O Jogo como Limite do Mercado Interno

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O Jogo como Limite do Mercado Interno
O Jogo como Limite
do Mercado Interno
Tiago Manuel Martins Rua Pinto
Aluno nº 20040206
20/11/2009
Abreviaturas
Ac.
Art.
Cfr.
DL
E.g.
Para.
P.ex.
TCE
TJCE
V.g.
— Acórdão
— Artigo
— Confira
— Decreto-Lei
— Exampli gratia
— Parágrafo
— Por exemplo
— Tratado que institui a Comunidade Europeia
— Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia
— Verbi gratia (p. ex.)
INTRODUÇÃO
O Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, de 1957, tornou
possível abolir as barreiras aduaneiras intracomunitárias e estabelecer uma pauta
aduaneira comum a aplicar aos bens provenientes de países terceiros. Este objectivo foi
conseguido em 1 de Julho de 1968. No entanto, os direitos aduaneiros constituem
apenas um dos entraves proteccionistas ao comércio transfronteiras. Nos anos 70, houve
outros entraves que dificultaram a realização completa do mercado interno. As
especificações técnicas, as normas de saúde e de segurança, as regulamentações
nacionais relativas ao exercício das profissões e os controlos cambiais restringiam,
todos eles, a livre circulação de pessoas, de mercadorias e de capitais.
Em Junho de 1985, a Comissão, presidida na altura por Jacques Delors, publicou
um livro branco que previa a supressão, num prazo de sete anos, de todos os entraves
físicos, técnicos e fiscais à livre circulação no espaço da Comunidade. O objectivo era
promover a expansão industrial e comercial no interior de um amplo espaço económico
unificado, dinâmico e competitivo, deste modo aprofundando e reforçando a própria
União.
O resultado foi o Acto Único Europeu, que entrou em vigor em Julho de 1987 e
previa o alargamento das competências da Comunidade em determinados domínios
políticos (política social, investigação, ambiente); o estabelecimento progressivo do
mercado interno ao longo de um período que iria até finais de 1992, através de um vasto
programa legislativo que envolvia a adopção de centenas de directivas e regulamentos,
programa esse que consagrou o que viria a alcançar uma inesperada importância.
Refiro-me às quatro liberdades: a livre circulação de pessoas, a livre circulação de
mercadorias, a livre circulação de serviços e a livre circulação decapitais.
Esse objectivo de uniformização traria, como efeitos mais relevantes, a
harmonização (tendencial) de legislações, a comunhão de normas, regras técnicas e
procedimentos, e a aceitação geral do princípio do reconhecimento mútuo entre todos os
estados-membros.
No contexto de uma economia mundial cada vez mais globalizada, era
imperativa a constituição de um grande mercado europeu, com um potencial humano
actual de aproximadamente 450 milhões de habitantes. A Europa ganhou assim uma voz
fundamental no âmbito das negociações económicas e comerciais multilaterais (e.g.
criação da Organização Mundial do Comércio). Veio trazer assim uma nova lógica de
concorrência ao nível do comércio internacional. Mas trouxe também a exigência de
novas dinâmicas de desenvolvimento (baseado na aplicação do progresso tecnológico e
nos ganhos incessantes de produtividade).
Daí o surgimento de duas vertentes centrais do processo de integração política e
económica. A União Económica e Monetária, consagrada no tratado de Maastricht, e a
Estratégia de Lisboa, aprovada em 2000. Os esforços centraram-se, no primeiro, na
investigação científica e tecnológica, na harmonização das normas de qualidade e na
coordenação dos mecanismos de acreditação e certificação. A estratégia de Lisboa
visava o aprofundamento da competitividade de uma economia baseada no
conhecimento, e que consagrasse a qualidade como elemento central estruturador. É um
«processo de modernidade», que visa «um crescimento económico sustentável, com
mais e melhores empregos e maior coesão social». Foi para o efeito efectuada a
articulação das políticas surgidas ao longo do tempo na UE. A saber: a política
económica e monetária, política das empresas e da competitividade, da política social, e
da política ambiental.
No entanto, continuam a ser sentidas algumas dificuldades. A título meramente
exemplificativo, a simplificação das legislações e dos procedimentos, e a agilização das
negociações (por exemplo removendo a unanimidade como sistema de votações em
certos domínios) a nível comunitário, são necessidades urgentes. Daí, v.g., o escasso
tratamento jurídico dos serviços, não obstante a sua importantíssima relevância
económica (70% da actividade económica dos Estados membros), e a impossibilidade
da harmonização da fiscalidade indirecta, para a remoção de obstáculos de natureza
fiscalidade.
É neste âmbito, o da reserva para os Estados de certas competências (p. ex.
serviços públicos), que o Jogo se insere. Neste pequeno trabalho, procurarei mostrar que
essas restrições nacionais podem ainda ser justificadas, se cumpridos certos requisitos.
Para tal procurarei dar uma ―fotografia aérea‖ da doutrina relevante e da jurisprudência
comunitária, bastante relevante nesta temática.
O CASO DO JOGO
I – Enquadramento Jurídico
1. A livre Circulação
1.1. O art. 49 º do Tratado CE - A liberdade de prestar e receber serviços.
1.1.1. Características do princípio da livre prestação de serviços
O art. 49 º do Tratado CE é aplicável a cidadãos e empresas (arts. 55 e 48 º do
Tratado CE), de um Estado-Membro que forneça ou receba um serviço noutro EstadoMembro e pode ser invocado tanto pelo prestador como pelo receptor dos serviços. De
referir que são considerados destinatários dos serviços todos aqueles que se desloquem
ao espaço comunitário para usufruir daqueles, sendo que devem ser livres de os solicitar
e de os usufruir onde quer que o serviço seja prestado.
As disposições são aplicáveis apenas no caso de actividades transfronteiriças.
Assim, o prestador (liberdade positiva), o destinatário (liberdade negativa) ou o próprio
serviço (serviços de correspondência) devem cruzar a fronteira.
Contrariamente ao art. 43 º do Tratado CE, que iremos também analisar e que se
refere a uma actividade permanente, o art. 49º aplica-se, quando a pessoa ou empresa
que presta um serviço exerce temporariamente uma actividade noutro Estado.1
1
João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos precisam melhor esta ideia: «(...) direito de
estabelecimento implica uma instalação duradoura, estável (...), que seja o centro da actividade
profissional desenvolvida no Estado de estabelecimento em relação a clientes indeterminados». Já «a
simples prestação de serviços supõe a prática de uma ou mais prestações ou actos profissionais com
carácter esporádico ou temporário, de que são destinatários clientes determinados angariados a partir
da instalação estável localizada no Estado de estabelecimento do prestador de serviços.» , in pág. 577 do
Manual de Direito Comunitário, 5ª Edição, Coimbra Editora, 2007.
