans L’Amant
sonnages. Dans cette perspective, la folie présente la même dualité et la même fonction que
de la Chine du Nord – l’accident, l’événement, ceux mêmes que constituent les réitérations que
la douleur – la douleur est spécifique, elle est cependant le meilleur moyen de montrer un être
sont ces deux romans, ceux que portent ces romans dans leurs mondes8. Certes, accident,
humain. Il convient encore d’ajouter que cette folie-allégorisation n’est pas dissociable du jeu
événement sont plus ou moins répétés. Ils ne sont pas cependant altérés en tant qu’ils sont
d’interlocution, ce jeu qui doit être notre lecture ultime de l’œuvre : dans la folie, dans son im-
accident, événement. L’amour, la passion, l’attente sont des accidents. Ils font de cette image
personnalité, le sujet apparaît soumis à un mouvement centrifuge – l’énonciation de soi peut
que constituent les récits une image toujours actuelle. Le récit est du passé, ainsi que l’est cet
être celle de l’autre. Jacques Lacan a bien identifié dans son commentaire de Lol V. Stein ce jeu
– Retours que constituent L’Amant et L’Amant de la Chine du Nord, les jeux de correspondance
amour évoqué. Le récit n’est pas cependant cela qui désigne le passé pour lui-même. Parce
qui lie les personnages :
brouillés que forment les deux romans. Les retours ne portent pas de révélation. Ils permettent
que l’accident apparaît toujours comme une actualité, il expose, dans l’accident, dans l’évé-
une plus grande précision dans le dessin de sa propre image que livre l’écrivain(e) et qu’elle
nement, le constant présent de l’amour et de son deuil, l’incarnation constante de ce présent.
Lisez plutôt. La scène dont le roman n’est tout entier que la remémoration, c’est proprement le
inscrit dans cette vaste image que forme chaque roman. Ces retours permettent encore la plus
Tout cela s’accorde à l’image écrite du corps de la jeune femme ; cette image est constamment
ravissement de deux en une danse qui les soude, et sous les yeux de Lol, troisième, avec tout le
nette affirmation de la présence de l’écrivain(e) (dès lors qu’elle dit que ces romans sont les
présente puisque l’écrivaine se donne pour le medium même de cette image.
bal, à y subir le rapt de son fiancé par celle qui n’a eu qu’à soudaine apparaître (LACAN, art.cit.)
La répétition fait recommencer et altère le récit même ; elle désigne par là même son invariant,
– L’individualisation est paradoxale : elle suppose que le sujet se défasse dans les regards par-
cette image écrite du corps. Celle-ci parce qu’elle n’est pas dissociable du medium (constant)
tagés, qui incluent son propre regard – cela définit sa douleur et sa folie.
23
romans de sa vie) et la mise en évidence de son explicite rôle de medium et de personnage
percevant, ainsi que ces rôles ont été définis.
– Ces retours sont des pratiques de l’imagination – celle-ci consiste précisément dans le retour
qu’est l’écrivaine peut désigner la pérennité de l’histoire et son temps, qui est celui de la perte.
– ; ce retour est calculé – cette imagination est une manière d’imagination technique (et non
De la même manière que, dans Un barrage contre le Pacifique, les barrages contre le Pacifi-
– Ces points caractéristiques de l’œuvre de Marguerite Duras constituent un ensemble cohé-
pas une manière d’imaginaire)7. Il faut comprendre que l’histoire ainsi construite – selon le
que ne cessent d’être reconstruits et de se défaire et que subsiste la mère, de même, l’amour
rent, au sens où ils définissent à la fois le propos et la manière dont les récits de l’écrivain(e) se
retour – vaut sans doute pour elle-même, mais plus essentiellement par ce qu’elle permet
ne cesse d’être dit et défait, dans la permanence de ce medium qu’est l’écrivaine – agent de
justifient. Ces récits, outre le fait des retours, sont par là même apparentés. Cela explique que
d’exposer. Reprendre (de fait, en le modifiant) deux fois des éléments d’Un barrage contre le
l’amour et de son deuil, mais aussi comme éternelle par ce rôle qu’elle se prête.
Marguerite Duras ait elle-même noté qu’une histoire a toujours pour suite une autre histoire.
Il faut comprendre que les diverses œuvres forment un enchaînement d’histoires par le fait
Pacifique, équivaut à se donner le moyen d’une vaste construction oxymorique – la présence
et la perte, le plein et le vide, l’amour et la mort. Cette construction permet d’inscrire la douleur
– On sait les silences des œuvres de Marguerite Duras. Que l’artiste fasse entendre, comme
même de la douleur, du jeu du personnage medium et du personnage percevant, du caractère
dans l’évocation la plus large du monde, de faire de l’écrivain(e) même le medium indispensa-
le note Marguerite Duras du peintre Alexis Kuroda, qu’il est en avance sur le silence, donne
centrifuge de la parole du sujet. On comprend ainsi que l’écrivain(e) puisse conclure qu’un livre
à comprendre que le silence confirme la maîtrise de l’artiste. Le silence est une manière de
est quelque chose de vide et de cependant décisif – vide parce qu’il est moins sa propre thé-
Indirectement, parce que l’écrivaine ne parle pas, dans les indications que nous donnons, de ses propres œuvres.
7
Pour préciser cette terminologie que Marguerite Duras emprunte à Francis Bacon, disons que l’imagination
est une technique exposition de l’image – l’image que fait un texte, que fait un film. Cette image expose des
jeux de perceptions spécifiques.
6
performatif paradoxal dans un dialogue : il est actuel dans l’actualité des mots qui sont dits. Il
8
L’apparition même du futur amant est un accident.
9
Le premier à avoir noté une connaissance intuitive de la folie chez Marguerite Duras est Jacques Lacan,
« Hommage fait à Marguerite Duras du Ravissement de Lol. V. Stein », dans les Cahiers Renaud-Barrault, Paris,
Gallimard, 1965, n° 52, pp. 7-15, puis dans Marguerite Duras, Paris, Albatros, 1975, pp. 7-15.
matique que cette figuration spécifique de la douleur et de l’interlocution, de l’inter-énonciation ; décisif parce qu’il est la constante reprise de cette figuration. On exprime ainsi à nouveau
l’importance de La Douleur – texte resté longtemps inconnu mais qui définit toute l’œuvre
écrite après l’épreuve qu’il rapporte.
II. L’argument de l’œuvre : de la douleur au traitement du négatif à la restitution
de la figure humaine
Revenons aux questions issues des remarques de Marguerite Duras sur Roland
Barthes et de Philippe Sollers sur Marguerite Duras. Qui se résument en une question : quelle peut être une représentation de la douleur et, par voie de conséquence de
l’amour, qui ne se confonde ni avec leur refus ni avec l’image d’une maîtrise de l’écrivain ? Cette question peut encore être précisée à travers deux remarques. Première remarque : si l’image d’une maîtrise de l’écrivain(e) sur la représentation doit être refusée,
cela implique que l’écrivain(e) soit lié(e) sans conteste à cette représentation, d’une manière qui à la fois laisse une certaine pertinence à cette représentation et donne un droit
de cité à l’écrivain(e) ou à sa figura. Seconde remarque : ne pas refuser la représentation
de la douleur ne commande pas une reconnaissance de la douleur pour elle-même, ni
celle du moyen de la douleur ; cette représentation porte un jeu de médiation dans la
fiction même de l’œuvre, au regard du lecteur. Que l’amour ne soit pas dissociable de
cette représentation de la douleur, comme l’illustre tôt dans l’œuvre Un barrage contre
le Pacifique, comme le confirmeront les deux reprises de certains de ses épisodes, tient
certainement aux données usuelles de la thématique amoureuse – Moderato Cantabile
donne un exemplaire clair de ce point –, mais plus essentiellement aux représentations
des corps que permet cette thématique. Cette représentation des corps est, bien sûr, indissociable de la représentation du corps douloureux ou, sur un mode mineur, du corps
qui ne se reconnaît pas pleinement. La douleur est ainsi le paradigme le plus constant
de l’œuvre, et ce qui détermine les représentations. Ce jeu représentationnel est spécifique de l’œuvre de Marguerite Duras.
Reconnaître ainsi au cœur de l’œuvre de Marguerite Duras la question du représentationnel fait reconnaître l’originalité de cette œuvre de Marguerite Duras, particulièrement s’il est comparé avec les dominantes de la littérature française depuis 1945. Il
ne s’agit pas d’être représentationnel ou contre-représentationnel – à la manière dont
le nouveau roman française a voulu l’être ou ne pas l’être –, mais de lier, comme on l’a
noté, l’évidence de la douleur à celle de l’être humain. Comme l’enseigne La Douleur,
ce lien est difficile à construire, puisque la représentation de douleur est la négation de
la possibilité même de l’image humaine. La visée de la représentation se définit alors
comme celle du dépassement du négatif. Ce dépassement se lit selon les traits de l’œuvre qui viennent d’être définis. Le dessin ultime de la figure humaine et l’accomplissement de l’interlocution, de l’inter-énonciation supposent ce négatif. La thématique
amoureuse est à la fois celle du corps, celle du négatif, et celle de ce dessin et de cet
accomplissement, dans le rappel même du négatif.
L’exposé du négatif abonde dans l’œuvre de Marguerite Duras – ainsi des malheurs
de la guerre, des malheurs sociaux, des malheurs de l’amour, des malheurs mêmes de la
vie. C’est donc une constance de cette œuvre que d’absenter la figure humaine plénière –
l’être humain qui existerait par lui-même et serait pleinement selon sa propre apparence.
Cet exposé atteint à un maximal dans l’évocation de la douleur – il faut répéter
La Douleur. Il y a bien des manières de faire varier cet exposé. Selon les états des sentiments, selon les états sociaux, selon les spectacles de la misère, selon l’amour, selon les
signes constants qui sont attachés à la douleur – l’impouvoir, le cri, l’absence, la fuite.
La douleur se dit ainsi selon toutes les impasses de la vie, de la société, de l’individu ;
Marguerite Duras s’attache à ces impasses ; elle en fait sa thématique ; elle en fait la
symbolique de son œuvre – c’est pourquoi Philippe Sollers y a vu un catastrophisme
constant et artificiel. Ce n’est pas cependant dans le privilège qui serait accordé au
catastrophisme qu’il y a le véritable usage de la douleur et de ces impasses. Personne
ne peut contester que l’histoire contemporaine illustre la certitude du catastrophisme. Cela que sait Marguerite Duras, qu’elle dit précisément dans La Douleur, mais
aussi dans Un barrage contre le Pacifique et dans ses reprises, qu’elle avoue expressément dans Détruire, dit-elle, qu’elle thématise de manière obscure dans Abahn Sabana
David, qu’elle suggère en présentant bien des personnages comme juifs, qu’elle ne
cesse de suggérer dans ce qui est le contrepoint de cette certitude du catastrophisme : la fuite, celle là même qui conclut Abahn Sabana David (où le personnage du juif
reprend sa fuite). Le catastrophisme se dessine aussi de manière privée – le cri dans
Moderato Cantabile, la maladie certaine de la femme dans Le Navire Night… Il faut
redire Un barrage et ses reprises.
Mais, au-delà, il y a encore une manière de dire ce négatif et la douleur : les placer
dans des situations extrêmes et dans des jeux de réflexion – cela fait de l’œuvre de Marguerite Duras une œuvre explicitement réfléchie et permet le dépassement du négatif
et un jeu spécifique d’inter-énonciation.
Dans ces années 1980, deux œuvres sont exemplaires de ces constats.
Les Yeux bleus cheveux noirs (1986) porte à l’extrême la notation de la douleur
– celle de l’amour et du désir impossibles entre un homosexuel et une femme –, au
même extrême la notation de la proximité des corps. Par ces deux extrêmes, se di-
sent le négatif et son dépassement symbolique dans une double équivoque : celle
de l’échange des jeux d’énonciation entre l’homme et la femme – il y a séparation
et il y a possibilité de substitution de l’énonciation d’un personnage à l’autre ; celle
du thème du blanc – à la fois, thème du deuil et thème de la transparence. Le point
remarquable reste que les deux personnages, dans leurs jeux de dialogue et d’observation réciproque, sont à la fois les mediums de la douleur et ceux qui perçoivent ce
medium. Le thème de la rencontre de l’homosexuel et de la femme vaut moins pour
lui-même que comme le moyen de construire ce jeu de perception, qui suppose une
douleur commune. Cette douleur commune fait la possibilité du jeu inter-énonciatif
et du dépassement de la douleur – symbolisé dans l’équivoque du blanc. Ce roman
est l’exemple achevé de l’œuvre réfléchie – non pas au sens, faut-il répéter, d’un jeu
formel, mais au sens du retour sur les conditions premières de l’œuvre – douleur, perception du corps de la douleur, médiateur de cette perception, et jeu réciproque de
ce mouvement pour les personnages. Ce retour, qui a sa version biographique avec
L’Amant et L’Amant de la Chine du Nord, est le moyen du dépassement du négatif, parce qu’il permet de mettre en évidence l’incarnation de la douleur et le jeu spécifique
de perception qui a été dit. Par quoi, se donne la figure plénière de l’être humain. Le
thème du blanc est aussi, vient-on de noter, celui de la transparence, manière de désignation de cette figure plénière.
Emily L. (1987) offre dans telle page initiale le dialogue, le regard, l’observation
du regard par l’autre, le croisement des regards et la promesse de l’écriture. Il y aussi la
peur ; il y a aussi la difficulté à reconnaître ce que l’on perçoit, celui que l’on perçoit, la
difficulté à être certain de ce que l’on voit. Le roman est ainsi en son commencement
essentiellement interrogatif – interrogatif par ce qui fait sa possibilité : la peur, les jeux
de perception qui sont autant de jeux sur l’autre perçu comme le medium d’un monde
et autant d’occasions de l’échange des questions, de l’exercice inter-énonciatif qui sup­
pose que l’homme et la femme (l’auteur) voient l’autre comme ce medium. Tout cela se
double de l’histoire (observée) d’Emily L. et du capitaine – une histoire d’écriture observée. On va ainsi de la peur à la reconnaissance de la nécessité d’écrire, qui ne se comprend elle-même que selon la peur et selon ces échanges et ces substitutions d’énonciation, et selon le passé. Passé de douleur sans doute et douleur parce que ce passé est
passé. Par cette douleur, ce passé vient inévitablement dans le récit de l’auteur(e) et de
l’homme qui l’accompagne. En même temps, subsiste la notation du catastrophisme
– la fin du monde viendra par l’Asie. Il n’y a pas là, comme il a été dit par la critique à la
sortie du livre, une notation ridicule. Cette notation est remarquable pour deux raisons.
D’une part, elle fait revenir à l’origine biographique de l’œuvre de Marguerite Duras et à
l’ambivalence de cette origine, à la fois heureuse et malheureuse, que disent Un barra-
24
ge contre le Pacifique et ses reprises. D’autre part, elle ferme sous le signe de la douleur
absolue et certaine l’évocation de cette origine et de l’avenir.
Les Yeux bleus cheveux noirs et Emily L., bien que ces deux romans n’aient pas de
rapport direct avec L’Amant et avec L’Amant de la Chine du Nord, font lire, de fait, les justifications de l’écriture de ces récits autobiographiques. L’histoire d’un amour, l’histoire de
ce qui apparaît comme le déterminant d’une vie, ne se comprennent selon la certitude
de la douleur et de la séparation qui permettent de construire le jeu du medium et de la
perception dans le rappel constant de l’amour (Yeux bleus cheveux noirs), et selon la reconnaissance de la fonction de l’écriture, précisément exposer ce jeu et ce rappel (Emily L.).
Ces remarques permettent de poursuivre avec les notations sur la représentation.
L’auteur(e) est partie prenante de la représentation moins parce qu’elle en est l’objet,
moins parce qu’elle la construit que parce qu’elle se reconnaît un double statut : elle
perçoit la douleur, elle est un medium de la douleur – écrire revient à exposer ces deux
états, d’une manière directe – Yeux bleus cheveux noirs –, d’une manière dédoublée
(Emily L.). Cette représentation est une reconstitution de la figure humaine à travers ce
double jeu, et par là un dépassement du négatif.
Ces œuvres des années 1980, La Douleur (que nous datons par son moment de
publication), L’Amant, L’Amant de la Chine du Nord, Les Yeux bleus cheveux noirs, Emily L.
constituent un ensemble remarquable. Elles fixent une manière d’anthropologie fondatrice de l’œuvre de Marguerite Duras (La Douleur). Elles donnent l’épure de son jeu
représentationnel et de sa construction symbolique (Les Yeux bleus cheveux noirs). Elles
en tirent une représentation de l’écrivain(e) et de l’écriture (Emily L.). Elles reprennent
cette anthropologie, ce jeu représentationnel dans l’autofiction (L’Amant, L’Amant de la
Chine du Nord), grâce à laquelle Marguerite Duras livre l’archéologie biographique de
son œuvre – une archéologie exactement congruente avec les développements thématiques et représentationnels de cette œuvre. Il faudrait ici répéter les notations qui
définissent quelques traits remarquables de l’œuvre de Marguerite : ils sont congruents
avec cette systématique de l’œuvre que dessinent ces textes des années 1980.
On préfère conclure ces remarques sur l’importance de la douleur, du négatif, sur
le jeu réfléchi de l’œuvre qu’ils autorisent par une double indication. Dans ce jeu de
l’œuvre, lisible dans textes qui ont été ici cités, on dispose de la justification et du commentaire du choix d’écriture qui est initié avec Le Ravissement de Lol V. Stein. Marguerite
Duras a expressément rappelé dans Ecrire qu’à l’écriture de ce roman correspondaient
l’épreuve du trou existentiel – variante de la douleur – et la peur du blanc – notation
que la perception de toute chose et de soi est à reconstruire selon la douleur. Le Ravissement de Lol V. Stein est la réponse à ces constats. Marguerite Duras a placé ce roman
sous le signe de la folie. Il ne faut pas mésinterpréter cette remarque. Elle ne traduit pas
la dépossession mais l’entrée dans la conscience de la propriété de la douleur. A la fin
des années 1970, durant les années 1980, l’œuvre l’exposé net de cette conscience et
des calculs créateurs qu’elle permet10.
Références bibliographiques
DURAS, Marguerite. Outside. Paris : Plon, 1984.
LACAN, Jacques. Hommage fait à Marguerite Duras du Ravissement de Lol. V. Stein. Cahiers Renaud-Barrault,
Paris : Gallimard, 1965, n° 52, p.7-15, puis dans Marguerite Duras, Paris : Albatros, 1975, p.7-15.
SOLLERS, Philippe. « L’hypnose Duras » (interview), L’Evénement du jeudi, n°722, 3 sept. 1998.
25
10
On ajoute ici une suggestion qui commanderait d’autres commentaires. Ce jeu sur la douleur, sur l’altération
de la figure humaine est omniprésent dans la pensée et la littérature des années 1960 et suivantes. Rappelons l’effacement de la figure humaine dont parle Michel Foucault dans Les Mots et les choses. L’œuvre de
Marguerite Duras doit se lire dans ce contexte, dont elle est un des meilleurs commentaires dont on dispose.
Traduções de Marguerite Duras no Brasil
Denise Bottmann1
Resumo
A autora faz um levantamento das traduções de Marguerite Duras publicadas no Brasil.
Palavras-chave: tradução; mercado editorial brasileiro; Marguerite Duras.
Denise Bottmann é historiadora, ex-docente da UNICAMP (1983-1996) e tradutora do inglês, francês e
italiano. Atualmente dedica-se também a pesquisas em história da tradução no Brasil.
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Denise Bottmann est historienne, professeur à l’UNICAMP (1983-1996) et traductrice de l’anglais, du français
et de l’italien. Actuellement, elle se consacre aussi à des recherches sur l’histoire de la traduction au Brésil.
[email protected]
A primeira menção a Marguerite Duras na grande imprensa brasileira se dá em 10
de dezembro de 1950, no jornal carioca Correio da Manhã,2 ao apresentar os resultados
do Prêmio Goncourt daquele ano, mencionando que Un Barrage contre le Pacifique recebera um voto do júri. Em 2 de março de 1951, o Diário Carioca publica a tradução de
um artigo de Pierre Descaves, “Os quatro laureados de 1950”, o qual cita Duras entre “os
postergados (...) que dão prova da abundância e da riqueza do romance francês”.
Para toda a década de 1950, encontramos apenas quinze menções a seu nome,
como “uma jornalista francesa”, como “integrante da escola de iconoclastas de Alain Robbe-Grillet” ou associada ao cinema, com This Angry Age (no Brasil, Terra cruel) e Moderato Cantabile.
Com o lançamento de Hiroshima, meu amor nas telas brasileiras em 1960, a grande imprensa passa a se deter um pouco mais sobre Duras – na década de 1960, serão ao
todo 180 menções a ela, sobretudo em relação ao filme de Alain Resnais, bem como a
Moderato Cantabile, de Peter Brook. Na década seguinte, sua presença diminui nos jornais brasileiros, recebendo 120 menções ao todo, em grande parte relacionadas, mais
uma vez, ao teatro e ao cinema, incluídas entre elas as programações das casas de espetáculos. Encontram-se algumas referências em matérias sobre o nouveau roman, alinhavadas ao lado dos nomes de Robbe-Grillet, Michel Butor e Nathalie Sarraute. Nada
mais específico sobre sua figura ou sua obra.
Será a Francisco Alves, em sua coleção “Prosa do Mundo”, a primeira editora nacional a tomar a iniciativa de apresentar Marguerite Duras ao público brasileiro. A escolha recai sobre O vice-cônsul que, traduzido por Fernando Py, será lançado em 1982.
Em 1983 e 1984 seguem-se discretamente Outside e A doença da morte. À exceção de
Outside, os lançamentos receberam nota de lançamento e resenha, porém sem maiores
repercussões. Ainda assim, A doença da morte esteve durante uma semana na lista não
de mais vendidos, mas de bem vendidos.
As principais fontes de consulta para este artigo foram os jornais disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional: http://memoria.bn.br.
2
O Prêmio Goncourt de 1984, agraciando L’Amant, é o que marca a grande arrancada da autora junto às casas editoriais brasileiras. Outorgado em novembro de 1984,
já em janeiro de 1985, a Nova Fronteira anunciava ainda para o primeiro semestre o
lançamento da tradução da obra. O amante é publicado no mês de abril. O sucesso será
estrondoso. Em seis meses, alcançará nada menos do que dez edições e se manterá
durante 33 semanas ininterruptas entre os cinco livros de ficção mais vendidos no país.
Paralelamente, em maio de 1985 sai Moderato cantabile que, a despeito de ter
sido tema de grande parte das menções a Duras entre as décadas de 50 e 70, tem uma
acolhida junto ao público nem remotamente comparável à de O amante.
Em 1986, continua o boom durasiano, com o lançamento de cinco novos títulos.
Um deles, A dor, durante cinco semanas estará entre a lista das cinco obras de ficção
mais vendidas.
Porém, a partir de 1987, já arrefece a cobertura da imprensa em relação aos títulos que continuam a ser publicados. O furacão editorial e jornalístico dos dois anos
anteriores agora pertencia ao passado. A tal ponto que, em meados de 1987, a célebre
coluna social de Zózimo do Amaral traz: “Marguerite Duras, para quem não se lembra,
foi a grande musa da nouvelle vague” (sic) ou, em 1988, tem-se uma breve notícia de lançamento de Os olhos verdes com a seguinte chamada: “Grande vendedora de romances
no Brasil, Marguerite Duras é menos conhecida entre nós como roteirista e cineasta”
– e isso a despeito do grande sucesso sobretudo de Hiroshima, meu amor, revivido em
1982 com a volta do filme às telas brasileiras!
Por outro lado, nomes da cultura pop como o roqueiro Leo Jaime, o roteirista de
telenovelas Aguinaldo Silva e mesmo a vedete de televisão Isabela Ribeiro declaram
ler, apreciar e se inspirar em Duras; Tônia Carrero comenta que “acabei de ler O verão de
80 da Marguerite Duras e achei O amante bem mais divertido”; a chamada para a peça
A amante inglesa apresenta Duras como “a autora mais vendida do Brasil”, e assim por
diante.
Seja como for, em meio a tanta volatilidade, até o final dos anos 1980 serão publicados nada menos do que 22 títulos da autora.
26
Ao longo de toda a década de 1990, e sem maiores alvoroços por parte da mídia,
teremos o lançamento de quatro volumes de escritos de Duras. Por fim, desde 2000 até
a data presente, outros quatro, num perfil peculiar: apesar de tanto sucesso e tantas
obras publicadas naquele lustro da segunda metade da década de 1980 no Brasil, somente em 2003 teremos o lançamento de um antigo título importante como Uma barragem contra o Pacífico; três outros títulos dos anos 2000 são retraduções (o romance O
amante, e os dois contos, O homem sentado no corredor e A doença da morte, reunidos
num mesmo volume), e o mais recente é uma coletânea póstuma.
Concluindo, o balanço geral aponta que, de 1982 a 2014, temos 30 volumes de
Marguerite Duras publicados no país, sendo indiscutivelmente O amante o de maior sucesso, com uma quantidade incalculável de edições e reedições, tanto em sua tradução
inicial quanto em sua nova tradução de época mais recente.
Livros de Marguerite Duras no Brasil, por ordem de lançamento:
Anos 1980
13.Olhos azuis, cabelos pretos (1986). Trad. Vera Adami. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1987.
14.O caminhão (1977). Trad. José Sanz. Rio de Janeiro: Record, 1987.
15.Agatha (1981). Trad. Sieni Maria Campos. Rio de Janeiro: Record, 1988.
16.Dias inteiros nas árvores (1954). Trad. Tati de Moraes. Rio de Janeiro: Guanabara,
1988.
17.Emily L. (1987). Trad. Vera Adami. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
18.Savannah Bay (1982). Trad. Sieni Maria Campos. Rio de Janeiro: Record, 1988.
19.Os olhos verdes: crônicas publicadas em Cahiers du cinéma (1980). Trad. Heloisa Jahn.
Rio de Janeiro: Globo, 1988.
20.Boas falas – conversas sem compromisso (com Xavière Gauthier) (1974). Trad. Sieni
Maria Campos. Rio de Janeiro: Record, 1988.
21.A vida tranquila (1944). Trad. Fernando Py. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.
22.A vida material (1987). Trad. Heloísa Jahn. Rio de Janeiro: Globo, 1989.
1. O vice-cônsul (1965). Trad. Fernando Py. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.
Anos 1990
2. Outside: notas à margem (1981). Trad. Maria Filomena Duarte. São Paulo: DIFEL, 1983.
23.Chuva de verão (1990). Trad. Vera Adami. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
3. A doença da morte (1982). Trad. Jorge Bastos; edição bilíngue. Rio de Janeiro:
Taurus, 1984.
24.O amante da China do Norte (1991). Trad. Denise Rangé Barreto. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1992.
4. O amante (1984). Trad. Aulyde Soares Rodrigues. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985.
25.Yann Andréa Steiner (1992). Trad. Maria Ignez Duque Estrada. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1993.
5. Moderato cantabile (1958). Trad. Vera Adami. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.
26.Escrever (1993). Trad. Rubens Figueiredo. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
6. A dor (1985). Trad. Vera Adami. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
7. Dez e meia da noite no verão (1960). Trad. Fernando Py. Rio de Janeiro: Guanabara,
1986.
Anos 2000 em diante
8. O deslumbramento (1964). Trad. Ana Maria Falcão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986.
28.O homem sentado no corredor / A doença da morte (1980 / 1982). Trad. Vadim
Nikitin. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
9. O verão de 80 (1980). Trad. Sieni Maria Campos. Rio de Janeiro: Record, 1986.
29.O amante (1984). Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
10.Os pequenos cavalos de Tarquínia (1953). Trad. Fernando Py. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1986.
30.Cadernos da guerra e outros textos (póstumo, org. Sophie Bogaert e Olivier Corpert,
2006). Trad. Mário Laranjeira. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.
11.O marinheiro de Gibraltar (1952). Trad. Tizziana Giorgini. Rio de Janeiro: Guanabara,
1987.
12.O homem sentado no corredor / O homem atlântico (1980 / 1982). Trad. Sieni Maria
Plastino. Rio de Janeiro: Record, 1987.
27.Barragem contra o Pacífico (1950). Trad. Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Arx, 2003.
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Marguerite Duras e a escrita da intimidade
Julia Simone Ferreira1
Universidade Federal do Acre
Resumo
Marguerite Duras é uma escritora intimista. Ela é intimista quando sua escrita encena
vida e obra. Nestes dois mundos, o íntimo se traduz apenas pelo não-dito do discurso. Assim, a autora traduz o intraduzível: uma história pessoal que permanece em seu
estado latente. Entre continuidade e descontinuidade do discurso, a intimidade das
heroínas encontra sua origem em torno da ausência e da falta. Para descrevê-las, Duras
coloca à luz a música. Ela simboliza o presente e o passado, a memória e o esquecimento, o amor e a morte; temas durassianos por excelência. Finalmente, constata-se que os
fantasmas da escrita estão diretamente relacionados com a infância da autora e a morte
do irmão mais novo. Esta história marcou-a profundamente, quando Duras, relacionando a vida e a escrita, responde à pergunta de Yann Andréa: “O teu livro absolutamente
favorito? ela responde: A Barragem, a infância” ou, como sugere a lembrança da morte
do irmão mais novo, ela responde: “Eu queria te dizer que te amava. De gritar. É tudo”.
Palavras-chave: intimidade; vida; obra; memória; esquecimento.
Julia Simone Ferreira graduou-se em Letras Português/Francês pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), fez mestrado em Letras (Semiótica e Literatura Francesa) pela Universidade de Nice Sophia-Antipolis (1996) e Doutorado em Letras (Língua e Literatura Francesa) pela mesma Universidade (2006)
sob orientação de Béatrice Bonhomme. Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Acre
(UFAC) onde ministra aulas nos cursos de Francês, Ciências Sociais e Geografia. Dedica-se à pesquisa em
Letras, com ênfase em Literatura Francesa e no ensino de Língua Estrangeira. Em Literatura e Psicocrítica do
crítico francês Charles Mauron, investiga as imagens obsessivas nas obras de Marguerite Duras. Em Língua
Estrangeira, investiga atualmente o ensino de língua francesa e suas novas tecnologias.
1
Introdução
Obra e vida, vida e obra são dois mundos sempre ligados por uma só e mesma
aventura, a escrita. Em Marguerite Duras, esses dois elementos estão ligados de modo
obscuro e misterioso, notadamente quando se trata de acontecimentos históricos que
lhe tenham marcado profundamente. Através de suas obras, Duras deixa, com efeito,
transparecer certos acontecimentos de sua vida familiar e pessoal. Entretanto, ela guarda sempre consigo uma parte de reserva quando “desvela” a seus leitores os “sofrimentos do coração” ligados à vida familiar: a vida difícil, a desigualdade, a mãe, os irmãos, a
precocidade amorosa, isto é, toda uma vivência íntima, marcada por desilusões sentimentais e amorosas.
É por essa razão que Duras é designada como escritora intimista. Assim a consideramos particularmente nos romances que aqui escolhemos para estudo: Moderato
cantabile, Dix heures et demie du soir en été e Le Ravissement de Lol V. Stein. Trata-se de
narrativas escritas nos anos 1960, tendo como ponto comum serem todas marcadas
por oxímoros: a palavra e o silêncio, o amor e a morte, a memória e o esquecimento, a
alegria e as penas de amor, até a perda e o desespero. Duras libera toda essa emoção
em uma escrita característica desse período em que os textos mostram uma mesma
tendência à repetição de certas imagens da vivência íntima das heroínas.
Mostraremos como Duras tenta encontrar uma solução para um acontecimento
doloroso vivido pelas heroínas dos textos; uma história carregada de mistérios e de
não ditos que permanecem em estado latente. Escrever no paradoxo será a maneira
durassiana de contar uma história traumática inicial. Na continuidade e descontinuidade do discurso, o autor tenta compreender a loucura simbólica, o sofrimento do
coração ou a dor indelével, ao mesmo tempo, para melhor transcrevê-los em palavras, porque para Duras, a escrita só tem sentido quando aponta “em direção à escuridão e ao desconhecido, através do que é mais obscuro e desconhecido ainda”
(BLOT-LABARRÈRE, 1992, p. 16).2 Tradução da Autora para todas as citações, exceto quando explicitamente referido.
2
Escrever a intimidade das heroínas significa para Duras não poder evitar, escrever
e reescrever o acontecimento traumático, repeti-lo, voltar a essa história, retornar aos
mesmos personagens, deslocando-os. Esse verdadeiro “buraco” (DURAS, M., GAUTHIER,
X., 1974, p. 13) fascina-a e atrai seu olhar para onde tudo parece engendrar-se em um
processo de escrita e de reescrita. É assim que, de texto em texto, o autor se atrela a
um eterno recomeço, em que tudo é apenas eco da coisa escrita. As palavras tocam as
zonas perigosas do coração.
Finalmente, o íntimo encontra sua origem em torno da falta e da ausência e as
situa na perda. Em outras palavras, Duras reinterpreta incansavelmente a história de
um “luto negro” (“deuil noir”, DURAS, 1995, p. 34), luto que se torna interminável pela
ausência do ser apaixonadamente amado. A reiteração aparece então como essencial,
porque a interioridade misteriosa e obscura do ser é sempre examinada. Com esta intenção, a obra parte à procura de “alguma coisa que se recuse a ser destacado […]. O
que é doloroso, a dor – o perigo – é a criação, a colocação na página dessa dor, é morrer
nessa sombra negra a fim de que ela se espalhe sobre o branco do papel, externar o que
é de natureza interior” (DURAS, 1977, p. 123-4), e a autora conclui: “Somente os loucos
escrevem completamente”, uma vez que para Duras “somente os loucos operam fora da
conversação da vida vivida” (DURAS & GAUTHIER, 1974, p. 50). É justamente também na
“conversação da vida vivida” que, através da música, Duras vai tentar obstinadamente
“explodir a sombra negra e externá-la”, “sobre o branco do papel”, o vivido traumatizante das heroínas. É assim que ela vai tentar compreender o vivido de outrora, alguma
coisa que fica escondido e graças a esse processo de escrita, Duras ilumina o íntimo
escondido das personagens dos textos.
1. O íntimo e a música
Sabe-se que a música tem o poder de desencadear o sentimento da ausência.
Ela se faz eco interior de um luto impossível e de uma perda inconsolável. A música
tem como função despertar a sensibilidade escondida nas personagens, pois ela
28
representa algo além da palavra. Ela abre para um mundo interior no qual emoção
e memória estão ligadas. A música traduz as capacidades emotivas e atinge diretamente nosso eu profundo. A dor das personagens só pode ser ouvida simbolicamente através da música transcendental. No fundo, ela age sobre as heroínas como
uma força de demência que escapa à linguagem. Tudo se passará como se, pela
música, as personagens reconhecessem algo impossível de ser dito, dos fatos aos
quais elas não podiam aceder interiormente, isto é, o sofrimento. É como se as personagens femininas se fechassem em si mesmas para irem ao encontro do absoluto,
para além dos fatos.
Pode-se então perguntar o que os sons ouvidos despertam nas personagens durassianas. Lembram-lhes uma experiência pessoal traumatizante? Parece que sim; com
efeito, a música, em relação às imagens anteriores, desencadeia nas heroínas lembranças dolorosas provenientes de um choque emocional: o reviver de um acontecimento
vivido na juventude. Sabe-se que, para Duras, quando se “é perseguido pelo que se
viveu. É preciso deixar acontecer [...] essa massa antiga do vivido, numa ‘desordem original’ de sua acumulação ao longo dos anos” (ARMEL, 1998, p. 13). Na obra de Duras, a música desperta pensamentos distantes, imagens íntimas ancoradas na memória, o que confirmam as palavras dirigidas a Marianne Alphan: “a música é da ordem do não dito, do pensamento não formulado, misturado à sensibilidade.
A música não sabe o que diz, [ela exprime] uma emoção insustentável, das imagens do
vivido” (DURAS & ALPHAN, 1977).
Com efeito, a autora reconhece bem o estranho poder secreto que a música exerce sobre si, notadamente quando faz referência a La Musica3 de sua infância. É por isso
que quando a escutava “despertava nela uma emoção insuportável, e choros que ela
não podia conter” (ARMEL, 1998, p.77). Assim, a música está ligada diretamente a essa
região misteriosa de si, “a sombra interna”, o trágico da morte onde as sensações se
transformam em matéria escrita. Para Duras, “a sombra interna” está em relação com “a
vida vivida” (cf. DURAS & GAUTHIER, 1974, p. 50), principalmente quando esta última
deixa traços de uma experiência de luto.
É assim que, em Moderato cantabile, a música substitui a palavra de Anne Desbaresdes: seu sofrimento íntimo só é sentido através da música de Diabelli, tocada por
seu filho. De maneira simbólica, as lições de piano impostas pela heroína a seu filho
permitem esclarecer o que escondem as aparências. Com efeito, a lição de piano tem
um sentido para a mãe, que não é claramente revelado no texto.
A própria Anne é incapaz de compreender, pois: “Anne Desbaresdes segurou o fi La Musica é uma peça de teatro escrita por Marguerite Duras em 1965. Utilizamos este termo para evocar as
lembranças pessoais da autora.
3
lho pelos ombros, abraçou-o a ponto de machucá-lo, quase gritou. – É preciso aprender
piano, é preciso” (DURAS, 1985, p.15).
2. A sonatina de Diabelli
Os motivos para essa aprendizagem não são esclarecidos, tampouco a obstinação
de Anne. Não há dúvida de que a música de Moderato cantabile pertence à criança, o filho de Anne. No fundo, essa apropriação explícita, na verdade, esconde outra; a criança
só toca música por amor à sua mãe.
Ao longo do texto, o leitor pergunta-se por que a heroína insiste no fato de que
seu filho deve, impreterivelmente, aprender piano. E se a primeira cena do livro parece
opor a mãe ao filho, essa oposição não passa de uma ilusão, conforme mostram certos
sinais no texto. Com efeito, os discursos de Anne em relação aos verdadeiros motivos
dessa aprendizagem são ilógicos e obscuros: “– É preciso aprender piano, é preciso;
[segunda vez]: – é preciso, continuou Anne, é preciso. [E a heroína conclui]:– A música,
meu amor…” (DURAS, 1985, p.15).
A música revela o íntimo da heroína, mesmo se esta última não chega a dizer que
a música lhe é indispensável e vital. Ouvindo a música, longínquos pensamentos vêm à
sua mente, pensamentos que ela só é capaz de ouvir interiormente. A música toca sua
alma profundamente.
São fatos pessoais e obsessivos que ressurgem. O mundo dos sons age sobre
Anne como uma força invisível que escapa por definição à linguagem. Ela se lembra de
seu passado, isso se acrescenta ao grito da jovem mulher assassinada, no café do porto.
Através da música e do grito da mulher agonizante, Anne tem o sentimento de reviver
algo de poderoso e eterno que permanece em seu estado latente, com efeito:
Anne Desbaresdes mais uma vez ficou esgotada ao relembrar.
faz sentido, marcando nas frases a presença de um bloqueio, do que não pode ser dito,
do que não pode ser confessado, notadamente o liame entre a paixão vivida e a morte.
É por isso que a criança deve tocar piano. Assim, a música tocada por seu filho conduz Anne, simbolicamente, à sua memória e depois ao esquecimento. A obstinação de
Anne para que o filho aprenda música fica então evidente:
Ela ouvia a sonatina. Provinha das profundezas do tempo trazida pelo filho dela [...].
A sonatina ainda soava, conduzida como uma pluma por esse bárbaro, quisesse ele ou não, e
abateu-se mais uma vez sobre sua mãe, novamente condenou-a à danação de seu amor. As
portas do inferno se fecharam (DURAS, 1985, p.104-6).
Nessas passagens, o léxico, em sua dimensão hiperbólica, remete ao excesso que a
sonatina em si sugere: “danação”, “amor”, “inferno”. A sonatina desvenda um outro mundo.
Ela fala de morte, de maldição, de danação, de um amor prometido na morte que se faz
sentir, nas mínimas palavras do narrador. Ela revela um sofrimento que se estabelece no
pensamento íntimo da heroína. Tendo perdido o sentido das palavras para exprimir o
verdadeiro sofrimento, Anne deixa-se invadir completamente pela sonoridade maléfica
que ressoa “tocada por este bárbaro, queira ele ou não” (DURAS, 1985, p.106). A sonatina
de Diabelli remete à do diabo, às “portas do inferno”. Ela traduz um amor-paixão vivido na
morte, essa dimensão trágica nos remete à concepção raciniana da paixão: uma paixão
sempre ligada à morte, contra a qual não se pode lutar e da qual é impossível escapar.
Podemos concluir, no entanto, que a lição de piano é um pretexto da heroína para
poder ouvir a música. Esta constitui o mediador entre uma lembrança imemorial, bem
como um meio para a heroína apaziguar sua pena original. Ela aparece então, como um
paliativo para atenuar ou esconder sua verdadeira dor: a morte de um ser apaixonadamente amado.
– Foi um grito muito longo, muito alto, que se deteve abruptamente quando estava no auge
de si mesmo – disse ela. [...]
Uma vez, eu tenho a impressão, sim, uma vez eu devo ter gritado mais ou menos assim, talvez,
sim […]. (DURAS, 1985, p. 55)
Como o grito, a música é uma forma de memória. É graças a essas duas formas de
escrita que Duras faz renascer a lembrança da emoção esquecida e traduz uma verdade
escondida. À medida que o texto evolui, a obsessão da música torna-se visível, evidente. Anne reconhece, em si mesma, que a música desperta alguns fatos marcantes de
seu passado, embora não saiba como explicar essa evidência. É então que o silêncio
3. A música em Dix heures et demie du soir en été
Em Dix Heures et demie du soir en été, o piano desaparece completamente da cena.
Constata-se um recuo do tema da música, que, entretanto, não é o que aparenta. A
matéria musical está integrada à narrativa de maneira diferente. Com efeito, a música
aparece primeiramente como tela de fundo tornando sensível a passagem atmosférica
e cronológica do tempo: “Devem ser entre seis e sete horas da noite. Outro aguaceiro
chega e a praça se esvazia. Um maciço de palmeiras anãs, no meio da praça, se torce
sob o vento. Flores, entre elas, estão esmagadas” (DURAS, 1960, p. 12).
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A música se manifesta em seguida, em forma de canto, como uma canção popular:
“nesse verão” (DURAS, 1960, p. 61). O canto salmodiado pela heroína traduz a lembrança de um amor vivido outrora. Ele procura também chamar a atenção do criminoso,
Rodrigo Paestra. Percebe-se que o ato de cantar indica uma mensagem: tirar Rodrigo
Paestra de seu silêncio mortal e trazê-lo para Maria. Seu canto traduz uma espécie de
esperança, mesmo se ele já está previamente condenado. Midori Ogawa diferencia o
canto de Maria do da sereia porque: “Maria tem como objetivo trazer à vida, [enquanto
que] o canto da sereia tem como jogo […] a morte. A personagem durassiana identifica-se com a sereia com objetivo oposto. [E ela reafirma]: a tentativa de Maria consistiria,
pois, trazer este morto à vida” (OGAWA, 2002, p. 76-8).
É preciso ressaltar que, quando Maria descobre pela primeira vez o corpo de Rodrigo, este se apresenta como um objeto inanimado. Ela canta, pois, para trazer à vida
esse corpo prometido à morte:
Maria, o corpo fora do balcão, põe-se a cantar. Muito baixo, um tema daquele verão, que ele
deve conhecer, que ele deve ter dançado com sua mulher nas noites de baile (Duras, 1960,
p. 61, grifos nossos).
[…] Ela canta baixinho. […] Ela continua a cantar essa canção que ela cantava na hora em que
ela se desesperava de sua existência. […] Maria continua cantando. Pode-se cantar sempre.
Ela não pode ainda parar de cantar porque ela apenas começou a cantar. Ele está lá; […] Maria
canta mais depressa, mais depressa ainda, sempre baixinho. […]. Ela canta ainda, não percebe
que ela canta por nada. Ele está lá, ele vem, ele chega. Ela canta. Ele andou um metro. Ela canta
sempre, a mesma canção. Muito baixo (Duras, 1960, p. 76-8).
A recorrência dos advérbios “ainda” e “sempre” levam a pensar que Maria conta
sua própria história.4 A presença de alguns lembretes revela, com efeito, certa subjetividade na linguagem. Por essas palavras, a história parece pertencer à sua vida íntima:
um dia, um baile, no verão, algo de dramático aconteceu na juventude da heroína. Não
é por acaso se no parágrafo que segue a aventura de Maria, o narrador se interroga:
Ela não tem mais medo? O medo desapareceu quase totalmente. Não resta dele senão a fresca lembrança, amadurecida nesse instante, em plena floração, daquilo que foi. Menos de um
minuto se passou. O medo tornou-se tão inimaginável quanto à adolescência confusa do coração (Duras, 1960, p. 79-80, grifo nosso). Por trás de um plano simbólico, Maria esconde um segredo íntimo que pertence
a seu passado. Jean Pierrot não está errado em
perguntar se, nos comentários publicados seis anos após o lançamento do livro, e destinados
a acompanhar a adaptação cinematográfica em curso, mais tarde, a autora não desviou um
pouco a atitude de seu personagem no sentido de uma lucidez e de uma resignação maiores
que as que aparecem efetivamente na obra original (PIERROT, 1989, p. 135).
Pelo viés da canção, como se pode definir o gesto de Maria, de querer salvar
Rodrigo Paestra da polícia a qualquer custo? Para ela, este homem encarna a fatalidade da paixão, o amor vivido até a morte. Maria vê neste homem uma imagem, um
espelho de sua própria situação. Durante a tentativa de salvamento, ela transporta o
criminoso para um campo de trigo. Mas, incapaz de suportar e de esquecer a traição
de sua mulher, Rodrigo Paestra se suicida. Este ato simboliza aos olhos de Maria, “a
morte” de uma vida conjugal. Ela reconhece “a morte na sua própria vida conjugal e
o destino catastrófico do desejo. Ela está consciente desse mecanismo que age na
fatalidade do casal e contra a qual a heroína não ‘pode nada’: ‘eu nada posso, diz ela
baixinho, nada. Ninguém’” (DURAS, 1960, p.109-10). Com efeito, Maria combate a seu
modo. O ato de cantar se transforma em uma tentativa de remediar o amor que a
heroína está em vias de perder, na realidade. Maria pensa colocar um fim à sua solidão ou ao seu sofrimento unindo-se a Rodrigo Paestra, mas os jogos estão feitos, ela
perdeu de antemão. A única esperança de reconquistar Pierre seria ficar junto dele.
Infelizmente, sua esperança se esvai: “Eu prometi a mim mesma jogar uma grande
partida com Rodrigo Paestra. E depois, eis que ela perdeu o empreendimento logo no
começo. É tudo” (DURAS, 1960, p. 136).
A heroína pensa chamar, assim, a atenção de seu marido, Pierre, mas, infelizmente
não consegue. Incomodada e embaraçada, Maria não encontra mais seu lugar, enquanto mulher, junto a seu marido. Beber e fugir são as únicas soluções que lhe restam.
Finalmente, essa “tempestade musical” age sobre o comportamento de Maria e
favorece, com o passar do tempo, uma tomada de consciência: “O fim de uma história” (DURAS, 1960, p. 150) com seu marido, Pierre. Além disso, através da música ou do
canto, ela evoca a história de um amor transformado em memória. No fundo, a música
simboliza a memória e o esquecimento. Apesar do canto de Maria, a morte de um amor
vivido estará sempre lá, impregnada em sua memória.
4. A música em Le Ravissement de Lol V. Stein
Desde o início de Ravissement de Lol V. Stein, o narrador evoca a presença da
música ouvida no rádio, em “une émission-souvenir” (emissão-recordação). É justamente esse termo que convém, porque remete ao passado e ao mesmo tempo à
estranha história da heroína, Lol V. Stein. É graças a essa música, transformada simultaneamente em dança e baile, que serão indicados os caminhos a seguir para compreender o texto. Com efeito, a música evoca a infância e, sobretudo o passado doloroso de Lol. Tudo se passa como se, pelo viés da música, houvesse uma decifração,
“a abertura de uma ópera [que] anuncia os motivos e as tonalidades” (BORGOMANO,
1997, p. 30) do texto:
Lol V. Stein nasceu aqui, em S. Tahla, onde viveu uma grande parte da juventude. […] Jamais
soube algo da infância de Lol V. Stein que me impressionasse, nem mesmo por parte de Tatiana Karl, sua melhor amiga durante os anos do colégio.
Às quintas-feiras, as duas dançavam no pátio vazio. […] Vamos dançar, Tatiana ? Um rádio em
um prédio vizinho tocava músicas fora de moda – um programa saudosista – com as quais elas
se compraziam […] vamos, Tatiana, venha dançar, Tatiana, venha (DURAS, 1986, p.7).
30
Sabe-se que Tatiana se encontra profundamente ligada a Lol, porque dançaram
no colégio, na infância. A partir desse fato, ela desempenhará um papel preponderante
na vida da heroína no momento do famoso baile do deslumbramento.
Sabe-se também que, durante o baile, Tatiana se encontra junto a Lol, um pouco
atrás, mas suficientemente bem colocada para assistir à dança do noivo de Lol, Michael
Richardson, com uma desconhecida, Anne-Marie Stretter. Lol e Tatiana são espectadoras dessa cena e encontram, assim, o arquétipo de seu primeiro baile da infância.
Durante o baile, Lol, “momentaneamente imobilizada”, contempla a cena profundamente “fascinada” e “suspensa” (DURAS, 1986, p. 10 e 12). A heroína olha o casal formado por seu noivo e Anne-Marie Stretter.
No fundo, Lol está consciente de que a música, nesse baile, é dotada de um estranho poder que atrai seu noivo. Ela pressente o amor nascente entre Michael Richardson
e Anne-Marie Stretter: um amor frenético entre os futuros amantes:
Eles tinham dançado. Dançado mais uma vez. Ele, com os olhos abaixados para a região nua
do seu ombro […], de pé um perto do outro, a distância de todos, sempre a mesma. Com exceção de suas mãos unidas durante a dança, não se aproximavam mais do que da primeira vez,
Ver as palavras em negrito nas citações, grifadas por nós.
4
quando se olharam” (DURAS, 1986, p. 13).
Aqui, a música fala por eles. Os dançarinos não se olham, não se falam, apenas
se tocam. A música do baile estabelece um contato espiritual entre eles. Ela abre suas
almas, entrega-os um ao outro. Existe aí uma corrente de emoção comum: o desejo
que circula entre o noivo de Lol e Anne-Marie Stretter. É esse desejo que Lol contempla,
fascinada. Mas se essa fascinação pode ser interpretada, de primeira mão, como um
traumatismo, um desespero de amor, ela é, na verdade, de outra ordem, na medida
em que Le Ravissement de Lol designa também o desenraizamento, o rapto do qual Lol
é a vítima: “Ei-la, de fato, despojada desse noivo que ela amava, diziam, de uma louca
paixão” (BORGOMANO, 1997, p. 39). Assim, a dança é para a heroína, a imagem da desapropriação e da perda, em que Lol transforma o lugar do desejo em lugar de perda,
de abandono.
Uma vez que Lol ainda consegue ver os dançarinos no baile, “[…] o sofrimento
não havia encontrado nela onde se expandir, […] ela tinha esquecido a velha álgebra
das penas de amor” (DURAS, 1986, p.13). Assistindo à dança dos futuros amantes, Lol
não é atingida pela dor, pois está ocupada em ver, em contemplar.
Como se pode definir essa estranha dor “apagada” nesse famoso baile? Duras explica, ela mesma, esse acontecimento:
De fato, o que Lol deseja é a reconstituição da dança dos amantes, mais e sempre,
até a obsessão. É nesse espaço fechado e íntimo dos amantes que ela deseja fechar-se
para sempre. Na verdade, o que ela deseja é colocar em andamento o próprio acontecimento do baile. Pela dança dos amantes, a heroína, em uma espécie de êxtase físico, vê
aniquilar-se a fronteira de seu corpo já separado de Michael Richardson, fronteira que o
olhar não conseguira apagar, esquecer.
Para reanimar a música do baile e preencher um “vazio” interior, Lol se casa com
o músico Jean Bedford. Ele toca algumas vezes em concertos na cidade. À noite, ele
se exercita antes dos concertos. Tudo leva a crer que as notas musicais ouvidas pela
heroína desencadeiam em sua mente o próprio acontecimento do baile. A memória
auditiva e visual permanece em Lol como um traço indelével. Cada vez que ela ouve o
ritmo “cortante” daquela noite, ela recobra as lembranças carregadas de uma emoção
dolorosa, insuportável. Jean Paul Larthomas declara a propósito:
A música só existe verdadeiramente na memória. Nós passamos ao verdadeiro degrau inicial,
tão maravilhoso, essa exclusão, esse aniquilamento de Lol. É admirável poder ver seu próprio
amor se apaixonar por outrem, e maravilhar-se com isso, que isso marcou sua vida. É isso. (DUMAYET & MAGDELEINE-LESSANA, 1999, p. 13)
Na verdade, há nessa música do baile uma emoção paradoxal que parece gerar
dor e alegria amalgamadas (DURAS, 1976, p. 48). A dor manifesta-se na “aurora” (p. 22),
quando os dançarinos saem da sala de baile, já longe da vista de Lol. É justamente lá
que a heroína sente “a estranha omissão de sua dor durante o baile” (DURAS, 1986, p.17)
e que ela cai desmaiada. Terminado o baile, começa a verdadeira existência de Lol: entre os fantasmas e as lembranças. Nada mais lhe resta, senão viver entre a memória e o
esquecimento do baile:
espiritual da música, sua capacidade de afrontar a duração, de dominá-la ou de informá-la, de
negação do tempo, mas antes sua plenitude (LARTHOMAS, 1992, p. 53).
A música tocada por seu marido traduz seu segredo interior. Desvela seu pensamento e seu estado de alma. Tudo se passa como se os sons clareassem imagens onde
as formas e as cores se mesclam e fazem sentido para Lol.
À medida que o texto se desenrola, a narrativa insiste sobre a reação de Lol em
relação à cena do baile, maravilhosa e incompreensível. É no decorrer desse acontecimento que a heroína, no esquecimento de si mesma, enlouquecerá no silêncio. Só lhe
resta então escutar a música do violino tocada por seu marido, Jean Bedford. É através
dela que Lol recorda sua juventude, o segredo de sua dor:
Escute Jean. Às vezes, ele toca até as quatro horas da manhã. [...]
– Você o escuta sempre ?
– Quase sempre. Principalmente quando eu…
Tatiana espera. O resto da frase não virá (DURAS, 1986, p.70).
O baile tremia longe. […] O baile ganha um pouco de vida, treme, se agarra a Lol. Ela aquece-o,
protege-o, alimenta-o, ele cresce, sai de seu esconderijo, espreguiça-se, um dia está pronto.
Ela penetra nele. Penetra todos os dias. (DURAS, 1986, p.33)
Na maioria dos textos durassianos, as personagens femininas são consideravelmente silenciosas. O silêncio é para a autora algo de misterioso e pessoal. Ele designa o
que está intimamente ligado ao ser. Duras declara a Michelle Porte:
Há duas vezes o silêncio da mulher e o silêncio que vem de sua própria vida, de sua pessoa.
consegue livrar-se, é uma verdadeira história de amor (DURAS, PORTE, 1977, p. 69).
quase iniciante, com os números da memória (numeri recordabiles). Lá recomeça o universo
pletamente quanto possível. Até perder-se de vista ela mesma. Ela esqueceu que não era ela
que não era mais amada. Ela estava ardente... com esse amor que nascia. É isso o baile. E era
5. O silêncio das heroínas
É essa dupla, é a conjugação desses dois silêncios […] essa fascinação dura para sempre, não
oferecer-se enfim a certa imagem de eternidade, sub specie quedam aeternitatis, que não é a
Lol assistiu a esse amor… nascente. Ela viu completamente a coisa. Ela assistiu à coisa tão com-
fatos que tocam profundamente sua alma, são acontecimentos obsessivos que ressurgem. A música tocada por seu marido age sobre ela como uma força de demência.
Na verdade, os pontos de suspensão atestam a presença de um bloqueio, do que não
pode ser dito, um sofrimento inconfessável que perdura em seu coração. E o silêncio
interior toma forma, no próprio seio da obra.
Neste momento, a música revela reconhecimento de fatos íntimos. Assim, as reticências nas frases da heroína traduzem alguma coisa de proibido: uma dor no coração,
difícil de ser expressa. A música do baile recorda-lhe seu passado. Ouvindo-a, existem
Tudo se passa como se, através da música, a protagonista reconhecesse algo
do passado; os sons desencadeiam lembranças íntimas que trazem o vivido. Lembremo-nos dos sons do piano tocado pelo filho de Anne em Moderato cantabile;
sabe-se que a música ouvida desperta algo de proibido, sobre o qual Anne não se
manifesta. Há aí uma sensibilidade dolorosa que não é expressa livremente pela
heroína. Sem dúvida, existem imagens de amor e de morte que pertencem a seu
passado misterioso. Ao longo do texto, nada consegue tirar de seu espírito a lembrança da morte dos amantes e o grito da mulher assassinada, com a qual Anne se
identifica simbolicamente.
Em Dix heures et demie du soir en été, a música transforma-se em canto. Maria canta ao ver Rodrigo Paestra, esposo e assassino da jovem adúltera. O canto
reaparece uma vez que a heroína se lembra da morte desta e de seu amante,
Tony Perez. No fundo, ela está consciente de que seu canto se mescla, pouco a
pouco, à convicção dos fatos: Maria compara as imagens dos adúlteros, do casal
assassinado, ao final de sua história conjugal com Pierre, seu marido e sua amante
Claire. Sabe-se que, para Duras, as imagens, a sonoridade, as palavras, os cantos
e as músicas não devem ser somente vistas e ouvidas, mas decifradas; as palavras
atingem o indizível, o não comunicável pela ausência ou a perda de um ser apaixonadamente amado.
Em Le Ravissement de Lol V. Stein de Marguerite Duras, Madeleine Borgomano sublinha com propriedade que o violino é ambivalente, pois:
31
Lol ouve mais que as palavras. [O violino] a retém e a chama à ordem. Mas, é sinal também de
uma ordem dolorosamente conquistada: “exercícios sobre cordas duplas [...] muito agudas”
tornam sensíveis um sofrimento muito secreto, mas mais controlado: seu frenesi monótono é
perdidamente musical, canto do próprio instrumento (BORGOMANO, 1997, p. 131).
A emoção estética própria à música do violino projeta a heroína, a contragosto,
em seu pensamento interior. Já se sabe que os sons ouvidos desencadeiam imagens
que lhe fazem recordar a famosa noite do baile, imagens que se transformam em elementos fantasmáticos.
Para Lol, o violino de seu marido confere ritmo à soirée. Quando Lol se expressa,
o instrumento acompanha suas palavras como um ruído de fundo: “O violino pára. Nós
nos calamos. Ele recomeça” (DURAS, 1986, p.86). Existe aí a concomitância entre a frase
verbal e a frase musical, tal analogia pode fazer referência à experiência vivida da heroína. Tudo é sugerido mais do que dito, Lol tenta falar alguma coisa, mas não consegue
exprimir-se. A música revela sua sensibilidade escondida, sua dor secreta. Com efeito:
Lol se senta. Lê-se uma tristeza sem coragem em seu olhar. […] Ela se levanta. Afasta-se de Tatiana na ponta dos pés como se houvesse um sono de criança a preservar, bem perto. Tatiana
segue-a, um pouco contrita diante do que ela acredita ser o aumento da tristeza de Lol.
[Ou ainda] :
– Eu sofria ? [durante o baile], diga-me, Tatiana, nunca soube.
– Não. Sou sua única testemunha. Posso dizer-lhe: não. Você sorria para eles. Você não sofria
(DURAS, 1986, p. 72-4).
Na música, há uma sucessão de sons logicamente organizada que não será percebida como um simples acontecimento acústico, mas como uma manifestação, uma
forma de expressão que traduz o interior. É pela música que o indivíduo, segundo
Merleau-Ponty,
penetra em sua emoção musical, [ela é] a própria coisa que abre acesso ao mundo privado do
outro. A própria coisa […], é sempre a coisa que [se] vê. [E ele conclui]: A percepção do mundo pelos outros, não pode entrar em competição com a que tenho em mim: meu caso não é
assimilável ao dos outros, vivo minha percepção de dentro, e, do interior, ela tem um poder
incomparável de ontogênese (MERLEAU-PONTY, 1964, p. 27).
Finalmente, Lol começa a sentir e a compreender, para sempre, o estranho poder
oculto que a música do baile exerce sobre ela. Com efeito, ela se lembra que no final
do baile, quando o violino “se retira” da cena, ele cavou “un trou”, um vazio interior, pois
ele “deixa atrás de si as crateras abertas da recordação imediata” (DURAS, 1986, p. 88).
Marcelle Marini escreve a propósito que: “as notas carregam algo de estranhamente
familiar que escapa rapidamente de toda apreensão para voltar a aflorar no lugar ‘esburacado’ da memória” (MARINI, 1977, p. 13).
Enfim, a heroína não é mais a mesma, essa música do violino abre “as crateras das
lembranças”. Consciente de sua “vague à l’âme”, de sua melancolia, a música do baile
evoca um amor-paixão vivido na morte simbólica. Entre presença e ausência, memória
e esquecimento, amor e morte, o violino faz parte do “ravissement” de Lol. Sinal vazio
que não significa. Servirá apenas de modelo em sua apresentação fantasmática. Trata-se de uma pura alusão retrospectiva, de uma epifania do passado. O segredo de Lol é
persistir, sem cessar, na cena do baile, perdendo-se na sua própria ausência, “perdidamente” na música.
Referências bibliográficas
ARMEL, Aliette. Marguerite Duras: les trois lieux de l’écrit. Saint-Cyr-sur-Loire: Christian Pirot, 1998.
BAUMEISTER, Thomas. La musique exprime-t-elle des émotions? Réflexions à partir de Wagner, Hanslick et
Hegel. HUGUES, D. (dir.) et alii. L’Esprit de la musique essais d’esthétique et de philosophie. Paris : Klincksieck,
1992.
BLOT-LABARRÈRE, Christiane. Marguerite Duras. Paris: Seuil, 1992, p. 16.
BORGOMANO, Madeleine. Le ravissement de Lol V. Stein de Marguerite Duras. Paris: Gallimard, 1997.
BORGOMANO, Madeleine. Duras, une lecture des fantasmes. Brussels: Ciste-Essais, 1985.
DURAS, Marguerite. Le Ravissement de Lol V. Stein. Paris: Gallimard, 1976.
DURAS, Marguerite. Moderato Cantabile. Paris: Minuit, 1958.
DURAS, Marguerite. Dix Heures et demie du soir en été. Paris: Gallimard, 1960.
DURAS, Marguerite. Écrire. Paris: Gallimard, 1995.
DURAS, Marguerite. Le Camion. Paris: Minuit, 1977.
DURAS, Marguerite. Moderato Cantabile. Trad. Vera Adami. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1985.
Conclusão
Para concluir, pode-se ver que, nos textos durassianos Moderato cantabile, Dix
heures et demie du soir en été e Le Ravissement de Lol V. Stein, a música reanima a história
de uma presença longínqua, a morte de um ser amado. Para Duras, a música é incontestavelmente ligada à memória e ao esquecimento, à perda ou à morte simbólica do ser
apaixonadamente amado. Assim, o fato de voltar incansavelmente às mesmas cenas, às
mesmas situações e ao mesmo comportamento estranho e inquietante das heroínas,
desencadeia em sua escrita alguma coisa que pertence à sua vida secreta. De fato, “a
música é como o romance, mais ainda, como a poesia ou o cinema, essa arte do tempo
que é a arte de Duras. A música é aquilo com que jamais acabaremos” (TABARD, 1987,
p. 13).
Sem pretender fazer uma análise profunda que relacione a vida e a obra do autor, pode-se perguntar finalmente se todos esses fantasmas (BORGOMANO, 1985) da
escritura que se constituem em torno da falta, da ausência, do sofrimento, do amor e
da morte, da memória e do esquecimento não estão, direta ou indiretamente, ligados à
infância do autor, uma infância marcada pelos sofrimentos de uma mãe e pelo amor a
um irmão morto muito jovem. Esse acontecimento histórico inesquecível efetivamente
marcou Duras em seu íntimo. Ela o guardou em si como um segredo doloroso até sua
morte. Assim, à questão feita por Yann Andréa: “Seu livro preferido especialmente?”,
Duras responde: “Le Barrage, a infância”. São as reminiscências do combate materno da
Barrage e a morte de seu irmão menor que a perseguem ainda, quando ela responde:
“Eu queria dizer que te amava. Gritar isso. É tudo” (DURAS, 1995, p. 10).
