Projeto de Doutorado para Capes
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Projeto de Doutorado para Capes
A conciliação interrompida kardecismo, experiência legítima e mediação estatal. Bernardo Curvelano Freire Doutorando PPGAS-IFCH/Unicamp Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Unicamp Resumo: Atento para noções de assimetria e simetria, este projeto procura debater por via do processo judicial que condena o kardecismo na França em 1875, um dos aspectos fugidios da noção moderna de religião: a religião natural, entendida como uma forma moderna de conceitualizar e elaborar dispositivos quanto ao universo religioso. No caso, ao atentar para a complexidade do kardecismo, este projeto pretende reapresentar o tema do “desencantamento do mundo” por via das relações de mediação técnica que colonizam o universo moral, político e religioso, movimento evidente no ambiente laboratorial que circunscreve o espiritismo – como a fotografia, artefato sobre o qual pesam todas as acusações contra o kardecismo diante da justiça francesa – e que alteram eixos de relação também no espaço público tomado de um ponto de vista mais abrangente. Com isso espero poder discutir a invenção de um arsenal dispositivo que legisla acerca da noção do “religioso em geral”, por via de noções de caráter jurídico-policiais pautadas pela legislação sobre falsificação e manipulação da ignorância, terreno onde se funda a cisão entre razão laica e moral religiosa, ambas com vistas na determinação do sentido de experiência religiosa legítima definida a partir das relações de mediação que promovem. Introdução: O que fazer da antropologia da religião quando é ela mesma que está em questão? Digo, quando a religião torna-se um objeto vacilante cuja garantia de existência é dada por outra esfera da ação humana que não ela mesma? Faz-se antropologia da religião ainda assim? Ou melhor, não seria exatamente assim que se faz antropologia da religião? 0 Ainda que estas perguntas não prometam nenhuma inversão radical de perspectiva, elas têm o mérito de permitir que se sugira o papel complexo e em franca alteração nas formas de mediação inauguradas pela modernidade. Ao menos é neste diagnóstico que este trabalho se pauta, entendendo que os processos políticos decorrentes das revoluções européias – notadamente, a Revolução Francesa – aliados aos percalços da instituição cristã com relação ao poderio papal e a ordem eclesiástica – produzida pela Reforma e seus desdobramentos - e em conjunto com a proliferação dos instrumentos de medida e observação de fenômenos das ciências positivas que passam a abordar o que se considerava oculto, invisível ou inexistente, alterando o estatuto das formas de mediação. Mediar uma relação religiosa passa a ser muitas coisas e um mediador não remete mais, não necessariamente à figura de Cristo, do papa ou do sacerdote. Apurar o conteúdo de uma religião passa a depender de uma sorte enorme de mediadores – instrumentos de medida e observação; advogados e parlamentares; juízes e policiais; cientistas e religiosos leigos; autoridades eclesiásticas e seculares - que entram no jogo de definições de saberes e práticas, constituindo um jogo de forças que culmina na aparição de mediadores externos ao religioso, ampliando o universo daquilo que é considerado seu conteúdo, mas também ampliando o número de vozes e objetos que interferem com vistas na sua definição. Entendamos que uma das ocorrências mais reiteradas na história das religiões se dê: uma epifania. Ao relatar, o sujeito da epifania detém qual autoridade para delimitar o que aconteceu e de qual forma o evento corresponde ao conteúdo doutrinário e dogmático de sua igreja? Como determinar como e o que aconteceu? E, vivendo num contexto em que outras religiões se imponham no mesmo espaço político, como manifestar aquilo que é verdadeiro como conteúdo experimental sem alterar o estatuto dos poderes vigentes? Quem detém a autoridade para definir o que de fato aconteceu? Como procede para determinar o evento? Se o sujeito da epifania não pode mais falar por si, em público, e uma sorte de instrumentos, unidades de análise, e pessoas públicas se dedicam ao produzir uma versão pública do que se passou, a relação entre o conteúdo de experiência e o relato doutrinal (a fala pública) é mediada. Algo ou alguém se interpõe entre o evento e o relato produzindo relações em cadeia, ou em rede. Seguindo nesta linha de raciocínio, pergunto-me como seria possível, ou mesmo se faria sentido um projeto neste campo de pesquisas sobre a história da condenação do 1 kardecismo espírita pela justiça francesa em 1875 na qual: 1) o kardecismo francês não arrogava ser uma religião, especialmente quando da morte de Allan Kardec e sob orientação de Leon Dennis, Camile Flammarion e Pierre Gaëtan Leymarie1; e 2) a justiça tinha como evidência para a acusação artefatos espíritas produzidos por médiuns que teriam, por via dos mesmos, adquirido crédito imaginário, ou seja, teriam ludibriado o imaginário público, fazendo do kardecismo uma sorte de superstição, uma falsa crença, coisa proibida por lei quando relacionada com qualquer atividade comercial ou sanitária, tal como ditado pelo Código Penal vigente na Terceira República francesa2. Não há religião aqui e, quando há, é falsa. Por que então enquadrar esta pesquisa no campo da antropologia da religião3? À guisa de introdução é necessário perceber que a acusação e a defesa do processo arrolado em 1875 não fazem declarações simétricas entre si. Um grupo cuja ação não se pretende religiosa, mas científico-experimental e pedagógica, é acusado de adquirir crédito falso por via da simulação de fenômenos sobrenaturais. Note-se bem. A literatura kardecista de então recusa toda e qualquer proposição que se baseie na sobrenatureza como conceito possível. Não obstante, o que sugiro como forma de abordagem deste evento é o de uma etnografia histórica atenta à noção de simetria, pondo em foco o que o julgamento põe em questão, o que ele exige para que seja compreensível e, por fim, como se tornou em seu desenrolar um complexo estrutural de ações possíveis. Numa pesquisa que pode levar a uma modalidade de história reversa, que começa de seu desfecho, parece necessário que se faça uma reconstituição do que está em jogo no caso conhecido como Processo dos Espíritas (Leymarie, 1975), entendendo o registro do mesmo como a expressão semântica de um presente passado – cujo valor metodológico pretendo apresentar mais adiante. Até porque, é por via desta noção, o que está em jogo no presente passado4, que terei terreno aberto para melhor definir o que entendo ser história 1 Felizmente, levar este tipo de incômodo a sério encontra ecos na pesquisa de Célia de Graça Arribas (2010), cujo título não é outro senão: Afinal, espiritismo é religião? 2 Leymarie (1985). 3 Poderia ser dito que a acusação de falsa crença remete imediatamente ao campo da religião. É verdade, mas não imediatamente. Vide Asad (1993) para a crítica à noção reificada de religião enquanto crença que, visto de um ponto de vista genealógico mostra-se ser uma acepção moderna. Esta acepção moderna, contudo, é alvo deste trabalho. 4 No caso, um futuro passado (Koselleck, 2006), dizendo respeito à finalidade da ação e suas condições contingentes de desdobramento. 