Nos termos do art. 50º para. 1 do Tratado CE2, os serviços são normalmente
prestados mediante remuneração e são normalmente considerados um conceito residual
ou subsidiário, na medida em que não são regulados pelas disposições relativas à
liberdade de circulação de mercadorias, capitais e pessoas. Eles incluem actividades de
carácter industrial ou comercial, actividades de artesanato e actividades liberais, se
actividades independentes.
Como o art. 50º para. 3 º do Tratado CE demonstra, o art. 49 º do Tratado CE
proíbe expressamente qualquer discriminação baseada na nacionalidade. Além disso,
segundo a jurisprudência do TJCE, o art. 49º é interpretado como uma interdição de
qualquer outra restrição sobre a livre circulação de serviços.3 Por conseguinte, qualquer
medida nacional não-discriminatória, aplicável indistintamente a nacionais e
estrangeiros, tem de ser analisada quanto à sua conformidade com a legislação da UE e
de ser sujeita a uma análise de proporcionalidade.
1.1.2. Jogo como um "serviço"
As actividades de jogo, como tais, são abrangidas pelo âmbito do art. 49 º do
Tratado CE, conforme indicado nos acórdãos Schindler, Zenatti e Anomar e confirmado
em jurisprudência posterior.4
Segundo o TJCE, os jogos de fortuna ou azar devem ser considerados
actividades económicas na acepção do Tratado CE (artigo 2), uma vez que preenchem
os dois critérios estabelecidos pela Tribunal na sua jurisprudência, ou seja; a) a
prestação de um serviço específico mediante remuneração e b) a intenção de fazer
lucro.5
2
Ver C-294/97, Eurowings Luftverkehr, ECR 1999, I-7447, para. 33, 34; C-106/89, Bleckmann, ECR
1990, I-4421; C-398-95, Syndesmos Ton en Elladi Touristikon/Ypourgos Ergasias, ECR 1997, I-3875; C286/82 &. 26/83, Luisi and Carbone, ECR 1984, 377; C-384/93, Alpine Investments, ECR 1995/I-1141,
para. 22.
3
Vide C-33/74, Van Binsbergen, ECR 1974, 1299 et seq.; C-76/90, Saeger/Dennemeyer, ECR
1991 I-4221, para. 12.
4
Vide C-275/92, Schindler, 24.3.1994, C-67/98, Zenatti, 21.10.1999, C-6/01, Anomar: 11.9.2003. Por
favor, note-se que as informações relativas à jurisprudência do TJCE em matéria ao jogo - os três casos
que acabamos de mencionar, bem como C-124/97, Läärä de 21.9.1999, C-243/01, Gambelli, 6.11.2003,
C-36/02, Omega, 14.10.2004, C-42/02, Lindman, 13.11.2003 - baseiam-se na formulação das sentenças
como estão publicadas no site oficial do Tribunal de Justiça (http://www.curia.eu.int/). Como resultado,
estes casos são citados a seguir com o nome da (primeira) das partes envolvidas.
5
Anomar, para. 47, 48.
As disposições relativas à livre prestação de serviços aplicam-se assim a uma
actividade que permita às pessoas participar em jogos em troca de remuneração
consistente no pagamento de um prémio.6 7
1.2. Art. 43 º do Tratado CE - Liberdade de estabelecimento
1.2.1. Características do princípio da liberdade de estabelecimento
A liberdade de estabelecimento é aplicável a empresas e cidadãos (arts. 43 a 48
Tratado CE) de um Estado-Membro. O singular nacional que crie uma empresa
(agências, sucursais ou filiais) ou pretenda exercer a sua actividade independente de
forma mais estável e permanente noutro Estado Membro é assim o beneficiário desta
liberdade.
Como o art. 43 para. 2 º do Tratado CE mostra, deve ser garantido que os
cidadãos e empresas de outros Estados-Membros possam exercer a sua profissão de
forma permanente noutro Estado-Membro da mesma forma que os nacionais do EstadoMembro. Quaisquer restrições discriminatórias são proibidas. Além disso, restrições
não-discriminatórias relativas ao acesso dos nacionais de um Estado-Membro ao
mercado de outro Estado-Membro são proibidas, incluindo restrições à constituição de
agências, sucursais ou filiais e todas as restrições que limitem o acesso a determinados
profissões.8
Na acepção do Tratado CE, um "estabelecimento" existe quando uma pessoa
exerce actividades independentes (não assalariadas) noutro Estado-Membro, que devam
ser consideradas actividades económicas. Tal pressupõe uma integração económica
permanente no território de outro Estado-Membro, geralmente através da criação de
agências, sucursais ou filiais (estabelecimento secundário), mas também a criação «ex
novo» de uma empresa, singular ou colectiva, (estabelecimento principal).
6
Zenatti, para. 24.
V.g. Schindler, para. 37.
8
C-255/97, Pfeiffer/Löwa, ECR 1999, I-2835; C-19/92, Kraus, ECR 1993, I-1663, para. 32; C- 55/94,
Gebhard, ECR 1995, I-4165 para. 37.
7
1.2.2. O Jogo no âmbito de aplicação do art. 43 º do Tratado CE
A disposição aplica-se no caso em que as restrições são impostas sobre as
actividades de uma empresa que exerça actividades de Jogo, estabelecida ou que
pretenda estabelecer-se num Estado-Membro. Ao contrário das actividades descritas no
art. 49 º do Tratado CE, refere-se à actividade não-temporária exercida dentro da
estrutura económica de outro Estado-Membro. Este é, por exemplo, o caso das agências
que se instalam noutros Estados-Membros com o objectivo de recolher apostas como
intermediários.9
2. Justificação e proporcionalidade dos limites ao art. 43 e 49 º do Tratado CE
Ambos os arts. 49 º e 43 º do Tratado CE proíbem medidas discriminatórias. Além
disso, de acordo com a Jurisprudência do TJCE, as disposições devem ser interpretadas
como contendo proibições de quaisquer restrições ainda que não-discriminatórias10 da
liberdade de prestar e receber serviços, bem como da liberdade de estabelecimento. O
TJCE reconhece aos artigos efeito directo, isto é, a sua aplicabilidade directa na ordem
jurídica interna dos Estados.
As medidas nacionais11 têm de se basear em justificações objectivas, devem ser
adequadas para proteger o interesse público12 alegado e não devem exceder o
estritamente necessário para o alcançar.
A discriminação só poderá ser justificada se cair dentro de uma das excepções
expressamente previstas pelo Tratado CE e pelos motivos previstos nos seus arts. 55º,
9
Gambelli, para. 46, 48.
Por exemplo, C-33/74, van Binsbergen, C-55/94, Gebhard, C-76/90, Saeger/Dennemeyer.
11
O carácter restritivo das medidas deve ser aferido pelos efeitos produzidos na liberdade de circulação
transfronteiriço e não pela natureza daquelas.