DURAS, Marguerite. O deslumbramento. Trad. Ana Maria Falcão, 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
DURAS, Marguerite. C’est tout. Paris: POL, 1995.
DURAS, Marguerite; PORTE, Michelle. Les Lieux de Marguerite Duras. Paris: Minuit, 1977.
DURAS, Marguerite; GAUTHIER, Xavière. Les parleuses. Paris: Minuit, 1974.
DURAS, Marguerite; ALPHAN, Marianne. Marguerite Duras ou le ravissement de la parole. Entretiens radiophoniques, disponible dans un coffret de 4 CD d’archives sonores de L’INA Radio-France, 1977.
DURAS, Marguerite; DUMAYET, Pierre. Dits à la télévision, suivi de la raison de Lol. Paris: Epel, 1999.
LARTHOMAS, Jean Pierre. L’idée de nombres intérieurs dans la Musica de Saint Augustin. HUGUES, D.(dir.) et
alii. L’Esprit de la musique essais d’esthétique et de philosophie. Paris: Klincksieck, 1992.
MARINI, Marcelle. Territoires du féminin avec Marguerite Duras. Paris: Minuit, 1977.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Le visible et l’invisible. Paris: Gallimard, 1964.
OGAWA, Midori. La Musique dans l’œuvre de Marguerite Duras. Paris: L’Harmattan, 2002.
PIERROT, Jean. Marguerite Duras. Paris: José Corti, 1989.
TABARD, Claude-André. Marguerite Duras, une parole perpétuelle. Marguerite Duras, de Vinh Long à Calcutta,
L’École des Lettres, n° 6, décembre 1987, p. 13.
32
Marguerite Duras et l’écriture de l’intimité
Julia Simone Ferreira1
Universidade Federal do Acre
Résumé
Marguerite Duras est un écrivain intimiste. Elle est intimiste lorsque son écriture met
en scène vie et œuvre. Dans ces deux mondes, l’intime ne traduit que par le non-dits
du discours. Ainsi, l’auteur traduit l’intraduisible: une histoire personnelle qui demeure
dans l’état latent. Entre continuité et discontinuité du discours, l’intimité des personnages trouve son origine autours du manque et de l’absence. Pour les décrire, Duras
met en lumière la musique. Elle symbolise le présent et le passé, la mémoire et l’oubli,
l’amour et la mort, thèmes durassiens par excellence. Finalement, on constate que tous
ces fantasmes de l’écriture sont directement liés à l’enfance de l’auteur et à la mort du
jeune frère. Cette histoire l’a marquée profondément, quand Duras, faisant le lien entre
vie et œuvre, répond à la question d’Yann Andréa : « Votre livre préféré absolument ?
elle déclare : Le Barrage, l’enfance » ou comme le suggère le souvenir du petit frère mort,
elle répond : « J’ai voulu vous dire que je vous aimais. Le crier. C’est tout ».
Mots-clés : intimité ; vie ; œuvre ; mémoire ; oubli.
Julia Simone Ferreira a fait ses études de Lettres à l’UNESP, son Master en Sémiotique et Littérature Française à l’Université de Nice Sophia-Antipolis (1996) et son Doctorat en Langue et Littérature Française à la
même université (2006), sous la direction de Béatrice Bonhomme. Professeur adjoint à l’Université Fédéral
de Acre (UFAC), elle enseigne dans les cours de Français, Sciences Sociaux et Géographie. Dans le domaine
de la Littérature et la Psychocritique (Charles Mauron), elle fait ses rechercher sur les images obsessives dans
l’œuvre de Marguerite Duras. Elle recherche aussi l’enseignement de FLE et ses nouvelles technologies.
1
Introduction
Œuvre et vie, vie et œuvre sont deux mondes toujours liés par une seule et même
aventure, l’écriture. Chez Duras, ces deux éléments sont liés de façon obscure et mystérieuse, notamment lorsqu’il s’agit des événements historiques indélébiles qui l’ont
profondément marquée. À travers ses œuvres, Duras laisse en effet transparaître certains événements de sa vie familiale et personnelle. Cependant, Duras garde, toujours
en elle-même, une part de réserve quand elle «dévoile» à ses lecteurs les souffrances
du cœur liées à la vie familiale : la vie difficile, l’inégalité, la mère, les frères, la précocité
amoureuse, c’est-à-dire, tout un vécu intime marqué par des désillusions sentimentales
et amoureuses.
C’est pour cette raison que Duras est un écrivain désignée intimiste. Intimiste, elle
l’est particulièrement dans les récits que nous avons retenus ici pour cette étude : Moderato Cantabile, Dix Heures et demie du soir en été et Le Ravissement de Lol V. Stein2, récits
écrits dans les années 60, ayant comme point commun d’être marqués par des oxymores : la parole et le silence, l’amour et la mort, la mémoire et l’oubli, la joie et la peine
amoureuse jusqu’à la perte et au désespoir. Duras libère toute cette émotion dans une
écriture caractéristique de cette période où les textes affichent une même tendance à
la répétition de certaines images du vécu intime des héroїnes des textes.
Dans ces textes, nous allons montrer comment Duras tente de trouver une solution
à un événement douloureux vécu par les héroïnes des textes ; une histoire chargée de
mystères et de non-dits qui demeure dans l’état latent. Écrire dans le paradoxe sera la
manière durassienne de raconter une histoire traumatique initiale. Ainsi, dans la continuité et discontinuité du discours, l’auteur tente de comprendre la folie symbolique, la
souffrance du cœur ou la douleur indélébile, tout à la fois, pour mieux les retranscrire
dans les mots, parce que pour Duras, l’écrit n’a de sens que lorsqu’il va « vers l’obscurité et
l’inconnu, par ce qui est plus obscur et inconnu encore ». (BLOT-LABARRIÈRE, 1992, p.16)
Marguerite Duras, Moderato Cantabile, Paris Éditions de Minuit, 1958. Dix Heures et demie du soir en été, Paris,
Gallimard, 1960, pour l’édition de référence, coll. « Folio », n° 1699, 1985. Le Ravissement de Lol V. Stein, Paris,
Gallimard, 1964, pour l’édition de référence, coll. « Folio », n° 810, 1976.
2
Écrire l’intimité des héroїnes, c’est finalement pour Duras ne pas pouvoir éviter
d’évoquer l’événement traumatique, c’est ne pas pouvoir éviter de le répéter, de venir
sur cette histoire, de revenir sur les mêmes personnages en les déplaçant. Ce véritable «
trou » (DURAS, GAUTHIER, 1974, p.13) la fascine et attire son regard où tout semble s’engendrer dans un processus d’écriture et de réécriture. C’est ainsi que, de texte en texte,
l’auteur s’attèle à un éternel recommencement où tout n’est qu’écho de la chose écrite.
Les mots touchant les zones dangereuses du cœur.
Finalement, l’intime trouve son origine autour du manque et de l’absence et les
situe dans la perte. Autrement dit, Duras réinterprète inlassablement l’histoire d’un
« deuil noir » (DURAS, 1995, p.34), deuil rendu interminable par l’absence de l’être passionnément aimé. La réitération apparaît alors comme essentielle, car l’intériorité mystérieuse et obscure de l’être est toujours remise en question. C’est dans cette intention
que l’œuvre part à la recherche de :
quelque chose qui se refuse à être cerné. […] Ce qui est douloureux, la douleur – le danger –
c’est la mise en œuvre, la mise en page, de cette douleur, c’est crever cette ombre noire afin
qu’elle se répande sur le blanc du papier, mettre en dehors ce qui est de nature intérieure.
(DURAS, 1977, p.123-124)
Et l’auteur conclut : « Seuls les fous écrivent complètement », puisque pour Duras,
« seulement les fous opèrent dehors la conversation de la vie vécue » (DURAS, GAUTHIER,
1974, p.50). C’est justement aussi bien dans « la conversation de la vie vécue » qu’à travers la musique que Duras va tenter obstinément de « crever l’ombre noire [et] mettre
en dehors », « sur le blanc du papier », le vécu traumatisant des héroïnes des textes. Elle
va essayer de comprendre le vécu d’autrefois, ce quelque chose qui demeure enfoui
chez les héroïnes et c’est grâce à ce processus d’écriture que Duras va mettre en lumière
l’intime caché des personnages.
33
1. L’intime et la musique
On sait que la musique a le pouvoir de déclencher le sentiment de l’absence.
Elle se fait l’écho intérieurement d’un deuil impossible et d’une inconsolable perte.
La musique a pour fonction de faire naître la sensibilité cachée chez les personnages,
puisqu’elle représente un au-delà de la parole. Elle ouvre sur un monde intérieur dans
lequel émotion et mémoire sont liées. La musique traduit les puissances émotives et
atteint directement notre moi profond. La douleur des personnages ne peut s’entendre
symboliquement qu’à travers la musique transcendantale. Au fond, elle agit sur les héroїnes comme une force démentielle qui échappe au langage. Tout va se passer comme
si par la musique, les personnages reconnaissaient quelque chose d’impossible à dire,
des faits auxquels elles ne pouvaient accéder intérieurement, la souffrance. C’est un
peu comme si les personnages féminins s’enfermaient en elle-mêmes pour aller à la
rencontre de l’absolu, vers un au-delà des faits.
On peut alors se demander ce que les sons entendus éveillent chez les personnages durassiens. Rappellent-ils une expérience personnelle traumatisante ? Il
semble que oui ; en effet, la musique, mise en rapport avec des images antérieures,
déclenche chez les héroïnes des souvenirs douloureux relatifs à un choc émotionnel : la reviviscence d’un événement vécu dans la jeunesse. On le sait, pour Duras
quand on « est hanté par son vécu. Il faut le laisser faire, [...] cette masse ancienne
du vécu, dans le «désordre originel» de son accumulation au fil des ans » (ARMEL,
1998, p.13).
Chez Duras, la musique éveille des pensées lointaines, des images intimes ancrées
dans sa mémoire, ce que confirment ces paroles adressées à Marianne Alphan : « La
musique est de l’ordre du non-dit, de la pensée non formulée, mêlée à la sensibilité. La
musique ne sait pas ce qu’elle dit, [elle exprime] une émotion intenable, des images du
vécu » (ALPHAN, 1977).3
En effet, l’auteur reconnaît bien l’étrange pouvoir secret que la musique exerce sur
elle, notamment lorsqu’elle fait référence à la Musica4 de son enfance. C’est pour cela
qu’en l’entendant, « montaient en elle une émotion insupportable, et des pleurs qu’elle
ne pouvait contenir » (ARMEL, 1998, p.77). La musique s’avère, ainsi, en prise en directe
avec cette région mystérieuse de soi, l’ombre interne, le tragique de la mort où les sensations se transforment en matière écrite. Pour Duras, l’ombre interne est en rapport avec
Marguerite Duras, Marianne Alphan, dans Marguerite Duras ou le ravissement de la parole, entretiens radiographiques, coffret de 4 CD d’archives sonores de L’INA Radio-France, 1977.
4
La Musica est une pièce de théâtre écrite par Marguerite Duras en 1965. Nous utilisons ce terme pour évoquer les souvenirs personnels de l’auteur.
« la vie vécue » (DURAS, GAUTHIER, 1974, p.50), notamment quand cette dernière laisse
les traces d’une expérience du deuil.
C’est ainsi que, dans Moderato Cantabile, la musique remplace la parole d’Anne
Desbaresdes : sa souffrance intime ne se fait sentir qu’à travers la musique de Diabelli,
jouée par son enfant. De façon symbolique, les leçons de piano imposées par l’héroïne
à son enfant permettent d’éclairer ce que cachent les apparences. En effet, la leçon de
piano a un sens pour l’héroïne, mais ce sens n’est pas clairement dévoilé dans le texte.
Anne elle-même est incapable de le comprendre : « Anne Desbaresdes prit son enfant
par les épaules, le serra à lui faire mal, cria presque. Il faut apprendre le piano, il le faut »
(DURAS, 1958, 12).
2. La sonatine de Diabelli
Les raisons de cet apprentissage restent inexprimables et Anne ne parvient pas à
expliquer son obstination. Nul doute que la musique de Moderato Cantabile appartient
à l’enfant, le petit garçon d’Anne. Au fond, cette appartenance explicite et cache une
autre, car l’enfant ne joue de la musique que pour l’amour de sa mère.
Tout au long du texte, le lecteur se demande pourquoi l’héroïne insiste tant sur le
fait que son enfant doive apprendre impérativement le piano. Et si la première scène du
livre paraît mettre en opposition la mère et l’enfant, cette opposition n’est qu’un leurre,
comme le montrent certains signes dans le texte. En effet, les discours d’Anne, concernant les vraies raisons de cet apprentissage, sont illogiques, voire obscures : « Il faut
apprendre le piano, il le faut »; la deuxième fois : « – il le faut, continua Anne, il le faut ».
Et l’héroïne en conclut :– «La musique mon amour... » (Id., Ib., p.12-13).
La musique dévoile l’intime de l’héroïne, même si cette dernière ne parvient pas à
dire que la musique lui est indispensable, voire vitale. Au fond, en écoutant la musique, des
pensées lointaines montent en Anne, (sug: grandissent chez Anne) des pensées qu’elle
est seule capable d’entendre intérieurement. La musique touche en profondeur son âme.
Il y a là des faits personnels et obsessionnels qui resurgissent. Le monde des sons agit sur
Anne comme une force invisible qui échappe par définition au langage. Elle se souvient
de son passé, cela s’ajoute aussi au cri de la jeune femme assassinée, dans le café du port.
Par la musique et le cri de la femme agonisante, Anne a le sentiment de revivre quelque
chose de puissant et d’éternel qui demeure dans un état latent, en effet :
3
Anne Desbaresdes s’exténua encore une fois à se ressouvenir.
– C’est un cri très long, très haut, qui s’est arrêté net alors qu’il était au plus fort de lui-même ; Une
fois, il me semble, oui, une fois j’ai dû crier un peu de cette façon, peut-être, oui, […] (Id., Ib., p.41-42).
Comme le cri, la musique est une forme de mémoire. C’est grâce à ces deux formes
d’écriture que Duras met au jour le souvenir de l’émotion oubliée et traduit une vérité
enfouie. Au fur et à mesure que le texte évolue, l’obsession de la musique devient visible, éclatante. Anne reconnaît, au fond d’elle-même, que la musique éveille quelques
faits marquants de son passé, cependant elle ne sait pas trop comment expliquer cette
évidence. C’est alors que le silence fait sens, marquant dans les phrases la présence d’un
blocage, de ce qui ne peut être dit, de ce qui ne peut être avoué, notamment le lien entre
la passion vécue et la mort. C’est pour cela que l’enfant doit jouer du piano. Au fond, la
musique jouée par son enfant amène Anne symboliquement à la mémoire puis à l’oubli.
L’obstination d’Anne pour que l’enfant apprenne la musique devient alors évidente :
Elle écoutait la sonatine. Elle venait du tréfonds des âges, portée par son enfant à elle [...]. La
sonatine résonna encore, portée comme une plume par ce barbare, qu’il voulût ou non, et elle
s’abattit de nouveau sur sa mère, la condamna de nouveau à la damnation de son amour. Les
portes de l’enfer se refermèrent (DURAS, 1958, p.78).
Dans ces passages, le lexique, par sa dimension hyperbolique, renvoie à l’excès
que seule la sonatine suggère : « damnation », « amour », « enfer ». La sonatine dévoile
un autre monde. Elle parle de mort, de malédiction, de damnation, d’un amour promis
à la mort qui se fait jour dans les moindres paroles de la narratrice. Elle exprime symboliquement une souffrance qui demeure dans la pensée intime de l’héroïne. Ayant
perdu le sens des mots pour exprimer sa vraie souffrance, Anne se laisse complètement
envahir par la sonorité maléfique qui résonne « portée par ce barbare, qu’il le voulût
ou non ». La sonatine de Diabelli renvoie à celle du diable, aux « portes de l’enfer ».
Elle traduit un amour-passion vécu dans la mort, cette dimension tragique rappelant
la conception racinienne de la passion : une passion toujours liée à la mort, contre laquelle on ne peut pas lutter, et de laquelle il est impossible d’échapper.
Nous pouvons donc conclure que la leçon de piano est un prétexte de l’héroïne
pour pouvoir entendre la musique. Elle constitue le médiateur vers un souvenir immémorial ainsi qu’un moyen pour l’héroïne d’apaiser sa peine originelle. Elle apparaît alors
comme un palliatif pour atténuer ou pour cacher sa vraie douleur : la mort d’un être
passionnément aimé.
3. La musique dans Dix heures et demie du soir en été
Dans Dix Heures et demie du soir en été, le piano disparaît complètement de la scène.
On constate un recul du thème de la musique. Cependant, ce recul n’est qu’apparent. La
34
matière musicale étant intégrée au récit de manière différente. En effet, la musique apparaît tout d’abord comme la toile de fond servant à rendre sensible le passage du temps
atmosphérique et chronologique : « Il doit être entre six et sept heures du soir. Une autre
averse arrive et la place se vide. Des palmiers nains en massif, au milieu de cette place, se
tordent sous le vent. Des fleurs, entre eux, sont écrasées » (DURAS, 1960, p.12).
La musique se manifeste ensuite sous la forme du chant par l’intermédiaire d’une
chanson populaire : « cet été-là » (Id., Ib., p.61). Le chant psalmodié par l’héroїne traduit
le souvenir d’un amour vécu autrefois. Il cherche aussi à attirer l’attention du criminel,
Rodrigo Paestra. On s’aperçoit que l’acte de chanter traduit un message : faire sortir Rodrigo Paestra de son silence mortel et le ramener vers Maria. Le chant de Maria traduit
une sorte d’espoir, même si celui-ci est déjà condamné d’avance. Midori Ogawa différencie le chant de Maria de celui de la sirène, parce que :
certaine subjectivité dans le langage. Par ces mots, l’histoire semble appartenir à sa vie
intime : un jour, un bal, pendant l’été, quelque chose de dramatique est arrivé et cela
pendant la jeunesse de l’héroïne. Ce n’est pas un hasard si dans le paragraphe qui suit
l’aventure de Maria, le narrateur s’interroge :
Maria a pour but de ramener à la vie, [tandis que le] chant de la sirène a comme enjeu […] la
demander si, dans [les] commentaires publiés six ans après la sortie du livre, et destinés à accom-
mort. “Le personnage durassien s’identifie à la sirène avec un objectif opposéˮ. Et elle précise :
pagner l’adaptation cinématographique en cours de tournage, l’auteur n’infléchit pas un peu,
la tentative de Maria consisterait donc à ramener ce mort à la vie (OGAWA, 2002, p.76 et 78).
après coup, l’attitude de son personnage dans le sens d’une lucidité et d’une résignation plus
Elle n’a plus peur ? La peur a disparu presque tout à fait. Il ne reste d’elle que le souvenir frais,
mûri à l’instant, en pleine floraison, de ce qu’elle fut. Moins d’une minute s’est passé. La peur devient aussi inimaginable que l’adolescence confuse du cœur (DURAS, 1960, p.79-80 - sommes
nous qui soulignons).
Tout en arrière dans le plan symbolique, Maria cache un secret intime qui appartient à son passé. Jean Pierrot n’a pas tort de se
grandes que celles qui apparaissent effectivement dans l’œuvre originale (PIERROT, 1989, p.135).
Il faut préciser que lorsque Maria découvre pour la première fois le corps de Rodrigo, celui-ci se présente comme un objet inanimé. Elle chante donc pour ramener à la
vie ce corps promis à la mort :
Maria, le corps hors du balcon, se met à chanter. Très bas, un air de cet été-là, qu’il doit connaître,
qu’il a dû danser avec sa femme les soirs de bal (DURAS, 1960, p.61-c’est nous qui soulignons) ;
[…] Elle chante tout bas. […] Elle continue à chanter cette chanson qu’elle chantait à l’heure
lorsqu’elle désespérait de son existence, elle continue à chanter. […] Maria chante toujours.
Sa voix s’agrippe dans sa gorge. On peut toujours chanter. Elle ne peut pas encore s’arrêter de
chanter du moment qu’elle a commencé à chanter. Il est là. (Id., Ib., 76);
[…] Maria chante plus vite, plus vite encore, toujours plus bas. […]. Elle chante encore, ne
s’apercevant pas qu’elle chante pour rien. Il est là, il vient, il arrive. Elle chante. Il a fait un mètre.
Elle chante toujours, la même chanson. Très bas. (Id., Ib., p.77-78).
La récurrence des adverbes « encore » et « toujours » laissent à penser que Maria raconte sa propre histoire5. La présence de quelques repères révèlent, en effet, une
Voir les mots en gras dans les citations précédentes.
5
Finalement, cette “tempête musicale” agit sur le comportement de Maria et favorise, avec le passage du temps, une prise de conscience : « La fin d’une histoire » (Id., Ib.,
p.150) avec son mari, Pierre. En outre, par le biais de la musique ou du chant, l’héroïne
évoque l’histoire d’un amour transformé en mémoire. Au fond, la musique symbolise
la mémoire et l’oubli. Maria peut toujours chanter, cependant la mort d’un amour vécu
sera toujours là, imprégnée dans la mémoire.
Par le biais de la chanson, comment peut-on définir le geste de Maria, à vouloir sauver
impérativement Rodrigo Paestra des policiers ? Pour Maria, cet homme incarne la fatalité
de la passion, l’amour vécu jusqu’à la mort. Maria voit dès lors en cet homme une image,
un miroir de sa propre situation. Pendant la tentative de sauvetage, Maria transporte le
criminel dans un champ de blé. Mais, incapable de supporter et d’oublier la trahison de
sa femme, Rodrigo Paestra se suicide. Ce suicide symbolise aux yeux de Maria, “la mort”
d’une vie conjugale. Maria reconnaît “la mortˮ dans sa propre vie conjugale et le destin
catastrophique du désir. Elle est consciente de ce mécanisme qui agit dans la fatalité du
couple et contre lequel l’héroïne ne « peut rien » ; « je n’y peux rien, dit-elle tout bas, rien.
Personne » (DURAS, 1960, p.109-110). En effet, Maria combat à sa manière. L’acte de “chanter” devient une tentative pour remédier à l’amour que l’héroïne est en train de perdre
dans la réalité. Elle pense mettre un terme à sa solitude ou à sa souffrance en “pariant” sur
Rodrigo Paestra, mais les jeux sont faits, elle a perdu d’avance. La seule espérance de reconquérir Pierre se trouve, à ses yeux, auprès de Rodrigo Paestra. Malheureusement, son
espoir s’est écroulé : « Je m’étais promis de jouer une grande partie avec Rodrigo Paestra.
Et puis voilà qu’elle a échoué aussitôt entreprise. C’est tout » (Id., Ib., p.136).
L’héroïne pense attirer l’attention de son mari, Pierre, malheureusement, elle
échoue. Gênée et embarrassée, Maria ne trouve plus sa place, en tant que femme, auprès de son mari. Boire et fuir restent la seule solution.
4. La musique dans Le Ravissement de Lol V. Stein
Dès l’ouverture du Ravissement de Lol V. Stein, le narrateur évoque la présence
de la musique entendue à la radio, dans « une émission-souvenir ». C’est justement
ce terme qui convient, parce qu’il renvoie au passé et en même temps à l’étrange
histoire de l’héroïne, Lol V. Stein. C’est grâce à cette musique, qui se transforme à la
fois en danse et en bal qui va indiquer les chemins de ce qu’on doit suivre pour comprendre le texte. En effet, la musique évoque l’enfance et surtout le passé douloureux
de Lol. Tout se passe comme si, par le biais de la musique, il y avait un déchiffrement,
« l’ouverture d’un opéra [qui] annoncent les motifs et les tonalités » (BORGOMANO,
1997, p.30) du texte :
35
Lol V. Stein est née ici, à S. Tahla, et elle y a vécu une grande partie de sa jeunesse. […] Je n’ai
rien entendu dire sur l’enfance de Lol V. Stein qui m’a frappé, même par Tatiana Karl, sa meilleure amie durant leurs années de collège. Elles dansaient toutes deux, le jeudi, dans le préau
vide. […] On danse Tatiana ? Une radio dans un immeuble voisin jouait des danses démodées
– une émission-souvenir – dont elles se contentaient […] allez Tatiana, on danse Tatiana, viens
(DURAS, 1976, p.11).
On sait que Tatiana se trouve profondément liée à Lol, parce qu’elle a dansé avec
cette dernière au collège, durant son enfance. Elle va jouer, de ce fait, un rôle prépondérant dans la vie de l’héroïne, lors du fameux bal du ravissement. On sait aussi que,
pendant le bal, Tatiana va se trouver auprès de Lol, un peu en retrait, mais suffisamment bien placée pour voir la danse du fiancé de l’héroїne, Michael Richardson avec
une inconnue, Anne-Marie Stretter. Lol et Tatiana sont spectatrices de cette scène et
retrouvent ainsi l’archétype de leur premier bal d’enfance.
Pendant le bal, Lol, « frappé d’immobilité », contemple la scène profondément
« fascinée » et « suspendue » (Id., Ib., p.15-18). L’héroïne regarde danser le couple que
son fiancé forme avec Anne-Marie Stretter. Au fond, Lol est consciente que la musique,
dans ce bal, est dotée d’un étrange pouvoir qui attire son fiancé. Elle sent déjà l’amour
en train de naître entre Michael Richardson et Anne-Marie Stretter : un amour fou entre
les futurs amants, en effet :
douleur durant le bal », et qu’elle tombe évanouie (Id., Ib., p.22-24). Une fois le bal achevé, commence la véritable existence de Lol : entre les fantasmes et les souvenirs. Il ne
reste à Lol qu’à vivre dans la mémoire et l’oubli du bal :
l’un près de l’autre, à distance de tous, toujours la même. Exception faite de leurs mains jointes
Le bal tremblait au loin. […] Le bal reprend un peu de vie, frémit, s’accroche à Lol. Elle le ré-
pendant la danse, ils ne s’étaient pas plus rapprochés que la première fois lorsqu’ils s’étaient
chauffe, le protège, le nourrit, il grandit, sort de ses plis, s’étire, un jour il est prêt. Elle y entre.
regardés (Id. Ib., p.19-20).
Elle y entre chaque jour (Id., Ib., p.45-46).
Au fond, ce que Lol désire, c’est la reconstitution de la danse des amants, encore et
toujours, jusqu’à l’obsession. C’est dans cet espace clos et intime des amants que l’héroïne souhaite s’enfermer à tout jamais. À vrai dire, ce qu’elle souhaite, c’est mettre en
marche l’événement même du bal. Par la danse des amants, l’héroïne, dans une sorte
d’extase physique, voit déjà s’anéantir la frontière de son corps séparé de celui de Michael Richardson, frontière que le regard n’avait pas réussi à effacer, à oublier.
Pour réanimer la musique du bal et remplir un vide intérieur, Lol se marie avec
le musicien, Jean Bedford. Il joue quelque fois au concert dans la ville. Pendant la
nuit, il fait quelques exercices avant le concert. Tout porte à croire que les notes
musicales entendues par l’héroïne déclenchent l’événement-même du bal. La mémoire auditive et visuelle restent chez Lol comme une trace indélébile. À chaque
fois, qu’elle entend le rythme “grinçant” de cette soirée là, elle retrouve les souvenirs
chargés d’une émotion douloureuse, voire même intenable. Jean Paul Larthomas
déclare à juste titre que :
presque initiative, avec les nombres de mémoire (numeri recordabiles). Là recommence l’unis’offrir enfin à une certaine image de l’éternité, sub specie quedam aeternitatis, qui n’est pas la
aussi complètement qu’il est possible. Jusqu’à se perdre de vue elle-même. Elle a oublié que
négation du temps mais plutôt sa plénitude (LARTHOMAS, 1992, p. 53).
c’était elle qu’on aimait plus. Elle était en ferveur avec… cet amour naissant. C’est ça le bal. Et
la vie. Voilà (DURAS, DUMAYET, 1999, p.13).
À vrai dire, il y a dans cette musique du bal une émotion paradoxale qui semble
générer de la douleur et de la joie confondues. La douleur se manifeste à « l’aurore »
(DURAS, 1976, 22), lorsque les danseurs sortent de la salle de bal, loin désormais du
champ visuel de Lol. C’est justement là que l’héroïne sent « l’étrange omission de sa
La musique ici traduit la reconnaissance des faits intimes. Ainsi, les réticences
dans les phrases traduisent quelque chose d’interdit chez le personnage : une douleur
au cœur difficile à exprimer. Par la musique du bal, Lol se souvient de son passé. En
l’écoutant, il y a des faits qui touchent en profondeur son âme, des événements obsessionnels qui ressurgissent. La musique jouée par son mari agit sur Lol comme une force
démentielle. En vérité, les points de suspension attestent la présence d’un blocage, de
ce qui ne peut être dit, une souffrance au cœur qui habite l’héroïne et qui ne peut être
avoué. Et le silence intérieur prend forme, au sein même de l’œuvre.
5. Le silence des heroïnes
Dans la majorité des textes durassiens, les personnages féminins sont considérablement silencieux. Le silence est pour Duras quelque chose de mystérieux et de personnel. Il désigne ce qui est intimement lié à l’être. L’auteur confie d’ailleurs que :
Il y a deux fois le silence de la femme et le silence qui vient de sa vie, à elle, de sa personne. C’est
ce double, c’est la conjugaison de ces deux silences […] cette fascination dure toujours, je ne
La musique n’existe vraiment qu’avec la mémoire. Nous passons au véritable degré initial,
Lol a assisté à cet amour… naissant. Elle a vu complètement la chose. Elle a assisté à la chose
son propre amour s’éprendre d’une autre, et en être émerveillée, qu’elle en a été marquée pour
– Presque toujours. Surtout quand je…
m’en sors pas, c’est une véritable histoire d’amour (DURAS, PORTE, 1977, p. 69).
vers spirituel de la musique, sa capacité d’affronter la durée, de la dominer ou de l’informer, de
c’était si merveilleux, cette éviction, cet anéantissement de Lol. C’est admirable de pouvoir voir
– Tu écoutes toujours ?
– Tatiana attend. Le reste de la phrase ne viendra pas (DURAS, 1976, p. 93).
Ils avaient dansé. Dansé encore. Lui, les yeux baissés sur l’endroit nu de son épaule […] debout
La musique ici parle pour eux. Les danseurs ne se regardent pas, ne se parlent pas,
se touchent à peine. La musique du bal établit un contact spirituel entre les danseurs.
Elle ouvre leur âme, les rend l’un à l’autre. Il y a là un courant d’émotion commune :
le désir qui circule entre le fiancé de Lol et Anne-Marie Stretter. C’est ce désir que Lol
contemple, fascinée. Mais si cette fascination peut-être interprétée, au premier abord,
comme un traumatisme, un désespoir d’amour. La fascination est en réalité d’un tout
autre ordre dans la mesure où Le Ravissement de Lol désigne aussi l’arrachement, l’enlèvement dont Lol est la victime : « La voici, en effet, dépouillée de ce fiancé qu’elle aimait,
disait-on, d’une ‘folle passion’ » (BORGOMANO, 1997, p.39). Au fond, la danse est, pour
l’héroïne, l’image de la dépossession et de la perte, où Lol transforme le lieu du désir en
lieu de perte, d’abondon.
Tant que Lol peut encore voir les danseurs, « […] la souffrance [ne trouve] pas en
elle où se glisser, […] elle [oublie] la vieille algèbre des peines d’amour » (DURAS, 1976,
p.19). En voyant la danse des futurs amants, Lol n’est pas atteinte de douleur, puisqu’elle
est très occupée à voir et à contempler.
Comment peut-on définir cette étrange douleur « effacée » lors du fameux bal ?
Duras explique, elle-même, cet événement :
Écoute Jean. Parfois il joue jusqu’à quatre heures du matin.
La musique jouée par son mari traduit son secret intérieur. Elle dévoile sa pensée
et son état d’âme. Tout se passe comme si les sons éclairaient des images où les formes
et les couleurs se mêlaient et faisaient sens pour Lol.
Au fur et à mesure que le texte s’allonge, le récit insiste sur la réaction de Lol devant la scène du bal, merveilleuse et incompréhensible. C’est par la suite de cet événement que l’héroïne, dans l’oubli de soi-même, deviendra folle de silence. Il ne lui reste
alors qu’écouter la musique du violon jouée par son mari, Jean Bedford. C’est par cette
musique que Lol se souvient de sa jeunesse, le secret même de sa douleur :
Tout se passe comme si par la musique, la protagoniste reconnaissait quelque
chose du passé ; les sons déclenchent alors des souvenirs intimes qui rappelent le vécu.
Rappelons-nous les sons du piano joué par l’enfant d’Anne dans Moderato cantabile, on
le sait, la musique entendue réveille quelque chose d’interdit, dont Anne ne dit rien. Il
y a là une sensibilité douloureuse qui n’est pas exprimé librement par l’héroïne. Sans
doute, il y a là des images d’amour et de mort qui appartiennent à son passé mystérieux. Tout au long du texte, rien ne parvient à chasser de son esprit le souvenir de la
mort des amants et le cri de la femme assassinée à laquelle Anne s’identifie symboliquement dans tout le texte. Déjà, dans Dix heures et demie du soir en été, la musique se
transforme en chant. Maria chante lorsqu’elle voit Rodrigo Paestra, l’époux et l’assassin
de la jeune femme adultère. Le chant réapparaît une fois que l’héroïne se souvient de
la mort de cette jeune femme et de son amant, Tony Perez. Au fond, elle est consciente
que son chant se mêle, peu à peu, aux convictions des faits : Maria compare les images
36
d’adultères, du couple assassiné, à la fin de son histoire conjugale avec Pierre, son mari
et sa maîtresse Claire. On le sait, chez Duras, les images, les sonorités, les paroles, les
chants et les musiques ne doivent pas seulement êtres vues et entendues mais déchiffrées ; les paroles atteignent l’indicible, le non-communicable par l’absence ou la perte
d’un être passionnément-aimé.
Madeleine Borgomano souligne dans Le ravissement de Lol V. Stein de Marguerite
Duras, à juste titre, que le violon est ambivalent, puisque :
Lol écoute plus que les paroles. [Le violon] la retient et la rappelle à l’ordre. Mais, il est signe
aussi d’un ordre douloureusement conquis : “exercices sur doubles cordes [...] très aigus”, ils
rendent sensible une souffrance très secrète, mais très maîtrisée : “leur frénésie monotone est
éperdument musicale, chant de l’instrument-même (BORGOMANO, 1997, p. 131).
L’émotion esthétique propre à la musique du violon plonge l’héroïne, malgré elle,
dans sa pensée intérieur. On le sait déjà que les sons entendus déclenchent chez Lol des
images qui rappellent la fameuse nuit du bal. Il y a là une sorte d’appel où les images
anciennes reviennent, comme un « tout venant ».
Chez Lol, le violon de son mari rythme la soirée. Pendant les discours de Lol, cet
instrument accompagne les paroles en bruit de fond : « Le violon cesse. Nous nous taisons. Il reprend. [Ils reprennent] ». (DURAS, 1976, p. 115). Il y a là concomitance entre la
phrase verbale et la phrase musicale ; telle analogie peut faire référence à l’expérience
vécue de l’héroïne. Tout est suggéré plus que dit, Lol essaie de parler quelque chose et
elle n’arrive pas à l’exprimer. La musique lui rend alors sa sensibilité cachée, sa douleur
secrète, en effet :
Lol s’assied. Une tristesse se lit dans son regard. […] Elle se lève. Elle s’éloigne de Tatiana sur la
pointe des pieds comme s’il y avait un sommeil d’enfant à préserver, tout près. Tatiana la suit,
un peu contrite devant […] l’agrandissement de la tristesse de Lol (Id., Ib., p.97). Ou encore :
– Je souffrais ? [pendant le bal], dis-moi Tatiana, je n’ai jamais su.
– Non. Je suis ton seul témoin. Je peux dire : non. Tu leur souriais. Tu ne souffrais pas (Id., Ib.,
p.99).
Dans la musique, il y a une succession de sons logiquement organisée qui ne sera
pas perçue comme un simple événement acoustique, mais plutôt comme une manifestation, une forme d’expression qui traduit l’intérieur. C’est par la musique que selon,
Merleau-Ponty,
l’individu entre dans son « émotion musicale », [elle est] la chose même qui ouvre l’accès
au monde privé d’autrui. La chose même […], c’est toujours la chose que [l’on] voit. [Et il en
conclut] : La perception du monde par les autres, ne peut entrer en compétition avec celle que
j’en ai moi-même : mon cas n’est pas assimilable à celui des autres, je vis ma perception du
dedans, et, de l’intérieur, elle a un pouvoir incomparable d’ontogenèse (PONTY, 1964, p. 27).
Finalement, Lol commence à deviner et à comprendre, pour toujours, le sens de
l’étrange pouvoir occulte que la musique du bal exerce sur elle. En effet, elle se souvient
qu’à la fin du bal, quand le violon « se retire » de la scène, il a creusé « un trou », un vide
intérieur, parce qu’il « laisse derrière lui les cratères ouverts des souvenirs immédiat ».
(DURAS, 1976, p.118). Marcelle Marini (MARINI, 1977, p.13) écrit, à juste titre que : « les
notes portent quelque chose d’étrangement familier qui échappe d’une aile à toute
saisie pour revenir effleurer le lieu “trouée” de la mémoire ».
Enfin, l’héroïne n’est plus la même, cette musique du violon ouvre « les cratères
des souvenirs ». Consciente de son « vague à l’âme », la musique du bal évoque un
amour-passion vécu dans la mort symbolique. Entre présence et absence, mémoire et
l’oubli, l’amour et la mort, le violon fait partie du ravissement de Lol. Signe vide, il ne signifie pas. Il sert donc de modèle dans sa présentation fantasmatique. Il s’agit là d’une
pure allusion rétrospective, d’une épiphanie du passé. Le secret de Lol est de s’acharner
au recommencement du bal, en poursuivant sans cesse l’absence de soi-même, « éperdument » dans la musique.
Pour conclure, on peut voir que, dans les textes durassiens : Moderato Cantaile,
Dix Hures et demie du soir en été et le Ravissement de Lol V. Stein, la musique éveille l’histoire d’une présence lointaine, la mort d’un être passionnément aimé. Pour Duras, la
musique est incontestablement liée à la mémoire et à l’oubli, la perte ou la mort symbolique de l’être aimé. Ainsi, le fait de revenir inlassablement sur les mêmes scènes, sur
les mêmes situations et sur le même comportement étrange et inquiétant des héroïnes
déclenche, dans son écriture, quelque chose qui appartient à sa vie secrète. En effet, « la
musique est comme le roman, plus encore comme la poésie ou le cinéma, cet art du
temps qui est l’art de Duras. La musique est ce avec quoi nous n’en aurons jamais fini »
(TABARD, 1987, p.13).
Sans prétendre faire une analyse profonde qui relie la vie et l’œuvre de l’auteur, on
peut finalement se demander si tous ces fantasmes6 de l’écriture qui se constituent autour du manque, de l’absence, de la souffrance, de l’amour et de la mort, de la mémoire
et de l’oubli ne sont pas, directement ou indirectement, liés à l’enfance de l’auteur, une
6
Pour plus de détails voir : Madeleine Borgomano, Duras, une lecture des fantasmes, Belgique, Édition Ciste-Essais, 1985.
enfance marquée par les souffrances d’une mère et par l’amour d’un frère mort très
jeune. Cet événement historique inoubliable a en effet marqué Duras dans sa pensée
intime. Elle l’a gardé en elle comme un secret douloureux jusqu’à sa mort. C’est ainsi,
qu’à la question de Yann Andréa : « Votre livre préféré absolument ? », l’auteur répond :
« Le Barrage, l’enfance ». Et ce sont encore les réminiscences du combat maternel du
Barrage et la mort de son jeune frère qui la hantent encore, lorsqu’elle répond : « J’ai
voulu vous dire que je vous aimais. Le crier. C’est tout » (DURAS, 1995, p.10).
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BORGOMANO, Madeleine. Duras, une lecture des fantasmes, Brussels : Ciste-Essais, 1985.
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DURAS, Marguerite. Le Camion. Paris : Minuit, 1977.
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DURAS, Marguerite. O deslumbramento. Trad. Ana Maria Falcão, 3ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira
DURAS, Marguerite. C’est tout. Paris: POL, 1995.
DURAS, Marguerite, PORTE, Michelle. Les lieux de Marguerite Duras. Paris : Minuit, 1977.
DURAS, Marguerite, GAUTHIER, Xavière. Les parleuses. Paris : Minuit, 1974.
DURAS, Marguerite, ALPHAN, Marianne. Marguerite Duras ou le ravissement de la parole. Entretiens radiophoniques, disponible dans un coffret de 4 CD d’archives sonores de L’INA Radio-France, 1977.
DURAS, Marguerite, DUMAYET, Pierre. Dits à la télévision, suivi de la raison de Lol. Paris : Epel, 1999.
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MARINI, Marcelle. Territoires du féminin avec Marguerite Duras. Paris : Minuit, 1977.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Le visible et l’invisible. Paris : Gallimard, 1964.
OGAWA, Midori. La Musique dans l’œuvre de Marguerite Duras. Paris : L’Harnattan, 2002.
PIERROT, Jean. Marguerite Duras. Paris : José Corti, 1989.
TABARD, Claude-André. Marguerite Duras, une parole perpétuelle. Marguerite Duras, de Vinh Long à Calcutta,
L’École des Lettres, n° 6, décembre 1987, p. 13.
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Marguerite Duras: desejo e gozo
Dominique Fingermann1
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano
Resumo
Os psicanalistas se interessam por Marguerite Duras por diversos motivos, que podemos reduzir segundo dois eixos: 1. As questões tratadas por Marguerite Duras são as
mesmas que as psicanálises de cada um tratam: o amor, o desejo, o gozo, a infância
como lugar original da solidão primeira e existencial, cena primitiva da separação, partição (parto) com a mãe; no limite dessa “separtição” existencial beira-se o abismo: a
loucura, no limite desse silêncio existencial, um acesso possível a si mesmo: o sexo.
2. Mas é a escrita de Marguerite Duras que sobremaneira intriga, fascina, captura os
psicanalistas: a sua “prática da letra”. Sem desenvolver esta questão, elenco alguns dos
pontos que constituem o ensino fundamental do texto de Marguerite Duras para o
psicanalista.
Palavras-chave: Marguerite Duras; desejo; gozo; psicanálise; Jacques Lacan
Introdução
OS PSICANALISTAS, desde sempre, estão fascinados, intrigados, admirados pelos
“escritores criativos”. Alguns, algumas vezes, caem na tentação de reduzir o texto a uma
manifestação sintomática da qual se poderia extrair algo da subjetividade do autor. Não
obstante, não se trata de colocar a psicanálise como referência do texto, reveladora de
seu subtexto, pelo contrário: o psicanalista se coloca numa posição de reverência em relação ao texto literário. Reverenciamos a façanha do poeta, do escritor, do artista em produzir e compartilhar com o outro, como num passe de mágica, o que numa análise pode
– eventualmente – se produzir de melhor no final, mas ao preço de uma longa travessia.
Jacques Lacan expressou essa reverência na sua “Homenagem ao Deslumbramento de Lol V Stein”, em 1965, texto lido, citado, comentado e publicado em Outros escritos,
e que até hoje suscita o interesse dos psicanalistas por Marguerite Duras, e em consequência, contribui para a sua formação permanente:
(...) Penso que, apesar de Marguerite Duras me fazer saber por sua própria boca que não sabe,
em toda a sua obra, de onde lhe veio Lol, e mesmo que eu pudesse vislumbrar, pelo que ela me
1. As questões tratadas por Marguerite Duras são as mesmas tratadas nas psicanálises de cada um : o amor, o desejo, o gozo, a infância como lugar original da solidão
primeira e existencial, cena primitiva da separação, partição (parto) com a mãe; no limite dessa “separtição” existencial beira-se o abismo: a loucura, no limite desse silêncio
existencial, um acesso possível a si mesmo: o sexo.
2. Mas é a escrita de Marguerite Duras que sobremaneira intriga, fascina, captura
os psicanalistas: a sua “prática da letra”.
Sem desenvolver esta questão, elenco alguns dos pontos que constituem o ensino fundamental do texto de Marguerite Duras para o psicanalista:
– a maneira como a verdade é tecida de ficção e vice-versa;
– o uso da repetição na frase, no texto, na obra para fazer repercutir, antes de tudo,
o que não faz sentido, mas insiste e existe como a musicalidade dessa fala/escrita;
– a “hesitação entre som e sentido” (Paul Valéry) que faz ressoar outra coisa sem
sentido, uma língua esquecida, imemorial. Todas as figuras de estilo “durassianas” contribuem pelo silêncio fundamental do sentido que precede todas as ficções verdadeiras
do falante.
diz, a frase posterior, a única vantagem que um psicanalista tem o direito de tirar de sua posição, sendo-lhe esta reconhecida como tal, é a de se lembrar, com Freud, que em sua matéria o
(…) Não é uma tradução. Não se trata da passagem de um estado a um outro. Não se trata do
artista sempre o precede e, portanto, ele não tem que bancar o psicólogo quando o artista lhe
deciframento daquilo que já está ali e que já foi feito por você no sono de sua vida, em seu
desbrava o caminho.
repisar orgânico, sem que você saiba (DURAS, 1987b, p. 33). Foi precisamente isso que reconheci no Arrebatamento de Lol V. Stein, onde Marguerite Duras
1
Dominique Fingermann graduou-se em Psicologia nas Universidades Paul Valéry (Montpellier, França)
e Aix-Marseille (França) em 1978. De 1974 a 1983 trabalhou no atendimento a psicóticos e autistas (Centre Psychothérapique Saint Martin de Vignogoul; Institut Médico Pédagogique, Les Hirondelles, Hérault,
França). Mora no Brasil desde 1983 e é psicanalista desde 1988. Participou da Biblioteca Freudiana em
São Paulo e da Escola Brasileira de Psicanálise. Desde 1998, participa dos Fóruns do Campo Lacaniano e
da criação da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. É professora no Collège de Clinique
Psychanalytique du Sud-Est (França) e autora de diversos artigos publicados em livros e revistas nacionais
e internacionais, assim como dos livros Por causa do pior, em coautoria com Mauro Mendes Dias, e de Os
paradoxos da repetição (org.).
revela saber sem mim aquilo que ensino.
Que a prática da letra converge com o uso do inconsciente é tudo que darei testemunho ao
lhe prestar homenagem (LACAN, 1965, p. 200).2
Os psicanalistas se interessam por Marguerite Duras por diversos motivos, que
podemos reduzir segundo dois eixos:
2
T. da A. para todas as citações, exceto quando explicitamente referido.
DESEJO E GOZO constituem um dos exemplos maiores de como a escrita trata,
produz um tratamento da coisa, daquilo que não se pode falar.
Quem melhor que Duras trançou sexo e texto?
A impudência de Duras: a sua porno-grafia
Quem melhor que Marguerite Duras, essa impudente, fez de sua escrita uma erótica, fez do erotismo uma escrita?
38
Porno...:
O que impressiona, de saída, na obra literária de Marguerite Duras é como o seu
texto sem vergonha procede do que chamamos com Lacan (1975-76, p. 62), de “responsabilidade sexual”.
Não se trata, na sua obra literária, de uma exacerbação da impossibilidade, mas da
incansável peregrinação do desejo e das suas irrupções de gozo. A sua escrita não cessa
de nos fazer atravessar os mares e os ventos, bordando as noites e as praias, valsando
nos bailes de Calcutá. Ele, Ela, o homem, a mulher, eu, você, a louca, a criança, a puta, são
os personagens dessas derivas. De leira em beira, estas encenam incessantemente, (des)
continuamente, uma extensa e lenta fornicação. Cada obra, parece configurar uma sequência do mesmo filme, só mudando a lente, a luz ou o ângulo de uma sequência para
a outra. O Marinheiro de Gilbraltar (1952), Emily L. (1987) com 35 anos de distância eternizam essa busca obstinada no mar, no mar sempre recomeçado do desejo. A mulher de O
Marinheiro de Gilbraltar fala de seu encontro com o marinheiro que ela passa a procurar
incansavelmente nos mares do mundo, conjugando o acontecimento com a repetição.
[...] Foi depois que aconteceu, que eu acredito nas coisas possíveis de reencontrá-lo ainda, de
encontrar pouco importa quem, pouco importa quando. E acredito também que me devo à
sua busca, como outros a ...
O título de seu penúltimo livro em 1993, Escrever, pontua definitivamente essa
obra que se arriscou até o obsceno para tentar dizer da coisa em si do gozo, este que
não cessa de não se escrever. A própria escritora se intromete nas narrativas para testemunhar, ao longo dos textos ou dos filmes, da luta que ela está tramando, assim como
seus personagens, para que a vertigem do impossível produza, mesmo assim, um vestígio, rastro do afeto e do efeito consequentes.
A escrita e o amor, ambos responsáveis para que “o que não cessa de não se escrever” (o impossível segundo Lacan) deixe rastros sem vergonha, da “impudência do Dizer”.
Escrever.
Não posso.
Ninguém pode
É preciso dizer isso: não se pode.
E no entanto se escreve
É o desconhecido que se carrega consigo: escrever é o que é alcançado. É isso ou nada (DURAS,
1993, pp. 51-52).
A fim de precisar um pouco essa porno-grafia do texto de Duras, vou abordar a
questão segundo duas perspectivas que correspondem a dois momentos da sua obra:
o gozo do texto de Duras e o gozo no texto de Duras.
O encontro erótico pode ser apenas uma eventualidade, como o homem e a
moça do jardim em Le Square (1955), mas as condições do jogo já estão estabelecidas: “O que conta é que nestes instantes compartilhados, nestes silêncios trocados, o homem e a mulher haviam simultaneamente alcançado uma forma de
exílio absoluto e uma forma de comunicação profunda” (DURAS, 1965, p. 196).
O encontro erótico pode também configurar uma iminência mortal, como em
Moderato Cantabile (1958), ou em Hiroshima Mon Amour (1960), quando o amor, a
sua doçura, a sua lentidão, mitiga o erotismo que tangencia a morte, mas, em todos os casos, o encontro atinge simultaneamente “uma forma de exílio absoluto
e uma forma de comunicação profunda”: “[...] Você não pode saber, você me mata,
você me faz bem, tenho tempo, eu lhe peço, Me devore, Me deforme até a feiura
[...]” (DURAS, 1960, p. 35).
É o jogo do desejo, que atravessa todos os textos, sua aflição, seus enigmas, espantos, e quiproquós, encontros e desencontros dos olhares que capturam, fascinam, devoram, hipnotizam. O olhar que metonimiza, mas também encarna o
acesso impossível, mas irresistível, ao outro, reverberando o que na opacidade
fundamental do olhar fica aí tragado e/ou estilhaçado.
O Deslumbramento de Lol V. Stein retraça as estâncias da paixão desse olhar abismático, que se encontra de diversas formas ao longo de toda a sua obra:
– A quem?
– Eu não sei ela diz
– Isso eu não sei [...] (DURAS, 1952, p. 218).
Cada um precisa se dedicar a essa busca: não ceder em seu desejo.
Marguerite Duras não desistiu. Escritora, autora de uns noventa romances, peças de teatro, crônicas, relatos, entrevistas; cineasta, diretora de 18 filmes, colocou em
cena, nas suas cenas, os mais prestigiosos atores dos anos 1960-1980. Ela publicou seu
primeiro romance em 1943, Os Impudentes, e durante quase a metade de um século,
nunca mais parou: teimosa, insolente, impertinente (horripilante dizem alguns).
...grafia
É notável que seu texto não se apresente como uma metalinguagem que tentaria
falar sobre o amor como impossível, embora urgente e irresistível. A própria escrita é
também tema e assunto dessa literatura: embora inacessível, ela mesma é irremediável
como destino.
O gozo do texto de Duras no jogo do desejo
Ela havia olhado Michel Richardson enquanto passava? Ela o havia olhado de relance com
aquele seu não olhar que vagueava pelo baile? Era impossível saber, assim como é impossível
Desde seus primeiros escritos, Duras inicia suas peregrinações na busca do gozo
a cada vez perdido e encontrado de novo, encore e encore, nas inúmeras figuras do desejo, das mais discretas às mais escandalosas.
saber quando começa minha história de Lol V.Stein: seu olhar – de perto, compreendia-se que
Sempre num meio-tom, sépia, violeta, fosco, quer seja na neblina do norte ou
no sol do meio-dia da Itália, ou na monções da Índia, em tantos lugares, aqui e lá
ao mesmo tempo, em tantas terras de exílios – S. Thala, Calcutá, Lahore, Nevers:
eles vão e vem. Ele, ela, Stein, Lol V. Stein, Anne Marie Stretter –, deambulam encenando o jogo do desejo com uma voz neutra e abafada, como para amortecer
a eventual dramaticidade da tensão erótica.
Impressiona a obstinação e a astúcia da autora, nessa longa narrativa intermitente, que cada livro, cada peça, cada filme, descontinua, insistindo cada vez mais,
no mesmo ponto de partida, no mesmo ponto de dilaceramento que fomenta o
jogo e não a sua desistência.
Em Destruir – diz ela (1969) os hóspedes daquele hotel insólito, à beira da floresta lúgubre, jogam cartas, jogam tênis e críquete, jogam conversas fora, mas o
verdadeiro jogo se trama nos olhares em que está suspensa e tensionada toda a
dimensão erótica do texto.
aquele defeito vinha de uma descoloração quase que desagradável da pupila – habitava toda
a superfície dos olhos, era difícil captar (DURAS, 1964, p. 16).
Re-encontramos o mesmo roteiro em Os Cavalinhos de Tarquínia (1953), O Deslumbramento de Lol V. Stein (1964) e em muitos outros. O magnífico India Song (1975)
transformará isso em imagens e músicas inesquecíveis. A trilha sonora (voz e música)
integral de India Song será retomada em Meu Nome de Veneza em Calcutá Deserta (1976),
filmado nos escombros do hotel Rothschild, apenas um ano depois, filmagem obceca-
39
da por aquilo que não se pode ver – os vestígios do hotel decadente e devastado – a fim
de escancarar, ainda melhor, o vazio do olhar e a solidão do grito.
A eros-grafia do texto encena igualmente e insistentemente a iniciação sexual
da menina, ou seja, como o desejo explode os limites do corpo, como se a criança
oferecida para o sexo rompesse violentamente com a mãe, cujo olhar conferia,
até então, esses limites especulares do corpo, fantasma da passagem sempre recomeçado da infans à puta que fascina a autora.
O gozo sexual, “o desespero do gozar” (DURAS, 1986, p. 46) – “um veludo, uma
vertigem, um deserto” – está o tempo inteiro suspenso, evocado, aludido, no próprio texto! A escrita ela mesma fomenta essa lenta ascensão do prazer, seus rateios,
seus suspiros, as precipitações repentinas, irrupções, explosões e, de novo, o tédio,
a inércia e, em seguida, a volta lenta e ritmada da premência do desejo, sua urgência e, de novo, e encore, explosões, gritos, arrebentações, como as do Vice-Cônsul
ou de Lol V. Stein, que passam do deslumbramento ao arrebatamento/devastação.
ela no sol, estatelada no caminho, vestido rasgado pernas abertas. O narrador e o peso
de seu olhar-voyeur presentifica o tempo expandido do olhar, que desdobra os corpos
num close-up indecente e exibe o que ninguém pode ver numa cena de amor. Seguem
três sequências dessa coreografia libidinosa. Em cada uma, um dos parceiros toma a
iniciativa dos gestos e, meticulosamente predador, consome partes do corpo do outro,
corpos decapitados, acéfalos, sem sujeito, elevados à dignidade de puro objeto. A última cena poderia ser uma cena clássica de masoquismo, até mesmo um crime.
A “responsabilidade sexual” de Marguerite Duras nesse texto procede de alguns elementos dessa história sem-vergonha tão singular, que lhe dá um alcance ético universal.
“Não há relação sexual” não quer dizer que o amor seria igual a uma masturbação autoerótica, quer dizer que cada qual na parceria amorosa goza do corpo
do outro como de um objeto, mas necessita a alteridade do heteros, para buscar
aquilo que no corpo alheio se presta e empresta, para achar no próprio corpo o
ponto de desfalecimento dos limites e do êxtase. Encontrar-se, fora de si, graças
ao corpo do amado.
O interesse dessa narrativa é que tanto o homem quanto a mulher participam
igualmente, normalmente dessa “perversão” polimorfa da sexualidade vetorizada
pelos objetos pulsionais (oral, anal, voz, olhar).
A cena final do crime (que repercute Moderato cantabile, de 1958, e poderia ser
feminina como em O Império dos Sentidos),4 é uma ficção que tira as consequências do ex-stase, achar no outro o seu mais precioso bem, o que conduz por um
instante a querer “capturar, levar consigo, não devolver mais, talvez matar” (DURAS, 1987a, p. 102).
Assim se passaram quase 30 anos da obra de Duras.
O gozo no texto de Duras
Até que nos anos 1980, a então velha senhora sem-vergonha sacode seu público, 40 anos após Os Impudentes: rompendo com a sutileza erótica de seus textos para
mostrar o que não podia se ver, escancarando o sexo, o gozo, seu odor, suor, secreções,
esperma e bocas, excessos e violência do uso e abuso do outro como objeto. Sem entrar nos detalhes dos textos,3 nem dos mal-entendidos da crítica da época, vou apresentá-los e argumentar o seu valor ético no que diz respeito à apreensão “responsável”
do Eros, ou seja, do sexo e da vida.
Lembrando que foi nos anos 1980 também que pudemos ler em O Amante, Agatha, O Amante da China do Norte, o que as ficções do desejo encobriam: as histórias do
gozo, a puta, o incesto, a infância como ponto de partida do sexo, rachadura na imagem da criança, que sela a ruptura devastadora com a mãe: ruptura partindo a criança,
precipitando a báscula do infans à puta.
Mas o escândalo aconteceu em 1980 com O Homem Sentado no Corredor, e, em
1983, com A Doença da Morte e sua versão repetida Olhos Azuis, Cabelo Preto. O Homem
Sentado no Corredor começa no meio de uma cena erótica, ele sentado no corredor,
ração em conhecer tudo do feminino medusário ameaçador. “É curioso um morto!” ela
replica. É curioso alguém que se protege tanto do sexo e da sua alteridade.
“A mulher” aqui é uma encarnação do que, por definição, não se deixa possuir, do que
está fora das medidas fálicas, o mistério do corpo falante que escapa à lei do falo, o heteros que para todo o gênero humano (independentemente do gender) valida o erotismo.
A distância irremediável que separa os seres – “não há relação sexual” – conduz à premência do erotismo; é esta a inovação da ficção/lição de Duras: “O homem e a mulher
são irreconciliáveis, e é esta tentativa impossível e a cada amor renovado que faz disso
sua grandeza”, conclui Marguerite Duras no seu livro A Vida Material (DURAS, 1987b, p. 12).
A sem-vergonhice da escritora é sua responsabilidade (sexual), é sua audácia por
ter se arriscado na ficção “eternamente provisória e desertificada” desta “comunidade
inconfessável dos amantes” da qual fala Blanchot (1983, p. 72) no seu comentário de A
Doença da Morte.
[...] Você pergunta como o sentimento de amar poderia sobrevir. Ela lhe responde: talvez de
uma falha repentina na lógica do universo. Ela diz: Por exemplo de um erro. Ela diz: nunca de
uma vontade (DURAS, 1982, p. 52).
Referências bibliográficas
BLANCHOT, Maurice (1983). La communauté inavouable. Paris : Minuit, 1997
DURAS, Marguerite (1952). Le marin de Gibraltar. Paris : Gallimard, 1977.
DURAS, Marguerite (1943). Les Impudents. Paris : Gallimard, 1992.
A Doença da Morte é uma outra história, ela enfoca o heteros, a questão tão polêmica da diferença sexual. A doença da morte é a doença de quem recusa a incógnita
do heteros para reduzir o sexo ao encontro com o conhecido, com o mesmo. Apesar das
aparências, essa ficção não procede de uma crítica da homossexualidade em si, mas
de como qualquer amor poderia rebaixar o outro ao “mesmo”, burlando o desconhecimento radical do corpo do outro, sua alteridade. Essa “heteridade” alojada na textura
mais êxtima (estranhamento mais íntimo do corpo) se produz mais além dos encantos
apreensíveis via os objetos pulsionais que se podem tocar, comer, foder.
Um homem paga uma mulher para que esta fique várias noites à sua mercê, à
mercê de seu (bem) querer, dedicada a servir seu sexo, seu gozo e, sobretudo, sua aspi-
DURAS, Marguerite (1965). Le square. Paris : Gallimard, 2008.
DURAS, Marguerite (1969). Détruire Dit-elle. Paris : Gallimard, 1984.
DURAS, Marguerite (1960). Hiroshima, mon amour.Paris : Gallimard, 1960
DURAS, Marguerite (1986). Les yeux bleus, cheveux noirs. Paris : Minuit, 1986.
DURAS, Marguerite (1987a). Emily L. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
DURAS, Marguerite (1987b). La vie matérielle. Paris : Gallimard (Poche), 2009,
DURAS, Marguerite (1982). La Maladie de la Mort. Paris : Minuit, 1982.
DURAS, Marguerite (1993). Écrire. Paris : Gallimard, 1995.
DURAS, Marguerite 1980). L’Homme assis dans le couloir. Paris : Minuit (2006)
FINGERMANN, Dominique (2012). “Marguerite Duras : répétition et événement” In : Pliegues 3. España, Revista
de la FFCLE, 2012.
LACAN, Jacques (1965). “Homenagem a Marguerite Duras” In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
3
Ver Césarée.
4
Referência ao filme O Império dos Sentidos (1976), produção franco-japonesa dirigida por Nagisa Oshima.
LACAN, Jacques (1975-1976). O seminário, Livro 23: O sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
40
Marguerite Duras : désir et jouissance
Dominique Fingermann1
École de Psychanalyse des Forums du Champ Lacanien
Résumé
Les psychanalystes s’intéressent à Marguerite Duras pour divers motifs que nous pouvons réduire selon deux axes : 1. Les questions traitées par Marguerite Duras sont les
mêmes que celles que les psychanalyses de tout un chacun traitent : l’amour, le désir, la jouissance, l’enfance comme lieu originel de la solitude première et existentielle,
scène primitive de la séparation, partition, partage par rapport à la mère ; à la limite de
cette « sépartition » existentielle, on frôle l’abîme, c’est-à-dire, la folie ; à la limite de ce
silence existentiel, un accès possible à soi-même comme excès : le sexe. 2. Mais c’est
surtout l’écriture de Marguerite Duras qui intrigue, fascine, captive les psychanalystes :
sa « pratique de la lettre ». Sans développer davantage cette question, nous proposons
quelques-uns des points qui constituent l’enseignement fondamental du texte de Marguerite Duras pour le psychanalyste.
Mots-clés : Marguerite Duras ; désir ; jouissance ; psychanalyse ; Jacques Lacan.
Introduction
Les psychanalystes, depuis toujours, sont fascinés et intrigués par les « écrivains
créatifs », certains, quelquefois tombent en tentation de réduire le texte à une manifestation symptomatique d’où l’on pourrait extraire un aperçu de la subjectivité de l’auteur. Mais il ne s’agit surtout pas de mettre la psychanalyse en position de référence
du texte, révélatrice de son sous texte, bien au contraire, le psychanalyste se met en
position de révérence à l’égard du texte littéraire. Nous admirons la prouesse du poète,
de l’écrivain, de l’artiste qui sait produire et partager avec autrui, comme dans un tour
de magie, ce que l’analyse peut – éventuellement – produire de mieux à la fin, mais au
prix d’une longue traversée.
Jacques Lacan a bien su exprimer cette révérence lors de son « Hommage au Ravissement de Lol V. Stein », en 1965, texte lu, cité, commenté, publié dans les Autres Ecrits,
et re-produisant jusqu’aux jours d’aujourd’hui l’intérêt des psychanalystes pour l’œuvre
de Marguerite Duras et contribuant en cela à leur formation permanente.
Je pense que, même si Marguerite Duras me fait tenir de sa bouche qu’elle ne sait pas dans
originel de la solitude première et existentielle, scène primitive de la séparation, partition, partage para rapport à la mère ; à la limite de cette « sépartition » existentielle, on
frôle l’abîme, c’est-à-dire, la folie ; à la limite de ce silence existentiel, un accès possible
à soi-même comme excès : le sexe.
2. Mais c’est surtout l’écriture de Marguerite Duras qui intrigue, fascine, captive les
psychanalystes : sa « pratique de la lettre ».