2 simétrica (de inspiração latouriana5), como ela se aplica ao caso em questão e como pode ajudar a elucidar o problema de base, a saber, sobre uma pesquisa em antropologia da religião que aborda um evento que, para encontrar alguma religião terá que entrar no ciclo acusatório. Objetivos: O que pretendo, apesar de ter o kardecismo como foco, não é redigira uma tese especificamente sobre o kardecismo, mas sim uma tese que visa entender como uma dada condenação do kardecismo mobiliza dispositivos e agências que têm como efeito a orientação rumo à definição do que é legítimo enquanto expressão da atividade moral/religiosa. Isto, obviamente, perpassa a história do próprio kardecismo sem que a mesma obste para as questões desta mesma pesquisa. Allan Kardec faleceu em 1869. Seu funeral marca uma alteração de rumos importante para o kardecismo que, vale ressaltar, está longe de ser uma manifestação inequívoca do espiritismo/espiritualismo, ou sequer majoritariamente representativo de sua presença no cenário europeu do século XIX. A morte de Kardec se espraia em novas lideranças para o kardecismo: Camile Flammarion e a Pierre-Gaëtan Leymarie6. Flammarion, o cientista, escritor best-seller e divulgador das teses sobre as forces naturelles inconnues carcateristicamente expressas em obras como Dieu dans la Nature; Leymarie, o alfaiate, militante fourierista7 e então editor da Revue Spirite, e proprietário da livraria da revista; ambos responsáveis por inflamar a propaganda da doutrina espírita nesta reconfiguração da rede social kardecista. O tom reticente da propaganda do kardecismo de quando da vida do grande codificador8, assim como da direção pedagógica dos escritos morais, cede a dois interesses que até então tinham peso menor, quando não simplesmente sem qualquer menção explícita na mensagem doutrinal. De um lado, a pesquisa científica de resultados definitivos que, apesar de marcada pela nebulosa dedutiva da ciência experimental do século XIX, assumia um otimismo insofismável, ao contrário da cautela expressa por Kardec. De outro, uma atividade editorial que marca o fim da Revue Spirite quanto ao seu tom sereno e professoral 5 Latour (1996). Atenho-me aos dois somente, ainda que Leon Dennis tenha assumido o papel de codificador maior da doutrina espírita com o passamento de Kardec. A questão é que, para os desdobramentos da história que me serve de caso, seu nome não aparece sequer citado, o que é uma questão a mais para este trabalho. 7 Leymarie fora exilado da rança após a comuna de 1848. Voltou a se envolver com as comunas em 1871. 8 Hippolyte Leon Denizard Rivail, o Allan Kardec. 6 3 e o começo de um conteúdo programático e agressivo, seja em matéria de pesquisas parapsicológicas, seja em manifestação de seu caráter político. O periódico kardecista de maior circulação no período passa a fazer menção à regeneração da sociedade como missão espírita, tema que Leymarie retoma quando interrogado em pleno tribunal, já no processo de 1875. Mas, antes de seguir, um parêntese. Neste relato curto o espiritismo já foi descrito segundo funções que o caracterizam como: ciência, ciência moral, socialismo e atividade editorial. Até o fim do processo que me serve de caso, o espiritismo será também, e pelo menos, atividade fotográfica, fraude e, de alguma forma, também religião. Afinal, somando à acusação de farsa sobrenatural, é preciso entender como é que o kardecismo pode ser e deixar de ser, mesmo quando não pretendia sê-lo, religião em uma era que inaugura a possibilidade de haver uma religião dentre outras: a era moderna. Ter destacado acima que o kardecismo é apenas um capítulo da história do espiritismo/espiritualismo. Isso implica em também reconhecer que outros núcleos de agência incidem na trajetória do kardecismo, inclusive ao comporem a paisagem na qual o mesmo kardecismo recaia no mesmo tipo de encruzilhada policial que, outrora era destinada a hereges e feiticeiros: a inquisição. Em 1863 a Revue Spirite noticia pela primeira vez as atividades de William Mumler, pioneiro da fotografia espectral nos EUA9. O artigo é de Kardec, que não manifesta muita confiança nesta novidade, tanto por ser novidade quanto por ser americana. Mas para fins desta pesquisa, de onde tenho que partir, Kardec já está morto. Leymarie, editor da Revue Spirite desde 1869, leva mais 4 anos para voltar ao tema, mas já com outro diagnóstico em mãos. A fotografia espectral assume o posto de “prova irrefutável” de que há vida após a morte. Mesmo em uma atitude fiel à palavra de Leymarie, é difícil distinguir quais são fatos e de quê são evidências neste ponto da história10 que não parece ter a 9 O caso de William Mumler é abordado por Louis Kaplan (2008) e Crista Cloutier (2004). O livro de Kaplan é também a compilação dos artigos de jornal e todo o processo que circunda a também condenação de Mumler nos Estados Unidos, ainda nos anos 1860, tecendo um paralelo importante com o caso que ora me servirá de foco. 10 Faço menção aqui à terminologia de Lorraine Daston (1994), de que fatos são evidências em potencial e que evidências são fatos processados até o ponto de se apresentarem inocentes da intenção manipuladora do analista/cientista – o que é formulado com atenção a uma noção de produção de fato científico muito semelhante à purificação de Latour & Woolgar (1994) e de Prigogine & Stengers (1986), embora tenha mais clareza sobre as implicações morais da purificação. Esta formulação tem conseqüências para a história da atividade científica que Daston elabora, em especial na relação que promove entre o desenvolvimento da ética protestante, dos códigos de civilidade e da emergência do que chama de scientific self (Daston & Galison; 2007), centrais para o desenvolvimento deste projeto. 4 clareza como seu ponto forte. Seguindo a terminologia de Flammarion, esta é uma história sobre forces inconnues, sendo uma delas o fotógrafo Édouard Buguet, cujo papel é quase tão importante quanto o advento da fotografia na atividade espírita. É com a sua aparição – poderia dizer “agência” – que os termos de designação dos coletivos em atividade aumentam sua velocidade de transformação. Da ciência à farsa sem nunca ter perdido seu potencial religioso. Este é o percurso que interessa a este projeto, é dele que trata a etnografia. Buguet não era espírita. Até pouco antes do processo, Leymarie não o conhecia, assim como Allan Kardec, Camile Flammarion ou qualquer pessoa da rede espírita; ao menos, não há registro. E no entanto, a fotografia espectral serviu como força convergente de todos os citados, vivos ou mortos, até a reunião derradeira no tribunal. E a história tem seu pontapé inicial quando as fotografias espectrais vêm a público. A Revue Spirite publicou 6 artigos sobre o tema em apenas 2 anos11; Flammarion promove juntas de avaliação protocolar para atestar a veracidade das chapas produzidas em Paris e por toda França – como, aliás, vinham fazendo alguns dos mais destacados cientistas do norte europeu12. Buguet, já fotógrafo, que aprendeu a fotografar fantasmas apenas como um artifício da profissão, chega a esta história com pelo menos 3 anos de atraso. A guerra civil de 1871 já havia dado cabo de boa parte da ordem institucional do Segundo Império, abrindo espaço para as marcas centrais da administração da Terceira República: anti-clericalismo, liberalismo e conservantismo político de matiz bonapartista. Durante o Segundo Império, recém-findo e posto em voga na Restauração da década de 1850, o clima da vida pública franco-parisiense era o de certa tolerância com toda sorte de maquinações e reuniões com tonalidades saint-simonianas, fourieristas e toda sorte de práticas mediúnicas numa verdadeira invasão de mesas-giratórias e séances reunindo nata e plebe13. O kardecismo encontrara seu momento de maior expansão em território francês. 11 Entre 1873 e 1874. Vide Oppenheim (1994); Bensaude-Vincent & Blondel (2002); Monroe (2008); Stolow (2008, 2009). 13 Monroe (2002, 2008). Não se entenda, contudo, se tratar de um regime liberal ou mesmo tolerante. Pelo contrário. Há farta dissertação sobre a censura nas artes e nas atividades hoje reputadas como “cultura popular”. Não obstante a censura moral ao romance de estréia de Gustave Flaubert, o que nos serve de exemplo, recomenda-se a leitura do segundo capítulo de Revel (1989), sobre a instituição dos estudos sobre cultura popular, correlatas às instituições de censura de livros colportage. Ainda assim, importa ressaltar que o espiritismo kardecista não se apresentara como um embaraço para a ordem civil pública. As diferenças entre a presença e a ausência de Allan Kardec à frente da Revue Spirite, aliados às diferenças constitutivas do Segundo Império e da Terceira República assumem, por causa disso, um papel importante. 