12
Depois de caracterizar o ―interesse geral‖, conceito criado pelo TJCE, mas sem qualquer fundamento
legal explícito nos tratados comunitários, como vago e de importância central, Michel Tison afirma,
impressivamente: «The general good doctrine must be seen as the necessary counterweight for the
Court’s judicial activism in widening the scope of the treaty freadoms (…).», e afirma ainda que tal
excepção «mitigates the effects of the restriction-based approach to the Treaty freedoms, thus striking a
balance between the interests of free movement as a precondition for market unification on one hand, and
the preservation of other values by the Member States on the other» . Vide ―Unravelling the General
Good Exception: The Case of Financial Services‖, do citado autor, pp. 323, da monografía «Services and
free Movement in EU Law», Mads Andenas / Wulf Henning Roth, Oxford.
10
46º (ordem pública, segurança, saúde) que devem ser aplicadas de forma muito restrita.
Já as restrições não-discriminatórias às liberdades fundamentais previstas nos Arts. 43 º
e 49 º do Tratado CE, decorrentes de medidas nacionais, e portanto aplicáveis
independentemente da nacionalidade, só são admissíveis se forem justificadas por
razões imperiosas de interesse público. 13
O Tribunal de Justiça definiu na sua jurisprudência i.a. os seguintes requisitos como
imperativos para o interesse público: defesa dos consumidores, a protecção dos
credores, a protecção contra concorrência desleal, a aplicação da legislação
fiscal, o funcionamento da lei, a protecção da saúde, protecção ambiental, o
pluralismo dos meios de comunicação, ameaça importante para a estabilidade
financeira do sistema de segurança social, a segurança das transacções.
Na jurisprudência da CE uma fórmula comum foi desenvolvida para a análise da
compatibilidade com a legislação da CE das medidas nacionais. Qualquer justificação
objectiva da restrição das liberdades fundamentais do Tratado CE deve satisfazer quatro
requisitos cumulativos. Em primeiro lugar, a medida que infrinja uma liberdade
fundamental não pode ser discriminatória. Em segundo lugar, a medida em causa deve
cumprir um objectivo de superior interesse público. Em terceiro lugar, a medida deve
ser adequada para garantir a realização dos objectivos propostos. E em quarto lugar, a
medida não deve ir além do que é necessário para os alcançar.
Quanto à análise da proporcionalidade das medidas nacionais, tem que ser tido
em conta que o impacto de uma restrição ao âmbito da liberdade de prestar e receber
serviços é diferente da resultante de restrições ao art. 43 º do Tratado CE. Devido à
temporalidade da actividade transfronteiriça ao abrigo do art. 49 º do Tratado CE, a
análise da proporcionalidade deve ser ainda mais rigorosa e fundamentada e a
possibilidade de o objectivo de uma medida nacional poder ser alcançado por meios
menos gravosos tem de ser muito cuidadosamente examinada. Nesse contexto, o TJ
considerou, por exemplo, se o interesse público alegado para justificar medidas
nacionais não se encontra já protegido pelas disposições legais e regulamentares do
Estado-Membro do qual o prestador de serviços é originário.
13
Ver especialmente C-33/74, van Binsbergen, para. 10 et seq.
II- Jurisprudência comunitária
A. Considerações Gerais
No contexto da actividade do Jogo, os critérios de justificação e de
proporcionalidade foram fixados com mais precisão num razoável número de sentenças
do TJCE relativas às restrições legais nacionais sobre o jogo. Este capítulo ilustra
brevemente o contexto em que as categorias de justificação e os critérios para a análise
da proporcionalidade, enumerados e resumidos acima e elementos básicos de todo o
estudo, foram estabelecidas pelo TJCE. Tenha-se em atenção que apenas serão
referidos, muito esquematicamente, para cada caso, os aspectos verdadeiramente
inovadores que um verdadeiro processo evolutivo sempre acarreta.
1. TJCE Schindler, C-275/92, de 24.3.1994
O veredicto do caso Schindler corresponde ao primeiro processo, referente ao
jogo, em que o Tribunal Europeu proferiu uma decisão. Coincidentemente, foi também
a primeira «(...) clear statement of the role of proportionality when moral or ethical
issues are at stake(…)».14
O caso diz respeito à importação de anúncios de lotaria para o Reino Unido com
vista à participação dos seus cidadãos numa lotaria alemã. Os convites dos irmãos
Schindler, agentes independentes contratados por uma entidade pública alemã ( SKLSuddeutsche Klassenlotterie), foram interceptados e confiscados na fronteira britânica.
A legislação do R.U. proibia, salvo algumas excepções limitadas, as lotarias no
seu território e a importação de material publicitário que violasse tais disposições.
Pretendia-se apurar se as lotarias eram contempladas pelo direito (ou constituíam uma
restrição) à livre circulação de serviços (já que os bens se referiam a uma lotaria
legalmente organizada noutro Estado Membro) ou, alternativamente, se constituíam
uma restrição à importação de mercadorias, incompatível com o artigo 28º TCE.
Perguntava-se também se tal legislação era compatível com a lei comunitária.
Segundo o tribunal, 1) A importação de anúncios e venda de bilhetes de lotaria
para um Estado-Membro tendo em vista a participação dos residentes desse Estado
14
“Judicially-Created Exceptions to the Free Provision of Services”, de Síofra O’Leary e José M.
Fernandéz-Martín, presente na colectânea id nota 23.
numa lotaria organizada noutro Estado-membro, refere-se a um "serviço", na acepção
do art. 50 º do Tratado CE (ex-artigo 60º)15 e insere-se por conseguinte no âmbito do
artigo 49 º do Tratado CE (ex-artigo 59º). As lotarias constituem actividades de natureza
económica, aceites na generalidade dos Estados Membros. 2) A legislação nacional que,
como a legislação do Reino Unido sobre lotarias, proíbe, salvo excepções especificadas,
a exploração de lotarias no Estado, é um obstáculo à livre prestação de serviços. 3) As
disposições do Tratado CE relativas à livre prestação de serviços não se opõem a
legislações como a do Reino Unido sobre lotarias, que tenham em conta preocupações
de política social e de prevenção de fraude que justifiquem a legislação.
O Tribunal reafirmou a posição defendida no caso Säger, de que a legislação
nacional, mesmo que não discriminatória, isto é, aplicável independentemente da
nacionalidade do operador ou agente, se insere no âmbito do art. 49º do Tratado CE (exartigo 59º), quando seja susceptível de impedir ou dificultar a actividade de um
prestador de serviços estabelecido noutro Estado-Membro, onde legitimamente presta
os seus serviços.
Esses obstáculos criados por medidas nacionais podem ser justificados por
razões imperativas de interesse público, caso as medidas sejam não discriminatórias e
proporcionais aos objectivos que prosseguem. As autoridades nacionais dispõem de
uma margem de manobra na determinação dos requisitos para permitir oferecer os
serviços de lotaria, tendo em conta as características sociais e culturais de cada EstadoMembro e do desejo de manter a ordem social. Interdições, podem, assim, ser
justificadas pelas seguintes razões: Protecção de padrões de ordem moral, religiosa e
cultural;16prevenção do lucro privado através da prestação de serviços de jogo;17 luta
contra a fraude e outras actividades criminosas, dada a dimensão dos montantes que
podem ser apostados e os possíveis ganhos;18 prevenção do incentivo para gastar somas
excessivas em serviços de apostas, e limitação da procura deste tipo de jogos, dados os
eventuais problemas resultantes para os indivíduos e os danos sociais (consequências
individuais e sociais negativas);19 política social, ainda que não considerada uma
15
Uma nova numeração do tratado foi introduzida com a ratificação do tratado de Amesterdão.