Sans développer davantage cette question, nous proposons quelques-uns des
points qui constituent l’enseignement fondamental du texte de Marguerite Duras pour
le psychanalyste.
– la façon dont la vérité est tissée de fiction et vice-versa ;
– l’usage de la répétition, au niveau de la phrase, du texte, de l’œuvre, pour faire
retentir avant tout, ce qui n’a pas de sens, mais qui insiste et existe comme la musicalité
à fleur de mot, de cette écriture/parlée ;
– l’hésitation entre le sens et le son (Paul Valéry) que fait résonner autre chose que
le sens, une langue oubliée, immémoriale. Toutes les figures de style durassiennes contribuent au silence fondamental du sens qui précède toutes les fictions vraies de l’être parlant.
toute son œuvre d’où Lol lui vient, et même pourrais-je l’entrevoir de ce qu’elle me dit la phrase
d’après, le seul avantage qu’un psychanalyste ait le droit de prendre de sa position, lui fût-elle
Ce n’est pas une traduction. Il ne s’agit pas du passage d’un état à un autre. Il s’agit du déchif-
donc reconnue comme telle, c’est de se rappeler avec Freud qu’en sa matière, l’artiste toujours
frement de ce qui est déjà là et qui déjà a été fait par vous dans le sommeil de votre vie, dans
le précède et qu’il n’a donc pas à faire le psychologue là où l’artiste lui fraie la voie.
son ressassement organique, à votre insu. (DURAS, 1987, p. 33)
C’est précisément ce que je reconnais dans Le Ravissement de Lol V. Stein, où Marguerite Duras
1
Dominique Fingermann s’est graduée en Psychologie aux Universités Paul Valéry (Montpellier) et Aix-Marseille en 1978. De 1974 à 1983, elle a travaillé avec des malades psychotiques et des autistes (Centre
Psychothérapique Saint Martin de Vignogoul ; Institut Médico Pédagogique, Les Hirondelles, Hérault, France). Elle habite au Brésil depuis 1983 et y pratique la psychanalyse depuis 1988; a participé à la Bibliothèque
Freudienne à São Paulo et à l’École Brésilienne de Psychanalyse. Depuis 1998, elle participe aux Forums du
Champ Lacanien et à la fondation de l’École de Psychanalyse des Forums du Champ Lacanien. Enseignante
au Collège de Clinique Psychanalytique du Sud-Est (France). Elle a publié plusieurs articles en livres et revues au Brésil et à l’étranger et est auteur, avec Mauro Mendes Dias, de Por causa do pior et Os paradoxos da
repetição (dir.)
s’avère savoir sans moi ce que j’enseigne.
Que la pratique de la lettre converge avec l’usage de l’inconscient, est tout ce dont je témoignerai en lui rendant hommage. (LACAN, 1965, p. 192-3)
Les psychanalystes s’intéressent à Marguerite Duras pour divers motifs que nous
pouvons réduire selon deux axes :
1. Les questions traitées par Marguerite Duras sont les mêmes que les psychanalyses de tout un chacun traitent : l’amour, le désir, la jouissance, l’enfance comme lieu
Désir et jouissance sont un des exemples majeurs du fait que l’écriture traite, produit littéralement un traitement, de la chose, de ce dont on ne peut parler.
Qui mieux que Duras a ainsi tressé le texte et le sexe?
L’impudence du texte de Duras : sa porno-graphie
Qui mieux que Marguerite Duras, cette impudente, fit de son écriture une érotique, fit de l’érotisme un écrit?
41
Porno... :
Ce qui nous impressionne d’entrée de jeu dans son œuvre littéraire c’est à quel
point son texte sans vergogne relève de ce que nous nommons à la suite de Lacan « la
responsabilité sexuelle » (LACAN, 1975-1976, p. 64).
Il ne s’agit pas ici d’une exacerbation de l’impossibilité, mais de l’infatigable pérégrination du désir et de ses irruptions de jouissance. Sans relâche, l’écriture nous fait
traverser vents et marées, frôlant les nuits, parcourant les plages de Normandie, nous
revoici soudain pris dans la valse douloureuse des bals de Calcutta. Elle, lui, la femme,
l’homme, moi, vous, la folle, l’enfant, la pute : voilà les personnages de ces dérives. De
rives en rives, de bord en bord, celles-ci mettent (dis)continuellement en scène une
lente, tenace et exténuante fornication. Chaque œuvre semble être une séquence d’un
même film, ce qui change entre une séquence et l’autre, c’est l’objectif, la lumière ou
l’angle de la prise de vue. Le Marin de Gilbraltar (1952), Emily L. (1987) éternisent, à 35
ans de distance, cette recherche obstinée au travers des mers, les mers toujours recommencées du désir.
Voici comment la femme du Marin de Gilbraltar parle de sa rencontre avec le marin qu’elle se met à poursuivre inlassablement sur les mers du monde, conjuguant pour
toujours l’évènement et la répétition (cf. FINGERMANN, 2012) :
[...] c’est depuis qu’elle s’est produite que je crois dans les choses possibles de le rencontrer
encore, de rencontrer n’importe qui, n’importe quand. Et que je crois aussi que je me dois à sa
même est thème et sujet de cette littérature : bien qu’inaccessible, elle est elle-même
irrémédiable comme destin.
Le titre de son avant-dernier livre en 1993 : Ecrire ponctue définitivement cette
œuvre qui s’est risquée jusqu’à l’obscène pour tenter de dire la chose en soi de la jouissance, celle qui ne cesse pas de ne pas s’écrire.
L’auteur elle-même s’entremet dans les récits pour témoigner, tout au long des
textes et des films, de la lutte qu’elle trame, tout autant que ses personnages, pour que
le vertige de l’impossible produise quand même des vestiges, empreintes de l’affect et
de l’effet conséquents.
L’écriture et l’amour, sont l’un et l’autre responsables pour que « ce qui ne cesse
pas de ne pas s’écrire » laisse des traces « de l’impudence du Dire » (LACAN, 1973-1974).2
Écrire,
Je ne peux pas.
Personne ne peut.
Il faut le dire: on ne peut pas.
Et on écrit.
C’est l’inconnu qu’on porte en soi: écrire, c’est ce qui est atteint. C’est ça ou rien. (DURAS, 1993, p. 51-2)
Afin de préciser davantage cette porno-graphie du texte de Duras, je vais aborder
la question selon deux perspectives qui correspondent à deux moments de son œuvre :
la jouissance du texte de Duras et ensuite la jouissance dans le texte.
recherche, comme d’autres à ...
– A qui?
– Je ne sais pas – dit-elle – ça je ne le sais pas [...]. (DURAS, 1952, p. 218)
On se doit à cette recherche : ne pas céder sur le désir.
Marguerite Duras (1914-1996) n’a pas cédé. Auteur de près de 90 romans, pièces
de théâtre, chroniques, interviews ; cinéaste, elle a dirigé 18 films mettant en scène,
dans ses scènes à elle, les plus prestigieux acteurs des années 1960-1980. Elle publia
son premier roman en 1943 : Les Impudents, et pendant un demi-siècle elle ne s’est plus
arrêtée : têtue, insolente, impertinente, imprudente (horripilante soupirent certains !).
La jouissance du texte de Duras dans le jeu du désir
Dès ses premiers écrits, Duras initie ses pérégrinations à la recherche de la jouissance à chaque fois perdue et encore et toujours à nouveau rencontrée, grâce à ses
innombrables figures du désir, des plus discrètes aux plus scandaleuses.
Toujours dans un demi-ton, sépia, violet, flou et mat, qu’il s’agisse des brumes du
Nord, des moussons de l’Inde ou du soleil de midi de l’Italie, ici et ailleurs en même
temps, en autant de terres d’exil – S. Thala, Calcutta, Lahore, Nevers : ils vont et
viennent. Lui, elle, Stein, Lol V. Stein, Anne-Marie Stretter, déambulent « interprétant », le jeu du désir d’une voix neutre et feutrée comme pour amortir l’éventuel
drame de la tension érotique, son cri imminent.
…graphie :
Il est notable que son texte ne se propose pas comme un métalangage qui essaierait de dire l’amour comme impossible, bien qu’urgent et irrésistible. L’écriture elle-
2
Leçon du 11/06/1974.
On est impressionné par l’obstination et l’astuce de l’auteur dans ce long récit intermittent, que chaque livre, chaque pièce, chaque film, dis-continue en insistant
à chaque fois plus sur le même point de fuite, le même point de déchirement qui
fomente le jeu et exclue le désistement.
La rencontre érotique peut être une simple éventualité, comme pour l’homme
et la jeune fille sur le banc du jardin dans Le Square (1955), mais les conditions du
jeu de l’amour sont déjà établies : « Ce qui compte, c’est que dans ces instants
partagés, dans ces silences échangés, l’homme et la jeune femme ont à la fois atteint une forme d’exil absolu et une forme de communication profonde » (DURAS,
1965, p. 196).
La rencontre érotique peut aussi configurer une imminence mortelle comme
dans Moderato cantabile (1958), ou dans Hiroshima mon amour (1960), quand
l’amour, sa douceur, sa lenteur, mitige l’érotisme qui frôle dangereusement la
mort, mais dans tous les cas, la rencontre atteint simultanément « une forme d’exil
absolu et une forme de communication profonde ». « Tu ne peux pas savoir, tu me
tues, tu me fais du bien, j’ai le temps, Je t’en prie, Dévore moi, déforme moi jusqu’à
la laideur... » (DURAS, 1960, p. 35).
C’est le jeu du désir qui traverse tous ces textes, leur affliction, leurs énigmes,
les surprises et quiproquos, les rencontres et ratages des regards qui capturent,
fascinent dévorent, hypnotisent. Le regard métonymise mais aussi bien incarne
l’accès impossible et irrésistible à l’autre, réverbérant ce qui dans l’opacité fondamentale du regard s’y précipite et/ou s’y éclate.
Dans Détruire – dit-elle (1969) les hôtes de ce refuge insolite au bord de la forêt
lugubre, jouent aux cartes, au criquet, au tennis, jouent le jeu des bonnes manières et conversations de salon, mais le véritable jeu c’est celui qui se trame dans
les regards croisés et captivants auxquels sont tendus et suspendus toute la dimension érotique du texte. On retrouve ce même scénario dans Les Petits Chevaux
de Tarquinia (1953), Le Ravissement de Lol V. Stein (1964) et dans bien d’autres. Le
magnifique India Song (1975) mettra cela en images et musiques inoubliables que
reprendra Son nom de Venise dans Calcutta Désert (1976) filmé dans les décombres
de l’hôtel Rothschild, un an seulement après, afin de dévoiler mieux encore le vide
du regard et la solitude du cri.
L’eros-graphie du texte de Duras met également en scène, avec insistance, l’initiation sexuelle de l’enfant, c’est-à-dire comment le désir explose les limites du corps,
comme si l’enfant qui s’offre au sexe rompait violemment avec la mère, dont le regard lui conférait jusqu’à présent, les limites spéculaires du corps. Insistance, fantasme du passage toujours recommencé de l’infans à la pute qui fascine l’auteur.
42
La jouissance sexuelle, « le désespoir de jouir » (DURAS, 1986, p. 46) – « un velours, un vertige, un désert » (DURAS, 1986, p. 51) – est sans arrêt suspendue, évoquée, insinuée, et comment ! L’écriture elle-même suscite cette lente ascension
du plaisir, ses trébuchements, ses soupirs, les précipitations soudaines, irruptions,
explosions, et de nouveau l’ennui, l’inertie, auxquels suit de nouveau la pression
lente et rythmée du désir, son urgence et encore l’explosion, les cris et les déchirements, tels ceux du Vice Consul ou de Lol V. Stein qui basculent du ravissement
au ravage.
C’est ainsi que se passent 30 ans de l’œuvre de Marguerite Duras.
La jouissance au cœur du texte de Duras
Jusqu’à ce que dans les années 80, l’auteur sans vergogne devenue une vielle
dame ébranle son public 40 ans après Les Impudents : elle rompt avec l’érotisme subtil
de ses textes pour montrer ce que l’on ne saurait voir, exhibition du sexe, la jouissance,
son odeur, la sueur, les sécrétions, le sperme, la bouche, excès de violence, us et abus
de l’autre comme simple objet. Sans rentrer dans les détails des textes, ni dans les mal
entendus de la critique de l’époque, je tiens à les présenter et à soutenir leur valeur
éthique au regard d’une répartie éthique de l’éros, réponse du sexe et de la vie.
Rappelons que c’est dans les années 80 que nous avons pu lire dans L’Amant,
Agatha, L’Amant de la Chine du Nord, ce que les fictions du désir des années passées
recouvraient : des histoires de foutre, de pute, d’inceste, et plus précisément l’enfance
comme point de départ et de rupture du sexe, brisures dans l’image de l’enfant qui
scellent la rupture ravageante avec la mère : rupture qui partage l’enfant précipitant la
bascule de l’enfant à la pute.
Mais le scandale se produit vraiment en 1980 avec L’Homme assis dans un couloir,
et en 1983 avec La Maladie de la mort et sa version répétée Les Yeux bleus, cheveux noirs.
L’Homme assis dans un couloir débute au beau milieu d’une scène érotique ; lui est
assis dans le couloir, elle est par terre un peu plus loin, étalée au milieu du chemin, robe
déchirée, jambes grandes ouvertes. Le narrateur et son regard-voyeur présentifient le
temps extensif du regard qui déplie ces corps dans un close-up indécent et donne à
voir ce que personne ne peut voir dans une scène d’amour. Suivent trois séquences de
cette chorégraphie libidineuse. Dans chacune, l’un des partenaires prend l’initiative des
gestes, et tel un prédateur méticuleux consomme des morceaux du corps de l’autre :
corps décapités, acéphales, sans sujet, élevés à la dignité de pur objet. La dernière scène
pourrait être une scène classique de masochisme, ou même d’un crime.
La responsabilité sexuelle de Marguerite Duras dans ce texte tient à quelques éléments de cette histoire singulière, qui lui donne une portée éthique universelle.
« Il n’y a pas de rapport sexuel » ne veut pas dire que l’amour serait équivalent
à une masturbation autoérotique, c’est dire que chacun dans l’accord amoureux
jouit du corps de l’autre partenaire comme d’un objet, mais il a besoin de l’altérité
de l’heteros, pour y chercher ce qui dans le corps autre se prête et s’emprunte afin
de trouver dans le corps propre le point de défaillance des limites et de l’extase. Se
trouver, hors de soi, par la grâce du corps de l’aimé.
L’intérêt de ce récit est aussi de montrer comme autant l’homme que la femme
participent également de cette perversion polymorphe de la sexualité vectorisée
par les objets pulsionnels (oral, anal, voix, regard).
La scène finale du crime (qui répercute celle de Moderato cantabile de 1958 et
qui pourrait être prise du côté féminin comme dans l’Empire des Sens), est une fiction qui tire les conséquences de l’ex-stase : trouver dans l’autre son bien le plus
précieux peut conduire un instant à vouloir « la voler et l’emmener avec soi, ne
plus la rendre, peut-être tuer » (DURAS, 1987, p.147).
La Maladie de la mort est une autre histoire : elle focalise l’heteros, soit la question
tellement polémique de la différence sexuelle. La maladie de la mort, c’est la maladie de
qui récuse l’inconnue de l’heteros pour réduire le sexe à un rendez-vous avec le connu,
du pareil au même. Malgré les apparences, cette fiction durassienne ne relève pas d’une
critique de l’homosexualité en soi, mais soutient une critique de quelque amour que
ce soit qui pourrait rabaisser l’autre au même, embobinant la méconnaissance radicale
du corps de l’autre au prix d’une reconnaissance. La maladie de la mort, c’est celle de
celui qui recule devant l’hétérité logée dans la texture la plus extime du corps ourdie,
en deçà des charmes discrets des objets pulsionnels que l’on peut toucher, manger,
regarder, chier, baiser.
Un homme paye une femme pour qu’elle reste plusieurs nuits à sa disposition, à
la merci de son (bon) vouloir, se consacrant à servir son sexe, sa jouissance et surtout,
son aspiration à connaître tout du féminin médusant et menaçant. « C’est curieux un
mort ! » (DURAS, 1987), réplique-t-elle suite à sa proposition.
« La femme » ici, incarne ce qui par principe, ne se laisse pas posséder, ce qui
demeure ex-centrique, hors de la mesure phallique, c’est l’incarnation du mystère
du corps parlant qui échappe à la loi du phallus, l’heteros qui pour tout le genre
humain (indépendamment du gender) valide l’érotisme.
La distance irrémédiable qui sépare les êtres – « il n’y a pas de rapport sexuel » –
pousse à l’urgence de l’érotisme ; voilà la nouveauté de la fiction/leçon de Duras,
l’impertinente: « L’homme et la femme sont irreconciliables et c’est cette tentative
impossible et à chaque amour renouvellé qui en fait sa grandeur » (DURAS, 1987,
p. 12), conclut Duras dans son livre La Vie matérielle.
L’impudence de l’écrivain, c’est sa responsabilité (sexuelle), c’est son audace pour
s’être risquée à cette fiction « éternellement provisoire et désertée » de la « communauté inconfessable des amants » dont parle Blanchot (1983, p. 72) dans son commentaire
de La Maladie de la mort.
Vous demandez comment le sentiment d’aimer pourrait survenir. Elle vous répond: peut-être
d’une faille soudaine dans la logique de l’univers. Elle dit: Par exemple d’une erreur. Elle dit:
jamais d’un vouloir. (DURAS, 1982, p. 52)
Références bibliographiques
BLANCHOT, Maurice (1983). La Communauté inavouable. Paris : Ed. Minuit, 1997.
DURAS, Marguerite (1952). Le Marin de Gibraltar. Paris : Gallimard, 1977.
DURAS, Marguerite (1960). Hiroshima, mon amour. Paris : Gallimard, 1960.
DURAS, Marguerite (1965). Le Square. Paris : Gallimard, 2008.
DURAS, Marguerite (1986). Les Yeux bleus cheveux noirs. Paris : Ed. Minuit, 1987.
DURAS, Marguerite (1982). La Maladie de la mort. Paris : Ed. Minuit, 2006.
DURAS, Marguerite (1987). La Vie matérielle. Paris : Gallimard (Poche), 2009.
DURAS, Marguerite (1987). Emily L. Paris : Ed. Minuit, 1987.
DURAS, Marguerite (1993). Écrire. Paris : Gallimard, 1995.
DURAS, Marguerite (1982). La Maladie de la mort. Paris : Ed. Minuit, 1982
FINGERMANN, Dominique (2012). Marguerite Duras : répétition et événement. Pliegues 3. España, Revista de
la FFCLE, 2012.
LACAN, Jacques (1965). Hommage fait à Marguerite Duras, du Ravissement de Lol V. Stein : Autres écrits. Paris :
Seuil, 2001.
LACAN, Jacques (1975-1976). Le Séminaire, Livre 23: Le sinthome. Paris : Seuil, 2003.
43
A voz da memória e do esquecimento1
Catherine Gottesman2
Société Internationale Marguerite Duras
Resumo
Toda escrita tem a ver com a memória. Neste trabalho, eu me ocuparei da voz da memória e do esquecimento na obra de Marguerite Duras. Sendo a voz uma característica
fundamental de sua obra, ela é ao mesmo tempo, estilística, estética, ética e política,
construída progressivamente ao longo do seu percurso. Analisaremos a voz nas diferentes etapas da obra da autora – os anos do início da carreira, os anos 60, os anos do
teatro e do cinema (70), e os anos 80. Assim, examinaremos a voz falada, ouvida, além
da voz escrita. Veremos como essa voz se estende em sua obra, sobretudo em L’Amant,
Yann Andrea Steiner e Emily L.
Palavras-chave: Marguerite Duras; voz; memória; esquecimento.
Introdução
“Durante muito tempo”, Proust “dormia cedo” (PROUST, 1988, p.3). E depois, mais
tarde, ele renunciará a seu sono em favor de um trabalho que ocupará suas noites “muitas noites, talvez cem, talvez mil”, descobrindo que um escritor não se distingue por
ideias filosóficas, mas pela capacidade de captar um “tempo redescoberto”, de trazer à
vida as sensações tênues conservadas em nossa memória, como o odor “de invisíveis
e persistentes lilases” (Id., Ib.). As afinidades entre M. Duras e Proust são numerosas e a
sombra do famoso escritor perpassa sua obra, sem que ela o nomeie, como por exemplo, no final de Yann Andréa Steiner (DURAS, OC, v.III, 2014, p.825).3 Mais explicitamente,
muitas vezes nas entrevistas, Marguerite Duras frequentemente mencionou sua proximidade especial com Proust, nas “Roches Noires” em Trouville.4 Embora não se perceba
a intenção de um projeto comparável ao la Recherche du temps perdu, a memória está
presente em toda sua obra.
DURAS, M. Yann Andréa Steiner. OC., v.III, Paris: Pléiade, p. 825
“Você diz: Do que se fala neste quarto escuro? De quê ?
Eu digo como você, não saber mais do quê.
Dos acontecimentos do verão, sem dúvida, da chuva, da fome.
Da injustiça.
E da morte.
Do mau tempo, dessas noites quentes, corridas nesses dias de arte, de sombra fresca das paredes, dessas
jovens cruéis que despertavam o desejo,
desses hotéis sem fim agora massacrados,
desses corredoes sombrios e frescos, esses quartos agora abandonados, onde tanto se fizeram de livros e
de amor,
desse homem de Cabourg, Judeu como a criança, a escrita, Judeu como a alma
dessas noites tão lentas, você se lembra, quando elas dançavam na frente dele, as duas moças malvadas, ele
sofrendo seu desejo, quase morrendo por causa dele e chorando lá, sobre o canapé do grande salão com
vista para o mar, no gozo louco de esperar morrer um dia.”
4
cf. CETON, 2012, p. 67: “– Você me disse que Proust tinha vindo aqui. Marguerite Duras: – Sim, ele tinha o
quarto 111, do lado oposto ao meu apartamento. Eu tenho o 105, ele tem o 111, do outro lado”.
3
Tradução feita por Maria Cristina Vianna Kuntz para o texto e todas as citações, exceto para as citações de O
Amante.
1
Catherine Gottesman (Société Internationale Marguerite Duras) é professora de Letras Clássicas, com especialização em Ciências da Linguagem (EHESS); ensinou Latim e Literatura Francesa em CPGE, (Lycée La
Bruyère em Versailles de 1984 a 2006), estilística no ISIT (Instituto Superior em Gestão e Comunicação Interculturais, Tradução e Interpretação) e Expressão-Comunicação, e Francês língua estrangeira no IUT d’Orsay
até 2011. Pesquisadora membro do CRATIL (Centro de Pesquisa Aplicada sobre Comunicação, Tradução,
Interpretação e Linguagem), conduz em paralelo pesquisa sobre M. DURAS na Université Paris 8, encena
leituras de obras de M. Duras e organiza anualmente, desde 2006, uma jornada Duras em Chaville (Região
Metropolitana de Paris). Publicou diversos artigos sobre a obra de Marguerite Duras.
2
Certamente, toda escrita, toda obra artística talvez se relacione com a memória,
seja ela motor ou instrumento; se me proponho aqui a deter-me na voz da memória e
do esquecimento é que me parece encontrar nessa voz uma característica fundamental
de M. Duras, ao mesmo tempo estilística, estética, ética e política, construída progressivamente ao longo de seu percurso. Celebrando seu Centenário, esse tema apresenta
a oportunidade de convidar-nos à leitura do conjunto da obra – quatro volumes da
Pléiade – e tantas outras obras críticas que aproveitaram a efeméride.
Àqueles que desejarem uma pesquisa mais global sobre a memória e o esquecimeto, proponho a leitura dos Atos do Colloque de Louvain (2006) que têm como tema
esse tópico.5
De minha parte, divido com Marguerite Duras o gosto das vozes, dos diferentes
sons das línguas estrangeiras, (que prazer ouvir o Português do Brasil, por exemplo!).
Diversas experiências de encenações teatrais me permitiram trabalhar com atores e atrizes de grande talento, como Coralie Seyrig, sobrinha la de Delphine, Audrey Bonnet e
Eric Génovèse da Comédie-Française. Explorar a temática da memória sob esse aspecto
da voz é também uma espécie de prolongamento do trabalho que executei com eles.
I. Pequeno percurso cronológico
Estabelecer uma periodização é sempre discutível porque é preciso combinar critérios heterogênios. Para limitarmo-nos a conceitos simples, vamos apoiar-nos em critérios temáticos e estilísticos:
Joëlle Pagès-Pindon distingue três fases na produção romanesca de Duras que seguem Un Barrage contre le Pacifique: os romances de casal, depois um período de emergência da voz a partir de Square, e finalmente, a “invasão” da narrativa pela palavra:
De mémoire et d’oubli : Marguerite Duras. Colóquio Internacional organizado por Christophe Meurée na ocasião do décimo aniversário da morte da escrituroa em Louvain, Bélgica, Université Catholique de Louvain,
2 a 4 de março de 2006. MEURÉE, Christophe, PIRET, Pierre (dir.). De mémoire et d’oubli : Marguerite Duras.
Bruxelles : Peter Lang, 2009.
5
44
Diferentemente dos textos que se seguirão no segundo período da produção durassiana e
que serão marcados pela invasão da palavra, “carregados de pouca matéria”, esses três romances, que se podem chamar “romances de casal”, contam histórias (PINDON, 2012, p.133 ).
Catherine Cloarec (Bouthors Paillart) distingue o período da língua francesa, sentida como estrangeira por parte da escritora, seguido da volta do reprimido, isto é, a língua
oriental refazendo uma camada, para chegar finalmente a uma mestiçagem assumida.
Há outros critérios genéricos como os de Gilles Philippe, no Prefácio da Pléiade do
qual esquematizo:
Não se encontram qualificações para a voz de Tiène, o ser amado em Les Impudents; nem na evocação, nem nos personagens secundários; é a memória de suas vozes
que os faz reviver após seu desaparecimento, permetindo-nos entrar em uma espécie
de intimidade com eles.
Bem diferente da riqueza e originalidade de L’Amant, quando ela percebe as vozes
na rua:
As vozes são estridentes, o chinês é uma língua gritada como sempre imaginei serem as línguas dos desertos, é uma língua incrivelmente estranha. [...] Percebemos alguma coisa das
suas vidas, o total de suas vozes, dos seus movimentos, como uma sirene que lançasse entre-
– romances do início, que a partir de Square (1955), mais e mais darão lugar à palavra;
costado, triste, sem eco (DURAS, 1985, p.46-47).
– um período de florescimento do teatro, na década de 1960;
– um período de florescimento do cinema na década de 1970;
A voz da amante:
– uma volta à escrita na década de 1980:
Ela reconheceu a voz. Ele disse: queria apenas ouvir sua voz. Ela disse: bom dia. Ele estava in-
“eu ia começar a escrever livros, ia voltar ao país natal, a esse trabalho terrível que
eu abandonara havia dez anos”, escrevia Marguerite Duras, comentando o fracasso de
Navire night (em 1978). Embora este não tivesse sido realmente um fracasso, mas uma
bela solução (filmar o desastre do filme). Assim, multiplicam-se a partir dos anos 1980,
romances, entrevistas, artigos de jornais como uma afirmação da palavra, em primeira
pessoa, uma direção certa (um “vous”, que remete a Yann, seu companheiro, ao leitor,
ao entrevistador).
timidado, com medo, como antes. Sua voz começou a tremer de repente. E com esse tremor,
subitamente ela reencontrou o sotaque da China (DURAS, 1985, p.126-127).
Voz de Marie Claude Carpenter : “Uma voz que ouço ainda, grave, um pouco desafinada nos agudos” (DURAS, 1985, p.70); a voz de Drieu la Rochelle: “[...] falava pouco
para não transigir, com voz alta, numa linguagem que parcia traduzida, inadequada”
(DURAS, 1985, p.75). Neste último exemplo, não se pode discernir a influência do cinema com “uma voz dublada”.
1. Nos primeiros romances a voz não está diretamente ligada memória
A voz em seus primeiros romances é descrita, mas não diretamente ligada à memória. Marca identitária do personagem ou índice de seu estado de alma, ela é ainda
tratada de maneira semelhante à do romance tradicional. São notações muito breves
qualificando as vozes: mais frequentemente um adjetivo ou um particípio. Ela é percebida e interpretada no momento mesmo em que é ouvida. O jogo é essencialmente
relacional, permitindo compreender e reagir à comunicação com o outro.
Em Les Impudents, vemos: uma voz distraída, sonhadora, ensurdecida, sua voz ressoava clara; voz baixa, abafada, carinhosa, aguda, malvada (Luce). Ela tinha uma voz que
eu não …
Em Le Marin de Gibraltar, temos: voz de uma grande gentileza, de uma inesgotável
doçura; voz tímida, alta, baixa, enfraquecida; voz um pouco quebrada, um pouco triste, voz
quase baixa; voz dura, voz doce e gutural.
Em Savannah Bay, pode-se reconhecer mais ainda, um trabalho sobre a memória:
trata-se de uma espécie de interrogatório generoso e desesperado, da atriz idosa que
ficara parcialmente amnésica, por sua neta que gostaria de saber mais sobre sua mãe
desaparecida. Dor da recordação do drama e dor do esquecimento são compensados
pela afeição entre as duas mulheres e pela celebração do teatro.
No cinema, La Femme du Gange e India Song mostram-nos o traço deixado pelo
abandono de Lol V. Stein e a lembrança da paixão vivida nas Índias por Anne-Marie
Stretter, Michaël Richardson e os demais personagens enamorados de Anne-Marie. Traço evocado anos mais tarde, quando eles não estão mais vivos.
Vozes desencarnadas reconstituem a história dos amantes que os atores representam sem encarnar. Contando-nos a história, elas constituem retransmissores entre
o acontecimento e nós, espectadores: somos convidados a tomar parte na cadeia das
vozes fascinadas pelo que não se pode viver, (l’invivable) do mundo e do amor. Aliás,
Jean Pierre Ceton, em La fiction d’Emmedée, lembra de grupos de jovens que, nos anos
1980, só se exprimiam reutilizando réplicas do filme.
Os textos híbridos, como India Song, publicado inicialmente em 1973, com a menção texte/théâtre/film, depois filmado em 1975 com esse mesmo título, retomado no
ano seguinte em Son nom de Venise dans Calcutta désert, essas reescrituras, essas transferências genéricas, constituem uma nova forma de pesquisa e fonte de nova inspiração. Marguerite Duras com esse “tournant vocal” atinge uma “escrita que tem a preocupação de reencontrar o ritmo da palavra e de dar a ilusão de ouvir uma voz” (PHILIPPE.
DURAS, 2014, v.I, p. XXX).
3. A voz nos textos do ciclo atlântico (após 1980)
2. A voz no teatro e no cinema (anos 1960 a 1980)
Evidentemente, nessas duas artes, a voz se faz ouvir pelo espectador. No teatro, no
cinema, Marguerite Duras trabalha essencialmente sobre os diálogos que ela reescreve
sem parar, à medida que os atores experimentam o texto, conforme os testemunhos de
Claire Deluca, Madeleine Renaud e Michael Lonsdale, entre outros. Eis aí a importância
da voz em ato, em cena. Marguerite dirige os atores, mas também aprende com eles.
Frequentemente, ela os escolhe em função de sua voz. Depois de descrever a voz
de Delphine Seyrig, ela acrescenta que teria “podido contratar somente sua voz ao telefone, sem tê-la visto” (DURAS, 2014, v.III, p.1024).
O teatro trata frequentemente da memória: La Musica leva à cena um casal que
volta ao motivo que os levara ao fracasso. Essa recordação é acompanhada de sofrimento e tomada de consciência da permanência do amor.
Esses textos têm como traço comum serem escritos na primeira pessoa e dirigirem-se a um interlocutor narratário, além da predominância dos diálogos; distinguem-se ainda por serem textos escritos após terem sido representados ou filmados: L’Eté 80,
L’Amant (84), La Vie matérielle (87), Emily L. (87), La Pluie d’été (90), Yann Andrea Steiner
(92), Ecrire (93), L’Amant de la Chine du Nord (91).
Conclusão: parece evidente que a tendência para textos mais e mais próximos da
palavra deve-se a dois fatores:
1) a experiência do trabalho
– com os atores no teatro e no cinema que lhe permitiu uma avaliação do poder
evocador da voz.
– Com os entrevistadores: a experiência das entrevistas (gravadores de Jean
Pierre Ceton, de Jérôme Beaujour, na televisão, a câmera de Benoît Jacquot)
45
e a consciência de ter um público constituem estímulos para Marguerite. Ela
ouve inúmeras vezes os cassetes e os desgravadores, com a intenção de utilizar esse material.
Benoît Jacquot contou recentemente, no Forum des Halles, que sua filmagem
de Ecrire e de La Mort du Jeune aviateur fora motivada pelo desejo de agadar à
Marguerite quando esta saiu de seu coma, oferecendo-lhe seu ambiente favorito:
uma equipe a seu lado para um trabalho de criação.
2) A chegada de Yann em sua vida: ele se torna um irmão, amante, fonte de inspiração, o leitor /ouvinte ideal e permite a Marguerite reencontrar o frescor de suas
emoções da infância.
II. A voz e a escrita: conflitos e paradoxos
Marguerite Duras atribui frequentemente, sua vocação de escritora à necessidade
de contar a imensa injustiça sofrida por sua mãe pelo fato de ter recebido uma terra não
cultivável em Prey Nop, tragédia contada em Un Barrage contre le Pacifique. Encontra-se
aí uma motivação corrente nos escritores: refazer a história familiar, eternizar os sentimentos e sensações originais, colocá-los ao abrigo na escrita. Entretanto, neste caso,
o poder da mãe persiste até na escrita da filha. Não podendo persuadi-la a escolher
outra profissão mais séria, a liberdade da filha não permitirá, contudo, escrever tudo o
que sente. Assim MD, na publicação de L’Amant, dá uma versão bem diferente da de Un
Barrage, explicando a propósito de Monsieur Jo, que ela o havia pintado tal como ele
era visto por sua família e não segundo seu sentimento pessoal. Contrariamente ao M.
Jo ou ao Léo das primeiras versões, o amante chinês de 1984 é um homem desejável, e
mesmo amável, pode ser amado. Assim, depois de tê-lo deixado,
[...] ela chorou porque se lembrou daquele homem de Cholen e subitamente não tinha certeza de não tê-lo amado com um amor que não havia percebido porque se perdera na história
como água na areia [...] (DURAS, 1985, p.124).
A escrita, porém, tem sempre defeitos segundo Duras, ela apaga a história vivida,
substituindo-a:
Parece-me que é quando isto estiver em um livro que não causará mais sofrimento... que isso
não será mais nada. Que será apagado. Eu descubro isso com a história que tenho com você:
escrever é issso também, sem dúvida, é apagar. substituir (DURAS, 2014, v.IV, p.409).
Um acontecimento não pode ocorrer duas vezes, uma vez na realidade, uma vez em um livro… Mas é preciso ainda que tenha acontecido para que o livro esteja apto a dar conta dele.
Mas o acontecimento é destruído pelo livro, se você quiser (DUMAYET, 1992, 49).
Assim, ela própria pode concluir: “A história da minha vida não existe” (DURAS, 1985,
p.12). “Muito cedo, o que eu escrevi substituiu o que eu vivi” (DUMAYET, 1999, p.49), isto é,
pode-se dizer que a escrita não conserva o vivido, mas substitue a história contada.
Além do que a memória consciente do escritor lhes oferece, os leitores atentos e
perspicazes podem descobrir uma memória escondida. A exemplo da língua vietnamita, (cf. BOUTHORS-PAILLART. 2002), pode-se acrescentar a ausência do pai conforme foi
visto por Catherine Rodgers (RODGERS, 2009, 127-142).
O segundo defeito da escritura é que ela condena a uma solidão extrema, chamada por Duras de “despovoamento” da vida. Ela confiou muitas vezes esse sentimento aos
mais próximos ou frequentmente a seus interlocutores das diversas entrevistas. Também
nos romances que são mais ou menos explicitamente autobiográficos. Em Emily L., o projeto de escrever um livro sobre sua história com o interlocutor desagrada muito a este
último, porque ele não acredita ter havido algo entre eles. A impossibilidade de se colocarem de acordo a esse respeito leva-os quase ao desespero. Esse livro, que aparece já
nas primeiras páginas como um projeto ameaçado, é, de fato, aquele que estamos lendo.
Emily L. apresenta o completo leque dos escritos, livros e cartas, em todos os estágios da produção, em todos os graus da existência: não ainda realizados como o projeto
do livro, o rascunho do poema, a carta antes de seu envio; realizados como os poemas
publicados, a carta de Emily recebida e lida pelo notário e pelo jovem guarda: destruídos como o poema queimado etc. O poema apresentado como destruído e entretanto
reconhecível: é a tradução do poema de Emily Dickinson, Winter afternoons.
Chega-se a verdadeiros paradoxos, a conflitos entre a palavra e a escrita.
A escrita declara-se frágil, voltada à destruição. Em uma entrevista com Jean Pierre Ceton (1980), MD afirmava que seu primeiro romance, Les Impudents, havia desaparecido totalmente. Ao interlocutor que julgava essa hipótese inacreditável, ela opunha
a destruição total da biblioteca de Alexandria (CETON, 2012, p.26.).
No romance Emily L., o Capitão queimou o poema de sua mulher porque sofrera
com isso. O companheiro da narradora se resigna a deixá-la escrever um livro uma vez
que ele não poderá impedir, mas nega a veracidade de seu conteúdo; isto confere ao
texto que lemos um status estranho, entre mentira e ilusão. Quanto a ele, conforme diz
a narradora, ele é um escritor que não escreve: “Você, é porque você é um escritor, que
você não escreve” (DURAS, 2014, v.IV, p. 424). Estamos, pois, muito longe da estabilidade geralmente atribuída à escrita na cultura provinda de Roma.
A palavra parece mais confiável e duradoura, contrariamente ao adágio latino segundo o qual “verba volant, scripta manent” (“as palavras voam, os escritos permanecem” ).
Ela é também objeto de uma representação extremamente rica e complexa em Emily L.
As falas são postas em cena, são dramatizadas, descritas como processos que comportam
etapas e por vezes verdadeiros acontecimentos da palavra: assim, uma questão da jovem
encarregada sobre as viagens dos ingleses é considerada como uma gaffe que causa a
interrupção da conversação e o medo de um escândalo. Também algumas revelações sobre a guerra, os livros, as viagens, provocam o amor ou o desespero. As palavras são, pois,
de grande importância na vida das personagens e têm sobre elas um efeito duradouro.
O diálogo principal entre a narradora e o narratário, é entrecortado de silêncios
paradoxais (dizer que “alguém se cala” no presente do indicativo) que traduzem ao
mesmo tempo, o fracasso e a força da pausa entre eles; fracasso porque eles não podem mais se falar, mas também força de sua pausa, se se interpreta “alguém se cala” não
como um durativo (=fica-se em silêncio), mas como um incoativo, (=faz-se silêncio), testemunhando uma decisão comum e ainda se repararmos, seus silêncios estão ocupados, seja por uma contemplação da paisagem a propósito da qual eles experimentam
os mesmos sentimentos, seja pela observação do Capitão e de sua mulher que os fascinam de igual maneira. A partilha dessa “fascinação” (a palavra está no texto) leva-os
a renovar o diálogo interrompido para reconstituir ou inventar, desta vez numa total
concordância, a história desse casal entrevista no café.
O final do romance mostra-nos a narradora batendo à porta do interlocutor, à noite, revelando-lhe sua concepção da escrita. Pode-se interpretar essa confidência noturna diante da porta fechada do ser amado como uma troca de natureza tanto amorosa
quanto estética.
Assim, em Emily L., prefere-se a voz ao escrito e a matéria sonora da voz é frequentemente evocada. A língua inglesa ocupa um lugar importante. Marguerite Duras, em
uma entrevista com Luce Perrot em 1988, lhe confia: “esse inglês que eu introduzo, veja,
esse inglês falado, assim um pouco às escondidas, são pequenos pedaços, eu gosto
muito” (Id. Ib., p. 478).
III. A voz da memória: uma transmissão privilegiada
– Por que a voz é apresentada como uma transmissão privilegiada?
Talvez porque a voz seja o corpo, e a voz da mãe leva às origens: a criança ouve
a voz da mãe ainda em seu ventre, antes de seu nascimento. Em seguida, ao longo da
infância, muitos elementos auditivos são retidos, como vozes, canções, músicas. Marguerite Duras ressalta sua importância:
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a voz é mais que a presença do corpo. É tanto quanto o rosto, o olhar, o sorriso. Uma verdadeira
letra é incômoda porque é falada, escrita com a voz falada (DURAS, 2014, v.IV, p.385).
Quando Marguerite Duras filma Agatha, ela se dirige a Yann Andréa assim: “E depois você escuta o texto embalado. É como teu próprio corpo, você não precisa descobri-lo” (PINDON, 2014, p.78).
A voz (percepção) conserva-se no inconsciente e pode voltar. O texto restitue as
vozes perdidas e traz à memória vozes asiáticas, inclusive a do primeiro amante.
1. A memória da criança na Indochina: as línguas asiáticas da infância, das crianças vietnamitas, companheiras de brincadeiras ou as do Sião. Pode-se encontrar
nessa multiplicidade das línguas ouvidas na infância uma explicação do amor às
línguas estrangeiras em geral: o inglês em Emily L., o italiano em La Pluie d’été, e
outras línguas evocadas nesse mesmo romance, sem citar nenhuma outra palavra, como o caucasiano, o russo e o “falso russo”, o “falar judeu”.
2. A memória do primeiro amante: a voz do amante chinês: particularmente sua
doçura, o sotaque da China do Norte, o tremor da voz.
A voz do amante: “Ela reconheceu sua voz (…). Ele estava intimidado, com medo,
como antes. Sua voz começou a tremer de repente. E com esse tremor, subitamente ela
reencontrou o sotaque da China” (DURAS, 2014, v.IV, p.778).
Pode-se ressaltar as semelhanças com a voz de Yann:
A voz estava ligeiramente alterada, rápida, incomodada, um pouco tremida. Eu a reconhecia.
ignora ou as despreza. Blanchot, comentando as vozes de Square, diz que: “talvez elas
procurem apenas falar, usando esse último poder que o acaso lhes dá e do qual ele não
tem certeza de que lhes pertença para sempre” (BLANCHOT, 1959, p.214).
Há uma visão política, segundo a qual Marguerite Duras frequentemente buscou
dar voz aos que não a têm na sociedade: as crianças, os pobres, os presos, etc. Lembremo-nos de que ela entrevistou uma stripper, uma guarda de prisão, prisioneiros, crianças etc. Mas a voz se sobrepõe ao escrito, sobretudo quando se trata de refundar uma
transmissão de natureza mítica ou épica. “Eu vivi o real como um mito”, dizia Duras a
Aliette Armel. Como vimos a propósito de India Song, a transmissão do mito dos amantes de Calcutá passa pelas Vozes que contam os elementos que elas retiveram porque
elas continuam a ser operantes, suscitam o desejo. A história das barragens atinge níveis épicos, quando ela não é contada com ênfase e ironia por Joseph.
Enfim, a voz encontra seu lugar na civilização do luto que a narradora de Yann
Andréa Steiner, propõe construir depois de ter lamentado a guerra:
Eu disse […] que escrever para mim era como chorar. Que o luto deveria se mostrar como se
fosse em si mesmo uma civilização, a de todas as memórias da morte decretada pelos homens,
qualquer que fosse sua natureza, penitenciária ou guerreira (DURAS, OC, v.IV, p.788).
Pode-se então pensar que os rituais de luto, as litanias, os cantos fúnebres, que
se encontram alhures, na obra, são pertinentes para elaborar essa civilização. A voz, os
gritos, os choros fazem parte dela.
Era a voz que eu ouvia na leitura das suas cartas. Você tinha a voz das cartas que você escrevia.
A mais doce que eu conheci. E às vezes mais violenta do que se poderia imaginar, uma voz
desfigurada, terrível (IMEC DRS 38.1°, f° 56).
Sua voz ao telefone estava ligeiramente alterada como por medo, intimidada. Eu não a reconhecia mais. Era… não sei dizer, sim, é isso, era a voz das suas cartas que eu inventava justamente, eu mesma, quando você telefonava. (DURAS, 2014, v.IV, p.778).
“E depois, tinha a voz. A voz de incrível doçura. Distante, real. Era a voz da sua carta, a da minha vida” (Id., Ib., p.781).
A lembrança da palavra de Robert d’Antelme é o tema do pequeno livro de Dionys
Mascolo intitulado Autour d’un effort de mémoire. Lembrando a volta de Robert, Dionys
escreve que sua narrativa definitivamente os “judaizou e tornou-os comunistas”. Os Judeus ocuparam, com efeito, um grande espaço no universo durassiano, assim como as
pessoas de condição modesta, mais ou menos exploradas por uma sociedade que as
IV. A voz na escrita: “a voz escrita”, “a palavra escrita”, “o livro dito”
Estes termos de Marguerite Duras fazem provavelmente referência a transferências de um canal a outro, por exemplo, de uma gravação em cassette para um texto
escrito, mas não se pode também considerá-los como pesquisa de um novo modo de
expressão, um escrito guardando as qualidades da voz. Até aqui, quando falamos de
voz, trata-se da voz tal como aparece nos escritos.
Examinemos a voz tal como a ouvimos.
Marguerite Duras junta-se a Roland Barthes quando se trata de evocar a questão do
gozo (jouissance). Segundo Barthes, a leitura em voz alta procura “um texto em que se possa ouvir o grão de garganta, a pátina das consoantes, a voluptuosidade das vogais, toda
uma estereofonia da carne profunda”. Quando o cinema se apropria inteiramente do som
da palavra, ela (a voz) acrescenta e faz ouvir “em sua materialidade, em sua sensualidade,
o sopro, o rococó, os lábios carnudos” e assim, provoca um gozo (BARTHES, 1973, p. 105).
Marguerite Duras lembra, também, a voz de Delphine Seyrig:
Diríamos que ela acaba de comer um fruto, que umedece toda sua boca e com esse frescor,
doce, acre, verde, estival, que as palavras, as frases e o discurso se formam, e que eles acontecem em um rejuvenescimento único (DURAS, 2014, v.IV, p.1024).
Distinguindo “a idade da oralidade”, que visa a reproduzir a língua tal como se
ouve, na variedade de suas falas, e de outro lado, “a idade da vocalidade”, em que, com
Ramuz, Giono, Céline ou Queneau, a literatura procura fazer ouvir uma voz na própria
narração, e conferir ao texto inteiro “a presença do falado”. Gilles Philippe em La langue
littéraire, abre um campo de pesquisa muito interessante, cujos instrumentos nos permitiriam descrever melhor a qualidade vocal dos textos de M. Duras.
Não existem notações tipográficas que permitam a um autor dar indicações sobre
a leitura desejada de seu texto. Além disso, a pontuação, os brancos, a deteminação dos
parágrafos, as letras maiúculas, apontam algumas direções.
O que é uma voz em um texto? Nossa observação durante as leituras dos atores e
uma comparação implícita com outras artes como o canto, podem dar-nos uma ideia.
O timbre do ator não é escolhido pelo texto. Suas qualidades sonoras, as assonâncias e
aliterações que são estudadas nas classes provêm de outro domínio.
A dicção, o ritmo, podem ser influenciados pela extensão das frases e as construções sintáticas, mas o texto não pode determiná-los completamente. Basta comparar
as leituras dos atores tão diferentes, como Claire Deluca, Fanny Ardant, Michaël Lonsdale, Daniel Mesguich, Tania Torrens, Claude Mathieu, Eric Génovèse, Audrey Bonnet: cada
um deles, por sua interpretação salientou tal ou tal aspecto do texto, sem trai-lo, sem
deixar de reproduzir a dicção do autor. A margem de interpretação para o ator no caso
da leitura é bem maior que a da partitura musical para o cantor.
Os brancos da página devem encontrar seu equivalente à leitura, assim como a
pontuação, mas ela não é universal, cada autor fazendo seu próprio uso da vírgula em
particular! Não existem notações tipográficas da intensidade sonora desejada pelo autor. Marguerite Duras brincou com o tamanho dos caracteres em Yann Andréa Steiner
para sugerir, com o auxílio de uma maiúscula bem grande, o vozerio das rádios que
transmitiam a canção “Capri” (DURAS, 2014, v.IV, p. 798-99).
Um problema particular da leitura em voz alta apresenta-se quando se trata dos
discursos encadeados e do discurso indireto, mas nesses dois exemplos, o texto é claro
e é o leitor que deverá saber interpretar corretamente.
Em L’amant, a fala: “ela é tão bonita e pode se permitir tudo” (DURAS, 1985, p.38)
foi mal lido por um ator cuja interpretaçao não permitiu compreender que se trata de
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um discurso indireto livre, portanto eram comprimentos dirigidos pelo Chinês à jovem
e não uma apreciação vaidosa da narradora sobre ela mesma!
Em Yann Andréa Steiner, a narrativa da monitora não deve emancipar-se totalmente da história principal, sob pena de desaparecer o paralelismo estabelecido pela narradora entre sua relação com Yann e a relação da monitora e a criança.
Em suma, a descrição das qualidades vocais de um texto permanece aproximativo
e intuitivo sem os instrumentos apropriados, com a interpretação precária. Observemos
que a questão da tradução é uma das principais dificuldades. Para Marguerite Duras,
Referências bibliográficas
BARTHES, Roland. Le Plaisir du texte. Paris : Seuil, 1973.
BLANCHOT, M. Le livre à venir, Paris : Gallimard, 1959.
BOUTHORS-PAILLART, Catherine Cloarec. Duras, la métisse. Genève : Droz, 2002.
CETON, Jean Pierre. Entretiens avec Marguerite Duras. Paris : Bourin, 2012.
DUMAYET, Pierre. Dits à la Télévision. Paris : atelier EPEL, 1999.
DURAS, M. Les Impudents, OC., v.I, Paris : Pléiade, 2014.
A tradução não consiste na exatidão literal de um texto, mas talvez seria necessário ir mais longe e dizer que ela deve ser mais exata em uma interpretação musical, ainda que rigorosamen-
DURAS, M. Le Marin de Gibraltar. OC., v.I, Paris : Pléiade, 2014.
te pessoal e até de forma aberrante, se preciso. Os erros musicais são os mais graves (DURAS,
DURAS, M. La Musica. OC., v.II, Paris : Pléiade, 2014.
Message aux Assises de la traduction littéraire, Arles, nov. 87).
DURAS, M. La Femme du Gange. OC., v.II, Paris : Pléiade, 2014.
Pode-se, em todo caso, concordar sobre alguns pontos, tais como a ligação entre
o efeito da voz em um texto e o efeito de presença, de proximidade da enunciação.
Mas então, temos que perguntar sobre a contradição entre um efeito de presença e a
flutuação no tempo e espaço que Duras buscou com tanta frequência. Ela vê sempre:
« au delà du propos, du moment” (“além do propósito, do momento”); diante de uma
paisagem ela percebe a criação dos continentes; diante de um casal inglês, percebe
sua história e seu futuro; olhando Yann, percebe e lhe diz: “essa sua maneira de esperar
sobre os divans, face ao exterior, aos continentes esparsos, aos oceanos, à infelicidade,
à alegria” (DURAS, OC, v.IV, 2014, p.826).
Talvez, justamente em contrapartida a essa escapada contínua rumo a um alhures, um outrora ou um mais tarde, este aqui e agora da voz funciona como uma âncora
(DURAS, juin 1990).
DURAS, M. India Song OC., v.II, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. Navire Night OC., v.III, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. Outside. OC., v. III, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. Savannah Bay OC., v.III, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. La Vie matérielle, OC., v. IV, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. Yann Andréa Steiner. OC.. v. IV, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. Emily L. OC.. v.IV, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. L’Amant. Paris : Minuit, 1984
DURAS, M. O Amante. Trad. Aulyde Soares Rodrigues. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
DURAS, M. Message aux Assises de la traduction littéraire. Arles, nov. 87).
MEURÉE, Christophe, PIRET, Pierre (dir.). De mémoire et d’oubli : Marguerite Duras.
Bruxelles : Peter Lang, 2009
PAGES-PINDON, Joëlle. Marguerite Duras, L’écriture illimitée. Paris : Ellipses, 2012
PAGES-PINDON, Joëlle. Le livre dit., Paris : Gallimard, 2014.
PROUST, Marcel. Du côté de chez Swann. Paris : Gallimard, 1988.
PHILIPPE, Gilles. Préface. DURAS, M. OC., Paris: Pléiade, 2014
RODGERS, Catherine. “‘Creusée en son centre d’un trou’ : l’oeuvre durassienne et la mort du père” in MEURÉE,
C. PIRET, P. De mémoire et d’oubli: Marguerite Duras. Bruxelles: Peter Lang, 2009, p.127-142.
Magazine Littéraire, n°278, juin 1990.
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La voix de la mémoire et de l’oubli
Catherine Gottesman1
Société Internationale Marguerite Duras
Résumé
Tout écrit a affaire avec la mémoire. Dans ce travail je m’intéresse à la voix de la mémoire
et de l’oubli, étant la voix une caractéristique fondamentale de Marguerite Duras, à la
fois stylistique, ésthétique, éthique et politique, construite progressivement au fil de
son parcours. Nous analyserons la voix dans les différentes étapes de l’oeuvre de l’auteur – les années du début, les années 60, les années du théâtre et du cinéma (70), les
années 80. Ainsi on examinera la voix parlée, écoutée, outre la voix écrite. Nous verrons
comment cette voix se déploie dans l’oeuvre, surtout dans L’Amant, Yann Andrea Steiner
et Emily L.
Mots-clés : Marguerite Duras ; voix ; mémoire ; oubli.
Introduction
« Longtemps » Proust s’est « couché de bonne heure ». Et puis, tard dans sa vie, il
renonce à son sommeil en faveur d’un labeur qui occupera ses nuits « beaucoup de nuits,
peut-être cent, peut-être mille » (PROUST, 1988, p.3), en découvrant qu’un écrivain ne
se distingue pas par des idées philosophiques mais par sa capacité à capter un « temps
retrouvé », à ramener à la vie les sensations ténues conservées dans notre mémoire,
telle l’odeur « d’invisibles et persistants lilas » (PROUST, idem.). Les affinités entre M. Duras
et Proust sont nombreuses et l’ombre de Proust passe dans son œuvre, sans qu’elle le
nomme, comme, par exemple, à la fin de Yann Andréa Steiner2. Plus explicitement dans les
entretiens, MD a souvent mentionné sa proximité spatiale avec Proust, aux Roches noires
à Trouville3. Bien qu’on ne trouve pas chez MD l’affirmation d’un projet comparable à celui
de la Recherche du temps perdu, la mémoire est partout concernée dans son oeuvre.
DURAS, Yann Andréa Steiner, OC., Paris : Pléiade III, p. 825
Vous dites : De quoi parlait-on dans la chambre noire ? De quoi ?
Je dis de même que vous ne plus savoir de quoi.
Des événements de l’été sans doute, de la pluie, de la faim.
De l’injustice.
Et de la mort.
Du temps mauvais, de ces nuits chaudes coulées dans les jours d’art, de l’ombre fraîche des murs,
de ces jeunes filles cruelles qui prodiguaient le désir,
de ces hôtels sans fin maintenant massacrés,
de ces couloirs sombres et frais, ces chambres maintenant délaissées où tellement s’étaient faits les livres et
l’amour,
de cet homme de Cabourg, Juif comme l’enfant, l’écrit, Juif comme l’âme
de ces soirées si lentes, vous vous souvenez, lorsqu’elles dansaient devant lui, les deux jeunes filles méchantes, lui, le supplicié du désir d’elles qui était au bord d’en perdre la vie et qui pleurait là, sur le canapé du
grand salon avec vue sur la mer,
dans la jouissance éperdue d’espérer en mourir un jour.
3
CETON, Jean Pierre. Entretiens avec Marguerite Duras. Paris : Bourin, 2012, p. 67. « Vous m’avez dit que Proust
venait ici. Marguerite Duras : Oui, il avait la chambre 111 à l’opposé de mon appartement. J’ai le 105, il a le
111 de l’autre côté… ».
2
Catherine Gottesman (Société Internationale Marguerite Duras) est Professeur agrégé de lettres classiques, DEA en sciences du langage (EHESS); a enseigné le latin et la littérature française en CPGE (Lycée La
Bruyère à Versailles de 1984 à 2006), la stylistique à l’ISIT (Institut Supérieur en Management et Communication Interculturels, Traduction et Interprétation) et l’Expression-Communication puis le FLE à l’IUT d’Orsay
jusqu’en 2011. Membre chercheur du CRATIL (Centre de Recherche Appliquée sur la Communication la Traduction, l’Interprétation et le Langage), elle poursuit en parallèle une recherche sur M. Duras à l’Université
Paris 8, met en scène des lectures de DURAS et organise depuis 2006 une journée Duras annuelle à Chaville
(Grand Paris Seine Ouest). Elle a publié plusieurs articles sur l’oeuvre de Marguerite Duras.
1
Certes, toute écriture, toute oeuvre artistique peut-être, a affaire avec la mémoire,
qu’elle en soit le moteur ou l’outil ; si je propose aujourd’hui de s’intéresser à la voix de la
mémoire et de l’oubli, c’est qu’il me semble trouver dans la voix une caractéristique fondamentale de M. Duras, à la fois stylistique, esthétique, éthique et politique, construite
progressivement au fil de son parcours. En cette année du Centenaire, ce sujet présente
l’avantage d’inviter à relire l’ensemble de l’œuvre (quatre volumes de La Pléiade) et même
d’attraper au vol le tout dernier inédit, Le livre dit, paru aussi mai dernier (PAGÈS-PINDON,
2014). A ceux qui souhaiteraient un travail plus global sur la mémoire et l’oubli, je propose
de lire les actes du colloque de Louvain qui ont été organisé par Christophe Meurée4.
Pour ma part, je partage avec M. Duras le goût des voix, des sons des langues
étrangères, (la langue brésilienne, par exemple, quel plaisir de l’entendre !). Plusieurs
expériences de mise en scène m’ont permis de travailler avec des comédiens de grand
talent, Coralie Seyrig, la nièce de Delphine, Audrey Bonnet et Eric Génovèse de la Comédie-Française. Explorer la thématique de la mémoire sous cet unique aspect de la voix
est aussi une sorte de prolongement du travail mené avec eux.
Préambule : petit parcours chronologique
La périodisation est toujours discutable puisqu’elle doit combiner des critères hétérogènes. Pour s’en tenir à des repères simples en ce qui concerne la voix, on peut
s’appuyer :
a) sur des critères thématiques et stylistiques : Joëlle Pagès-Pindon distingue trois
phases dans la production romanesque qui suit Un Barrage contre le Pacifique : les romans du couple, puis une période d’émergence de la voix à partir du Square, et enfin
l’envahissement du récit par la parole :
De mémoire et d’oubli : Marguerite Duras. Colloque International organisé par Christophe Meurée à l’occasion
du dixième anniversaire de la mort de l’écrivain à Louvain, Belgique, Université Catholique de Louvain, 2-4
mars 2006. MEURÉE, Christophe, PIRET, Pierre (dir.). De mémoire et d’oubli : Marguerite Duras. Bruxelles : Peter
Lang, 2009.
4
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A la différence des textes qui suivront dans la deuxième période de la production durassienne
et qui seront marqués par l’envahissement de la parole, « chargés de peu de matière », ces trois
romans, que l’on peut appeler « romans du couple », racontent des histoire (PAGÈS-PINDON,
fait revivre, après leur disparition et nous permet d’entrer dans une sorte d’intimité
avec eux.
Dans L’Amant :
Voix de Marie Claude Carpenter : « une voix qui tout à coup me revient, basse, un
peu discordante dans les aigus » (Id. Ib., p.80) ; voix de Drieu la Rochelle : « il parlait peu
pour ne pas condescendre, d’une voix doublée, dans une langue comme traduite, malaisée » (Id., Ib., p.84). On peut dans ce dernier exemple discerner l’influence du cinéma
avec “une voix doublée”.
parue. Douleur de la remémoration du drame et douleur de l’oubli sont compensées
par l’affection des deux femmes et la célébration du théâtre.
Au cinéma, La Femme du Gange et India Song nous livrent la trace laissée par l’abandon de Lol V. Stein et le souvenir de la passion vécue aux Indes par Anne-Marie Stretter,
Michaël Richardson, et les personnages amoureux d’Anne-Marie. Trace évoquée des
années plus tard, alors qu’ils ne sont plus en vie. Des voix désincarnées reconstituent
l’histoire des amants que les comédiens figurent sans les incarner. En nous racontant
l’histoire, elles constituent des relais entre l’événement et nous : nous sommes invités à
prendre place dans la chaîne des voix fascinées par l’invivable du monde et de l’amour
et quasiment à entrer dans le film. D’ailleurs, Jean Pierre Ceton, dans La fiction d’Emmedée, évoque des groupes de jeunes qui, dans les années 80, ne s’exprimaient qu’en
reprenant des répliques du film.
Les textes hybrides, comme India Song, publié d’abord en 1973, avec la mention texte/théâtre/film, puis filmé en 1975 sous ce même titre, repris l’année suivante
dans Son nom de Venise dans Calcutta désert, ces réécritures, ces transferts génériques,
constituent une nouvelle forme de recherche et la source d’une nouvelle inspiration.
Marguerite Duras avec ce “tournant vocal” aboutit à une « écriture qui a le souci de retrouver le rythme de la parole et de donner l’illusion d’entendre une voix ». (PHILIPPE,
DURAS, 2014)
2. La voix au théâtre et au cinéma (années 60 à 80)
3. La voix dans les textes du cycle atlantique (après 1980)
Bien évidemment, dans ces deux arts, la voix se fait entendre pour le spectateur. Au théâtre, au cinéma, MD travaille essentiellement sur les dialogues qu’elle réécrit sans cesse, à mesure que les comédiens expérimentent le texte, selon les témoignages de Claire Deluca, Madeleine Renaud et Michael Lonsdale, entre autres. C’est
dire l’importance de la voix en acte. Marguerite dirige les comédiens mais apprend
aussi beaucoup d’eux.
Elle choisit ses comédiens en raison de leur voix bien souvent. Après avoir décrit
la voix de Delphine Seyrig, elle ajoute qu’elle aurait « pu l’engager sur sa seule voix au
téléphone sans la voir » (DURAS, 2014, v.III, p. 1024).
Le theâtre traite déjà bien souvent de la mémoire : La Musica met en scène un
couple qui revient sur ce qui l’a conduit à l’échec. Cette remémoration s’accompagne
de souffrance et de prise de conscience de la permanence de l’amour.
Savannah Bay, davantage encore, est une pièce travaillant sur la mémoire : il s’agit
d’une sorte d’interrogatoire bienveillant et désespéré de la comédienne âgée, devenue
partiellement amnésique, par sa petite fille qui aimerait en savoir plus sur sa mère dis-
Ces textes ont en commun d’être écrits à la première personne, d’être adressés à
un interlocuteur narrataire, d’abonder en dialogues, et d’avoir pour la plupart été écrits
après avoir été dits ou filmés : L’Eté 80, L’Amant (84), La Vie matérielle (87), Emily L. (87), La
Pluie d’été (90), Yann Andrea Steiner (92), Ecrire (93), L’Amant de la Chine du Nord (91).
Ainsi, il paraît évident que l’évolution vers des textes de plus en plus proches de la
parole est liée à deux facteurs :
1. l’expérience du travail :
– avec les comédiens, au théâtre et au cinéma, le travail a permis une évaluation
de la puissance évocatrice de la voix;
– avec les interviewers : l’expérience des entretiens (magnétophone de Jean Pierre
Ceton, de Jérôme Beaujour, TV, caméra de Benoît Jacquot) et la conscience d’avoir
un public constituent des encouragements pour Marguerite. Elle réécoute les cassettes et « décrypte », avec l’intention d’utiliser ce matériau.
Benoît Jacquot a raconté récemment, au Forum des Halles, que son tournage
d’Ecrire et de La Mort du Jeune aviateur avait été motivé par le désir de faire plaisir
2012, p.133).
Voix dans la rue : « les voix sont stridentes, le chinois est une langue qui se crie comme j’ima-
Catherine Cloarec (Bouthors-Paillart) distingue la période de la langue française,
sentie comme étrangère, puis une période de retour du refoulé, la langue orientale refaisant surface pour aboutir finalement à un métissage assumé.
b) sur des critères génériques : Gilles Philippe au Préface de la Pléiade (PHILIPPE,
DURAS, 2014, p.XVI-XXI), je retiens, en schématisant:
– des romans au début, qui à partir du Square (1955), donnent de plus en plus de
place à la parole;
– une période d’efflorescence du théâtre, dans la décennie 60;
– une période d’efflorescence du cinéma dans la décennie 70;
– un retour à l’écrit dans les années 80 : « j’allais recommencer à écrire des livres,
j’allais revenir au pays natal, à ce labeur terrifiant que j’avais quitté depuis dix ans », écrivait Marguerite Duras en commentant l’échec du Navire night (en 1978). Bien que le Navire night, finalement ne soit pas un échec mais trouve une belle solution (filmer le désastre du film), on voit se multiplier à partir des années 80, des romans, des entretiens,
des articles de journaux avec une affirmation de la parole, une première personne, une
adresse (un “vous”, qui renvoie à Yann, au lecteur, à l’interviewer).