12 5 Em 1859 são anistiados vários exilados da Comuna de dez anos antes (1848), Leymarie incluído. O mesmo retoma suas atividades de alfaiate, apesar da habilidade nula para administrar seu comércio, chegando à falência no ano de 1871, ano de mais uma revolta civil. As reuniões com trabalhadores com vistas na promoção do humanismo socialista, de um futuro que espelhasse a igualdade entre todos os homens, especialmente por via da instrução pública regeneradora não encontraram quaisquer dificuldades com nenhuma forma de censura. É neste período que a popularidade de Kardec atinge seu auge. Após 1871, contudo, as coisas mudam de figura. Kardec já está morto, e todo e qualquer kardecista é suspeito de algo, dada participação de muitos dos seus – vale repetir, como Pierre-Gaëtan Leymarie – nas barricadas da Comuna. Passam a ser alvo de permanente vigília policial. Resta saber como alguém como Buguet, com vínculos tão fracos com a rede social espírita, veio a ser o pivô da condenação pública do kardecismo, e em nome de quê. Neste meio tempo, o da consolidação da Terceira República, dois fatos merecem consideração. Em primeiro lugar, Buguet, que já era fotógrafo, aprende a produzir fotografias espectrais14. A carência de maiores elementos de sua biografia impede, neste ponto que se possa avançar sobre a forma de aprendizado e das técnicas pelas quais foi introduzido no artifício. Sabe-se contudo ter sido um médico chamado Puel o responsável pelo ensino da técnica e, tão importante quanto, pela realização do encontro, ocorrido entre Buguet e Leymarie, ambos espectadores dos exercícios fotográficos do médico. Ampliando a rede, vale notar ter sido um amigo de Buguet, o ator chamado Scipion com quem morava, quem lhe deu a notícia de que estavam praticando este tipo de truque nos EUA e em Paris de forma a encaminhá-lo ao médico Puel. Neste período o círculo ao redor da Revue Spirite e da Societé des Spirites começou cercar o fenômeno da fotografia espectral. O primeiro artigo de Leymarie sobre o fenômeno é anterior ao primeiro encontro com Buguet, mas a modalidade fotográfica já estava endossada pelo conselho editorial da Revue, assim como a ruptura semiótica que a nova tecnologia implicava. Os fenômenos morais e seu registro imagético saíam da era do ícone para entrar no paradigma indiciário (Guinzburg, 1991; Didi-Huberman, 1982; Dubois, 1999): as hipóteses teológicas adentravam no terreno da ciência experimental (Flammarion, 1979). 14 Informações retiradas do interrogatório do documento do processo (Leymarie, 1985:01-09; Buguet fora o primeiro a depor). 6 Buguet tinha 34 anos de quando do processo, e seu contato com a prática fotográfica de modalidade espírita – era como informava em seu cartão de visitas – pareciam exclusivamente atreladas aos interesses do comércio das mesmas. O encontro com Leymarie e os demais surtiu um efeito importante na vida do fotógrafo: aumento de clientela e, por conseguinte, envolvimento com a rede espírita e suas conexões. O artigo publicado na Revue Spirite aumentou fortemente o número de clientes interessados em ter o registro fotográfico de seus parentes e amigos já falecidos, o que fez do estúdio do fotógrafo, no número 5 do boulevard Montmartre (edifício Haussman), um ponto de convergência do espiritismo francês. A séance fotográfica, tal como praticada no estúdio de Buguet, consistia em uma conversa com a clientela feita por assistentes do fotógrafo, enquanto ele mesmo preparava a câmara escura. A sessão fotográfica, somado o tempo de entrevista e contato mediúnico durava de 15 a 30 minutos, com 30 segundos de exposição da pose ao material fotográfico. Disto, e feita a cobrança do valor a ser pago pela foto, Buguet apresentava a fotografia espectral, o fantasma revelado. São declarados, durante o interrogatório do processo, mais de 200 clientes por toda a França. Este movimento ao redor da figura e do endereço de Buguet levaram à polícia a fechar o cerco, especialmente após o apoio professado por Leymarie, por via de um artigo escrito por ele em 1874, na edição de janeiro da Revue Spirite. Designado para o caso, Guillaume Lombard promove a investigação como oficial de paz com vistas na vigilância política. É ele quem suspeita da fraude de Buguet e, por isso, promove um assalto policial em seu estúdio após ter se apresentado como cliente, já no fim de 1874. Buguet é preso em flagrante e são processados Pierre-Gaëtan Leymarie e Alfred-Henry Firman (este um químico e fotógrafo dos EUA, avalista das qualidades mediúnicas das fotografias de Buguet)15. Do ponto de vista legal o movimento da ação policial demanda muita cautela em sua abordagem, e este é um dos propósitos desta pesquisa. E há uma pequena história do problema que permite que se possa fornecer, sinteticamente, o papel que este processo assume num estudo sobre formas modernas de religião e sua vida política, em especial neste balanço entre o religioso e sua ausência, 15 Realizei um primeiro esforço analítico condizente ao papel do aparato fotográfico neste processo em Freire (2010). 7 assim como pela determinação do religioso por aquilo que, até então, escapava de sua esfera. A constituição do Estado moderno francês acompanha em linhas gerais o procedimento de secularização no sentido mais rigoroso do termo, que é o da desapropriação de terras e propriedades religiosas que, por isso, passam a cumprir finalidade e jurisdição laicas16. Este processo não se dá sem alterações profundas nas relações entre igreja e Estado, lembrando inclusive que do século XIII até o século XIX ocorre a instituição do Estado absolutista e, logo mais, sua derrocada na tomada de poder da República pós-revolucionária e o jogo delicado, e ainda incompreendido da democracia de massas. E o que entra em questão é, junto ao balanço entre potestas e autoritas que definem os papéis de atuação da cruz a da espada, a pauta das relações que mediam relações, constituindo o painel difuso, mas poderoso da noção moderna do Estado, entendida como estância conciliatória tão prezada pelo jusnaturalismo que se desfaz da ordem dos Três Estados com vistas na constituição do monopólio das formas de mediação e, por conseguinte, de mediação já muito bem caracterizados na filosofia política do absolutismo. Se após o século XIII a definição de diferentes jurisdições (reais, municipais e eclesiásticas) sugere um balanço do poder constituído bastante claro17, uma série de insurgências desafia este equilíbrio delicado já no século XVII. Em especial, dois eventos põem à prova o fundamento da autoridade e poder seculares da realeza com relação à jurisdição eclesiástica: 1) o surto de possessões demoníacas, posto em xeque pela sucessiva intervenção da medicina moderna18 e 2) a querela do jansenismo, também um fenômeno de possessões convulsivas, mas de outra sorte – diz respeito à graça eficaz do Espírito Santo, debatida na teologia do porte da de Santo Agostinho (Maire, 1985). Cada um destes movimentos tem um efeito diverso. O primeiro evento é alvo de uma investigação extensa, da parte do historiador Robert Mandrou (1979). Diz respeito ao fenômeno demonológico na França do século XVII, envolvendo figuras notáveis como a de Jean Bodin, Jean Wier e a geração seguinte de intelectuais, em especial a classe de médicos formada, já sob a orientação das ciências 16 Vide Marramao (1995, 1997); Koselleck (2006). Vide Esmein (1882). 