Schindler, para. 60.
17
Schindler, para. 57.
18
Schindler, para. 58.
19
Schindler, para. 60.
16
justificação objectiva, pelo facto das lotarias prestar um contributo importante ao
financiamento de boas causas sociais e actividades de interesse público, entre outros.
O tribunal considerou a restrição nacional em causa uma parte necessária da
protecção que o Estado-Membro pretende assegurar no seu território e, portanto, não
desproporcionada. As medidas restritivas devem ser assim necessárias e proporcionais.
2. TJCE Läärä, C 124-97 de 21.9.1999
Neste caso, Läärä, um operador de máquinas automáticas de jogo
(slotmachines), actuando sem licença e por conta de um cidadão britânico, foi acusado
de jogo ilegal.
De acordo com as disposições legais finlandesas20, os jogos de azar em questão
podem ser organizados, com a autorização das autoridades administrativas, com o
objectivo de recolher fundos para a caridade ou para uma outra finalidade não-lucrativa
prevista na lei. Apenas uma licença, válida por um período determinado, pode ser
emitida para cobrir estas actividades. Uma pessoa a organizar jogos de azar sem a
necessária licença está sujeita ao pagamento de uma multa ou pena de prisão até seis
meses. Sendo que a os direitos de exploração daquele tipo de jogos estavam cometidos a
um único organismo público nacional e uma licença tinha já sido concedida à Rahaautomaattiyhdistys, mediante remuneração.
O tribunal Finlandês, através de reenvio prejudicial, quis saber se a decisão do
caso Schindler poderia ser aplicada também a este caso. Inclusivamente se haveria
algumas diferenças entre estes casos considerando que o caso Schindler se prendia com
uma lotaria internacional com prémios substanciais, enquanto que no caso Läärä estava
em causa um jogo de entretenimento com pequenos prémios.
Para o tribunal, as disposições do Tratado CE relativas à livre prestação de
serviços não se opõem a uma regulamentação nacional como a legislação finlandesa que
concede direitos exclusivos de exploração de «slot machines» a um único organismo
público, tendo em conta objectivos de interesse público que o justifiquem. E afirmou
que um sistema ―reservado‖ de licenças, com um número limitado de titulares
20
Vide a Lei n.º 491 de 1 de Setembro de 1965, apelidada de Arpajaislaki, mormente arts. 1 nº1 e art. 2º.
autorizados pelo Estado, preenche as exigências necessárias para auferir de uma
excepção às liberdades garantidas pela Comunidade.
O tribunal considerou os seguintes fundamentos como sendo uma justificação
válida para restrições nacionais: A política pública, de segurança e saúde (art. º 46 º, 55
º do Tratado CE);21 restrição do jogo e o controlo do seu desenvolvimento; limitar a
exploração das paixões humanas pelo jogo, a protecção dos destinatários dos serviços e,
mais em geral, dos consumidores;22evitar o risco de crime e fraude e autorização dessas
actividades só com vista à recolha de fundos para a caridade ou para outros fins
benevolentes (restrição à natureza lucrativa), e a manutenção da ordem na sociedade.23
Mas mesmo sendo as medidas baseadas em razões justificativas
aceites/reconhecidas, estas devem garantir a realização dos objectivos prosseguidos
e não devem ir além do que é necessário para as atingir.24
Estas medidas devem ser avaliadas unicamente em função dos objectivos
pretendidos pelas autoridades nacionais do Estado-membro afectado e o nível de
protecção que pretende assegurar. O tribunal concluiu assim que não havia
desproporcionalidade regulamentar no respeitante ao objectivo, nem qualquer
discriminação.
O TJCE fez uma série de considerações que interessa escalpelizar. Concluiu que
é da competência dos Estados-Membros (margem de apreciação das autoridades) a
avaliação do nível de protecção que pretendem fornecer no seu território25 e que podem
decidir, no âmbito do objectivo prosseguido, proibir total ou parcialmente as actividades
desta natureza ou limitá-las e estabelecer mecanismos de controlo (regulação), que
podem ser mais ou menos estritos. O simples facto de um Estado-Membro ter optado
por um sistema de protecção diferente do adoptado por outro Estado-Membro, não pode
afectar a necessidade e a proporcionalidade das disposições decretadas para esse fim.
(tal como já tinha sido afirmado no caso Schindler).26
O Tribunal sublinhou ainda que o facto de os jogos não serem totalmente
proibidos não nos demonstra por si só que a legislação nacional não se destina a atingir
21
Läära, para. 31.
Läära, para. 32.
23
Läära, para. 32.
24
Läära, para. 31
25
Schindler, para. 61; Läära, para. 35
26
Läära, para. 36
22
os objectivos de interesse público que presumivelmente prossegue e que devem ser
considerados como um todo. A autorização limitada a um regime de exclusividade, que
tem as vantagens de canalizar, confinar ou restringir, o desejo de jogar e a exploração
dos jogos a canais controlados, de prevenir o risco de fraude ou crime, no contexto
desse tipo de exploração, e de utilização os benefícios daí resultantes para fins de
interesse público, insere-se no âmbito daqueles objectivos. 27
No entanto, de acordo com o tribunal, a escolha da medida nacional não deve ser
desproporcionada em relação ao objectivo prosseguido.28 Conferir direitos exclusivos a
uma única associação de direito público, cujas actividades são exercidas sob o controle
de do Estado, em vez de adoptar regulamentos e impor códigos de conduta necessários
para os operadores do sector privado não parece ser desproporcionado.29 É verdade que
os montantes recebidos pelo Estado para fins de interesse público a partir do único
licenciado também poderia ser obtida por outros meios, como a tributação das
actividades dos vários operadores autorizados a exercê-las no âmbito das regras de uma
natureza não-exclusiva; por outro lado, a obrigação de pagar todas as receitas, que é
imposta ao organismo público autorizado, constitui uma medida que, dado o risco de
crime e fraude, é certamente mais eficaz para assegurar que estão definidos estritos
limites para o carácter lucrativo de tais actividades.
3. TJCE Zenatti, C 67 / 98 de 21.10.1999
Em Janeiro de 1998, o tribunal de Verona pediu o reenvio prejudicial, num caso
sobre a possibilidade de aceitar apostas sobre acontecimentos desportivos. O caso dizia
respeito a uma proibição imposta a Zenatti de agir como intermediário em Itália de uma
empresa estabelecida no Reino Unido (aí autorizada), especializada na realização de
apostas desse género. A mediação das apostas era efectuada via fax e Internet.