1. La voix dans les premiers romans est décrite mais pas directement liée à la mémoire
Marque identitaire du personnage ou indice de son état d’âme, elle est encore
traitée d’une façon très proche du roman traditionnel. Il s’agit de notations très brèves
qualifiant les voix : un adjectif ou un participe le plus souvent. Elle est perçue et interprétée dans le moment même où elle s’entend. L’enjeu est essentiellement relationnel :
elle permet de comprendre et de réagir dans la communication avec l’autre.
Dans Les Impudents : voix distraite, rêveuse, voix assourdie, sa voix résonnait, claire; voix
basse, voix étouffée, voix câline, voix aiguë, méchante (Luce). Elle avait une voix que je ne...
Dans Le Marin de Gibraltar : voix d’une très grande gentillesse, voix d’une inépuisable
douceur,voix intimidée, voix haute, voix basse, voix affaiblie, voix un peu cassée, un peu
triste, à voix presque basse, voix dure, voix douce et gutturale.
On ne trouve pas de qualification de la voix de Tiène, l’être aimé, dans Les Impudents ; c’est bien différent de la richesse et de l’originalité dans L’Amant, même
dans l’évocation de personnages secondaires ; c’est la mémoire de leur voix qui les
gine toujours les langues des déserts, c’est une langue incroyablement étrangère. [...] Nous
percevons quelque chose de la leur (existence) le total de leurs voix, de leurs mouvements,
comme une sirène qui lancerait une clameur brisée, triste, sans écho ». (DURAS, 1984, p.52-53)
Voix de l’amant : « Elle l’avait reconnu dès la voix. Il avait dit : je voulais seulement entendre
votre voix. Elle avait dit : c’est moi, bonjour. Il était intimidé, il avait peur comme avant. Sa voix
tremblait tout à coup. Et avec le tremblement, tout à coup, elle avait retrouvé l’accent de la
Chine ». (Id., Ib., p.141-142) 50
à Marguerite au sortir de son coma, en lui fournissant son environnement favori :
une équipe à ses côtés pour un travail de création.
2. l’arrivée de Yann dans sa vie : il devient le frère, l’amant, la source d’inspiration,
le lecteur/auditeur idéal et permet à Marguerite de retrouver la fraîcheur de ses
émotions d’enfance.
I. La voix et l’écriture : conflits et paradoxes
M. Duras, relie à plusieurs reprises sa vocation d’écrire à la nécessité de raconter l’immense injustice subie par sa mère qui s’est vu attribuer à Prey Nop une terre
incultivable, tragédie racontée dans Un Barrage contre le Pacifique. On trouve là une
motivation courante chez les écrivains : refaire l’histoire familiale, pérenniser les sentiments et sensations originelles, les mettre à l’abri dans l’écrit. Toutefois, dans ce cas,
le pouvoir de la mère persiste jusque dans l’écriture de la fille. Elle n’a pas pu la persuader de choisir un autre métier plus sérieux, mais la liberté de la fille ne va pas
jusqu’à écrire ce qu’elle ressent, elle. Ainsi, MD, lors de la parution de L’Amant, donne
une version bien différente de celle du Barrage, expliquant à propos de Monsieur Jo,
qu’elle l’avait dépeint tel qu’il était vu par sa famille et non selon son sentiment personnel. Contrairement à Monsieur Jo du Barrage, ou à Léo des premières versions,
l’amant chinois de 1984 est un homme désirable, et même peut-être aimé d’amour :
après l’avoir quitté,
…la jeune fille avait pleuré parce qu’elle avait pensé à cet homme de Cholen et elle n’avait pas
été sûre tout à coup de ne pas l’avoir aimé d’un amour qu’elle n’avait pas vu parce qu’il s’était
perdu dans l’histoire comme l’eau dans le sable… (DURAS, 1984, p.138)
Et pourtant, l’écrit a bien des défauts parce qu’il efface l’histoire vécue, la « remplace », selon elle même nous dit :
Il me semble que c’est lorsque ce sera dans un livre que cela ne fera plus souffrir… que ce ne
sera plus rien. Que ce sera effacé. Je découvre ça avec cette histoire que j’ai avec vous : écrire,
c’est ça aussi, sans doute, c’est effacer. Remplacer. (DURAS, 2014, v. IV, p.409)
Un événement ne peut pas se passer deux fois, une fois en réalité, une fois dans un livre… Mais
il faut quand même qu’il ait eu lieu pour que le livre soit apte à en rendre compte. Mais l’événement lui-même est détruit, si tu veux, par le livre. (DUMAYET, 1999, p.49)
Ainsi l’écrivain peut-il conclure « L’histoire de ma vie n’existe pas » (DURAS, 1984,
p.14); « très vite, ce qui est écrit a remplacé ce qui a été vécu » (DUMAYET, 1999, p.49),
c’est à dire, la vie, on peut donc dire que l’écriture ne conserve pas le vécu, mais lui substitue l’histoire racontée.
Au-delà de ce que la mémoire consciente de l’écrivain leur offre, les lecteurs attentifs et perspicaces peuvent découvrir une mémoire enfouie. À l’exemple de la langue
vietnamienne, (travail de Catherine Bouthors Paillart, Duras la métisse), on peut ajouter
l’absence du père selon l’article de Catherine Rodgers. (RODGERS, 2009, p.127-142)
Le second défaut de l’écriture est qu’elle condamne à une solitude extrême, à ce
que MD appelle le « dépeuplement » de la vie. Elle a souvent confié ce sentiment à ses
proches ou aux interlocuteurs des divers entretiens. Elle l’a aussi fait entrer dans les romans plus ou moins explicitement autobiographiques. Dans Emily L., le projet d’écrire
un livre sur son histoire avec l’interlocuteur déplaît fortement à ce dernier, parce qu’il
estime, quant à lui, qu’il n’y a rien eu entre eux. L’impossibilité de se mettre d’accord sur
ce point les mène presque au désespoir. Ce livre, qui apparaît dans les premières pages
comme un projet menacé, c’est, en fait, celui que nous sommes en train de lire.
Emily L. présente l’éventail complet des écrits, livres et lettres, à tous les stades de
la production, à tous les degrés d’existence : non encore réalisés comme le projet du
livre, le brouillon du poème, la lettre avant son envoi ; réalisés comme les poème publiés, la lettre d’Emily reçue et lue par le notaire et le jeune gardien ; détruits comme le
poème brûlé, etc. Le poème présenté comme détruit est pourtant reconnaissable : c’est
la traduction de celui d’Emily Dickinson, « Winter afternoons ».
On aboutit à de véritables paradoxes, à des conflits entre la parole et l’écrit.
L’écrit s’y avère fragile, voué à la destruction. MD dans un entretien avec Jean Pierre
Ceton (1980) affirmait que son premier roman Les Impudents avait totalement disparu.
A l’interlocuteur qui jugeait l’hypothèse invraisemblable, elle opposait la destruction
totale de la bibliothèque d’Alexandrie (CETON, 2012, p.26).
Dans le roman Emily L. , le Captain a jeté au feu le poème de sa femme parce qu’il
le faisait trop souffrir. Le compagnon de la narratrice se résigne à laisser écrire un livre
qu’il n’a pas le pouvoir d’empêcher, mais nie la vérité de son contenu, ce qui donne au
texte que nous lisons un statut étrange, entre le mensonge et l’illusion. Quant à lui, il
est, lui dit la narratrice « un écrivain qui n’écrit pas ». « Vous, c’est parce que vous êtes un
écrivain, que vous n’écrivez pas » (DURAS, 2014, v.IV, p. 424). On est donc assez loin de
la stabilité généralement attribuée à l’écrit dans la culture issue de Rome.
La parole semble plus fiable et plus durable, contrairement à l’adage latin selon
lequel « verba volant, scripta manent » (« les paroles s’envolent, les écrits restent »). Elle
est aussi objet d’une représentation extrêmement riche et complexe dans Emily L.. Les
prises de parole sont mises en scène et dramatisées, décrites comme des procès comportant des étapes et parfois de véritables événements de parole : ainsi une question
de la jeune patronne sur les voyages des Anglais est considérée comme une gaffe qui
cause l’interruption de la conversation et la crainte d’un scandale. De même, certaines
révélations sur la guerre, les livres, les voyages, provoquent l’amour ou le désespoir. Les
paroles sont donc d’une très grande importance dans la vie des personnages et ont sur
eux des effets durables.
Le dialogue principal entre la narratrice et le narrataire, est entrecoupé de silences paradoxaux (dire qu’ « on se tait » au présent de l’indicatif ) qui traduisent à la
fois l’échec et la force de l’entente entre eux ; échec, car ils ne peuvent plus se parler,
mais aussi force de leur entente si on interprète « on se tait » non pas comme un duratif (=on reste silencieux), mais comme un inchoatif, (=on fait silence), témoignant
d’une décision commune et si on remarque que leurs silences sont occupés, soit par
une contemplation du paysage à propos duquel ils éprouvent les mêmes sentiments,
soit par l’observation du Captain et de sa femme qui les fascinent d’une manière égale.
Le partage de cette « fascination » (le mot est dans le texte) les amène à renouer le
dialogue interrompu pour reconstituer ou inventer, cette fois dans un accord total,
l’histoire de ce couple entrevu au café.
La fin du roman nous montre la narratrice frappant à la porte de l’interlocuteur la
nuit et lui dévoilant sa conception de l’écriture. On peut interpréter cette confidence
nocturne devant la porte fermée de l’être aimé comme un échange de nature amoureuse autant qu’esthétique.
Ainsi dans Emily L., la voix est préférée à l’écrit et la matière sonore de la voix, fréquemment évoquée. La langue anglaise y tient une place importante. Marguerite Duras dans un entretien avec Luce Perrot en 1988 lui confie : « cet anglais que j’introduis,
voyez, cet anglais parlé, comme ça un peu à la sauvette, c’est des petites bribes, j’y tiens
énormément » (Id. Ib., p. 478).
II. La voix de la mémoire : une transmission privilégiée
– Pourquoi la voix est-elle présentée comme une transmission privilégiée ?
Peut-être parce que la voix c’est le corps, et la voix de la mère ramène à l’origine :
l’enfant l’entend déjà dans le ventre, avant sa naissance. On retient ensuite au cours
de l’enfance, beaucoup d’éléments auditifs, des voix, des chansons, de la musique. MD
souligne son importance : « la voix c’est plus que la présence du corps. C’est autant que
le visage, que le regard, le sourire. Une vraie lettre c’est bouleversant parce qu’elle est
parlée, écrite avec la voix parlée ». (DURAS, 2014, v.IV, p.385) Lorsque MD tourne Aga-
51
tha, elle dirige Yann Andréa ainsi : « Et puis tu écoutes le texte balancé. C’est comme
ton propre corps, tu n’as pas à le découvrir ». (PINDON, 2014,p78) La voix (perception)
se conserve dans l’inconscient et peut faire retour. Le texte restitue les voix perdues et
porte la mémoire des voix asiatiques, celle aussi du premier amant.
1. La mémoire de l’enfance en Indochine : les langues asiatiques de l’enfance,
celles des enfants vietnamiens compagnons de jeux, ou celles du Siam. Le shaga
est une langue inventée à partir d’elles, le laotien en particulier. (BOUTHORS-PAILLART, 2002)
On peut trouver dans cette multiplicité des langues entendues dans l’enfance une
explication de l’amour des langues étrangères en général : l’anglais dans Emily L.,
l’italien dans La Pluie d’été, et d’autres langues évoquées dans ce même roman
sans qu’aucun mot en soit cité, comme le caucasien, le russe et le « faux russe », le
« parler juif ».
2. La mémoire du premier amant : la voix de l’amant chinois : en particulier, sa
douceur, l’accent de la Chine du Nord, le tremblement de la voix de l’amant à la
fin du roman: « Elle l’avait reconnu dès la voix.(…) Il était intimidé, il avait peur
comme avant. Sa voix tremblait tout à coup. Et avec le tremblement, tout à coup,
elle avait retrouvé l’accent de la Chine ». (DURAS, 1984, p.141-142)
On peut remarquer des ressemblances avec la voix de Yann :
prise. Blanchot commente les voix du Square : « peut-être ne cherchent-elles qu’à parler, usant de ce dernier pouvoir que le hasard leur donne et dont il n’est pas sûr qu’il
leur appartienne toujours » (BLANCHOT, 1959, p.214). Il y a là une vision politique,
conforme à celle de MD qui a si souvent cherché à donner voix à ceux qui n’en ont pas
dans la société : les enfants, les pauvres, les fous, les prisonniers, etc. On se rappelle
qu’elle a interviewé une strip steaseuse, une gardienne de prison, des prisonniers, des
enfants, etc.
Mais la voix surpasse l’écrit, surtout quand il s’agit de refonder une transmission de nature mythique ou épique. « J’ai vécu le réel comme un mythe », disait M
Duras à Aliette Armel. Comme on l’a vu à propos d’India Song, la transmission du
mythe des amants de Calcutta passe par les Voix qui se racontent les éléments qu’ils
en ont retenus parce qu’ils continuent d’être opérants, de susciter le désir. L’histoire
des barrages atteint des accents épiques, quand elle n’est pas racontée avec emphase et ironie par Joseph.
Enfin, la voix trouve sa place dans la civilisation du deuil que la narratrice de Yann
Andréa Steiner, propose de bâtir après avoir pleuré sur la guerre :
J’ai dit (… ) Qu’écrire c’était pour moi comme pleurer. Que le deuil devrait se porter comme s’il
était à lui seul une civilisation, celle de toutes le mémoires de la mort décrétée par les hommes,
quelle que soit sa nature, pénitentiaire ou guerrière. (DURAS, 2014, v.IV, p.788)
La voix était légèrement altérée, rapide, gênée, un peu tremblante. Je la reconnaissais. C’était
la voix que j’entendais à la lecture de vos lettres. Vous aviez la voix des lettres que vous écriviez.
La plus douce que j’aie jamais connue. Et parfois plus violente qu’on ne peut imaginer, une voix
défigurante, terrible. (IMEC DRS 38.1° f° 56)
Votre voix au téléphone était légèrement altérée comme par la peur, intimidée. Je ne la reconnaissais plus. C’était… je ne sais pas le dire, oui, c’est ça, c’était la voix de vos lettres que
j’inventais justement, moi, quand vous aviez téléphoné.
Et puis il y a eu la voix. La voix incroyable de douceur. Distante. Royale. C’était la voix de votre
lettre, celle de ma vie. (DURAS, 2014, v.IV, p. 778 et 781)
La mémoire de la parole de Robert d’Antelme est le sujet du petit livre de Dionys
Mascolo intitulé Autour d’un effort de mémoire. Rappelant le retour de Robert, Dionys
écrit que son récit les a définitivement « judaisés et communisés ». Les Juifs occupent
en effet une grande place dans l’univers durassien, de même que les personnes de
condition modeste, plus ou moins exploitées par une société qui les ignore ou les mé-
On peut alors penser que les rituels de deuil, les litanies, les chants funèbres, qu’on
trouve ailleurs dans l’oeuvre, sont pertinents pour élaborer cette civilisation. La voix, les
cris, les pleurs en font partie.
III. La voix dans l’écriture : la « voix écrite », « la parole écrite », « le livre dit »
Ces termes de M Duras font probablement référence à des transferts d’un canal
à l’autre, par exemple, d’un enregistrement sur cassette à un texte écrit, mais on peut
aussi les considérer comme la recherche d’un nouveau mode d’expression, un écrit gardant les qualités de la voix. Jusqu’ici, lorsque nous avons parlé de la voix, il s’est agi de
la voix telle qu’elle apparaît dans les écrits.
Essayons de nous tourner un peu vers la voix telle qu’elle est entendue.
M Duras, rejoint Roland Barthes lorsqu’il est question d’en évoquer la jouissance.
Selon Barthes, la lecture à haute voix cherche « un texte où l’on puisse entendre le grain
du gosier, la patine des consonnes, la volupté des voyelles, toute une stéréophonie de
la chair profonde ». Lorsque le cinéma prend de très près le son de la parole, ajoute-t-
il, et fait entendre « dans leur matérialité, dans leur sensualité, le souffle, la rocaille, la
pulpe des lèvres », il provoque une jouissance. (BARTHES, 1973, p.105)
Marguerite Duras évoque, ainsi, la voix de Delphine Seyrig :
On dirait qu’elle vient de manger un fruit, que sa bouche en est encore tout humectée et que
c’est dans cette fraîcheur, douce, aigre, verte, estivale que les mots se forment et les phrases, et
le discours, et qu’ils nous arrivent dans un rajeunissement unique. (DURAS, 2014, v.III, p.1024)
Distinguant « l’âge de l’oralité », qui vise à reproduire la langue telle qu’on l’entend, dans la variété de ses parlures, et d’autre part « l’âge de la vocalité », où avec
Ramuz, Giono, Céline ou Queneau, la littérature cherche à faire entendre une voix dans
la narration même, et donner au texte entier “la présence du parlé”, Gilles Philippe dans
La langue littéraire ouvre un champ de recherche tout à fait intéressant, dont les outils
nous permettraient de décrire mieux la qualité vocale des textes de M. Duras.
Il n’existe pas de notations typographiques permettant à un auteur de donner des
indications sur la lecture souhaitée de son texte. Tout au plus, la ponctuation, les blancs,
la mise en paragraphes, les majuscules permettent-ils d’en indiquer quelques directions.
Qu’est-ce qu’une voix dans un texte ? Ce qu’on remarque lors des lectures par des
comédiens, et une comparaison implicite avec d’autres arts comme le chant, peuventils en donner une idée ?
Le timbre du comédien n’est pas choisi par le texte. Les qualités sonores d’un texte,
les assonances et allitérations que l’on a coutume d’étudier dans les classes, relèvent
d’un autre domaine.
La diction, le rythme peuvent être influencés par la longueur des phrases et les
constructions syntaxiques, mais le texte ne peut pas les déterminer complètement.
Il suffit pour s’en persuader de comparer les lectures des comédiens aussi divers que
Claire Deluca, Fanny Ardant, Michaël Lonsdale, Daniel Mesguich, Tania Torrens, Claude
Mathieu, Eric Génovèse, Audrey Bonnet : chacun d’eux par son interprétation a fait ressortir tel ou tel aspect du texte, sans le trahir, sans non plus reproduire la diction de
l’auteur. La marge d’interprétation dans le cas de la lecture est bien plus considérable
que celle de la partition musicale pour le chanteur.
Les blancs de la page doivent trouver leur équivalent à la lecture, de même que
la ponctuation, mais elle n’est pas universelle, chaque auteur ayant son propre usage
de la virgule en particulier ! Il n’existe pas de notation typographique de l’intensité sonore souhaitée par l’auteur. M Duras a joué sur la taille des caractères dans Yann Andréa
Steiner pour suggérer, à l’aide de majuscule de grande taille, le vacarme des radios qui
diffusent la chanson « Capri ». (DURAS, 2014, v. IV, p.798-99)
52
Un problème particulier de la lecture à haute voix se présente lorsqu’il s’agit
des discours enchâssés et du discours indirect, mais dans ces deux exemples, le texte
est clair et c’est le lecteur qui doit savoir interpréter correctement. Par exemple, dans
L’Amant, « elle est si jolie, elle peut tout se permettre » (DURAS, 1984, p.43), a été mal lu
par une comédienne dont l’interprétation n’a pas permis de comprendre qu’il s’agit là
d’un discours indirect libre, donc de compliments adressés par le Chinois à la jeune fille
et non d’une appréciation vaniteuse de la narratrice sur elle-même !
Dans Yann Andréa Steiner, le récit de la monitrice ne doit pas s’émanciper totalement de l’histoire principale, faute de quoi le parallélisme établi par la narratrice entre
sa relation avec Yann et la relation de la monitrice avec l’enfant n’apparaîtrait plus.
En somme, la description des qualités vocales d’un texte reste approximative et intuitive faute d’outils appropriés, leur interprétation même étant précaire. Notons en tous
cas que la question de la traduction trouve là ses difficultés principales. Pour M. Duras :
La traduction n’est pas dans l’exactitude littérale d’une texte, mais peut-être faudrait-il aller
Références bibliographiques
BARTHES, Roland. Le Plaisir du texte. Paris : Seuil, 1973.
BLANCHOT, M. Le livre à venir, Paris : Gallimard, 1959.
BOUTHORS-PAILLART, Catherine Cloarec. Duras, la métisse. Genève : Droz, 2002.
CETON, Jean Pierre. Entretiens avec Marguerite Duras. Paris : Bourin, 2012.
DUMAYET, Pierre. Dits à la Télévision. Paris : atelier EPEL, 1999.
DURAS, M. Les Impudents, OC., v.I, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. Le Marin de Gibraltar. OC., v.I, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. La Musica. OC., v.II, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. La Femme du Gange. OC., v.II, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. India Song OC., v.II, Paris : Pléiade, 2014.
plus loin et dire qu’elle est davantage dans une approche d’ordre musical, rigoureusement
DURAS, M. Navire night OC., v.III, Paris : Pléiade, 2014.
personnelle et même s’il le faut, aberrante. Les erreurs musicales sont les plus graves. (DURAS,
DURAS, M. Outside. OC., v. III, Paris : Pléiade, 2014.
Message aux Assises de la traduction littéraire, Arles, nov 87)
DURAS, M. Savannah Bay OC., v.III, Paris : Pléiade, 2014.
On peut en tous cas s’accorder sur quelques points tels que le lien entre l’effet de
voix dans un texte et l’effet de présence, de proximité de l’énonciation.
Mais alors, comment ne pas s’interroger sur la contradiction entre un effet de présence et le flottement dans le temps et l’espace si souvent recherché par M. Duras?
MD voit toujours « au delà du propos, du moment » ; devant un paysage elle perçoit
la création des continents ; devant un couple d’Anglais, elle perçoit leur histoire et leur
avenir ; regardant Yann, elle perçoit, lui dit-elle, « cette façon à vous d’attendre de même
sur les divans, face au dehors, aux continents épars, aux océans, au malheur, à la joie ».
(DURAS, 2014, v.IV, p.826)
Peut-être justement en contrepartie à cette échappée continuelle vers un ailleurs
un autrefois ou un plus tard, ce hic et nunc de la voix fonctionne-t-il comme un ancrage
nécessaire parmi les autres humains.
DURAS, M. La Vie matérielle, OC., v. IV, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. Yann Andréa Steiner. OC.. v. IV, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. Emily L. OC.. v.IV, Paris : Pléiade, 2014.
DURAS, M. L’Amant. Paris : Minuit, 1984
DURAS, M. O Amante. Trad. Aulyde Soares Rodrigues. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
DURAS, M. Message aux Assises de la traduction littéraire. Arles, nov. 87).
MEURÉE, Christophe, PIRET, Pierre (dir.). De mémoire et d’oubli : Marguerite Duras.
Bruxelles : Peter Lang, 2009
PAGES-PINDON, Joëlle. Marguerite Duras, L’écriture illimitée. Paris : Ellipses, 2012
PAGES-PINDON, Joëlle. Le livre dit. Paris : Gallimard, 2014.
PROUST, Marcel. Du côté de chez Swann. Paris : Gallimard, 1988.
PHILIPPE, Gilles. Préface. DURAS, M. OC., Paris: Pléiade, 2014
RODGERS, Catherine. “’Creusée en son centre d’un trou’: l’oeuvre durassienne et la mort du père” in MEURÉE,
C. PIRET, P. De mémoire et d’oubli: Marguerite Duras. Bruxelles: Peter Lang, 2009, p.127-142.
Le Magazine Littéraire, Paris : Sophia Publications, n°278, juin 1990.
53
A trajetória da mulher, desejo infinito: o ciclo da Índia
Maria Cristina Vianna Kuntz1
Cogeae/PUC-SP
Resumo
Os três romances mais caros a Duras formam o que os críticos chamam de Ciclo da
Índia: Le Ravissement de Lol V. Stein (1964), Le Vice-Consul (1965) et L’Amour (1970). Neste trabalho, examinaremos as trajetórias das protagonistas à medida que elas revelam
os aspectos da dor, da solidão, do abandono, do vazio. São esses aspectos que Duras
considera serem comuns à vida da mulher, à condição feminina e por isso são abordados em seus romances. Atravessando espaços hostis, do ponto de vista geográfico ou
existencial, as protagonistas desses romances são levadas por um desejo às vezes indefinido, às vezes instintivo, mas que as leva adiante, em busca de um amor ou ao encontro da morte. Essas trajetórias coincidem com a palavra de Duras rumo ao inominável,
rumo ao “aberto”, rumo a um desejo infinito.
Palavras-chave: desejo; solidão; vazio; o ciclo da Índia; mulher.
Maria Cristina Vianna Kuntz fez seus estudos de na Universidade de São Paulo (Letras: Francês, Inglês, Português), onde realizou mestrado (“Ficção e História em La Ronde de nuit de Patrick Modiano”, 1997) e doutorado sobre Marguerite Duras (2005). Professora e pesquisadora na PUC-SP (Cogeae, de 2003 a 2013). Publicou muitos artigos em revistas literárias e participa de Congressos nacionais e internacionais. Entre os mais
importantes estão os colóquios Duras em Louvain, Bélgica (2006); Götenborg, Suécia (2007); Bellingham,
Estados Unidos (2011) e Montreal, Canadá (2012); o Colloque Proust 2011, na USP; os Congressos da ABRALIC, ABPF, “Vertentes do Fantástico” (UNESP 2009, 2011, 2013) e na Sorbonne (2013) Congrès International
de Littérature Comparée (IALC). É membro da Société Internationale Marguerite Duras, com sede em Paris.
Em 2014 publicou sua tese de doutorado: Marguerite Duras, trajetória da mulher, desejo infinito (Ed. Baraúna).
1
Introdução
Os três romances mais caros a Duras compõem o chamado Ciclo da Índia: Le
Ravissement de Lol V. Stein (1964), Le Vice-Consul (1965) e L’Amour (1970). Neste trabalho, examinaremos as trajetórias das protagonistas à medida que revelam facetas da dor, da solidão, do abandono, do vazio. Segundo Duras, trata-se de aspectos
comuns à vida da mulher, à condição feminina. Atravessando espaços hostis, do
ponto de vista geográfico ou existencial, as protagonistas desses romances são
movidas por um desejo às vezes indefinível, às vezes instintivo, mas que sempre as
leva adiante, em busca do amor ou ao encontro da loucura e da morte. Essas trajetórias coincidem com a palavra durassiana rumo ao “inominável”, rumo ao “aberto”,
desejo infinito.
Esses três romances se unem através da transmigração das personagens. Lol é a
protagonista do romance de 1964 e volta, sem nome, em L’Amour (1970). Anne Marie
será a ravisseuse do noivo de Lol em Le Ravissement de Lol V. Stein e será a sedutora protagonista de Le Vice-Consul. Por isso mesmo, Madeleine Borgomano declara ser o ciclo
da Índia “un réseau mouvant” (BORGOMANO, 1997, p.21). É essa “movência” entre os romances que permite reuni-los em um ciclo.
Neste sentido, consideraremos a “movência” das protagonistas, suas trajetórias
em cada um desses três romances a fim de desvendarmos o caminho do abandono, da
solidão, do vazio que finalmente se abre em “desejo infinito”.
Entretanto, no tratamento do espaço, não há uma uniformidade entre eles.
Em Le Vice-Consul, Duras apresenta um espaço de realidade atestada, mas propõe
às protagonistas um percurso quase impossível que se torna mítico. Le Ravissement se
passa em um lugar imaginário, junto ao mar, entre as cidades de St. Thala, e U.Bridge.
A personagem vai de uma para outra, em busca do resgate de sua memória. A ação de
L’Amour volta novamente a St. Tahla, designando, porém, um espaço essencialmente
desértico e inóspito.
Marguerite Duras, nascida na Indochina e vindo para a França aos dezessete anos,
descreve um imenso percurso e conhece regiões contrastantes e variadas. Monique
Robillard reflete sobre essa longa viagem que talvez explique a importância dos itinerários de seus personagens, bem como a importância dos espaços em seus romances:
Ela suplica sempre uma indicação para perder-se. Eterna amante, sobrevivendo a seu amor
morto, ela caminha e a frase com ela. Sua caminhada é fragmentada em dezenas de outras
caminhadas. Viagens, itinerários, trajetos, ela terá sempre dezoito anos olhando o mar – ela,
Lol V.Stein em S. Thala, a mendiga em Savanakhet, a dama do caminhão, a moça do Verão 80,
Aurélia Steiner à Vancouver, Marguerite Duras à Trouville: vigilância, sobrevivência” (ROBILLARD, 1981, p.99-100)2
Com Xavière Gauthier, a autora comenta o porquê da escolha dos cenários inóspitos de seus romances: fazem-lhe recordar seu passado, sua infância – longínquos no
tempo e no espaço – o outro lado do mundo... apontam para um lugar mágico, de mistérios e buscas existenciais.
[...] O Nepal e o Norte, o Ocidente, um lugar vazio, S. Thala? Por quê? O Nepal eu acho, é a infância. Não é possível, não é possível que isso exerça em mim uma tal fascinação. Uma vez, eu vi
Calcutá, mas eu tinha dezessete anos. Eu passei um dia, foi numa escala de navio, depois eu jamais esqueci. E a lepra. Eu vi em Cingapura... eu jamais esqueci. Mas acho que é preciso ir mais
longe. É preciso ir nos arrozais… ao sul da Indochina. [...] onde eu nasci. (DURAS, GAUTHIER,
1974, p.120)
1. Os percursos da Mendiga e de Anne-Marie
Estes são os cenários de Le Vice Consul, romance publicado em 1965, após um período muito sofrido de Duras. Ela o considera um dos seus prediletos e mais complexos
romances (cf. ADLER, 1998, p.611).
Tradução da Autora para todos os textos originais em Francês, exceto os que estiverem expressamente
apontados.
2
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Apresentando uma estrutura en abyme, seu início surpreende o leitor com a história pungente de uma moça expulsa de casa por estar grávida. Sua longa trajetória
começa no Laos, em Savanakhet e termina dez anos depois, em Calcutá, na Índia.
Nesta cidade, passa-se a história principal, tendo Anne-Marie como protagonista.
A sede da Embaixada indicaria a capital do país; portanto Duras afasta-se do referente
real, e passa a apontar, deliberadamente, para as Índias ancestrais, como bem observa
M. Cecilia de Morais Pinto, lugar de sonhos e encontro da identidade.
À semelhança da moça da primeira história, Anne-Marie, também percorrera
imenso trajeto, da Europa (de Veneza) até Savanakhet, onde deixara o marido, seguindo depois o Embaixador da Índia até Calcutá. Desde então, pode-se estabelecer um
paralelo entre ambas as mulheres atingindo-se, assim, o significado do romance.
A miséria, porém, obriga-a a livrar-se da criança... a dor da separação só é minorada ante a esperança de vida, de sobrevivência. Os ombros leves, mas vazio o coração...
Ela segue sem o peso da filha: “Desta vez, sim, ela prossegue” (p.68). Suja, careca, muda,
finalmente, ela adentra o espaço da história principal, Calcutá, causando um estranhamento ao leitor e aos personagens dessa história encaixante.
Como uma sombra, um alter ego, estará constantemente próxima a Anne-Marie
Stretter. Nas Ilhas, ela também estará no parque, além das grades: “[…] Param de tocar
piano. Uma sombra atravessa a água do lago. Ela está aí, na penumbra” (DURAS, 1982,
Trad. Fernando Py, p.152).
Desta maneira, ela reforça o espelhamento em relação à protagonista, bem como
prolonga a mise en abyme.
2. O périplo da Mendiga
3. Calcutá
O périplo efetuado pela moça expulsa de casa transcorre em uma natureza majestosa, inóspita, raramente acolhedora. Já na sua partida, sua mãe lhe ordenara como
uma maldição: “il faut se perdre” (é preciso perder-se).
Seu destino será, pois, a solidão, buscando “o ponto mais hostil do horizonte” (“le
point de l’horizon le plus hostile”), correspondendo ao espaço metafórico dos “pântanos enlamaçados” (“des marécages boueuses”), cortados por todo tipo de obstáculos
como os taludes (“les talus”).
Assim, ela percorrerá uma “estrada do abandono” (“route de l’abandon”), uma distância imensa, continental, até Calcutá. Tenta seguir o rio, constante busca para compensar a ausência materna, mas acaba se perdendo e pouco a pouco, as águas se tornarão mais turvas e profundas, indicando o implacável encontro com a morte.
Frente ao imenso lago de Tonlé-Sap, que nas chuvas, aumenta até dez vezes, à
semelhança de seu ventre, ela vive a comunhão dos grandes heróis, a comunhão com
a Mãe-Natureza. O tempo será marcado concretamente por sua gravidez e instaura a
estranheza em seu corpo, em seu espírito, todas as modificações de sua vida.
Trajetória da mulher, percurso de fome e de solidão: “Femmes et marches”, “faim
et marches” é o que ela encontra na planície “dos Pássaros”. Uma multidão de mulheres famintas, sequiosas de afeição, ansiosas por encontrar um “lugar”, um lugar para
perder-se. Ante a impossibilidade de obter qualquer ajuda, seguirá com a coragem
de todas as mulheres ante os fatos inexoráveis: “Ela insiste, ela acredita, se desespera”
(Trad. nossa). 3
Calcutá se apresenta como alegoria da maior miséria deste mundo. Ressalta-se a
geografia humana que se coaduna perfeitamente à realidade, isto é, a presença da multidão de pobres, leprosos, mendigos: “palmeiras, lepra e luz crepuscular” (p.32) (“palmes, lèpre et lumière crépusculaire”).
São as Índias ancestrais. Lugar de mistério, de civilizações antigas, sábias, lugar
mágico, próprio para o reencontro consigo mesmo, como bem observou Maria Cecilia
de Moraes Pinto:
Existe também a tradução de Fernando Py, que utilizaremos em algumas das outras citações: DURAS, 1982.
3
[...] essas Índias pertencem a um imaginário cujas raízes históricas podem-se detectar na fusão
dos mitos de origem sempre fascinantes para o homem medieval que os cristalizou nas Américas de índios e Eldorados (PINTO, 1996, p.157).
Entretanto, os “Brancos não-adaptados”, os colonizadores, viverão sufocados sob
o calor escaldante, o clima quente e úmido:
[...] a luz é crepuscular, um himalaia de nuvens imóveis recobre o Nepal, sob um vapor infecto
estagnado, a monção de verão vai começar em alguns dias (DURAS, 1965, p.31).
O tempo se prolonga e parece jamais acabar, instalando-se um tédio que mais e
mais se impregna em seus habitantes.
Anne Marie incorpora essa cidade: ela será la Blanche de Calcutta, La Reine de Calcutta, mas melancólica, estará constantemente mergulhada no vazio, sufocada pelas monções e por suas obrigações de anfitriã, ainda que admirada pelos rapazes da Embaixada.
Calcutá torna-se, pois, a “cidade de pesadelos” (“ville de cauchemar”, p.109), o
“abismo de indiferença” (“gouffre d’indifférence”, p.117), indicando um espaço abafado,
de sofrimento, de solidão, de incomunicabilidade.
O rio Ganges banha a cidade, presença majestosa. Em suas águas sagradas, a Mendiga buscará repouso e se purificará, em companhia de todos os leprosos.
A caminho das Ilhas, com seus amigos, Anne-Marie atravessa a imensa extensão
dos arrozais em busca de paz: “Os arrozais, os arrozais”, bem como a “Extensão imensa
de pântanos que mil escarpas atravessam em todos os sentidos” (DURAS, 1982, p.142).
A descrição desta paisagem é idêntica (ipsis litteris) àquela percorrida pela Mendiga no
início do romance, logo após a expulsão de sua casa.
Essa repetição dos espaços estabelece um laço de união entre as duas protagonistas e anuncia suas características similares. Ambas solitárias, abandonadas, famintas,
material ou espiritualmente.
Junto ao Delta de aluvião – acúmulo de suas tristezas e segredos – Anne-Marie
contemplará a tempestade e a imensidão das ondas marinhas. Ela olha fixamente em
direção ao “[...] horizonte que é uma linha reta como antes das árvores ou após o dilúvio [...]” (DURAS, 1965, p.175); o horizonte que ela busca “é o ponto mais hostil”, o futuro
sem saída, a vida invivable, sufocante nas Índias. Frente ao espaço aberto, no Delta do
Ganges, frente ao mar, Anne-Marie vai desejar a morte.
Após longa trajetória, embora separadas pelas “grades” da sociedade, da riqueza
e da miséria, seus destinos de mulher são semelhantes: a mendiga, em uma errância
sem fim, na miséria extrema, em sua solidão, seu mutismo, sua loucura, única libertação
possível; e a outra que, mesmo em meio aos amigos e ao conforto material, cultiva a solidão, a melancolia, sua tristeza do tamanho das Índias, mergulhada em suas lágrimas.
Suas trajetórias levam-nas ao desejo infinito.
4. A travessia da memória
Em Le Ravissement de Lol V. Stein, Duras atinge uma sutileza no tratamento da alma
feminina, uma delicadeza na criação da personagem que, como diz Lacan, somos nós
“les ravis”, os “arrebatados” (LACAN, 1989, p.123).
A ação do romance se passa em três cidades: S. Thala, U. Bridge e T. Beach.
Ao contrário dos espaços de Le Vice-Consul, não correspondem a nenhum lugar de
realidade atestada. Madeleine Borgomano considera que esses nomes ingleses poderiam indicar sua situação na costa dos Estados Unidos, uma vez que Tallahasee é
a capital da Flórida... (BORGOMANO, 1997, p.63). Mas, tendo escrito este romance
em Trouville, na Normandia, a própria autora declara que esses lugares retratam as
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praias do Mar do Norte ou das praias da infância, “des mers illimités” (DURAS, PORTE, 1977, p.84).
Esse nome constitui um anagrama de Thalassa – mar em grego, entretanto Marguerite declara não ter pensado nessa relação ao escolher esse nome.
O périplo entre essas três cidades – S. Thala, U. Bridge e T. Beach – ilustra o percurso de uma mulher em busca de sua identidade, após seu trauma de abandono, sua
busca de amor, seu desejo.
T. Beach é o lugar de veraneio onde Lol encontra e perde o noivo em um baile que
a marcará para sempre.
De volta a S.Thala, sua cidade natal, Lol encerra-se em casa durante algumas semanas e logo depois, em um passeio, encontra Jean Bedford, que a acompanha e que
se tornará seu marido. Com o casamento, a família considera a crise encerrada.
Em seguida, o casal muda-se para U.Bridge. O nome indicaria a função de “ponte”
que esse espaço terá na vida de Lol (BORGOMANO, 1997, p.66): depois de dez anos em
que ela – “dormeuse debout” (“que dorme em pé”) – aí viveu ou sobreviveu a seu trauma, por motivos profissionais de seu marido, ela voltará para S.Thala.
Assim, passam-se dez anos de casamento em ritmo “normal”. Duras comenta sobre essa vida doméstica, esse silêncio que fermenta (“couve”) nas tardes vazias, em que
os filhos estão na escola e se aguarda a volta do marido (cf. DURAS, GAUTHIER, 1974,
p.75); quando a solidão se instala: “É em casa que se está só” (DURAS, 1993, p.13).
Lol recomeça, então, a fazer caminhadas. Esses passeios diários – “a calma regularidade de sua caminhada” – pela cidade poderiam ser uma prova do restabelecimento
de Lol, conforme explica Duras: “é caminhando que lhe vem uma outra lembrança” (DURAS, PORTE, 1977, p.98).
Por outro lado, esses passeios poderiam contribuir para sua perdição. Nascida em
S. Thala, já conhecia a cidade. Entretanto, em seus percursos, além de desviar das pessoas, descreve sempre novos trajetos e inversamente, parece enveredar para o desconhecimento da cidade:
Reconhecia S.Thala, reconhecia-a ininterruptamente, por tê-la conhecido bem antes e por tê-la conhecido na véspera, mas sem provas de reconhecimento devolvidas por S. Thala, cada
vez, bola cujo impacto sempre teria sido o mesmo: quanto a ela, sozinha, começou a reconhecer menos, depois de maneira diferente, começou a voltar dia após dia, passo a passo, para sua
ignorância de S.Thala (DURAS, 1986, p.31).
Na verdade, ela “começa a caminhar no palácio faustoso do esquecimento de S.
Thala” (Id., Ib., p.31). Palácio que anuncia o suntuoso edifício do Cassino onde dançara
pela última vez; o “esquecimento de S. Thala”, “a ignorância”, o desconhecimento da cidade que corresponderia à repressão de seu trauma.
Um dia, após ver um casal que passa perto de sua casa, e que comenta “Morte
peut-être” (“talvez esteja morta”), segue-os até a periferia, do outro lado da cidade, até
o Hôtel du Bois.
A emoção inexprimível dilata o momento, suspende-se o tempo nesse espaço de
maravilha. Entretanto as palavras não são suficientes para exprimir a intensa emoção:
“Gostaria de fazer, de dizer, de dizer um longo mugido feito de todas as palavras fundidas e de volta ao mesmo magma, inteligível a Lol V. Stein” (DURAS, 1986, p.97).
Ambos voltarão à estação para a viagem até T.Beach, o percurso contrário ao efetuado após o baile: a tentativa final de recobrar a memória.
5. O campo de centeio
Neste lugar, em frente ao hotel onde se encontram Tatiana e Jacques Hold, dá-se
o encantamento, o deslumbramento, “le ravissement de Lol”, uma das cenas fundamentais do romance.
Deitada no campo de centeio, no crepúsculo, Lol inunda-se de paz: “Esse campo a
alguns metros dela, mergulha, mergulha cada vez mais em uma sombra verde e leitosa”
(DURAS, 1986, p.46). Como o grão de centeio, “talvez morta”, Lol parece mimetizar-se
com o local para mergulhar no mais fundo de sua própria sombra.
Viva, moribunda, respira profundamente, essa tarde, o ar é de mel, de uma lânguida suavidade. Não se pergunta de onde lhe vem a fraqueza maravilhosa que a fez deitar nesse campo.
Deixa-a agir, apossar-se dela até sufocar, embalá-la rudemente, impiedosamente até o sono
de Lol V. Stein. O centeio range sob seus rins. Centeio novo do início do verão ( Id., Ib., p.46).
Som, luz, perfume e cor (o verde do “jeune seigle”) lembram-nos o poema “Les
Correspondances” de Baudelaire, e criam um “templo” para o “ravissement” de Lol.
Atraída pela luz da janela, Lol fica hipnotizada pela cena que se passa dentro do
quarto e que reaviva a sua memória. O movimento dos amantes, sua intimidade opõe-se infinitamente à solidão e à inércia de Lol, reduzida a uma “tache sombre” (mancha
escura) sobre o campo de centeio. A luz indicando a vida – eros – e a sombra denunciando a morte – tanatos.
Desta maneira, Lol parece recuperar a memória de outro momento vivido, antes
do baile, com seu noivo. Ela voltará mais vezes a esse campo para assistir ao “cinema” de
Tatiana, na verdade seu próprio filme.
Ela reconhecera Tatiana, sua antiga colega de colégio. Visita-a em sua casa e é
apresentada a Jacques Hold, seu amante. Este, percebendo alguma estranheza em Lol,
resolve dela aproximar-se a fim de desvendar seu mistério. Mas, como nós, leitores, acaba seduzido por ela.
Quando volta ao campo de centeio, sua emoção será partilhada por Jacques Hold que
pressente sua presença. Concomitantemente, ele toma consciência de seu amor por Lol.
6. A Viagem a T. Beach
A travessia da memória de Lol transforma-se em trajetória do amor: primeiramente, no momento em que segue o casal rumo ao L’Hôtel de Bois e depois voltando ao
Casino, local que marcara sua juventude, sua vida.
Lá chegando, adentram o prédio por um longo corredor – o túnel do tempo. Mas,
Lol tenta em vão, reconstruir ou recobrar o passado: “Ela pode rever indefinidamente,
rever estupidamente o que não se pode rever” (Id., Ib., p.137).
Então, ao voltarem à praia, ambos descansam e vivem seu momento de paz e
união: “Estamos portanto em T.Beach, Lol V. Stein e eu” (Id., Ib., p.139).
A maré vazante deixa as lembranças como “poças azuis” iluminadas pelo sol. “Lambidas”, acariciadas, são finalmente ao cair da tarde, “engolidas” pelo mar. Seu contínuo
movimento – a vazante, a enchente – renova-se todos os dias e corresponde à memória
de Lol que guardará e mostrará, de maneira intermitente, aquela cena inesquecível,
“sombra”, mancha que não se apaga:
[...] o mar sobe finalmente, alaga as poças azuis umas após as outras, progressivamente e com
lentidão igual, perdem a individualidade e se confundem com o mar, são feitas para isso, mas
outras esperam sua vez. A morte das poças enche Lol de uma tristeza abominável, ela espera,
a prevê, a vê. Ela a reconhece (Duras, 1964, p.185).
Portanto, como Anne-Marie, Lol é “engolida” pelo mar de sua tristeza, de sua insensatez, de sua loucura.
O sentido dessa trajetória é explicado pela própria autora quando, em entrevista
a Xavière Gauthier, concorda com sua interlocutora: “isso vai em um sentido diverso ao
que você viveu […] Mas vai no sentido contrário”. (DURAS, GAUTHIER, 1974, p.120). Lol
estaria no Norte e seu noivo partira para a Índia... que corresponderia ao passado de
Duras. Mas Duras completa a abrangência desse passado: “É um passado universal, é o
passado de todos. [...] ela (Lol) morre de se lembrar. Acho que é um passado comum. É
o passado” (Id. Ib., p.120).
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Assim, o passado que Lol procura não é só o seu, mas o de toda mulher, a desilusão, o sonho enterrado; é também o passado de todos os sofrimentos, separações,
abandonos e mortes.
7. A deambulação ao longo da praia – L’Amour
Publicado em 1971, L’Amour talvez seja o mais hermético de todos os romances
de Marguerite Duras.
A estranheza do cenário, os personagens-fantasmas, os diálogos secos, elípticos deixam apenas adivinhar uma intriga. Três personagens anônimos formam e transformam
um triângulo, aparecem e desaparecem em cena, em uma cidade à beira-mar – S. Thala.
Nenhum deles tem nome. O primeiro se distingue porque só olha e será chamado
Viajante. O segundo é aquele que caminha e estranhamente, é chamado Prisioneiro. E
a Mulher não receberá nenhuma denominação será apenas: “Mulher”.
Eles se movimentam na praia, vão e vêm, olham ao longe, falam pouco. Às vezes,
o Viajante encontra a Mulher ou o Prisioneiro. A ação varia entre olhar e caminhar. Ignora-se por que estão na praia, tampouco se eles se conheciam anteriormente. Nada é
dito, nada é explicado. Os raros diálogos são “anêmicos” e nada esclarecem. Instala-se
um vazio, um mal-estar que se torna significativo.
Assim, o Viajante está hospedado em um Hotel na praia; ele é alguém “que voltou”.
Na metade do romance, uma outra mulher chega com duas crianças e o Viajante lhe diz
que iria abandoná-las e sequer lhe dá um motivo.
O Prisioneiro é também chamado Louco (p.11). A Mulher, talvez seja louca.
Ela dorme à beira-mar, sob as estrelas: lembrando a inesquecível Mendiga de Le
Vice-consul (1966), a Mulher já teve muitos filhos e os deu na cidade. Ela caminha com
os olhos “semicerrados”, continuamente ao longo da praia, sob o olhar do Viajante:
la” (p.15), cidade à beira-mar. Outro indício seria a referência aos “bailes mortos” (“bals
morts”- p.38), à “música de S.Thala” (p.40), assim como a visita ao Casino.
Então, pode-se considerar, de fato, que se trata de um “prolongamento”, uma continuação ou “variação” da história de Lol, como declara Jean Pierrot (cf. PIERROT, 1986, p.243).
O Viajante visita uma mulher de cabelos negros, em desordem (“très noirs”, “défaits”) (p.76), e o leitor, visualiza, imediatamente, a formidável cabeleira de Tatiana Karl,
amiga de Lol. Com ela, o viajante comenta sobre a saúde da Mulher (a grávida); estaria
ela “curada”? (p.78) Deduz-se, pois, que esta seria, efetivamente, Lol. Por outro lado, a
mulher de cabelos negros se refere a si mesma como “la morte de S. Thala” (p.83), epíteto que, no outro romance, se destinava a Lol.
Na verdade, ambas estão mortas: uma se sente morta e a outra – a suposta Lol
- uma vez doente, alienada, também já está morta. Essa “transformação” enfatiza e denuncia o destino da mulher: sua anulação.
Essa troca de papéis, de lugar, na “roda da vida”, (própria da intra-intertextualidade)5 coloca em discussão tanto as relações humanas quanto os sentimentos “sagrados”.
Assim, Duras desmistifica o sentimento do Amor, sua indissolubilidade.
S. Thala é uma estranha cidade, apesar de seus “boulevards”, o Hotel, a Prisão, a
Estação, o prédio do Governo. Um muro a separa da praia que se estende até o rio, mas
ao mesmo tempo o ultrapassa. O rio poderia ser o Estige – o rio da morte, aquele que
todos atravessaremos um dia...
Portanto, S.Thala será uma cidade-símbolo de todas as cidades modernas, onde as
pessoas vivem em um constante vaivém, como zumbis, sem se encontrar verdadeiramente, sem conseguir amar, encaminhando-se em direção a um aniquilamento: “Assim, todo
dia eles precisam cobrir a distância, o espaço das areias de S.Thala” (DURAS, 1971, p.36).
A palavra “Amour”, título do romance, aparece no texto uma só vez e não se identifica exatamente quem a profere, se o Viajante, se a Mulher:
A direção é longa reta. Não se vê o final. Ela caminha com os olhos meio fechados, evita o so-
Ele pega a areia, derrama-a sobre seu corpo.
frimento que a luz lhe provoca. Ela não lhe fala. Caminha. (DURAS, 1971, p.118).
Ela respira, a areia se move, ela escorre.
Ele pega novamente, recomeça. A areia escorre
Quieta, enxergando pouco, portanto, ela caminha como a Mendiga: “Ela caminharia, e a frase com ela” (DURAS, 1966, p.180). Seria, pois, a caminhada da escrita, agora
rarefeita, esburacada, maltratada.4
Mas aos poucos, em uma “rede de lentidão” (DURAS, 1971, p.9) acrescentam-se
indicações que remetem ao romance de 1964, como o nome da cidade: “Ici c’est S.Tha «Escrever ao lado do que precede o escrito é sempre estragá-lo. E é preciso aceitar isso: estragar é voltar a
um outro livro, rumo a um outro possível desse mesmo livro» (DURAS, 1993, p.29).
4
ainda. Ele pega novamente, derrama de novo.
Ele para.
– Amor.
Os olhos se abrem, eles olham sem ver,
sem reconhecer nada, depois eles se fecham, voltam ao negrume (DURAS, 1971, p.124-125).
“Por intra-intertextualidade , entendemos as múltiplas relações que se estabelecem entre os textos de um
mesmo autor, uns com os outros mais do que as que os relacionam a outros escritores” (FICHT, 1984, p.84).
5
Laure Adler adverte que para Duras, “O mundo do Amor está definitivamente destruído” (ADLER, 1998, p.646). Neste romance, a ausência de Amor introduz um vazio que
leva à loucura ou à morte. Em um espaço desértico, Duras instala uma solidão ainda
mais vasta e a fluidez de sua poesia remete a um vazio matricial, a uma busca sem fim,
la fin sans fin, o infinito.
Conclusão
Seguimos, pois, os percursos das protagonistas desses romances, suas aflições e
êxtases nos diferentes cenários da infância da autora, a Indochina natal, as Índias imaginadas ou “impossíveis”, as imensas praias, o “mundo em ruínas”. A escrita foi-se tornando rarefeita consoante esses espaços de miséria, de solidão, de angústia; os gritos de
desespero e de amores reprimidos confundem-se com os gritos que advêm de toda a
humanidade rumo a um silêncio de morte. São as guerras, os massacres, os abandonos,
os sofrimentos próprios da condição humana.
Assim, esses romances, à medida que apontam para um hermetismo, propõem ao
leitor um desafio: “decifra-me ou devoro-te”, é o enigma da esfinge.
Transposta a “soleira da opacidade” (DURAS, PORTE, 1977, p.101) o leitor terá a
cabeça escavada ou raspada como a da Mendiga, postando-se em atitude de escuta à
palavra de Duras. Entretanto, em um mundo em que a mulher, em geral, não tem voz,
ante a verborragia masculina, mais e mais, a autora se cala e instaura em seus romances
um vazio que corresponde ao vazio da mulher, à falta (sua diferença).
Nesses romances, vimos que à mulher se oferece apenas um espaço de servidão
e medo, e é por isso que ela se cala nesse mundo masculino. A Mendiga, Anne-Marie
e Lol, encerradas no vício ou na loucura, traçam sua trajetória de busca ou de esquecimento.
O silêncio é uma resposta que tem uma força “colossal”, constituindo-se em “força
política de denúncia” contra os discursos prolixos e inúteis que justificam e, ao mesmo
tempo, incitam às guerras e à exploração do homem e da mulher (DURAS, GAUTHIER,
1974, p.110).
Descrevendo uma trajetória tão extensa quanto à da Mendiga, provindo do “Sol
Nascente” (da Indochina), rumo ao Ocidente, Marguerite, “la petite anamite”, como lhe
chamava sua mãe, tenta adaptar-se, como Anne-Marie em Calcutá, ao novo clima, novos costumes, nova cidade, nova vida.
A errância de suas personagens reflete, de certa forma, sua própria errância. Finalmente, ela encontra o caminho da escrita. Ao adentrar o universo feminino, parte de
sua própria “falta”, rumo ao infinito.
57
Os espaços de seus romances visam à imensidão dos campos – os arrozais, os
pântanos, o campo de centeio - ou do mar ilimitado. Reverberam em seu íntimo, as
águas do Pacífico para onde escoa o caudaloso Mékong. Suas personagens permanecem extáticas, contemplando o mar infinito em um desejo fusional.
A partir da dor, do sofrimento, próprio da condição humana, sua vida foi uma
peregrinação incessante onde ela é sempre “estrangeira”, rumo a um “au-delà” (além), à
Terra Prometida (VIRCONDELET, 1994, p. 282).
Como a mendiga “ela caminha e a frase com ela” conduzindo-nos a um ravissement (arrebatamento) de sua palavra, de seu canto, seu encantamento de “feiticeira”.
Trajetória da mulher: desejo infinito.
Referências bibliogáficas
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DURAS, Marguerite. L’Amour. Paris : Gallimard, 1971
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DURAS, Marguerite. O Vice-Cônsul. Trad de Fernando Py. Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1982.
DURAS, Marguerite. O deslumbramento. Trad. Ana Maria Falcão, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
DURAS, Marguerite, GAUTHIER, Xavière. Les Parleuses. Paris : Gallimard, 1974
DURAS, Marguerite, PORTE, Michelle. Les Lieux de Marguerite Duras. Paris : Gallimard, 1977.
FICHT, Brian T. L’intra-intertextualité interlinguistique de Beckett- la problématique de la traduction du soi. in
Texte-L’intertextualité, intertexte, autotexte, intratexte . Canadá : Trintexte,1984, No.2, p.84-100.
LACAN, Jacques. Shakespeare, Duras,Wedekind, Joyce. Lisboa : Assirio & Alvim,1989.
PIERROT, Jean. Marguerite Duras, Paris : José Corti,1986.
PINTO, Maria Cecilia de Moraes. As Índias possíveis e impossíveis : Marguerite Duras e o Oriente. in HEISE, Eloá
(Org). Facetas da pós-modernidade. Caderno 2. São Paulo: USP, 1996, p.155-159.
ROBILLARD, Monique. Des affections de Lol V.Stein. LAMY, Suzanne et ROY, André (org.). Marguerite Duras à
Montréal. Montréal : Spirale/Solin, 1981, p.95-100.
VIRCONDELET, Alain. Condamné à écrire. Marguerite Duras - Rencontres de Cerisy. Paris : Ed. Ecriture, 1994,
p.271-288.
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La trajectoire de la femme, désir infini : le cycle de l’Inde
Maria Cristina Vianna Kuntz1
Cogeae/PUC-SP
Résumé
Les trois romans les plus chers de Duras forment ce que les critiques appellent le
Cycle de l’Inde : Le Ravissement de Lol V. Stein (1964), Le Vice-Consul (1965) et L’Amour
(1970). Dans ce travail nous examinerons les trajectoires des protagonistes à mesure
qu’elles révèlent les aspects de la douleur, de la solitude, de l’abandon, du vide. Ce
sont les aspects communs à la vie de la femme, à la condition féminine. En traversant
des espaces hostils, du point de vue géographique ou existentiel, les protagonistes
de ces romans sont menées par un désir quelquefois indéfini, quelquefois instintif,
mais qui les mène en avant, dans la quête de l’amour ou à la rencontre de la mort. Ces
trajectoires coïncident avec la parole durassienne vers « l’innommable », vers « l’ouvert », vers un désir infini.
Mots-clés: désir ; solitude ; le vide ; le Cycle de l’Inde ; la femme.
Maria Cristina Vianna Kuntz a fait ses études à l’Universidade de São Paulo, où elle a fait son Master (« Ficção e História em La Ronde de nuit de Patrick Modiano », 1997) et son Doctorat sur l’oeuvre de Marguerite
Duras (2005). Professeur et chercheur à la PUC-SP (Cogeae, de 2003 à 2013). Elle participe souvent à des
congrès nationaux et internationaux, tels les Colloques Duras à Louvain, Bélgica (2006); Göteborg, Suède (2007); Bellingham, États Unis (2011) et Montréal, Canada (2012); au Colloque Proust 2011 à l’USP; aux
Congrès de l’ABRALIC, ABPF, « Vertentes do Fantástico » (UNESP 2009, 2011 et 2013) et à IALC – Congrès
International de Littérature Comparée à la Sorbonne (2013). Elle est membre de la Société Internationale
Marguerite Duras, qui a son siège à Paris. Elle a publié plusieurs articles dans des revues de Littérature et en
2014 a publié sa thèse doctorale : Marguerite Duras, trajetória da mulher, desejo infinito (Ed. Baraúna).
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Introduction
Les trois romans les plus chers de Duras forment ce que les critiques appellent le Cycle de l’Inde : Le Ravissement de Lol V. Stein (1964), Le Vice-Consul (1965) et L’Amour (1970).
Dans ce travail nous examinerons les trajectoires des protagonistes à mesure qu’elles révèlent les aspects de la douleur, de la solitude, de l’abandon, du vide. Ce sont les aspects
communs à la vie de la femme, à la condition féminine. En traversant des espaces hostiles, du point de vue géographique ou existentiel, les protagonistes de ces romans sont
menés par un désir quelquefois indéfini, quelquefois instinctif, mais qui les conduit en
avant, dans la quête de l’amour ou à la rencontre de la mort. Ces trajectoires coïncident
avec la parole durassienne vers l’innommable vers l’ouvert, vers un désir infini.
Ces romans se réunissent à travers la transmigration des personnages. Lol est la
protagoniste du roman de 1964 et elle revient sans nom, dans L’Amour (1970). Anne Marie sera la ravisseuse du fiancé de Lol dans Le Ravissement de Lol V. Stein et sera la séductrice protagoniste de Le Vice-Consul. Ainsi, Madeleine Borgomano déclare que le cycle
de l’Inde est « un réseau mouvant » (BORGOMANO, 1997, p.21). C’est cette mouvance
entre les romans qui permet de les réunir dans un cycle.
Dans ce sens, on considérera la « mouvance » des protagonistes, leurs trajectoires
dans chacun de ces trois romans à fin de découvrir le chemin de l’abandon, de la solitude, du vide qui finalement s’ouvrira vers un désir infini.
Cependant, il n’y a pas d’uniformité parmi eux concernant le traitement de l’espace.
Le Vice-Consul se passe en Inde, donc, un espace de réalité atestée, et Duras détermine aux protagonistes un parcours impossible qui devient mythique. Le Ravissement se passe dans un lieu imaginaire, auprès de la mer, entre les villes de St. Thala et
U.Bridge. Le protagoniste va d’une à l’autre, à fin de récupérer sa mémoire. L’action de
L’Amour reprend la ville de St. Tahla, mais tout en la transformant en un lieu, un espace
désertique et sauvage.
Marguerite Duras, est née en Indochine et est partie en France quand elle avait
dix-sept ans. Ainsi elle fait un immense parcours et connaît des régions contrastantes
et variées. Monique Robillard réflechit sur ce long voyage qui peut-être nous explique
l’importance des itinéraires de ses personnages, ainsi que l’importance des espaces
dans ses romans:
Elle mendie toujours une indication pour se perdre. Éternelle amante, survivant à son amour
mort, elle marche et la phrase avec elle. Sa marche est fragmentée en dizaines d’autres marches.
Voyages, itinéraires, trajets, elle aura toujours dix-huit ans en regardant la mer – elle, Lol V.Stein
à S. Thala, la mendiante à Savanakhet, la dame du camion, la jeune–fille de l’été 80, Aurélia
Steiner à Vancouver, Marguerite Duras à Trouville: surveillance, survivance. (ROBILLARD, 1981,
p.99-100).
Avec Xavière Gauthier, l’auteur commente la raison du choix des scénarios sauvages pour ces romans: ils sont le souvenir de son passé, son enfance – distants dans
le temps et dans l’espace, de l’autre côté du monde... souvenir d’un lieu magique, de
mystères et de quêtes existentielles :
[...] Le Népal et le Nord, l’Occident, un endroit vide, S. Thala? Pourquoi? Le Népal je crois quand
même que c’est l’enfance. C’est pas possible, c’est pas possible pour que ça exerce sur moi une
fascination pareille. J’ai vu une fois Calcutta, mais j’avais dix-sept ans. J’y ai passé une journée,
c’était une escale de bateau, puis ça je n’ai jamais oublié. Et la lèpre. Je l’ai vu à Singapour... je
n’ai jamais oublié. Mais je crois qu’il faut aller plus loin. Faut aller dans... les rizières du sud de
l’Indochine. [...] dans lesquelles je suis née (DURAS, 1974, p.120).
1. Les parcours de la Mendiante et d’Anne-Marie
Ce sont les scénarios de Le Vice Consul, roman publié en 1965, après une période
très souffrante de Duras (cf. ADLER, 1998, p.611). Elle le considère comme l’un de ses
préférés et plus complexes romans.
Présentant une structure en abyme, le début surprend le lecteur avec l’histoire
poignante de la jeune fille expulsée de sa maison parce qu’elle est enceinte.
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Sa longue trajectoire commence au Laos, à Savanakhet et finit dix ans après, à
Calcutta, en Inde. Dans cette ville, se passe l’histoire principale, présentant Anne-Marie
comme protagoniste.
Le siège de l’Ambassade serait dans la capitale du pays; donc Duras s’éloigne du
référent réel (Nouvelle Delhi) ce qui pourrait indiquer les Indes ancestrales, lieu de rêves
et de découverte de l’identité.
Semblablement à la jeune fille de la première histoire, Anne-Marie, a parcouru un
trajet immense, de l’Europe (de Venise) jusqu’à Savanakhet, où elle a laissé son mari,
suivant après l’Ambassadeur de l’Inde jusqu’à Calcutta. On peut, donc, établir un parallèle entre ces femmes, tout en cherchant la signification du roman.
2 Le périple de la Mendiante
La jeune fille expulsée de sa maison traverse des paysages majestueux, sauvages,
rarement accueillants. Au moment de son expulsion, sa mère lui ordonne comme une
malédiction : « il faut se perdre ».
Son destin sera un parcours de solitude, en quête du « point de l’horizon le plus
hostile », correspondant à l’espace métaphorique des « des marécages boueuses », coupés en tout sens par des obstacles : « les talus ».
Ainsi, elle parcourra une « route de l’abandon », une extension immense, continentale, jusqu’à Calcutta. Elle essaie de suivre le fleuve, pour compenser l’absence maternelle, mais elle finit par se perdre et les eaux deviendront troubles et profondes, indiquant la rencontre inévitable avec la mort.