18 Que também implica no alvorecer da psicologia por vir. 17 8 experimentais, das práticas de laboratório, e das carreiras de Estado em inauguração. Num período em que um grande número de possessões coletivas se deu, assim como a instituição do exorcismo público e do maior interesse deste em acompanhá-lo, o debate entre pensadores anti-clericais e ultramontanos culmina na recusa de parte dos médicos do argumento sobrenatural. Com vistas nisso são formuladas os primeiros diagnósticos sobre sugestão e manipulação mental que dois séculos depois fariam tanto sucesso nos livros de Gustave LeBon e na instituição de Salpêtrière dirigida por Jean-Marie Charcot. A ascensão médica pelos corredores e salões franceses, especialmente Versailles, culminou em pressão suficiente para a publicação do édito de 1682 que, após a Ordenança de 1670 que fixa as leis francesas em códigos, elimina a feitiçaria do vocabulário penal. Nas palavras de Mandrou, “a feitiçaria, definida em 1682 como uma exploração da ignorância e da credulidade, está em vista de se “civilizar”, no velho sentido da palavra” (op.cit.:394)19. Neste sentido, ao recusar a feitiçaria como possibilidade, o sistema do direito francês rompe com a jurisdição eclesiástica e passa a ditar os termos de sua exposição e imposição na esfera pública. Neste mesmo período a querela do jansenismo ajuda a entender porque a anulação da jurisdição da igreja católica se deu. O ponto central20 desta querela disserta exatamente sobre a mediação eclesiástica que tencionava com duas fontes de agência. A primeira era dos discípulos de Cornelius Jansenius, teólogo que promoveu um movimento de Reforma na Contra-reforma (Maire, 1995) ao sugerir imediação na instituição da ascese, movimento que afeta toda sorte de mediação, seja ela laica ou eclesiástica. Seguindo a mesma Catherine Maire, “il constitue, en un mot, le grand révélation de la déliaison de l´au-delá d´avec l´ici-bas qui hante la refondation catholique de la médiation sacerdotale et eucharistique » (op.cit. :14). O esforço da Contra-Reforma, contra o qual o jansenismo se opõe, consiste em refazer o pacto conciliatório que leva à mediação eclesiástica, o que é exatamente o que a possessão pelo Espírito Santo (guérisons miraculeuses) põe em questão, uma vez que sugeriria que a Graça pode ser mediada e conduzida pela ação humana eclesiástica, tese considerada insustentável. A imediação submete a ação humana diretamente aos desígnios da Divina Providência. A reação do 19 O termo civilizar, da forma como Mandrou sugere, em muito se relaciona com o movimento histórico descrito por Elias em seu Processo Civilizador no qual retrata a longa história das instituições civis até a constituição de uma cultura da civilização, ou cultura burguesa. 20 Vide Maire (1998). 9 sacerdócio ultramontano e papista inflacionou seu posicionamento como potestas na França ao conspirar pela ilegalidade dos jansenistas perante a lei, o que indispôs o clero com a coroa – atividade encabeçada pelos teólogos jesuítas. Não por simpatia de Louis XIV com o jansenismo, mas porque a ação da igreja interferia na soberania real, a coroa vacilou ao definir se o jansenismo deveria ou não ser declarado ilegal, assim como havia sido declarado herético. Faz-se assim a constelação do mal-estar e dos dispositivos anti-clericais no seio do Estado francês moderno21 que culminou na expulsão dos jesuítas mais adiante, durante do reinado de Louis XV. Entendendo que a regulamentação das associações livres do mesmo período proíbe que o conteúdo das conversas feitas no seio de sua privacidade contaminasse as reuniões públicas, faz-se visível a marca do Ancien Régime de relegar para a esfera privada a vida religiosa e política22, e a de reduzir paulatinamente a associação religiosa aos limites de um clube ou reunião entre privados – como o fez com a maçonaria, esta irmã do espiritismo. Nesta fase de introdução do Estado anti-clerical, os crimes que lesam pela corrupção da alma (feitiçaria e possessão induzidas) são substituídos pelos de falsificação e extorsão, indicando um novo sujeito de direitos e preparando o terreno legal no qual brota o Processo dos Espíritas, em 1875. Os crimes contra a igreja passam a ser crimes contra o Estado, cuja lógica é nada óbvia – a do monopólio da violência e, por conseguinte, da mediação – e o sujeito de direitos é mundano exercendo sobre si sua própria posse, desfazendo assim muitos dos lastros legais deixados pelo feudalismo e o contrato de vassalagem23. Atentar contra o Estado implica em violar os termos que condicionam a mediação conciliatória de seu monopólio. O que passa por esta pequena suma histórica, e que tem muito valor para alguns dos temas clássicos da antropologia, é que o que é objeto de legislação é a experiência imediata e seu conteúdo público. Em outras palavras, o que uma pessoa pode manifestar publicamente ter sentido, tanto do ponto de vista sensorial quanto do ponto de vista semiológico, entra em pauta e carece de reconhecimento do poder público para ser divulgado como tal. Diante da lei não existem mais possessões demoníacas ou atos de 21 Vale notar que a querela do jansenismo segue pelo século XVIII adentro e que a suma apresentada não dá conta, nem de longe, da complexidade do fenômeno. Remeto o leitor, mais uma vez, ao livro de Catherine Maire. 22 Vide Koselleck (1999). 23 Sobre isto, vide a cruzada contra o patois em Revel (1989). 10 feitiçaria, salvo quando perpetradas por extorsionário. Quando a feitiçaria se transforma em manipulação da ignorância e alienação de posse (de objetos, dinheiro ou mesmo de si), a autoridade eclesiástica perde seu poder policial mundano e não pode mais intervir quando o tema é a corrupção das almas, ao menos não segundo reza sua própria jurisdição. Não pode prender, interrogar e condenar como parte da ordem civil pública. A ordem do sentido, assim como o poder de interferir sobre a mesma repousa no sistema autorictas/potestas alter-coincidente do Estado absolutista e, mais tarde, no governo temporal do Estado de direito Republicano, que ao contratar com todos os cidadãos reclama da ilegalidade da expressão pública de certos conteúdos de experiência. Entendendo que a Revolução Francesa é seguidamente rotulada de revolução burguesa; entendendo também que o drama burguês, enquanto gênero literário institui as ações nobres como qualificativo da nobreza, permitindo tramas em que um nobre seja vil e um plebeu, um perfeito cavalheiro24; entendendo que as raízes epistemológicas do pensamento revolucionário operam por via de um individualismo sensorial empirista e pela teoria liberal do direito de propriedade, é possível compreender a rede complexa que a legislação que enquadrou o espiritismo movimenta25. Seguindo o tema, a condenação dos espíritas é posterior a um outro processo, o dos mesmeristas, que é tão importante quanto, pois nos remete a uma estância de mediação emergente, fundamental para a forma de governo nascente no século XIX: a mediação técnica produzida pelo exercício público das ciências aplicadas. Se num primeiro momento, no qual o alvorecer das ciências experimentais no século XVII produziu pressão suficiente para destituir o direito eclesiástico de suas principais intervenções policiais públicas – inquisição e exorcismo -, num segundo momento é o poder diagnóstico e civilizador das 24 Vide Freire (2008). 25 « Quiconque, soit en faisant usage de faux noms ou de fausses qualités, soit en employant des manœuvres frauduleuses pour persuader l'existence de fausses entreprises, d'un pouvoir ou d'un crédit imaginaire, ou pour faire naître l'espérance ou la crainte d'un succès, d'un accident ou de tout autre événement chimérique, se sera fait remettre ou délivrer des fonds, des meubles ou des obligations, dispositions, billets, promesses, quittances ou décharges, et aura, par un de ces moyens, escroqué ou tenté d'escroquer la totalité ou partie de la fortune d'autrui, sera puni d'un emprisonnement d'un an au moins et de cinq ans au plus, et d'une amende de cinquante francs au moins et de trois mille francs au plus. Le coupable pourra être, en outre, à compter du jour oit il aura subi sa peine, interdit, pendant cinq ans au moins et dix ans au plus, des droits mentionnés en l'article 42 du présent Code : le tout sauf les peines plus graves, s'il y a crime de faux. ». 