A legislação em causa neste caso não proíbe totalmente a recepção de apostas,
mas reserva a determinados organismos o direito de organizar apostas em determinadas
circunstâncias. Em Itália as empresas CONI (eventos desportivos) e UNIRE (cavalos)
detêm o monopólio do jogo referente a estes mercados. As contrapartidas asseguram o
27
Läära, para. 37
Läära, para. 41
29
Läära, para. 41
28
apoio e desenvolvimento do desporto no país para além de promover a criação de
cavalos.
Zenatti sustentava que a decisão relativa ao caso Schindler não deveria ser
aplicada a este caso já que se tratava da competência e capacidade individual na
previsão de resultados. Referindo-se à competência e capacidade individual, Zenatti
alegava que as apostas poderiam ser melhor interpretadas como uma competição do que
como um jogo. Para além disso, as justificações em termos de considerações sociais e
prevenção da fraude não eram, segundo Zenatti, suficientes para restringir a livre
circulação de serviços. Assim, o tribunal italiano pretendia uma confirmação da
possibilidade de decidir em analogia com o caso Schindler
O Tribunal Europeu foi da opinião que existiam duas diferenças em relação ao
caso Schindler. A Grã-Bretanha tinha uma proibição total contra as lotarias em grande
escala, enquanto no caso italiano não havia proibição total. De facto, o Governo italiano
concedia licenças de mediação a certas organizações seleccionadas com regulamentos
especiais. Para além disso, no caso Zenatti, o direito ao estabelecimento poderia aplicarse visto que a SSP tinha o direito de gerir um negócio de jogo num Estado-membro e
queria o mesmo direito noutro país. No entanto, o pedido do tribunal italiano consistia
apenas numa questão sobre a livre circulação de serviços, o que impedia o Tribunal
Europeu de examinar o caso com base no estabelecimento.
O seu veredicto foi o de que as disposições do Tratado CE relativas à livre
prestação de serviços não se opõem a uma legislação nacional (compatibilidade), como
a legislação italiana, que reserve a determinados organismos o direito de aceitar apostas
sobre acontecimentos desportivos, se essa legislação é de facto justificada por
objectivos de política social destinados a limitar os efeitos nocivos que tais actividades
causam e se as restrições que impõe não são desproporcionado em relação a esses
objectivos.
Os objectivos em questão dizem respeito à protecção dos consumidores, bem
como à manutenção da ordem na sociedade e já foram considerados para classificar
entre os objectivos que podem ser considerados como razões imperativas de interesse
público.30 31
30
O tribunal refere-se aqui (para. 31) aos seguintes casos: Casos conjuntos110/78 and 111/78
Ministère Public v Van Wesemael, ECR 1979, para. 28, Caso 220/83 Commission v France
As medidas baseadas nas razões acima mencionadas, devem ser adequadas para
garantir a consecução dos objectivos pretendidos e não exceder o necessário para os
atingir.32
Mas o verdadeiro «break through» deste caso foi o considerar que a limitação
em causa só será aceitável se reflectir a preocupação de trazer uma verdadeira redução
das ocasiões de jogo e se o financiamento das actividades sociais através de uma
taxação sobre as receitas dos jogos autorizados constituir apenas uma ―consequência
benéfica acessória‖, e não a justificação real da política restritiva adoptada.33 Assim,
apesar de o facto de as lotarias e outros jogos de fortuna e azar poderem representar um
meio de financiar a caridade ou outras actividades de interesse público não poder ser
negligenciado, tal facto não pode ser considerada em si mesmo como uma justificação
objectiva para as restrições da liberdade de prestação de serviços.34
E sentencia ainda: cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se, tendo em conta as
regras específicas que regem a sua aplicação, a legislação nacional é genuinamente
dirigida à realização dos objectivos que são capazes de o justificar e se as restrições que
impõe não parecem desproporcionadas à luz desses objectivos.35
4. TJCE Anomar, C-6/01, 11.9.2003
Este caso acerca de jogos de fortuna ou azar confirma o direito do governo
português de estabelecer um monopólio do jogo a favor dos casinos.
A Anomar é a associação nacional portuguesa de operadores no sector de
máquinas de jogos. A associação intentou um processo contra o governo português para
obter o direito de desenvolver serviços de jogo fora das zonas legalmente permitidas em
Portugal (nos casinos), e, portanto, acabar com o monopólio que esta associação
entende estar em conflito com a lei da Comunidade Europeia Nos termos das
disposições nacionais controvertidas, a exploração e a prática de jogos de acaso ou
combinação de jogos de azar e outras formas de jogos fora das devidamente zonas
ECR 1986, 3663, para. 20, e Caso15/78, Société Générale Alsacienne, ECR 1978, 1971,
para. 5.
31
Zenatti, para. 30. Apenas acrescentou como um novo aspecto o argumento do bom (e regular)
desenrolar das competições desportivas.
32
Houve considerações que, tendo sido já expendidas no caso Läära, me escuso de referir. Por obséquio
vide os parágrafos compreendidos com as referências às notas 38 a 40 do nº anterior e, quanto a este
caso, Zenatti, para. 31 e 33 a 35.
33
Zenatti, para. 36.
34
Zenatti, para. 36
35
Zenatti, para. 37
autorizadas é considerada uma infracção punível com uma pena de prisão. O princípio
geral em que assenta o nosso regime legal prevê que «[o] direito de
explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado».
Como o órgão jurisdicional nacional refere no seu despacho de reenvio, a
legislação portuguesa não discrimina entre os nacionais dos vários Estados-Membros. A
legislação deve portanto, ser considerada como aplicando sem distinção. É oportuno
indagar se o art. 49 º do Tratado CE se opõe a uma legislação como a que está em causa
no processo principal, processo que, apesar da não discriminação em razão da
nacionalidade, restringe a liberdade de prestação de serviços.
Através deste acórdão, foi estabelecido o seguinte: 1) Os jogos de fortuna ou
azar constituem actividades económicas na acepção do artigo 2 º do Tratado CE, 2) a
actividade de exploração de máquinas de jogo deve, independentemente de ser ou não
dissociável das actividades relativas ao fabrico, importação e distribuição dessas
máquinas, ser considerado um serviço, na acepção do Tratado CE e, portanto, não pode
entrar no âmbito dos artigos 28º e 29º Do Tratado CE relativos à livre circulação de
mercadorias;
3) um monopólio de exploração de jogos de fortuna ou azar não se enquadra
no alcance do artigo 31 º do Tratado CE; 4) a legislação nacional como a nossa que
autoriza o funcionamento e prática de jogos de fortuna ou azar apenas casinos em zonas
de jogo permanentes ou temporárias criadas por decreto-lei e que é indistintamente
aplicável aos seus próprios cidadãos e cidadãos de outros Estados Membros constitui
um entrave à livre prestação de serviços. Contudo, os artigos 49 º do Tratado CE e segs.
não se opõem a essa legislação nacional, tendo em vista a preocupações de política
social e de prevenção de fraudes que a justificam; finalmente, 5) o facto de poder
existir, noutros Estados-Membros, legislação que estabeleça condições para a
exploração e prática de jogos de fortuna ou azar que sejam menos restritivas do que as
previstas pela legislação portuguesa, não tem qualquer influência sobre a
compatibilidade deste último com o direito comunitário; 6) No contexto de legislação
que seja compatível com o Tratado CE, a escolha de métodos para organizar e controlar
o funcionamento e a prática de jogos de fortuna ou azar, como a celebração com o
Estado de um contrato administrativo de concessão (licenciamento), ou a limitação da
exploração e prática de certos jogos aos locais devidamente autorizados para o efeito,
cai dentro da margem de discricionariedade de que as autoridades nacionais gozam (é
uma questão exclusivamente nacional).