Devant l’immense lac de Tonlé-Sap qui, sous les pluies augmentent dix fois comme
sont ventre, la Mendiante vit en communion avec la Mère-nature, comme les grands
héros. Le temps sera marqué par sa grossesse et instaure une étrangeté dans son corps,
dans son esprit, toutes les modifications de sa vie.
Trajectoire de la femme, parcours de faim et de solitude: «Femmes et marches »,
« faim et marches » c’est ce qu’elle trouvera dans la plaine « des Oiseaux ». Une multitude de femmes qui ont faim et soif d’affection, anxieuses pour trouver « une place »,
un lieu pour se perdre. Devant l’impossibilité d’obtenir un aide, elle suivra un chemin
avec le courage de toutes les femmes devant des faits incontournables: « Elle insiste,
elle croit, elle marche, elle désespère » (p.10).
Mais la misère l’oblige à abandonner l’enfant... la douleur de la séparation ne diminue que pour l’espoir de la survivance. Les épaules plus légers, le coeur vide... Elle
reprend son chemin sans le poids de sa fille: « Cette fois, oui, elle avance » (p.68). Sale,
chauve, muette, finalement, elle rentre l’espace de l’histoire principal, Calcutta, et éveille
un malaise au lecteur et aux autres personnages de l’histoire cadre.
Comme une ombre, un alter ego, elle sera toujours auprès d’Anne-Marie. Dans
les Iles, elle sera dans le parc, au-delà des grilles : « [...] On cesse de jouer du piano. Une
ombre traverse l’eau du bassin. Elle est dans la pénombre » (p.188).
Ainsi sa présence renforce le miroir en relation à l’autre protagoniste, en même
temps qu’elle prolonge la « mise en abîme ».
3. Calcutta
Calcutta se présente comme l’allégorie de la plus grande misère au monde. La
géographie humaine correspond à la réalité, ça veut dire, la présence de la multitude
de pauvres, de lépreux, de mendiants: « palmes, lèpre et lumière crépusculaire » (p.32).
Ce sont « les Indes ancestrales ». Lieu de mystère, de civilisations anciennes,
sages, magique, propre à la rencontre avec soi même, comme l’a observé Maria Cecilia de Moraes Pinto:
[...] ces Indes appartiennent à un imaginaire dont les racines historiques peuvent être retenues
dans la fusion des mythes d’origine toujours fascinantes pour l’homme du Moyen Age qui les a
cristallisés dans les Amériques des Indes et des Eldorados (PINTO, 1996, p.157 – notre traduction).
Cependant, les « Blancs non-adaptés », les colonisateurs, vivront étouffés par la
grande chaleur, le climat chaud et humide:
[...] la lumière est crépusculaire, un Himalaya de nuages immobiles recouvrent le Népal, dessous une
vapeur infecte stagne, la mousson d’été va commencer dans quelques jours (DURAS, 1965, p.31).
Le temps se prolonge et semble ne jamais finir, et l’ennui envahit l’ambiance de
plus en plus.
Anne Marie s’incorpore à cette ville: elle sera la Blanche de Calcutta, La Reine de Calcutta, mais mélancolique, elle sera toujours dans le vide et l’ennui, étouffée par les moussons et par ses obligations d’hôtesse, malgré la compagnie des jeunes de l’Ambassade.
Calcutta devient, donc, la « ville de cauchemar » (p.109), le « gouffre d’indifférence » (p.117), et devient un espace d’étouffement, de souffrance, de solitude, d’incommunicabilité.
Le fleuve Ganges arrose la ville, présence majestueuse. Dans ces eaux sacrées, la
Mendiante cherchera du repos et de la purification, en compagnie de tous les lépreux.
De son côté, Anne-Marie cherche la paix et va aux Iles avec ses amis. Dans son chemin
elle traverse une immense extension de rizières: « Les rizières, les rizières », ainsi qu’une
« Immense étendue de marécages que mille talus traversent em tous sens » (p.175). Ce
paysage est identique (ipsis litteris) à celle parcourue par la Mendiante au début du roman, après l’expulsion de chez elle.
Cette répétition des espaces établit un lien entre les deux protagonistes et annonce leurs caractéristiques semblables. Les deux sont solitaires, abandonnées, faméliques matériellement et spirituellement.
Auprès du Delta d’alluvion – entassement de ses tristesses et secrets – Anne-Marie contemplera la tempête et l’immensité des vagues marines.
Elle regarde fixement en direction à « l’horizon (qui) est un fil droit comme avant
les arbres ou après le déluge » (p.175) ; l’horizon qu’elle cherche « est le point le plus
hostile », le future sans issue, sa vie invivable suffocante dans les Indes. Devant l’espace
ouvert, au Delta du Ganges, devant la mer, Anne-Marie va souhaiter la mort.
Après une longue trajectoire, malgré la séparation des barres de la société, de la
richesse et de la misère, leurs destins de femme seront semblables.
La Mendiante, dans une errance sans fin, dans l’extrême misère, dans sa solitude,
son mutisme, sa folie, la seule libération possible; l’autre qui, même parmi ses amis, ses
fêtes et vivant dans l’aisance matérielle, elle cultive la solitude, la mélancolie, sa tristesse
grande comme les Indes, plongée dans ses larmes. Leurs trajectoires les mènent au désir infini.
4. La traversé de la mémoire
Dans Le Ravissement de Lol V. Stein Duras atteint une délicatesse en dévoilant
l’âme féminine, une délicatesse dans la création du personnage que, comme dit Lacan,
sommes nous les « ravis » (LACAN, 1989, p.123).
L’action du roman se passe dans trois villes: S. Thala, U. Bridge e T. Beach. Au
contraire des espaces du Le Vice-Consul, elles ne correspondent pas à aucun lieu de
réalité attestée. Madeleine Borgomano considère que ces noms anglais pourraient indiquer une ville dans les côtes américaines, une fois que Tallahasee est la capital de Florida... Mais, ayant écrit ce roman à Trouville, dans la Normandie, l’auteur déclare que ces
lieux sont les plages de la Mer du Nord ou des plages de l’enfance, « des mers illimités ».
Ce nom constitue un anagramme de Thalassa – mer en grec, cependant Marguerite dit ne pas avoir pensé à cette relation quand elle a choisi ce nom.
Le périple entre ces trois villes sera celui d’une femme en quête de son identité
après un trauma d’abandon, une quête d’amour, son désir.
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T. Beach est un lieu de vacances où Lol rencontre et perd son fiancé dans un bal,
ce qui va la marquer pour toujours.
Quand elle revient à S.Thala, sa ville natale, Lol se ferme dans sa maison pendant
quelques semaines et peu après, dans une promenade elle rencontre Jean Bedford, qui
l’accompagne et qui deviendra son mari. Après le mariage la famille considère que la
crise est finie.
Ensuite, le couple démenage à U.Bridge. Ce nom indique une fonction de « pont »
que cet espace aura dans la vie de Lol (cf. DURAS, PORTE, 1977, p.84). Après dix ans la
– « dormeuse debout » – y a vécu ou survécu son trauma. Par des raisons profissionaux
de son mari, elle reviendra à S.Thala.
Ainsi se sont passés dix années de mariage en rythme « normal ». Duras commente l’ennui doméstique, ce silence qui « couve » dans les après-midis vides,
quand les enfants sont à l’école et on attend le mari (DURAS, GAUTHIER, 1974, p.75)
un moment où la solitude s’installe: « C’est dans une maison qu’on est seul » (DURAS, 1993, p.13).
Lol recommence à faire des promenades.
Ces promanades journalières – « la calme régularité de sa marche » – dans la ville
pourraient être l’épreuve du réstablissement de Lol, selon explique Duras: « C’est en
marchant qu’une autre mémoire lui vient » (DURAS, PORTE, 1977, p.98).
Par contre, cette situation pourrait contribuer pour sa perdition.
Elle était née à S. Thala, donc elle connaissait déjà la ville. Cependant, dans ses parcours, elle évitait les personnes et encore elle choisissait toujours de nouveaux trajets et
inversement, ça annoncera sa méconnaissance de la ville:
Elle reconnaissait S.Thala, la reconnaissait sans cesse et pour l’avoir connue bien avant et pour
l’avoir connu la veille, mais sans preuve à l’appui renvoyée par S. Thala, chaque fois, balle dont
l’impact eût toujours été le même; elle seule, elle commença à reconnaître moins, puis différemment, elle commença à retourner, jour après jour, pas à pas vers son ignorance de S.Thala
(DURAS, 1964, p.42).
En fait, « Elle commence à marcher dans le palais fastueux de l’oubli de S. Thala »
(p.43). Palais qui annonce le somptueux édifice du Casino où elle avait dansé pour la
dernière fois; « l’oubli de S. Thala », « la méconnaissance » qui correspondraient à la répression de son trauma.
Un jour, après avoir vu un couple qui passait près de sa maison, et qui commente
« Morte peut-être », elle le suit jusqu’à la banlieue, de l’autre côté de la ville, jusqu’à
l’Hôtel du Bois.
5. Le champ de seigle
Le « ravissement » de Lol sera devant l’hôtel où sont Tatiana e Jacques Hold. Ce
sera l’une des scènes fondamentaux du roman.
Couchée dans le champs, dans le crépuscule, Lol s’innonde de paix: « Ce champ
à quelques mètres d’elle plonge, plonge de plus en plus dans une ombre verte et laiteuse » (p.62).
Comme la graine du seigle, Lol, « morte peut-être », semble se confondre avec le
lieu pour plonger plus profondément dans sa propre ombre:
Vivante, mourante, elle respire profondément, ce soir l’air est de miel, d’une épuisante suavité.
Elle ne se demande pas d’où lui vient la faiblesse merveilleuse qui l’a couchée dans ce champ.
Elle la laisse agir, la remplir, jusqu’à la suffocation, la bercer rudement, impitoyablement
jusqu’au sommeil de Lol V. Stein.
Le seigle crisse sous ses reins. Jeune seigle du début d’été (p.62).
Son, lumière, parfum et couleur (le vert du « jeune seigle ») nous souviennent du
poème « Les Correspondances » de Baudelaire, et créent un « temple » pour le « ravissement » de Lol.
Attirée par la lumière de la fenêtre, Lol est hipnotisée par la scène qui se passe
dans la chambre, qu’elle ne voit pas, et qu’elle imagine seulement, mais qui éveille sa
mémoire.
Le mouvement des amants, leur intimité s’opposent infiniment à la solitude et à la
passivité de Lol, réduite à une « tache sombre » sur le champs de seigle. La lumière qui
indique la vie – éros – et l’ombre qui dénonce la mort – thanatos.
Ainsi, Lol semble récupérer la mémoire d’un autre moment vécu avec son fiancé.
Elle reviendra plusieurs fois à ce champ pour assister au « cinéma » de Tatiana, en fait,
son propre filme.
Elle reconnaîtra Tatiana, l’ancienne collègue de l’école. Elle la visite chez elle et
est présentée à Jacques Hold, son amant. Lui, il aperçoit quelque étrangeté chez Lol, et
décide de s’approcher d’elle à fin de dévoiler son mystère.
Mais, comme nous, lecteurs, il va finir par être ravi par Lol.
Quand elle revient au champ de seigle, son émotion sera partagée avec lui qui
va percevoir sa présence, « tache sombre dans le champs ». En même temps, il aura
connaissance de son amour pour Lol.
L’émotion inexprimable dilate le moment, suspend le temps dans cet espace
d’émerveillement.
Cependant les mots ne sont pas suffisantes: « Je voudrais faire, dire, dire un long
mugisement fait de tous mots fondus et revenus au même magma, intelligible à Lol
V. Stein » (p.130).
Les deux iront à la station de train pour un voyage à T.Beach, le parcours contraire
à celui effectué après le bal : la tentative finale de récupérer la mémoire.
6. Le voyage à T. Beach
La traversé de la mémoire de Lol se transforme en trajetoire de l’amour : premièrement, au moment où Lol suit le couple vers L’Hôtel de Bois et après quand elle revient
au Casino, lieu qui avait marqué sa jeunesse, sa vie.
Quand ils y arrivent, ils rentrent l’édifice par un long couloir, le tunnel du temps.
Mais, Lol essaie en vain de reconstruire le passé: « Elle peut revoir indéfiniment ainsi,
revoir bêtement ce qui ne peut pas se revoir » (p.181).
Alors, quand il reviennent à la plage, ils se reposent et vivent leur moment de paix
et union: « Nous voici à T. Beach, Lol V. Stein et moi » (p.184).
La mer qui baisse laisse les souvenirs comme des marécages bleus, illuminées par
le soleil (« marécages bleus de ciel » – p.182). « Lachées », caressées, elles sont finalement au couchant, « englouties » par la mer. Leur mouvement constant - le montant, la
basse marée – se renoue tous les jours et correspond à la mémoire de Lol qui va garder
et montrer, de manière intermittente, cette scène inoubliable, « l’ombre », tache qui ne
s’éteigne pas:
[...] la mer monte enfin, elle noie les marécages bleus les uns après les autres, progressivement
et avec une lenteur égale ils perdent leur individualité et se confondent avec la mer, c’est fait
pour ceux-ci, mais d’autres attendent leur tour. La mort des marécages emplit Lol d’une tristesse abominable, elle attend, la prévoit, la voit. Elle la reconnaît (p.185).
Ainsi, comme Anne-Marie, Lol est « engloutie » par la mer de sa tristesse, de sa
déraison, de sa folie.
Le sens de la trajectoire de Lol est expliquée par la propre auteur dans une interview où elle est d’accord avec Xavière Gauthier: « [...] ça va dans l’autre sens de ce
que toi tu as vécu. [...] Mais ça va en sens inverse ». Lol serait au Nord et son fiancé
était parti en Inde... ce qui correspondrait au contraire du passé de Duras. Mais elle
complète l’ampleur de ce passé: « C’est un passé universel, c’est le passé de tous. [...]
elle (Lol) meurt de se souvenir. Je crois que c’est un passé commun. C’est le passé »
(DURAS, GAUTHIER, 1974, p.120).
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Ainsi, le passé que Lol cherche et aussi celui de toutes les femmes, c’est la désillusion, le rêve enterré ; c’est aussi le passé de toutes les souffrances, les séparations, les
abandons et les morts.
7. La déambulation au long de la plage – L’Amour
Publié en 1971, L’Amour peut être le roman le plus hermétique de tous les romans
de Marguerite Duras. L’étrangeté du scénario, les personnages-fantasmes, les dialogues
secs, elliptiques, laissent à peine deviner une intrigue.
Trois personnages anonymes forment et transforment un triangle, apparaissent
et disparaissent en scène, dans une ville au bord de la mer – S. Thala. Aucun d’eux n’a de
nom. Le premier se distingue parce qu’il ne fait que regarder et sera appelé le Voyageur.
Le deuxième est celui qui marche mais est nommé Prisonnier et la femme sera simplement Femme.
Ils marchent d’un côté à l’autre de la plage, vont et viennent, regardent au
loin, parlent peu. Quelquefois le Voyageur rencontre la Femme ou le Prisonnier.
L’action varie entre regarder et marcher. On ignore pourquoi ils sont dans la plage,
ni s’ils se connaissaient avant. Rien n’est dit ou expliqué. Les rares dialogues sont
« anémiques » et n’éclaircissent rien. Un vide s’installe ainsi qu’un malaise qui devient significatif.
Le Voyageur est dans un Hôtel à la plage; il est quelqu’un qui « est revenu ». A la
moitié du roman, une femme arrive avec deux enfants. Le Voyageur lui dit qu’il les abandonnerait et ne lui donne pas une raison.
Le Prisonnier est appelé Fou (p.11). Peut-être la Femme est folle aussi. Elle dort
sous les étoiles. Comme l’inoubliable Mendiante de Le Vice-consul (1966), cette Femme
a eu déjà plusieurs enfants et les a donnés dans la ville. Elle marche au long de la plage,
les yeux fermés à demi, sous le regard du Voyageur.
Petit à petit, dans un « réseau de lenteur » (p.9) on y voit des indications qui renvoient au
roman de 1964, comme le nom de la ville: « Ici c’est S.Thala » (p.15), la ville au bord de la mer.
Un autre indice sera la référence aux « bals morts » (p.38), à la « musique de S.Thala » (p.40), ainsi comme la visite au Casino. En fait, on peut considérer que ce roman est
un « prolongement », une continuation ou une « variation » de l’histoire de Lol, como
déclare Jean Pierrot (PIERROT, 1986, p.243).
Le Voyageur visite une femme aux cheveux noirs, en désordre (« très noirs », « défaits ») (p.76), et le lecteur, voit, immédiatement, la formidable chevelure de Tatiana Karl,
l’amie de Lol. Avec elle le Voyageur commente : « elle n’a jamais guéri? » (p.78).
On conclue que celle – ci serait Lol, autrefois malade. Tout en le confirmant, la
femme aux cheveux noirs parle de soi comme « la morte de S. Thala » (p.83), épithète
qui dans l’autre roman désignait Lol.
En fait, les deux sont mortes: l’une se sent morte et l’autre – supposée Lol – une
fois malade, aliénée, sera déjà morte. Cette « transformation » met en question le destin
de la femme : son annulation.
Cette échange de papiers, (propre à l’intratextualité),3 dans la « ronde de la vie »,
met en question les relations humaines comme des sentiments « sacrés ». Ainsi, Duras
démythifie le sentiment de l’Amour, son indissolubilité.
S. Thala est une étrange ville, malgré son apparence : ses « boulevards », l’Hôtel,
la Prison, l’édifice du Gouvernement, la Gare. Un mur la sépare de la plage qui s’étend
jusqu’au fleuve, mais en même temps, la dépasse.
Le fleuve pourrait être l’Estige – fleuve de la mort, celui que tous traverseront un jour.
Ainsi, S.Thala est une ville – symbole de toutes les Villes modernes où les personnes vivent un constant mouvement, comme des zombis, sans se rencontrer vraiment, sans pouvoir aimer, ils s’encheminent vers un anéantissement : « Ainsi chaque
jour doivent-ils couvrir la distance, l’espace de sables de S.Thala » (p.36).
Le mot « Amour » n’apparait dans le texte qu’une seule fois et on ne sait pas exactement qui parle, si c’est le Voyageur, si c’est la Femme :
La direction est longue droite. On ne voit pas la fin.
Elle marche les yeux à moitié fermés, elle évite la souffrance que lui provoque la lumière. Elle
Il prend du sable, il le verse sur son corps.
ne lui parle pas. Elle marche (p.118).
Elle respire, le sable bouge, il s’écoule d’elle.
Il en reprend, il recommence. Le sable s’écoule
Muette, ne pouvant presque voir, elle marche aussi comme la Mendiante : « Elle
marche et la phrase avec elle ». Ça serait, donc, le chemin de l’écriture, maintenant rarefaite et trouée, maltraité, selon l’auteur expliquera dans Écrire .2
« Ecrire à côté de ce qui précède l’écrit c’est toujours le gâcher. Et il faut cependant accepter ça : gâcher le
ratage c’est revenir vers un autre livre, vers un autre possible de ce même livre » (DURAS, 1993, p.29).
2
encore. Il en reprend encore, le verse encore.
« Par là nous nous référons aux multiples rapports que entretiennent les textes d’un même auteur les uns
avec les autres plutôt que ceux qui les relient aux autres écrivains ». (FICHT, Brian T. L’intra-intertextualité
interlinguistique de Beckett – la problématique de la traduction du soi. In Texte-L’intertextualité, intertexte,
autotexte, intratexte. Canadá, Trintexte,1984, No.2, p.84).
3
Il s’arrête.
– Amour.
Les yeux s’ouvrent, ils regardent sans voir,
sans reconnaître rien, puis ils se referment, ils retournent au noir (p.124-125).
Laure Adler nous avertit que pour Duras, « le monde de l’Amour est définitivement
détruit » (ADLER, 1998, p.646). Dans ce roman, l’absence d’Amour introduit un vide qui
mène à la folie ou à la mort. Dans cet espace désertique, Duras installe une solitude
encore plus vaste et la fluidité de sa poésie renvoie à un vide matriciel, à une quête sans
fin, la fin sans fin, l’infini.
Conclusion
Nous avons suivi, donc, les parcours des protagonistes de ces romans, leurs souffrances et extases dans les différents scénarios de l’enfance de l’auteur, l’Indochine natale, les Indes imaginées ou « impossibles », les plages immenses, le « monde en ruines ».
L’écriture de Duras est devenue de plus en plus silencieuse, suivant ces espaces de misère, de solitude, d’angoisse; les cris de désespoir et d’amour refoulé se confondent
avec les cris de toute l’humanité vers un silence de mort. Ce sont les guerres, les massacres, les abandons, les souffrances propres de la condition humaine.
Transposé le « seuil de l’opacité »,4 le lecteur aura la tête « trouée » ou rasée comme
celle de la Mendiante, et sera à l’écoute de la parole de Duras. Cependant, dans un
monde où la femme, en général n’a pas de voix, devant la verborragie masculine, l’auteur devient presque muette et instaure dans ses romans un vide qui correspond au
vide de la femme, son manque (sa différence).
Nous avons vu que dans le monde masculin, on n’offre à la femme qu’un espace de
servitude et peur, et c’est pour ça que Duras se taise. La Mendiante, Anne-Marie et Lol,
encerrées dans le vice ou dans la folie, elles font leurs trajectoires de quête ou d’oubli.
Le silence est une réponse qui a une « force colossale », et devient une « force
politique de dénonce » contre les discours prolixes et inutiles qui justifient et en même
temps incitent aux guerres et à l’exploitation de l’homme et de la femme.5
En fait, Duras parcourt une extension si vaste comme celle de la Mendiante, provenant du « Soleil Naissant », (de l’Indochine) vers l’Occident ; Marguerite, « la petite
anamite », comme l’appelait sa mère, essaie de s’adapter, comme Anne-Marie à Calcutta, au nouveau climat, nouvaux coutumes, nouvelle ville, nouvelle vie.
DURAS, M., PORTE, M. Les Lieux..., p.101
5
DURAS, M., GAUTHIER, X. Parleuses, p.110
4
62
L’errance de ses personnages correspond à sa propre errance. Finalement, elle
trouve le chemin, quand elle rentre l’univers féminin, elle part de son propre « manque »,
vers l’infini de l’écriture.
Les espaces de ses romans s’ouvrent vers l’immensité des champs (les rizières, les
marécages, le champ de seigle), ou de la mer illimitée. Ils résonnent dans son âme, les
eaux du Pacifique où s’écoule l’impétueux Mékong. Ses personnages restent extatiques,
en contemplant la mer infinie, dans un désir fusionnel.
Partant de la « douleur », de la souffrance, propre à la condition humaine, la vie de
Duras a été une pérégrination sans cesse où elle sera toujurs l’étrangère vers un « au-delà », vers la Terre Promise.6
Comme la Mendiante « elle marche et la phrase avec elle » et elle nous mène vers le
ravissement de sa parole, de son chant, son enchantement de « sorcière ».
Trajectoire de la femme : désir infini.
Références bibliographiques
ADLER, Laure. Marguerite Duras. Paris: Gallimard, 1998.
BORGOMANO, Madeleine. Le Ravissement de Lol V. Stein de Marguerite Duras. Paris : Gallimard, 1997.
DURAS, Marguerite. Le Ravissement de Lol V. Stein. Paris : Gallimard, 1964
DURAS, Marguerite. Le Vice-Consul. Paris : Gallimard, 1966.
DURAS, Marguerite. L’Amour. Paris : Gallimard, 1970
DURAS, Marguerite. Ecrire. Paris : Gallimard, 1993.
DURAS, Marguerite, GAUTHIER, Xavière. Les Parleuses. Paris : Gallimard, 1974
DURAS, Marguerite, PORTE, Michelle. Les Lieux de Marguerite Duras. Paris : Minuit, 1977.
FICHT, Brian T. L’intra-intertextualité interlinguistique de Beckett-la problématique de la traduction du soi.in
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cf. VIRCONDELET, Alain. Marguerite Duras- Rencontres de Cerisy. Paris, 1994, Ed. Ecriture, p. 282.
6
63
Escrever a dor da música
Celina Maria Moreira de Mello1
Universidade Federal do Rio de Janeiro – CNPq
Resumo
I
Na obra literária e cinematográfica de Marguerite Duras, os filmes trazem a imobilidade
da fotografia, alguns fotogramas podem ser vistos como quadros, os roteiros e as cenas
são pontuados por ritmos gerados pela música ou as crianças são obrigadas a decifrar
a misteriosa língua das partituras. Estas representam o impenetrável mundo da música,
mais próximo do silêncio e da escuridão da noite do que o mundo da escritura de Duras, um mundo em que a prosa quer se fazer poesia e a voz que conta se projeta em um
exercício de solidão e calmo desespero, o exercício dos limites da escritura literária. A
música modula uma impossibilidade: a impossibilidade do dizer por meio de palavras
condenadas pela banalidade e o desgaste, a impossibilidade da dor de não poder se
calar face à monstruosidade daquilo que é humano.
Há cerca de trinta anos, defendi minha tese de doutorado, na Universidade Federal do Rio de Janeiro: Marguerite Duras: o texto e sua travessia (1986). Era uma tese de
Semiologia, cujo tema central era a Teoria do Texto, e sobre as relações entre o conceito
de texto de Roland Barthes, na obra de Marguerite Duras: romances, contos, teatro, cinema e entrevistas. Uma tese que desdobrava as limitações de nosso sistema de gêneros quando se trata de categorizar certos textos da literatura francesa contemporânea,
entre os quais os de autoria de Duras, e diante das fronteiras que marcamos entre as
diferentes formas de expressão de sua obra e seus suportes, como a voz, o corpo dos
atores, as imagens, a música, os espaços tipográficos em branco, os movimentos da
câmera ou os jogos de iluminação.
O cerne da tese era a Teoria do texto, as redes significantes, e naquele momento
estudei muito detalhadamente a teoria do sujeito lacaniana e o fato de que Marguerite
Duras sabia sem Lacan o que ele ensinava. Em Homenagem a Marguerite Duras, sobre o
deslumbramento de Lol V. Stein, Lacan afirma:
Palavras-chave: Duras, cinema, música, escritura
Penso que, mesmo que Marguerite Duras tenha dito expressamente que não sabe, em toda
a sua obra, de onde vem Lol, e mesmo que o pudesse depreender do que ela e diz na frase
seguinte, a única vantagem que um psicanalista tenha o direito de assumir por causa de sua
posição, mesmo que ela lhe seja reconhecida enquanto tal, é a de lembrar, com Freud, que em
sua matéria, o artista o precede sempre e que, portanto, ele não tem que bancar o psicólogo
lá onde o artista lhe abre o caminho.
1
Celina Maria Moreira de Mello é Professora Titular de Letras Francesas da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), Coordenadora de Pós-graduação do Centro de Letras e Artes da mesma universidade
e editora responsável da Revista Interfaces do Centro de Letras e Artes. Doutora em Ciências da Literatura
e Semiologia (UFRJ em 1986), com a tese Marguerite Duras, o texto e sua travessia. Docente permanente
do Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da UFRJ, coordena o Acordo de Cooperação com a
Universidade de Paris XII e desenvolve o projeto “O mundo dramático – imprensa, imagens e imaginários
da cena romântica”. Coordena os grupos de pesquisa PRISMA – Projeto de Reflexão Interdisciplinar Sentido
Mito e Arte (UFRJ) e ARS – Arte, Realidade, Sociedade junto à Fundação Biblioteca Nacional.
É precisamente aquilo que identifico no encantamento de Lol. V. Stein, no qual acontece que
Marguerite Duras sabe sem mim aquilo que ensino (LACAN, 1975, p. 95).2
Não imaginei que voltaria a estas leituras, e muito menos aos meus trinta anos,
quando o centenário de Duras me proporcionou a oportunidade de descobrir outra
2
T. da A. para todas as citações, exceto quando explicitamente referido.
obra, uma obra total “em tom menor”, como uma ópera de Wagner que fosse tocada
em surdina, da qual um dos melhores exemplos seria o “filme das vozes” de India Song
(1975). O qual, aliás, é um filme, em que a música já se encontra presente, desde o título:
Em algum lugar, em minhas primeiras anotações de trabalho, antes de começar a filmar, escrevi: India Song será construído, primeiramente pelo som, e depois pela luz. Portanto, eu já estava a caminho do despovoamento final, e isso desde o primeiro momento (DURAS, 1975, p.19).
Do mesmo modo, esta reflexão facultou-me um movimento de releitura de uma
obra que é um labirinto de sonoridades e de imagens, e este movimento facultou-me
descobrir uma Duras diferente, uma autora que escreve na dor da música, aquela que
me propus a compartilhar neste trabalho.
Assim, há trinta anos, eu havia explorado uma dada geografia, feita dos espaços
de um passado perdido, os quais são evocados por sua obra, e havia desenhado, a partir dos cenários recorrentes desta “ópera”, uma estrutura paradigmática feita das oposições, das proximidades, e das mediações entre o refinamento de uma certa cultura
ocidental e colonial e o espaço selvagem de uma Ásia ainda pouco conhecida, ou ainda
do Sudoeste da França, que revive a região de Lot-et-Garonne, tal como a conheceu
Duras em uma breve estada na infância.
O mapa destes espaços era, é, preciso, e nele se movem as personagens que
desenham o percurso de uma deambulação em busca de um amor inominável e da
destruição do humano, entre a cidade e a selva, o mar e as montanhas, o palacete e
o jardim, a neve e os rios. E já que falo de ópera, não se pode deixar de mencionar o
balé, a coreografia da marcha interminável da mendiga de Savannakhet em direção ao
deserto, ao silêncio e à destruição de toda fala humana. Mas ela conserva o canto do
dilaceramento, o canto da dor da mãe que foi separada do filho, um canto que é feito
de soluços e urros que a miséria a obrigou a engolir.
Também naquela época, estudei os filmes realizados a partir de roteiros ou adaptações de romances de Duras, Hiroshima meu amor, dirigido por Alain Resnais em 1959,
64
e Moderato Cantabile, romance publicado em 1958, filmado por Peter Brook em 1960,
mas acima de tudo os filmes que ela própria havia dirigido, Nathalie Granger, em 1972
(neste caso o filme foi feito antes do livro, publicado em 1973), India Song, em 1975 e
Agatha e as leituras ilimitadas, em 1981. E o meu maior interesse eram os filmes mais
próximos da imobilidade da fotografia do que de uma arte, que em seus primórdios
trazia a proposta de vencer o desafio de registrar o movimento por meio de imagens.
Trata-se de filmes cujos fotogramas, por vezes, competem com a pintura, como Baxter, Véra Baxter (1976) em que um plano extremamente rápido mostra Véra Baxter nua,
recostada em um canapé, evocando em sua pose as cores e a imobilidade da Olympia
de Manet. A câmera imóvel, os planos fixos, pouco a pouco vão destruindo, de início,
o movimento, e depois as imagens que desaparecem na imagem schwartz, até que se
chega à filmagem da impossibilidade de realizar um « filme », em Le Camion (1977).
São também filmes cujos roteiros tendem a expressar por meio de imagens o sopro da fala que soa como um recitativo. O que provoca o comentário sobre Hiroshima
mon amour, descrito como um “drama lírico”: “[...] o filme é concebido como um amplo
poema lírico com uma escansão muito literária, totalmente oposto ao realismo habitual” (RAPP, B. & LAMY, 1997, p.304).
A realização dos filmes é pautada por um ritmo musical, como o da sonatina de
Diabelli, tocada pelo filho de Anne Desbaresdes em Moderato Cantabile ou a ária tocada
ao piano, as sete notas de Nathalie, que marca o passo dos atores em Nathalie Granger.
O filme é atravessado pelo drama da música: lá onde ela vai, a pequena Nathalie será
privada da música, e um plano do filme em que vemos partituras vem mostrar tudo o
que temos que aprender para aceder à música:
de Veneza na Calcutá deserta (1976), filme que ela realizou com a película que sobrou de
India Song, após a montagem, com a mesma trilha sonora. Para Madeleine Borgomano,
em L’Ecriture filmique de Marguerite Duras:
[...] apenas a música e a voz ressoam no deserto das imagens, sobrevivências aleatórias de um
mundo desconhecido.
A trilha sonora tornou-se “toda a memória do mundo”: só a música (violência e salvação), a
fica cantante; é fácil (DURAS, 1985, p.7, 9 e 27).
Ora, em várias entrevistas da autora, repete-se, como um leitmotiv, a seguinte explicação: “escrevo porque...”, e que proponho que seja ouvido como: “escrevo porque
não toco bem piano”, “escrevo porque não sou compositora” ou então “escrevo porque
não sou música”, palavras que traduziria aqui como, “escrevo na dor da música”.
dança, privada dos corpos, e a voz desencarnada sobrevivem ao desastre. A narrativa de uma
história morta, acompanhada pelas músicas de bailes mortos, desenrola-se diante das ruínas
desertas (BORGOMANO, 1985, p. 130).
A pregnância da música nos filmes de Marguerite Duras invade, da mesma maneira, seus escritos, que nos falam da distância da música ou de sua impossibilidade.
As crianças, mais próximas do louco, pois sua violência não pode ser controlada pela
dominação das sociedades, são personagens que não podem ser separadas da música.
Crianças que atravessam o enigmático universo dos adultos, como em Nathalie Granger,
crianças que se deparam com o desafio de decifrar a misteriosa linguagem das partituras, como o filho de Anne Desbaresdes em Moderato Cantabile. A escrita das partituras
representará, então, o impenetrável mundo da música, mais próxima da escuridão da
noite do que da página em branco que constitui o desafio para toda escritura.
– Moderato cantábile – disse a criança.
A professora marcou a resposta, batendo com o lápis no teclado. A criança não se mexeu, a
cabeça voltada para a partitura.
Ouvindo tocar a criança, filma-se, em uma panorâmica circular, uma ampla superfície cober-
– E o que quer dizer moderato cantabile?
ta de partes musicais. Elas estão em desordem. Algumas fechadas, a maioria abertas. Títulos.
– Não sei.
Nomes alemães. Johann Sebastian Bach, Schubert, Mozart. A música preenche a tela. Acumu-
Sentada a três metros dali, uma mulher suspirou.
lação de escrita negra (DURAS, 1973, p. 71).
– Você tem certeza de que não sabe o que significa moderato cantabile? – insistiu a senhora.
A criança não respondeu. A senhora deu um grito abafado de impotência, batendo novamen-
É a música que revela e restabelece a unidade de uma obra em que o filme mataria o livro e a música mataria o filme. Assim, Diabelli estará presente na sonatina que
toca o filho de Anne Desbaresdes, em uma variação sobre um tema de Diabelli em India
Song e três variações sobre um tema de Diabelli em Le Camion (1977) (Cf. BORGOMANO,
1985, p 141).
Na escritura de um universo ficcional da repetição, estão presentes a economia
da narração e dos diálogos, a lancinante presença das trilhas sonoras e o « filme das vozes », recurso que Marguerite Duras leva até as fronteiras do insuportável em Seu nome
você poderia lembrar de uma vez por todas. Moderato quer dizer moderado e cantabile signi-
te no teclado com o lápis. A criança nem piscou. A senhora virou-se.
– Que criança teimosa, Sra. Desbaresdes – exclamou.
Anne Desbaresdes suspirou novamente.
– Eu é que sei – queixou-se ela.
A criança, imóvel, olhos baixos, foi a única a lembrar-se que a noite acabara de cair. Estremeceu.
– Eu já lhe disse na última vez, já lhe disse na vez anterior, já lhe disse cem vezes, você tem
certeza de que não sabe?
[...]
II
Recentemente vimos, aqui no Brasil, na televisão, um documentário, Marguerite
Duras – Ecrire (Benoît Jacquot, Yann Andrea, 1996) que nos mostra Duras sozinha - em
alguns momentos a voz de Yann Andrea completa algumas de suas frases, que se perdem na desordem da casa da autora, em Neauphle-le-Château. A implacável imagem
do documentário mostrava Duras, sem a beleza de sua juventude, seu imenso poder de
sedução, e que se envaideceria da habilidade de jogar com duas ou três palavras, com
um léxico quase primário, e fazendo afirmações do tipo: “um livro é a noite”, acompanhadas de longos silêncios.
Contudo, ela parecia observar a câmera e o entrevistador com uma expressão divertida. E fiquei com a impressão de uma solidão antipática, em que frases pomposas
eram ditas com uma voz quebrada, como se uma Duras envelhecida representasse uma
Duras bela e jovem, recuperando a dureza e a inocência da infância, no jogo midiático
da entrevista.
Mas em um dado momento, vemos a autora tocando piano, o que cria um ritmo que
atravessa a entrevista toda, como o passo de Jeanne Moreau, acompanhando o piano, ao
atravessar o jardim de Neauphle-le-Château, em Nathalie Granger. Não vemos ali a obra
de Duras, ou seja, a projeção de um corpo imaginário, que produz um texto que provoca
o leitor, cujo olhar, por sua vez, será atraído por fotos de sua infância e juventude. Ela modula a voz, quase que se poderia dizer que ela sente prazer em ouvir a própria voz, sacerdotisa do culto da palavra poética, da palavra profética e dos mistérios da criação literária,
uma imagem insolente que parece repetir: “que o mundo caminhe para sua destruição”.
Como nessa entrevista, na obra de Marguerite Duras, a prosa mais banal torna-se
poesia, a fala almeja ser dita e ouvida no cerne do silêncio, em um exercício de solidão
e manso desespero. E sua trajetória de escritora demonstra que, sobretudo a partir dos
anos 1957, quando comprou a casa de Neauphle-le-Château, progressivamente, ela
teria entrado para a escritura, como se entra para um convento, e os amigos se afastam
(Cf. VIRCONDELET, 1996, p.87-8).
65
Alain Vircondelet refere-se a uma “violência de seu engajamento na escritura”. Ela
teria se engajado na via das “dores e do sofrimento solitário”. E ele observa: “O vampirismo que ela manifesta em relação àqueles que dela se aproximam afasta os amigos”
(VIRCONDELET, 1996, p.87-8). Da mesma publicação, fica uma frase reveladora, sobre
seu filho Jean, chamado de Outa: “O próprio filho é deixado de lado ou então ‘tem que
estudar música’” (VIRCONDELET, p.89). A obra de Duras, com intensidade crescente,
expressará a fala de uma feminidade sufocante, que assusta o macho e, apesar de
tudo, atrai as feministas. Os críticos se interrogam sobre se esta seria um dizer do feminino. Uma certa psicanálise imagina que nela se encerra um conhecimento que Freud
não alcançou.
Para tanto, teria sido necessário que se acreditasse em uma essência do feminino, em uma fala que conceda às mulheres palavras de uma banalidade e simplicidade
cortantes, mas que concede, igualmente, palavras e gritos pungentes aos homens, a
esse Vice-cônsul virgem (Le Vice-consul, 1966), uma fala que conceda a palavra àquilo
que é humano. E teria sido necessário deixar-se levar pela sedução desta diretora de
cinema, que produz imagens que nos fazem imergir em um imaginário em que nada
seria degradado, em que os sentimentos traçariam delicados arabescos, até o aniquilamento, até que pudéssemos pensar que, ao se perder e seguir casais de amantes, Lol.
V. Stein teria acabado por se fundir, como duas imagens superpostas, com a mendiga
de Savannakhet. E os ritmos do baile de S.Thala, do Encantamento de Lol V. Stein (1964),
transformam-se em um canto estranho e nos gritos de uma louca, proferidos por aquela personagem de que Duras dirá: “ela vai atrás de tudo que se move”.
VOZ I
Uma mulher?
VOZ 2
Sim. Ela segue alguém.
VOZ 1, pausa.
A música é quem concede o ritmo para seguir caminhando, para que se possa
sem interrupções se deslocar pela vida, como a mendiga de Savannakhet, mas que ali
permanece, como uma falha, lembrando como uma obsessão a incapacidade do escritor. A música é uma espécie de “fulguração” dos limites da escrita literária, da escritura.
Que é forçada a produzir ruídos para destroçar a solidão, que tal como o amor, na doença da morte, provém “de uma falha na lógica do universo”:
Você pergunta de que modo o sentimento do amor poderia sobrevir. Ela lhe responde: Talvez
de uma falha súbita na lógica do universo. Ela diz: Por exemplo, de um erro. Jamais de um querer. Você pergunta: O sentimento de amar poderia sobrevir de outras coisas ainda? Você lhe
suplica dizer (DURAS, 1984b, p.52).
É deste modo que o amor é dito como um canto, um cantochão, e o canto de um
lamento:
ELA: Eu encontro você.// Lembro de você.// Esta cidade foi feita com as dimensões do amor.//
a noite já havia caído, no grande salão do convés principal deu-se a mesma explosão de uma
Você era feito com as dimensões de meu corpo.// Quem é você?// Você me mata.// [...] Ficare-
valsa de Chopin, que ela conhecia de modo secreto e íntimo porque jamais a havia consegui-
mos sozinhos, meu amor.// A noite será infindável.// O dia nunca mais, para ninguém mais, vai
do tocar corretamente, jamais, o que fizera com que a mãe consentira a que largasse o piano.
clarear.// Jamais. Nunca mais. Finalmente.// Você me mata.// Você me faz bem.// Prantearemos
Aquela noite, perdida entre noites e noites, e disso ela tinha certeza, a mocinha a vivera exa-
o dia morto com consciência e boa vontade.// Nada mais faremos, apenas o pranto do dia
tamente naquele navio e lá estava quando aquilo ocorrera, a explosão da música de Chopin
morto.// O tempo passará. Apenas tempo.// E o tempo virá.// Um tempo virá. Em que teremos
sob um céu iluminado de brilhos. Nenhuma brisa marinha e a música se dispersara por todo
esquecido o nome daquilo que nos unira. Pouco a pouco, o nome esmaecerá em nossa memó-
o navio negro, como uma injunção do céu de que não se sabia o que ordenava, como uma
ria.// E depois, desaparecerá totalmente (DURAS, 1960, p.114-5).
ordem de Deus de que se ignora o teor (DURAS, 1984a, p.137-8).
É deste canto que almejaria se aproximar uma escrita durassiana de palavras plenas, aquelas que apagam as relações das regras e da sintaxe, as relações de coordenação e de subordinação, uma escritura feita de palavras que desejam se aproximar
ou tocar-se de um modo estranho, e que transforma a língua francesa em uma língua
estrangeira que todos entendem.
VOZ 2
Haveria uma escrita do não-escrito. Vai chegar o dia. Uma escrita breve, sem gramática, uma
Sim.
escrita de palavras isoladas. Palavras sem uma gramática de suporte. Perdidas. Ali, escritas. E
VOZ 1, pausa.
imediatamente abandonadas (DURAS, 1993, p.71).
Por que ela o segue?
Ela segue tudo aquilo que se move... o que vai...
(DURAS, 1973, p.181).
Eis a razão pela qual, por ocasião de uma entrevista na televisão, em 1992, “Reações trinta anos mais tarde” (DURAS, 1999, p.48-9) ao responder a uma pergunta formulada por Pierre Dumayet, que citava O verão 80, “‘Disse a mim mesma que sempre se
escrevia sobre o corpo morto do mundo e, do mesmo modo, sobre o corpo morto do
amor.’ [...] Será que isto esclarece bem a escritura?” (DURAS, 1980, p.67), Duras responde:
“[...] o acontecimento mesmo é destruído pelo livro. Não é jamais o que foi vivido, mas
o livro faz esse milagre, é que, muito rapidamente, o que está escrito é aquilo que foi
vivido. O que está escrito substituiu aquilo que foi vivido” (DURAS, 1999, p.49).
A escritura autobiográfica de Uma barragem contra o Pacífico (1950) ou de O amante (1984) teria substituído aquilo que foi, que teria sido vivido? No que se refere à experiência pessoal da música, o abandono do piano teria sido vivido?
Lembro o episódio de O amante:
E outra vez, ainda durante a mesma viagem, durante a travessia do mesmo oceano, e também
O viajante?
VOZ 2
III
Haveria, há, na obra de Duras, uma escritura que se faz na noite dos livros, na violência dos sentimentos, uma escritura que teria o poder de destruir a língua, do mesmo
modo que destrói o acontecimento.
A destruição ou a perda de todas as imagens e todas as lembranças remetem
à não-narrativa autobiográfica, nesta escritura que se desfaz no movimento do fazer.
Aliás é em O amante que se encontra a melhor resposta a Dumayet: “A história de minha vida não existe, isso não existe. Não há jamais um centro. Caminho algum. Não há
caminho, nem linha. Há vastos espaços nos quais se faz acreditar que havia alguém, não
é verdade, não havia ninguém” (DURAS, 1984a, p.137-8).
E seria possível, por jogo, e facilmente construir o paradigma da ausência, ou da
falta a que se referem os lacanianos, ou da castração para os freudianos: o silêncio, a
noite, a escuridão, a destruição do acontecimento pela escritura do livro, o aniquilamento total desejado por Duras: “que o mundo caminhe para sua destruição, é a única
política” (DURAS, 1977, p.74).
Com certeza, um mundo já se perdeu, e também a inocência da simplicidade que
leva a crer que são textos fáceis, que estão ao alcance dos olhos, das mãos e dos senti-
66
dos de todos. Mas em torno desta obra, que seria o canto do silêncio, da escuridão, da
loucura e da morte, como os gritos da mendiga de Savannakhet, existe um rumor, um
bruaá, uma ininterrupta tagarelice (e até mesmo colóquios...).
IV
Contudo, neste último exercício, poderia ser retomado o axioma proposto por
Duras: “um livro é a noite”, a ausência de luz, de saberes e de afetos, a solidão extrema –
mas, depois dos solitários de Port-Royal, Rousseau e o ritmo das ondas do lago de Bienne, Chateaubriand e “as margens do Meschacebé”, no Prólogo de Atala, O isolamento de
Lamartine: “um único ser está ausente e tudo fica deserto” (1820), na literatura francesa,
o tema é banal. Ou ainda a escritura como um exercício solitário, como aquele do “monge de Croisset”, mas Flaubert não é realmente um solitário e assusta com seu exercício
do urrador – ou cortar-se dos ruídos, dos aromas do mundo e do convívio dos outros
que só servem para alimentar a obra é, igualmente, banal, depois do quarto de Marcel
Proust, com seu forro de cortiça.
Um livro é a noite, e como não pensar em Noite e névoa (Resnais, 1956), documentário do horror dos campos de concentração, o horror dos imensos ossuários, esqueletos amontoados nos campos de extermínio nazistas, filme que mostra o que não pode
ser mostrado, o que se repete nas palavras de Emmanuelle Riva: “Você não viu nada em
Hiroshima. Nada”. (DURAS, 1960, p. 22).
O que permanece é a escritura da música, no exercício dos limites da escritura literária, dado que a música modula a impossibilidade do dizer com as palavras gastas e
condenadas à banalidade, e aquela da dor de não se poder calar diante da noite insana
da monstruosidade do humano.
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DURAS, Marguerite. La Maladie de la mort. Paris, Les Éditions de Minuit, 1982.
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VIRCONDELET, Alain & MASCOLO, Jean. Marguerite Duras, vérité et légendes. Paris, Editions du Chêne, 1996.
67
Écrire la douleur de la musique
Celina Maria Moreira de Mello1
Universidade Federal do Rio de Janeiro – CNPq
Résumé
I
Dans l’œuvre littéraire et cinématographique de Marguerite Duras, les films sont plus
proches de l’immobilité de la photo, certains photogrammes concurrencent la peinture, scénarios et tournage ont des rythmes qui sont le fait de la musique ou bien des
enfants se voient mis au défi de déchiffrer le mystérieux langage des partitions. Celles-ci sont l’image de l’impénétrable monde de la musique, plus proche du silence et
de l’obscurité de la nuit que le monde de l’écriture durassienne, un monde où la prose
vient rejoindre la poésie et la parole qui raconte veut être dite dans un exercice de solitude et calme désespoir, l’exercice des limites de l’écriture littéraire. La musique module
une impossibilité : celle du dire par les mots voués à la banalité et à l’usure, celle de la
douleur de ne pouvoir se taire face à la monstruosité de l’humain.
J’ai soutenu, il y a presque trente ans, ma thèse de doctorat, à l’Université Fédérale
de Rio de Janeiro: Marguerite Duras: le texte et sa traversée (1986). Il s’agissait d’une thèse
de sémiologie portant sur la Théorie du Texte et sur les rapports entre le concept de texte
de Roland Barthes tel que l’on peut le lire dans l’œuvre de Marguerite Duras, romans, contes, théâtre, cinéma et entretiens, une thèse qui discutait l’insuffisance de notre système
de genres littéraires face à certains textes de la littérature contemporaine, dont ceux dont
Duras est l’auteur, et face aux frontières que nous traçons entre les différentes formes
d’expression de son œuvre et ses supports, tels la voix, le corps des acteurs, les images, la
musique, les blancs d’une page, les mouvements de la caméra ou les jeux de l’éclairage.
Il y était donc question de la Théorie du Texte, des réseaux signifiants et j’avais à
l’époque étudié à fond la théorie du sujet lacanien et le fait qu’elle – Marguerite Duras
– s’avérait savoir sans lui ce que celui-ci enseignait. Dans Hommage fait à Marguerite
Duras, du ravissement de Lol V. Stein, il dira :
Mots-clés : Duras, cinéma, musique, écriture
J’ai écrit quelque part dans une des premières notes de travail – avant le tournage – : « In-
Je pense que, même si Marguerite Duras me fait tenir de sa bouche qu’elle ne sait pas dans
toute son œuvre d’où Lol lui vient, et même pourrais-je l’entrevoir de ce qu’elle me dit la phrase
d’après, le seul avantage qu’un psychanalyste ait le droit de prendre de sa position, lui fût-elle
reconnue comme telle, c’est de se rappeler avec Freud qu’en sa matière, l’artiste toujours le
précède et qu’il n’a donc pas à faire le psychologue là où l’artiste lui fraie la voie.
C’est précisément ce que je reconnais dans Le ravissement de Lol. V. Stein, où Marguerite Duras
s’avère savoir sans moi ce que j’enseigne. (LACAN, 1975, p. 95)
1
Celina Maria Moreira de Mello est Professeur titulaire de la chaire de Lettres Françaises à UFRJ (Université
Fédérale de Rio de Janeiro); coordinatrice du cours de post graduation du Centre de Lettres et Arts (UFRJ) et
éditrice responsable de la revue Interfaces du Centre de Lettres et Arts. Docteur en Science de la Littérature
et Sémiologie (UFRJ, 1986), avec la thèse Marguerite Duras, o texto e sua travessia. Professeur du programme
de post graduation de Lettres néo-latines à l’UFRJ. Coordonne l’Accord de Coopération avec l’Université
de Paris XII e développe « Le monde dramatique – presse, images et imaginaires de la scène romantique ».
Coordonne aussi les groupes de recherche PRISMA – Projet de Réflexion Interdisciplinaire le Sens du Mythe
et Art (UFRJ) et ARS – Art, Réalité, Société auprès de la Fondation Bibliothèque Nationale (Rio de Janeiro).
Je ne pensais pas revenir à ces textes, retrouver mes trente ans, c’est alors que le
colloque International Centenaire Marguerite Duras – et la sympathique invitation de
Maria Cristina Vianna Kuntz – m’a donné l’occasion de découvrir une autre œuvre, une
œuvre totale « en ton mineur », comme une sourdine du grand opéra à la Wagner, dont
une des meilleures représentations serait « le film des voix » d’India Song. La musique
dans ce film, d’ailleurs y est présente dès le titre :
dia Song se bâtira, d’abord par le son, et puis par la lumière ». J’étais donc déjà sur la voie du
dépeuplement final, et dès le départ. (DURAS, 1975, p. 19)
Cela m’a permis également un mouvement de relecture d’une œuvre qui est un
labyrinthe de sonorités et images, celui-ci m’a permis de découvrir une autre Duras –
l’auteure qui écrirait dans la douleur de la musique, celle que je me suis proposé de
partager dans cette réflexion avec vous, lecteur.
Il y a trente ans donc, il m’avait été possible d’explorer une certaine géographie
des espaces d’un passé révolu, évoqués par son œuvre, dessinant à partir des décors
récurrents de cet « opéra » une structure paradigmatique faite des oppositions, des proximités – et des médiations – entre le raffinement d’une certaine culture occidentale et
coloniale, et l’espace sauvage d’une Asie encore inexplorée, ou encore du Sud-Ouest de
la France, qui fait revivre la région de Lot-et-Garonne d’un court séjour en France, dans
l’enfance de Duras.
La carte de ces espaces était, en est, précise, sur laquelle se meuvent des personnages, qui tracent les parcours d’une déambulation en quête d’un innommable amour
et de la destruction de l’humain, entre la ville et la jungle, la mer et les montagnes, le
pavillon et le jardin, la neige et les fleuves. Et puisqu’il est question d’opéra, l’on ne peut
laisser de côté le ballet, la chorégraphie de cette longue marche de la mendiante de
Savannakhet vers le désert, le silence et la destruction de toute parole humaine. Mais
qui garde le chant du déchirement, le chant de la douleur d’une mère qui a été séparée
de son enfant, fait de sanglots et hurlements avalés dans la misère.
Et j’avais à l’époque étudié également les films des scénarios ou adaptations de
romans de Duras, Hiroshima mon amour, dirigé par Alain Resnais en 1959, et Moderato
Cantabile, roman publié en 1958, filmé par Peter Brook en 1960, mais surtout les films
qu’elle avait elle-même dirigés, Nathalie Granger, en 1972 (et ici le film précède le livre,
sorti en 1973), India Song, en 1975, et Agatha et les lectures illimitées, en 1981. Et ce qui
m’avait le plus intéressée c’étaient des films plus proches de l’immobilité de la photo
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que d’un art qui à ses débuts se proposait de vaincre le défi de fixer le mouvement au
moyen d’images. Ce sont des films dont les photogrammes parfois concurrencent la
peinture, comme dans Baxter, Véra Baxter (1976) où un plan très rapide montre Véra
Baxter nue, sur un canapé, évoquant dans la pose, les couleurs et l’immobilité l’Olympia de Manet. La caméra immobile, les plans fixes, détruisent peu à peu le mouvement
d’abord, ensuite les images qui se détruisent dans l’image schwartz, pour en arriver à
filmer l’impossibilité de tourner un « film », dans le Camion (1977).
Mais ce sont également des films dont les scénarios tentent de traduire en images
le souffle de la parole qui résonne telle un récitatif. Ce qui fait dire de Hiroshima mon
amour qu’il s’agit d’un « drame lyrique » : « [...] le film est conçu comme un ample poème lyrique à la scansion très littéraire, aux antipodes du réalisme habituel ». (RAPP, B. &
LAMY, 1997, p.304)
Le tournage de ses films suit un rythme musical, comme celui de la sonatine de
Diabelli, jouée par le fils d’Anne Desbaresdes dans Moderato Cantabile, ou bien l’air joué
au piano, les sept notes de Nathalie, qui marque le pas des acteurs dans Nathalie Granger. Ce film est traversé par le drame de la musique : là où elle va, la petite Nathalie sera
privée de musique, et un plan qui montre des partitions vient nous montrer tout ce qu’il
faut apprendre pour accéder à la musique :
La bande sonore est devenue « toute la mémoire du monde » : la musique (violence et salut),
la danse, privée des corps et la voix désincarnée survivent seules au désastre. Le récit d’une
histoire morte, accompagnée des musiques de bals morts, se déroulent devant des ruines désertes. (BORGOMANO, 1985, p.130)
La prégnance de la musique dans les films de Marguerite Duras envahit également ses écrits, qui nous parlent de la distance de la musique ou de son impossibilité.
Les enfants, les plus proches du fou, en ce que leur violence échappe à la domination
des sociétés, sont des personnages indissociables de la musique. Des enfants qui traversent l’énigmatique univers des adultes, comme dans Nathalie Granger, les enfants
qui se voient mis au défi de déchiffrer le mystérieux langage des partitions, comme le
fils d’Anne Desbaresdes dans Modérato Cantabile. L’écriture des partitions représente
alors l’impénétrable monde de la musique, plus proche de l’obscurité de la nuit que de
la page blanche qui défie l’écriture.
– Moderato cantabile, dit l’enfant.
La dame ponctua cette réponse d’un coup de crayon sur le clavier. L’enfant resta immobile, la
tête tournée vers sa partition.
– Et qu’est-ce que ça veut dire, moderato cantabile ?
Sur le jeu de l’enfant, on balaie en panoramique circulaire une large surface pleine de parti-
– Je ne sais pas.
tions musicales. Elles sont pêle-mêle. Il y en a de fermées, la plupart sont ouvertes. Titres. Noms
Une femme, assise à trois mètres de là, soupira.
allemands. Johann Sebastian Bach, Schubert, Mozart. La musique remplit l’écran. Accumula-
– Tu es sûr de ne pas savoir ce que ça veut dire, moderato cantabile ? reprit la dame.
tion d’écriture noire. (DURAS, 1973, p.71)
L’enfant ne répondit pas. La dame poussa un cri d’impuissance étouffé, tout en frappant de
nouveau le clavier de son crayon. Pas un cil de l’enfant ne bougea. La dame se retourna.
C’est la musique qui révèle et rétablit l’unité d’une œuvre où le film aura tué le
livre et la musique aura tué le film. C’est ainsi que nous retrouvons Diabelli dans la sonatine jouée par le fils d’Anne Desbaresdes, dans une variation sur un thème de Diabelli
dans India Song et trois variations sur un thème de Diabelli dans Le Camion (1977) (Cf.
BORGOMANO, 1985, p.141).
Dans l’écriture d’un univers fictionnel de la répétition, interviennent l’économie du
récit et des dialogues, la présence lancinante des bandes sonores et le « film des voix »,
que Marguerite Duras pousse jusqu’à la limite de l’insupportable dans Son nom de Venise dans Calcutta désert (1976), film fait des chutes du film India Song, avec la même
bande sonore. Pour Madeleine Borgomano, dans L’Ecriture filmique de Marguerite Duras :
[...] musique et voix résonnent seules sur le désert des images, survivances aléatoires d’un
monde inconnu.
je ne joue pas bien du piano », « j’écris parce que je ne compose pas » ou bien « j’écris
parce que je ne suis pas musicienne. », des mots derrière lesquels je vous propose d’entendre, « j’écris dans la douleur de la musique ».
– Madame Desbaresdes, quelle tête vous avez là, dit-elle.
Anne Desbaresdes soupira une nouvelle fois.
– A qui le dites-vous, dit-elle.
L’enfant, immobile, les yeux baissés, fut seul à se souvenir que le soir venait d’éclater. Il en frémit.
– Je te l’ai dit la dernière fois, je te l’ai dit l’avant-dernière fois, je te l’ai dit cent fois, tu es sûr de
ne pas le savoir ?
[...]
– Quand même, […], tu pourrais t’en souvenir une fois pour toutes. Moderato, ça veut dire modéré, et cantabile, ça veut dire chantant, c’est facile. (DURAS, 1958, p.7 et 16)
Or dans plusieurs interviews accordés par l’auteure, l’explication « j’écris parce
que... » revient comme un leitmotiv, que je vous propose d’entendre : « j’écris parce que
II
Un documentaire que nous avons pu voir récemment à la télévision au Brésil, Marguerite Duras – Ecrire (Benoît Jacquot, Yann Andrea, 1996), nous montre Duras seule,
parfois la voix de Yann Andrea vient compléter certaines de ses phrases, perdues dans
le bric-à-brac de sa belle maison à Neauphle-le-Château. L’image implacable du documentaire montrait une Duras ayant perdu sa « beauté du diable », son prodigieux pouvoir de séduction, et dont la seule coquetterie aurait été celle de jongler avec deux ou
trois mots, d’un lexique presque primaire, faisant des affirmations du style : « un livre,
c’est la nuit », suivies de longs silences.
Et elle semblait, néanmoins, observer la caméra et l’intervieweur d’un regard amusé. Et j’ai été prise par l’impression d’une solitude antipathique, où des phrases pompeuses étaient dites d’une voix cassée, comme si une Duras vieillie jouait une Duras
belle et jeune, retrouvant la dureté et l’innocence de l’enfance dans ce jeu médiatique
qu’est l’interview.
Mais alors la caméra la montre jouant au piano, dont le rythme traverse le déroulement de l’interview, du même pas feutré de Jeanne Moreau traversant le jardin de Neauphle-le-Château dans Nathalie Granger. L’on n’y retrouve pas l’œuvre de Duras, c’est-à-dire la projection d’un corps imaginaire qui produit un texte qui provoque le lecteur, dont
le regard sera à son tour happé par des photos d’enfance et de jeunesse. Elle y module
sa voix, l’on pourrait presque dire qu’elle s’écoute parler, prêtresse du culte de la parole
poétique, de la parole prophétique et des mystères de la création littéraire, une image
d’insolence qui semble répéter : « que le monde aille à sa perte » (DURAS, 1977, p.74).
Dans l’œuvre de Marguerite Duras, comme dans cet interview, la prose la plus banale vient rejoindre la poésie, la parole veut être dite et entendue au cœur du silence,
dans un exercice de solitude et calme désespoir. Et son parcours d’écrivain nous montre
que, surtout à partir des années 1957, quand elle achète la maison de Neauphle-le-Château elle serait progressivement entrée en écriture comme on entre en religion, et
ses amis la fuient (Cf. VIRCONDELET, 1996, p.87-8).
Alain Vircondelet parle d’une « violence de son engagement dans l’écriture ». Elle
emprunte la voie des « douleurs et de la souffrance solitaire ». Et il constate : « Le vampirisme qu’elle manifeste à l’égard de qui l’approche fait fuir ses amis. » (VIRCONDELET,
1996, p.87-8). Dans ces pages, une phrase résonne, sur son fils Jean, dit Outa : « Le fils
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même, Outa, est livré à lui-même ou bien “tenu de faire de la musique” » (VIRCONDELET,
1996, p.89). Son œuvre donnera de plus en plus la parole à une féminité étouffante, qui
fait fuir le mâle et attire quand même les féministes, est-ce un dire du féminin ? s’interrogent les critiques. Sait-elle ce qui aura échappé à Freud ? s’inquiète une certaine
psychanalyse.
Il aurait fallu y croire à ce féminin-essence, à cette parole qui donne aux femmes
des mots d’une banalité et d’une simplicité décapantes, mais qui donne aussi des paroles et des cris lancinants aux hommes, à ce Vice-consul vierge (Le Vice-consul, 1966),
une parole qui donne des mots à de l’humain. Et il aurait fallu se laisser séduire par
cette faiseuse de films, qui produit des images pour nous plonger dans un imaginaire
où rien ne se dégraderait, où les sentiments dessineraient de fines arabesques, jusqu’à
l’anéantissement, jusqu’à nous faire penser qu’à force de se perdre et de suivre les couples d’amants, Lol V. Stein se serait confondue – comme un fondu-enchaîné – avec la
mendiante de Savannakhet. Et les rythmes du bal de S.Thala, du Ravissement de Lol V.
Stein (1964), se transforment en un chant étrange et des cris de folle, qui sont poussés
par celle dont Duras finira par dire : « elle suit ce qui bouge » :
C’est ainsi que l’amour qui se dit comme un chant, un plain-chant est le chant
d’une plainte :
p.67), elle répondra : « [...] l’événement lui-même est détruit par le livre. Ce n’est jamais
ce qui a été vécu, mais le livre fait ce miracle, c’est que, très vite, ce qui est écrit est ce qui
a été vécu. Ce qui est écrit a remplacé ce qui a été vécu ». (DURAS, 1999, p.49)
Est-ce que l’écriture autobiographique d’Un Barrage contre le Pacifique (1950) ou
de l’Amant (1984) aurait remplacé ce qui a, ce qui aurait été vécu ? Et en ce qui concerne
le vécu de la musique ? l’abandon du piano aurait-il été vécu ?