11 novas tecnologias, já em meio a uma Revolução Industrial pulsante que assume protagonismo26. As mudanças na ordem da percepção e codificação do livro da natureza impõem uma nova relação com a experiência sensorial a qual destitui, ao menos no que diz respeito ao senso comum científico, o poder e a dignidade da percepção humana exatamente por legislarem sobre a imaginação. O ser humano em sua expressão imediata não é mais confiável pois não consegue preencher as lacunas entre percepção e imaginação adequadamente. Para fazê-lo melhor passa a ser necessária a intervenção de objetos técnicos: lupa, microscópio, telescópio, reagentes e, mais adiante, fotografias27. As regularidades ocultas dos órgãos dos sentidos, isto é, o invisível (como as ondas eletromagnéticas), o infinitesimalmente pequeno (as partículas microscópicas) e o infinitesimalmente grande (o universo infinito), assim como a noção de uma matéria homogênea em todas as escalas cósmicas criam um ambiente conceitual e experimental então inexplorado pela implementação técnica. Nisso, os jogos de lentes, os reagentes químicos e as hipóteses evolutivas de tempo profundo permitem uma nova série de conjecturas e temporalidades, justificando uma série de tomadas de posição, re-fundando algumas das bases para a ação política e para as macro-narrativas, como o evolucionismo e o Estado-nação28. É com vistas neste universo que práticas terapêuticas e orientações morais ocupam o mesmo ambiente científico-político. E mais, é neste ambiente em que as divergências dos cientistas e inventores entre si assumem uma forma moderna de ação política. Da mesma forma que o Diabo cede espaço para os falsários nos códigos penais no fim do século XVII destituindo a igreja católica de sua jurisdição secular, os tribunais de inquisição cedem espaço para as juntas científicas, as mesmas que condenam os mesmerismo na França anos após a Revolução Francesa. Os artigos 479 e 480 do código napoleônico instituído em 1808, que proíbem práticas de divinação e interpretação de sonhos, respectivamente, visam zelar pela mesma integridade do cidadão-indivíduo sob posse de si contra manipuladores e 26 Vide Lagrée (2002); Landes (1991); Simondon (1969); Daston & Galison (2007). Pode-se somar a este movimento a construção de sanatórios no modelo de Salpétrière, sob direção de Jean Marie Charcot, símbolo maior da ascensão das ciências experimentais no campo das afecções de ordem moral mais conhecidas, hoje como doenças mentais (Didi-Huberman, 1982, Gauchet & Swain, 1999). 27 Daston & Galison (op.cit.). 28 Vide Daston & Galison (2007) e, principalmente, Rossi (1992ª). 12 praticantes de extorsão. Foi por via destes artigos que o Ministério Público Francês processou os mesmeristas, condenados por uma junta de cientistas que, após avaliação protocolar da Academia Francesa de Ciências, julgou improcedente a cura magnética inventada por Franz-Anton Mesmer29. Desnecessário dizer que o processo dos espíritas utiliza um expediente semelhante, com a exceção de que não se requisitaria nenhuma junta científica. O julgamento é feito segundo um senso comum de fatos tomados como científicos, e a polêmica acerca do espiritismo, iniciada nos anos 50, já tem seus termos postos. Então, entramos na esfera dos procedimentos formais do sistema legal, e na ordem dos fatores que produz o julgamento. Guillaume Lombard, como oficial da paz, moveu o inquérito a ser estudado pelo juiz de instrução. Esta figura permanece anônima na reprodução dos autos do processo disponível30, mas é ela quem elabora um dossiê, a partir de investigações e interrogatórios com os réus, que fundamenta a inquisição pública realizada pelo juiz que preside o tribunal. É importante notar que esta figura, o juiz de instrução, é alguém recém-empossado, mais novo, de formação integral no regime bonapartista, já imerso em um sistema de ensino reformado com vistas no positivismo como fundamento. O caso é que Allan Kardec, quando ainda assinava com o sobrenome Dénizard Rivail fora responsável pela redação de manuais de instrução pública de aritmética e língua francesa31, o que me permite tratar o caso como uma cisma interna às instituições geradas no seio da mesma modernidade e que, não obstante, explorava este campo da mediação pura sugerida conceitualmente e em diversas esferas: laboratorialexperimental e do direito; na economia na definição do dinheiro como valor de troca abstraído cuja fiança é fornecida pela ordem conciliatória do Estado e a aceitação universal da cédula e do crédito. Se de um certo ponto de vista é possível situar o processo em uma mesma epistemé32, de outro lado se torna delicado apreender o que esta identidade cultural da polêmica tem a ver com as questões morais e religiosas que o processo levanta. Para tal basta levantarmos a acusação reiterada, projetada pelo presidente do júri, o juiz Millet, 29 Sobre o tema, vide segundo capítulo de Lantier (1980); Darnton (1968). Sobre a condenação dos mesmeristas franceses no que diz respeito à prática das terapias magnéticas, vide Monroe (2008: segundo capítulo). 30 Leymarie (1975). 31 Vide Rivail (1829, 1848). 32 Foucault (2002). 13 sobre a relação positiva entre o kardecismo e o sobrenatural – e como a mera sugestão de que alguém flerte com o sobrenatural é, como que por mágica, uma ofensa33. Enfim, o julgamento. Estenografado in illo tempore, traz os diálogos por extenso, com exceção de passagens finais, em especial as declarações do advogado da república (promotoria) após o anúncio da sentença. Vale notar que o documento que ora disponho é a edição fac-simile da edição de Marina Leymarie (1975), esposa de Pierre-Gaëtan, que procura apresentar pela publicação do processo e um conjunto epistolar, este episódio lamentável da justiça francesa. De alguma forma, e é importante apontar como mais um dos objetivos deste trabalho, Marina Leymarie considerou que seria suficiente publicar as sessões que compõem o processo para que ficasse demonstrada a perseguição perpetrada pela justiça francesa e, mais, o quão injusta e descabida fora a condenação. Por outro lado, a publicação ocorreu no mesmo ano de 1875, e não foi censurada pela mesma justiça francesa que considerou que o mesmo processo obstava para garantir a racionalidade e a justeza da condenação. O fato de o kardecismo ter sofrido um golpe fortíssimo de popularidade de quando do processo34 , e o outro fato, o de que utilizo como documento um caderno publicado pela Federação Espírita Brasileira na ocasião do centenário do mesmo processo indica que, de aguma forma, a estratégia de ambas as partes surtiu o efeito pretendido. Nos autos do processo o juiz Millet, que preside o tribunal, acusa os espíritas de flertarem com o sobrenatural e, ao mesmo tempo, acusa Allan Kardec de plagiador de grimórios. O faz explicitamente, especialmente quando a interrogada é ninguém menos que a viúva de Allan Kardec, cuja fotografia espectral do marido havia sido produzida exatamente por Édouard Buguet, publicada no ano de 1874 na Revue35. Como Leymarie, a viúva de Kardec era livreira e responsável pela administração da Societé Spirite da qual Buguet não fora associado – aliás, Buguet não se associara a qualquer associação espírita. Millet a interroga sobre empréstimo de 3500 francos a Buguet, estabelecendo vínculos que podem ser lidos como cumplicinato. A viúva de Kardec reforça ser uma ação desinteressada para ajudar alguém a pagar um empréstimo. É quando o tema do 33 O que permite entender porque, no mesmo período, quando da aparição de Nossa Senhora de Lourdes, o primeiro braço do Estado à chegar na pequena vila, e na gruta onde se deu a aparição, tenha sido a gendarme (2000). 34 Monroe (2008). 35 Leymarie (1874). 