O Tribunal refere novamente36 as preocupações de política social e de prevenção da
fraude,37protecção dos consumidores,38 que são os destinatários do serviço, e a
manutenção da ordem na sociedade39
A escolha dos métodos para organizar e controlar a exploração e a prática de
jogos de fortuna ou azar, como a celebração com o Estado de um contrato
administrativo de concessão ou a limitação da exploração e prática de certos jogos aos
locais devidamente autorizados para esse fim, cai dentro da margem de
discricionariedade que as autoridades nacionais gozam.40 Estas definem os objectivos
que pretendem proteger, determinam os meios que considerem mais adequados para
alcançá-los e estabelecer regras para a exploração e a prática de jogos, que podem ser
mais ou menos estritas e que tenham sido considerados compatíveis com o tratado CE.41
5. TJCE Gambelli, C-243/01, 6.11.2003
Uma organização de agências italianas foi acusada de ter colaborado ilegalmente
com um «bookmaker» britânico -Stanleybet Internacional- na actividade de recolha de
apostas que normalmente era reservada pela lei ao Estado e, portanto, considerada
incompatível com o monopólio nacional em apostas desportivas. Aquela empresa
estrangeira foi também obrigada a deixar de fazer publicidade em Itália por conflito
com aquele monopólio.
Por conseguinte, em 2001, foi requerido para este caso uma interpretação do
princípio da livre circulação de serviços. O tribunal italiano também questionou se a
legislação italiana estaria em conflito com o direito de livre estabelecimento, visto esta
questão não ter sido considerada no caso Zenatti.
A legislação nacional que proíbe, sob pena de sanções penais, o exercício da
actividade de recolha, aceitação, registo e transmissão de propostas de apostas,
36
Vide, aproveitando este mote, nota 45 e Anomar, para. 79, (o tribunal refere-se neste processo a Läära,
para. 35,e Zenatti, para. 33) e ainda Anomar, para. 80; (aqui o tribunal refere Läära, para. 36, e Zenatti,
para. 34).
37
Anomar, para. 62 e 73.
38
Anomar, para. 73.
39
Anomar, para. 62 e 73.
40
Anomar, para. 88.
41
Anomar, para. 87. O tribunal refere-se aqui a Schindler, para. 61, Läärä, para. 35, e Zenatti, para. 33.
nomeadamente sobre acontecimentos desportivos, sem licença ou autorização do
Estado-membro em causa, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento e à
livre prestação de serviços previstas nos artigos 43 º e 49 º do Tratado CE,
respectivamente. No entanto, cabe ao juiz nacional verificar se esta legislação, tendo em
conta as as suas regras de aplicação, obedece verdadeiramente aos objectivos que
possam justificá-la, e se as restrições que impõe são desproporcionadas em relação a
esses objectivos. Pelo que aqueles direitos de exclusividade concedidos em
conformidade com as leis nacionais a certas empresas fornecedoras de serviços de jogo
não violam necessariamente o Tratado da Comunidade Europeia.
O Tribunal recorda que a medida nacional tem de ser não-discriminatória. Além
disso, salienta que é ao tribunal nacional que compete (o Tribunal Europeu, mormente
na área de serviços, parece preferir delegar os juízos mais sensíveis aos tribunais
nacionais.) verificar se a maneira como as condições para a apresentação de concursos
para obtenção de licenças de organização de apostas sobre eventos desportivos são
estabelecidas, permite, na prática, que tais condições sejam preenchidas mais facilmente
pelos operadores italianos do que pelos operadores estrangeiros. Ele deixa claro que se
tal acontecer, tais condições não satisfazem a exigência de não discriminação.42
Restrições não-discriminatórias devem ser ou aceitáveis como medidas excepcionais
expressamente previstas nos artigos 45 e 46 CE ou justificadas por razões imperiosas de
interesse público.
Ademais, a redução ou diminuição da receita fiscal (um interesse económico,
bem vistas as coisas) não constitui uma razão aceitável que possa ser invocada para
justificar uma restrição.43 O que se insere na tendência precedente da jurisprudência do
TJCE. O financiamento de actividades sociais através de uma taxa sobre as receitas
provenientes dos jogos autorizados não devem ser nada mais do que uma mera
consequência secundária positiva, e não a principal justificação para a
regulamentação.44
O Tribunal Europeu fez um juízo global de todos os factores e concluiu que os
propósitos mencionados45 deram às autoridades nacionais uma grande legitimidade para
um juízo arbitrário sobre o nível de protecção ao consumidor e preservação da ordem
42
Gambelli, para. 71.
Gambelli, para. 61.
44
Gambelli, para. 62.
45 Veja as notas 45 e 49
43
pública.46
Restrições ao exercício do jogo podem ser justificada por razões imperativas de
interesse público, e.g. objectivos de política social. No entanto, as restrições com base
em tais fundamentos e na necessidade de preservar a ordem pública também devem ser
adequados à consecução daqueles objectivos, na medida em que devem servir para
limitar as apostas de uma maneira consistente e sistemática.47
As restrições devem reflectir a preocupação genuína de provocar uma
diminuição real das oportunidades de jogo. Na medida em que as autoridades de um
Estado-Membro incitem e encorajem os consumidores a participar em lotarias, jogos de
azar e apostas para o benefício financeiro do erário público, as autoridades desse Estado
não podem invocar as preocupações de ordem pública respeitantes à necessidade de
reduzir as oportunidades para o jogo. (motivo aparente e não real). A empresa pública
concessionária de jogo detinha o controlo da comercialização dos seus jogos quando
optou por incrementar uma campanha agressiva de marketing e projectos para introduzir
novos tipos de jogos no mercado. O objectivo da política adoptada não podia ser a
limitação do jogo, e, nesse caso, não tinha nenhum direito de limitar a livre
circulação de serviços. Motivações puramente económicas como estas não podem
constituir razão para restringir o direito à livre circulação de serviços e jamais poderão
delimitar as ofertas de jogo de outros Estados-membros.48
As restrições impostas não devem ir além do que é necessário para atingir os
objectivos preconizados. Em especial: a) a proporcionalidade deve ser avaliada
particularmente, quando o envolvimento em apostas é incentivado no contexto de jogos
organizados por organismos nacionais licenciados;49 b) tem que ser determinado se a
imposição de restrições, acompanhada de sanções penais, vai além do que é necessário
para combater a fraude, especialmente quando o fornecedor do serviço está sujeito no
seu Estado-Membro de estabelecimento a um regime de controlo e de sanções, quando
os intermediários são legalmente constituídos, e quando esses intermediários
consideraram que foram autorizados a transmitir apostas em eventos desportivos
estrangeiros;50 c) tem ainda que ser determinado se a legislação nacional, tendo em
46
Gambelli, para. 63.