Je vous rappelle le passage de l’Amant, dont il est question ici:
ELLE : Je te rencontre.// Je me souviens de toi.// Cette ville était faite à la taille de l’amour.//
Et une autre fois, c’était encore au cours de ce même voyage, pendant la traversée de ce même
Tu étais fait à la taille de mon corps même.// Qui es-tu ?//Tu me tues.// [...] Nous allons rester
océan, la nuit de même était déjà commencée, il s’est produit dans le grand salon du pont prin-
seuls, mon amour.// La nuit ne va pas finir.// Le jour ne se lèvera plus sur personne.// Jamais.
cipal l’éclatement d’une valse de Chopin qu’elle connaissait de façon secrète et intime parce-
Jamais plus. Enfin.// Tu me tues.// Tu me fais du bien.// Nous pleurerons le jour défunt avec
qu’elle avait essayé de l’apprendre pendant des mois et qu’elle n’était jamais arrivée à la jouer
conscience et bonne volonté.// Nous n’aurons plus rien d’autre à faire, plus rien que pleurer
correctement, jamais, ce qui avait fait qu’ensuite sa mère avait consenti à lui faire abandonner
le jour défunt.// Du temps passera. Du temps seulement.// Et du temps va venir.// Du temps
le piano. Cette nuit-là, perdue entre les nuits et les nuits, de cela elle était sûre, la jeune fille
viendra. Où nous ne saurons plus du tout nommer ce qui nous unira. Le nom s’en effacera peu
l’avait justement passée sur ce bateau et elle avait été là quand cette chose-là s’était produite,
à peu de notre mémoire.// Puis, il disparaîtra tout à fait. (DURAS, 1960, p.114-5)
cet éclatement de la musique de Chopin sous le ciel illuminé de brillances. Il n’y avait pas un
Vous demandez comment le sentiment d’aimer pourrait survenir. Elle vous répond : Peut-être
d’une faille soudaine dans la logique de l’univers. Elle dit : Par exemple d’une erreur. Jamais
d’un vouloir. Vous demandez : Le sentiment d’aimer pourrait-il survenir d’autres choses encore ? Vous la suppliez de dire. (DURAS, 1982, p.52)
souffle de vent et la musique s’était répandue partout dans le paquebot noir, comme une inVOIX I
Une femme ?
VOIX 2
Oui. Elle suit quelqu’un.
VOIX 1, temps.
Et c’est de ce chant que souhaiterait se rapprocher une écriture durassienne de
mots pleins, qui effacent les rapports des règles et de la syntaxe, les rapports de coordination, de subordination, une écriture faite de mots qui voudraient se rapprocher ou
se toucher d’une façon étrange, et qui fait du français une langue étrangère que tous
peuvent comprendre :
Le voyageur ?
VOIX 2
Il y aurait une écriture du non-écrit. Un jour ça arrivera. Une écriture brève, sans grammaire,
Oui.
une écriture de mots seuls. Des mots sans grammaire de soutien. Égarés. Là, écrits. Et quittés
VOIX 1, temps.
aussitôt. (DURAS, 1993, p.71)
Pourquoi le suit-elle ?
VOIX 2
Elle suit ce qui bouge... ce qui va...
(DURAS, 1973, p.181)
La musique c’est ce qui donne le rythme pour aller de l’avant, pour se déplacer
sans cesse dans la vie, comme la mendiante de Savannakhet, mais qui reste là comme
une faille, rappelant de façon obsédante une incapacité de l’écrivain. La musique est
une sorte de « fulgurance » des limites de l’écriture littéraire. Celle-ci étant obligée de
faire du bruit pour rompre la solitude, qui comme l’amour, dans la maladie de la mort
provient « d’une faille dans la logique de l’univers » :
Il y aurait, il y a dans l’œuvre de Duras une écriture faite dans la nuit des livres,
dans la violence des sentiments, une écriture qui détruirait la langue, de la même façon
qu’elle détruit l’évènement.
III
C’est ainsi que lors d’un entretien à la télévision, en 1992, « Réactions trente ans
après » (DURAS, 1999, p.48-9), à une question posée par Pierre Dumayet, citant l’Été 80,
« ‘Je me suis dit que l’on écrivait toujours sur le corps mort du monde et, de même, sur le
corps mort de l’amour.’ [...] Est-ce que cela éclaire bien sur l’écriture ça ? » (DURAS, 1980,
jonction du ciel dont on ne savait pas à quoi elle avait trait, comme un ordre de Dieu dont on
ignorait la teneur. (DURAS, 1984, p.137-8)
La destruction ou la perte de toute image et de tout souvenir renvoient au non-récit autobiographique, dans cette écriture qui se défait dans le mouvement du faire,
et c’est dans d’ailleurs dans L’Amant que l’on trouvera la meilleure réponse à Dumayet :
« L’histoire de ma vie n’existe pas, ça n’existe pas. Il n’y a jamais de centre. Pas de chemin,
pas de ligne. Il y a de vastes endroits où l’on fait croire qu’il y avait quelqu’un, ce n’est pas
vrai, il n’y avait personne. » (DURAS, 1984, p. 14)
Et l’on pourrait, par jeu, avec facilité, bâtir un paradigme de l’absence, ou du
manque dont nous parlent les lacaniens, ou de la castration pour les freudiens : le
silence, la nuit, l’obscurité, la destruction de l’événement par l’écriture du livre, la destruction du cinéma par un film porté par le texte, l’anéantissement final souhaité par
Duras : « que le monde aille à sa perte, qu’il aille à sa perte, c’est la seule politique »
(DURAS, 1977, p.74).
Un certain monde est déjà perdu, c’est sûr, et l’innocence de la simplicité qui fait
croire que ce sont des textes faciles, qui sont à la portée des yeux et des mains et des
sens de tout un chacun. Mais autour de cette œuvre qui serait, comme les cris de la
mendiante de Savannakhet, le chant du silence, de l’obscurité, de la folie et de la mort,
il y a une rumeur, un brouhaha, un babillage incessant, et mêmes des colloques.
70
IV
Références bibliographiques
Et cependant, dans cet ultime exercice, l’on pourrait reprendre l’axiome qu’elle
nous propose : « un livre, c’est la nuit », l’absence de lumière, de savoirs, d’intelligence et
d’affects, l’extrême solitude – mais cela est banal dans la littérature française, après les
solitaires de Port Royal, Rousseau et le rythme des vagues du lac de Bienne, Chateaubriand et « les rives du Meschacebé », dans le Prologue d’Atala (1801), L’Isolement de Lamartine : « un seul être vous manque et tout est dépeuplé » (1820). Ou encore l’écriture
comme un exercice solitaire, tel celui du « moine de Croisset », mais Flaubert est un faux
solitaire et effraye par son exercice du gueuloir – être coupé des bruits et des odeurs
du monde, et des autres qui ne servent plus qu’à nourrir son œuvre, mais cela aussi est
banal, après la chambre de Marcel, tapissée de liège.
Un livre c’est la nuit, et comment ne pas songer à Nuit et brouillard (1956), documentaire de l’horreur concentrationnaire, l’horreur des charnières, des squelettes entassés des camps d’extermination nazis, qui montre que l’on ne peut pas montrer, ce
qui sera scandé par Emmanuelle Riva, dans le film Hiroshima mon amour : « Tu n’as rien
vu à Hiroshima. Rien » (DURAS, 1960, p.22).
Reste l’écriture de la musique, en tant qu’exercice des limites de l’écriture littéraire, puisque la musique module une impossibilité : celle du dire par les mots voués à la
banalité et à l’usure, celle de la douleur de ne pouvoir se taire face à la folle nuit de la
monstruosité de l’humain.
BORGOMANO, Madeleine. L’Ecriture filmique de Marguerite Duras. Paris : Editions de l’Albatros, 1985.
DURAS, Marguerite. Moderato Cantabile suivi de «Moderato Cantabile » et la presse française. Paris : Les Editions
de Minuit, 1958.
DURAS, Marguerite. Hiroshima mon amour. Paris : Gallimard, 1960.
DURAS, Marguerite. Nathalie Granger suivi de La Femme du Gange. Paris : Gallimard, 1973.
DURAS, Marguerite. Notes sur India Song. DURAS, M. & alii. Marguerite Duras. Paris : Editions de l’Albatros,
1975. p.12-20.
DURAS, Marguerite. Le Camion suivi de Entretien avec Michelle Porte. Paris : Les Editions de Minuit, 1977.
DURAS, Marguerite. La Maladie de la mort. Paris : Minuit, 1982.
DURAS, Marguerite. L’Eté 80. Paris : Les Editions de Minuit, 1980.
DURAS, Marguerite. L’Amant. Paris : Gallimard, 1984.
DURAS, Marguerite. Écrire. Paris : Gallimard, 1993.
DURAS, Marguerite. Dits à la télévision ; entretiens avec Pierre Dumayet, suivi de La Raison de Lol par Marie-Magdeleine Lessana. Paris : Editions et Pulications de l’Ecole lacaniene, 1999.
LACAN, Jacques. Hommage fait à Marguerite Duras du ravissement de Lol V. Stein. In : DURAS, Marguerite & alii.
Marguerite Duras. Paris : Albatros, 1975. p.93-9
RAPP, B. & LAMY, Jean-Claude (dir.) Dictionnaire Mondial des Films. Paris : Larousse, 1997.
VIRCONDELET, Alain & MASCOLO, Jean. Marguerite Duras, vérité et légendes. Paris : Chêne, 1996.
71
O imaginário da loucura criminosa: o caso Villemin1
Christophe Meurée2
F.R.S./FNRS – Université Catholique de Louvain
Société Internationale Marguerite Duras
Para Leonor Lourenço de Abreu e Marc Quaghebeur
Resumo
Marguerite Duras tratou o crime de tantas maneiras, que, numerosas, perpassam por
toda sua obra e ocupam uma parte essencial de seu imaginário. Pode-se distinguir dois
tipos de crimes: de um lado, o crime individual, do roubo ao assassinato, cometidos
dentro do que a doxa chama de um acesso de loucura ou um ato de desespero; de
outro lado, o crime contra a humanidade perpetrado não por um indivíduo, mas por
um poder, uma ideologia. Este segundo tipo parece, aos olhos de Duras, convencional,
conformista, porque implica a submissão a uma crença partilhada, à ficção política que
produz a História, na qual a própria Duras acreditou durante algum tempo em que aderiu ao Partido Comunista Francês.
Palavras-chave: crime; loucura; imaginário.
Tradução de M. Cristina Kuntz
1
2
Christophe Meurée é doutor em Línguas e Letras pela Universidade Católica de Louvain (UCL, Bélgica) e
antigo pesquisador pós-doutoral Figura (Université du Québec à Montréal). Atualmente está encarregado do Fundo Nacional de Pesquisa Científica Belga (F.R.S./FNRS) na UCL. Suas pesquisas estão voltadas à
teoria literária e à literatura contemporânea (séculos 20 e 21). É coautor, com Jean-Louis Dufays e Michel
Lisse, de um manual de teoria literária (Théorie de la littérature. Une introduction, Academia-Bruylant, 2009)
e publicou, com Pierre Piret, De mémoire et d’oubli : Marguerite Duras (Peter Lang, 2010). Dirige, na editora
Peter Lang, a coleção “Marguerite Duras”. É secretário-adjunto da Société Internationale Marguerite Duras
e é corredator de seu boletim.
Christophe Meurée est docteur en langues et lettres de l’Université catholique de Louvain (UCL, Belgique)
et ancien chercheur postdoctoral Figura (Université du Québec à Montréal). Il est actuellement chargé de
recherche du Fonds national de la recherche scientifique belge (F.R.S./FNRS) à l’UCL. Ses recherches portent
sur la théorie littéraire et la littérature contemporaine (XXe-XXIe siècles). Il a co-écrit, avec Jean-Louis Dufays
et Michel Lisse, un manuel de théorie littéraire (Théorie de la littérature. Une introduction, Academia-Bruylant,
2009) et a publié, avec Pierre Piret, De mémoire et d’oubli : Marguerite Duras (Peter Lang, 2010). Il dirige, chez
Peter Lang, la collection « Marguerite Duras ». Il est secrétaire adjoint de la Société internationale Marguerite Duras et est co-rédacteur de son Bulletin.
Marguerite Duras tratou o crime de tantas maneiras, que, numerosas, perpassam
por toda sua obra e ocupam uma parte essencial de seu imaginário. Pode-se distinguir
dois tipos de crimes: de um lado, o crime individual, do roubo ao assassinato, cometidos dentro do que a doxa chama de um acesso de loucura ou um ato de desespero; de
outro lado, o crime contra a humanidade perpetrado não por um indivíduo, mas por
um poder, uma ideologia. Este segundo tipo parece, aos olhos de Duras, convencional,
conformista, porque implica a submissão a uma crença partilhada, à ficção política que
produz a História, na qual a própria Duras acreditou durante algum tempo em que aderiu ao Partido Comunista Francês. É o tipo de crime que recai com todo o seu peso sobre
os destinos dos protagonistas de Hiroshima mon amour, como nas novelas de A Dor (escrita uma primeira vez no final da guerra, enquanto aguardava o retorno dos campos de
concentração, de seu marido, Robert Antelme, mas publicado somente em 1985).
Os que Marguerite Duras chama os “cães da história” são tanto os nazistas quanto
os comunistas, os que ousaram a shoah, os que ousaram Hiroshima, os que assassinaram Imre Nagy em 1958 (apontado como responsável da revolta de 1956), ou os que
mataram Pierre Goldman (meio irmão de Jean-Jacques, militante da extrema esquerda,
executado graças a um contrato pago por militantes de extrema direita) em 1979, os
que profanaram os túmulos de Carpentras:
Vejo que o poder, não importa qual, o do povo ou de uma facção, é sempre um episódio
nauseabundo da história do homem e do mundo. Em todos os casos, a tomada do poder é
usurpação do poder precedente. O termo de legalidade aplicado ao poder que passa a vigorar
deveria ser de natureza cômica. Creio que o poder da miséria é tão insano quanto o do dinheiro, quanto o da fé. […] Creio que a miséria que reivindica o direito de julgar e de punir, de
matar, seja em nome da justiça, da fé ou da força, se torna rigorosamente da mesma natureza
que o poder do dinheiro que ele acaba de derrubar. Que se ajusta a ele, o substitui. Que a execução dos ladrões afegãos em Teerã, em dezembro de 79, continua comparável às execuções
ordenadas pelo Xá, ou por Hitler, Stalin, Pinochet. Que cada um de nós, que cada povo, a todo
momento, tem do que produzir um Hitler, Stalin ou Pinochet (DURAS, 1996, p.137). 4
cercados de arame farpado, protegê-los, fazer do crime um programa político codificado e efe-
O crime que parece legítimo, na realidade não passa de um crime legitimado por
uma facção que, pelo acaso da História, exerce um peso maior sobre a realidade que
os outros, um peso de poder que ordena a doxa. O poder instaura assim, o que Duras
chama o “crime natural” (DURAS, 1984, p.355), e que ela denuncia como uma ilusão
perigosa. Nesse sentido, todo programa ideológico é decididamente nocivo, desde o
instante em que ele pense em lugar do indivíduo e não permita nenhuma dissidência.
tivo, decretar a abolição de uma raça como se decreta o sufrágio universal, dizer que existem
4
Violar túmulos, câmara de gás, queimar seis milhões de judeus, construir campos de extermínio
judeus demais, dizer gentilmente nos jornais que há judeus demais, é a mesma coisa (DURAS,
1993, p.33).3
3
Todos esses crimes, e muitos outros ainda, são cometidos em nome de uma ideologia, de uma divisão clara entre o bem e o mal, entre a razão e a desrazão. Eles constituem, antes de tudo, segundo Duras, a expressão de um poder.
“Violer les tombes, gazer, brûler six millions de Juifs, faire des camps d’extermination entourés de barbelés,
protéger ceux-là, faire du crime un programme politique codifié et effectif, décréter l’abolition d’une race
comme on décrète le suffrage universel, dire qu’il y a trop de Juifs, dire gentiment qu’il y en a trop dans les
journaux, c’est pareil”.
“Je vois que le pouvoir quel qu’il soit, celui du peuple ou d’une faction, est toujours un épisode nauséabond
de l’histoire de l’homme et du monde. Dans tous les cas la prise de pouvoir est usurpation du pouvoir
précédent. Le terme de légalité appliqué au pouvoir en place devrait être de nature comique. Je crois que le
pouvoir de la misère est aussi insane que celui de l’argent, que celui de la foi. […] Je crois que la misère qui
revendique le droit de juger et de punir, de tuer, que ce soit au nom de la justice, de la foi ou de la force devient rigoureusement de même nature que le pouvoir d’argent qu’elle vient de renverser. Qu’elle se réajuste
à lui, le remplace. Que l’exécution des voleurs afghans à Téhéran en décembre 79 continue celles ordonnées
par le Chah, celles ordonnées par Hitler, Staline, Pinochet. Qu’en chacun de nous, qu’en chaque peuple, à
tout moment, il y a de quoi faire Hitler, Staline, Pinochet”.
72
Duras coloca nessa categoria tanto os assassinos de Imre Nagy, na Hungria, quanto “o cortador de água” que veio cumprir ordem e assim põe fim à vida de uma família,
que se coloca sobre os trilhos de uma estrada de ferro, sob um trem. Mas ela evoca também o sistema penitenciário em seu conjunto, notadamente em sua longa “Entrevista
com um ‘espião’ sem remorso”, publicado em France-Observateur em 1957, cuja introdução se mostra significativa de modo particular, sob o ponto de vista ideológico e moral:
E a escritora prossegue, algumas linhas depois:
Digo ainda, que sonho com o assassinato de todos os chefes soviéticos sem exceção alguma.
E também, com o extermínio total do exército soviético de ocupação de Praga e de Kabul. Eu
solto os monstros que habitam em mim, respondo ao assassinato com o assassinato. Eu mato
com felicidade. […] A diferença entre os nazistas, os stalinistas e eu é que eles não sabem que
são portadores de crime e que eu conheço isso em mim. A diferença não é no sonho ou fora
Para lembrar a esse mundo do qual não se fala nunca, ou de uma maneira lendária, esse mun-
dele, ela está entre os que veem e os que não veem que o mundo inteiro está em cada um
do que não para jamais, o mundo penitenciário, sombra de nosso próprio mundo, pareceu-me
dos homens que o compõem e que cada um desses homens que o compõem é um criminoso
que não poderia deixar de ignorar algumas afirmações, algumas respostas que me fez um ex-
virtual (DURAS, 1984, p.354-5).7
-detento sobre a detenção. Mesmo se essas afirmações, essas respostas, firam alguns leitores
em suas crenças ou suas convicções morais, políticas, religiosas, pensei que esse tipo de ferida
fosse de natureza passageira e suportável face às feridas que, em nome de suas crenças e convicções, se infligem a certos homens (DURAS, 1984, p.151).5
Ao contrário, outro tipo de crime se apresenta como o inverso do crime ideológico e entra em ressonância com a atividade da escritora.6 Em um texto não datado,
intitulado “Le rêve heureux du crime” (“O sonho feliz do crime”), Duras opõe o massacre e
os sistemas de tipo totalitário ao seu próprio desejo de vingança, que a visita em sonho
e que ela assume como uma verdade a ser revelada a todos:
Eu me lembro de um sonho que tinha frequentemente durante a guerra. Era um sonho horrível. Eu sonhava com o extermínio da Alemanha. […] Este sonho era muito violento, aterrorizante e embriagador. Eu o reconheço ainda como um sonho criador. Eu criava a destruição do
paraíso nazista – sim, tratava-se da destruição de uma entidade edênica – eu fazia o deserto.
Resumindo, eu me comportava como Deus teria feito. Eu punia sem discriminação tanto o
É precisamente nessa virtualidade, que Duras situa seu papel de escritora: não
somente em uma consciência específica que escapa aos criminosos institucionais, mas,
sobretudo, na expressão que ela transfere para o poder da literatura, único poder que
não reclama nenhuma prerrogativa, o que Maurice Blanchot chamava de poder sem
poder. O poder poético, literalmente o poder da criação, o poder demiúrgico de Deus
que, em Duras, é apenas uma palavra para designar o que não pode ser de outra maneira, e não algum pretexto espiritual para assentar um poder temporal. Para abordar esse
aspecto redentor da literatura, que parece concentrar a maior parte do imaginário do
crime durassiano, vou me ater, sobretudo, ao artigo que Duras consagrou em 1986, ao
que a imprensa francesa chamou de “caso Villemin”, exemplar dessa categoria de crime
que se opõe à mentira do crime ideológico, a verdade da essência criminosa do homem
e que, para Duras, se assemelha ao exercício mesmo da literatura.
Durante toda sua carreira, Duras criou um personagem, uma postura de escritora que lhe valeu muito desprezo. Um laivo de brilho de ordem jornalística intervém
em 1986, dois anos após a dupla consagração pública que representam a atribuição
inocente quanto o culpado, a terra alemã quanto à natureza, a árvore quanto ao homem. De
algum modo eu fazia o destino.
“Pour rappeler ce monde dont on ne parle jamais ou d’une manière légendaire, ce monde qui ne cesse
jamais, le monde pénitentiaire, ombre portée de notre monde, il m’a semblé que je ne pouvais pas laisser
ignorer quelques-uns des propos, quelques-unes des réponses que m’a faites un ex-détenu de droit commun, sur sa détention. Même si ces propos, ces réponses, blessent certains lecteurs dans leurs croyances ou
leurs convictions morales, politiques, religieuses, j’ai pensé que ce genre de blessure-là était d’une nature
passagère et supportable au regard des blessures qu’au nom de ces croyances et convictions on inflige à
certains hommes”.
6
Se meu propósito se concentrar principalmente no lado imaginário da problemática, permito-me remeter a
um artigo que explorou uma parte do lado ético: PROULX, 2010, p.157-78.
5
7
“Je me souviens d’un rêve que je faisais souvent pendant la guerre. C’était un rêve heureux. Je rêvais de
l’extermination de l’Allemagne. […] Ce rêve était très violent, terrifiant et enivrant. Je le reconnais encore
comme un rêve créateur. Je créais la destruction de l’éden nazi – oui, il s’agissait bien de la destruction d’une
entité édénique – je faisais le désert. En somme je me comportais comme Dieu l’eût fait. Je punissais sans
discrimination et l’innocent et le coupable, la terre allemande comme son natif, l’arbre comme l’homme.
En quelque sorte je faisais le destin.[...] Je dis encore que je rêve du meurtre de tous les chefs soviétiques
sans exception aucune. Et de même, de l’extermination totale de l’armée d’occupation soviétique de Prague et de Kaboul. Je lâche les monstres qui m’habitent, je réponds au meurtre par le meurtre. Je tue dans le
bonheur. […] La différence entre les nazis, les staliniens, et moi, c’est qu’eux ne savent pas être porteurs de
crime et que moi je le sais de moi. La différence n’est pas dans le rêve ou non, elle est entre ceux qui voient
et ceux qui ne voient pas que le monde entier est en chacun des hommes qui le composent et que chacun
de ces hommes qui le composent est un criminel virtuel”.
do prêmio Goncourt e o sucesso inesperado de L’Amant, que a afasta mesmo de uma
parte de seu fiéis leitores, como de uma parte daqueles recentemente conquistados, e
vem, até o final de sua vida, suscitar as zombarias, manchar sua reputação e sua credibilidade: o artigo publicado com o título, escolhido pelo Libération, “Sublime, forcément
sublime Christine V.”, no qual ela afirma a culpa de Christine Villemin em relação ao assassinato de seu filho Grégory (sabe-se hoje que ela era inocente, embora o assassino não
tenha sido jamais descoberto, a despeito dos progressos científicos que tenham feito
aguardar o desenlace desse sórdido caso).
Lembremos brevemente os fatos que comoveram a França durante muitos anos.
Em 16 de outubro de 1984, o corpo de um menino de quatro anos, Grégory Villemin,
foi encontrado na Vologne, pés e punhos atados, afogado. Um chamado anônimo tinha
avisado os pais, Jean-Marie e Christine Villemin, algumas horas antes. Esse chamado
tinha sido feito por alguém que perseguira o casal durante quatro anos e tinha ameaçado matar o pequeno Grégory. Essa pessoa liga novamente, no dia seguinte à descoberta do corpo, reivindicando o crime como uma justa vingança. Uma adolescente acusa
rapidamente seu cunhado, Bernard Laroche, primo de Jean-Marie Villemin, para retratar-se em seguida. Laroche é preso, depois solto em 1985. Jean-Marie Villemin mata-o
então, com um tiro de espingarda, arma comprada por sua mulher, Christine. Alguns
meses mais tarde, a investigação dirige-se a esta última, tornando-a suspeita de ser o
próprio anônimo e também uma mãe infanticida. É neste momento exato que Duras
escreve seu artigo, em continuação a meses e meses de especulações pela imprensa de
todos os lados. Até agora, o crime não foi deslindado e Christine Villemin foi solta por
falta de provas, em 1993.
Há coisas que um público, além dos fanáticos de primeira hora, não perdoa. Com
seu artigo, Duras alienou-se de uma boa parte da opinião francesa e mesmo estrangeira. As principais reclamações dirigidas à escritora são a obscenidade e a superficialidade no tratamento do caso. Ora, Duras não trabalhou de maneira diferente no caso
Villemin do que o fez em outros casos aos quais ela emprestou sua atenção e sua pena:
o suicídio de André Berthaud (acusado de pedofilia) em seu artigo-entrevista “Nadine
d’Orange”, Simone Deschamps, assassina de seu amante, o doutor Évenou em “Horreur
à Choisy-le-Roi”, a condenação à morte de dois malfeitores em “‘Poubelle’ et ‘La Planche’
vont mourir”, (“‘Lixo’ e ‘Tábua’ vão morrer”) etc. Duras não está, pois, no âmbito das tentativas. Desde o início de sua atividade jornalística, ela se debruça sobre casos do quotidiano, policiais, de crimes ou de heroísmo, tomando partido ostensivamente; seus
8
8
No original “faits divers” : “les événements du jour – ayant traits aux accidents, délits, crimes” (“acontecimentos do dia – com traços de acidentes, delitos, crimes”) cf. REY-DEBOVE, REY, 1993, p.773. Daqui em diante,
restringiremos a “casos policiais”.
73
artigos defendem os simples, os condenados da existência, os que não têm voz nem
educação para escapar a um destino funesto: “Um ser, e ainda por cima humano, cujo
senso discursivo é nulo, cuja argumentação não ultrapassa o estágio da função alimentar, é insignificante, goza de uma humanidade derrisória” (DURAS, 1986, p.139).9
Para muitos, entretanto, Duras parece ter condenado Christine Villemin com autoridade, elevando-a ao esplendor trágico de uma Medeia moderna, e sem jamais tê-la
encontrado, conforme anuncia já no início de seu texto: “Eu jamais verei Christine V.”
(DURAS, 2005, p.69).10 Nesse aspecto, o artigo “Sublime, forcément sublime” é característico da relação que Duras estabelece com o tipo de crime porque se inscreve sob
o signo da verdade, e nos ensina, decididamente, alguma coisa de importante sobre
os poderes da ficção. De início, Duras subverte o esperado que corresponde ao que o
leitor, acostumado aos grandes jornais, possa querer encontrar, isto é, a narrativa mais
objetiva possível dos fatos e/ou uma análise razoável. Alguma coisa acontece nesse
artigo que difere dos textos jornalísticos anteriores e que se revela, entretanto, exemplar de toda a produção da escritora para a imprensa. Ainda mais que ele interfere no
momento em que sua recepção constrange a autora a adaptar a postura que tinha até
então, depois de receber o Prêmio Goncourt por L’Amant.
Duras criticava Sartre, chantre do engajamento, de não ser um escritor (PIVOT,
2004). E compreende-se o peso dessa afirmação no mínimo peremptória, quando se
vê a maneira com que Duras concebe o empenho do escritor, preocupado primeiro
em fazer ressoar uma tensão trágica que só é capaz de desvendar o que não tem nome
e imerge no silêncio imposto pela razão. O “enquadramento da realidade” (LOIGNON,
2005, p.203), a dimensão narrativa (e/ou cinematográfica) que Duras confere ao relato
do caso policial pode somente levar à dimensão ideológica da profissão de escritor.
Esse “enquadramento” narrativo ultrapassa, entretanto, o “quadro” da razão e da ideologia dominante, suscetível de engendrar o crime fundado sobre a mentira: “Então, sem
dúvida, vai-se procurar ainda, tentar encontrar nesse crime motivações correntes, tentar ‘enquadrá-lo’ de forma a satisfazer nossa razão que, fora das categorias do crime, não
se sente à vontade” (DURAS, 1984, p.141).11
Duras baseia-se verdadeiramente no real, como a maior parte dos comentadores
têm tendência a acreditar, ou ela trabalha uma forma de apreensão mais impalpável?
“Un être, et humain par-dessus le marché, dont le sens discursif est nul, dont l’argumentation ne dépasse pas
le stade de la fonction alimentaire, est négligeable, jouit d’une humanité dérisoire”.
10
“Moi, je ne verrai jamais Chrtistine V.”
11
“Alors, sans doute va-t-on chercher encore, essayer de trouver à ce crime des mobiles courants, essayer de
le “cadrer” selon la plus grande satisfaction de notre raison qui, en dehors des catégories du crime, se sent
mal à l’aise” (“Horreur à Choisy-le-Roi”).
9
Como nos adverte Anne Cousseau, “a narrativa do fato criminal interessa pouco a Duras: o que lhe importa, é um estilhaço da história que interroga a ideia de humanidade”
(COUSSEAU, 2001, p.304).12 Convém então interrogar sobre a maneira que Duras concebe sua atividade de jornalista.
– Por que o caso policial?
sua atividade jornalística e se estende largamente sobre o aspecto de trabalho por encomenda, motivado por razões pecuniárias. Entretanto, a isso acrescenta-se a expressão de
um desejo pessoal, a inclusão do leitor enquanto interlocutor direto nos discursos e uma
crítica sócio-histórica, na qual a descrição é perturbadora, porque implica um verdadeiro engajamento moral, que se choca, de modo singular, com o interesse estritamente
financeiro. A justificativa do jornalismo torna-se, nesse momento, francamente ambígua.
– Cada vez, é a mesma coisa, há algo de irresistível nisso.
– E no caso Villemin ?
De tempos em tempos, eu escrevia para o exterior, quando o exterior me submergia, quando
– É um artigo de encomenda.
havia coisas que me deixavam louca, fora, na rua – ou que eu não tinha nada melhor a fazer.
– Por que, mesmo sendo um artigo de encomenda, por que Villemin?
[…] As razões ainda por que eu escrevo, escrevo nos jornais, provêm também do mesmo mo-
– Porque isso diz respeito a todo o mundo, eu não sei, tem qualquer coisa de público. […] Um
vimento irresistível que me levou para a resistência francesa ou argelina, antigovernamental
fato acontece assim, ele é contado no dia seguinte no jornal. Como ele é contado? Quero dizer,
ou antimilitarista, antieleitoral, etc., e também que me levou, como a vocês, como a todos para
essas coisas que são oferecidas ao público para interessá-lo, para diverti-lo em suma. […] Es-
a tentação de denunciar o intolerável de uma injustiça, de qualquer ordem, não importa qual,
crever sobre um caso policial, é uma maneira de revolta! Eu pergunto o inverso: Como se pode
sofrida por um povo inteiro ou por um único indivíduo, e que me levou ainda ao amor quando
não escrever sobre um caso policial dessa ordem? Como fazer? E para engolir isso?
se torna louco, quando deixa de lado a prudência e que se perde […], no crime, a desonra, a
– No caso Villemin, tinha-se a impressão de que você estava na intimidade dos Villemin…
indignidade e quando a imbecilidade judiciária e a sociedade se permitem julgar – isso, a na-
– É paixão, isso! Fiquei imediatamente apaixonada. Pode-se ter um sentimento de horror ab-
tureza, como eles julgariam a tempestade, o fogo (DURAS, 1984, p.7-8).14
soluto e estar apaixonada (PERROT, ap.VALLIER, 2010, p.863).13
– C’est un article de commande.
Maneira de esclarecer ao leitor que ele não vai simplesmente poder aceder a uma
atividade paralela à atividade literária pelo interesse documental que ela possa representar, mas que ele vai assistir, ao longo de sua leitura, ao conjunto dos embates realizados por Duras paralelamente à – assim como no quadro de – sua carreira de escritora.
Certamente, sem dúvida, ela não pensou nisso cada vez que pegava a caneta por razões de sobrevivência, nos anos 1950 e 1960, mas é fato que em 1980, ela decide apresentar as coisas sob esse ângulo. A objetividade do jornalismo se resume – em última
análise – a uma exposição da tensão experimentada pelo escritor em relação aos acontecimentos históricos, sociais ou políticos. Mas essa tensão é – Duras o diz e repete – de
ordem passional. Uma paixão subjetiva, ostensivamente assumida, que, porém, tende
irresistivelmente para o coletivo.
– Pourquoi, même si c’est un article de commande, pourquoi Villemin ?
14
Nesse fragmento de entrevista, poder-se-ia acreditar que Duras dá pão e circo a
seu público. Mas seu objetivo revela-se, em última análise, radicalmente oposto. No texto liminar de Outside, cuja ambição moral destaquei acima, ela enumera as causas de
“le récit du fait criminel intéresse peu Duras : ce qui l’attache, c’est un éclat de l’histoire qui interroge l’idée
d’humanité”.
13
“– Pourquoi le fait divers ?
12
– Chaque fois, c’est pareil, ça a quelque chose d’irrésistible.
– Et dans l’affaire Villemin ?
– Parce que ça concerne tout le monde, je ne sais pas, il y a quelque chose de public là. […] Un fait arrive
comme ça, il est relaté le lendemain par le journal. Comment est-il relaté ? Je veux dire, ces choses qui sont
offertes au public pour l’intéresser, pour l’amuser en somme. […] Écrire sur un fait divers, c’est une manière
de révolte ! Je vous demande l’inverse : Comment peut-on ne pas écrire sur un fait divers de cet ordre ?
Comment faire ? Pour avaler ça.
– Dans l’affaire Villemin, on avait l’impression que vous étiez dans l’intimité des Villemin…
– C’est la passion, ça ! Ça m’a immédiatement passionnée. On peut être dans un sentiment d’horreur absolu
et être passionnée”.
“De temps en temps j’écrivais pour le dehors, quand le dehors me submergeait, quand il y avait de choses
qui me rendaient folle, outside, dans la rue – ou que je n’avais rien de mieux à faire. […] Les raisons encore
pourquoi j’ai écrit, j’écris dans les journaux relèvent aussi du même mouvement irrésistible qui m’a portée
vers la résistance française ou algérienne, anti-gouvernementale ou anti-militariste, anti-électorale, etc., et
aussi qui m’a portée, comme vous, comme tous vers la tentation de dénoncer l’intolérable d’une injustice
de quelque ordre qu’elle soit, subie par un peuple tout entier ou par un seul individu, et qui m’a portée aussi
encore vers l’amour quand il devient fou, quand il quitte la prudence et qu’il se perd […], vers le crime, le
déshonneur, l’indignité et quand l’imbécillité judiciaire et la société se permettent de juger – de ça, de la
nature, comme ils jugeraient l’orage, le feu”.
74
“Eis um assassinato”, escrevia Roland Barthes, “se é político, é uma informação, se
não, é um caso policial”. Este se encontra, pois, colocado no registro do “refugo desorganizado dos novos informes” (BARTHES, 1964, p.194).15 Entretanto a semiologia sublinha que é a sua estrutura que lhe confere sua especificidade. Revela-se, com efeito,
como um todo constituído, desprovido de contexto ou de implícito. Desde o instante
em que se lê o texto de Duras sobre Christine Villemin, sobre “Les fleurs de l’Algérien” (“As
flores do argelino”) sobre “Nadine d’Orange”, sobre “Le coupeur d’eau” (“O cortador de
água”), reconhecem-se marcas evidentes do implícito. O leitor, por um pacto assinado
imediatamente após a subversão do pacto jornalístico, é forçado a preencher, de modo
voluntário, as lacunas deixadas no texto. Nessa narrativa, o jornalista “veda febrilmente
a brecha causal”, segundo os termos de Barthes (BARTHES, 1964, p.198),16 para reduzir
o mistério inicial até a decepção. A regra é a seguinte: “pequenas causas, grandes efeitos” (BARTHES, 1964, p.199).17 Na estrutura durassiana do caso policial, constata-se o
movimento inverso: o escritor transforma as possíveis causas em mistérios, animando
o conjunto da humanidade desde suas origens.
como uma jornalista, mas formando o próprio informe da moral humana. Dizendo de
outro modo, a autora não informa nada ao leitor – somente de maneira decididamente
subjetiva – não que ela não lhe dê uma forma; ela dá forma ao que não tem forma, isto
é, ao irresoluto da moral ou, como dir-se-ia hoje, à ética.
Examinando bem, “Sublime forcément sublime” parece desprender-se dos textos
dos anos 1950 e 1960. Os mesmos procedimentos aí estão. Assim, ela o trata de maneira inteiramente literária. A língua, suas expressões, suas metáforas e suas repetições
afastam-se do esperado informativo do caso policial. Além disso, do ponto de vista da
poética, “Sublime” usa as mesmas técnicas “de roteiro” que textos inequivocamente ficcionais como La Maladie de la mort (Doença da morte) ou L’Homme assis dans le couloir
(O homem sentado no corredor). Assim, o emprego contínuo do condicional, que teria
podido (e talvez devesse) evitar os ruídos de certos leitores que criticaram Duras por
condenar Christine Villemin, a despeito de toda presunção de inocência ou que, ao contrário, a acusaram de defender uma infanticida. A escritora conta não um conjunto de
fatos, mas um leque de visões e de crenças. Ou antes, ela ressalta, por fórmulas de litanias a rejeição do factual:
A repetição leva sempre, de fato, a imaginar uma causa desconhecida, tanto isso é verdade
que, na consciência popular, o aleatório é sempre distributivo, jamais repetitivo: o acaso serve
É o que acredito. É além da razão. […]
para variar os acontecimentos; se ele os repete, é que ele quer significar algo através deles: re-
É o que eu vejo. É além da razão. (DURAS, 2005, p.69)
petir é significar, essa crença está na origem de todos os antigos mantras […] (BARTHES, 1964,
Eu vejo […]
p.200).18
Eu acho que vejo (DURAS, 2005, p.70), etc.20
Barthes atribui o aspecto sensacional do caso policial à “relação de coincidência”
(1964). Ora, em Duras, a coincidência leva consigo uma carga trágica que desenha os
contornos de sua visão da História maiúscula, como bem destacou Sylvie Loignon: “as
injustiças não são senão eterno recomeço, para todos os tempos, todos os carismas, todas as resistências” (LOIGNON, 2010, p.196-7). Duras informa o caso policial em si, não
19
“Voici un assassinat, écrivait Roland Barthes : s’il est politique, c’est une information, s’il ne l’est pas, c’est un
fait divers [...] rebut inorganisé des nouvelles informes”.
16
“colmate fébrilement la brèche causale”
17
“petites causes, grands effets”
18
“La répétition engage toujours, en effet, à imaginer une cause inconnue, tant il est vrai que dans la conscience populaire, l’aléatoire est toujours distributif, jamais répétitif : le hasard est censé varier les événements ;
s’il les répète, c’est qu’il veut signifier quelque chose à travers eux : répéter, c’est signifier, cette croyance est
à l’origine de toutes les anciennes mantiques […]”.
19
“les injustices ne sont qu’éternel recommencement, pour tous les temps, tous les carêmes, toutes les résistances”. Por outro lado, eu estaria tentado a não concordar com Sylvie Loignon quando ela usa estritamente
a definição do fait divers tal qual foi exposta por Barthes, assim como indiquei acima.
15
E quando Duras o reduziu por ter que pintar outra coisa, diferente de sua própria
percepção subjetiva, ela recorre a uma oposição clara entre o ficcional e o factual: “Dizem. Não é certeza. Pode-se imaginar a coisa no seu princípio. No fato, não se pode, é
rigorosamente impossível” (DURAS, 2005, p.71).21 Tem lugar, então, uma reviravolta em
relação ao bom senso racional, nisto que a romancista situa o irreal ao lado do factual e
o tangível ao lado do imaginário.
É de fato uma narrativa inteiramente literária que consideramos. Basta observar,
para começar, que o nome de Villemin foi apagado para dar lugar a uma nomeação matricular, característica das personagens durassianas: Christine V. soa como Lol V. Stein
20
“C’est ce que je crois. C’est au-delà de la raison. […]
C’est ce que je vois. C’est au-delà de la raison.”
“Je vois […]
Je crois voir”
21
“On le dit. Ce n’est pas sûr. On peut imaginer la chose dans son principe. Dans son fait, on ne peut pas, c’est
rigoureusement impossible.”
ou como Emily L. Da mesma forma, em outros textos considerados factuais, é uma perífrase que nomeia o personagem, fazendo a “mãe” do “Cortador de água” semelhante
à “mãe” de Uma barragem contra o Pacífico. Em outro texto, os criminosos Poubelle e La
Planche são nomeados apenas uma só vez por seus reais patronímicos (DURAS, 1984,
p.146).22 Os indivíduos que pertencem à atualidade factual se movem progressivamente como personagens durassianos típicos pelo viés da sacralização das denominações
e da mitificação de suas ações. Eles se tornam, assim, exemplos não de uma categoria
da população (pessoas sem educação que acabam na guilhotina, por exemplo), mas
de uma categoria que atravessa o tempo: Christine V. representa todas as Medeias que
marcaram a história do mundo e, portanto, todas as mulheres. A saber, personagens
que se caracterizam pelo silêncio que elas opõem ao mundo da razão, à ideologia dominante, profundamente castradora. Já no texto intitulado “Horreur à Choisy-le-Roi”, a
propósito do processo de Simone Deschamps: “Eu não sabia que a tal ponto, se cortava a palavra aos acusados. Eles não podem falar se não são interrogados. E quando se
levantam para falar, não se deixa tempo para que falem. […] Desculpem-me por não
estar habituada à corte. Mas é assombroso.” (DURAS, 1984, p.148).23
Aí precisamente situa-se o papel do escritor e aí ele encontra uma “função” no seio
do espaço social. “O homem que colocou suas mãos sobre as paredes de granito da
gruta de El Castillo, assim como o homem do Bronx que escreveu seu nome e seu endereço nas paredes e nos metrôs, não sabem gritar, chamar. Eu estou aí para isso, para
saber. É ainda essa função que eu me dou” (DURAS, 1996, p.18).24 O escritor vem, pois,
substituir-se à justiça dos homens que se revela incapaz de dar conta de certas verdades, de certos chamados silenciosos. “Ela a designou, pois, como a assassina oficial da
criança. Tudo se passa como se não fosse serviço da justiça distribuir os papéis neste
caso, inclusive o do assassino” (DURAS, 2005, p.72).25
No imaginário de Duras, essas personagens vindas de uma realidade criminal são,
antes de tudo, vítimas da injustiça da razão que as condena.
“À cette relative sortie de l’anonymat répond symétriquement une défiguration des organes du pouvoir ou
de la justice. Nulle nomination en ce cas, nulle individualisation. Duras généralise en bonne moraliste. “Que
veulent donc ces messieurs ? Je parle de ceux de l’appareil judiciaire.”
23
“Je ne savais pas que l’on coupait à ce point la parole aux accusés. Ils ne peuvent parler qu’interrogés. Et
dès qu’ils se lèvent pour parler, on ne leur laisse pas le temps de le faire. […] Je m’excuse de n’avoir pas
l’habitude des assises. Mais c’est ahurissant.”
24
“L’homme qui a posé ses mains sur les parois de granit de la grotte de El Castillo, de même que l’homme du
Bronx qui écrit son nom et son adresse sur les murs et les métros, ne savent pas crier, appeler. Je suis là pour
ça, pour le savoir, moi. C’est encore cette fonction que je m’accorde.”
25
“Elle l’a ainsi désigné comme l’assassin officiel de l’enfant. Tout se passe comme si ce n’était pas à la justice
de distribuer les rôles dans cette affaire, y compris celui de l’assassin.”
22
75
A justiça parece insuficiente, distante, inútil mesmo, ela se torna supérflua no momento em
Desculpe-me, mas pessoalmente, eu jamais ouvi falar para não dizer nada. Por outro lado, eu
que é aplicada. Por que aplicá-la? Ela esconde. Mais que o segredo, ela esconde. Esconde o
ouvi nada dizer para dizer. Eu jamais disse que algumas pessoas deveriam fechar [a boca] antes
horizonte do crime e, digamos a palavra, seu espírito. O movimento da inteligência desfaz a
de abrir, eu teria muito medo: como fechar o que na maior parte do tempo está já fechado?
ordem judiciária (DURAS, 2005, p.73).26
Não se dizem coisas assim, vale mais dizer disparates como eu faço, não é preciso dar lição
de moral. Não é bonito, não está bem, e então é preciso continuar a me ler a qualquer preço
Assim, outro infanticídio foi convocado em um texto posterior a “Sublime”. Trata-se de uma mãe que conduziu seus filhos para os trilhos de um trem porque um empregado da distribuição de água completou seu trabalho sem se preocupar. “O cortador
de água” conta esse último dia de uma família pobre que não podia pagar suas contas
e que, sem uma palavra, renunciou à vida.
Lá, eu restabeleço o silêncio da história, entre o momento do corte de água e o momento em
que ela volta do café. Isto é, eu restabeleço a literatura com seu silêncio profundo. É o que me
faz avançar; é o que me faz penetrar na história, sem isso, eu fico fora. […] Se esta mulher se
explicasse, não teria me interessado. Christine Villemin, que não é capaz de alinhar duas frases, me apaixona, porque essa mulher também tem: a violência insondável. Há uma conduta
instintiva que se pode tentar explorar, que se pode transformar em silêncio (DURAS, 1987,
27
p.117-8).
O papel devolvido à literatura, pela autora de L’Amant, consiste em preencher um
silêncio, um segredo, um esquecimento, em sondar o que não é dito, o que não foi
registrado pela operação mediática. O princípio será bem similar nas reações da escritora quando da controvertida recepção de seu artigo sobre o assassinato do pequeno
Grégory. Na correspondência de um leitor que lhe lembra a célebre frase de Pierre Dac:
“Falar para não dizer nada e nada dizer para falar são os dois princípios maiores dos que
fariam melhor fechando a boca antes de abrir”,28 Duras responde:
(SAEMMER, 2006, p.33).29
Nessa intimidade absoluta do segredo, do esquecimento ou do silêncio, Duras
sobrepõe sua própria intimidade. É a razão pela qual ela insiste sobre a parcialidade
feminina que adota em seu trabalho do caso policial, mas sem dúvida alguma, é por
isso que a maioria das protagonistas de seus artigos são mulheres. Nos anos 1970, Duras tinha confessado seu amor sem limites por La Sorcière de Michelet, que claramente
formou seu imaginário. As bruxas são as mulheres abandonadas por seus esposos que
partiram nas cruzadas, que na sua solidão redescobriram uma via de comunicação com
a natureza falando com as árvores e plantas. Esse uso da língua, completamente oposto a seu emprego racional e pragmático, amedrontou os homens que as queimaram
por bruxaria. Duras se apoia nesta narrativa para daí extrair o emblema de sua própria
relação com a literatura e com a sociedade. “Ela está totalmente na solidão, lá onde estão ainda as mulheres do fundo da terra, da escuridão, a fim de que fiquem tais como
estavam antes, relegadas na materialidade da matéria. Christine V. é sublime. Forçosamente sublime” (DURAS, 2005, p.73).30 Estas últimas frases, que deram o título ao artigo,
trazem de volta Christine V. ao seio da corte das mulheres bruxas, queimadas por não
terem sido nem compreendidas nem ouvidas. Só a escrita pode atingir o silêncio e pretende alcançar uma certa verdade. “Escrever é estar lá, no centro mesmo do mistério, da
criação, e não saber absolutamente por que se está aí e não em outro lugar, em razão
de quê, de qual escolha, de uma vocação que não se sentiu” (VALLIER, 2010, p.892).31
“Excusez-moi mais personnellement je n’ai jamais entendu parler pour ne rien dire. Par contre j’ai entendu
ne rien dire pour dire. Je n’ai jamais dit non plus que certaines gens devraient la fermer avant de l’ouvrir,
j’aurais eu trop peur : comment fermer ce qui la plupart du temps est déjà fermé ? Faut pas dire les choses
comme ça, vaut mieux dérailler comme je le fais, faut pas faire la morale. C’est pas beau, c’est pas bien puis
il faut continuer à me lire absolument” (Libération, n°1299, 23 juillet 1985, p.33, cit. por Alexandra Saemmer). “Je n’aime pas les dociles aveugles femmes”. Cartas de leitores a partir de “Sublime, forcément sublime
Christine V.””. (COUSSEAU, DENÈS, 2006, p.155, nota 32. A citação de Pierre Dac foi utilizada por duas leitoras
que reagiram no Libération, n°1297, 20-21 juillet 1985, p.32).
30
“Elle est encore seule dans la solitude, là où sont encore les femmes du fond de la terre, du noir, afin qu’elles
restent telles qu’elles étaient avant, reléguées dans la matérialité de la matière. Christine V. est sublime.
Forcément sublime.”
31
“Écrire, c’est être là, au cœur même du mystère, de la création, et ne savoir pas du tout pourquoi c’est soi
29
“La justice paraît insuffisante, lointaine, inutile même, elle devient superfétatoire du moment qu’elle est
rendue. Pourquoi la rendre ? Elle cache. Plus que le secret, elle cache. Elle cache l’horizon du crime et, disons
le mot, son esprit. Le mouvement de l’intelligence défait l’ordre judiciaire” (Id., Ib., p.73).
27
“Là, je rétablis le silence de l’histoire, entre le moment de la coupure de l’eau et le moment où elle est revenue du café. C’est-à-dire que je rétablis la littérature avec son silence profond. C’est ce qui me fait avancer ;
c’est ce qui me fait // pénétrer dans l’histoire, sans ça, je reste au-dehors. […] Si cette femme s’était expliquée, ça ne m’aurait pas intéressée. Christine Villemin qui n’est pas capable d’aligner deux phrases, elle me
passionne, parce qu’elle a ce que cette femme a aussi : la violence insondable. Il y a une conduite instinctive
qu’on peut essayer d’explorer, qu’on peut rendre au silence.”
28
“Parler pour ne rien dire et ne rien dire pour parler sont les deux principes majeurs de ceux qui feraient
mieux de la fermer avant de l’ouvrir.”
26
Em consequência, qualquer que seja o crime cometido, Duras visa sempre a trazer
um esclarecimento da mesma ordem que o de Michelet a propósito da bruxa. A maioria
dos seus artigos que trata de casos policiais fala dessa oposição entre a linguagem da
razão e uma linguagem que lhe escapa.
“A criança foi inegavelmente morta por um ser humano. É preciso, pois, que haja
um assassino. O assassinato da criança por sua mãe, eu não sei nomear, não sei nomear
esse crime, mas o desse homem inocente, eu sei nomear. Fizeram isso por ela. Mataram o homem” (DURAS, 2005, p.72).32 O escritor deve, pois, por vezes renunciar ante a
amplitude da pobreza da linguagem racional que não contém os termos necessários
à expressão da verdade do silêncio. O escritor deve aceitar a ignorância do papel que
deve desempenhar, por mais essencial que seja (DURAS, 1987, p.40),33 o que nos leva
ao modo como Duras compreendeu o aviso que lhe fizera Lacan nos anos 1960. Em um
projeto de resposta às críticas virulentas que lhe dirigiram de todos os lados, ela escreve:
[As pessoas] diziam: E essa pobre criança, você nem liga, não é? Você não diz uma palavra?
Estamos aí. Estamos no centro da loucura. Essa linguagem que consiste em prantear Grégory
para melhor punir o crime nos faz aceder às zonas irrespiráveis da humanidade. Atroz. À sociedade sanguinária e punitiva. A que chora o pequeno Grégory e que quer elevar o crime ao
mito, isto é, apagar todos os traços que levam a esse crime. […] Se Christine Villemin tivesse
sido capaz de falar, eu não teria feito este artigo. E não é uma reportagem, literatura, tampouco
é uma narrativa, é uma transgressão de si em direção ao outro, uma tomada do outro, até o
seu crime, nu, inteiro, não desfigurado pela moral. Ante o crime, somos todos iguais, ou antes,
estamos todos mergulhados na infância da humanidade (VALLIER, 2010, p.868-9).34
qui est là plutôt qu’un autre, en raison de quoi, de quel choix, d’une vocation qu’on n’a pas sentie”. (“Au-delà
des pages”).
32
“L’enfant a été indéniablement tué par un être humain. Il faut donc qu’il y ait un assassin. La mise à mort de
l’enfant par sa mère, je ne sais pas son nom, je ne sais pas appeler ce crime, mais celui de cet homme innocent, je sais l’appeler. On l’a fait pour elle. On a tué l’homme.”
33
“Il y a aussi des choses qui restent ignorées de l’auteur lui-même.”
34
“[Les gens] disaient : Et ce pauvre enfant, vous vous en foutez, n’est-ce pas ? Vous n’en dites pas un mot.
Voilà nous y sommes. Nous sommes au cœur de la bêtise. Ce langage-là qui consiste à pleurer Grégory
pour mieux punir le crime nous fait accéder aux zones irrespirables de l’humanité. Atroce. À la société
sanguinaire et punitive. Celle qui pleure le petit Grégory et qui veut hisser le crime jusqu’au mythe, c’est-à-dire effacer toutes les traces qui mènent à ce crime. […] Si Christine Villemin avait été capable de parler, je
n’aurais pas fait cet article. Ce n’est pas un reportage, la littérature, ce n’est pas un récit non plus, c’est une
transgression de soi vers l’autre, une prise en charge de l’autre, jusqu’à son crime, nu, entier, pas défiguré
par la morale. Devant le crime nous sommes tous égaux, ou plutôt, nous sommes tous replongés dans
l’enfance de l’humanité.”
76
Há uma posição de Duras neste caso? Sim, sem dúvida: a do ponto de fuga que
oferece toda literatura, todo mito, toda dinâmica do imaginário. Sua natureza do ponto de fuga permite-lhe conjugar o incompossível do político e do íntimo ao horizonte
onde toda visão, onde toda categoria se torna indistinta, lá onde se encontra a “verdade
das trevas” (DURAS, 1984, p.144, nota 1). A infiltração de técnicas literárias no tratamento do caso policial provoca o estilhaçamento dos quadros da razão e permite emergir essa “verdade das trevas”. A verdadeira “injustiça” se delineia, aos olhos da escritora,
“quando um criminoso […] não chega sequer a dizer-nos o que [ele] sabe [de si mesmo]” (DURAS, 1984, p.149).
Duras pratica a assunção da escrita singular que reúne em sua heterogeneidade
os acontecimentos da existência individual, da literatura e do mundo exterior, do “outside” que a solicita por sua violência e que ela explora pelo viés do jornalismo durante uns
quarenta anos. Ela persegue a “desordem do acontecimento em curso”, tal como passa
na televisão ou como tem lugar na História, até a obtenção de uma “verdade provável”,
com o risco de passar pela invenção ou a ficção. Porque ficção e invenção participam
plenamente de toda relação do acontecimento, nem que seja somente pela expressão
involuntária da subjetividade do relator. É igualmente essa subjetividade que orquestra
os julgamentos morais que pesam sobre um acontecimento. Daí a esquerdização plenamente assumida da função jornalística: “O jornalismo não provém da literatura senão
quando é exercido de maneira passional” (DURAS, 1987, p.124).35
A inclusão do sujeito escritor nos artigos de imprensa, proclamando fazer obra
de cunho moral, constitui, de algum modo, uma zombaria dos gêneros do discurso ou
ainda uma neutralização dos mesmos. Ao mesmo tempo, essa postura de moralista
vem aliar-se, a despeito das contradições, e talvez mesmo graças a elas, às posturas do
escritor formalista que não faz concessões, ou à postura da paixão feminina que desafia
a razão masculina. Duras se desvia de uma ideologia positiva – à qual ela prefere uma
ideologia negativa, indiretamente – porque ela contribui a homologar a entropia da
História contemporânea. “Não carrego comigo a laje do pensamento totalitário, quero
dizer, definitivo. Eu evitei essa ferida” (DURAS, 1987, p.9).36 Recompondo-se perante as
mídias, a imprensa, a tela (através de seu cinema, de emissões de televisão), Duras desafia o que ela chama “a doença da televisão, do rádio”,37 que ela não cessa de fustigar
durante toda sua carreira e que representa o instrumento ideológico por excelência,
vetor de uma moral subjugadora, que oferece ao público esse engodo da objetividade
como uma verdade absoluta e luminosa.
“Le journalisme ne relève de la littérature que lorsqu’il est exercé de manière passionnelle.”
“Je ne porte pas en moi la dalle de la pensée totalitaire, je veux dire : définitive. J’ai évité cette plaie.”
37
“la maladie de la télévision, de la radio” (Le Monde, 22 de junho de 1960, citado em DURAS, v.I, 2011).
35
36
Referências bibliográficas
BARTHES, Roland. Structure du fait divers. Essais critiques. Paris: Seuil, 1964.
COUSSEAU, Anne. Le crime et le verbe. HARVEY, Stella, INCE, Kate (dir). Duras, femme du siècle. Amsterdam-New York: Rodopi, 2001, coll. Faux Titre n°218, p.299-311.
DURAS, Marguerite. Outside. Paris: P.O.L., coll. Folio, 1984.
DURAS, Marguerite. La vie matérielle. Paris: P.O.L., coll. Folio, 1987.
DURAS, Marguerite. Le monde extérieur. Outside II. Paris: P.O.L., 1993.
DURAS, Marguerite. Les yeux verts. Paris: Étoile-Cahiers du Cinéma, 1996.
DURAS, Marguerite. Sublime, forcément sublime Christine V. Cahier de l’Herne. ALAZET, Bernard, BLOT-LABARRÈRE, Christiane (dir.). “Marguerite Duras”, n°86, 2005
DURAS, Marguerite. Œuvres complètes. v.I. Paris: Gallimard, “Pléiade”, 2011.
LOIGNON, Sylvie. La douleur en sa capitale. MEURÉE, Christophe, PIRET, Pierre, (dir.). De mémoire et d’oubli :
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PROULX, Caroline. Écrire l’incompréhensible de l’Histoire. Duras face à elle-même. MEURÉE, Christophe PIRET,
Pierre (dir.). De mémoire et d’oubli : Marguerite Duras. Bruxelles-Berne: PIE-Peter Lang, “Marguerite Duras”, 2010,
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REY-DEBOVE, Josette, REY, Alain. Le nouveau Petit Robert. Paris: Dictionnaires Le Robert, 1993.
SAEMMER, Alexandra. Je n’aime pas les dociles aveugles femmes (Duras et l’affaire Villemin). COUSSEAU,
Anne, DENÈS, Dominique (dir.). Marguerite Duras : marges et transgressions. Nancy: Presses universitaires de
Nancy, 2006, p.149-157.
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Apostrophes (entretien avec Bernard Pivot, Antenne 2, 28 septembre 1984), Paris: Gallimard-Ina, 2004.
77
Memória da escritura, memória da leitura
Andréa Correa Paraiso Müller1
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Resumo
Introdução
Este trabalho tem por objeto quatro textos de Marguerite Duras: Un barrage contre le
Pacifique (1950), L’Éden Cinéma (1977), L’Amant (1984) e L’Amant de la Chine du Nord
(1991). Esses textos são ligados pela reescritura, que se constrói a partir da memória. A
reescritura cria a imagem de um enunciador comum aos quatro textos, um sujeito da
escritura guiado pela memória – memória do vivido e do escrito. Apelando à cumplicidade do leitor, esse enunciador edifica, por sua vez, a imagem de um destinatário que
partilha dessa memória, uma figura de leitor da reescritura construída, assim como a do
enunciador, pela própria reescritura.
A memória é um elemento constante na construção da narrativa durassiana.
Neste trabalho, abordaremos a relação entre memória e reescritura que se observa no
caminho desenhado entre Un Barrage contre le Pacifique (1950), L’Éden Cinéma (1977),
L’Amant (1984) e L’Amant de la Chine du Nord (1991).
Esses quatro textos são ligados pela reescritura que se constrói a partir da memória. A reescritura cria a imagem de um enunciador comum aos quatro textos, um sujeito
da escritura guiado pela memória – memória do vivido e do escrito. Apelando à cumplicidade do leitor, esse enunciador edifica, por sua vez, a imagem de um destinatário
que partilha dessa memória, uma figura de leitor da reescritura construída, assim como
a do enunciador, pela própria reescritura.
Embora L’Amant seja o terceiro desses textos, é a partir dele que essa relação de
reescritura e memória se constrói. L’Amant modifica a leitura dos textos anteriores. Por
isso, vamos tomá-lo como ponto de partida para nossa reflexão.
Palavras-chave: reescritura; memória; leitura.
1. A memória em L’Amant
1
Andréa Correa Paraiso Müller é licenciada em Letras (Português/Francês) pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), mestre em Estudos Literários pela mesma instituição e doutora em Teoria e História Literária
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente, é professora de Língua e Literatura Francesa na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e docente do Programa de Mestrado em Linguagem,
Identidade e Subjetividade da UEPG. Publicou em 2001: Marguerite Duras e os possíveis da escritura.
L’Amant inicia-se com uma referência ao rosto da narradora. Esta conta que, um
certo dia, já idosa, um homem lhe disse que a achava mais bela com seu “rosto devastado” da velhice do que com a fisionomia que tivera na juventude.
O rosto é, pois, o ponto de partida da narrativa. A situação inicial remete a narradora-personagem à época em que tinha quinze anos e meio e em que o rosto ainda
não estava “devastado”. As lembranças vão sendo evocadas. Surge o desejo de narrar
esse passado, de revivê-lo pela escritura.
L’Amant, como observa Aliette Armel (1996), é apresentado como uma busca das
origens. E o que faz com que a narradora possa resgatar o passado é a memória. A técnica
da evocação, frequente nos textos de Marguerite Duras, faz-se presente em L’Amant de
maneira a conduzir a narrativa. A narradora recorda-se da sua adolescência, da mãe, dos
irmãos, do pensionato... E narra, organizando seu discurso em função das lembranças.
É preciso ressaltar a não linearidade da narração. São relatados acontecimentos
de momentos diferentes do passado da narradora, mas a ordem em que são apresentados no texto não é, de maneira alguma, a cronológica, ou seja, os fatos narrados não
estão dispostos segundo uma linearidade, mas obedecem a um ritmo mnemônico.
Certos episódios do passado, ou melhor, a maioria deles, são narrados no presente do indicativo, como se estivessem acontecendo novamente, como se fossem cenas
desenrolando-se no próprio instante em que são narradas. Nesses episódios, o passado
é presentificado:
[...] tenho quinze anos e meio. Uma balsa cruza o Mékong. [...] Desço do ônibus. Vou para a
amurada. Olho o rio. [...] Quinze anos e meio. Já uso maquilagem. Passo o creme Tokalon no
rosto, tento esconder as sardas na parte superior das maçãs do rosto, sob os olhos (DURAS,
1985, p.8 a 21).
Se, pois, se entende L’Amant como uma narrativa de busca das origens, narrar
fatos passados utilizando-se do presente do indicativo é atingir plenamente esse objetivo. O passado, mais do que resgatado, é revivido.
A memória se faz presente também no vocabulário utilizado no texto. São inúmeros os exemplos do emprego do verbo se souvenir, assim como de expressões que
remetem ao ato de recordar-se:
Um vestido do qual me lembro (p.15).
O ruído da cidade é intenso, na lembrança, é o som de um filme a todo volume, ensurdecedor.
Lembro-me bem, o quarto é escuro [...] (DURAS, 1985, p.46).
Na página 79, ao falar de Marie-Claude Carpenter, a narradora utiliza a expressão “je
crois me souvenir”. Trata-se de um procedimento que reforça o efeito autobiográfico, produz a impressão de história vivida. Dizer “eu creio lembrar-me” situa o que é narrado entre
aquelas lembranças incertas que se costuma ter de acontecimentos distantes. Entretanto,
78
expressões como esta fazem parte também de uma espécie de metalinguagem narrativa
à medida que expõem, de certa forma, o processo de escrita: “Lembro-me enquanto escrevo, de que nosso irmão mais velho não estava em Vinhlong quando lavávamos a casa
com toda aquela água.” (DURAS, 1985, p.69). A frase provoca uma certa ilusão de realidade. Por outro lado, ressalta a metalinguagem narrativa ao desnudar a enunciação.
A memória, em L’Amant, contribui, portanto, para a produção de um efeito autobiográfico, mas também faz refletir sobre a criação literária, sobre a escritura.
2. Uma memória intertextual
Em L’Amant, a memória não é apenas intratextual, mas também intertextual.
A narradora alude diversas vezes a outros textos de Marguerite Duras tomando-os como seus. Confessa que escreveu livros sobre sua vida e, nas referências que faz a
esses livros, é possível reconhecer elementos de obras de Duras anteriores a L’Amant,
especialmente Un Barrage contre le Pacifique e L’Éden Cinéma. A narradora assume, pois,
textos da autora, provocando uma confusão de instâncias, um deslocamento entre os
níveis enunciativos. O trecho a seguir ilustra o que se acaba de afirmar:
Nas histórias dos meus livros que se referem à minha infância, não sei mais o que evitei dizer, o
Oswald Ducrot (1977) divide os implícitos em dois grandes grupos: os pressupostos e os subentendidos. O pressuposto é uma evidência, um conhecimento aceito e
partilhado por destinador e destinatário, enquanto o subentendido é apreendido por
meio de um raciocínio que requer o conhecimento das leis do discurso.