14 interrogatório disputa a descrição das sessões em que Buguet fotografou, primeiro, o pai da viúva, e depois o próprio Allan Kardec, que o paradigma indiciário adentra em campo, asim como o jogo de acusações. A fotografia de Kardec traz consigo uma carta na qual Madame Kardec reconhece a caligrafia do marido falecido. Nisto, Léonie Ménessier, assistente de Buguet e interrogada anteriormente a interrompe declarando que quem havia escrito a mensagem havia sido ela mesma Léonie, participando do tipo de forja que Buguet praticava e, tal como ele mesmo havia assumido em pleno tribunal. A resposta de Madame Kardec é taxativa: Cela peut se dire, mais cela ne prouve rien. Millet adota então outra postura, perguntando se acredita mesmo que Buguet é um medium de verdade36, no que a viúva responde haver 200 cartas vindas da província que confirmam fatos como os da fotografia do espectro de seu marido. Fosse uma carta somente e a suspeita seria justificável – e disso seguiu ao afirmar que a senhorita Ménessier havia dado um depoimento só. E falso. O conjunto amostral do tribunal era mentiroso e, ainda assim, insuficiente. A estatística do conjunto amostral favorecia os kardecistas. Nova mudança de atitude do presidente do tribunal. O alvo deixam de ser as fotografias de Buguet – afinal, o mesmo assumira-se culpado do crime versado no artigo 405. O ponto central é Kardec e o Livre des Esprits. Após ter dito que o título do livro é plágio de um grimório de 1522, e que o nome Allan Kardec é bretão e designa uma floresta – o que faz remissão aos druidas da Bretagne -, Millet encerra o interrogatório ao acusar as obras pilhadas como ofensas ao espírito público e que Kardec não é um literato, mas um homem que pratica magia negra ou branca. A esta altura é difícil saber o que está em questão e quem está sob julgamento. O que pretendo, mais do que qualquer outra coisa, é fazer um esforço compreensivo sobre o que é que está em jogo neste julgamento, matéria nada clara levando em conta o histórico institucinal e os conceitos postos em jogo na troca de acusações – em particular, porque o falsário ocupa o lugar de diabo na nova urdidura do Estado laico podendo promover, e aí reside a marca do crime, a interrupção das formas de conciliação promovidas pela mediação estatal. 36 Não é por acaso que a figura do médium apareça aqui mais uma vez, repetindo esta obsessão que o século XIX nutria pela mediação abstrata e, por isso, pura. Para maior elucidação, vide o papel passivo que o médim desempenha no Livro dos médiuns de Kardec. 15 Justificativa e Revisão Bibliográfica: A esta altura é necessário retornar aos termos iniciais deste projeto que definia o jogo de acusações posto em cena no tribunal, cuja sessão se deu nos dias 16 e 17 de junho de 1875. Acima afirmo que o presente projeto tem como objetivo atentar para a semântica temporal articulada que marque duas disposições temporais. Em primeiro lugar, um presente passado, isto é, a forma como o que é dito e o que é respondido nos documentos em questão apresenta o que está em jogo num processo que julga, através de uma acusação enquadrada no artigo 405 do código penal. Entendo que a circulação de alguns termos-chave de acusação e identificação opera de forma assimétrica, constituindo imposições violentas da parte do que Deleuze e Guattari chamam de ciências régias (1997), e que é esta tensão que revela o jogo jogado e, mais, o que está em jogo: o futuro passado. É este futuro passado, isto é, o telos de diversas ações que revela as disposições e dispositivos que caracterizam a orientação dos participantes e permite que se entenda que o futuro pretendido não implica o presente do pesquisador, retomando assim o plano fortemente contingente das ações passadas37. Assim, não se determina o passado por via do presente como sua conclusão implícita, não se elimina a alteridade constituinte da seqüência narrativo-descritiva que chamamos de história. É isto que, em segundo lugar, eu chamo de tempo histórico de uma antropologia simétrica, de inspiração latouriana38. Desta inspiração, o que pretendo absorver para este trabalho, o que considero o aspecto de melhor rendimento, diz respeito ao esforço especulativo de entender o caráter contingente do presente historiográfico, buscando evitar uma sorte de má compreensão similar ao dilema do presente etnográfico. Só que ao invés de atentar para a ilusão de que há uma sorte de estática na vida do povo estudado, e que o tempo de permanência em campo é suficiente para que se confunda experiência e com alguma sorte de holismo ou 37 Koselleck (2006, cap. 3 e 10). “Antes de mais nada, o primeiro princípio de simetria propõe um regime de emagrecimento para as explicações. Havia se tornado tão fácil dar conta do erro! A sociedade, as crenças, a ideologia, os símbolos, o inconsciente, a loucura, tudo era tão acessível que as explicações tornavam-se obesas. Mas a verdade? Ao retirarmos esta facilidade do corte epistemológico, nós que estudamos as ciências percebemos que a maior parte de nossas explicações não valia muito. A assimetria organizava todas elas e apenas dava um pontapé nos vencidos. Tudo muda se a disciplina do princípio de simetria nos força a conservar apenas as causas que poderiam servir tanto para o vencedor quanto para o vencido, para o sucesso e para o fracasso. Equilibrando com precisão a balança da simetria, a diferença torna-se mais clara e permite compreender porque uns ganham e outros perdem.” (Latour, 1996:93). Resta saber, e aí algumas das figuras de linguagem de Latour não permitem compreender, o que acontece quando todos os envolvidos consideram o contendor derrotado e a si mesmos vitoriosos. Ao problema da simetria, soma-se o da perspectiva e o da assimetria que continuam operando na ordem da exploração etnográfica, e sabê-lo é imperativo para que não se recaia em uma sorte de positivismo pueril. 38 16 sistema transcendente daí induzido, o presente historiográfico carrega com sigo a má compreensão de que as forças em atividades no passado concorreram para que o estado das coisas atingisse o modo e a forma do mundo em que vive presente pesquisador. Anulariamse assim a diferença de temporalidade e as relações postas nas cadeias de efeito diferencial tão importantes para que se ponha a alteridade em questão, especialmente no que diz respeito às ações pessoais e coletivas, além de obstruir a passagem para o tipo de arrogância que permite dizer, sem maiores cuidados, o que é o presente à luz da história. Assim, se reduzo a questão do espiritismo a um problema da antropologia da religião, de chofre, sem entender como é que isto pode ser uma questão, e de qual forma aquilo que se pretendia uma prática experimental de laboratório, ou mesmo uma ciência no sentido positivista, pode ser enquadrado na temática da religiosidade moderna, perco a diferença que constitui o tempo e a ação como problemáticos. Não é óbvio que espiritismo seja religião. Como expressão pode ser simplesmente um equívoco39. Há pesquisas que tropeçam exatamente aí, em especial no caso do espiritismo, porque o encaminhamento evangelizador do espiritismo brasileiro, em especial sob o efeito carismático de Chico Xavier, informa ao pesquisador dos séculos XX-XXI que esta é uma apropriação conceitual auto-evidente40. Destacaria, contudo, dois trabalhos que não assumem que o presente é o futuro necessário do passado, e que têm desdobramentos conceituais interessantes para esta pesquisa. Cito aqui Giumbelli (1997) e Arribas (2010), em especial o primeiro por registrar uma ressalva importante. Ao discutir o espiritismo como categoria geral que abrangeria o complexo diverso de todos os envolvidos pela classificação, Giumbelli chama a atenção para dinâmicas internas e externas ao grupo denominado “espírita” para o qual se aponta em uma pesquisa, artigo ou declaração. Assim, proclamar-se espírita é de fato coisa bem diversa do que falar de um grupo espírita ao qual não se pertence, podendo a acusação e a auto-declaração coincidirem no mesmo vocábulo promovendo o tipo de assimetria conceitual para a qual Koselleck chama a atenção (2006). A questão não está em identificar quem é ou não é espírita, mas sim o que está em jogo quando ser espírita é, ou não é a questão. 