Gambelli, para. 67.
48
Gambelli, para. 69.
49
Gambelli, para. 72.
50
Gambelli, para. 73.
47
conta as suas regras de aplicação, serve realmente os objectivos que as possam
justificar;51 d) no que diz respeito à liberdade de estabelecimento, o evitar que empresas
de capital cotadas em mercados regulamentados de outros Estados-Membros obtenham
licenças para organizar apostas desportivas, especialmente quando existem outros meios
de controlar as contas e actividades dessas empresas, pode ser considerada uma medida
que vai além do que é necessário para verificar uma situação de fraude.52
6. TJCE Lindman C-42/02, 13.11.2003
Neste caso pretendia-se saber em que países deveriam ser cobrados
os impostos referentes a um prémio de jogo. Uma mulher finlandesa chamada
Lindman, durante uma estadia na Suécia, comprou um bilhete de lotaria que viria a ser
premiado com um milhão de coroas suecas. O governo Finlandês reclamou a liquidação
do imposto sobre o prémio recebido, independentemente do facto de todos os prémios
das lotarias finlandesas serem isentos, competindo ao organizador o seu pagamento.
[De
acordo com a legislação fiscal finlandesa, ganhos provenientes de jogos de azar
estão isentos de imposto (sobre o rendimento)]. Os ganhos de um residente e cidadão da
Finlândia, provenientes de um sorteio sueco, foram, porém, considerados rendimentos
sujeitos a imposto finlandês, com base no argumento de que de outra forma ambos (o
operador sueco e o nacional finlandês) não seriam tributados na Finlândia. O caso
levanta não só a questão da justificação das barreiras aos arts. 49 º e 50 º do Tratado CE,
como revela uma manifesta discriminação.
O artigo 49 º do Tratado CE proíbe a legislação de um Estado-membro em que
os prémios provenientes de jogos de fortuna e azar organizados noutros EstadosMembros sejam tratados como rendimento do premiado sujeito ao imposto sobre o
rendimento, enquanto os prémios de jogos de azar realizados no Estado-membro em
questão não são tributáveis. Esta decisão sugere que, no âmbito dos impostos, a
evolução vai no sentido de uma regulamentação homogénea para o mercado de jogo
europeu, obrigando assim os Estados membros a alterar a sua legislação fiscal em
conformidade com o estabelecido. Um dos problemas principais com a futura
51
52
Gambelli, para. 75.
Gambelli, para. 74.
harmonização do mercado de jogo europeu que permita a livre concorrência, são os
monopólios de jogo nacionais que arrecadam avultadas receitas fiscais.
O tribunal assinalou que não é suficiente que um Estado-Membro invoque um
objectivo de interesse público para justificar as suas medidas nacionais restritivas, mas
que os Estados-Membros têm de provar por meio de uma análise concreta, que a
alegação do objectivo é bem fundada.53 Do mesmo modo, a análise da adequação e
proporcionalidade da medida restritiva adoptada por um Estado-Membro exige que a
fundamentação das disposições em causa divulgue dados estatísticos ou outros modos
de prova que permitam uma conclusão a tirar a respeito da gravidade dos riscos ligados
aos jogos de azar ou a existência de uma particular relação de causalidade entre esses
riscos e a participação dos cidadãos do Estado-Membro em causa em jogos organizados
noutros Estados-membros.54
B. Critérios de justificação e de proporcionalidade dos entraves colocados em casos
de jogo
Em relação às observações e análise da jurisprudência do TJCE (ponto A) acima
enumeradas pode-se resumir que os seguintes objectivos de interesse público são, em
princípio, admitidos como justificações de medidas nacionais restritivas no campo de
jogo, desde que os critérios de proporcionalidade, por último especificados, tenham sido
respeitados:
1. Critérios de Justificação
A manutenção da ordem pública, cuja noção pode variar de um país para
55
outra, e a prevenção da fraude e de outras actividades criminais;56 a limitação da
53
Omega, para. 38. O tribunal refere-se aqui a Läärä, para. 36; Zenatti, para. 34; Case C-6/01
Anomar and Others, ECR 2003, I-0000, para. 80.
54
Vide C-55/94 Gebhard, ECR 1995, ECR I-4165 and C-100/01; Oteiza Olazabal, ECR 2002, I10981, C- 42/04, Lindman, para. 25.
55
56
Läära, para. 31; Omega, para. 31
Läära, para. 32; Zenatti, para. 30; Schindler, para. 60; Anomar, para 62 and 73.
exploração das paixões humanas pelo jogo,57 e a prevenção de consequências
individuais e sociais nefastas do incitamento aos gastos,58 e, mais em geral a protecção
do consumidor;59 a manutenção da ordem social60 e protecção de aspectos morais e
culturais;61 prevenção do jogo ser uma fonte de lucro privado62
De acordo com os julgamentos Zenatti63 e Gambelli64, as seguintes justificações
são, respectivamente, permitidas apenas como uma justificação adicional ou como
justificação não válida: 1) O financiamento das actividades sociais não deve ser a
justificação fundamental, mas apenas um consequência secundária positiva,65 2) A
prevenção de uma diminuição ou redução das receitas fiscais não é uma justificação
válida.66
Como o Tribunal de Justiça indicou expressamente, no entanto, a justificação
(válida) acima mencionada não deve ser simplesmente alegada, deve basear-se num
motivo real e reconhecível: as restrições devem reflectir o desejo de provocar uma
diminuição real de oportunidades de jogo.67
É necessário determinar se a legislação nacional serve realmente os objectivos que
as possam justificar.68 Na medida em que os operadores de Estado estimulem e
incentivem os consumidores a participar em jogos de azar para o benefício dos cofres
públicos, o respeito da ordem pública relacionada com a necessidade de reduzir
oportunidades do jogo não pode ser invocada pelas autoridades nacionais.69
Por último, o raciocínio deve incluir dados estatísticos ou outras ―provas‖ que levem à
conclusão de que a base de fundamentação realmente existe.70
57
Läära, para. 32; Zenatti, para. 30 and 35.
Zenatti, para. 30. and 35; Schindler, para. 60.
59
Läära, para. 32; Anomar, para. 73.
60
Schindler, para. 58; Läära, para. 32; Anomar, para. 62 and 73.
61
Schindler, para. 60. Cf. Omega, para. 37.