Os conteúdos implícitos desempenham um papel importante na construção da
relação entre L’Amant e outros textos de Marguerite Duras. A passagem a seguir permite que se tenha uma visão bastante clara sobre essa questão:
Na balsa, ao lado do ônibus, está uma grande limusine preta, o motorista de libré de algodão
branco. Sim, é o grande carro fúnebre dos meus livros. É o Morris Léon-Bollé” (DURAS, 1985, p.21).
O Morris Léon-Bollée já havia aparecido em textos anteriores, como Un barrage
contre le Pacifique e L’Éden Cinéma:
Son auto, dit Suzanne, c’est une Maurice Léon-Bollée. (DURAS, 1950, p. 47)
Portanto não foi na cantina de Ream, como escrevi, que eu encontrei o homem rico da limousine preta, foi depois do abandono da concessão, dois ou três anos depois, na balsa, naquele
dia que estou descrevendo naquela luminosidade de bruma e de calor (DURAS, 1985, p.32).
Em Un barrage contre le Pacifique e em L’Éden Cinéma é na cantina de Réam que
acontece o encontro com o homem rico. Ao fazer esse tipo de “correção”, a narradora
de L’Amant constrói um destinatário que é leitor de seus textos anteriores. Na passagem
citada acima, a concessão é mencionada. Ora, a história da concessão e das barragens
não havia ainda sido contada em L’Amant; ela é pressuposta. A narradora/enunciadora
apela à memória de seu narratário/enunciatário, solicita sua cumplicidade.
3. De L’Amant a L’Amant de La Chine du Nord
L’Amant de la Chine du Nord apresenta-se, desde o início, como reescritura. O prefácio contém uma lista dos títulos que o texto poderia ter tido:
SUZANNE
_Quelle marque c’est ?
O livro poderia se intitular: L’Amour dans la rue ou Le Roman de l’amant ou L’Amant recommen-
Mr. JO
cé. Para acabar escolhi entre dois títulos mais abrangentes, mais verdadeiros: L’Amant de la
_C’est une Morris Léon-Bollée. (DURAS, 1977, p. 45)
Chine du Nord ou La Chine du Nord” (DURAS, 1991, p. 11).2
que disse, acho que falei sobre o amor que dedicamos a nossa mãe mas não sei se falei do ódio
também, terrível, nessa história comum de ruína e de morte que era a história daquela família,
a história do amor como a história do ódio e que foge ainda à minha compreensão, é ainda
inacessível para mim, escondida nas profundezas da minha carne, cega como um recém-nascido de um dia (DURAS, 1985, p.30).
José Luiz Fiorin, em As astúcias da enunciação (1996), considera que o discurso
literário comporta três níveis enunciativos. O primeiro é o do enunciador, destinador
implícito da enunciação, e do enunciatário, destinatário implícito. No segundo nível
estão o narrador e o narratário, que são destinador e destinatário explicitamente instalados no enunciado. E no terceiro nível encontramos aqueles a quem o narrador delega
a voz: interlocutor e interlocutário.
Ao mencionar outros textos de Marguerite Duras como sendo seus, a narradora
de L’Amant transita por esses níveis e coloca-se como enunciador. Ao fazê-lo, considera
seu narratário conhecedor desses outros textos, e faz com que ele também deslize para
outro nível da hierarquia enunciativa: o narratário torna-se enunciatário. Todo esse procedimento é possível graças aos conteúdos implícitos. É preciso levar em conta, pois, os
pressupostos e os subentendidos.
Da frase “o grande carro fúnebre de meus livros”, depreendem-se dois pressupostos: 1) a narradora de L’Amant é autora de outros livros; 2) nesses livros há uma limusine
preta. De acordo com Diana Luz Pessoa de Barros (1985, p. 169), “o ato de pressupor um
conteúdo consiste em situá-lo como já conhecido do enunciatário e em apresentá-lo
como fundo comum, no interior de que o discurso deve prosseguir”. Assim, a limusine
preta é apresentada como algo familiar ao narratário de L’Amant, que se torna enunciatário da reescritura. E é justamente por meio desse tipo de pressuposto que se estabelece a relação entre L’Amant e os textos que o precederam.
Essa intertextualidade durassiana identifica-se à reescritura. Quando a narradora
de L’Amant se apresenta como autora de outros livros e, nas referências que ela faz a
esses livros, é possível reconhecer textos de Marguerite Duras, produz-se um subentendido: a extensão do efeito autobiográfico de L’Amant a esses textos.
Pode-se, portanto, afirmar que, em L’Amant, Duras não faz uma simples retomada
de seus textos anteriores, ela modifica a maneira de compreendê-los, reescreve-os lançando sobre eles um olhar autobiográfico.
É com L’Amant que a memória do vivido se torna memória do escrito. E essa memória do escrito só pode estabelecer-se apelando à memória do destinatário:
Os títulos da lista, sobretudo L’Amant recommencé, situam a obra em um contexto de reescritura. O prefácio apresenta as circunstâncias que despertaram o desejo de
retornar à “história do amante da China do Norte e da criança”:
Eu soube que ele morrera anos depois. Foi em maio de 90, há um ano portanto. Eu jamais
pensara em sua morte. Me disseram também que ele fora enterrado em Sadec, que a casa
azul continuava lá, habitada por sua família e seus filhos. Que ele era querido em Sadec por
sua bondade, sua simplicidade e que também ele se tornara muito religioso no fim da vida.
Eu abandonei o trabalho que estava fazendo. Eu escrevi a história do Amante da China do
Norte e da criança... Eu não imaginara que a morte do Chinês pudesse acontecer, a morte do
seu corpo, de sua pele, de seu sexo, de suas mãos. Durante um ano eu reencontrei a idade da
travessia do Mékong na balsa de Vinh-Long. (DURAS, 1991, p.11-2)
Os implícitos, frequentemente utilizados em L’Amant, são empregados também
em L’Amant de La Chine du Nord. A “história do chinês e da criança” é pressuposta, faz
2
Todas as traduções das citações desse romance foram feitas pela autora.
79
parte de um saber comum entre o destinador e o destinatário do prefácio. Pressupõe-se,
portanto, o conhecimento dos conteúdos narrados em L’Amant. A partir desse pressuposto, subentende-se o pertencimento dos dois livros a um mesmo ciclo de reescritura.
Entretanto, não é apenas no prefácio que a reescritura se faz notar. Ao longo do
texto, episódios de L’Amant são reiterados:
O ruído da cidade está muito próximo, tão perto que ouvimos o ressoar na madeira das venezianas. Ouvimos como se atravessasse o quarto (DURAS, 1985, p.49).
No primeiro livro ela havia dito que o ruído da cidade estava tão próximo que se ouvia
o roçar contra as persianas, como se as pessoas atravessassem o quarto. Ela diria ainda no
caso de um filme, ou de um livro, ela diria sempre. E ainda ela diria aqui (DURAS, 1991, p. 81).
A narrativa se constrói, em L’Amant de la Chine du Nord, em terceira pessoa. A jovem
que se envolve com o chinês não é narradora. No entanto, a memória continua presente:
gem de L’Amant de la Chine du Nord, identifica-se à narradora de L’Amant e esta já se
havia identificado às heroínas de Un barrage contre le Pacifique e de L’Éden Cinéma.
4. Conclusão
A memória intertextual edifica a imagem de um sujeito comum a Un barrage contre le Pacifique, L’Éden Cinéma, L’Amant e L’Amant de la Chine du Nord. A narradora/personagem de L’Amant reivindica a identidade das protagonistas de Un barrage contre le
Pacifique e L’Éden Cinéma. A personagem de L’Amant de la Chine du Nord, por sua vez,
ao identificar-se à narradora de L’Amant, identifica-se também às protagonistas dos
livros anteriores.
Tais laços intertextuais produzem ainda a imagem de um leitor intertextual, um
destinatário/parceiro desse sujeito guiado pela memória. A memória da escritura só
cumpre plenamente seu papel com a cumplicidade da memória da leitura.
E depois um dia ela se lembrara: havia encontrado a imagem intata do baile exangue e sem
palavras dos casais da ponte já como integrada em um livro que ela ainda não havia abordado
(DURAS, 1991, p. 155).
80
Ela se lembra da ressonância da chuva na galeria que esmagava o corpo sem alcançá-lo, essa
repentina satisfação do corpo liberado da dor” ((DURAS, 1991, p. 193).
Referências bibliográficas
A memória da personagem não se limita aos acontecimentos, ela se refere também aos escritos. Comparemos os mesmos episódios, narrados em L’Amant e evocados, como fatos e como escritura, em L’Amant de La Chine du Nord:
ARMEL, Aliette. Marguerite Duras et l’autobiographie. Paris: Le Castor Astral, 1996.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. A festa do discurso: teoria do discurso e análise de redações de vestibulandos.
Tese (Livre-docência em Linguística). São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universi-
A pele é de uma doçura suntuosa (DURAS, 1985, p.43).
Ela dizia lembrar-se do medo. Como ela se lembrava da pele, de sua doçura (DURAS, 1991, p. 80 ).
O mar sem forma, simplesmente incomparável (DURAS, 1985, p.44).
Ela se recorda. Ela é a última a se lembrar ainda. Ela ouve ainda o barulho do mar no quarto.
dade de São Paulo, 1985.
DUCROT, Oswald. Princípios de semântica linguística. Dizer e não dizer. Trad. Carlos Vogt, Rodolfo Ilari e Rosa
Attié Figueira. São Paulo: Cultrix, 1977.
Lembra-se de ter escrito isso, ela se lembra também, como o barulho da rua chinesa. Ela se re-
DURAS, Marguerite. Un Barrage contre le Pacifique. Paris: Gallimard, 1950.
corda de ter escrito que o mar estava presente naquele dia, no quarto dos amantes. Ela havia
DURAS, Marguerite. L’Éden cinéma. Paris: Mercure de France, 1977.
escrito as palavras: o mar e duas outras palavras: a palavra: simplesmente, e a palavra: incomparável (DURAS, 1991, p. 81).
DURAS, Marguerite. L’Amant. Paris: Les Éditions de Minuit, 1984.
DURAS, Marguerite. L’Amant de la Chine du Nord. Paris: Gallimard, 1991.
A personagem de L’Amant de la Chine du Nord lembra-se dos acontecimentos e de
tê-los escrito. Apresenta-se como tendo sido a fonte enunciativa de frases que podem
facilmente ser reconhecidas no texto de L’Amant. Assim, a criança, a menina, persona-
DURAS, Marguerite. O Amante. Trad. Aulyde Soares Rodrigues. 4ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática, 1996.
Mémoire de l’écriture, mémoire de la lecture
Andréa Correa Paraiso Müller1
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Résumé
Introduction
Ce travail a comme sujet quatre textes de Marguerite Duras : Un Barrage contre le Pacifique (1950), L’Éden Cinéma (1977), L’Amant (1984) et L’Amant de la Chine du nord
(1991). Ces textes sont reliés par la réécriture, qui se construit à partir de la mémoire.
La réecriture crée l’image d’un énonciateur commun à tous les quatre textes, un sujet
de l’écriture guidé par la mémoire – mémoire du vécu et de l’écrit. En faisant appel à la
complicité du lecteur, cet énonciateur édifie à son tour l’image d’un destinataire qui
partage cette mémoire, une figure de lecteur de la réecriture construite, tout comme
celle de l’énonciateur, par la réécriture même.
La mémoire est un élément constant dans la construction du récit durassien. Dans
ce travail, on abordera le rapport entre mémoire et réécriture observé à travers le chemin qui se dessine entre Un Barrage contre le Pacifique (1950), L’Éden cinéma (1977),
L’Amant (1984) et L’Amant de la Chine du Nord (1991).
Ces quatre textes sont reliés par la réécriture, qui se construit à partir de la mémoire. La réécriture crée l’image d’un énonciateur commun à tous les quatre textes, un
sujet de l’écriture guidé par la mémoire – mémoire du vécu et de l’écrit. En faisant appel
à la complicité du lecteur, cet énonciateur édifie à son tour l’image d’un destinataire qui
partage cette mémoire, une figure de lecteur de la réécriture construite, tout comme
celle de l’énonciateur, par la réécriture même.
Bien qu’il ne soit que le troisième de ces textes, c’est à partir de L’Amant que ce
rapport de réécriture et mémoire se construit. L’Amant modifie la lecture des textes
antérieurs. C’est pour cette raison qu’on le prendra comme point de départ de
notre réflexion.
Mots-clés : réecriture ; mémoire ; lecture.
1. La mémoire dans L’Amant
1
Andréa Correa Paraiso Müller a fait ses études de Lettres (Portugais/Français) à l’UNESP. Elle a fait un master en Études Littéraires à l’UNESP) et un doctorat en Théorie et Histoire Littéraire à l’UNICAMP. Professeur
de Langue et Littérature Française à l’Université de Ponta Grossa (UEPG) et à son Programme de Master en
Langage, Identité et Subjectivité. En 2001, elle a publié le livre Marguerite Duras e os possíveis da escritura.
L’Amant commence avec une référence au visage de la narratrice. Celle-ci raconte
qu’un jour, en étant déjà une vieille dame, un homme lui a dit qu’il la trouvait plus belle
avec son « visage dévasté » de la vieillesse qu’avec la physionomie qu’elle avait eu pendant sa jeunesse.
Le visage est le point de départ du récit. La situation initiale renvoie la narratrice-personnage à l’époque où elle avait quinze ans et demi et où le visage n’était pas
encore « dévasté ». Les souvenirs sont évoqués. Il surgit un désir de raconter ce passé,
de le revivre par l’écriture.
Selon Aliette Armel (1996), L’Amant est présenté comme une quête des origines.
Et ce qui fait la narratrice récupérer son passé c’est la mémoire.La technique de l’évocation, souvent utilisée dans les textes de Marguerite Duras, conduit le récit de L’Amant.
La narratrice se souvient de son adolescence, de sa mère, de ses frères, de la pension...
et elle raconte tout cela en ordonnant son discours à partir des souvenirs.
Il faut souligner la non-linéarité de la narration. La narratrice raconte des événements de différents moments de son passé, mais l’ordre selon lequel ils sont présentés
dans le texte n’est pas du tout l’ordre chronologique, c’est-à-dire que les événements
ne sont pas disposés à partir d’une linéarité, mais qu’ils obéissent à un rythme mnémonique.
Certains épisodes de ce passé, on dirait la plupart, sont racontés au présent de l’indicatif, como s’ils se déroulaient de nouveau, comme si c’étaient des scènes qui avaient
lieu à l’instant même où elles sont racontées. Dans ces épisodes, le passé est présentifié :
81
Quinze ans et demi. C’est la traversée du fleuve. [...]
Je descends du car. Je vais au bastingage. Je regarde le fleuve. [...]
Quinze ans et demi. Déjà je suis fardée. Je mets de la créme Tokalon, j’essaye de cacher les
taches de rousseur que j’ai sur le haut des joues, sous les yeux. (DURAS, 1984, p. 16-24)
Si l’on comprend L’Amant comme une quête des origines, raconter des faits passés en employant le présent de l’indicatif c’est une manière d’atteindre ce but. Le passé
n’est pas tout simplement récupéré, il est présentifié, revécu.
Le vocabulaire du texte est plein d’expressions qui se réfèrent à la mémoire, parmi
lesquelles il y a nombreux exemples de l’emploi du verbe se souvenir :
C’est une robe dont je me souviens. (DURAS, 1984, p. 18)
Le bruit de la ville est très fort, dans le souvenir il est le son d’un film mis trop haut, qui assourdit. Je me souviens bien, la chambre est sombre [...]. (DURAS, 1984, p. 52)
À la page 79, quand elle parle de Marie-Claude Carpenter, la narratrice emploie
l’expression « je crois me souvenir ». Il s’agit dun procédé qui renforce l’effet autobiographique en produisant l’impression d’histoire vécue. Dire « je crois me souvenir »
situe ce qui est raconté à côté de ces souvenirs incertains que l’on a en général des
événements lointains.
Cependant, ce type d’expression fait partie aussi d’une sorte de métalangage
narratif dans la mesure où le processus de l’écriture est, d’une certaine façon, exposé :
« Je me souviens, à l’instant même où j’écris, que notre frère aîné n’était pas à Vinhlong
quand on lavait la maison à grand eau » (DURAS, 1984, p. 77). Cette phrase provoque
une certaine illusion de réalité. De l’autre côté, elle met en relief le métalangage narratif
en dévoilant l’énonciation.
La mémoire dans L’Amant contribue donc à produire un effet autobiographique
en même temps qu’elle fait réfléchir sur la création, sur l’écriture.
2. Une mémoire intertextuelle
Dans L’Amant, la mémoire n’est pas seulement intratextuelle, elle est aussi intertextuelle.
La narratrice se réfère plusieurs fois à d’autres textes de Marguerite Duras en se
présentant comme leur auteur. Elle avoue qu’elle a écrit des livres sur sa vie et, dans les
références qu’elle fait à ces livres, on reconnaît des éléments des textes de Marguerite
Duras antérieurs à L’Amant, surtout Un Barrage contre le Pacifique et L’Éden cinéma.
La narratrice sans nom assume les textes de l’auteur dont le nom figure sur la couverture. Ce procédé provoque un entrecroisement des instances du discours, un déplacement de la narratrice de L’Amant à travers les niveaux énonciatifs. L’extrait suivant est un
exemple de ce qu’on vient d’affirmer :
destinataire installés explicitement dans l’énoncé. Et dans le troisième niveau le narrateur donne la voix à l’interlocuteur qui parle à un interlocutaire.
En s’attribuant la responsabilité par d’autres textes de Marguerite Duras, la narratrice de L’Amant se déplace entre ces niveaux et se présente comme énonciateur. En
le faisant, elle considère que son narrataire connaît ces autres textes et le fait glisser lui
aussi à un autre niveau de la hiérarchie énonciative : le narrataire devient énonciataire.
Ce procédé est possible grâce à l’existence des implicites. Il faut prendre en compte
alors les présupposés et les sous-entendus.
Oswald Ducrot (1977) distingue deux grands groupes de contenus implicites : les
présupposés et les sous-entendus. Le présupposé est une évidence, une connaissance
acceptée et partagée par le destinateur et le destinataire tandis que le sous-entendu
est perçu à travers un raisonnement qui exige la connaissance des lois du discours.
Les contenus implicites jouent un rôle important dans le rapport qui s’établit entre
L’Amant et d’autres textes de Marguerite Duras. L’extrait suivant nous permet de comprendre plus nettement la question :
Sur le bac, à côté du car, il y a une grande limousine noire avec un chauffeur en livrée de coton blanc. Oui, c’est la grande auto funèbre de mes livres. C’est la Morris Léon-Bollée. (DURAS,
1984, p. 25)
La Morris Léon-Bollée avait déjà été mentionnée dans Un Barrage contre le Pacifique
et L’Éden cinéma :
Cette intertextualité durassienne s’identifie à la réécriture. Quand la narratrice de
L’Amant se présente comme auteur d’autres livres et, dans les références qu’elle fait à
ces livres, on peut reconnaître des textes de Marguerite Duras, il se produit un sous-entendu : l’extension de l’effet autobiographique de L’Amant à ces textes.
On peut conclure que, dans L’Amant, Marguerite Duras ne fait pas une simple reprise de ses textes, elle change la manière de les comprendre, elles les réécrit en leur
jetant un regard autobiographique.
C’est avec L’Amant que la mémoire du vécu devient mémoire de l’écrit. Et cette
mémoire de l’écrit ne s’établit qu’en faisant appel à la mémoire du destinataire :
Ce n’est donc pas à la cantine de Réam, vous voyez, comme je l’avait écrit, que je rencontre
l’homme riche à la limousine noire, c’est après l’abandon de la concession, deux ou trois ans
après, sur le bac, ce jour que je raconte, dans cette lumière de brume et de chaleur. (DURAS,
1984, p. 36)
Dans Un Barrage contre le Pacifique et dans L’Éden cinéma, c’est à la cantine de
Réam qu’a lieu la rencontre avec l’homme riche. En faisant ce type de « correction »,
la narratrice de L’Amant construit un destinataire qui est lecteur de ses autres textes.
Dans l’extrait ci-dessus, la concession est mentionnée. Or, l’histoire de la concession et
des barrages n’avait pas encore été racontée dans L’Amant ; elle est donc présupposée.
La narratrice/énonciateur fait appel à la mémoire de son narrataire/énonciataire, demande sa complicité.
Son auto, dit Suzanne, c’est une Maurice Léon-Bollée. (DURAS, 1950, p. 47)
Dans les histoires de mes livres qui se rapportent à mon enfance, je ne sais plus tout à coup
SUZANNE
ce que j’ai évité de dire, ce que j’ai dit, je crois avoir dit l’amour que l’on portait à notre mère
Quelle marque c’est ?
mais je ne sais pas si j’ai dit la haine qu’on lui portait aussi et l’amour qu’on se portait les
Mr. JO
uns aux autres, et la haine aussi, terrible, dans cette histoire commune de ruine et de mort
C’est une Morris Léon-Bollée. (DURAS, 1977, p. 45)
3. De L ‘Amant à L’Amant de la Chine du Nord
L’Amant de la Chine du Nord se présente, dès le début, comme réécriture. La préface contient une liste des titres que le texte aurait pu avoir :
qui était celle de cette famille dans tous les cas, dans celui de l’amour comme dans celui
de la haine et qui échappe encore à tout mon entendement, qui m’est encore inaccessible,
cachée au plus profond de ma chair, aveugle comme un nouveau-né du premier jour. (DURAS, 1984, p. 34)
Dans As astúcias da enunciação (1996), José Luiz Fiorin soutient que le discours
littéraire contient trois niveaux énonciatifs. Le premier est celui de l’énonciateur, destinateur implicite de l’énonciation, et de l’énonciataire, destinataire implicite. Dans le
deuxième niveau on trouvera le narrateur et le narrataire, qui sont le destinateur et le
De la phrase « Oui, c’est la grande auto funèbre de mes livres » découlent deux
présupposés : 1) la narratrice de L’Amant est l’auteur d’autres livres ; 2) dans ces livres il y
a une limousine noire. D’après Diana Luz Pessoa de Barros (1985, p. 169), « l’acte de présupposer un contenu consiste « a le situer comme étant déjà connu de l’énonciataire et
de le présenter comme fond commun, à l’intérieur duquel le discours doit poursuivre »
(notre traduction). Ainsi, la limousine noire est présentée comme familière au narrataire
de L’Amant, qui devient l’énonciataire de la réécriture. Et c’est justement à travers ce
type de présupposé qui s’établit le rapport entre L’Amant et les textes qui l’ont précédé.
Le livre aurait pu s’intituler : L’Amour dans la rue ou Le Roman de l’amant ou L’Amant recommencé. Pour finir on a eu le choix entre deux titres plus vastes, plus vrais : L’Amant de la Chine
du Nord ou La Chine du Nord. (DURAS, 1991, p. 11)
Les titres, surtout L’Amant recommencé, situent l’ouvrage dans un contexte de
réécriture.
La préface présente les circonstances qui ont réveillé le désir de retourner à « l’histoire de l’amant de la Chine du Nord et de l’enfant » :
82
J’ai apris qu’il était mort depuis des années. C’était en mai 90, il y a donc un an maintenant. Je
La peau est d’une somptueuse douceur. (DURAS, 1984, p. 49)
n’avais jamais pensé à sa mort. On m’a dit aussi qu’il était enterré á Sadec, que la maison bleue
Elle disait se souvenir de la peur. Comme elle se souvenait de la peau, de sa douceur. (DURAS,
était toujours là, habitée par sa famille et des enfants. Qu’il avait été aimé à Sadec pour sa bon-
1991, p. 80)
té, sa simplicité et qu’aussi il était devenu très religieux à la fin de sa vie.
La mer, sans forme, simplement incomparable. (DURAS, 1984, p. 50)
J’ai abandonné le travail que j’étais en train de faire. J’ai écrit l’histoire de L’Amant de la Chine
Elle se souvient. Elle est la dernière à se souvenir encore. Elle entend encore le bruit de la mer
du Nord et de l’enfant...
dans la chambre. D’avoir écrit ça, elle se souvient aussi, comme le bruit de la rue chinoise.
Je n’avais pas imaginé du tout que la mort du Chinois puisse se produire, la mort de son corps,
Elle se souvient même d’avoir écrit que la mer était présente ce jour-là dans la chambre des
de sa peau, de son sexe, de ses mains. Pendant un an j’ai retrouvé l’âge de la traversée du Mé-
amants. Elle avait écrit les mots : la mer et deux autres mots : le mot : simplement, et le mot :
kong dans le bac de Vinh-Long. (DURAS, 1991, p. 11-12)
incomparable. (DURAS, 1991, p. 81)
Références bibliographiques
ARMEL, Aliette. Marguerite Duras et l’autobiographie. Paris : Le Castor Astral, 1996.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. A festa do discurso: teoria do discurso e análise de redações de vestibulandos.
Tese (Livre-docência em Linguística). São Paulo : Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1985.
DUCROT, Oswald. Princípios de semântica linguística. Dizer e não dizer. Trad. Carlos Vogt, Rodolfo Ilari e Rosa
Attié Figueira. São Paulo : Cultrix, 1977.
DURAS, Marguerite. Un Barrage contre le Pacifique. Paris : Gallimard, 1950.
DURAS, Marguerite. L’Éden cinéma. Paris: Mercure de France, 1977.
Les implicites, souvent utilisés dans L’Amant, sont employés aussi dans L’Amant de
la Chine du Nord. L’histoire « du Chinois et de l’enfant » est présupposée, elle fait partie
d’un savoir commun au destinateur et au destinataire de la préface. On presuppose
donc la connaissance des contenus racontés dans L’Amant. À partir de ce présupposé,
on sous-entend l’appartenace des deux livres à un même cycle de réécriture.
Cependant ce n’est pas seulement dans la préface que cette réécriture se fait noter. Tout au long du texte des épisodes de L’Amant sont réitérés :
Le bruit de la ville était si proche, si près, qu’on entend son frottement contre le bois des persiennes. On l’entend comme s’il traversait la chambre. (DURAS, 1984, p. 55)
Dans le premier livre elle avait dit que le bruit de la ville était si proche qu’on entendait son
frottement contre les persiennes comme si des gens traversaient la chambre. Elle le dirait encore dans le cas d’un film, encore, ou d’un livre, encore, toujours elle le dirait. Et encore elle le
dit ici. (DURAS, 1991, p. 81)
Le récit se construit, dans L’Amant de la Chine du Nord, à la troisième personne. La
jeune fille n’est pas la narratrice. Toutefois la mémoire est toujours présente :
Et puis un jour elle s’en était souvenue : elle avait retrouvé l’image intacte du bal exsangue et
sans paroles des couples du pont comme déjá intégrée dans un livre qu’elle n’avait pas encore
abordé. (DURAS, 1991, p. 155)
Elle se souvient de la résonance de la pluie dans la galerie qui écrasait le corps sans l’atteindre,
cette aise soudaine du corps libéré de la douleur. (DURAS, 1991, p. 193)
La mémoire du personnage ne se limite pas aux événements, elle se réfère aussi
aux écrits. Comparons les mêmes épisodes, narrés dans L’Amant et évoqués, en tant
que faits et en tant qu’écriture, dans L’Amant de la Chine du Nord:
Le personnage de L’Amant de la Chine du Nord se souvient des événements et
de les avoir écrit. Elle se présente comme ayant été la source énonciative de certaines
phrases que l’on peut facilement reconnaître dans le texte de L’Amant. Ainsi, l’enfant,
personnage de L’Amant de la Chine du Nord, s’identifie à la narratrice/personnage de
L’Amant. Celle-ci s’était déjà identifiée aux héroïnes d’Un Barrage contre le Pacifique et
de L’Éden cinéma.
4. Conclusion
La mémoire intertextuelle édifie l’mage d’un sujet commun à Un Barrage contre
le Pacifique, L’Éden cinéma, L’Amant et L’Amant de la Chine du Nord, un énonciateur de
l’ensemble des textes, sujet de la réécriture. La narratrice/personnage de L’Amant réclame l’identité des protagonistes d’Un Barrage contre le Pacifique et de L’Éden cinéma.
Le personnage de L’Amant de la Chine du Nord, à son tour, en s’identifiant à la narratrice
de L’Amant, s’identifie aussi aux protagonistes des livres antérieurs.
Ces rapports intertextuels produisent aussi l’image d’un lecteur intertextuel, un
destinataire/partenaire de ce sujet guidé par la mémoire. La mémoire de l’ecriture n’accomplit pleinement son rôle qu’à l’aide de la complicité de la mémoire de la lecture.
DURAS, Marguerite. L’Amant. Paris : Les Éditions de Minuit, 1984.
DURAS, Marguerite. L’Amant de la Chine du Nord. Paris : Gallimard, 1991.
FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo : Ática, 1996.
83
Da errância ao nomadismo em Duras1
Catherine Rodgers2
University of Swansea
Resumo
A noção de errância atravessa toda a obra durassiana, afetando não só as personagens,
mas também os textos. Errância espacial, social, psíquica e textual são particularmente
marcantes em O marinheiro de Gibraltar, Une aussi longue absence, O deslumbramento,
O vice-cônsul, Emily L. e Chuva de verão. Se a errância é tão fundamental na obra de
Duras, é sem dúvida em parte porque ela própria se submeteu a um constante desenraizamento geográfico em sua juventude, e, depois de instalada na França, tornou-se
“nômade” no sentido dado por Rosi Braidotti, isto é, no sentido de que sua errância se
torna escolha política, maneira de escrever e modo de ser.
Palavras-chave: errância; nomadismo.
Tradução de Maria Cristina Vianna Kuntz; revisão de tradução de Maurício Ayer.
2
Catherine Rodgers é professora no departamento de Francês na Universidade de Swansea (País de Gales).
Suas pesquisas se concentram sobre escritoras francesas. Além de diversos artigos sobre Duras, Beauvoir,
Constant, Darrieussecq, Garat, Laurens e Nothomb, ela coeditou a coletânea de ensaios Marguerite Duras :
Lectures plurielles (Rodopi, 1998), editou a coletânea de entrevistas realizadas com feministas francesas Le
Deuxième Sexe : un héritage admiré et contesté (L’Harmattan, 1998), e coeditou a coletânea de ensaios sobre a
nova geração de escritoras francesas: Nouvelles Écrivaines : nouvelles voix ? (Rodopi, 2002). É vice-presidente
da Société Internationale Marguerite Duras e coeditora de seu boletim.
1
Catherine Rodgers est Maître de conférences dans la section de français à l’Université de Swansea (Pays de
Galles). Ses recherches portent sur les écrivaines françaises. En plus de divers articles sur Duras, Beauvoir,
Constant, Darrieussecq, Garat, Laurens et Nothomb, elle a coédité une collection d’essais Marguerite Duras :
Lectures plurielles (Rodopi, 1998), édité une collection d’interviews réalisées avec des féministes françaises
Le Deuxième Sexe : un héritage admiré et contesté (L’Harmattan, 1998) et coédité une collection d’essais sur
la nouvelle génération d’écrivaines françaises Nouvelles Écrivaines : nouvelles voix ? (Rodopi, 2002). Elle est
Vice-Présidente de la Société Internationale Marguerite Duras et coéditrice de son Bulletin.
Introdução
A noção de errância é fundamental para compreender a obra durassiana. Essa
ideia atravessa-a do começo ao fim, sob diversas modalidades, afetando não somente
os personagens, mas os próprios textos.
Após uma curta reflexão geral sobre as formas que pode tomar a errância, escolherei alguns textos ou filmes-chave que ilustram particularmente esse fenômeno, mostrando diferentes aspectos. Tentarei compreender o porquê dessa fascinação pela errância na obra durassiana e, finalmente, proporei, com o conceito de nomadismo, um leve
deslocamento daquele conceito que permita melhor ressaltar os aspectos positivos.
1. Definição de errância
Primeiramente, para emprestar a advertência de Dominique Chateau em “Ontologie de l’errance (dans une perspective critique)”, diria que “dar diretamente uma definição dessa noção, é arriscar-se a não considerar a contradição que essa questão levanta
em si mesma” (2007, p.49).3 Com efeito, o fato de que “A errância evoca o movimento, o
devir, a instabilidade, a fuga” (2007, p.49),4 diria que esta noção não combina com o ser
e, portanto, com qualquer definição.
Além dessa dificuldade incontornável, o conceito de errância envolve diferentes
sentidos. Na verdade, “errar” provém do latim “errare” que quer dizer enganar-se, mas
também do baixo latim “iterare” com o que se confunde e que significa “viajar”. Como
observa Anne Marie Rajon: “O uso confundiu essas duas origens: viajar e enganar-se,
assim, errar tomou o sentido de ‘ir ao acaso’” (1996, p.147).5
Florence Goldberg e Philippe Gutton em “Errance à l’adolescence : une addiction d’espace ?” precisam que: “A errância, no sentido próprio do termo, se define
“donner directement une définition de cette notion, c’est risquer de manquer la contradiction que cette
question recèle en elle-même”.
4
“L’errance évoque le mouvement, le devenir, l’instabilité, la fuite”.
5
“L’usage a confondu ces deux origines : voyager et se tromper, ainsi errer a pris le sens d’aller au hasard.”
3
pela criação de um percurso sem destino, não orientado no espaço” (1996, p.58).6
E Sébastien Rongier nota, claramente, que errar não é “viajar”. Enquanto o viajante
tem um destino, um lugar de chegada, portanto uma distância a percorrer, o errante
não tem: “A errância […] seria antes, o erro da viagem […] ela não se inscreve em nenhuma finalidade” (2007, p.184).7 A errância não é simplesmente espacial. Enquanto
desvio, deriva da norma, e pode até englobar não só a loucura, mas também formas
de marginalidade social.
A percepção da errância mudou muito ao longo dos séculos e segundo as sociedades. Assim, na Europa, a errância pôde ser valorizada com a figura do cavaleiro
errante. Mas é ao sentido de errância enquanto viagem que se refere esta expressão.
Certamente o cavaleiro errante é um corretor de erros, o defensor de uma boa causa e
ele percorre o mundo com o objetivo de fazer o bem. Indo de cidade em cidade, realizando uma volta pela França é que os companheiros aprendiam seu ofício e se tornavam excelentes operários.
Entretanto, sobretudo, a partir do século XIX, a errância se torna um delito. É preciso dizer que, muito cedo, a errância foi vista de forma negativa, uma vez que foi imposta como punição. Assim, Deus condena Caim à errância por ter matado seu irmão por
ciúme. E Cristo condena o judeu que havia zombado dele a caminhar incansavelmente
sobre a terra até sua segunda vinda, criando o judeu errante. Em Ahasvérus (1833), Edgard Quinet empresta de Cristo estas palavras: “Por que o disseste, Ahasvérus? És tu que
caminharás até o julgamento final, durante mais de mil anos. Toma tuas sandálias e tuas
vestimentas de viagem. Por onde passares, chamar-te-ão: judeu errante”.8
Na França, o Código Penal de 1810 declara que o vagabundo é passível de três
a seis meses de prisão. E somente em 1992, esta lei será revogada. No século XIX,
“L’errance au sens propre du terme se définit par la création d’un parcours sans but objectif, non orienté
dans l’espace.”
7
“L’errance […] serait plutôt l’erreur du voyage […] elle ne s’inscrit dans aucune finalité.”
8
“Pourquoi l’as-tu-dit, Ahasvérus ? C’est toi qui marcheras jusqu’au jugement dernier, pendant plus de mille
ans. Va prendre tes sandales et tes habits de voyage ; partout où tu passeras, on t’appellera : le juif errant.”
Edgard Quinet, Ahasvérus, 1833, disponível em http://fr.wikisource.org/wiki/Ahasvérus/Deuxième_journée.
6
84
o vagabundo não é apenas um delinquente, mas é frequentemente julgado como
doente, e vagabundos serão enviados ao hospital psiquiátrico para serem tratados.
De fato, a errância foi medicada a partir do século XIX. Charcot foi um dos primeiros a
reagrupar os errantes com sintomas de “automatismo ambulatório”, isto é, um número de deslocamentos patológicos compulsivos. No começo do século XX, em Les Vagabonds, Armand Marie e Raymond Meunier assim definem o sintoma: “um impulso
de partir e seguir em frente, em um estado variável de perturbação da consciência e
sem destino certo. Apresenta-se sempre, sobretudo nos neuropatas: histéricos, neurastênicos, epiléticos”.9 Em consequência de sua medicalização iniciada por Charcot,
a errância torna-se, no final do século XIX, a “vítima” da psiquiatria. Um número impressionante de termos é criado para categorizar as diferentes formas de errância e
deslocamentos. Em Déplacement pathologique : historique et diagnostics différentiels,
Frederico Caro assim os classifica: “Automatismo ambulatório (Tissié em 1887), automatismo sonambúlico (Garnier em 1887), impulso à deambulação (Duponchel em
1890), acesso ambulatório dos alcoólicos (Crothers em 1890), determinismo ambulatório (Verga em 1891, Borri em 1892 e Funaioli em 1893), vagabundagem impulsiva
(Pitres em 1891), dromomania (Régis em 1893), automatismo ambulatório epilético,
histérico ou ligado a uma ou outra neurose (Clérambault, Janet e Charcot em 1891),
delírio ambulatório, fuga psicastênica (Raymond em 1895), mania ambulatória e poriomania (Donath et Burg em 1900)” (CARO, 2006).10
Essa concepção europeia muito ambivalente da errância contrasta com as que
possuem certas civilizações orientais. Rebecca Solnit em Wanderlust, A History of Walking, lembra que: “na China, errar era celebrado – ‘errar’ é a palavra-código taoista para
tornar-se extático”11 (2002, p.144).
David Le Breton em L’Eloge de la marche assinala que: “Na Ásia, o hinduísmo e o
budismo promovem igualmente a peregrinação” e “Na Índia, o sujo sannyâsi é um monge da errância solitária, um homem da suprema renúncia” (2000, p.155-7).12
A errância tem suas grandes figuras míticas com o cavaleiro ou o judeu errante,
assim como a literatura é povoada de personagens errantes, tais como Ulisses, Dom
Quixote, Cândido. Entretanto, a maior parte deles são homens, como observa Karin
Schwerdtner em seu estudo sobre a errância, intitulado La Femme errante (2005). A errância é, pois, mais significativa quando é feminina e será ainda mais inesperada na
obra de Duras, sobretudo tendo em vista que, para a autora, a mulher tem uma relação
muito especial junto à casa, ao lar.
Ela concebe a mulher como “inserida […] no seu habitat, em sua morada” (DURAS,
PORTE, 1978, p.23). Para a mulher, deixar esse lugar protetor é um verdadeiro desenraizamento, uma violência que lhe é feita.
Duras mostrou logo um interesse pela errância porque desde La Vie tranquille
(1944), Françou se apaixona por Tiène, homem silencioso, misterioso, de pensamentos insondáveis, que vem a Bugues sem motivo. Por isso ela teme sua partida o tempo
todo, sendo que ele só partirá no final do romance. Tiène é o primeiro de uma longa
lista de errantes.
Entre as numerosas obras de Duras que focalizam a errância, examinaremos O
marinheiro de Gibraltar e Une aussi longue absence, bem como os personagens indispensáveis de Lol, da mendiga, de Émily L. e de Chuva de verão. Esta escolha me permitirá
analisar a evolução do conceito de errância e examinar suas diferentes facetas.
“une impulsion à partir et aller devant soi, dans un état variable d’obnubilation de la conscience et sans but
défini. Il se présente surtout chez les névropathes : hystériques, neurasthéniques, épileptiques”. Armand
Marie et Raymond Meunier, Les Vagabonds, Paris: V. Giard et E. Brière, 1908, citado em http://www.universalis.fr/encyclopedie/automate/8-l-automatisme-ambulatoire/.
10
“Automatisme ambulatoire (Tissié en 1887), automatisme somnambulique (Garnier en 1887), impulsion à la déambulation (Duponchel en 1890), accès ambulatoire des alcooliques (Crothers en 1890),
déterminisme ambulatoire (Verga en 1891, Borri en 1892 et Funaioli en 1893), vagabondage impulsif (Pitres en 1891), dromomanie (Régis en 1893), automatisme ambulatoire épileptique, hystérique
ou liés à une ou autre névrose (Clérambault, Janet et Charcot en 1891), délire ambulatoire, fugue
psychasthénique (Raymond en 1895), manie ambulatoire (Berkley en 1897) et poriomanie (Donath et
Burg en 1900)” Frederico Caro, “Déplacement pathologique : historique et diagnostics différentiels”,
L’Information psychiatrique, Vol. 82, no 5, 405-14, maio 2006, disponível em http://www.jle.com/edocs/00/04/19/21/article.phtml.
11
Em inglês: “wandering was celebrated – ‘to “wander” is the Taoist code word for becoming ecstatic’”.
A narrativa de O marinheiro de Gibraltar é gradualmente contaminada pelas diferentes formas de errância: espacial, social, textual.
O texto começa de forma realista, com os personagens em férias na Itália. De fato,
eles não trabalham e se deslocam, mas seu deslocamento é razoável, motivado por um
circuito turístico. Eles estão em viagem. O narrador e sua companheira são a perfeita
encarnação da vida organizada e rotineira. Ambos trabalham no Ministério das colônias (pequena referência ao próprio passado da autora?) e ele, em particular, recopia há
oito anos os registros de nascimento e de óbito, atividade de repetição, nem um pouco
criativa, sem qualquer imprevisto, contábil, que será muitas vezes apresentada como
sumamente insuportável.
9
2. O marinheiro de Gibraltar: errância geográfica, social, textual
“En Asie, l’hindouisme et le bouddhisme promeuvent également le pèlerinage” e “En Inde, le sannyâsi est un
moine de l’errance solitaire, un homme du renoncement suprême”.
12
Entretanto, o narrador vai “abandonar” tudo: sua namorada e seu trabalho. E embarca em um iate como companheiro incerto de Anna, que está à procura de um personagem de existência duvidosa.
O barco é apresentado como “um lugar sem papéis, sem registros” (p.122), em
oposição, pois, ao antigo trabalho do personagem-narrador. É o lugar por excelência
das pessoas sem vínculos como observa Anna:
Quando não se tem família, […] não se tem guarda-roupa, nem papéis, nem domicílio, porque
não saberia o que fazer, ao contrário dessas seguranças tão ao gosto das pessoas honestas e
quando para a própria pessoa já é difícil sair do lugar, não é junto ao mar que alguém se sente
mais à vontade? ou sobre o mar? (p.189) 13
O marinheiro é o personagem errante por excelência. Ninguém conhece sua
identidade (p.228), nem mesmo Anna. Ela sequer sabe seu nome ou sua origem –
ele vem de “parte alguma” (p.138). Está em constante movimento, tendo feito muitas
vezes a volta ao mundo (p.244); ele não suporta as fronteiras que considera como
grades de prisão (p.244). Mesmo quando Anna e ele vivem juntos em Paris, durante algumas semanas, ele sai continuamente (p.246). É “um homem a que a vida não
habituara ao inferno da vida quotidiana” (p.247).14 Essa errância fora causada pelo
assassinato que o marinheiro teria cometido em sua juventude, aos vinte anos? Não é
certo; em todo caso, tornar-se um assassino em fuga certamente agravou sua marginalidade e sua impossibilidade de fixar-se. Um assassino é alguém que “não tem mais
história” (p.163), e que se acha reduzido a seu ato: “quando se é assassino, a gente é
só isso, nada mais” (p.167).15
O marinheiro não pode ser imobilizado; ele é fugidio e Anna compreendeu que,
no máximo, poderão viver juntos apenas algumas semanas. É possível que o marinheiro
jamais tenha existido. Anna sugere que talvez ela mesma tenha inventado tudo (p.324),
e o narrador compreende que é preciso “um pretexto para viajar” (p.270), e que o marinheiro poderia ser esse pretexto. Ele seria uma quimera criada por Anna, uma figura da
errância que seu desejo construiu. Talvez porque ela própria seja uma errante. Embora
seja primeiramente apresentada como americana, ela é, de fato, francesa.
“Quand on n’a pas de famille […] pas de garde-robe, pas de papiers, pas de domicile, parce qu’on ne saurait
que faire, bien au contraire, de ces assurances si goûtées des honnêtes gens et que sa seule personne est
déjà difficile à transporter, est-ce que ce n’est pas au bord de la mer qu’on se sent le plus à son aise ? ou sur
la mer ?” (p.189)
14
“un homme que la vie n’avait pas habitué à l’enfer de la vie quotidienne” (p.247).
15
“n’a plus d’histoire” (p.163), “quand on est assassin, on n’est plus que ça, rien d’autre” (p.167).
13
85
Na juventude, ela deixou o café de seus pais nos Pirineus para seguir um homem
a Paris, onde teve pequenos empregos, antes de embarcar como servente no iate de
um milionário que se tornaria seu marido. Ela o abandonará, causando, assim, involuntariamente, sua morte, uma vez que fora viver com o marinheiro. Após sua partida,
ela errará primeiramente pela França, depois pelos mares à sua procura, respondendo a sinais cada vez mais improváveis, que seus marinheiros lhe comunicam de um
lado a outro do mundo. Mulher de costumes livres (ela diz de si mesma que é a “puta
dos oceanos”), riquíssima, desocupada, a viagem representa para ela uma maneira de
ocupar seu tempo, de dar um sentido a sua vida, porque ela não pode ficar sem fazer
nada (p.145). Ela traz consigo o narrador e seus marinheiros. Um deles, Bruno, confia ao
personagem-narrador, quanto lhe é difícil ficar no iate apesar do bom salário, por causa
da inatividade e da falta de objetivo preciso: “não vamos jamais a algum lugar, não fazemos quase nada” (p.197).16 Mas sua passagem no iate torna qualquer outro modo de
vida impossível para ele.
Outro marinheiro, Epaminondas, não pode admitir voltar a seu país após ter sido
“arrastado” pelo mundo por Anna (p.310). Assim, ela desenraiza seus marinheiros e seu
modo de vida os contamina, torna-os em seguida inaptos a uma vida dita normal.
O personagem-narrador sofre a mesma atração, e passa a adotar o modo de ser
de Anna, até para dedicar-se à procura do marinheiro, pretexto da viagem. Se este a
“fez caminhar” (p.316), como observou Epaminondas, o narrador, literalmente, levou-a
a caminhar em Tânger, ponto crucial da história, onde acabam por declarar seu amor. A
errância não cessa, contudo, continuando ambos a “espumar” as terras e o mar, como se
somente a busca fizesse seu amor sobreviver.
Não são somente os personagens que são levados pela síndrome da errância, o
texto também perde suas amarras realistas e envereda em um futuro incerto, transforma-se em “uma história para dormir em pé” (p.198), uma dessas “histórias intermináveis”, “limosas” (p.242) que afeiçoam Anna a seu companheiro e vice-versa. O
personagem do marinheiro torna-se mais e mais extravagante e ele se encarna momentaneamente nos indivíduos improváveis, multiplicando sua história, conforme
observa o narrador: “Por vezes, tenho a impressão de que existem dez histórias do
marinheiro de Gibraltar” (p.320).17
Cada vez mais intencionalmente, os personagens remetem à gênese de um texto
que recontaria a história que está sendo lida, insistem sobre o lado romanesco de sua
epopeia, sobre a origem textual de sua aventura.
“on ne va jamais nulle part, on ne fait presque rien” (p.197)
“une histoire à dormir debout” (p.198), “histoires interminables”, “bourbiers” (p.242) “Parfois, j’ai l’impression
qu’il y a dix histoires du marin de Gibraltar” (p.320).
16
17
No final, os leitores são deixados a si mesmos – “eles acreditarão [...] no que quiserem” (p.413).18 De certo modo, eles também são abandonados à errância, e não guiados
na sua interpretação, mas deixados à sua liberdade.
A errância do marinheiro é, em parte, causada pelo assassinato que ele cometera.
Já em Une aussi longue absence (Uma tão longa ausência), a errância do mendigo é provocada por sua deficiência físico-mental, sua perda de memória.
3. Uma tão longa ausência: a vagabundagem
Pesquisa recente mostrou que “quase um terço (32%) das pessoas sem residência,
interrogadas, apresentam ao menos uma perturbação psiquiátrica severa”.19 No caso
do personagem nomeado no script do filme como “o mendigo”, trata-se de uma perda
de memória. Eis como ele é apresentado: “Longe do tempo, do espaço, um homem
está perdido” (p.149). Ele está à margem da sociedade e opõe-se socialmente à Thérèse
que possui um café e é solidamente estabelecida na vida da cidade. Dizem que “sua
lógica não se refere à lógica da conduta comum” (p.189).20 Ele se recusa a especificar
onde mora, contentando-se em indicar um vago, “por lá” (p.165). Thérèse, após uma
perseguição, o alcançará em seu alojamento, simples cabana sem porta, ao longo do
cais do Sena. Para lá chegar, ela precisa atravessar um espaço “cinza”, “triste” (p.168), um
no man’s land cheio de canos e cercado de muros intermináveis. Mesmo a avenida de
Neuilly que ela utiliza para encontrá-lo é “absolutamente deserta” (p.168) e o camping
por onde anda é povoado só por estrangeiros.
O mendigo anda muito “com seu passo de montanhês, infatigável e tranquilo”
(p.155),21 nessas zonas de desolação, típicas dos lugares de errância. Ele passa o tempo
a juntar revistas velhas, tecidos, em parte para vender, mas, sobretudo, para recortar
máscaras (rostos). O objetivo dessa atividade de recorte, que o absorve como um trabalho verdadeiro, escapa ao leitor, conforme é indicado em nota (p.181). Sua identidade
também é fugidia. Certamente, ele fabrica, sob os olhares “inquisidores” (p.165), uma
carteira de identidade com o nome de Robert Landais, mas ele não se reconhece com
esse nome que lhe fora imposto por outros: “É o que me disseram” (p.165). Também in“ils croiront [...] ce qu’ils voudront” (p.413).
“près d’un tiers (32%) des personnes sans logement interrogées présentent au moins un trouble psychiatrique sévère”. “Une étude sur la santé mentale des SDF”, http://www.lefigaro.fr/flash-actu/2009/12/15/01011-20091215FILWWW00336-une-etude-sur-la-sante-mentale-des-sdf.php
20
“Loin du temps, de l’espace, un homme est égaré” (p.149). “sa logique ne se réfère pas à la logique de la conduite commune” (p.189).
21
“de son pas de montagnard, infatigable et tranquille” (p.155).
18
19
ventaram para ele uma história de deportação. Mas tendo perdido a memória, ele não
se lembra de nada. Ele é “como uma casa bombardeada, em pé, mas destruída irremediavelmente” (p.200).22 Forma oca, sobre a qual Thérèse vai tentar projetar seu desejo e
a quem ela vai tentar ligar-se. Em vão. O mendigo fugirá, pressentindo a armadilha, simbolizada pela poltrona Voltaire, que o imobilizaria. Thérèse terá que esperar o inverno,
porque no verão, ela observa, eles são “livres” demais (p.204). A errância do mendigo é,
pois, plural: errância de um ser sem memória, um pouco perdido, diferente, vivendo à
margem da sociedade. Ele é inteiramente visto pelos outros, e, sobretudo, por Thérèse,
mas permanece estranho para nós. Finalmente, jamais saberemos se ele é seu marido.
Centro ausente, vazio, que a conduz à sua perda, uma vez que ela se “mendicaliza” lançando-se a seu encalço (p.172).
Com o personagem de Lola Valérie Stein, e principalmente, graças ao empenho
do narrador, nos aproximamos da errância psíquica.
4. Lol ou a errância psíquica
A psicanalista Marie-Lise Roux tenta definir e explicar a errância psíquica em “L’errance : entre dérive et ancrage” (“A errância: entre deriva e ancoragem”). Ela nota que
“A errância ‘psíquica’ […] não é a busca de um objeto, mas um deslocamento que tem
por finalidade o próprio deslocamento” (1996, p.72). Roux precisa que se pode observá-la nos hospitais psiquiátricos onde pacientes são vistos deambulando “sem finalidade,
pelos pátios e nos corredores” (p.72). Essa caminhada deve ser considerada como um
sintoma não doloroso e que traz um apaziguamento ao paciente. Ela explica que muitos significados são possíveis para a errância psíquica.
Como o errante encontra aí um meio de não ter que levar em conta seu mundo
interno, as sensações externas que ele percebe vêm encobri-lo. Em certo sentido, o espaço-tempo da errância representa o papel de um objeto para o “eu” e também o papel
de um eu reflexivo (p.74). O errante reencontra assim, a ilusão de todo poder, lá onde
“não há separação e onde a díade primitiva está sempre presente” (p.74). Não surpreende descobrir que a errância é frequentemente ligada a uma lembrança traumática da
infância, e mais precisamente ao fato de que a mãe tenha desqualificado os afetos da
criança, levando-a, pois, a não mais ter afetos. Essa desqualificação dos afetos pela mãe,
objeto primeiro da criança, acarretará também a impossibilidade de ela encontrar mais
tarde objetos libidinosos. Permanecendo, pois, sem perceber seu mundo interno, o errante encontra na deambulação um meio de ajudá-lo a ultrapassar essa limitação. Na
“comme une maison bombardée, debout, mais détruite irrémédiablement” (p.200).
22
86
verdade, o mundo interno do errante é assim destruído, mas ele encontra na errância
um consolo certo.
Roux explica que a errância só pode se resolver “pela construção de um lugar, de
um território, melhor dizendo, de um espaço reservado ao sujeito para que ele possa descobrir os laços que estão na origem dos autoerotismos e dos objetos” (1996,
p.77). O errante está à procura de um “Espaço e tempo que possam ser preenchidos
de lembranças e de idas e vindas necessárias ao interior de si mesmo, entre aqui-e-agora e lá embaixo e outrora” (p.77). Essas hipóteses são corroboradas pelos trabalhos
de Florence Goldberg e Philippe Gutton, “L’errance à l’adolescence: une addiction
d’espace ?” (“A errância na adolescência: um vício de espaço?”). Eles desenvolvem
particularmente a relação do errante e o tempo, explicando que este supervaloriza
o espaço, chegando até a fazer dele um objeto fetiche, para tentar dominar um tempo que lhe escapa, uma angústia de aniquilamento (1996, p.63). Essa tentativa de
transformação da temporalidade psíquica em experiência espacial é evidentemente
voltada ao fracasso, porque “o tempo espacializado é em si um tempo ausente, uma
falha temporal que só pode engendrar por sua vez, uma espacialização do vazio”
(1996, p.65). Círculo vicioso, no qual o errante se perde e a ausência do tempo remete
a um espaço vazio.
Como essas reflexões teóricas se aplicam a Lol? Na volta a S.Tahla, Lol caminha,
sem finalidade aparente, em sua cidade natal (p.36). A cada dia, ela erra nas ruas, andando ao acaso (p.39). Diz-se que sua caminhada “livra-a de querer ser ou fazer” (p.39).
Sua errância é, pois, um consolo.
O trauma que ela sofreu, se não remete à infância – mas quem poderia ter certeza de que este seria o despertar de um trauma mais antigo? certamente não para
Tatiana, que faz remontar à infância a “diferença” de Lol (p.12) –, remete-se à sua juventude, a esse baile onde ela se viu substituída por uma outra mulher junto a seu
noivo. Trata-se de uma experiência de aniquilamento. Entretanto, Lol não teria aparentemente experimentado nenhuma dor, o que nos permite supor que ela se mutilou
em seu mundo interno. Aliás, ela não é então descrita como “um deserto no qual uma
faculdade nômade tinha-a lançado na perseguição interminável de quê?” (p.24). Seus
passeios seriam, pois, um paliativo, um meio de compensar essa perda. Assim sendo,
eles se tornaram “indispensáveis”. Paradoxalmente, eles lhe propiciaram ao mesmo
tempo o esquecimento: “Ela começa a caminhar no palácio faustoso do esquecimento
de S.Tahla” (p.43) e permitem à sua memória colocar-se em marcha e voltar ao trauma,
o momento de expulsão de sua própria pessoa. Lol faz, portanto, idas e vindas ao seu
interior, entre aqui e agora e lá e outrora ou para falar de outro modo, ela vai: “de um
lado a outro do tempo” (p.107).
Caminhando em S.Tahla, Lol espacializa o tempo até certo ponto, mas se trata,
evidentemente, de um espaço/tempo fantasmático – é o seu “cinema” (p.49) – no qual
ela só se perderá. Vimos que, segundo Goldberg e Gutton, o errante só pode perder-se
em um espaço que se esvazia.
Quando se considera a transformação que sofre a diegese de Le Ravissement na
transposição que é L’Amour, pode-se apenas constatar o esvaziamento do espaço sob
efeito da espacialização do tempo. Os personagens de L’Amour – “restos” dos personagens de Le Ravissement – deambulam, com efeito, nas areias de S.Thala, espaço/tempo
minimalista. Duras sublinhou em Les Lieux que “a areia é o tempo” (p.85). De fato, os
personagens, assim como o leitor, penetram em um espaço mental, textual.
Sua errância poderia ser considerada como negativa: eles perdem a identidade, mas
na verdade, Duras não a considera assim, pois ela diz que se as personagens de L’Amour
são apenas “restos”, por outro lado, elas se transformam no “principal” (1974, p.68).
Outra personagem emblemática da errância, que também se perde, é a mendiga.
5. A mendiga: errância adolescente, espacial, social, mental e textual
A mendiga de O vice-cônsul é o paradigma da errância, reunindo em sua personagem muitas de suas dimensões. Entretanto, não me demorarei nisso, porque muitos
críticos já estudaram seu percurso.23
Grávida, foi expulsa de sua família por sua mãe, com a ordem de “perder-se”. Seu
desvio moral – ela cometeu o erro de não permanecer virgem – acarreta uma punição: seu exílio. Sua longa caminhada corresponde a milhares de quilômetros e demora uma dezena de anos, de sua cidade natal, Battambang até Calcutá, onde ela para.
Um percurso que “não é possível” (p.156), ao longo do qual, ela se desintegra física e
mentalmente. Torturada pela fome, roída por dentro pelos filhos aos quais ela dá à luz
e abandona em seguida, ela se torna careca, magra, repulsiva, não tendo mais uma
aparência humana.
Ela perde também a possibilidade de comunicar-se com os outros; no início, porque as pessoas não compreendem mais sua língua, depois, porque perde a razão. Sua
errância se assemelha a uma peregrinação, mas uma peregrinação que terminaria em
23
Além de Marcelle Marini (Territoires du féminin: avec Marguerite Duras, Paris: Minuit, 1977), pode-se citar entre outras, Madeleine Borgomano (“L’Histoire de la mendiante indienne. Une cellule génératrice de
l’œuvre de Marguerite Duras”, Poétique, no 48, 1981, pp.479-93), o artigo de Florence de Chalonge “Une
quête de l’origine ? Identité et parcours spatial dans Le Vice-consul de Marguerite Duras”, Littérature, n.88,
1992, p.33-43, e mais recentemente o capítulo 3 do estudo de Karin Schwerdtner (La Femme errante, Ottawa: Éditions Legas, 2005).
perda, na aniquilação de si, mesmo se ela parece reencontrar uma espécie de equilíbrio
em sua vida limítrofe, à margem do humano em Calcutá.24
Figura do despojamento, personagem fugidia, ela escapa ao controle de Peter
Morgan e sua história se dispersa nos discursos dos outros personagens de O vice-cônsul, que têm, cada um, sua própria versão. Ela ultrapassa os níveis narrativos. Ela perpassa também muitas outras obras de Duras, como Barragem contra o Pacífico, India Song,
Son Nom de Venise dans Calcutta désert, O amante e O amante da China do Norte. Célula
geradora da obra durassiana – esta é com certeza uma remissão à análise seminal feita
por Madeleine Borgomano25 –, sua errância é, pois, também textual.
Se a mendiga atravessa a obra durassiana, Emily L. retoma também temas e estruturas narrativas já exploradas em Moderato Cantabile, mas, sobretudo, este texto retrabalha a errância no mar de Marin de Gibraltar.
6. Emily L.: a viagem no mar
Embora tenhamos visto que viagem e errância não coincidem, retomo o termo
viagem porque é o que Duras utiliza no texto; trata-se, entretanto, de uma viagem sem
finalidade, logo, de errância. A viagem no mar não será a única faceta da errância que
Emily L. explora.
Amando o Capitão, a aristocrata Emily pode ser vista como uma transgressora
social, a ponto de o pai proibir o casamento por achá-lo desigual. Mas essa errância social não é nada comparada à transgressão que Emily realiza escrevendo, ao menos aos
olhos do Capitão. Ele considera isto uma traição (p.78) e o poema escrito após a morte
de sua filhinha será para ele um crime (p.82). Na verdade, ele se dá conta de que vive
com “uma desconhecida” (p.83). Queimando o poema de sua mulher e escondendo seu
ato, o Capitão assassina-a; ao menos, é assim que o considera o jovem guarda (p.124).
Ele mata o escritor que não pode aceitar e destrói, pois, qualquer possibilidade de suportar a dificuldade de viver naquela situação.
A errância no barco é “a solução” que ela encontra para aguentar a vida. Após a
morte de sua filhinha, Emily L. queria já “se sauver” (“se salvar”) (p.72) – que se pode
compreender nos dois sentidos da palavra: “fugir”, mas também “assegurar sua salvação”. Ela queria já roubar o barco de seu pai (p.81).
Por contraste, Schwerdtner insiste sobre o movimento giratório da mendiga, tanto em seu périplo de Battambang a Calcutá, quanto em seus deslocamentos nessa cidade. Ela a vê condenada a “um movimento
circular interminável” (p.64) que transcreve a busca impossível pela origem, pela infância e o país natal,
ambos simbolizados pela mãe.
25
Aliás Madeleine Borgomano escreve que: “ela transgride as fronteiras genéticas”, (op. cit., p.484).
24
87
Uma vez destruído o poema, ela “encontrara a viagem no mar […], ela decidira
perder sua vida no mar, não fazer senão poemas de amor e perdê-los no mar” (p.89). É
preciso dizer que para a narradora (que é um pouco Duras), das “longas viagens em navios que duravam semanas, meses, restavam para os que tinham vivido os momentos
mais extraordinários da vida” (p.41).
A viagem no mar é apresentada como muito longa – ela dura há anos – é mesmo
“interminável” (p.41) e abrange o mundo inteiro. O último périplo compreendeu a Malásia, Málaga, as Ilhas da Sonda (p.39). Viajar tornou-se seu modo de ser. Aliás, Emily e o
Capitão são chamados muitas vezes de “viajantes” (p.47, 64 e 65), de “passantes do mar”
(p.44). Dizem que eles são “os viajantes das maiores distância da terra” (p.67). Sugere-se
que estão no final de sua última viagem (p.31).
Ainda que se possa considerar essa viagem de forma literal, seria muito redutor. É
o erro que comete a filha da patroa que, em sua inocência e curiosidade, as questiona
sobre sua proveniência. A narradora observa: “Ela deveria pressentir que a viagem realizada por essas pessoas nada tinha a ver com o que ela sempre imaginara e sobre o que
ela não deveria perguntar” (p.44).
Em certo sentido, trata-se da viagem da vida e essa associação é sugerida pela
repetição nesta frase: “Chegando lá no fim da última viagem, no fim da vida” (p.31), mas
esta metáfora estereotipada é também limitada demais, porque a viagem toma significações mais precisas no texto. Como a da mendiga, está ligada a uma falta original, mal
definida. A do Capitão? De ter queimado o poema de sua mulher? A de Emily? De ter
escrito esse poema? Em todo caso, logo no início do texto, Emily e o Capitão são apresentados como punidos:
Dir-se-ia plantas, coisas como esta, intermediárias, espécies de vegetais, plantas humanas,
apenas nascidas e já morrendo, apenas vivendo e já mortas. Sim, coisas inocentes e punidas.
Árvores. Árvores privadas de água e de terra, punidas (p.17).26
Ambos, fracassados neste café em Quillebeuf devido à pane no motor, são “punidos”,
ao mesmo tempo privados de água e de terra, pois eles não podem mais navegar, tampouco podem voltar para casa, na Ilha de Wight. Se eles são punidos, parece que, como a
mendiga, seu erro seja perdoável ou inexistente, uma vez que eles são coisas “inocentes”.
A escrita só aparece como traição para o Capitão, e seu gesto de queimar o poema pode
ser interpretado como fruto de seu desespero para reter Emily, motivado por amor.
“On aurait dit des plantes, des choses comme ça, intermédiaires, des sortes de végétaux, des plantes humaines, à peine nées que déjà mourantes, à peine vivantes que déjà mortes. Oui des choses innocentes et
punies. Des arbres. Des arbres privés d’eau et de terre, punis” (p.17).