39 40 Vide, a guiza de exemplo, Guénon (1923). Na verdade, é esta a posição do tribunal no processo em questão. Como é o caso do trabalho de Aubrée & Laplantine (1990). 17 Entender como no processo as dinâmicas internas e externas são postas no ato de disputa judicial é importante para que se saiba quais são as partes em jogo (atores e agências) e, mais, como combatem o mesmo sobrenatural como falsificação dos sentidos estando em lados opostos de uma disputa judicial. Afinal, o código penal e a doutrina espírita kardecista localizam o sobrenatural em um mesmo terreno, o da regularidade oculta da natureza; as forças desconhecidas, sendo elas invisíveis ou somente invisíveis a olho nu41, o que caracteriza boa parte do que se entendia como a essência da religião, e especial na bibliografia clássica da antropologia relativa aos temas do animismo. Seria fácil recorrer ao expediente da conspiração política para conduzir o problema. Contudo, e aí entra a concepção simétrica de polêmica, se a letra da lei dispõe o que é compreendido como experiência legítima, a mesma por definir procedimentos de investigação burocráticos, define o que é legítimo como ação estatal por parte de seus agentes. A legitimidade, aqui, é um compromisso de duplo-vínculo (que é como entendo os termos postos pela conciliação) que não elucida os termos de orientação que governa o governo e a lógica de sua acusação como orientação para uma ação coletiva. Ainda que as perguntas de Giumbelli (op.cit.) e Arribas (op.cit.) concordem com algumas das minhas inquietações básicas, há diferenças importantes com este trabalho, dentre as quais elenco duas. A primeira é bastante óbvia. Diz respeito ao campo de pesquisa, separado por um oceano Atlântico. A segunda diz respeito ao papel da “mediação” como categoria analítica. E ambas merecem consideração. No primeiro caso, vale registrar que há nos últimos 20 anos – e em particular, nos últimos 10 – um interesse renovado pela pesquisa que relaciona o campo enorme do espiritismo europeu e a vida religiosa emergente no século XIX com manifestações políticas 42 e científicas43. Duas delas têm importância mais central. Compartilho com o trabalho de John Warne Monroe o mesmo objeto de trabalho, com um corte historiográfico muito semelhante. O livro supracitado faz uma reconstituição cronológica apurada do século XIX francês que engloba processo dos espíritas indicando um número de referências mais do que suficiente para o início deste trabalho, além de 41 Vide Daston & Galison (2007); Bensaude-Vincent & Blondel (2002 ; em especial o artigo de Patrick Fuentès sobre Camile Flammarion). 42 Vide Sharp (2002); Giumbelli (2002); Oppenheim, (1994); Monroe, (2008). 43 Vide Monroe, op.cit.; Bensaude-Vincent & Blondel (2002), Daston & Galison (2007); Canguilhem (2004); Chéroux (2004). 18 resolver desde já alguns problemas de crítica das fontes – como da ausência dos trechos finais dos autos do processo na edição de Marina Leymarie. Todavia, considero insatisfatório o arranjo cronológico exatamente porque toma a passagem do tempo como se o presente da investigação fosse futuro do passado num desdobramento inexorável, além de tratar a querela do espiritismo imediatamente como um problema religioso. Não imagino que o seja, ao menos não necessariamente. E isto merece um aparte algo enfático. É preciso entender que desde o século XVII, quando o problema da experiência passa a ser traduzido na gramática do empirismo moderno, a formulação conceitual e jurídica sobre os sentidos do religioso se altera profundamente. É na historiografia de Paolo Rossi, por exemplo (1992a) que lemos sobre o impacto da noção de tempo profundo para o desenvolvimento das dimensões cronológicas da história universal configurando as bases temporais da história natural nascente. Se a base da contagem do tempo do mundo se reduzia à especulação por via dos Livros Sagrados, com a emergência da cristalização fóssil, novos cálculos surgiram explodindo o tempo do mundo para a casa das dezenas de milhar e então, centenas e milhões de anos. A Bíblia passa, então, a poder ser lida pela chave do experimental científico44, e não o contrário. É neste sentido em que, somado ao impacto da exploração das Américas, África, Ásia e, logo mais, a Oceania, que impuseram a noção de comparação entre povos em um plano ainda mais radical, que o tempo do mundo passa a datar, também a vida religiosa. Precipita assim o conceito de religião natural, em geral ignorado ou tratado com certo desleixo na bibliografia sobre o espiritismo, com exceção dos trabalhos de Giumbelli (2002:30) e Sharp (2002). Emerson Giumbelli descreve haver, na introdução de O fim da Religião, recursos discursivos de grupos específicos para reclamar por legitimidade religiosa independente da revelação bíblica, declarando ser a principal noção a de religião natural45. Contudo, reduzir uma 44 Dois exemplos disso são Bacon (2007) e Galilei (2009), em que a experiência – ensaio laboratorial - é posta como princípio da leitura do livro do mundo. Sobre o tema da Bíblia lida na chave das ciências experimentais nascentes, vide Rossi (1992b); sobre o a noção “ler o livro do mundo” de Galileu e sua hermenêutica, vide Popper (1983). 45 “A expressão, herdada do estoicismo imperial, prolifera em inúmeros textos escritos a partir do século XVI, sem guardar um sentido ou um conteúdo, unívocos (religião inata, não sobrenatural, racional, conforme a razão, mínima, denominadora comum, primeva, germinal...)(...). Em torno dela desenvolvem-se várias tentativas de “explicação” da “religião”, vertente privilegiada pelos deístas ingleses e que culmina na The Natural History of Religion (1757), de David Hume. Uma outra vertente vingou no continente europeu dentro do interesse reavivado desde o século XVI sobre o “paganismo”, realizando aproximações entre civilizações antigas e os relatos recentes sobre povos americanos e africanos (...). Em ambas as vertentes, o 19 batalha conceitual à uma estratégia discursiva mitiga demasiadamente o peso que um conceito tem na vida social. Entendendo que religião natural opera como conceito, e não simplesmente como uma expressão – isto é, é uma expressão polêmica -, pretendo extrair conseqüências mais interessantes e bem enredadas para a compreensão do processo e seus condicionantes. Há palavras que, por remeterem a conjuntos experimentais, que se fazem nexos relativos e de relações próprias da orientação que se dá na ação coletiva e que, por isso, repõem em questão sua capacidade diagnóstica ao ser recuperada numa pesquisa como esta. Como havia apontado antes, este projeto teria que fazer ele mesmo uma acusação ao espiritismo para que chegue a termo. Portanto acuso o espiritismo de compreender a vida religiosa na medida em que responde os desafios ortodoxos e ortopráticos46 do projeto de instituição da religião natural, sendo esta a hipótese de base desta pesquisa – e ao fazê-lo, não o faço sozinho. O trabalho de Lynn Sharp (2002), por sua vez, é dedicado ao balanço complexo entre espiritualidade e secularização. Sharp entende que a vida política e a produção de conceitos se entranham de tal forma que o acompanhamento de desenvolvimentos particulares de versões sobre um problema permite que se entendam as estratégias discursivas como orientações, e não somente como racionalizações um tanto quanto cínicas e, mais, retomam a necessidade de tornar visíveis as orientações do pesquisador. No caso o tema de Sharp, e, em certa medida, o meu ainda resvalam nos limites e implicações do tema do desencantamento do mundo47, que é o problema teórico que ambos enfrentamos. Contudo, nem a pesquisa de Giumbelli, nem a de Sharp avaliam com acurácia a relevância central da mediação técnica como um dilema, ao mesmo tempo em que é trunfo, do desenvolvimento do espiritismo/espiritualismo lido ou na chave da religião natural, ou do desencantamento do mundo, ao mesmo tempo das instituições modernas em geral, fazendo com que ora e vez as redes sociais diversas coincidam. Sobre a mediação é possível, ao estudo da “religião” ficou vinculado ao interesse sobre as origens e a trajetória da humanidade”. (Giumbelli, op.cit.) 46 Sobre a noção de ortopraxis, vide Gasparro (2006). 