62
Schindler, para. 57
63
Zenatti, para. 36
64
Gambelli, para. 61.
65
Zenatti, para. 36; Gambelli, para. 61.
66
Gambelli, para. 61.
67
Zenatti, para. 36, Gambelli, para. 67.
68
Läära, para. 33; C-243/01 Gambelli, para. 67; cf. Omega, para. 36.
69
Gambelli, para. 69, 72
70
See Lindman, C-42/02, para. 26.
58
2.
Requisitos de Proporcionalidade
O TJE também deixou claro como a noção de proporcionalidade deve ser
entendida no que diz respeito a medidas nacionais que limitem as actividades de jogo.
Em princípio, o nível de protecção que um Estado-Membro pretende fornecer,
por si só, não afecta a proporcionalidade das disposições nacionais. Pelo contrário, os
Estados-Membros podem decidir por si mesmos sobre o sistema de protecção, que pode
diferir do adoptado por outro Estado-Membro.71
As justificações invocadas por um Estado-Membro devem ser acompanhadas por
uma análise da adequação e da necessidade da medida restritiva adoptada por esse
Estado.72
As restrições que a legislação nacional impõe devem ser, no entanto, também tendo
em vista o tipo de sanções previstas, proporcionais à luz dos objectivos concretos no
caso particular. Tem que ser avaliado se existem alternativas menos restritivas, que
sejam igualmente efectivas.73 (por exemplo, mesmo que o objectivo das autoridades de
um Estado-Membro seja evitar o risco de titulares da licença de jogo estarem
envolvidos em actividades criminais ou fraudulentas, tem que ser cuidadosamente
examinado se não há outros meios de controlar as contas e actividades dos operadores
de jogo).74
Por fim, a proporcionalidade da imposição de restrições tem que ser examinada
ainda mais estritamente nos casos em que o prestador do serviço está sujeito no seu
Estado-Membro de estabelecimento a um sistema de regulação e controlo rigoroso.75
71
V.g. Schindler, para. 61 and Läära, para. 35. Cf. Zenatti, para. 33.
Vide também C-55/94, Gebhard, ECR 1995, I-4165, and C-100/01 Oteiza Olazabal, ECR 2002, I10981.
73
Läära, para. 32; Zenatti, para. 36 and 38; Gambelli, para. 67.
74
Gambelli, para. 72-74.
75
Gambelli, para. 73.
72
Conclusão
Estamos já em condições de tecer algumas considerações finais.
Assim, podemos afirmar com segurança que uma das grandes constantes
dos últimos anos na jurisprudência do TCE, tem sido o conflito de interesses
entre os Estados Membros, com a sua legítima pretensão de auto-regulação (v.g.
monopólios públicos), e de conservação de autonomia, por um lado, e a
estruturação de um mercado (europeu) plenamente livre, sem “qualquer” tipo
de restrições, por outro.
Embora tenha havido recentemente uma tentativa de harmonização e de
estandardização de sectores normativos há muito negligenciados (e.g. Directiva
dos Serviços, de 2004), Muitos outros continuam postergados. O Jogo é só mais
um deles.
Entretanto as restrições à legislação dos tratados comunitários,
continuam a ser largamente justificadas, embora actualmente com critérios
mais apertados e exigentes, (por exemplo, ter de se provar a diminuição real
das oportunidades de jogo, se tal objectivo for alegado). E a irresponsabilidade
demonstrada por alguns governos na defesa ilimitada dos seus monopólios
públicos, cria um sentimento de antecipação de que no futuro eles não sejam tão
bem aceites... ( para que serve a publicidade incessante e imaginativa do
Euromilhões?). Só uma alteração de políticas parece poder inverter esta
tendência.
A Comissão Europeia, a este respeito, tem acompanhado a corrente. Já
não são raros os procedimentos de infracção instaurados, devido a situações
similares às que têm sido referidas. E um factor importantíssimo tem
contribuído para a tal corrente: O crescimento exponencial do uso da internet e
de outros meios tecnológicos e com eles, da oferta de jogo na internet. Eis um
exemplo de como a regulação é tarefa urgente (e penso aqui no ajustamento das
leis nacionais a futuras regulações europeias, veja-se, por exemplo, o projecto de
relatório sobre a integridade das apostas em linha de 2008) é tarefa urgente.
Foi este processo que o trabalho procurou demonstrar. Espera-se que com algum
sucesso.
Bibliografia
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Maria João Abecasis, Fernando Paes Afonso, Relatório, em:
Http://www.portugal.gov.pt/NR/rdonlyres/60D9C068-25EE-4DA2-9901865ED681F7A9/0/Rel_Final_Mercado_Jogos.pdf.
 Eduardo Paz Ferreira, ―Algumas considerações sobre o papel do monopólio
público do jogo nas modernas finanças públicas‖, Estudos Jurídicos e
Económicos em homenagem ao Professor João Lumbrales,Edição da Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa.
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http://www.scml.pt/default.asp?site=eng&sub=&id=7&mnu=7
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Europa Política, nº 15, Janeiro/Junho 2004, Centro de Informação Jacques
Delors.
o “O mercado interno como imperativo da modernidade”, Teresa Moura.
o “ A Europa e o mercado interno”, Maria José Salazar Leite.
 Study of Gambling Services in the internal market of the European Union, Final
Report, 14 June 2006, Institut Suisse de Droit Comparé, European Comission,
2006.
Índice geral
Abreviaturas……………………………………………………………………......2
Introdução……………………………………………………………………...…..3
O CASO DO JOGO
I- Enquadramento jurídico……………………………………………………..….5
1. A Livre Circulação....................................................................................5
1.1. O Artigo 49º TCEA Liberdade de prestar e receber serviços........................................................5
1.1.1. Características do princípio
da livre prestação de serviços.........................................................................5
1.1.2. Jogo como um ―serviço‖......................................................................6
1.2. Art. 43º TCELiberdade de estabelecimento.........................................................................7
1.2.1. Características do princípio
da liberdade de estabelecimento......................................................................7
1.2.2. O Jogo no âmbito de aplicação
do art. 43 º do Tratado CE.............................................................................7
2. Justificação e proporcionalidade dos
limites ao art. 43 e 49 º do Tratado CE............................................................8
II- Jurisprudência comunitária.......................................................................9
A- Considerações Gerais………………………………………………………......9
1. TJCE Schindler………………………………………………………………….10
2. TJCE Läärä……………………………………………………………………...12
3. TJCE Zenatti…………………………………………………………………….14
4. TJCE Anomar…………………………………………………………………...16
5. TJCE Gambelli.........................................................................................18
7. TJCE Lindman..........................................................................................21
B. Critérios de justificação e de
proporcionalidade dos entraves colocados
em casos de jogo...........................................................................................22
1. Critérios de Justificação…………………………………………………………22
2. Requisitos de Proporcionalidade..................................................................24
Conclusão....................................................................................................25
Bibliografia.............................................................................................................26

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