Como a mendiga, sua errância os isola. De fato, eles são estrangeiros – o texto, aliás, menciona inúmeras palavras em inglês, sublinhando assim, sua diferença – mas seu isolamento é mais importante: “eles estavam ambos numa preocupação que os separava das pessoas, mais do que o faria uma língua estrangeira”
(p.92). “Perdidos” (p.17), “sozinhos” (p.17), eles estão sentados na parte reservada
às pessoas de passagem. Parecem não ver nada (p.17) e são retirados no silêncio
na maior parte das vezes: “Era impossível romper o silêncio que os separava das
outras pessoas” (p.128).
A diferença provinha de sua experiência no mar. Sua errância marítima é uma experiência do vazio – o mar, o céu sendo descrito como “vazios” (p.94) – da “pura passagem do tempo” (p.90), que nada consola. Embora sua errância se traduza pelos deslocamentos físicos sobre os mares do globo terrestre, sua deriva é essencialmente interior.
Nada os prende mais à vida quotidiana – nem trabalho, nem horário, nem preocupação de dinheiro, nem família. Até seu porto de parada; a casa de sua mãe fora saqueada e ela não suporta mais ficar lá, preferindo um hotel em Newport. No mar, eles
fazem a experiência da imensidão e do vazio.
Como Gaston Bachelard explica em Poética do espaço, “Deixando o espaço das
sensibilidades usuais, entra-se em comunicação com um espaço psiquicamente inovador” e ele precisa: “não se muda nada de lugar, muda-se de natureza” (1957, p.187). O
grande espaço vazio que é o mar entra em consonância com o vazio interior de Emily,
privada da escrita. Bachelard sempre menciona essa “consonância entre o espaço do
mundo e o espaço da intimidade” que se torna mais profundo na sua solidão (BACHELARD, 1957, p.184). Escolhendo a errância no mar, Emily não somente rompe com sua
vida habitual, mas aceita perder-se. Ir até a loucura, aliás, conforme descrevem seu marido (p.101) e o jovem guarda (p.124).
Outro modo de interpretar a errância em Emily L. é considerá-la como textual. Se
retomarmos o parágrafo que apresenta o Capitão e Emily L., pode-se ver essas “coisas”,
essas “plantas humanas” “apenas nascidas e já morrendo” (p.17) como esboços de personagens, que serão retomados, desenvolvidos pela narradora e seu companheiro. A
partir da história de Emily L., a narradora escreve também sua própria história; um casal
reenviando a outro, em uma estrutura de espelho que lembra a de Moderato Cantabile.
A presença do espelho na parede do café reforça o lado especular do texto. Então, torna-se difícil saber a quem se referem os pronomes, o que coloca o leitor na incerteza.
Como no parágrafo:
26
Sua idade, não se pode conhecer. O que se vê é que ela é sensivelmente mais velha que ele.
Mas que ele recuperou a lentidão dela. Que ele recusa ir mais adiante do que pode ir, isso há
anos. Que acabou para ela e que, entretanto, ela está ainda lá, próxima a esse homem, que seu
corpo está ainda carregado do seu, de suas mãos, por tudo, de noite, de dia (p.20).27
Não somente, não sabemos se este parágrafo faz referência a Emily e ao Capitão,
ou à narradora e à sua companheira, mas dadas as similaridades entre o casal formado
pela narradora e seu jovem companheiro, e entre Duras e Yann Andréa, o leitor vislumbra uma relação entre os planos ficcional e quase autobiográfico do texto.
A desestabilização prossegue no âmbito da história. De fato, no final do texto, como
Emily se vê tentada a partir, apesar do cansaço, a falta dos sapatos e a proximidade da
morte (p.102), a história se desdobra em outra história de amor entre ela e o jovem guarda. Aliás está escrito: “A história de amor tomou o lugar da viagem pelo mar” (p.146).
Assim como Anna persegue o sonho da personagem de mesmo nome em O marinheiro de Gibraltar, o casal inglês leva em sua deriva espacial o jovem guarda e ele também se põe a cruzar os mares à procura de Emily (p.147). Ecos de outras obras ressoam
no texto, desde O marinheiro de Gibraltar a O amante, passando por O deslumbramento
(p.149) e O vice-cônsul (p.148), para perturbar o leitor que se encontra tomado pelos
restos textuais durassianos. Como para melhor assinalar o voo na errância imaginária e
textual, a palavra “história” é repetida (p.150).
Para terminar esse sobrevoo bastante lacunar da errância através de alguns textos, examinarei Chuva de verão com seus temas de imigração, e de marginalidade.
7. Chuva de verão: a imigração, a marginalidade
Esses temas surgem ao longo da obra durassiana e são ambos aspectos da errância.
Os pais são imigrantes, ele italiano, ela do Leste Europeu. Enquanto o pai parece
ter uma origem bem definida, o Vale do Pó, na Itália, a origem da mãe permanece misteriosa. Teria nascido em uma cidade, na “confusão das populações entre a Ucrânia e
o Ural”, depois teria estado na Polônia, de onde partira com um homem, que ela teria
deixado ao chegar a Paris; finalmente, após dois dias de caminhada, teria chegado a
Vitry. A mãe não elucida suas origens, querendo ficar como uma “estrangeira aos olhos
dos que a rodeiam, mesmo Emilio” (p.48). Sua “anterioridade tão obscura” é “causa de
grande sofrimento” (p.61) para Emilio em particular. A mãe até “esqueceu a língua de
sua juventude” (p.27), embora procure falar sem sotaque.
“Leur âge, on ne peut pas le connaître. Ce qu’on voit, c’est qu’elle est sensiblement plus âgée que lui. Mais
que lui il a rattrapé sa lenteur à elle. Qu’il refuse d’aller plus avant qu’elle ne le peut, ça depuis des années.
Que c’est fini pour elle et que pourtant elle est encore là, dans les parages de cet homme, que son corps est
encore à la portée du sien, de ses mains, partout, la nuit, le jour” (p.20).
27
88
Não somente o pai e a mãe são estrangeiros, mas vivem à margem da sociedade, de lugares familiares, de subvenções, de doações, e mesmo de catar lixo. Eles não
trabalham mais fora de casa. Entraram em uma forma de deriva social, sendo pouco
integrados à sociedade. Eles bebem a ponto de se perderem e serem recolhidos pela
polícia. Não mandam as crianças à escola, não cuidam delas, deixam-nas abandonadas,
aos cuidados dos filhos mais velhos.
Abandonadas a si mesmas, as crianças erram pelos terrenos baldios de Vitry, terra privilegiada da errância. No texto, em itálico, no final do livro, Duras explica que os
arrabaldes de Vitry são os lugares da filmagem de Les Enfants que, entretanto, lhe inspiraram a escrever Chuva de verão. Para ela, Vitry é um “subúrbio aterrorizante, raro,
indefinido” (p.155), o espaço “menos literário que se possa imaginar, o menos definido”
(p.155). No texto, o terreno ao redor da Casa é apresentado como um terreno baldio:
“um antigo campo de samambaias recoberto de lixo, onde as pessoas jogavam os brinquedos velhos de seus filhos, velhos patinetes, velhos carrinhos, velhos triciclos, velhos
velocípedes e mais velhos velocípedes” (p.18). É um lugar de passagem, cortado pelos
trens, o rio, e a autoestrada meio abandonada (p.42). Esse subúrbio onde erram as crianças – elas caminham e correm nela todo dia – é um lugar de abandono, de desolação e,
entretanto, preferível ao saneamento e modernização que destrói este mundo no final,
o que sugere uma visão mais positiva da errância, como possibilidade de descoberta,
do verdadeiro conhecimento.
A mãe, sobretudo, não quer deixar-se prender, fechar-se. Embora ame seus numerosos filhos e também Emilio, ela conserva uma tentação de partir, de abandonar tudo.
As crianças e principalmente Emilio vivem com medo de que ela se vá. Como sua mãe,
Ernesto sabe que, apesar de seu amor por Jeanne, ele partirá.
Como diz a mãe, Ernesto é não localizável, invisível, incompreensível: “Ernesto,
não se pode pegar… não se vê... não é nada, por assim dizer…” (p.65-6). Ernesto parece
escapar ao tempo – ele tem “entre doze e vinte anos” (p.12) e ele absorve os conhecimentos por osmose, contradizendo por isso mesmo, todas as leis de aprendizagem.
Seus irmãos e irmãs consideram-no um pouco louco (p.15); Emilio, seu pai, acha que ele
é “diferente dos outros” (p.31). O professor acha-o um vagabundo.
Ernesto não encontra lugar na sociedade; ele não pode entrar em nenhuma estrutura, fazendo-as explodir. Assim, ele declara: “Não voltarei para a escola porque na
escola me ensinam coisas que eu não sei!” (p.22). Ele não respeita a lei mais elementar
da sociedade humana: a interdição do incesto. Segundo os rumores, no final do livro,
ele se transformaria em uma espécie de sábio itinerante, chamado “um pouco em todos
os lugares do mundo, por ocasião da implantação dos grandes centros científicos da
terra” (p.152). Ernesto tornou-se um errante dos tempos modernos.
Para concluir esse sobrevoo, o personagem durassiano é frequentemente um errante; sua errância combina diferentes facetas: espacial, social, mental, emocional e ainda pode duplicar-se muitas vezes, pela perda da possibilidade de comunicar-se, pela
solidão e exclusão. Poderia ter falado dos viajantes de comércio, como o de Square, ou
mesmo dos brancos de O vice-cônsul, assim como de Anne-Marie Stretter em particular,
que se definem em oposição à mendiga, à sua errância e sua loucura, mas que são, efetivamente, também eles personagens deslocados, senão errantes. Mesmo a jovem de O
amante, que, desde o início de sua relação com seu amante, sabe que terá de deixá-lo,
e que enganará a todos os homens com quem se relacionar; também ela talvez possa
ser vista praticando uma forma de errância relacional (DURAS, 1984, p.54).
Como vimos, a errância é também, textual, com a impossibilidade de fazer enquadrar as obras de Duras em gêneros precisos, com sua vasta intratextualidade, seus
personagens, como a mendiga em particular, que “derivam” em muitos textos/filmes.
Essa errância textual não é para surpreender quando se considera o ideal do livro
que Duras mostra em “L’autoroute de la Parole”. De fato, para ela, o livro ideal consiste
em “sair do sentido, ir a parte alguma, […] chegar ao acaso, […] ir a todos os lugares ao
mesmo tempo” (1987, p. 13). Livro, quanto errante!
Por que a obra de Duras é tão marcada pela errância? Essa predileção pela errância poderia vir de sua juventude?
8. Duras, a errante
É preciso dizer que em sua juventude, Marguerite Duras não conheceu verdadeiramente um ponto de base, mas foi continuamente deslocada ao sabor das mudanças
de seu pai e, após a morte deste, de sua mãe. Conforme resume com Michelle Porte em
Les Lieux: “Durante toda minha infância eu só fiz mudar de lugar”. (DURAS, PORTE, 1977,
p.17). É somente com sua casa de Neauphle – adquirida quando tinha 42 anos – que ela
descobre o que é pertencer a um lugar.
Ela não disse: “Eu amo Neauphle. Eu não tinha pátria e eis que está feito”.28 Na
verdade, em sua juventude, ela irá da cidade aos postos na brousse29, na Cochinchina e
no Camboja: de Giaginh (onde nasceu) a Saigon, Hanói (com as férias na China), Pnom
Penh, Vinh Long, Kampot (onde sua mãe comprara a famosa concessão), Sadec. Mesmo
quando chega à França, ela percorrerá o hexágono em todos os sentidos. De fato, seu
Citado por Jean Vallier, Marguerite Duras. La Vie comme un roman, Paris: Les éditions Textuel, coll. Passion,
2006, 118. Os fatos biográficos citados foram estabelecidos graças à biografia escrita por Jean Vallier, C’était
Marguerite Duras. Tome I, 1914-1945, Paris, Fayard, 2006.
28
Vegetação semiárida que em seu aspecto remete ao cerrado brasileiro (N.d.T.).
29
ponto de ancoradouro será no início Le Platier, em Lot-et-Garonne, depois Paris, mas
ela passará tempos com seus familiares maternos, na região de Somme, e irá em férias
para a Normandia.
Assim, antes de instalar-se definitivamente na França com 19 anos, ela terá realizado sete vezes a longa viagem de quase um mês entre Marselha e Saigon. Essas viagens
se faziam em grandes navios, e enquanto funcionários do estado francês, os Donnadieu
tinham o privilégio de poder viajar em primeira classe, no luxo. Os navios faziam escala: Port-Saïd, Djibouti, Colombo, Singapura… nomes que fazem sonhar. Essas longas
viagens sobre os oceanos lembram, é claro, as personagens Anna em O marinheiro de
Gibraltar e também Emily em Emily. L. Pode-se, pois, falar de uma verdadeira errância da
jovem Marguerite que jamais ficou muito tempo no mesmo lugar, nem no mesmo país.
Quando jovem, na Ásia, ela se sentia mais próxima dos anamitas que dos franceses. Em Les Lieux, ela explica que enquanto criança, rejeitava a identidade francesa:
“éramos mais vietnamitas, veja você, que franceses” (DURAS, PORTE, 1977, p.60). E essa
proximidade foi registrada na sua fotografia vestida como jovem vietnamita (p.45). Ela
acrescenta: “um dia, aprendi que era francesa” (p.60). Essa rejeição chegava até à dificuldade de engolir a alimentação que fosse tipicamente francesa: as maçãs, os bifes. Ela se
reconhecia de “lá de baixo, da brousse, realmente” (p.61).
Embora seus pais tivessem pertencido à sociedade branca na colônia, Duras apresenta sua família como marginal, situada um pouco acima dos indígenas. Uma vez instalada na França, e não tendo jamais voltado ao seu país de origem, ela não se sente
francesa. Ela insiste sobre sua origem “créole”, que a ajuda a conservar sua diferença. A
única identidade que Duras talvez tenha procurado, identidade impossível para ela, é
de ser judia, a ponto de seu filho acreditar que ela o fosse. Mas justamente a errância do
povo judeu talvez tenha contribuído nessa identificação.
Duras, em certo sentido, faz parte desses numerosos escritores nômades, expatriados e exilados. Com as guerras de independência, depois a guerra do Vietnam, durante
muitos anos, teria sido difícil voltar aos lugares de sua infância. Parece que ela ocupou
um interstício ao mesmo tempo forçada pelas circunstâncias e depois por escolha.
Quanto ao exterior, a vida de Duras levou-a à errância. Interiormente, pode-se ficar
tentado a seguir a explicação anunciada por sua amiga Michelle Porte, em “Le pays de
personne”. Segundo ela, “o sentimento de ser profundamente exilada” que tinha Duras
nasceu “de uma falta de algo que nada poderia preencher, a falta de amor de sua mãe”
(PORTE, 2007, p.102-3). A escrita pode ser para ela uma forma de tentar preencher a falta na origem da errância. De fato, se nos lembrarmos das reflexões sobre a errância de
Marie-Lise Roux, e se aplicarmos a Duras, poderemos ver a “Durasie” que ela construiu
através de seus textos como sendo esse espaço onde ela pôde “descobrir os laços que
89
estão na origem dos autoerotismos e dos objetos” e onde ela realizou as “idas e vindas
necessárias ao interior de si entre aqui-e-agora e lá-e-outrora” (ROUX, 1996, p.77). Mas
a escrita pode também ser considerada mais diretamente como uma forma de errância.
Alessandro Corio e Ilaria Vitali em “Écrire l’errance au féminin” dizem em sua introdução
a “Exilés, expatriés, nomades...”: “A escrita é sempre um país estrangeiro, um lugar de
perda de lembranças cotidianas, uma busca de si que deve passar inevitavelmente por
um alhures – seja geográfico, linguístico ou interior” (CORIO, VITALI, 2010, p.3).
Se isto é verdadeiro para todos os escritores, talvez seja ainda mais para as mulheres que, frequentemente, precisaram transgredir para poderem escrever. Duras, que
nos anos 70 partilhou um pensamento feminista diferenciado, estava completamente consciente das dificuldades que os escritores encontraram. Contudo, mais que seu
sexo, é sua maneira de escrever, sem ideia pré-concebida, sem plano, fora das fronteiras
genéricas, que teria feito com que a concepção da escrita como espaço da errância, de
perda e de busca se aplicasse particularmente à sua escrita.
Para empregar a terminologia de Rosi Braidotti em Nomadic Subjects, Duras fez
certamente parte dos nômades (1994). Braidotti em sua introdução “By Way of Nomadism” associa o nomadismo a uma desconstrução da identidade, uma “molecularização
do self” (1994, p.16) – isto nos faz pensar nesta citação de O amante: “A história da minha
vida não existe. Não existe. Não há jamais um centro. Nem caminho, nem linha. Há vastos espaços onde se acredita que exista alguém, mas não é verdade, não há ninguém”.30
O nomadismo também combina com uma certa violência (p.26) dirigida contra
a ordem e o falocentrismo – pensaremos em Détruire dit-elle, mas também na famosa
frase: “que o mundo caminhe a perder-se, é a única política possível” (“le monde aille à
sa perte, c’est la seule politique”) (DURAS, 1977, p.74); isto se associa a uma consciência
muito aguda da não estabilidade das fronteiras e limites (p.36), que é onipresente tanto na vida quanto na obra de Duras. Braidotti, em particular, diz que a escrita nômade
“anseia […] pelo deserto: áreas de silêncio, entre a cacofonia oficial, com um flerte com
um não pertencimento e exterioridade” (1994, p.16), outro comentário apropriado ao
estilo durassiano e a sua recusa de ser categorizada.
Braidotti precisa que a pessoa nômade se aproxima dos mapas – Duras escreve O
vice-cônsul com os mapas à sua frente, e mesmo o filme India Song. A nômade privilegia
os espaços públicos, de passagem (p.19), porque apenas passa – Duras intitulou um de
seus textos Le Square (A praça), e “atravessar” é o verbo que volta continuamente em
seus escritos, como bem observou Florence de Chalonge a respeito de O vice-cônsul
(2005, p.108).
“L’histoire de ma vie n’existe pas. Ça n’existe pas. Il n’y a jamais de centre. Pas de chemin, pas de ligne. Il y a de
vastes endroits où l’on fait croire qu’il y avait quelqu’un, ce n’est pas vrai, il n’y avait personne” (DURAS, 1984, p.14).
Certamente, nomadismo e errância se recortam sem se sobrepor. Com o nomadismo, Braidotti nos oferece uma imagem poderosa, uma forma de subjetividade, uma
forma de ser, mas também um projeto político. É uma errância pensada, escolhida.
Se o nômade aprecia os mapas, é porque eles lhe permitem encontrar suas lembranças onde quer que estejam, porque, como precisa Braidotti, o nômade é menos
alguém que não tem um lar, do que alguém que tem a capacidade de recriar um lar em
qualquer lugar (p.16).
Esta noção parece juntar-se ao conceito de “errância curva” que Duras utiliza em
relação ao povo judeu. Como observou Myriem El-Maizi, Duras era fascinada por esse
povo “condenado à errância”, e ela utiliza o termo de “errância curva” porque “Os judeus
são pessoas que partem e que, partindo, levam seu país natal fazendo-o sempre presente, de forma mais forte do que se eles jamais tivessem partido”.31
Fenômeno que é verdadeiro para a mendiga, para Emily L., para Lol e talvez para
todos os errantes durassianos. De fato, como mostra Karin Schwerdtner, em La Femme
errante, a mendiga leva consigo a busca da mãe, e poderíamos acrescentar que ela
guarda em sua única palavra – Battambang – um laço com seu país natal.
Anna transformou a busca pelo marinheiro em sua história e seu país, que ela
transporta onde quer que vá. Emily L. entrega-se à errância para perder os poemas e
seu amor sobre o mar, tarefa infinita, que ela precisa recomeçar continuamente. O significado aí está: embora não possa ultrapassá-lo, ela o leva sempre consigo. Lol, apesar
de suas errâncias na cidade de sua infância, e suas viagens em O deslumbramento e em
L’Amour não conhecerá jamais, de forma verossímil, uma solução, o que se anuncia na
frase “o fim sem fim, o começo sem fim de Lol. V. Stein” (p.185).
Talvez seja também verdadeiro para a própria Duras. Não é o que faz quando, incansavelmente, ela revisita seu país da infância, de Barragem, a Cinema Éden, a O amante e O amante da China do Norte?
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Conclusão
A errância é muito mais que um simples deslocamento geográfico. É um modo de
ser. É impossível saber se esse modo de ser foi, na origem, impulsionado pelo desenraizamento geográfico constante, ao qual foi submetida a jovem Duras, pela falta de
amor materno, depois reforçado por seu exílio escolhido. A errância sempre orientou
seu percurso pessoal, o de muitos de seus protagonistas e sua escrita, e enquanto tal, é
um conceito chave para abordar a obra durassiana.
EL MAIZI, Myriem. L’errance courbe. Analyse d’Abahn Sabana David et Aurélia Steiner de Marguerite Duras. Neophilologus 2004, 88 (4), 533-44.
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PORTE, Michelle, Le pays de personne. BOGAERT, Sophie. Duras, l’œuvre matérielle, textes et documents (coll.
Empreintes). Paris: IMEC, 2007.
30
31
Les Yeux verts, nouv. éd. (Paris: Cahiers du Cinéma, 1987), 221. Citado por El Maizi, op.cit., p.533.
RAJON, Anne-Marie. Naissances et altérité: l’errance fondatrice. in Errances, entre dérives et ancrages, AÏN,
90
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91
Marguerite Duras e a experiência contemporânea
Maria Luiza Berwanger da Silva1
Programa de Pós-Graduação em Letras
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Mestrado em Memória Social e Bens Culturais – Unilassale
Resumo
Anos depois da guerra, depois dos casamentos, dos filhos, dos divórcios, dos livros, ele foi a
Paris com a mulher. Telefonou-lhe. Sou eu. Ela reconheceu a voz. Ele disse: queria apenas ou-
A leitura simbólica da textualidade durassiana permite evidenciar um espaço de confluência entre sua produção e a experiência contemporânea pela mediação da alteridade. Tomando como pressuposto teórico-crítico o conceito de alteridade do “Fórum Jean
Bessière”, visto como tradução exemplar de uma “dupla pertença”, este estudo examina
a representação dessa imagem na obra de Marguerite Duras e a eficácia de sua transferência à literatura brasileira ilustrada pela produção romanesca de Milton Hatoum.
Esses autores estão configurados como grão da voz a ser buscado em outros autores
brasileiros vindos de campos simbólicos e não simbólicos. Assim, o presente estudo
fixa uma das perspectivas de prestar homenagem à Marguerite Duras justamente na
virtualidade dessa relocalização literária e não literária brasileiras.
vir sua voz. Ela disse: sou eu, bom dia. Ele estava intimidado, com medo, como antes. Sua voz
começou a tremer de repente. E, com esse tremor, subitamente ela reconheceu o sotaque da
China. [...] Disse que continuava como antes, que a amava ainda, que jamais poderia deixar de
amá-la, que a amaria até a morte. (DURAS, 1985, p.126-7)
Todos reconhecemos certamente a sedução desta voz desdobrada compondo o
arquivo vivo de O amante. Mas quais poderiam constituir os acentos desta dicção singular que, transgredindo geografias e subjetividades, vincula-se à experiência contemporânea? Evoca-se neste sentido uma confissão de Marguerite Duras, quando diz:
Eu também me enganei com a liberdade feminina. [...] É falso para mim [...] todos os outros
Palavras-chave: alteridade; experiência contemporânea; espaço; duplo; pertença linguística subjetiva e geográfica.
escritores que invocam, digamos a palavra, uma “alienação original” [...]. Toda escritura que
invoca uma pertença é uma escritura transitiva. Ora a escritura é um jorrar intransitivo, sem
destino, sem objetivo nenhum a não ser o de sua própria natureza que é de ser essencialmente
inútil. Ou então ela é pornográfica (VERCIER, LECARME, 1982, p.275).2
Maria Luiza Berwanger da Silva é professora do programa de pós-graduação em Letras na UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul; professora do Mestrado em Memória Social e Bens Culturais (Centro Universitário Unilasalle, RS). Publicou diversos artigos e orientou teses de doutorado sobre Marguerite
Duras. Participa em projetos de pesquisa nacionais e internacionais. Recentemente traduziu As tansformações silenciosas de François Jullien; em 2009 publicou Paisagens do dom e da troca. É especialista em Literatura Comparada e Literatura Brasileira.
1
Sob estas palavras de Marguerite Duras, com um espaço vazio desenha-se entre
escritura transitiva e intransitiva que convoca todo leitor a uma nova percepção do
mundo a reencantar, a distância fundada entre estas duas imagens da escritura sendo
configurada como lugar primordial de autorreflexividade; como se o expor sobre a página o artefato do dizer incidisse sobre uma constelação nova de mitos, de temas e de
motivos em movimento de perpétua errância em direção à uma subjetividade outra e
transterritorial: na paisagem durassiana, todo gesto de transgressão elucida-se no efeito de transformação do nomeável falso em nomeável verdadeiro, no qual o esperado, o
dominável e o evidente cedem lugar ao inesperado, ao não dominável e ao inevidente;
compõem uma certa zona em que Marguerite Duras mergulha sua paisagem de inven Tradução da Autora, exceto os expressamente indicados.
2
ção. Participar da percepção singular desta escritura nova e autorreflexiva liberada do
que ela intitula “uma alienação original” ditada a todo escritor pela tradição, substituindo-a por captações poéticas outras, eis, em uma palavra, o prazer de leitura com que
as obras de Marguerite Duras brindam todo leitor e que a definição da escritura em sua
obra Escrever o transmite de forma privilegiada.
Neste livro, imagens diversas da escritura tais que “[...] um livro é o desconhecido,
é o fechado, é isto [...], é o livro que avança em direção ao seu próprio destino” (DURAS,
1993, p.34) e, do mesmo modo, “é o desconhecido de si, de sua cabeça, de seu corpo,
é um tipo de faculdade que temos ao lado de nossa pessoa” (DURAS, 1993, p.64), este
conjunto de imagens constitui certa cartografia do involuntário, emergente sobre a página branca, sem a interferência do escritor. Transparências proustianas incorporadas
e aclimatadas aos territórios do imaginário durassiano pela solidão e o despojamento
confluem a este espaço que compensam o esforço do ato criador pelo sentimento da
vida desdobrada e sublimada pelo amor. Visto sob este ângulo, o discurso amoroso do
Chinês de Cholen inscrito em O amante (1984) capta do exotismo desta presença estrangeira os fios de uma certa memória residual em contínua prática de rememoração;
como se a descrição das marcas inapagáveis do sentimento amoroso produzida pela
experiência de estranhamento vivenciada com o amante chinês permitisse à escritora
mergulhar no fundo de seu íntimo e de pensar sobre o próprio estranhamento: “Esse
amor insensato que lhe dedico continua sendo um mistério insondável para mim” (DURAS, 1984, p.116), diz ela em O amante, mascarando sob o canto silencioso estabelecido
entre o parágrafo de abertura e o de fechamento um segredo a decifrar; contudo, exatamente no ponto em que o escritor tenta intervir, nesse ponto preciso, a escritura o trai
lembrando-lhe da força da imagem não dominável irradiada pela memória do amor.
Deste modo, quando diz: “A história de minha vida não existe. Isto não existe. Ela
não existe. Jamais tem um centro. Nem caminho, nem trilha. Há vastos espaços onde se
diria haver alguém, mas não é verdade, não havia ninguém” (DURAS, 1984, p.12), esta
confissão traduz a transmutação do discurso memorial sobre sua família em escritura
sobre os lugares de sua subjetividade escondida que o fato de ser amada por um es-
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trangeiro lhe concede, no seio de um universo familiar precário e melancólico com o
qual ela tece a narrativa de O amante.
Assim, a presença do Chinês de Cholen em O amante, ao preencher o espaço real
vivido pela escritura de invenção, expõe sobre a página o confronto de sua subjetividade difusa e ocidental com a do Chinês, compacta e oriental. Como o observa Julia
Kristeva em seu estudo intitulado La maladie de la douleur : Duras, sobre a eficácia desta
experiência de estranhamento, na obra Soleil noir: Dépression et Mélancolie:
Um duplo pode fixar por um tempo a instabilidade do mesmo, conceder-lhe uma identidade
sap, a floresta cambojana. [...] tudo é levado para o Pacífico, sem tempo para deslizar, levado
de roldão pela tempestade profunda e vertiginosa das correntes internas, tudo suspenso na
superfície pela força do rio. (DURAS, 1984, p.26-7)
Concebida por este projeto de sugerir o fundo à superfície, a leitura da obra durassiana encontra na reflexão de Maurice Blanchot sua elucidação mais exemplar. Este
crítico evidencia a necessidade de uma percepção distinta, de natureza não fenomenológica, para apreender a constelação de incidentes constitutivos do tecido textual de
Marguerite Duras:
provisória, mas cava sobretudo no mesmo um abismo, mostra nele um fundo insuspeitável
e insondável. O duplo é o fundo inconsciente do mesmo, o que o ameaça e pode engoli-lo.
[...] desejo noturno de se voltar para ver o que não pertence nem ao visível nem ao invisível,
(KRISTEVA, 1987, p.253)
ou seja, de se manter, um instante, pelo olhar, mais próximo do estranhamento, no exato lugar
em que o movimento mostrar-se–esconder-se perdeu sua força retora – depois a necessidade
No entanto, completa a crítica no mesmo estudo:
(o eterno desejo humano) de se fazer assumir por um outro, de viver de novo em um outro [...]
por fim a iminente certeza de que o que teve lugar uma vez sempre recomeçará, sempre será
Literatura de nossas doenças, ela (a dor, no caso específico do Chinês de Cholen, a dor provo-
traído e recusado [...]. (BLANCHOT, 1964, p.675)
cada pela diferença) acompanha os sentimentos de abandono certamente desencadeados e
acentuados pelo mundo moderno, mas que se fazem essenciais, trans-históricos. Literatura
dos limites, ela o é também, pois desdobra os limites do nomeável. (KRISTEVA, 1987, p.264)
Ao reiterar em um artigo da Nouvelle Revue Française este prazer de ascese captado no Outro, onde diz: “Marguerite Duras transplantou o tempo sensível de um país estrangeiro e transcreveu uma dor que não se enquadra na retórica francesa” (KRISTEVA,
1998, p.4), Julia Kristeva sublinha este núcleo duro da escritura de Duras, residindo na
busca de uma dupla liberação, a da constrição familiar e a do cânone literário estabelecido, uma e outra liberações efetivando seus pas-au-delà no prazer de representar a
experiência do novo pelo ato da escritura.
Uma vez esses limiares geográficos e subjetivos atravessados, Marguerite Duras
observará em La Vie matérielle: “Escrever não é contar histórias. É o contrário de contar
histórias. É contar tudo ao mesmo tempo. É contar uma história e a ausência desta história” (DURAS, 1987, p.31-2). Distância a percorrer da escritura transitiva à intransitiva,
mas fertilidade da passagem, a descrição do rio Mekong também participa deste efeito
da travessia conquanto o fluxo e o refluxo das águas insinuam à superfície a vertigem
das profundidades domináveis:
Em volta da balsa o rio, cheio, suas águas em movimento atravessam as águas estagnadas dos
arrozais sem se misturar a elas. Leva consigo tudo o que encontrou no caminho desde Tonle-
Sob a mediação da experiência durassiana do claro-escuro considerada por Maurice Blanchot como lugar matricial dos incidentes imperceptíveis, a voz interdisciplinar
do poeta, filósofo e sinólogo François Jullien impõe-se e contribuirá a decifrar o enigma
dessa paisagem matizada pela imagem das “transformações silenciosas”:
Entre o momento em que a transformação ainda não ascendeu ao nível em que se mostrou
por demais confundida no seio do visível para que ainda seja discernida, ela oferece tão somente um interstício de perceptibilidade; eis porque é com tanta vigilância que é preciso perscrutá-la. (JULLIEN, 2013, p.9)
Se percepção do inevidente, as transformações silenciosas legitimam as marcas
da “operatividade contínua” do fazer durassiano, espetáculo do inédito, reforçam o ato
poético, como o diz François Jullien, “de abordar a vida pela inspiração que a renova”
(JULLIEN, 2013), dom precioso que a escritura de Marguerite Duras concede à experiência do pensamento contemporâneo.
Perspectivada pela percepção dos incidentes, efetuada pelo exercício do “escrutar”, o pensamento de François Jullien gera uma intersecção com o pensamento de
Jean Bessière, no que se relaciona com a reflexão sobre as três práticas a articular para a
abordagem do fato comparatista, ou seja: o gesto de dessimbolização, o de ressimbolização e o de uma simbolização nova. Aquém e além dos limiares a atravessar, estas três
práticas asseguram à leitura simbólica do literário a eficácia dos desdobramentos múltiplos de natureza geográfica, disciplinar e subjetiva. Tomando como ponto de partida
o aflorar imprevisto sobre a página das marcas insuspeitáveis sublinhadas pela força
das transformações silenciosas, o aporte deste pensamento filosófico ao do comparatista Jean Bessière poderá permitir a percepção de um espaço intervalar fundado entre
a passagem de um gesto crítico a um outro. Um reservatório de fios textuais compõe-se
neste espaço que tece o que Marguerite Duras intitula de “resíduo sublimado” (cf. DELLA TORRE, 2013, p.75), imagem produzida pela operação de conversão do real vivenciado em real recriado.
Deste modo, a fertilidade da reflexão de François Jullien estabelecida com a do
comparatista Jean Bessière sob a mediação do olhar que decanta possibilita aproximar
a obra de Marguerite Duras à concepção de Giorgio Agamben sobre o contemporâneo,
quando este filósofo diz: “Só pode dizer-se contemporâneo aquele que não se deixa
ofuscar pelas luzes do século e consegue nelas captar a parte de sombra, sua intimidade” (AGAMBEN, 2009, p.30), ou ainda que: “[...] o contemporâneo é também aquele que,
pela divisão e interpolação do tempo encontra-se em estado de poder transformá-la e
de relacioná-la com outros tempos” (AGAMBEN, 2009, p.36), diz Giorgio Agamben em
Nudités, sinalizando e consolidando a relação: transformação silenciosa / visualidade /
autorreflexividade / experiência contemporânea. Fixemos nestes eixos postos em intersecção a matriz de irradiação da cartografia autorreflexiva em Marguerite Duras como
um dos acentos possíveis que a vinculam ao pensamento contemporâneo, quando dizer “contemporâneo” pressupõe esta busca infatigável da escritura da neutralidade.
Assim, pois, seja pelo impacto das transformações silenciosas propostas por
François Jullien, seja pela abordagem do fato comparatista articulado pelos três gestos captados do pensamento de Jean Bessière, seja pelo efeito de uma certa busca de
visibilidade antecipada por Maurice Blanchot e revisitada por Giorgio Agamben, seja
pela representação singular da Alteridade por Julia Kristeva, a obra de Marguerite
Duras consolida seu lugar na Literatura Mundial considerada como espaço de circulação de produções simbólicas e não simbólicas. Visualizada desse modo, a escritura
de Duras pode constituir-se em disponibilidade de imaginário à experiência poética
do Brasil Contemporâneo.
Marguerite Duras comparece como presença inconfessa na paisagem brasileira,
deve-se bem sublinhá-lo, mas sua ausência material no corpo da letra faz-se compensar
pelo projeto da escritura autorreflexiva, podendo compor uma zona de diálogo com a
produção literária do Brasil Contemporâneo; como se expor sobre a página o artesanato da palavra poética traduzisse a subjetividade, a mais íntima, aquém e além de toda
questão de gênero e de nacionalidade (este percurso é demarcado pelo próprio autor
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em busca de uma escritura intransitiva e neutra pela qual Marguerite Duras deseja reduzir a distância que a separa do Outro). Assim, pois, presença chinesa, país longínquo
e estranhamento inquietante experimentados entrelaçam-se, condensando no gesto
autorreflexivo os grãos de suas vozes matriciais.
Inscritas na textualidade durassiana, estas vozes encontram no estudo de Christophe Genin intitulado Réflexion de l’Art sua compreensão decisiva, quando este autor
observa: “A obra de arte não é uma experiência muda a elucidar, mas uma experiência
autoelucidante que se processa no presente: sua reversibilidade é simultânea” (GENIN,
1998, p.313), reflexão que é decantada por Jean Bessière ao sublinhar o movimento de
vai e vem da escritura articulado entre “localismo” e “caráter global” que se pode realizar
na ausência de um sujeito:
É também notável que a reflexividade (e a autorreflexividade) da narrativa do romance de
viagem possa ser ao mesmo tempo a marca do expresso retorno a ela mesma e a desta
remissão ao seu au-delà, ao Outro, àquele que não tem identidade representativa e que pode
tanto ser ou não ser citado textualmente (BESSIÈRE, 2002, p.210).
Mas é no verbete sobre Alteridade do Fórum Jean Bessière onde este pas au-delà da reflexividade aclara-se, quando este crítico configura a obra como lugar do
encontro com o Outro e também como lugar de instituição e de indicação deste Outro figurado pela obra nela mesma. Sublinhamos nesta imagem dupla da Alteridade,
emergente da palavra autorreflexiva observada por Jean Bessière, a representação
da disponibilidade de imaginário que Marguerite Duras pode conceder à Literatura
Brasileira Contemporânea.
Sob a égide desse dom autorreflexivo como disponibilidade transmitida à Literatura Brasileira, a obra de Milton Hatoum, especialmente o romance intitulado Relato de
um certo Oriente, poderia configurar a imagem desta dupla alteridade inscrita na escritura durassiana:
Quantas vezes recomecei a ordenação de episódios, e quantas vezes me surpreendi ao esbarrar no mesmo início, ou no vaivém vertiginoso de capítulos entrelaçados, formados de páginas
e páginas numeradas de forma caótica. Também me deparei com um outro problema: como
transcrever a fala engrolada de uns e o sotaque de outros? Tantas confidências de várias pessoas em tão poucos dias ressoavam como um coral de vozes dispersas. Restava então recorrer
à minha própria voz, que planaria como um pássaro gigantesco e frágil sobre as outras vozes.
[...] Para te revelar (numa carta que seria a compilação abreviada de uma vida) que Emilie se
foi para sempre, comecei a imaginar com os olhos da memória as passagens da infância, as
cantigas, os convívios, a fala dos outros, a nossa gargalhada ao escutar o idioma híbrido que
Emilie inventava todos os dias.
Era como se eu tentasse sussurrar no teu ouvido a melodia de uma canção sequestrada, e que,
pouco a pouco, notas esparsas e frases sincopadas moldavam e modulavam a melodia perdida. (HATOUM, 2008, p.147-8)
Referências bibliográficas
AGAMBEN, Giorgio. Nudités. Paris: Payot et Rivages, 2009.
BESSIÈRE, Jean. Le pas au-delà de la réflexivité ou les raisons d’être de la réflixivité littéraire. in BESSIÈRE, Jean;
SCHMELING, Manfred (Orgs.). Littérature, modernité, réflexivité. Paris : Honoré Champion, 2002.
BLANCHOT, Maurice. Marguerite Duras. La Nouvelle Revue Française. Paris: Gallimard, n. 142, 1964, p.675-685.
DELLA TORRE, Pallotta. La Passion Suspendue. Paris : Seuil, 2013.
De origem brasileira, mas vivendo em um ambiente familiar libanês, Milton Hatoum
traduzirá esta espécie de dupla pertença pela constante hesitação da memória a contar.
De que lembranças compor a narrativa: daquelas vivenciadas em Manaus, cidade-encruzilhada de várias etnias ou daquelas contadas pelas pessoas de sua família
como marcas da cultura libanesa? Expondo a página ao ritmo de um movimento triplo
(o do fazer, o do desfazer e o do refazer), esse autor doa ao leitor este júbilo da palavra
transubjetiva inclinada à incorporação de percepções múltiplas do estrangeiro.
Para este romancista representativo da comunidade brasileira contemporânea, a lição da autorreflexividade sorvida de Marguerite Duras reside, pois, na evidência da palavra
que, descristalizando paisagens geográficas e subjetivas ilusoriamente compostas, projeta
o desdobramento do arquivo memorial em contínua operação de ressimbolização.
Inconfesso, mas primordial, o dom durassiano do destecer, do retecer e do tecer
novo estampado sobre a página e legado ao imaginário brasileiro concede a todo leitor a autoconciliação e o reencantamento de sua paisagem íntima. Nesse sentido, dizer
este dom equivale a evocar e a articular esta disponibilidade de imaginário, permitindo
a todo escritor o bordado sempre inacabado mas vivo de sua paisagem de invenção.
Assim procedendo, o presente estudo configura-se como um início de indagação destinado a verificar a eficácia da percepção do cotidiano captada na palavra autorreflexiva
de Duras para a Literatura Brasileira Contemporânea.
Efeito de visualidade sublinhado pelo Contemporâneo e efeito de linguagem
evidenciado pela textualidade e pela transtextualidade de Marguerite Duras aproximados traduzem a busca da palavra intransitiva e neutra, desafiando o pesquisador
brasileiro a “perscrutar” esse lugar matricial da arte não dominável reconhecido por
Marguerite Duras, ao dizer: “O escrito, isto acontece como o vento, é nu, é tinta, é o
escrito e isto passa como nada de igual passa na vida, nada mais, com exceção dela,
a vida” (DURAS, 1973, p.10).
Fixemos nesta consciência clara, face à fugacidade da escritura e ao infatigável
desejo de retecê-la sobre a página, a marca residual inapagável da invenção de Marguerite Duras e a que este Colóquio em território brasileiro presta homenagem. Lucidez e invenção, pois, como forças vitais transmitidas a incorporar.
DURAS, Marguerite. Écrire. Paris : Gallimard, 1993.
DURAS, Marguerite. India Song. Paris : Gallimard, 1973.
DURAS, Marguerite. L’Amant. Paris : Minuit, 1984.
DURAS, Marguerite. O Amante. Trad. Aulyde Soares Rodrigues. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
DURAS, Marguerite. La Vie Matérielle. Paris : P. O. h., 1987.
GENIN, Christophe. Réflexions de l’Art (Essai sur l’auto-référence en art). Paris : Kimée, 1998.
HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
HATOUM, Milton. Récit d’un certain Orient. Trad. Claude Fages, Paris : Seuil, 1993.
JULLIEN, François. Les transformations silencieuses. Paris : Grasset, 2009.
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XXI/ Paiol, 2013.
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KRISTEVA, Julia. Une étrangère. La Nouvelle Revue Française. Paris: Gallimard, n. 542, 1998, p.3-9
VERCIER; LECARME. Histoire de la Littérature Française. Paris : Bordas, 1982.
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Marguerite Duras et l’expérience contemporaine
Maria Luiza Berwanger da Silva1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Résumé
Des années après la guerre, après les mariages, les enfants, les divorces, les livres, il était venu
à Paris avec sa femme. Il lui avait téléphoné. C’est moi. Elle l’avait reconnu dès la voix. Il avait
La lecture symbolique de la textualité durassienne permet de mettre en évidence un
espace de confluence entre sa production et l’expérience contemporaine par la médiation de l’altérité. En prenant comme préssuposé theórique-critique le concept d’altérité
du Forum Jean Bessière, vu comme traduction exemplaire d’une « double appartenance », cette étude examine la représentation de cette image dans l’oeuvre de Marguerite
Duras et l’efficacité de son transfert à la littérature brésilienne illustrée par la production
romanesque de Milton Hatoum. Cet auteur y est configuré comme grain de la voix à
être recherché dans d’autres auteurs brésiliens issus de champs symboliques et non
symboliques. Ce faisant, cette étude fixe l’une des perspectives de rendre hommage
à Marguerite Duras justement dans la virtualité de cette relocalisation littéraire et non
littéraire brésiliennes.
Mots-clé : alterité ; expérience ; contemporain ; espace ; double ; appartenance linguistique, subjective et géographique.
dit : je voulais seulement entendre votre voix. Elle avait dit : c’est moi, bonjour. Il était intimidé,
il avait peur comme avant. Sa voix tremblait toujours tout à coup. Et avec le tremblement, tout
à coup, elle avait retrouvé l’accent de la Chine. [...] Il lui avait dit que c’était comme avant, qu’il
l’aimait encore, qu’il ne pourrait jamais cesser de l’aimer, qu’il l’aimerait jusqu’à sa mort. (DURAS, 1984, p.142)
Certes, nous reconnaissons tous la séduction de cette voix dédoublée composant l’archive vivante de l’Amant. Mais quels pourraient donc être les accents de cette
diction singulière qui, tout en transgressant géographies et subjectivités, rejoint l’expérience contemporaine ? Un aveu de Marguerite Duras peut être évoqué dans ce sens
lorsqu’elle dit :
Moi aussi je suis tombée dans le panneau de l’écriture féminine. [...] C’est faux pour moi [...] et
pour tous les autres écrivains qui se réclament, disons le mot, d’une aliénation originelle [...].
Toute écriture qui se réclame d’une appartenance est une écriture transitive. Or l’écriture est
jaillissement intransitif, sans adresse, sans but aucun que celui de sa propre finalité, de nature
essentiellement inutile. Ou bien elle est pornographique. (VERCIER ; LECARME, 1982, p.275)
Maria Luiza Berwanger da Silva est professeur au programme de post graduation en Lettres à l’Université
Fédérale du Rio Grande do Sul (UFRGS); professeur du Master en Mémoire Sociale et Biens Culturels (Centre
Universitaire Unilasalle, Rio Grande do Sul). Elle a publié des articles et a dirigé des thèses de doctorat sur
Marguerite Duras. Elle a participé à des projets de recherche nationaux et internationaux. Récemment, elle
a traduit en portugais Les Transformations Silencieuses de François Jullien ; et a publié en 2009 : Paisagens do
dom e da troca. Elle est spécialiste aussi en Littérature Comparée et Littérature Brésilienne.
1
Sous ces paroles de Marguerite Duras, un espace vacant se dessine entre l’écriture
transitive et l’écriture intransitive qui convoque tout lecteur à une nouvelle perception
du monde à réenchanter, l’écart fondé entre ces deux images de l’écriture pouvant être
configuré comme lieu primordial d’auto-réflexivité ; comme si exposer sur la page l’artefact du dire atteignait une constellation nouvelle de mythes, de thèmes et de motifs
en mouvement de perpétuelle errance vers une subjectivité autre et transterritoriale :
dans le paysage durassien, tout geste de transgression trouve son élucidation dans l’effet de transformation du nommable faux en nommable vrai où l’attendu, le maîtrisable et l’évident cèdent leur place à l’inattendu, à l’immaîtrisable et au non-évident ; ils
composent une certaine zone où Marguerite Duras baigne son paysage d’invention.
Participer à la perception singulière de cette écriture nouvelle et auto-réfléxive, libérée
de ce qu’elle intitule « une aliénation originelle » dictée à tout écrivain par la tradition, et
la remplacer par des captations poétiques autres, voilà, en un mot, le plaisir de lecture
que l’œuvre de Marguerite Duras procure à tout lecteur et que la définition de l’écriture
dans Écrire le transmet de façon privilégiée.
Dans ce livre, des images diverses de l’écriture telles que « un livre c’est l’inconnu,
c’est la nuit, c’est clos, c’est ça [...] c’est le livre qui avance vers sa propre destinée » (DURAS, 1993, p.28) et de même : « c’est l’inconnu de soi, de sa tête, de son corps, c’est une
sorte de faculté qu’on a à côté de sa personne » (DURAS, 1993, p.52) ; cet ensemble
d’images constitue une certaine cartographie de l’involontaire, émergeant sur la page
blanche, sans l’interférence de l’écrivain. Des transparences proustiennes incorporées
et acclimatées aux territoires de l’imaginaire durassien par la solitude et le dépouillement y confluent qui compensent l’effort de l’acte créateur par le sentiment de la vie
dédoublée et sublimée par l’amour. Vu sous cet angle, le discours amoureux du Chinois
de Cholen inscrit dans l’Amant (1984) capte dans l’exotisme de cette présence étrangère les fils d’une certaine mémoire résiduelle en continuelle pratique de remémoration ;
comme si la description des traces ineffaçables du sentiment amoureux produites par
l’expérience d’étrangeté vécue avec l’amant chinois permettaient à l’écrivaine de plonger dans le cœur de son intime et de penser à sa propre étrangeté : « Cet amour insensé
que je lui porte reste pour moi un insondable mystère », le dit-elle dans l’Amant (1984,
p.129), masquant sous le chant silencieux établi entre le paragraphe d’ouverture de
l’Amant et celui de clôture, un secret à déchiffrer ; par contre, là où l’écrivaine essaie d’intervenir, à ce point précis, l’écriture la trahit qui lui rappelle la force de l’image immaîtrisable irradiée par la mémoire de l’amour.
De cette façon, lorsqu’elle dit : « L’histoire de ma vie n’existe pas. Ça n’existe pas. Il
n’y a jamais de centre. Pas de chemin, pas de ligne. Il y a de vastes endroits où l’on fait
croire qu’il y avait quelqu’un, ce n’est pas vrai il n’y avait personne » (DURAS, 1984, p.14),
cet aveu traduit la transmutation du discours mémoriel sur sa famille en écriture sur les
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lieux de sa subjectivité cachée que le fait d’être aimée par un étranger lui concède, au
sein d’un univers familial précaire et mélancolique dont elle tisse le récit de l’Amant.
Ainsi, la présence du Chinois de Cholen dans l’Amant, tout en lui permettant de
combler l’espace réel vécu par l’écriture d’invention, expose sur la page la confrontation
de sa subjectivité diffuse et occidentale, à celle du Chinois, compacte et orientale. Comme le note Julia Kristeva dans son étude intitulée « La maladie de la douleur : Duras »
sur l’efficacité de cette expérience d’étrangeté dans Soleil noir: Depréssion et mélancolie :
Un double peut fixer pour un temps l’instabilité du même, lui donner une identité provisoire,
la forêt cambodgienne. [...], tout va vers le Pacifique, rien n’a le temps de couler, tout est emporté par la tempête profonde et vertigineuse du courant intérieur, tout reste en suspens à la
surface de la force du fleuve. (DURAS, 1984, p.30-1)
Conçue par ce projet de suggérer le fond à la surface, la lecture de l’œuvre durassienne trouve dans la réflexion de Maurice Blanchot son élucidation la plus exemplaire.
Ce critique met en évidence le besoin d’une perception tout autre, de nature non phénoménologique pour cerner la constellation d’incidents constitutifs du tissu textuel de
Marguerite Duras :
mais il creuse surtout dans le même un abîme, il ouvre en lui un fond insoupçonné et insondable. Le double est le fond inconscient du même, ce qui le menace et peut l’engloutir. (KRIS-
[...] désir nocturne de se retourner pour voir ce qui n’appartient ni au visible ni à l’invisible, c’es-
TEVA, 1987, p.253)
t-à-dire de se tenir, un instant, par le regard, au plus près de l’étrangeté, là où le mouvement se
montrer – se cacher a perdu sa force rectrice – puis le besoin (l’éternel vœu humain) de se faire as-
Par contre, complète la critique dans la même étude :
sumer par un autre, de vivre à nouveau dans un autre [...] enfin l’imminente certitude que ce qui
a eu lieu une fois toujours recommencera, toujours se trahira et se refusera [...]. (NRF, 1964, p.675)
Littérature de nos maladies, elle (la douleur, dans le cas spécifique du Chinois de Cholen, la
douleur provoquée par la différence) accompagne les détresses certes déclenchées et accentuées par le monde moderne, mais qui s’avèrent essentielles, transhistoriques. Littérature des
limites, elle l’est aussi parce qu’elle déploie les limites du nommable. (KRISTEVA, 1987, p.264)
Lorsque Julia Kristeva réitère donc ce plaisir de l’ascèse capté dans l’Autre dans
un article de la Nouvelle Revue Française où elle dit : « Marguerite Duras a transplanté
le temps sensible d’un pays étranger et transcrit une douleur qui ne cadre pas avec la
rhétorique française » (NRF, 1998, p.4), elle souligne ce noyau dur de l’écriture durassienne résidant dans la quête d’une double libération : celle de la contrainte familiale
et celle du canon littéraire établi, l’une et l’autre libérations accomplissant leurs pas-au-delà dans le plaisir de représenter par l’acte d’écrire l’expérience du nouveau.
Une fois ces seuils géographiques et subjectifs traversés, Marguerite Duras le démarquera dans La Vie matérielle, « Écrire ce n’est pas raconter des histoires. C’est le contraire de raconter des histoires. C’est raconter tout à la fois. C’est raconter une histoire
et l’absence de cette histoire » (DURAS, 1987, p.31-2). Distance à parcourir de l’écriture
transitive à l’écriture intransitive, mais fertilité du passage, la description du fleuve Mékong participe aussi à cet effet de la traversée dans la mesure où le flux et le reflux des
eaux insinuent à la surface le vertige des profondeurs immaîtrisables :
[...] Autour du bac, le fleuve, il est à ras bord, ses eaux en marche traversent les eaux stagnantes
des rizières, elles ne se mélangent pas. Il a ramassé tout ce qu’il a rencontré depuis le Tonlésap,
Sous la médiation de l’expérience durassienne du clair-obscur considérée par Maurice Blanchot comme lieu matriciel des incidents imperceptibles, la voix interdisciplinaire
du poète, philosophe et sinologue François Jullien s’y impose qui contribuera à déchiffrer
l’enigmaticité de ce paysage métissé par l’image des « transformations silencieuses » :
Entre le moment où elle n’a pas encore accédé au visible et celui où elle s’est désormais trop
étalée et confondue au sein du visible pour qu’on l’y discerne encore, la transformation n’offre
qu’un étroit interstice de perceptibilité ; c’est pourquoi c’est avec tant de vigilance qu’il faut la
« scruter ». (JULLIEN, 2009, p.101)
Si perception du non-évident, les transformations silencieuses légitiment les traces de « l’opérativité continue » du faire durassien, spectacle de l’inouï, elles renforcent
chez Duras l’acte poétique, comme le dit François Jullien, « d’aborder la vie par la respiration qui la renouvelle » (JULLIEN, 2009, p.101), don précieux que l’écriture durassienne lègue à l’expérience de la pensée contemporaine.
Vu par la voie de la perception des incidents, effectuée par l’exercice du « scruter »,
la pensée de François Jullien fonde, à son tour, une intersection avec la pensée de Jean
Bessière, concernant la réflexion de ce dernier sur les trois pratiques à mettre en œuvre
pour l’approche du fait comparatiste, soit disant le geste de désymbolisation, celui de
la resymbolisation et celui d’une symbolisation nouvelle. En-deçà et au-delà des seuils
à traverser, ces trois pratiques assurent à la lecture symbolique du littéraire l’efficacité
des déploiements multiples de nature géographique, disciplinaire et subjective. Tout
en prenant comme point de départ, l’effleurement imprévu sur la page des traces insoupçonnées soulignées par la force des transformations silencieuses, l’apport de cette
pensée philosophique à l’approche comparatiste de Jean Bessière pourra permettre
la perception d’un espace intervallaire fondé entre le passage d’un geste critique à un
autre. Un réservoir de fils textuels s’y compose qui tisse ce que Marguerite Duras intitule « le résidu sublimé » (DELLA TORRE, 2013, p.75), image produite par l’opération de
conversion du réel vécu en réel recréé.
De cette façon, la fertilité du dialogue de la pensée philosophique de François Jullien établie avec celle du comparatiste Jean Bessière, par ce regard décanté, peut approcher l’œuvre de Marguerite Duras à la conception de Giorgio Agamben sur le « contemporain », lorsque ce philosophe dit : « Seul peut se dire contemporain celui qui ne se laisse pas aveugler par les lumières du siècle et parvient à saisir en elles la part de l’ombre,
leur sombre intimité » (AGAMBEN, 2009, p.30) ou encore : « [...] le contemporain est aussi
celui qui, par la division et l’interpolation du temps, est en mesure de le transformer et de
le mettre en relation avec d’autres temps » (AGAMBEN, 2009, p.36), dit Giorgio Agamben
dans Nudités, signalant et consolidant le rapport : transformation silencieuse / visualité
/ auto-réflexivité / expérience contemporaine. Fixons dans ces axes mis en intersection
la matrice d’irradiation de la cartographie auto-réflexive chez Marguerite Duras comme
l’un des accents possibles qui la rattachent à la pensée contemporaine, quand dire « contemporain » préssuppose cette recherche infatigable de l’écriture de la neutralité.
Ainsi donc, soit par l’impacte des transformations silencieuses, proposées par
François Jullien, soit par l’approche du fait comparatiste articulée par les trois gestes
captés dans la pensée théorique de Jean Bessière, soit par l’effet d’une certaine quête
de visibilité anticipée par Maurice Blanchot et révisitée par Giorgio Agamben, soit par
la représentation singulière de l’Altérité par Julia Kristeva, l’œuvre de Marguerite Duras
consolide sa place dans la Littérature Mondiale considérée comme espace de circulation des parutions symboliques et non symboliques. Ce faisant elle peut se constituer
en disponibilité d’imaginaire à l’expérience poétique du Brésil Contemporain.
Marguerite Duras apparaît comme présence inavouée, dans le paysage brésilien,
il faut bien le souligner, mais son absence matérielle dans le corps de la lettre se fait
compenser par le projet de l’écriture auto-réflexive, pouvant établir une zone de dialogue avec la production littéraire du Brésil Contemporain ; comme si exposer sur la
page l’artisanat de la parole poétique traduisait la subjectivité, la plus intime, en-deçà
et au-delà de toute question de genre et de nationalité (ce parcours est démarqué par
l’auteur lui-même, lors de sa quête d’une écriture intransitive et neutre, par laquelle
Marguerite Duras cherche à réduire l’écart qui l’éloigne de l’Autre). Ainsi donc, présence
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chinoise, pays lointain et étrangété inquiétante éprouvées s’entrelacent et condensent
dans le geste auto-réflexif les grains de leurs voix matricielles.
Inscrites dans la textualité durassienne, elles trouvent dans l’étude de Christophe
Genin intitulée Réflexions de l’art leurs compréhensions décisives, lorsque que l’auteur
signale : « L’œuvre d’art n’est pas une expérience muette à élucider mais une expérience
auto-élucidante qui se tient dans le présent : sa réversabilité est simultanée » (GENIN,
1998, p.313), réflexion qui est décantée par Jean Bessière quand ce critique souligne le
mouvement de va-et-vient de l’écriture articulé entre « localisme » et « caractère global », qui peut s’accomplir dans l’absence d’un sujet :
Il est tout aussi remarquable que la réflexivité (et l’auto-réflexivité) du récit et du roman de
voyage puisse être à la fois la marque de l’exprès retour de l’œuvre à elle-même et celle de ce
renvoi à son au-delà, à l’autre, à celui qui n’a pas d’identité représentative et qui peut tout autant être ou ne pas être cité textuellement. (BESSIÈRE, 2002, p.210)
Mais c’est dans le verbet sur l’Altérité du Forum Jean Bessière où ce « pas au-delà de
la réflexivité » va s’éclairer, quand le critique configure l’œuvre comme lieu de rencontre
avec l’Autre et aussi comme lieu d’institution et d’indication de cet Autre figuré par
l’œuvre elle-même. Démarquons dans cette image double de l’Altérité, émergeante
de la parole auto-réflexive, la représentation de la disponibilité d’imaginaire que
Marguerite Duras peut concéder à la Littérature Brésilienne Contemporaine.
Sous l’égide de ce don auto-réflexif et inavoué transmis à la Littérature Brésiliene, le roman de l’écrivain Milton Hatoum, spécialement l’œuvre intitulé Récit d’un certain Orient pourrait se faire un échantillon de cette image d’une Altérité double inscrite
dans l’écriture durassiene :
Combien de fois ai-je repris la construction des épisodes, et combien de fois me suis-je reprise
à buter sur le même début ou sur le va-et-vient vertigineux des chapitres entrelacés, formés
de pages et de pages numérotées de façon chaotique. Et il y avait un autre problème auquel
je me heurtais : comment rendre le verbe hésitant des uns et l’accent des autres ? Toutes ces
confidences de tant de gens différents recueillies en si peu de temps résonnaient comme un
chœur de voix discordantes. Il ne me restait plus qu’à recourir à ma propre voix qui, tel un oiseau gigantesque et fragile, planerait au-dessus de celles des autres. [...] Pour t’annoncer (dans
une lettre qui allait être l’abrègement d’une vie) qu’Emilie nous avait quittés pour toujours,
je revis avec les yeux de la mémoire les épisodes de notre enfance, les chants, le langage des
autres, notre vie parmi eux et nos rires, quand nous entendions la langue hybride qu’Emilie
réinventait jour après jour.
C’était comme si je tentais de susurrer à ton oreille la mélodie d’une chanson prisonnière et
que, petit à petit, les notes éparses et les phrases syncopées avaient fini par modeler et moduler la mélodie perdue. (HATOUM, 1993, p. 203-4 )
D’origine brésilienne, mais vivant dans une ambiance familiale libanaise, Milton
Hatoum traduira cette sorte de double appartenance marquée par la constante hésitation de la mémoire à raconter.
De quels souvenirs en faire le récit : de ceux vécus au sein de la famille à Manaus,
ville-carrefour de plusieurs éthnies, ou de ceux racontés par les personnes de sa famille
lui transmettant la culture libanaise ? La vitalité de cet imaginaire tout en consistant
dans le triple mouvement du faire, du défaire et du réfaire l’opérativité auto-réflexive
lègue au lecteur brésilien cette jouissance de la parole transubjective vouée à l’incorporation d’étrangetés diverses.
Dans l’œuvre de ce romancier, représentatif de la communauté littéraire brésilienne contemporaine, la leçon durassienne de l’auto-réflexivité réside donc dans cette
mise en évidence de la parole qui, tout en décristalisant les paysages géographiques et
subjectifs illusoirement composés, projette le déploiement de l’archive mémorielle en
continuelle opération de resymbolisation.
Inavoué mais primordial, le don durassien du détissage, du rétissage et du tissage
nouveau montrés sur la page et accordés à l’imaginaire brésilien concède à tout lecteur
l’auto-conciliation et le réenchantement de son paysage intime. Dans ce sens, dire ce
don équivaut à évoquer et à mettre en œuvre cette disponibilité d’imaginaire permettant à tout écrivain la broderie toujours inachevée mais vivante de son paysage d’invention. Ce faisant, la présente étude se veut un début d’indagation destinée à évaluer
l’efficacité de la perception du quotidien capté dans la parole auto-réflexive durassiene
pour la Littérature Brésilienne Contemporaine.
Effet de visualité souligné par le Contemporain et effet de langage mis en évidence par la textualité et la transtextualité de Marquerite Duras approchés traduisent
la quête de la parole intransitive et neutre qui défie le chercheur brésilien à « scruter »
ce lieu matriciel de la naissance de l’art immaîtrisable reconnu par Marguerite Duras
lorsqu’elle dit : « L’écrit ça arrive comme le vent, c’est nu, c’est de l’encre, c’est l’écrit et ça
passe comme rien d’autre ne passe dans la vie, rien de plus, sauf elle, la vie » (DURAS,
1973, p.10).
Fixons dans cette conscience clairevoyante de la fugacité de l’écriture et dans l’infatigable désir de la retenir sur la page la trace résiduelle ineffaçable de l’invention de
Marguerite Duras et à laquelle ce colloque en territoire brésilien rend hommage. Lucidité et invention donc comme forces vitales transmises à incorporer.
Références bibliographiques
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BESSIÈRE, Jean. Le pas au-delà de la réflexivité ou les raisons d’être de la réflixivité littéraire. in BESSIÈRE, Jean;
SCHMELING, Manfred (Orgs.). Littérature, modernité, réflexivité. Paris : Honoré Champion, 2002.
BLANCHOT, Maurice. Marguerite Duras. La Nouvelle Revue Française. Paris: Gallimard, n. 142, 1964, p.675-685.
DELLA TORRE, Pallotta. La Passion Suspendue. Paris : Seuil, 2013.
DURAS, Marguerite. Écrire. Paris : Gallimard, 1993.
DURAS, Marguerite. India Song. Paris : Gallimard, 1973.
DURAS, Marguerite. L’Amant. Paris : Minuit, 1984.
DURAS, Marguerite. La Vie Matérielle. Paris : P. O. L., 1987.
GENIN, Christophe. Réflexions de l’Art (Essai sur l’auto-référence en art). Paris : Kimée, 1998.
HATOUM, Milton. Récit d’un certain Orient. Trad. Claude Fages, Paris : Seuil, 1993.
JULLIEN, François. Les transformations silencieuses. Paris : Grasset, 2009.
KRISTEVA, Julia. Soleil noir. Dépression et mélancolie. Paris : Gallimard, 1987.
KRISTEVA, Julia. Une étrangère. La Nouvelle Revue Française. Paris: Gallimard, n.542, 1998, p.3-9.
VERCIER; LECARME. Histoire de la Littérature Française. Paris : Bordas, 1982.
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