47 Vide Weber (1985). Há uma enorme fortuna crítica deste conceito, assim como são inúmeros os trabalhos que debatem o conceito diante de um conteúdo empírico (como os trabalhos de Michel de Certeau, Michael Taussig, Peter Berger, Lynn Sharp, Lorraine Daston), ou mesmo se debruçam na obra de Max Weber com vistas na sua elucidação (como os de Antônio Flávio Pierucci, Marcel Gauchet e Pierre Bouretz). Não sendo o objetivo deste projeto examinar exaustivamente o legado weberiano, me eximo da responsabilidade de uma revisão bibliográfica sobre o tema neste projeto, ainda que entenda ser ela fundamental para que a pesquisa chegue a um bom termo mais adiante. 20 compreender a incorporação das técnicas especificamente produzidas, no que Simondon chama de mediação dos objetos técnicos (1969), perguntar como chamar de querela religiosa um processo no qual o que está em questão é a dissolução e/ou colonização do sobrenatural da parte das ciências modernas – a forma que pretendo privilegiar na abordagem do tema do desencantamento do mundo. Com isto pretendo discutir, e sobre isto ainda calam os pesquisadores48, o problema da agência dos objetos técnicos, cuja relação de poder e forma de mediação no qual emergem tem seu papel disputado. A fotografia, ramo que mais interessa exatamente por ser o artefato em questão no processo tinha seu caráter diagnóstico em franca experimentação e avaliação, não existindo até o ano de 1880 qualquer protocolo ou manual público que regulamentasse as formas de uso da mesma por qualquer órgão da lei (Phéline, 1985). Num processo em que o falsário faz as vezes do diabo, a fotografia emerge tanto como prova quanto como artefato maldito, tendo em torno de si a manifestação dramática do ajuste dos termos da ordem pública seguindo a estrutura meta-narrativa que constitui a religião natural como um problema. Procedimento Metodológico e Forma de Análise de Resultados: A pesquisa de arquivo estará atenta, antes de tudo, no levantamento e análise de processos judiciais disponíveis tanto nos Archives de la Police quanto na Préfecture de Paris. O primeiro passo de pesquisa, que deve determinar os demais, está em compreender a plasticidade da utilização do direito comercial que compreende os artigos citados neste projeto como forma de enquadramento da atividade religiosa/moral ilícita. Se já há bibliografia que discute o desenvolvimento da legislação acerca da liberdade religiosa na França moderna, e aqui cito o trabalho de Emerson Giumbelli (2002), existe a lacuna acerca dos dispositivos agenciados para a condenação da atividade religiosa. Não é pouco sintomático, e este é o primeiro encaminhamento das atividades de arquivo, que haja uma formulação que trate o fiel, o assistente, o crente como um freguês ou consumidor em potencial. Assim, reconstituir a generalidade da aplicação dos códigos referentes à manipulação e aquisição de crédito imaginário, e de extorsão com a finalidade de compreender a singularidade de processos como o sofrido pelos kardecistas, se impõem como primeiro e decisivo passo do trabalho. 48 Com a exceção de Jeremy Stolow, e suas pesquisas acerca das relações entre espiritismo e eletromagnetismo. 21 Obviamente que a conduta desta pesquisa precisa se cercar de algumas medidas cautelares. A primeira delas é a de um aprofundamento analítico maior na história das instituições jurídicas, em especial no que diz respeito ao código penal, à história do direito e aos casos paradigmáticos. Felizmente, há uma bibliografia consagrada no campo de estudos que permite uma investigação prévia, e já estão citados no corpo do projeto. Ressalto aqui os trabalhos de Eismen (1882) Mandrou (1982) e Giumbelli (2002) que, cada um a sua maneira, traz consigo uma enorme informação documental. Contudo, devo ressaltar, que o tratamento das fontes deve obedecer a uma espécie de princípio retroativo, isto é, o objetivo não é entender como o espiritismo e a polêmica ao seu redor promovem ações que configuram o mundo de hoje. O processo será tratado como ulteridade cronológica deste trabalho, cujo levantamento retrospectivo de fontes privilegiará processos criminais que enquadrem delitos nos artigos do código penal que acusam atividade de falsificação e manipulação da ignorância alheia, entendida em relação com as atividades de constituição da mesma legislação, e que criaram os precedentes para a acusação sob análise. Ao mesmo tempo, tenho em vista coletar material polêmico (jornais, cartas, artigos, livros) que transformem processos em assuntos públicos, em querelas, de forma a entender o forte conflito imanente à constituição das esferas pública e privada tão importantes para esta epistemologia política da religião natural. O que ainda não ficou claro neste projeto, e é com isto que eu encerro, é o papel do conceito de religião natural o qual pretendo debater. E aí é a atitude metodológica da qual pretendo me valer, isto é, pretendo utilizar o conceito como categoria de acusação. Acuso as doutrinas espíritas do XIX de produzirem desdobramentos e práticas características de uma forma de modernidade religiosa, ao invés de uma religiosidade moderna. No que diz respeito a isto, é a própria modernidade enquanto tempo presente e projeto é que parece estar em gestação na configuração desta elaboração religiosa cujos termos foram rapidamente expostos. Assim a própria fortuna da história da filosofia adentra neste terreno como documentação privilegiada. Não por alguma sorte de excelência presumida, mas por conter nela o estudo do tempo futuro germinado num presente passado. Vale lembrar, e isto é essencial, que o círculo espírita, em parte, coincide com o dos philosophes e cientistas. Plano de Trabalho: 22 1o. ANO 1 3 4 Revisão do projeto X X Revisão bibliográfica X X ATIVIDADES / MÊS 2 5 6 7 X X Análise do Processo dos X 8 9 10 11 12 X X X X X X X X X X 8 9 10 11 12 X X X X X Espíritas Participação em disciplinas X X X X 6 obrigatórias e optativas 2o. ANO ATIVIDADES / MÊS 1 2 3 4 5 Análise X X X X X e Sistematização 7 dos Dados. X Pesquisa de Campo Revisão Bibliográfica (cont.) X X Participação em Disciplinas X X X X X X X 3 4 5 6 X X X X X 8 9 10 X 3º. ANO 1 ATIVIDADES / MÊS 2 7 1 12 1 Análise e Sistematização X X X X dos dados (cont.) X Revisão bibliográfica X X X Análise e Sistematização de dados Preliminares Levantamento X X X X X com Documental em pesquisa no Exterior 4º. ANO ATIVIDADE/MÊS 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 1 2 Elaboração da tese, debate e X X X X X X X X divulgação 23 Análise e Sistematização de dados Preliminares Levantamento X X X X X X com Documental em pesquisa no Exterior Bibliografia Utilizada Fontes documentais : (a pesquisa documental tem sua base nos seguintes arquivos: Archives de la Police, Préfecture de Paris ; Archives de Paris ; Archives Nationales ; Bibliothêque Historique de la Ville de Paris ; Bibliothêque Nationale. Alguns dos principais periódicos a serem levantados são : Revue Spirite, Alliance Religieuse Universal, L´Ame, La religion laïque, Le monde invisible, Libérateur des âmes du purgatoire, La libre conscience, Revue du psychologie expérimentale, Le Saveuer du People, L´Univers, Le National, Le monde, Le charivari, Les Gazette des Tribunaux. Fortuna iconográfica disponível nos catálogos Canguilhem (2004) e em Chéroux (2004), além dos acervos públicos indicados em DidiHuberman (1982) e Phéline (1985).) 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